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Introdução ao pensamento de Ronald 

Dworkin
Alunos: Lincoln Renato Vieira Zanardine e Raquel Muniz Pereira Simões
Professora: Dra Estefânia Maria de Queiroz Barboza
Aula: 05/11/2021

Capítulos VI e VII. in: Império do Direito. DWORKIN, Ronald. (p. 213-332).

Capítulo VI. Integridade - Raquel Muniz P. Simões.

1. A Integridade se ajusta?

Há um conflito fundamental entre justiça e equidade[1]?

Alguns filósofos negam a possibilidade de tal conflito, por acreditarem que, no final
das contas, uma dessas virtudes deriva da outra.

Alguns afirmam que, separada da equidade, a justiça não tem sentido, porquanto, na
política, tudo aquilo que provenha de procedimentos baseados na equidade é justo - “Esse é o
extremo da ideia denominada justiça como equidade” (Rawls).

Outros afirmam que, em política, a única forma de pôr à prova a equidade é através
do teste do resultado, segundo o qual nenhum procedimento é justo a menos que tenda a
produzir decisões políticas que sejam aprovadas num teste de justiça independente -
“Equidade como justiça” (James Mill).

“A maioria dos filósofos políticos - e, creio, a maioria das pessoas - adota o ponto de
vista intermediário de que a eqüidade e a justiça são, até certo ponto, independentes uma da
outra, de tal modo que as instituições imparciais às vezes tomam decisões injustas, e as que
não são imparciais às vezes tomam decisões justas”.

Dworkin argumenta que, às vezes, a equidade (no sentido de igualdade de influência


política) e justiça entram em conflito. É neste momento que tais virtudes devem ser
sacrificadas à integridade, como um terceiro e independente ideal.

Ex. Deveríamos aceitar restrições constitucionais ao poder democrático para impedir


que a maioria restrinja a liberdade de expressão, ou outras liberdades importantes?

2. Integridade como virtude distinta

Enigma/questão colocada por Dworkin:

A questão que se coloca é saber se, coletivamente, existe (os diferentes grupos
sociais) uma razão de justiça para não concordar, antes mesmo de chegar a divergências
particulares, com a estratégia conciliatória como maneira de resolvê-las.
Aqui existe uma razão de equidade (política) em favor da estratégia da conciliação, e,
se não existe razão de justiça contra ela, nossa prática corrente precisaria de uma justificativa
que ainda não fomos capazes de prover, de assegurar.

Mostrarei que uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política
se transforma, desse modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido de
que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar o monopólio de força coercitiva.

A integridade protege contra a parcialidade, a fraude ou outras formas de


corrupção oficial, por exemplo.

“A integridade também contribui para a eficiência do direito no sentido que já


assinalamos aqui. Se as pessoas aceitam que são governadas não apenas por
regras explícitas, estabelecidas por decisões políticas tomadas no passado, mas
por quaisquer outras regras que decorrem dos princípios que essas decisões
pressupõem, então o conjunto de normas públicas reconhecidas pode expandir-se
e contrair-se organicamente, à medida que as pessoas se tornem mais
sofisticadas em perceber e explorar aquilo que esses princípios exigem sob novas
circunstâncias, sem a necessidade de um detalhamento da legislação ou da
jurisprudência de cada um dos possíveis pontos de conflito - p.229”.

3. O enigma da legitimidade

Integridade e autoridade moral do direito (relação):

“Um Estado é legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais forem


tais que seus cidadãos tenham uma obrigação geral de obedecer às decisões
políticas que pretendem impor-lhes deveres” – p. 250.

Um estado que aceite a integridade como ideal político tem um argumento melhor em
favor da legitimidade que outros que não a aceitem (porquanto a integridade imprime uma
noção de comunidade, de solidariedade da aceitação e práticas individuais de princípios
morais).

E é exatamente essa reivindicação de integridade, provocada por Dworkin, que


norteia o seu projeto principal: o de encontrar uma concepção atraente do Direito.

3.1. Acordo tácito:

John Rawls propõe um contrato social imaginário como meio de selecionar a melhor
concepção de justiça no âmbito de uma teoria política utópica.
“Ele sustenta que, em condições específicas de incerteza, todos optariam por
certos princípios de justiça que pertençam à esfera de seus interesses, e afirma
que para nós esses princípios são, portanto, aqueles que consideramos corretos”.

Dworkin aponta, contudo, que tal contrato apresenta um problema. Para ele, o
consentimento não poderia ser obrigatório para as pessoas, da maneira que exige o
argumento, a menos que seja dado com maior liberdade.

3.2. O dever de ser justo:

Na posição original que defende, Rawls afirma que esse contrato social derivaria de
um dever natural, reconhecido pelas pessoas que o afirmam, de apoiar as instituições que
passem nos testes da justiça abstrata, “e que elas estenderiam esse dever ao apoio a
instituições não totalmente justas, pelo menos quando a justiça esporádica estiver nas
decisões tomadas por instituições imparciais e majoritárias" – p. 234.

Dworkin pontua, no entanto, que esse dever não é capaz de definir satisfatoriamente o
que seria a legitimidade, posto que não estabeleceria uma ligação suficientemente aceitável
entre obrigação política e comunidade específica. Em outras palavras, esse argumento não é
capaz de traduzir a essência do dever especial.

Não consegue demonstrar como a legitimidade decorre da cidadania e a define,


voltando-se à noção de integridade (e não, necessariamente, de justiça).

Ex. Não mostra, por exemplo, porque os ingleses não teriam o dever especial de
apoiar as instituições da Inglaterra.

3.3. Jogo limpo (Rawls refere-se a ele como princípio de equidade):

“A defesa mais popular da legitimidade é o argumento do jogo limpo: se alguém


recebeu benefícios na esfera de uma organização política estabelecida, tem então
a obrigação de arcar também com o ônus dessa organização, inclusive a
obrigação de aceitar suas decisões políticas, tenha ou não solicitado esses
benefícios ou consentido com o ônus de maneira mais ativa. Esse argumento
evita a fantasia do argumento do consentimento e a universalidade e outros
defeitos do argumento de um dever natural de justiça, e poderia, portanto,
parecer um rival mais forte de minha sugestão de que a legitimidade tem
fundamentos mais sólidos na integridade – p. 235.”

Dworkin aponta a vulnerabilidade deste argumento a partir de dois questionamentos, a


saber:
1. Primeiramente porque o argumento do jogo limpo pressupõe que as pessoas
possam incorrer em obrigações que não buscavam e que as rejeitariam caso tivesse sido lhe
dado uma oportunidade;

2. Em segundo lugar, em que sentido essas pessoas se beneficiariam da


organização política?

Dworkin argumenta que uma pessoa se beneficiaria da organização política se sua


situação geral (seu bem estar) for superior, sob essa organização, àquilo que seria em outro
contexto, ou seja, em um outro sistema político.

Mas Dworkin aponta a fragilidade desse argumento na medida em que, para


comprovar esta adesão ao jogo limpo, seria necessário comprovar essa situação de melhor
bem estar sob a organização política de que se fala frente a outro contexto, este, bastante
vasto.

4. As Obrigações da comunidade:

Circunstâncias e condições:

Obrigações associativas familiares/comunitárias v. responsabilidade comunitárias


especiais.

Ex. “A família mostra que as diferentes relações comunitárias são questões de


escolha, não apenas em diferentes graus, como também em diferentes sentidos de escolhas”.

“A reciprocidade que exigimos para as obrigações associativas deve ser mais


abstrata, mais uma questão de aceitar um tipo de responsabilidade que, para ser
explicada, precisa das idéias do outro sobre integridade e interpretação.”(pg.
241).

Em termos gerais, os membros de um grupo devem adotar certas atitudes com relação
a suas responsabilidades mútuas, caso se pretenda que estas sejam vistas como obrigações
fraternais (quatro condições):

4.1. Os membros do grupo devem encarar suas obrigações como especiais, ou seja,
como obrigações dotadas de um caráter distintivo no âmbito do grupo, que se
diferenciam dos deveres gerais que seus membros devem, igualmente, a pessoas que não
o integram;
Exemplo. Pensando na integração de uma comunidade internacional fraternal, os
norte-americanos, por exemplo, dirigem seus apelos políticos, inicialmente, aos próprios
norte-americanos e à sua comunidade, assim como os ingleses, brasileiros, e assim por
diante..

4.2. Deve-se admitir que essas responsabilidades são pessoais, ou seja, devem ser
direcionadas de um membro ao outro, sem percorrerem todo o grupo em um sentido
coletivo.

Exemplo. Meu colega pode pensar que tem, perante a reputação da universidade, a
responsabilidade de se concentrar em sua própria carreira, negando-me assistência na
elaboração de um artigo científico. Muito embora esteja certo quanto à utilização de seu
tempo em termos de sua responsabilidade geral junto à comunidade científica, ele falhou
comigo em firmar as bases necessárias para que eu continue a reconhecer obrigações
fraternais para com ele.

4.3. “Os membros podem ver essas responsabilidades como decorrentes de uma
responsabilidade mais geral, o interesse que cada um deve ter pelo bem-estar de outros
membros do grupo”.

Ou seja, dentro das diferentes formas de associação e de interesse geral, o interesse de seus
membros deve ser geral – dentro da forma ou do modo de vida constituído por uma prática
comunitária –, de modo a favorecer as bases às responsabilidades específicas, visando o
bem-estar da comunidade.

4.4. Os membros devem pressupor que as práticas do grupo mostram não apenas
interesse, mas um interesse igualitário para todos os membros.

Ou seja, os papeis e funções desempenhadas por cada membro em uma comunidade devem
refletir o interesse de todos, de modo que a vida de uma pessoa não se torne mais importante
do que a outra, porquanto, se assim o for, criam terreno fértil para a emergência de
organizações exclusivas (a exemplo do sistema de castas; diferentemente de um exército, que
pode ser considerado uma organização fraternal).

Obs: tais condições não exigem laços emocionais ou condições psicológicas.

“O interesse que exigem é uma propriedade interpretativa das práticas que


permitem ao grupo a afirmação e o reconhecimento das responsabilidades”- p.
244
5. Conflitos com a justiça:

De que modo a obrigação política pode ser considerada associativa?

Este cenário só seria plausível, explica Dworkin, se a estrutura (política) geral das
obrigações associativas permita explicar as condições que, primeiramente, devem ser
satisfeitas antes que se enfoque a questão da obrigação política – e as circunstâncias
(problemas morais e jurídicos colocados pelo direito) que deveriam invalidá-las ou colocá-las
em conflito com outros tipos de obrigações.

Isto porque, ao simplesmente definir a obrigação política como associativa, sem,


antes, verificar as condições em que ela se solidificou, incorreríamos em um terreno
favorável ao desenvolvimento de práticas políticas condenáveis (do ponto de vista dos
padrões de justiça morais) – como o nacionalismo e o racismo.

6. Fraternidade e comunidade política:

Finalmente, Dworkin passa ao exame da hipótese levantada no capítulo estudado,


argumentando que a melhor defesa da legitimidade política – esta, como um direito da
comunidade política de tratar seus integrantes como sujeitos de deveres em virtude de
decisões coletivas – deverá ser encontrada nas virtudes da fraternidade, na noção de
comunidade e, consequentemente, na noção de obrigações comuns, “concomitantes” entre
seus membros (e não onde os filósofos esperam e propõe encontra-las, ou seja, no âmbito dos
contratos, dos deveres de justiça ou das obrigações de jogo limpo).

Na sua visão, o simples fato de uma pessoa não participar da escolha de integrar uma
determinada comunidade política por, a exemplo, já nascer nela, não afasta a legitimidade de
tal afirmação. Isto porque, às pessoas é conferido o direito de migrar, conscientemente, de
uma comunidade política a outra, pois lhes é dado um direito de escolha intermediário, ainda
que posterior.

Nas palavras de Dworkin:


“as pessoas que pertencem a comunidades políticas básicas têm obrigações políticas,
desde que sejam atendidas as outras condições necessárias às obrigações de
fraternidade - devidamente definidas para uma comunidade política”- (p. 250).

6.1. Os três modelos de comunidade:

6.1.1 Questionamentos propostos:

- Qual forma as quatro condições identificadas deveriam assumir em uma comunidade


política?
- Como deve ser a política para que uma sociedade política básica possa se tornar uma
genuína forma de associação fraternal?

“Tratamos a comunidade como algo anterior à justiça e à eqüidade, no sentido de


que as questões de justiça e eqüidade são vistas como questões do que seria
eqüitativo e justo no interior de um grupo politico específico”.

6.2. Modelo I ou Comunidade como uma questão de circunstância.

Quando os membros encaram a sua associação apenas como um acidente de fato


da história e da geografia, ou seja, como uma comunidade associativa que nada tem de
verdadeira;

Ex1. O caso de dois estrangeiros que se veem presos em uma ilha deserta após uma
guerra.

Ex2. Ou o caso de um dirigente político que encara a sua comunidade como um


instrumento – na medida em que encara seus eleitores como pessoas dotadas de
responsabilidades especiais – para promover a justiça no mundo, sem fazer distinção entre a
sua comunidade política e as demais.

6.3. Modelo II ou Modelo das Regras.

Quando os membros de uma comunidade política aceitam, efetivamente, o


compromisso geral de obedecer as regras estabelecidas pela comunidade.

Ex. O caso de um jogador de xadrez que, ao participar de um campeonato, aceita se


submeter às regras propostas pela Associação Nacional dos Jogadores de Xadrez,
comunidade que integra – porquanto representam um acordo entre interesses ou pontos de
vista antagônicos.

Este modelo, pontua Dworkin, muito se assemelha à concepção convencionalista, na


medida em que:

“O convencionalismo se ajusta às pessoas que tentam promover sua própria


concepção de justiça e eqüidade, através da negociação e do acordo, sujeitas
apenas à estipulação superior, geral e única de que, uma vez realizado o acordo
da maneira apropriada, as regras que formam seu conteúdo serão respeitadas
até que sejam alteradas por um novo acordo”- p. 254.

O ponto de encontro entre tais modelos de comunidade, contudo, reside em


rejeitar a única base na qual se assenta a posição (de oposição) de Dworkin acerca dos
acordos conciliatórios, qual seja, em excluir a integridade como virtude para justificar o
direito e o bem-estar coletivo.

6.4. Modelo III ou Modelo do Princípio.

Neste modelo de comunidade, seus membros concordam com o modelo das


regras, todavia, assumem um ponto de vista mais generoso e abrangente da natureza de tal
compreensão – haveria um sentimento de identidade, baseado na consciência de que os
membros desta comunidade estariam associados por princípios comuns, e não,
unicamente, por regras formais derivadas de um acordo político.

“É uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como
sistema, que concepção deve ter dejustiça, eqüidade e justo processo legal e não
a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual cada pessoa tenta
fazer valer suas convicções no mais vasto território de poder ou de regras
possível- p. 255”

É dizer que os direitos e obrigações não se esgotam em decisões políticas


institucionais, mas dependem, também, dos princípios endossados pela comunidade.

Tal modelo permite que os membros de uma comunidade aceitem a integridade


política como um ideal político distinto, mesmo entre pessoas que possuam pontos de vista
antagônicos sobre a moral política, como elemento integrante da comunidade política..

6.5. Conclusões finais:

“As práticas políticas que exprimem uma ou outra dessas atitudes satisfariam as
condições da verdadeira comunidade associativa que identificamos?”

Inicialmente, Dworkin pontua que a COMUNIDADE DE FATO já viola a primeira


condição, na medida em que, no seu âmbito, a prática de atitudes especiais de interesse não se
encontra presente, carecendo dos elementos que definem uma comunidade política básica.

“Como sua única preocupação é a justiça abstrata, universalista por natureza,


não podem ter base alguma para um interesse especial” – pg. 256.

Na COMUNIDADE DE REGRAS, seus membros são livres para agir, na política,


para promover seus próprios interesses ou ideais.
Uma vez que o aparelho político tenha produzido determinada regra ou decisão
isolada, os integrantes desta comunidade aceitação a obrigação especial de assegurar o
cumprimento de tais obrigações para todos que possam delas se beneficiar.

No entanto, carecem do senso de responsabilidade inerente à uma comunidade


fraternal, que possui a integridade política como condutor de suas responsabilidades políticas.

Pode ser enquadrada no argumento do jogo limpo – “essas são as regras sob as quais
você se beneficiou e é por elas que você deve pautar-se” (p. 256) –, que vê a política como
uma espécie de jogo.

Por fim, a COMUNIDADE DE PRINCÍPIOS se mostra, para Dworkin, o modelo


que satisfaz todas as quatro condições propostas, numa sociedade moralmente pluralista.

“Torna específicas as responsabilidades da cidadania: cada cidadão respeita os


princípios do sentimento de eqüidade e de justiça da organização política
vigentes em sua comunidade particular, que podem ser diferentes daqueles de
outras comunidades, considere ele ou não que, de um ponto de vista utópico, são
esses os melhores princípios” – p. 257”.

Estabelece um compromisso com os interesses, com a política, com a legislação, com


a adequada prestação jurisdicional, enfim, com a integridade política e a fraternidade entre os
integrantes desta comunidade.

Isto não quer dizer, contudo, que no âmbito deste modelo não possa haver
injustiças ou violações de direitos, mas o fato de que tal comunidade é regida por
princípios comuns permite concluir que o Modelo de princípios é aquele que melhor
satisfaz as condições de uma verdadeira comunidade associativa, ou seja, voltada à
promoção da integridade.

“Uma comunidade de princípios, fiel a essa promessa, pode reivindicar a


autoridade de uma verdadeira comunidade associativa, podendo, portanto,
reivindicar a autoridade moral - suas decisões coletivas são questões de
obrigação, não apenas de poder - em nome da fraternidade” – p. 258.

É dizer, por fim, que, se pudermos identificar, nas nossas práticas, atitudes
compatíveis com o modelo de princípios, podemos defender a legitimidade das nossas
instituições e das obrigações políticas que delas derivam, como uma questão de fraternidade.
[1]Equidade política: o direito de controle, por cada pessoa ou grupo da comunidade, mais ou
menos igual sobre as decisões tomadas pelo Parlamento ou Congresso, ou pelo legislativo
estadual.

Capítulo VII. Integridade no direito

Dworkin busca aprofundar sua argumentação acerca da integridade enquanto


elemento estruturante de sua teoria do direito. Assim, nega que a integridade deva se voltar
ao passado, exclusivamente, refletindo a teoria convencionalista; bem como, nega que a
integridade se fundamenta apenas no futuro, o que conferiria um caráter pragmático (p. 271).
De modo que a discussão se os juízes inventam ou revelam o direito, é inútil para Dworkin,
uma vez que os juízes fazem ambas as coisas e ao mesmo tempo, nenhuma.
Então, a concepção de direito como integridade se fundamenta em que as
proposições jurídicas derivam de uma interpretação da prática jurídica da comunidade que
extrai os princípios de justiça, equidade e devido processo legal. O que representa uma
interpretação principiológica dos valores políticos da comunidade (p. 272).
Para Dworkin, o convencionalismo enquanto interpretação parte do pressuposto
que a formação legislativa baseou-se em uma disputa e em um jogo de forças políticas, e por
isso, caberia ao juiz interpretar as concessões políticas à época. Enquanto o pragmatismo
volta-se para uma interpretação utilitarista, que prospecta o resultado das decisões judiciais
em nome do bem-estar da comunidade. Ambas posições são incompatíveis com a teoria do
direito como integridade de Ronald Dworkin.
Assim, o autor aponta que a história é um elemento importante para a teoria da
integridade na medida que serve de material para a compreensão das decisões proferidas
anteriormente. E não apenas uma mera replicação, mas, sim, como um elemento de
justificação principiológica da comunidade. Então, o direito como integridade se dedica a
uma análise dialógica entre o caso presente e os casos anteriores, na medida que extrai uma
fundamentação na forma de que as decisões anteriores foram tomadas, o que garante
coerência do sistema.
De modo que a construção do direito enquanto integridade exige uma
compreensão dos princípios que regem a comunidade. Assim, mesmo que as alterações
sociais sejam evidentes, é possível extrair uma coerência principiológica que trará integridade
ao sistema:
“Mas isso não é inevitável somente porque a história de uma comunidade é
feita de grandes conflitos e transformações. Uma interpretação imaginativa
pode ser elaborada sobre terreno moralmente complicado, ou mesmo ambíguo.”
(DWORKIN, p. 275)

Disso, então, surge a noção do romance em cadeia na obra Dworkiana. Conforme


destacado em outro trabalho do autor, o direito se assemelha à literatura uma vez que a
construção das decisões judiciais deve ser entendida como um capítulo de um livro em que é
necessária a coesão para construção da história1.
Aqui, novamente o autor retoma a aproximação com a literatura, trazendo o
romance em cadeia como um gênero literário fictício, onde cada autor recebe a incumbencia
de escrever um capitulo de um livro e deve se basear nos capítulos escritos anteriormente por
outros escritores, tendo por objetivo final, a coerência na história (p. 276):

“Cada romancista pretende criar um só romance a partir do material que


recebeu, daquilo que ele próprio lhe acrescentou e (até onde lhe seja possível
controlar esse aspecto do projeto) daquilo que seus sucessores vão querer ou ser
capazes de acrescentar. Deve tentar criar o melhor romance possível como se
fosse obra de um único autor, e não, como na verdade é o caso, como produto
de muitas mãos diferentes.” (DWORKIN, p. 276).

Inicia-se, então, um trabalho do romancista em cadeia para trazer coerência ao


romance que recebera até ali. Ele deve dar a mesma coerência às histórias principais e às
paralelas conforme anteriormente feito. Retomando os conceitos de autor e crítico que foram
trazidos em “Levando os direitos a sério”, Dworkin assume que o trabalho de criar e
interpretar se funde na figura do romancista que vai dar um novo capítulo ao romance que
tem em mãos. Para detalhar o tema, o autor recorre ao conhecido trabalho de Charles
Dickens: “Conto de Natal”. A obra centra-se na figura de Scrooge, um homem muito rico que
é visitado por três espíritos, o fantasma do natal passado, o fantasma do natal presente e o
fantasma do natal futuro.
O que Dworkin propõe é um cenário hipotético em que o escritor recebe apenas o
começo da obra citada e deve continuá-la. Para isso deve tomar uma decisão interpretativa
acerca da personalidade do personagem principal, ou ele é uma pessoa inerentemente má, ou
ele era bom e se corrompeu.
Em um questionamento acerca da interpretação ser subjetiva em excesso,
Dworkin defende seu argumento sustentando que o intérprete será coagido por forças
interpretativas externas. Desse modo, o problema é solucionado a partir de um exercício de
controle recíproco das opiniões do intérprete sobre o assunto:

“Mas o ajuste pode ser inconsciente; nesse caso, você acha que está
reprimido, mas, no sentido que nos interessa aqui, na verdade não o está. A
possibilidade de as convicções de um intérprete exercerem um controle
recíproco, como deve ser o caso se ele estiver realmente interpretando, vai
depender da complexidade e da estrutura do conjunto de suas opiniões sobre
o assunto em questão.” (DWORKIN, p. 284)

Logo, o trabalho do romancista em cadeia é bastante complexo na medida que


deve interpretar os capítulos anteriores que chegaram a ele e produzir um capítulo capaz de se
encaixar na narrativa inicial. Retomando à comparação com literatura, Dworkin aponta que a
1
De que maneira o direito se assemelha à literatura. in: Uma questão de princípio. DWORKIN, Ronald. (p.
217-249).
interpretação no direito exige uma adequação das teorias políticas, garantindo um equilíbrio;
do mesmo modo que a interpretação artística exige uma conjugação das convicções artísticas.
Para essa tarefa árdua, Dworkin convida Hércules, o juiz utilizado como modelo em “Uma
questão de princípio”.
Assim, na decisão do caso McLoughlin, Dworkin formula seis interpretações
possíveis e destrincha a coerência e integridade de cada uma delas. Em suas argumentações,
as duas partes citam precedentes que entendem serem passíveis de aplicação no caso
concreto. O rol de interpretações possíveis enunciadas pelo juiz Hércules se fundamenta em
seus conhecimentos dos princípios já discutidos em outros casos e na literatura jurídica (p.
289). Daí se extrai a importância da atuação do juiz Hércules enquanto exímio conhecedor da
literatura jurídica vigente.
Em seu trabalho argumentativo, o autor destaca minuciosamente a
fundamentação para afastar ou acolher cada uma das interpretações conforme a sua teoria da
integridade do direito. Isto posto, o autor sintetiza a estrutura do direito como integridade da
seguinte forma:
“O direito como integridade pressupõe, contudo, que os juízes se encontram
em situação muito diversa daquela dos legisladores. Não se adapta à natureza
de uma comunidade de princípio o fato de que um juiz tenha autoridade para
responsabilizar por danos as pessoas que agem de modo que, como ele
próprio admite, nenhum dever legal as proíbe de agir.” (DWORKIN, p. 291).

Da leitura da obra, entende-se que para Ronald Dworkin, a fundamentação das


decisões judiciais deve ser coerente e íntegra com os princípios políticos da comunidade e das
decisões anteriores. De modo que a atividade dos legisladores não precisa dessa integridade,
estando sujeita à aprovação da comunidade, ao que os juízes não estão - e não devem estar -
sujeitos. Disso, há uma necessidade de que a decisão seja posta à prova das estruturas
principiológicas da comunidade e suas respectivas decisões políticas (p. 294).
Logo, a decisão judicial fundamentada deve ser um reflexo das opiniões políticas
da comunidade em questão, de modo que permita-se uma identificação por parte daquela
comunidade com as decisões anteriores. O problema da moral popular, conforme Dworkin
destaca, é a sua adequação em casos constitucionais, diferentemente do que ocorre em casos
comuns de direito civil ou comercial.
Assim, o juiz que realiza a leitura do direito como integridade extrai da
comunidade política a melhor interpretação possível dos princípios emanados da comunidade
(p. 305). Então, o caso difícil surge quando em uma primeira leitura, o juiz não consegue
identificar uma resposta possível para aquele caso, devendo recorrer às leituras da moral
política daquela comunidade. A decisão tomada deve ser a melhor para a comunidade
enquanto interpretação principiológica, e não para o caso específico, necessariamente (p.
308).
Dworkin destaca ao final do capítulo algumas das objeções formuladas por seus
críticos. A primeira delas é a de que o juiz Hércules age conforme o jogo político. Para
defender-se, o autor aponta que a moral política na qual o juiz Hércules se baseia, não é
apenas a moral política, mas a moral política que tem princípios adequados e fundamentados
para aquele caso (p. 310).
A segunda crítica que Dworkin levanta seria a de que o Hércules é um impostor.
Que estaria a aplicar a moral desejada por si para a comunidade política em uma decisão
concreta. Para o autor, a crítica se fundamenta no convencionalismo, na medida que após a
convenção política da comunidade se esgotar, o juiz Hércules estaria criando um novo direito.
Ainda, tal crítica está eivada pelo ceticismo, que acredita que não existe uma resposta certa
para casos concretos.
A resposta para essa crítica se centra na necessidade de atenção à integridade do
direito. A melhor interpretação a ser construída com base nas decisões jurídicas deve se
atentar a uma leitura moral da comunidade, assim, a resposta se dá na comunidade que têm
princípios comuns, embora não todos, mas partilham da necessidade de fundamentação com
base na justiça e equidade à luz da adjetivação do devido processo legal:

“Aceitamos a integridade como um ideal político porque queremos tratar


nossa comunidade política como uma comunidade de princípios, e os
cidadãos de uma comunidade de princípios não tèm por único objetivo
princípios comuns, como se a uniformidade fosse tudo que desejassem, mas
os melhores princípios comuns que a política seja capaz de encontrar. A
integridade é diferente da justiça e da eqüidade, mas está ligada a elas da
seguinte maneira; a integridade só faz sentido entre pessoas que querem
também justiça e eqüidade.” (DWORKIN, p. 314).

Outra crítica apontada por Dworkin diz respeito ao mito do juiz Hércules.
Trata-se de uma crítica baseada no realismo jurídico, que enxerga a decisão do juiz apenas
como uma justificação posterior daquilo que ele já decidiu anteriormente em sua convicção
íntima (p. 315-316). Para Dworkin, a função do Hércules é revelar na estrutura de uma
sentença, as razões que levaram àquela decisão, assim, podendo criticar a decisão tomada de
maneira fundamentada.
Na mesma esteira, os críticos do juiz Hércules argumentam que criar uma teoria
tão sofisticada é desnecessário para a casos de simples solução e que a fundamentação do
direito como integridade é um exercício exagerado. O que Dworkin responde é que a
distinção entre casos fáceis e difíceis se dá, nomeadamente, a partir do exercício do direito
como integridade e sua alocação principiológica.
Para encerrar o capítulo, Dworkin se debruça sobre o conceito cético de que não
existem respostas certas em casos difíceis, o que o direito como integridade rejeita. Dworkin
destaca que:
“.. o direito está longe de ter uma coerência perfeita. Sabe que a supremacia
legislativa dá força a algumas leis que, em princípio, são incompatíveis com
outras, e que a compartimentalização do "common law", juntamente com a
prioridade local, favorece a incoerência inclusive ali. Mas ele pressupõe que
essas contradições não são tão abrangentes e intratáveis dentro de cada ramo
ou instituto do direito que sua tarefa se torne impossível.” (DWORKIN, p.
319).
Assim, apesar das incoerências do direito em razão da sua construção por
diversas mãos, o juiz Hércules consegue trazer coerência para o direito a partir da teoria da
integridade. O autor encara o ceticismo no direito como um problema “esquizofrênico” de
interpretação e aponta a efervescência do movimento de “estudos críticos do direito” que
aproximam-se de uma leitura à esquerda e buscam uma reação maior do direito com outras
áreas (p. 324).
Uma corrente dos “estudos críticos” se aproxima do realismo jurídico americano
e nega a preexistência de um direito, e dá ênfase aos discursos enquanto exemplos de
enfrentamentos na arena do direito. Por outro lado, a corrente mais filosófica dessa escola dá
ênfase às ideologias constitutivas do direito e destaca os discursos hegemônicos e
contraditórios por trás deles.

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