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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Capítulo 2 modelo de regras I. São Paulo SP Brasil:
Martins Fontes – 1º edição – 2002.
1. Questões embaraçosas
1.1. Os juristas apóiam-se pesadamente nos conceitos de direito jurídico e obrigação jurídica.
1.1.1. Dizemos que alguém tem um direito ou obrigação jurídica e tomamos essa afirmação como
uma base sólida para fazer reivindicações e exigências.
1.2. Mas nossa compreensão desses conceitos é extraordinariamente frágil e ficamos em
dificuldades toda a vez que tentamos dizer o que são direitos e obrigações jurídicos.
1.3. Dizemos com loquacidade que o fato de uma pessoa ter ou não uma obrigação jurídica é determinado
pela aplicação do “direito” aos fatos particulares de seu caso, mas a resposta não é muito útil, pois
temos as mesmas dificuldades com o conceito do direito.
1.4. Estamos acostumados a resumir nossos problemas às questões clássicas de teoria do direito.
1.4.1. O que é “o direito”?
1.4.2. Quando, como ocorre frequentemente, duas partes discordam a respeito de uma proposição
“de direito”, sobre o que estão discordando e como devemos decidir sobre qual dos lados está
com a razão?
1.4.3. Por que denominamos de “obrigação jurídica” aquilo que “o direito” enuncia?
1.4.4. Neste caso, “obrigação” é apenas um termo técnico que significa apenas o que é enunciado
pela lei? Ou a obrigação jurídica tem algo a ver com a obrigação moral?
1.4.5. Podemos dizer, pelo menos em princípio, que temos as mesmas razoes tanto para cumprir
nossas obrigações jurídicas como para cumprir nossas obrigações morais?
1.5. Estas não são perplexidades que nos causam embaraço quando lidamos com problemas específicos
que precisamos resolver de uma maneira ou de outra.
1.6. Suponhamos que um caso inusitado de direito à privacidade chegue ao tribunal e que o autor da ação
não invoque nenhuma lei ou jurisprudência.
1.6.1. Que papel deveria desempenhar na decisão do tribunal o fato de que a maioria das pessoas da
comunidade pense que cada indivíduo tem uma prerrogativa “moral” a essa privacidade
particular.
1.6.2. Suponhamos que a Suprema Corte ordene a libertação de um prisioneiro porque a polícia
utilizou de métodos que a partir de agora a Corte declara proibidos constitucionalmente,
embora em suas decisões anteriores tenha aceito esses procedimentos.
1.6.2.1. Deve a Corte, para ser consistente, libertar todos os prisioneiros anteriormente
condenados com base nos mesmos procedimentos1?
1.6.3. Perplexidades conceituais sobre “o direito” e a “obrigação jurídica” tornam-se agudas quando
um tribunal é confrontado com um problema como esse.
1.7. Essas turbulências apontam para uma doença crônica.
1.7.1. Dia após dia, através do uso da força mandamos pessoas para a prisão, tiramos dinheiro delas,
ou a levamos a fazer coisas que não desejam fazer, e, para justificar tudo isso, dizemos que
essas pessoas infringiram a lei.
1.7.2. Mesmo nos casos mais claros (um assalto a banco ou uma quebra voluntária de contrato),
quando estamos certos de que alguém tem uma obrigação jurídica e a infringiu, não somos
capazes de oferecer uma exposição satisfatória do que aquilo significa ou por que aquilo
autoriza o estado a puni-lo ou coagi-lo.
1.7.3. Podemos sentir que o que estamos fazendo é correto, mas, enquanto não identificados os
princípios que estamos seguindo, não podemos estar certos que eles são suficientes, ou se
os estamos aplicando consistentemente.
1.7.4. Em casos menos claros, quando saber se uma obrigação foi infringida é por alguma razão um
tema controvertido, a intensidade dessas questões prementes aumenta e nossa responsabilidade
de encontrar se aprofunda.
1.8. Alguns juristas (que podemos chamar de “nominalistas”) insistem em que a melhor maneira
de resolver tais problemas consiste em ignorá-los.
1.8.1. Na concepção deles, os conceitos de “obrigações jurídica” e o “direito” são mitos, inventados
e mantidos pelos juristas em nome de uma sombria mistura de motivos conscientes e
inconscientes.
1.8.2. As perplexidades que esses conceitos provocam são simplesmente sintomas de que eles
são mitos.
1.8.3. Melhor seria se nos livrássemos inteiramente das perplexidades e conceitos, perseguíssemos
nossos importantes objetivos sociais sem esse excesso de bagagem.
1.9. Essa é uma sugestão tentadora, mas tem desvantagens fatais.
1.9.1. Antes que possamos decidir que nossos conceitos de direito e obrigação jurídica são mitos,
necessitamos decidir o que são. Devemos ser capazes de expor, pelo menos aproximadamente,
o que é que todos acreditam ser um erro.
1.9.1.1. Mas o cerne do nosso problema é que temos grande dificuldade de fazer justamente
isso.
1.9.2. Antes de termos uma tal teoria geral, não podemos concluir que as nossas práticas são estupidas
ou supersticiosas.
1.10. Sem dúvida, os nominalistas pensam que sabem como nós outros utilizamos esses conceitos.
1.10.1. Eles pensam que quando falamos de “o direito”, queremos dizer um conjunto de regras
atemporais, estocadas em algum depósito conceitual à espera de que juízes as descubram e
que, quando falamos sobre obrigações jurídicas, estamos nos referindo às cadeias invisíveis
que, de algum modo, essas misteriosas regras tecem à nossa volta.
1.10.1.1. A teoria de que existem tais regras e cadeias é por eles chamada de “teoria mecânica
do direito” e estão certos ao ridicularizar os adeptos dessa teoria.
1.10.1.1.1. Contudo, enfrentam a dificuldade de encontrar tais adeptos para ridicularizar.
1.11. De qualquer modo, é evidente que a maioria dos juristas não tem em mente nada de
semelhante quando falam sobre o direito e a obrigação jurídica.
1.11.1. Um exame superficial das nossas práticas é suficiente para mostrar isso, pois falamos de leis
que mudam e evoluem e de suas obrigações legais que às vezes são problemáticas. Dessa e de
outras maneiras, mostramos que não somos dependentes da teoria mecânica do direito.
1.12. Não obstante isso, fazemos uso dos conceitos de direito e de obrigação jurídica e supomos que
a autorização da sociedade para punir e coagir está expressa nessa moeda.
1.12.1. Pode ser que, quando os detalhes dessa prática forem desnudados, os conceitos que utilizamos
venham a mostrar-se tão tolos e prenhes de ilusões quanto aqueles que os nominalistas
inventaram. Se isso ocorrer, teremos que encontrar outras maneiras de descrever o que
fazemos, seja fornecendo justificações, seja alterando nossas práticas.
1.12.1.1. Mas enquanto não descobrimos isso e fizermos esses ajustes, não poderemos aceitar o
convite prematuro dos nominalistas para que voltemos as costas aos problemas
colocados por nossos conceitos atuais.
1.13. Sem dúvida, a sugestão de que paremos de falar sobre “o direito” e a “obrigação jurídica” é
em grande parte um blefe.
1.13.1. Esses conceitos estão profundamente enraizados na estrutura das nossas práticas políticas –
eles não podem ser deixados de lado como se fossem cigarros ou chapéus.
1.13.2. Alguns nominalistas admitiram parcialmente isso e afirmaram que os mitos que eles
condenam devem ser vistos como mitos platônicos e preservados para induzir as massas
a aceitar a ordem social.
1.13.2.1. Talvez a sugestão não seja tão cínica quanto parece; talvez ela seja uma maneira
dissimulada de esquivar-se de uma aposta dúbia.
1.14. Se ignoramos o blefe, o ataque nominalista reduz-se a um ataque contra a teoria mecânica do
direito.
1.14.1. Não obstante suas heroicas exortações sobre a morte do direito, os próprios nominalistas
ofereceram, embutida em seus ataques, uma análise de como devem ser usados os termos
“direito” e “obrigação legal”, análise que não é muito diferente daquela proposta pelos
filósofos mais clássicos.
1.14.1.1. Os nominalistas apresentaram suas análises como um modelo do “funcionamento
real” das instituições jurídicas e especialmente dos tribunais.
1.14.2. Mas esse modelo difere, especialmente naquilo que enfatiza, da teoria que o filósofo do século
XIX, John Austin, foi o primeiro a popularizar, teoria que hoje é aceita, em uma forma ou
outra, pela maior parte dos juristas mais ativos e de orientação mais acadêmica que defendem
concepções a respeito da teoria do direito.
1.14.2.1. Denominarei essa teoria, com alguma imprecisão histórica, de “positivismo
jurídico”. Desejo examinar a solidez do positivismo jurídico, especialmente na
forma poderosa que lhe foi dada pelo Professorar H. L. A. Hart.
1.14.2.1.1. Resolvi concentrar-me na sua opinião não apenas devido a sua clareza e
elegância, mas porque neste caso, como em quase todas as outras áreas da
filosofia do direito, o pensamento que visa construir deve começar com um
exame das concepções de Hart.
2. Positivismo
2.1. O positivismo possui como esqueleto algumas poucas preposições centrais e organizadoras.
2.2. Esses preceitos chaves podem ser formulados da seguinte maneira.
2.2.1. (a) O direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais utilizado direta ou
indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar qual comportamento será
punido ou coagido pelo poder público.
2.2.1.1. Essas regras especiais podem ser identificadas e distinguidas com auxílio de critérios
específicos, de testes que não tem a ver com seu conteúdo, mas com o seu pedigree ou
maneira pela qual foram adotadas ou formuladas.
2.2.1.2. Esses testes de pedigree podem ser usados para distinguir regras jurídicas válidas de
regras jurídicas espúrias (regras que advogados e litigantes erroneamente argumentam
ser regras do direito) e também de outros tipos de regras sociais (em geral agrupadas
como “regras morais”) que a comunidade segue mas não faz cumprir através do poder
público.
2.2.2. (b) O conjunto dessas regras jurídicas é coextensivo com “o direito”, de modo que se o caso
de alguma pessoa não estiver claramente coberto por uma regra dessas, então esse caso não
pode ser decidido mediante “a aplicação do direito”.
2.2.2.1. Ele deve ser decidido por alguma autoridade pública, como um juiz, “exercendo seu
discernimento pessoal”, o que significa ir além do direito na busca por algum outro tipo
de padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação de
uma regra já existente,
2.2.3. (c) Dizer que alguém tem uma “obrigação jurídica” é dizer que seu caso se enquadra em uma
regra jurídica válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa – na ausência
de uma tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica.
2.3. Este é apenas o esqueleto do positivismo. As diferentes versões diferem sobretudo na sua descrição
do teste fundamental de pedigree que uma regra deve satisfazer para ser considerada uma regra
jurídica.
2.4. Austin, por exemplo, formulou sua versão do teste fundamental como uma série de definições e
distinções interligadas2.
2.4.1. Definiu ter uma obrigação como estar subsumido a uma regra, regra como uma ordem de
caráter geral e ordem como uma expressão do desejo de que outras pessoas comportem-se de
um modo específico, desejo sustentado pelo poder e pela vontade de fazer valer essa expressão
em caso de desobediência.
2.4.2. Ele estabeleceu uma distinção entre classes de regras (jurídicas, morais e religiosas), de acordo
com a pessoa ou o grupo que é autor da ordem geral que a regra representa.
2.4.3. Em cada comunidade política, pensava ele, encontra-se um soberano – uma pessoa ou um
grupo determinado ao qual as outras pessoas habitualmente obedecem, mas que não tem o
hábito de obedecer ninguém,
2.4.3.1. As regras de uma comunidade são ordem de caráter geral apresentadas por seu soberano.
2.4.4. A definição de obrigação jurídica de Austin derivou-se de sua concepção de direito.
2.4.4.1. Em sua opinião, temos uma obrigação jurídica se nos encontramos entre os destinatários
de alguma forma de ordem de caráter geral do soberano e se corremos o risco de sofrer
uma sanção caso não obedeçamos.
2.4.5. O soberano não pode, por certo, antecipar todas as contingências através de algum sistema de
ordens.
2.4.5.1. Algumas de suas ordens serão inevitavelmente vagas ou pouco claras.
2.4.6. Portanto, segundo Austin, o soberano confere aos encarregados de fazer cumprir as leis (os
juízes) poder discricionário para criar novas ordens, sempre que casos inéditos ou
problemáticos se apresentarem.
2.4.6.1. Os juízes então criam novas regras ou adaptam as antigas e o soberano anula suas
criações ou, ao não fazê-lo, as confirma tacitamente.
2.4.7. O modelo de Austin é extremamente belo em sua simplicidade.
2.4.7.1. Enuncia o primeiro princípio do positivismo, isto é, que o direito é um conjunto de regras
especialmente selecionadas para reger a ordem pública.
2.4.7.2. E oferece um teste factual simples – o que ordenou o soberano? – como o único critério
para identificar essas regras especiais.
2.4.8. Com o tempo, porém, os que estudaram e tentaram aplicar o modelo de Austin o consideram
demasiadamente simples.
2.4.8.1. Foram levantadas muitas objeções, das quais duas parecem fundamentais.
2.4.8.1.1. Primeiro, o pressuposto-chave de Austin, o de que podemos encontrar em cada
comunidade um determinado grupo ou instituição que em última instância,
controla todos os outros grupos, parecia não se aplicar a uma sociedade
complexa.
2.4.8.1.1.1. Em uma nação moderna, o controle político é pluralista e mutável, uma
questão de mais ou menos, de compromissos, de cooperação e alianças,
de maneira que frequentemente é impossível dizer que alguma pessoa
ou grupo detém aquele controle radical, necessário para ser considerado
um soberano no sentido de Austin.
2.4.8.1.2. Em segundo lugar, os críticos começaram a se dar conta de que a análise de
Austin falha por completo em explicar, e até mesmo reconhecer, certos fatos
surpreendentes sobre atitudes que tomamos com relação ao “direito”.
2.4.8.1.2.1. Fazemos uma distinção importante entre direito e até mesmo as ordens
de caráter geral de um gângster – os rigores – e suas sanções – são
diferentes na medida em que são obrigatórias de uma maneira que as
ordens de um fora-da-lei não são.
2.4.8.1.2.2. A análise de Austin não oferece espaço para que se faça tal distinção,
porque define uma obrigação como sujeição à ameaça da força e, desse
modo, fundamenta a autoridade do direito inteiramente na capacidade e
na vontade do soberano de causar aos que desobedecem.
2.5. A versão do positivismo do H. L. A. Hart é mais complexa que a de Austin.
2.5.1. Em primeiro lugar, ele reconhece, ao contrário de Austin, que regras podem ser de tipos lógicos
diferentes. (Hart distingue dois tipos de regras, que chama de “primárias” e secundárias”.)
2.5.2. Em segundo lugar, ele rejeita a teoria de Austin segundo a qual uma regra é uma espécie de
ordem a substitui por uma análise mais elaborada e geral do que são as regras.
2.5.3. Devemos nos deter sobre cada um desses pontos para então identificar de que modo eles se
fundem no conceito de direito de Hart.
2.6. A distinção de Hart entre regras primárias e secundárias é de grande importância3.
2.6.1. As regras primárias são aquelas que concedem direitos e impõem obrigações aos membros da
comunidade.
2.6.1.1. As regras do direito penal que nos impedem de roubar, assassinar ou dirigir em
velocidade excessiva são bons exemplos de regras primárias.
2.6.2. As regras secundárias são aquelas que estipulam como e por quem tais regram podem ser
estabelecidas, declaradas legais, modificadas ou abolidas.
2.6.2.1. As regras determinam como o Congresso é composto e como ele promulga leis são
exemplos de regras secundária, pois estipulam como regras muito particulares, que
governam obrigações legais específicas, surgem e são alteradas.
2.7. Sua análise geral das regras é também de grande importãncia4.
2.7.1. Austin havia dito que toda regra é uma ordem de caráter geral e que um indivíduo está
submetido a uma regra se ele for passível de penalidade caso a desobedeça.
2.7.2. Hart assinala que isso oblitera a distinção entre ser compelido (being obliged) a fazer alguma
coisa e ser obrigado (being obligated) a fazê-lo.
2.7.2.1. Se alguém está submetido a uma regra, não está simplesmente compelido, mas obrigado
a fazer o que a regra determina.
2.7.2.2. Portanto, estar submetido a uma regra deve ser diferente de estar sujeito a um dano, caso
desobedeça a uma ordem.
2.7.3. Entre outras coisas, uma regra difere de uma ordem por ser normativa, por estabelecer um
padrão de comportamento que se impõe aos que a ela estão submetidos, para além da ameaça
que pode garantir sua aplicação.
2.7.4. Uma regra nunca pode ser obrigatória somente porque um indivíduo dotado de força física
quer que seja assim. Ele deve ser autoridade para promulgar essa regra ou não se tratará de
uma regra; tal autoridade somente pode derivar de outra regra que já é obrigatória para aqueles
aos quais ele se dirige – essa é a diferença entre uma lei válida e as ordens de um pistoleiro.
2.7.5. Assim, Hart oferece uma teoria geral das regras que não faz a autoridades destas depender da
força física de seus autores.
2.7.5.1. Se, diz ele, examinarmos o modo como as diferentes regras são formadas e atentarmos
para a distinção entre regras primárias e regras secundárias, veremos que existem duas
fontes possíveis para a autoridade de uma regra5.
2.7.5.1.1. (a) Uma regra pode tornar-se obrigatória para um grupo de pessoas porque,
através de suas práticas, esse grupo aceita a regra como padrão de conduta. Não
basta simplesmente que o grupo se ajuste a um padrão de comportamento.
2.7.5.1.2. (b) Uma regra também pode tornar-se obrigatória de uma maneira muito
diferente, isto é, ao ser promulgada de acordo com uma regra secundária que
estipula que regras assim promulgadas serão obrigatórias.
2.7.5.1.2.1. Nesse contexto, usamos o conceito de validade: regras obrigatórias que
tiverem sido criadas de acordo com uma maneira estipulada por alguma
regra secundária são denominadas regras “válidas”.
2.8. Para Hart uma regra pode ser obrigatória (a) porque é aceita ou (b) porque é válida.
2.9. O conceito de direito de Hart é uma construção a partir dessas várias distinções.
2.9.1. As comunidades primitivas possuem apenas regras primárias e essas obrigatórias tão somente
devido às práticas de aceitação.
2.9.2. Não se pode afirmar que essas comunidades tenham um direito, pois não há maneira de
distinguir um conjunto de regras jurídicas de outras regras sociais – como exige o primeiro
princípio do positivismo.
2.9.3. Quando uma comunidade desenvolveu uma regra secundária fundamental que estipula como
as regras jurídicas devem ser identificadas, nasce a ideia de um conjunto específico de regras
jurídicas – a ideia de direito.
2.10. Hart chama essa regra secundária fundamental de “regra de reconhecimento”.
2.10.1. Regra de reconhecimento pode ser relativamente simples (o que o rei decreta é lei) ou pode ser
muito complexa (Constituição dos Estados Unidos da América).
2.10.2. A demonstração de validade de uma regra particular, pode exigir que se remonte a uma
complexa cadeia de validade que vai dessa regra particular à regra fundamental.
2.10.3. A regra de reconhecimento não pode ser ela mesma válida, de vez que, por hipótese, ela é a
última instância e não pode, portanto, satisfazer os testes estipulados por uma regra ainda mais
fundamental – A regra de reconhecimento é a única regra em um sistema jurídico cuja
obrigatoriedade depende de sua aceitação.
2.11. Identificação da regra de reconhecimento – pelo fato de seu domínio de aplicação dizer respeito ao
funcionamento do aparato governamental composto pelo legislativo, pelos tribunais, pelos órgãos
públicos, pelos policiais, etc.
2.11.1. Desse modo, Hart resgata os princípios fundamentais do positivismo dos erros de Austin.
2.12. Regras jurídicas válidas – Hart concorda com Austin que as regras jurídicas válidas podem ser
criadas através de atos de autoridade e instituições públicas.
2.12.1. Austin pensava que a autoridade dessas instituições encontrava-se tão somente no seu
monopólio do poder.
2.12.2. Diferentemente de Austin, Hart localiza a autoridade de tais instituições no plano de padrões
constitucionais a partir dos quais elas operam e aceitos previamente pela comunidade que é
por eles governada, na forma de uma regra de reconhecimento fundamental.
2.12.3. Outro ponto é o fato de Hart reconhecer que diferentes comunidades utilizam diferentes testes
jurídicos de última instância e que algumas aceitam outros meios de criação de direito além do
ato deliberado de uma instituição legislativa.
2.13. Similaridade das versões de Hart e Austin – reconhecimento de que as regras jurídicas possuem
limites imprecisos e a explicação dos casos problemáticos pela afirmação que os juízes têm e
exercitam seu poder discricionário para decidir esses casos por meio de nova legislação.
5. O poder discricionário
5.1. Os positivistas extraíram o conceito de poder discricionário da linguagem ordinária. Para
compreendê-lo, devemos, por um momento, colocá-lo de volta no seu habitat.
5.1.1. O conceito está sempre deslocado, exceto em contextos muito especiais.
5.1.1.1. Não se pode dizer que tenho ou não tenho o poder discricionário de escolher uma casa
para minha família. Não seria verdadeiro afirmar que não tenho “nenhum poder
discricionário”, seria igualmente enganoso afirmar que tenho.
5.2. O conceito de poder discricionário só está perfeitamente à vontade em apenas um tipo de contexto:
quando alguém é em geral encarregado de tomar decisões de acordo com padrões estabelecidos
por uma determinada autoridade.
5.2.1. O poder discricionário não existe a não ser como um espaço vazio, circundado por uma faixa
de restrições.
5.2.2. Trata-se, portanto, de um conceito relativo Sempre
5.2.2.1. Sempre faz sentido perguntar: "poder discricionário de acordo com que padrões?" ou
"poder discricionário com relação a qual autoridade?".
5.2.3. Em geral, a resposta será dada pelo contexto, mas em alguns casos uma autoridade pode ter
poder discricionário de um ponto de vista, mas não de outro.
5.2.4. Como quase todos os termos, o significado exato de "poder discricionário" é afetado pelas
características do contexto. Será útil identificarmos algumas distinções toscas.
5.2.4.1. Algumas vezes empregamos "poder discricionário" em um sentido fraco, apenas para
dizerque, por alguma razão, os padrões que uma autoridade pública deve aplicar não
podem ser aplicados mecanicamente, mas exigem o uso da capacidade de julgar.
5.2.4.1.1. Usamos este sentido fraco quando o contexto não é por si só esclarecedor,
quando os pressupostos de nosso público não incluem esse fragmento de
informação.
5.2.4.1.2. Assim, podemos dizer: "as ordens do sargento deixaram-lhe uma grande
margem de poderdiscricionário" a todos aqueles que desconhecem as ordens
do sargento ou algo que tornouessas ordens vagas ou difíceis de ser executadas.
5.2.4.2. Às vezes usamos a expressão em um segundo sentido fraco, apenas para dizer que
algum funcionário público tem a autoridade para tomar uma decisão em última instância
e que esta não pode ser revista e cancelada por nenhum outro funcionário.
5.2.4.2.1. Falamos dessa maneira quando o funcionário faz parte de uma hierarquia de
servidores, estruturada de tal modo que alguns têm maior autoridade, mas na
qual os padrões de autoridade são diferentes para os diferentes tipos de decisão.
5.3. O autor apresenta esses dois sentidos de fracos para diferenciá-los de um sentido mais forte.Em
certos assuntos, o indivíduo não está limitado pelos padrões de autoridade.
5.3.1.1.1. Nesse sentido, podemos dizer que um sargento tem um poder discricionário
quando lhe for dito para escolher quaisquer cinco homens para uma patrulha.
5.3.1.1.2. Empregamos a expressão nesse sentido não para comentar a respeito da
dificuldade ou docaráter vago dos padrões ou sobre quem tem a palavra final
na aplicação deles, mas para comentar sobre seu âmbito de aplicação e sobre
as decisões que pretendem controlar.
5.3.1.1.3. Se o sargento recebe uma ordem para escolher os cinco homens mais
experientes, ele não possui o poder discricionário nesse sentido forte, pois a
ordem pretende dirigir a sua decisão.
5.3.1.1.4. Devemos evitar uma confusão tentadora. O sentido forte de poder
discricionário não é equivalente à licenciosidade e não exclui a crítica. Quase
todas as situações nas quais uma pessoa age tornam relevantes certos padrões
de racionalidade, eqüidade e eficácia. Criticamos mutuamente nossos atos nos
termos desses padrões.
5.3.1.2. O poder discricionário de um funcionário não significa que ele esteja livre para decidir
sem recorrer a padrões de bom senso e equidade, mas apenas que sua decisão não é
controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que temos em mente
quando colocamos a questão do poder discricionário.
5.3.1.2.1. É importante ressaltar que alguém que possua poder discricionário nesse
terceiro sentido pode ser criticado, mas não por ser desobediente. Podemos
dizer que ele cometeu um erro,mas não que tenha privado um participante de
uma decisão que lhe era devida por direito.
5.4. Após o estabelecimento de tais conceitos, Dworkin retorna ao positivismo e ao poder
discricionário do juiz. Essa doutrina argumenta que se um caso não for regido por uma regra
estabelecida, o juiz deve decidi- lo exercendo seu poder discricionário.
5.4.1. O autor pretende examinar tal conceito e analisá-lo em relação aos princípios.
5.4.1.1. Os nominalistas argumentam que os juízes sempre possuem poder discricionário,
mesmo quando o que está em pauta é uma regra clara, pois os juízes são, em última
análise, os árbitrosdefinitivos da lei.
5.4.2. Os positivistas não atribuem esse sentido à sua doutrina, pois afirmam que um juiz não tem
poder discricionário quando uma regra clara e estabelecida está disponível.
5.4.2.1. Os positivistas empregam "poder discricionário" no primeiro sentido fraco, apenas para
dizer que, às vezes, os juízes devem formar seu próprio juízo ao aplicar padrões
jurídicos.
5.4.2.2. Algumas regras do direito são vagas, Hart afirma que elas possuem uma textura
aberta.
5.4.2.2.1. Eles enfatizam que, algumas vezes, os juízes devem examinar demoradamente
pontos específicos do direito e que dois juízes igualmente inteligentes e bem
treinados freqüentemente estarão em desacordo.
5.4.2.2.2. Essas questões consistem na dificuldade em aceitar que os positivistas usam
“poder discricionário” no sentido fraco.
5.4.2.2.3. Quando não há regra clara disponível, deve-se usar o poder discricionário para
julgar.
5.4.2.3. Hart pensa que, quando os juízes possuem poder discricionário, os princípios que eles
citam devem ser tratados como aquilo que os tribunais "têm por princípio" fazer.
5.4.3. Portanto, parece que os positivistas, pelo menos algumas vezes, entendem a sua doutrina no
terceiro sentido, o sentido forte de poder discricionário.
5.4.3.1. Nesse sentido, ela tem relevância para a análise dos princípios. É o mesmo que dizer
que, quando um juiz esgota as regras à sua disposição, ele possui o poder discricionário,
no sentido de que ele não está obrigado por quaisquer padrões derivados da autoridade
da lei.
5.4.3.1.1. Ou seja, os padrões jurídicos que não são regras e são citados pelos juízes não
impõem obrigações a estes.
5.5. A partir de agora, Dworkin, há de analisar o poder discricionário em um sentido forte. Esse sentido
é observado nos exemplos dados como o de Riggs e Henningsen, a medida que são utilizados
princípios para a solução de conflitos. O autor também analisará quais os possíveis argumentos
dos positivistas para provar contrário.
5.5.1. Um positivista poderia argumentar que os princípios não podem ser vinculantes ou
obrigatórios. Tal argumento seria um erro.
5.5.1.1. Sem dúvida, é sempre questionável se algum princípio particular obriga, de fato,
alguma autoridade jurídica. Mas não há nada no caráter lógico de um princípio que o
torne incapaz de obrigá-la.
5.5.1.2. Quando dizemos que uma regra impõe uma obrigação a um juiz e que ele deve segui-
la seela se aplicar ao caso e que, se ele não o fizer, cometerá um erro com respeito a
isso.
5.5.1.2.1. Não basta dizer que em um caso como o Henningsen o tribunal está obrigado
apenas "moralmente" a levar em conta princípios particulares, ou afirmar que
está obrigado "institucionalmente", ou que ele está obrigado por tratar-se de
matéria relativa ao "ofício" jurídico ou alguma outra coisa desse gênero.
5.5.1.3. Mesmo assim, permanecerá em aberto a questão de por que esse tipo de obrigação é
diferente da obrigação que as regras impõem aos juízes e por que isso nos autoriza a
dizer que princípios e políticas não são parte do direito, mas meramente padrões
extrajurídicos "tipicamente utilizados nos tribunais".
5.5.2. Um positivista poderia argumentar que embora alguns princípios sejam obrigatórios, no
sentido deque o juiz deve levá-los em consideração, eles não podem prescrever um resultado
particular.
5.5.2.1. O significado do argumento não está claro.
5.5.2.1.1. Talvez signifique que o padrão dita um resultado sempre que puder ser
aplicado, de tal maneira que nada mais é levado em conta.
5.5.2.2. Ou seja, princípios não são regras. Somente regras ditam resultado.
5.5.2.2.1. Quando se obtém um resultado contrário, a regra é abandonada ou mudada.
5.5.2.3. Diferentemente, os princípios inclinam a decisão em uma direção, embora de maneira
não conclusiva. Ficam intactos quando não prevalecem.
5.5.2.4. Nesse ponto de vista, juízes não têm poder discricionário. Os princípios podem ditar
um resultado.
5.5.2.5. Se um juiz acredita que os princípios que ele tem obrigação de reconhecer apontam em
uma direção e os princípios que apontam em outra direção não têm igual peso, então ele
deve decidir de acordo com isso, do mesmo modo que ele deve seguir uma regra que
ele acredita obrigatória.
5.5.2.5.1. Quando as autoridades avaliam os pesos relativos dos vários fatores, desse
ponto de vista eles não têm poder discricionário.
5.5.3. Um positivista poderia argumentar que os princípios não podem valer como lei, pois sua
autoridadee mais ainda o seu peso são intrinsecamente controversos.
5.5.3.1. Argumente-se sobre o peso de um princípio relacionando-o com uma amálgama de
práticas, princípios, implicações históricas e compreensão da comunidade.
5.5.3.1.1. Esse argumento é matéria que depende de juízo e pessoas razoáveis podem
discordar a respeito dela.
5.5.3.1.2. Isso não diferencia o juiz de outros funcionários públicos que não têm poder
discricionário.
5.5.3.2. O sargento não tem papel de tornassol para experiência. Ele não possui poder
discricionário, pois tem a obrigação de chegar a uma compreensão a respeito do que
suas ordens ou as regras exigem e agir com base nessa compreensão.
5.5.3.2.1. Esse também é o dever do juiz.
5.6. Os positivistas afirmam que cada sistema legal existe um teste definitivo (regra de
reconhecimento de Hart) para identificar leis obrigatórias, segue-se que os princípios não têm
obrigatoriedade de lei.
5.6.1. O positivista não pode defender por decreto sua teoria sobre uma regra de reconhecimento.
5.6.2. Se os princípios não podem ser submetidos a um teste, então ele deve apresentar alguma outra
razão por que eles não podem contar com parte do direito.
5.7. A não ser que pelo menos alguns princípios sejam reconhecidos como obrigatórios pelos juízes e
considerados, no seu conjunto, como necessários para chegar a certas decisões, nenhuma regra ou
muito poucas regras poderão ser então consideradas como obrigatórias para eles.
5.7.1. As regras criadas por leis estão sujeitas à interpretação e reinterpretação, por vezes mesmo
quando disso resulta a não-execução daquilo que é chamado de "intenção do legislador”.
5.7.2. Se os tribunais tivessem o poder discricionário para modificar as regras estabelecidas, essas
regras certamente não seriam obrigatórias para eles e, dessa forma, não haveria direito nos
termos do modelo positivista.
5.7.2.1. Portanto, o positivista deve argumentar que existem padrões, obrigatórios para os juízes,
que estabelecem quando um juiz pode e quando ele não pode revogar ou mudar uma
regra estabelecida.
5.7.3. Quando um juiz tem permissão para mudar uma regra de direito em vigor? Os princípios
aparecemna resposta de duas maneiras distintas.
5.7.3.1. Na primeira delas, é necessário que o juiz considere que a mudança favorecerá algum
princípio; dessa maneira o princípio justifica a modificação.
5.7.3.1.1. No caso Henningsen, as regras previamente reconheci- das sobre a
responsabilidade dos fabricantes de veículos automotivos foram modificadas
com base nos princípios que extraída decisão do tribunal.
5.7.3.2. Porém, não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso
contrário, nenhuma regra estaria a salvo. É preciso que existam alguns princípios
com importância e outros sem importância e é preciso que existam alguns princípios mais
importantesque outros.
5.7.3.2.1. Esse critério não pode depender das preferências pessoais do juiz, selecionadas
em meio aum mar de padrões extrajurídicos respeitáveis.
5.7.3.2.2. Se fosse assim, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma.
5.7.3.3. Na segunda maneira de considerar o problema, um juiz que se propõe a modificar uma
doutrina existente deve levar em consideração alguns padrões importantes que se
opõem ao abandono da doutrina estabelecida.
5.7.3.3.1. Esses padrões são, na sua maior parte, princípios.
5.7.3.3.2. Os juízes, no entanto, não têm liberdade para escolher entre os princípios e as
políticas que constituem essas doutrinas - também neste caso, se eles fossem
livres, nenhuma regrapoderia ser considerada obrigatória.
5.7.3.4. Consideremos, que quando alguém diz que uma determinada regra é obrigatória, ele
pode sugerir que a regra é sustentada por princípios que o tribunal não tem a liberdade
de desconsiderar e que, coletivamente, são mais importantes do que outros princípios
que contêm razões em favor de uma mudança.
5.8. Se a teoria dos positivistas a respeito do poder discricionário judicial é ou trivial, porque emprega
"poder discricionário" no sentido fraco, ou sem sustentação, por que então tantos juristas
inteligentes e cuidadososa adotaram? Não é suficiente salientar que "poder discricionário" possui
diferentes sentidos que podem ser confundidos entre si.
5.8.1. Nós não confundimos esses sentidos quando não estamos pensando a respeito do direito.
5.9. A razão principal para associar direito e regras é mais profunda e encontra-se no fato de que a
educação jurídica consiste em ensinar e examinar aquelas regras estabelecidas que formam a parte
mais importantedo direito.
5.9.1. Se um jurista pensa o direito como um sistema de regras em que os juízes mudam regras
antigas e introduzem novas, ele chegará naturalmente à teoria do poder discricionário judicial
no sentido forte do termo.
5.9.1.1. Nos jogos, as regras são a única autoridade importante a reger as decisões oficiais, de
tal maneira que se um árbitro puder modificar uma regra, ele terá poder discricionário
com respeito ao conteúdo dessa regra. Princípios mencionados por árbitros são apenas
suas preferências típicas.
5.9.2. Há uma outra conseqüência, mais sutil, desse pressuposto inicial de que o direito é um sistema
de regras.
5.9.2.1. Os positivistas lêem os princípios como se fossem padrões tentando ser regras.
5.9.2.2. Quando um positivista ouve alguém tentando argumentar que princípios jurídicos são
partedo direito, ele compreende que esses princípios são regras de uma lei acerca do
direito.
5.10. O positivista conclui que esses princípios e políticas não são regras válidas de uma lei acima do
direito, porque certamente não são regras.
5.10.1. Conclui ainda que são padrões extrajurídicos que cada juiz seleciona de acordo com suas
próprias luzes, no exercício de seu poder discricionário.
5.10.1.1. O que é falso. E como se um zoólogo tivesse provado que os peixes não são mamíferos
e então concluído que na verdade eles não passam de plantas.
6. A regra de reconhecimento
6.1. Depois de destrinchar o conceito de poder discricionário do juiz com base nos critérios positivistas,
Dworkin ressalta que encontra diversas dificuldades em relação a ela, assim terminando a segunda
interpretação acerca das decisões jurídicas com base nos princípios.
6.2. Nesse tópico, Dworkin irá retomar e falar um pouco sobre a primeira interpretação da decisão
jurídica combase nos princípios.
6.2.1. Por suposto que, adotando a primeira interpretação, não pode-se haver envolvimento
com asegunda, ou seja, tecnicamente descartando-a.
6.2.1.1. Ou então enxergando-a simplesmente como o poder que o juiz tem de julgar tal caso
específico.
6.2.2. Logo, o autor irá se questionar sobre se é correto ou não abandonar a primeira doutrina do
positivismo jurídico.
6.2.2.1. Doutrina essa que diz respeito a regra de reconhecimento ou regra suprema destacada
por Hart.
6.2.3. Dworkin se questiona se vale a pena pendurar com a regra suprema no direito, e questiona
acerca dos casos Riggs e Henningsen, como se os princípios utilizados para a resolução destes
casos já fossem princípios próprios da regra suprema do direito.
6.2.3.1. Dá-se então a ideia de testar o critério de validade para os princípios, já que a rigor os
princípios fazem parte do direito.
6.2.3.2. Assim, Dworkin tentará aplicar a tese de Hart de regra jurídica válida aos princípios.
6.3. Hart vai explicar que a maioria das regras jurídicas existentes são válidas pois algumas instituições
competentes assim as promulgaram.
6.3.1. Outras regras são criadas por um poder legislativo e outras por princípios em casos
específicos, assim outorgadas para o futuro.
6.3.2. Porém, Dworkin afirma que esses testes não se aplicarão aos casos Riggs e Henningsen.
6.3.2.1. Os princípios desses casos foram decididos não por decisões particulares de um poder
legislativo ou tribunal, mas sim por aquilo que se considera como correto e certo
conforme o tempo e o público.
6.3.2.2. A permanência do poder desses princípios se dá em fato a compreensão do que é
apropriado.
6.3.3. Se em algum tempo se parar de pensar de uma forma coletiva que se beneficia do próprio
delito ouimpor sanções limitativas a fábricas que produzem produtos com um certo nível de
perigo é errado, logo esses princípios não serviram para fazerem parte de novos casos futuros.
6.3.3.1. Mesmo que não ocorra a anulação ou a revogação de princípios como esses, devido a
uma esfera “moral e social” eles não serão mais válidos.
6.3.3.1.1. Dworkin destaca que não faz nem sentido usar os termos anulação e revogação
para princípios assim, pois de uma forma geral, assim que perdem a validade do
“dever ser” elesnão são mais torpedeados.
6.4. Dworkin percebe a dificuldade de sustentar a questão do princípio de não fazer parte da
configuração geraldo direito.
6.4.1. É percetível a dificuldade de sustentar essa primeira interpretação, pois segundo Dworkin,
seria bem mais fácil se os princípios já estivessem postos na lei, ou até mesmo em preâmbulos
da constituição ou determinado por tal órgão jurídico.
6.4.2. Porém acima disso tudo, Dworkin se questiona se é realmente necessário essa preocupação
com a sustentação dessa primeira interpretação.
6.5. Mesmo com todo apoio jurídico possível, não se vê quanto de apoio institucional é necessário para
que um princípio se faça um princípio jurídico.
6.5.1. E ficaria ainda mais difícil atribuir uma certa grandeza à sua importância.
6.5.2. Argumenta-se então em favor de um princípio, enfrentando todo um conjunto de padrões.
6.5.2.1. Esses mesmos são princípios e não regras, que estão em transformação.
6.5.2.2. Esses padrões dizem respeito a responsabilidade institucional, preocupações morais e
éticascontemporâneas e interpretação das leis.
6.5.2.3. O fato é, não se pode juntar todos esses princípios e colocá-los dentro de uma regra só,
mesmo que essa tivesse toda uma complexidade para se exercer.
6.5.2.3.1. Mesmo que desse certo a junção, não teria um caráter parecido com uma norma
de reconhecimento, pelo menos não a definida por Hart.
6.5.2.3.2. No caso a imagem formada pela junção seria a de uma regra suprema instável,
onde denominaria características e definições de indicações que se trata de uma
regra.
6.6. Segundo Dworkin, as técnicas que se aplicam na argumentação não são totalmente diferentes dos
princípios que elas visam defender.
6.6.1. Partindo do ponto anterior, Dworkin lança por terra as afirmações por terra de Hart a respeito
da regra de reconhecimento e a distinção que Hart faz acerca de aceitação e validade.
6.6.2. A questão é que, quando se argumenta em favor do princípio de que um homem não pode se
beneficiar do seu próprio delito, pode-se citar os atos dos tribunais e do poder legislativo que
os especificam.
6.6.2.1. Porém, isso estaria tratando tanto da aceitação desse princípio quanto da validade,
mostrando assim que a diferenciação que Hart faz não se sustenta.
6.6.2.2. Dworkin vai classificar a fala “validade do princípio” como estranha, pois o termo
validadegeralmente está mais ligado às regras, e parece incompatível para princípios.
6.6.3. Para sustentar a primeira interpretação a respeito dos princípios adotados pelo direito,
Dworkin citará fortemente o fato de leis antigas que possuem validade e aceitação, sejam
essas por decisões regionais e demais assuntos relacionados em relação a empregar doutrinas.
6.6.3.1. Assim, Dworkin defende os princípios, acabando assim com a preocupação com o
sustentamento desse ponto de vista.
6.6.3.1.1. Pois da mesma forma o esquema de validade e aceitação se fazem presente
com os princípios.
6.6.3.2. É importante também a citação de outros princípios que são válidos e aceitos,
comprovando assim a questão em seguinte em acórdãos.
6.6.3.3. O fato de que os princípios federativos, democráticos e dentre outros são questionáveis
mostra o fato de que não se depende somente da aceitação e nem tão somente da
validade.
6.6.3.3.1. Percebe-se que isso é uma questão de tendência, e que os princípios apoiam-
se mutuamente, e não juntam-se todos em uma regra de reconhecimento como
proclamava Hart.
6.7. Dworkin agora falará sobre como o pensamento positivista de Hart aflige outros positivistas como
Austin.
6.7.1. Hart proclama em suas escritas que as regras e o direito derivam se do costume.
6.7.1.1. Isso abre espaço para Dworkin ressaltar como os princípios se fazem presentes no
sistema jurídico e são adotados, pois de acordo com o common law, o direito surgiu,
com base em uma visão simplista, através de práticas rotineiras entre pessoas.
6.7.1.2. Quando as primeiras regras jurídicas surgiram em argumentos legais, já se
consideravam como parte do direito.
6.7.2. Austin por sua vez discorda, pois os costumes não faziam parte do direito para ele.
6.7.2.1. Na teoria de Austin, o direito era promulgado pelo tribunal (agentes do soberano), porém
ostribunais simulavam o contrário do que era para ser.
6.7.2.2. Isso se torna arbitrário pelo fato do pensamento alheio.
6.7.2.2.1. Se todos vissem que o direito é baseado em costume, a teoria de Austin não
seria tão persuasiva.
6.8. Dworkin vai retratar o embate entre Hart e Austin, onde Hart defendeu arduamente a força do
costume sobre a criação das regras no direito.
6.8.1. Hart irá destacar que pode sim haver direito através do costume, e não é “necessariamente”
papel dos tribunais criarem o direito sem a base do costume da sociedade.
6.8.2. Dworkin entrará em um embate acerca do ponto de vista de Hart sobre a cláusula única
utilizada por ele.
6.8.2.1. Cláusula essa da comunidade considerar tal prática moralmente obrigatória.
6.8.3. Pois se a mesma cláusula fosse considerada, não haveria distinção de regras jurídicas
costumeiras e regras morais costumeiras.
6.8.3.1. Também vale ressaltar que, nem toda regra moralmente aceita em uma comunidade é
sancionada pelo direito.
6.8.4. Dworkin marcará então uma crítica sobre a regra suprema segundo Hart.
6.8.4.1. A regra suprema segundo Hart, seria um teste na sociedade para que então se definisse
as regras jurídicas na sociedade, sem critérios de aceitação.
6.8.4.1.1. Porém, se segundo Hart o direito se baseia em costume e hábito, é contraditório
o fato de não ser necessário aceitação por parte dos cidadãos.
6.8.5. Dworkin classifica a regra suprema de Hart (para esse caso) como uma regra de não-
reconhecimento.
6.8.5.1. Dworkin dessa linha de raciocínio, fala da possibilidade de se dizer que toda sociedade
primitiva poderia então ter uma regra de conhecimento secundária.
6.8.5.1.1. Isso quer dizer que, aquilo que é obrigatório em uma comunidade é obrigatório
e ponto.
6.8.5.1.2. Porém, Hart ridiculariza essa ideia quando vai falar sobre o direito
internacional.
6.8.5.1.3. Assim, Hart descreve a regra proposta como “uma repetição vazia do mero
fato de que a sociedade concernida … segue certos padrões de conduta como
regras obrigatórias”.
6.9. O tratamento dado por Hart ao costume eqüivale a uma confissão.
6.9.1. Existem pelos menos algumas regras de direito que não são obrigatórias pelo fato de terem
sua validade estabelecida de acordo com os padrões de uma regra suprema.
6.9.1.1. Tal como a regra suprema porque são aceitas como obrigatórias pela comunidade.
6.9.1.2. Isso a fragmentos a elegante arquitetura piramidal da teoria de Hart: não podemos mais
afirmar que apenas a regra suprema é obrigatória em razão de sua aceitação e que todas
asdemais regras são válidas nos termos da regra suprema.
6.9.2. Não tanta importância, para Hart, que as regras costumeiras não possam ser submetidas a
umcritério de validade.
6.9.2.1. Causaria um estrago colocar, sob a mesma rubrica de “costume”, todos aqueles
princípios epolíticas cruciais que foram discutidos.
6.9.2.2. Se ele os considerasse como parte do direito e ainda assim admitisse que o único teste
daforça deles repousa no grau de aceitação pela comunidade ou parte dela.
6.9.2.2.1. Ele reduziria drasticamente a área do direito sobre a qual sua regra ainda
teria alguma aplicação.
6.9.2.3. Uma vez tais princípios e políticas fossem aceitos como direito e, portanto, como
padrõesque os juízes deveriam seguir ao estabelecer obrigações jurídicas.
6.9.2.3.1. Retirariam força, pelo menos em parte, da autoridade dos princípios e das
políticas e, portanto, não inteiramente da regra suprema de reconhecimento.
6.10. Não é possível adaptar a versão de Hart do positivismo, modificando sua regra de reconhecimento
para incluir princípios.
6.11. Por que não dizer que os princípios constituem a última instância e constituem a regra de reconheci-
mento do nosso direito?
6.11.1. A para isso seria elencar todos os princípios regentes de uma sociedade em determinado
tempo.
6.11.2. Os positivistas, a poderiam então considerar o conjunto completo desses padrões como a
regra dereconhecimento daquela jurisdição.
6.11.3. Se designarmos a nossa regra de reconhecimento simplesmente pelo enunciado "o conjunto
completo dos princípios em vigor", chegaremos apenas à tautologia de que o direito é o
direito.
6.11.4. Se tentarmos arrolar todos os princípios em vigor, seremos mal sucedidos.
6.11.4.1. Eles incontáveis e se transformam com tanta rapidez que o início de nossa lista estaria
obsoleto antes que chegássemos à metade dela,
6.12. O autor conclui que:
6.12.1. Se tratamos os princípios como direito, devemos rejeitar a primeira doutrina positivista
segundo aqual o direito se distingue de outros padrões através de algum teste que toma a
forma de uma regra suprema.
6.12.2. Devemos abandonar a doutrina do poder discricionário judicial - ou esclarecê-la a ponto de
torná-la trivial.
6.13. Em conclusão o autor apresenta terceira e última doutrina, que sustenta que uma obrigação jurídica
existe quando (e apenas quando) uma regra de direito estabelecida impõe tal obrigação.
6.13.1. Não existe obrigação jurídica enquanto o juiz não criar uma nova regra para o futuro.
6.13.2. Muitas perguntas teriam que ser respondidas antes que pudéssemos aceitar essa concepção de
obrigação jurídica.
6.13.2.1. Se não existe nenhuma regra de reconhecimento e nenhum teste para o direito nesse
sentido, como poderemos decidir, ao argumentar em favor dessa concepção, quais
princípios devem ser levados em conta e em que medida?
6.13.2.1.1. Como decidir se um conjunto de razões é melhor que outro?
6.13.3. Essas questões devem ser enfrentadas, mas mesmo as questões prometem mais do que o
positivismo tem a oferecer.
6.13.3.1. Nos termos de sua própria tese, o positivismo não chega a enfrentar esses casos difíceis
e enigmáticos que nos levam à procura de teorias do direito.
6.13.3.1.1. Quando lemos esses casos, o positivista nos remete a uma teoria do poder
discricionário que não leva a lugar algum e nada nos diz.
6.13.3.1.2. Sua representação do direito como um sistema de regras tem exercido um
domínio tenaz sobre nossa imaginação, talvez graças a sua própria
simplicidade.
6.14. Se nos livrarmos desse modelo de regras, poderemos ser capazes de construir um modelo mais fiel
à complexidade e sofisticação de nossas próprias práticas.