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Resumo do Tópico 2: Liberalismo igualitário

Neste módulo pretende-se que a/o estudante conheça os autores fundamentais e


domine os conceitos essenciais do liberalismo igualitário.

Objectivos específicos

 Indicar as ideias nucleares que estão na base da construção teórica do


liberalismo igualitário contemporâneo.
 Estabelecer as diferenças entre o liberalismo igualitário e a teorização
utilitarista.
 Esclarecer a importância da «racionalidade» e da «razoabilidade» para a
edificação de um sistema de cooperação.
 Apresentar as implicações que decorrem da adesão a uma concepção de
«igualdade equitativa de oportunidades».
 Enunciar e relacionar os «princípios de justiça» apresentados por Rawls.
 Dar uma noção de «bens primários».
 Enunciar o «princípio da diferença».
 Explicar a função e a importância da «posição original».
 Descrever a importância do «véu da ignorância» para a escolha dos princípios
da justiça.
 Formular o conceito de «estrutura básica».
 Veicular uma noção de «doutrinas abrangentes».
 Caracterizar o «consenso de sobreposição».

Os conteúdos programáticos deste módulo estão situados nas seguintes páginas do


manual adoptado (3.ª edição): pp. 41-72.

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Orientações para a realização da actividade formativa n.º 2

Em seguida, são indicadas as ideias base que deveria ter abordado e desenvolvido na
resposta às questões colocadas na actividade formativa.

Grupo I
Na teoria da justiça proposta por Rawls, não só o conceito de justo é anterior ao
conceito de bem, como o autor não pretende veicular uma concepção de bem.
Porquê?

De acordo com Rawls, o conceito de bem (em sentido amplo) remete para o conjunto
de fins que cada pessoa pretende alcançar e para as ligações que estabelece com as
outras pessoas e as lealdades que mantém com diferentes grupos e associações, as
quais lhe permitem constituir um referencial de entendimento da sua relação com o
mundo (Rawls, O Liberalismo Político, Lisboa: Editorial Presença, p. 47). Este
referencial é designado por Rawls como «doutrina abrangente razoável».
Tendo em conta a diversidade que caracteriza as sociedades modernas, não existe
uma concepção única de bem, mas uma pluralidade de doutrinas abrangentes, as
quais são simultaneamente incompatíveis e razoáveis (Rawls, O Liberalismo Político, p.
15). Como não existem critérios neutrais (ou que mereçam o acordo unânime) que
permitam estabelecer, por exemplo, que uma doutrina abrangente é «a verdadeira»
ou é «a melhor», a adopção de uma delas pelo Estado apenas seria possível através do
uso opressivo do poder (Rawls, O Liberalismo Político, p. 62).
Por este motivo, a estrutura básica da sociedade edificada por Rawls tem na sua base
uma situação de acordo inicial em que os participantes estão sob um «véu de
ignorância», o que significa que como estes desconhecem os seus atributos e talentos
naturais, a sua posição, classe ou estatuto social na sociedade, os princípios de justiça
escolhidos não beneficiariam ou prejudicariam ninguém em particular, sendo antes o
resultado de uma escolha equitativa (Rawls, Uma Teoria da Justiça, pp. 33-34).

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Deste modo, na teoria da justiça, o conceito de justo é anterior ao de bem, pelo que
algo só será bom se estiver de acordo com os princípios da justiça (Rawls, Uma Teoria
da Justiça, p. 305).

Grupo II
O conceito woke tem sido utilizado, recentemente, no debate público para designar
algumas reivindicações políticas associadas, em particular, a questões identitárias.
Embora o seu conteúdo seja vago e pouco preciso, com múltiplas e diferentes
utilizações, ele designa originariamente um movimento focado em colocar questões de
justiça racial e social nos Estados Unidos da América.
Os princípios fundamentais de liberalismo são capazes de assegurar a igualdade racial
e social? Justifique.

O liberalismo, em particular na formulação de Rawls (trabalhada na unidade


curricular), estabelece que os bens primários que devem ser garantidos a todas as
pessoas são as liberdades, as oportunidades e a riqueza.
Nesta construção, a determinação dos princípios de justiça foi conseguida a coberto do
«véu de ignorância», o qual pretendia assegurar que ninguém seria beneficiado ou
prejudicado com a escolha feita, pois não se conhecendo a situação concreta de cada
pessoa, a escolha dos princípios seria determinada por critérios universais e não por
critérios particulares, favoráveis a certas pessoas.
O primeiro princípio de justiça indica que todas as pessoas devem ter o mais extenso
sistema de liberdades básicas compatível com um sistema de liberdades idêntico para
as outras pessoas. No entanto, o liberalismo igualitário aceita que possam existir
desigualdades económicas e sociais, mas isso só é aceitável se resultar do exercício de
cargos e funções a que todos possam aceder em igualdade equitativa de
oportunidades e se for para o maior benefício das pessoas menos favorecidas.
Deste modo, se as pessoas em virtude de certas características particulares, como a
cor da pele, o sexo ou os rendimentos, são discriminadas e privadas de acesso e dos
benefícios de um igual sistema de liberdades básicas, isso corresponde, desde logo, à
violação do primeiro princípio de justiça.

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O pensamento liberal está alicerçado numa ideia de neutralidade das instituições face
às concepções de bem de cada pessoa, o que originariamente é expresso na utilização
do véu da ignorância, mas esta neutralidade tem sido questionada, argumentado-se,
por exemplo, que a escolha de uma língua oficial ou dos dias de descanso não é
neutral. Como tal, as instituições reflectem a adesão a uma determinada concepção de
bem e com isso determinadas pessoas ou grupos podem ser beneficiados face a
outros, pelo que a igualdade seria formal e abstracta. É ainda necessário clarificar o
entendimento que se tem sobre a igualdade de oportunidades e verificar como ela
pode ser assegurada em sociedades em que, por exemplo, o racismo ou o patriarcado
são sistémicos.

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Iniciado em Quinta, 4 Abril 2024, 21:34
Estado Terminada
Completado Quinta, 4 Abril 2024, 21:35
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Pergunta 1

Correta

Nota: 1,00 em 1,00

Na construção da teoria da justiça como equidade, Rawls adoptou uma «concepção de bem» específica.

Selecione uma opção:

Verdadeiro

Falso 

Certo. Como a sociedade democrática contemporânea é caracterizada pelo pluralismo, uma teoria de justiça não pode
adoptar uma «concepção de bem» em particular.

Resposta correta: Falso

Pergunta 2
Correta

Nota: 1,00 em 1,00

Em Rawls, os «bens sociais primários» são aqueles que resultam da natureza, como o ar ou a água, e devem estar
disponíveis para todas as pessoas.

Selecione uma opção:

Verdadeiro

Falso 

Certo. Os «bens sociais primários» são aqueles que são produzidos e distribuídos pelas instituições sociais, como é o caso
das liberdades, das oportunidades e da riqueza.

Resposta correta: Falso


Pergunta 3
Correta

Nota: 1,00 em 1,00

Uma das duas condições do segundo princípio da justiça de Rawls é que as desigualdades económicas e sociais só são
aceitáveis se resultarem para o maior benefício das pessoas menos favorecidas da sociedade.

Selecione uma opção:

Verdadeiro 

Falso

Certo. O segundo princípio aceita a possibilidade de desigualdades económicas e sociais, mas estas só serão admissíveis se
resultarem do exercício de cargos e funções abertos a todos em igualdade equitativa de oportunidades e se forem para o
maior benefício das pessoas menos favorecidas.

Resposta correta: Verdadeiro

Pergunta 4
Correta

Nota: 1,00 em 1,00

Na posição original, as partes não devem estar debaixo de um véu de ignorância, pois precisam de ter capacidade
argumentativa para ajudar a encontrar as melhores soluções para os problemas concretos.

Selecione uma opção:

Verdadeiro

Falso 

Certo. A posição original é uma abstracção criada para fundamentar a escolha de uma concepção de justiça imparcial e que
não adopte nenhuma concepção de bem em particular; deste modo, as partes devem estar debaixo de um véu de
ignorância, ou seja, devem desconhecer as circunstâncias particulares em que estão, de modo a evitar que as suas
escolhas as possam favorecer, o que seria injusto.

Resposta correta: Falso


Pergunta 5

Correta

Nota: 1,00 em 1,00

O «consenso de sobreposição» supõe que todas as «doutrinas abrangentes» estejam de acordo quanto à concepção de
justiça.

Selecione uma opção:

Verdadeiro 

Falso

Certo. O consenso de sobreposição significa que a concepção de justiça molda os juízos das doutrinas abrangentes quanto
à estrutura básica da sociedade; deste modo, embora as pessoas tenham distintas doutrinas abrangentes elas têm uma
concepção de justiça que é comum.

Resposta correta: Verdadeiro


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John Rawls e a teoria da justiça revisitada 667

Revista de Derecho
de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso
XXXIV (Valparaíso, Chile, 1er Semestre de 2010)
[pp. 667 - 697]

John Rawls e a teoria da justiça revisitada


[“John Rawls and the Theory of the Revisited Justice”]

Roberto Bueno*
Universidad Federal de Uberlândia, Brasil

Resumen Abstract
Hace cuarenta años, Rawls ofreció Forty years ago, Rawls presented a
una compleja teoría sobre la justicia que complex justice theory that even now
aún ahora merece ponderación crítica deserves critical pondering, given its
atendido el potencial que ella ofrece potential to be applied to the political
para ser aplicada al mundo político y and legal Latin American World. This
jurídico de Latinoamérica. El presente article deals with some of the develop-
artículo discute algunos de los conceptos ment concepts of the theory about Rawls’
formativos de la teoría sobre la justicia justice and of the original positions
de Rawls y de las posiciones originales arising from it.
de que ella parte. Keywords: Rawls – Justice Theory -
Palabras clave: Rawls – Teoría de la Primary goods – Principles of Justice.
justicia – Bienes primarios – Principios
de justicia.

* Profesor de la Facultad de Derecho de la Universidad Federal de Uberlândia,


Brasil. Dirección postal, Avenida Raulino Cotta Pacheco 70, Apto. 602, CEP 38400-
370, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Correo electrónico, rbueno_@hotmail.com
668 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

I. Metodologia e instrumental da teoria da justiça**

O ponto de partida de Rawls é o contratualismo, e isto é algo que fica


claro já em suas primeiras linhas de sua primeira grande obra1. Através do
conceito de contratualismo do qual se socorre junto à tradição filosófico-
política liberal, Rawls propõe-se estabelecer princípios a partir dos quais
se possa fazer derivar algumas concepções sobre o justo que denominará
princípios de justiça. Elaborados na posição original, eles orientam as
relações que virão a ser travadas no marco das organizações e instituições
sociopolíticas informadas pela justiça, bem como a própria estrutura
delas.
Para alcançar seus propósitos, Rawls busca construir sua própria teoria
ideal, ou seja, tem em vista caracterizar o que seja uma boa e justa organi-
zação para que todos exerçam suas próprias concepções do bem na vida em
sociedade. Essas concepções de bem, no entanto, não podem ser entendidas
como livremente exercíveis por todos os cidadãos. Ao contrário, sua limi-
tação encontra-se no quadro proposto pelo ordenamento legal derivado
dos princípios de justiça. Portanto, como fiz Grondona, “o bem deve ser
obtido no quadro do direito, nunca fora dele”2 e isto porque é altíssimo o
risco de abandonar a interpretação do que seja o bem àqueles que detém
o poder de em última análise dizer o direito. Desde logo, isto seria fugir
à tradição filosófico-política da manutenção da tutela às liberdades que
consiste na defesa da primazia do legal sobre o bom.
Este é um ponto importante da teoria rawlsiana da justiça, angular
mesmo, na medida em que, segundo ele, a justiça é “a primeira das virtudes
das instituições sociais”3. Ela representa para uma teoria social o mesmo
que a verdade representa para todo aquele que se ocupe das questões cien-
tíficas. Trata-se de um valor inerente ao próprio exercício de sua função
de teórico da sociedade.
Para deixar patente este princípio da justiça como virtude das insti-
tuições sociais e, por conseguinte, da necessidade de ocupar-se dela, o har-
vardiano sustenta não importar que as leis e instituições estejam ordenadas
e sejam eficientes; se elas são injustas terão de ser reformadas ou abolidas4.

** Abreviaturas: Mill, J. S., Sobre la libertad = Mill, John Stuart, Sobre la liber-
tad (Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1991); Rawls, J., Teoría = Rawls, John, Teoría de
la justicia México (Fondo de Cultura Económica, 1993).
1
Rawls, J., Teoría, pp. 19-23.
2
Grondona, Mariano, Os pensadores da liberdade. De John Locke a Robert Nozick
(São Paulo, Mandarim, 2000), p. 148.
3
Rawls, J., Teoría, p. 19.
4
Rawls, J., Teoría, p. 19.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 669

O fundamento de tudo e também a preocupação primeira é, portanto, a


organização justa sobre as quais as instituições serão erigidas.
Tudo isto serve para ilustrar um dos aspectos importantes de sua teoria,
a saber, que se trata de um ponto de partida ideal alicerçado na criticidade
da analítica social concreta e não de uma pura proposição transcendental
inaplicável às vicissitudes do mundo empírico. Neste sentido, há quem
argumente que o aparato rawlsiano apresenta uma estrutura de base ideal
mas cuja perfeita justiça de que fala o filósofo harvardiano não denota
senão a condição de possibilidade para o desenvolvimento de uma “teoria
impura” passível de aplicação à todas as sociedades imperfeitas realmente
existentes5. Não restam dúvidas de que a teoria da justiça de Rawls não e
uma “justiça perfeita” mas, antes e precisamente, representa uma justiça
“possível” de realização entre os seres racionais e humanos que habitam
as sociedades históricas. Segundo Bidet a teoria de Rawls torna-se, assim,
um parâmetro ideal para uma teoria real ou concreta a qual cabe aplicar
diretamente ao mundo. Isto significa precisamente a tentativa de proceder
a uma substituição no âmbito da Filosofia Política da mítica figura do
Leviatã pela da Justiça6.
Antes de seguir adiante com a abordagem da teoria da justiça propria-
mente dita é necessário destacar uma das expressões que Rawls freqüente-
mente utiliza: sociedade bem organizada. Para Rawls, uma sociedade pode
receber o adjetivo de bem organizada quando sua estrutura básica está
projetada não só para promover o bem de seus membros como também
se encontra regulada por uma concepção de justiça.
Deste modo, a sociedade bem organizada de Rawls apresentará os
seguintes requisitos: i) que cada um dos indivíduos aceite e saiba que os
outros aceitam os mesmo princípios de justiça (aqui já está implícita a ideia
que desenvolverá dos princípios de publicidade e reciprocidade); ii) Que
as instituições básicas satisfaçam, em regra, estes princípios7.
A idéia básica de Rawls neste ponto é de que quando os indivíduos
que, por definição, são socialmente geradores de conflitos, possam todos
reconhecer alguns pontos de vista como de valia e interesse em comum
ao que julguem capaz de dirimir suas contendas, eles servirão como
garantidores da convivência social segura e, conseqüentemente, será o
“traço característico de uma sociedade bem organizada”8. Neste sentido
a tradição rawlsiana parece permitir estabelecer diálogo com Carnelutti

5
Bidet, Jacques, John Rawls et la Théorie de la Justice (Paris, Presses Universitaires
de France, 1995), p. 14.
6
Höffe, Otfried, Justiça política (São Paulo, Martins Fontes, 2006), p. 16.
7
Rawls, J., Teoría, p. 21.
8
Rawls, J., Teoría, p. 21.
670 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

em sua defesa do direito como um instrumento de mediação de conflito


quando o italiano sustenta que “dove conflitto di interesi no c’è, ivi non
puo essere diritto percè ivi non é bisogno di diritto. Non existe fenomeno
giuridico, alla radice del quale l’analise non rintracci tale conflito”9. Para
o eminente processualista italiano, o conflito passa a ocupar o centro do
direito, elemento para o qual todo o ordenamento jurídico está voltado.
Em Rawls, embora sob outro enfoque, a ideia apresentada por Carn-
elutti se fazia presente já em um de seus primeiros escritos, o artigo Outline
of a Decision Procedure for Ethics (1951)10, no qual já em suas primeiras
linhas deixava clara a existência de concepções e interesses rivais que en-
sejam conflitos11. Não se trata, exatamente, de um tema novo. Ainda em
seus últimos anos, Bobbio retomava o tema para mencionar tratar-se de
um antigo assunto o que envolvia as relações entre moral e política12.
No fundo, quando Rawls menciona a problemática que envolve os con-
flitos em sociedade, o que faz é reconduzir ao centro do debate a questão
hobbesiana da animosidade natural dos seres humanos que necessitam de
uma instância pacificadora, bem ao contrário da percepção rousseauniana
do doce homem vivente no estado de natureza13. Ao contrário do filósofo
de Malmesbury, no entanto, sua alternativa não é a da constituição de um
poder forte, senão, ao contrário, a construção de uma opção racional através
da ação de homens livres que ao procurar tutelar seus interesses não poderão
menos do que proteger os interesses de toda a sociedade em que viverão.
Uma das formas de reduzir essa tensão é a que Rawls encontra na
retomada do argumento humeano derivado do convencionalismo que
sustenta que os homens podem encontrar-se propensos a pacificar suas
relações quando “eu me dou conta de que redundará em meu proveito o
fato de que eu deixe que outra pessoa desfrute da posse de seus bens, dado
que esta pessoa atuará da mesma maneira contigo”14. Como se observa,
esta é uma formulação bastante próxima daquilo que propõe Rawls no
primeiro princípio de justiça logo acima enunciado.
A ação política desses seres racionais parte de pressuposto caro à teoria

9
Carnelutti, Francesco, Teoria generale del Diritto (Roma, Foro Italiano, 1940),
p. 41.
10
En The Philosophical Review, 60 (Abri1 de 1951) 2.
11
Rawls, John, La justicia como equidad (2ª edición, Madrid, Tecnos, 1999), p.
61.
12
Bobbio, Norberto, O final da longa estrada. Considerações sobre a moral e as
virtudes (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2005), pp. 11-13.
13
Rousseau, Jean-Jacques, Discurso sobre el origen y los fundamentos de la desigual-
dad entre los hombres y otros escritos (Madrid, Tecnos, 1990), p. 170.
14
Hume, David, Tratado de la naturaleza humana (Madrid, Tecnos, 1992), p.
659.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 671

liberal clássica que é “a da completa liberdade de contradizer e desaprovar


nossa opinião constitui a condição que nos justifica assumir sua validade
para fins práticos”15. Esta teoria aplicada à filosofia rawlsiana implica em
que intervenham em diálogo para criar princípios de justiça compartilhados
através de um convênio social que lhes permita aplicá-los a uma estrutura
básica que será o marco de sua convivência cotidiana, dentro da qual as
diversas concepções morais (tomada esta expressão em sentido amplo)
poderão encontrar lugar para expressar-se.
Rawls oferece sua idéia de sociedade bem organizada mas, não obstante,
está atento ao fato de que estas características existem muito raramente,
pois as sociedades existentes estão, em regra, a discutir o que é justo ou
injusto, e os homens em desacordo sobre quais são os princípios que devem
definir basicamente sua sociedade. Assim, é necessário recorrer à idéia de
uma posição original onde fazia constar um consenso sobre idéias basilares
e fundamentais como, por exemplo, a noção do justo.

II. O objeto da teoria da justiça

Atribuímos o adjetivo de justo ou injusto a uma diversidade conside-


rável de objetos, dentre os quais, as leis, as instituições, os sistemas sociais
e as ações particulares de cada um dos indivíduos ou, mesmo, de grupos.
Tudo o quanto se disse, diga e, todavia, venha a ser dito sobre este tema,
ainda conterá profunda carência de detalhamentos e todavia continuará
a apresentar brechas que manterão graves problemas insolúveis dentre
aqueles que as teorias que tentam explicar como ela poderá tornar operativa
em sociedade um determinado conceito de justiça, seja ele qual for, haja
visto ser unânime dentre os teóricos a inoperância de qualquer sistema ou
regime político que abra mão dessa idéia16.
Quiséssemos resumir o objeto da teoria da justiça em nada mais do
que uma linha e talvez devêssemos dizer que se trata de colocar os funda-
mentos para uma sociedade bem organizada17 a partir de uma concepção
de justiça.

15
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 91.
16
Autor que transita em linha paralela à de Rawls e, por isto mesmo, insuspeito
de corroborar suas teses, Hayek dedica todo o VIII capítulo de um de seus livros
para sublinhar a importância do conceito de justiça; “como fundamental ponto de
partida de qualquer esquema legal [assim] como de sua adequada limitação” [Hayek,
Friedrich August von, Legislación, Derecho y libertad. El espejismo de la justicia social
(Madrid, Unión editorial, 1988), II, p. 119].
17
Maffettone, Sebastiano, Utilitarismo e teoria della giustizia (Napoli, Biblio-
polis, 1983), p. 13.
672 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

Embora as definições preliminares interessem, há necessidade de um


conceito operativo de justiça, pois ainda que provisório as sociedades ne-
cessitam dele. Este é um bom motivo para que Rawls faça seu o tema da
justiça social que visa determinar como as instituições sociais procederão
à distribuição de direitos e deveres fundamentais assim como às vantagens
provenientes da vida cooperativa em sociedade18.
No que concerne à necessidade da vida em sociedade encontramos um
ponto que Rawls herda diretamente da tradição contratualista. Mesmo um
dos utilitaristas com cuja obra dialogou intensamente, Mill, Rawls apre-
senta proximidades. Mill sustenta, por exemplo, que os homens sentem
necessidades de por-se à salvo das maiores injúrias, que se interessam pela
cooperação como forma de atingir seus objetivos e, por conseguinte, não
tendo em vista tão somente interesses individuais, mas segundo a orientação
de um interesse coletivo19. Tal orientação não exclui a perspectiva dos inte-
resses individuais, pois conclama a intervenção da noção de reciprocidade,
a qual, em Rawls, não é apenas entendida como mútua vantagem mas,
antes, como “uma relação entre cidadãos em uma sociedade bem ordenada
[...], expressada por sua concepção política pública da justiça”20.
Muito embora apresente que se trata de mera condição para a coope-
ração social, o fato é que a proposta em si da sobreposição do interesse social
ao individual como ponto de chegada, e também de partida, desconstitui
as possibilidades de realização de uma teoria justiça voltada ao cidadão.
Não obstante, é o próprio Rawls quem reconhece no seres humanos uma
inclinação para que seu bem estar encontre a devida complementação no
sucesso e alegria dos demais concidadãos21. Com isso a teoria rawlsiana

Rawls, J., Teoría, p. 23. Não resta dúvida de que fora apenas por este aspecto
18

e todos que vivemos em sociedades profundamente desigualitárias e, em certa me-


dida, também profundamente injustas, conquanto não disponibilizadoras de opor-
tunidades similares a todos, já disporíamos de razões suficientes para nos ocupar do
pensamento filosófico político de Rawls. Por outro lado, também interessa sublinhar
que a necessidade de promover a distribuição tem antecedente teórico em Aristóteles.
Quando este faz referência a que os bens devem ser desfrutados proporcionalmente,
mesmo pelo governante, põe as bases argumentativas para o debate de uma sociedade
onde a ilimitada desigualdade não é um bem em si, mas sim, ao contrário, que o
valor igualdade deve ser levado em consideração.
19
Conforme foi ressaltado no capítulo II, item 4, em que trato da filosofia liberal
e utilitária de Mill, seu liberalismo possui uma argumentação que, por vezes, abre as
portas para as práticas socialistas e neste momento em que apresenta a argumentação
da necessidade de sobrepor o interesse coletivo ao individual nos deparamos com um
exemplo cabal desta leitura.
20
Rawls, J., Teoría, p. 41.
21
Rawls, J., Teoría, p. 396.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 673

delineia um perfil de pessoa humana que foge a um corte predominan-


temente egoístico ou, pelo menos, que lhe reconhece outras dimensões
que exercem um papel importante na determinação das estruturas sociais
vigentes que transcendem com sobras uma mera concepção individualista
atomizada preponderante na maioria das sociedades ocidentais democrá-
ticas contemporâneas22.
Nesse contexto torna-se valiosa a observação de Day quanto a que o
objetivo de Rawls não consistia na elaboração de uma teoria geral mas, isto
sim, na formulação de princípios de justiça social, expressão cujo alcance é
o da promoção de direitos, deveres e vantagens na sociedade23. O conceito
de justiça na sociedade implica, fundamentalmente, em como esses bens
serão distribuídos24. Parte-se, portanto, de uma idéia visceralmente distinta
a de Hayek, por exemplo, que sustenta não existir princípio algum capaz de
orientar condutas individuais que configurem um modelo de distribuição
que, nesta qualidade, possa receber o adjetivo de justo25.

22
Desde logo, não é o escopo desse trabalho aprofundar nessa questão mas inte-
ressaria explorar a questão de como a publicidade reforça o papel do indivíduo, e não
o das relações coletivas (e quando a publicidade foca o grupo o faz tendo em mira a
decisão do indivíduo) que tem lugar em sociedade. Interessaria tabular em um tra-
balho interdisciplinar envolvendo a psicologia, a sociologia e a ciência política, entre
outros ramos do saber, qual o impacto das peças publicitárias na formação da perce-
pção do hiperdimensionamento da figura do indivíduo na sociedade e da formação
de uma sociedade hedonista radical.
23
Day, John, John Rawls, A Theory of Justice, en Forsyth, Murray - Keens-Soper,
Maurice, The Political Classics. Green to Dworkin (New York, Oxford University
Press, 1996), p. 221.
24
Day, J., John Rawls, cit. (n. 23), p. 221.
25
Hayek, F.-A., Legislación, Derecho y libertad, cit. (n. 16), p. 131. Desde logo,
Rawls não poderá passar ao largo de argumentos desse tipo e muito embora não esta-
beleça o debate aberto com a obra hayekiana em seus trabalhos, isto sim, encontra-se
implícito em seu pensamento assim como em todos os seus interlocutores uma série
de problemas levantados pelo mestre vienês (1899-1992). Desde logo, do ponto de
vista cronológico não teria existido impedimento para o estabelecimento do diálogo
entre ambas obras. Não tendo sido direto, como apontei, ocorrei por via dos discí-
pulos de Hayek e de sua alimentação à teoria liberal através de seus trabalhos, aliás,
é justamente em seu período de maturidade em que encontram-se localizadas suas
preocupações com a economia política, com filosofia política e com a filosofia do
direito, consagrando seu pensamento econômico como voltado às grandes questões
sócio-políticas. Talvez o marco dessas preocupações políticas possa ser dado com seu
clássico e muito popular livro Road to serfdom (1944), obras que conta com diversas
traduções para o português. Uma delas é Hayek [véase: Hayek, F.-A., Caminho da
servidão (1ª edición, Rio de Janeiro, Bibliex Cooperativa, 1994]. Para uma brevíssi-
ma e bem colocada biografia de Hayek ver http,//www.institutoliberal.org.br/gale-
ria_autor.asp?cdc=928
674 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

Mas a que vem o desenvolvimento de uma teoria da justiça para uma


sociedade justa, estável e democrática? A resposta parece ser a de que vem
para tornar possível existir durante um tempo prolongado uma sociedade
de homens livres e iguais, aos quais, não obstante, permanecem divididos
pela defesa de diferentes doutrinas26. Ainda resta por esclarecer quais são
as instituições mais importantes que devem ser protegidas, e Rawls não é
ambíguo a este respeito: “constituição política e as principais disposições
econômicas e sociais. Assim, a proteção jurídica da liberdade de pensamento
e de consciência, a competição mercantil, a propriedade privada dos meios
de produção e a família monogâmica [...]”27.
Para Rawls, contudo, a aplicação do conceito de justiça tem como
objeto de primeira preocupação28 sua aplicação de uma estrutura básica da
sociedade29 antes (ver item 3.2) que a concessão de prioridade a qualquer
grau importante de igualitarismo30. Esta sua atenção à estrutura primária diz
respeito às pré-condições para a estabilidade social e, por conseguinte, para
a existência pacífica dos indivíduos em sociedade, os quais, naturalmente,
podem ser tomados como proclives senão a comportamentos egoísticos,
pelo menos, tendentes à proteção de seus interesses pessoais. Ao assumir
esse ponto de vista e, portanto, distanciando-se de Mill31. Rawls tomará

26
Rawls, John, El liberalismo político (México, Fondo de Cultura Económica,
1996), p. 29.
27
Rawls, J., Teoría, p. 23.
28
A este respeito o ator é bastante claro quando formula já nas primeiras linhas de
Uma Teoria da Justiça que “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais [...]
não importa que as leis e as instituições estejam ordenadas e sejam eficientes, se forem
injustas elas têm de ser reformadas ou abolidas” (Rawls, J., Teoría, p. 19). Neste sen-
tido discorda Parekh, Bhikhu, Repensando el multiculturalismo. Diversidad cultural
y teoría política (Madrid, Istmo, 2005), p. 137, argumentando que a justiça “não é
a primeira das virtudes sociais porque parte de um conjunto de outras virtudes nas
quais está inserida, e porque sua existência não é, senão, uma das muitas condições
prévias necessárias para garantir a estabilidade social e política”.
29
Rawls, J., Teoría, p. 23.
30
Como diz Day, J., John Rawls, cit. (n. 23), p. 239, trata-se aqui de um clássi-
co do “egalitarianism”, mas não de um igualitarismo absoluto, o qual, desde logo,
renega.
31
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 28, é direto quando sustenta uma posição an-
tropológica menos pessimista ou realista do que a de Rawls, mais proclive ao hobbe-
sianismo. Segundo Mill “não há necessidade intrínseca de que qualquer ser humano
seja um interessado egoísta, divorciado de todo o sentimento ou cuidado que se não
centre na sua própria e miserável individualidade”. Mas ao que Mill liga tal compor-
tamento socialmente interessado? Segundo o autor, ainda que em graus desiguais de
interesse, é possível esperar que os indivíduos nutram verdadeiro interesse pelos des-
tinos da sociedade, isto é, apresentem-se genuinamente ocupados com o bem público
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 675

como ponto de partida, como diz Habermas32. uma posição original em


que necessitará colocar restrições de ordem normativa sob as quais os
indivíduos livres, iguais e racionais intervirão na eleição dos princípios de
justiça que intervirão em suas vidas através de sua aplicação à estrutura
básica da sociedade.
O que o liberalismo político tem por objetivo em sua proposta de uma
justiça como imparcialidade é o da elaboração de uma concepção política da
justiça, isto é, uma de tal tipo que possa angariar o apoio de um consenso
por sobreposição das doutrinas razoáveis presentes na sociedade, tanto em
matéria religiosa como filosófica e moral. Neste ponto o que Rawls realiza
é a construção do equilíbrio reflexivo, o qual consiste na assunção de que
há questões morais cujo consenso é inviável e, portanto, a única chave
para deslindar o problema é partir para a realização de juízos ponderados.
Segundo Dworkin, de acordo com o equilíbrio reflexivo.
A tarefa da filosofia moral proporcionar uma estrutura de princípios
que fundamente essas convicções imediatas sobre as quais estamos mais ou
menos certos, tendo em vista dois objetivos. O primeiro é que esta estrutura
de princípios deve explicar as convicções demonstrando os pressupostos
subjacentes que refletem. Em segundo lugar, deve proporcionar orientação
para aqueles casos a respeito dos quais não temos convicções, ou quando
essas são débeis ou contraditórias33.
Esta argumentação apresentada significa trabalhar com os pontos de
convergência entre os intervenientes no debate de sorte a ir ampliando
esta zona de convergência ética. Desta maneira, como diz Oliveira, evita-
se “resolver os problemas de fundamentação moral, como nos modelos

desde que se lhe possa qualificar como um “ser humano rectamente educado” (Ibíd.).
Aqui há dois pressupostos intrínsecos à tese de que parte o argumento milliano. O
primeiro, filosófico, inextricavelmente ligado às promessas do Iluminismo quanto
ao desenvolvimento moral do ser humano. O outro pressuposto, de que a educação
não apenas exerce um papel determinante nas opções morais do ser humano como,
ainda, que o fato de que ele realmente tenha interesse nos assuntos públicos é algo
realmente virtuoso. O que dizer, então, de uma opção moral e política de desinte-
resse pelos assuntos públicos? Poderíamos de alguma forma desestimular tal tipo de
concepção de vida e forma de experiência vital? Parece difícil aceitar esta proposta.
Rawls, John, Political Liberalism (New York, Columbia University Press, 1993), p.
xvii, com certeza, no âmbito de sua proposta de consenso por sobreposição não ar-
gumentará de forma similar. As exclusões de formas de vida que propõe não tem por
objetivo atingir enormes planícies axiológicas, antes pelo contrário, apenas aqueles
que se demonstrem ampla e irreconciliavelmente como não razoáveis, irracionais ou,
como chega a dizer, “loucas”.
32
Habermas, Jürgen, Escritos sobre moralidad y eticidad (1ª edición, Barcelona,
Paidós y otras,1991), p. 161.
33
Dworkin, Ronald, Los derechos en serio (Barcelona, Ariel, 1989), p. 241
676 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

metafísicos tradicionais, mas apenas apresenta argumentos razoavelmente


defensáveis34. e, ao evitar tal sorte de problemas filosóficos de fundo, abri-
mos as portas para a possibilidade do diálogo público.
Neste contexto devemos entender por doutrinas razoáveis aquelas que
aceitam que os indivíduos são seres livres e iguais, concedendo-se um status
de independência ao âmbito do político. Por outro lado, são reputadas
como não razoáveis aquelas doutrinas que assim não entendem a posição do
homem no mundo, adjetivando-se-lhes como irracionais ou, como chega a
dizer Rawls, “loucas”.35 Não obstante, Nozick, por exemplo, não defende
ideia demasiado distinta sobre a existência de indivíduos protegidos em
sua dignidade. Ao final de seu mais celebrado livro sustenta que
[...] o Estado mínimo nos trata como indivíduos invioláveis, que não
podem ser usados por outros como meios, ferramentas, instrumentos ou
recursos, mas nos trata como pessoas que têm direitos individuais como
a dignidade [...] Que nos tratem com respeito relativamente aos nossos
direitos nos permite, individualmente ou com quem escolhamos decidir
nossa vida, alcançar nossos fins e nossa concepção de nós próprios, tanto
como possamos, ajudados pela cooperação voluntária de outros que pos-
suam a mesma dignidade36.
Decididamente, muito do que encontra-se presente nessas últimas lin-
has da obra visceralmente crítica à Rawls não diverge de muitos propósitos
de Rawls e, ainda, celebra um de seus pontos centrais, a saber, a influência
da ética kantiana. Mas as diferenças afloram na medida que consideramos
os meios de que lança mão Nozick em sua obra para alcançar essas mesmos
fins. Ademais, a concepção de “indivíduos invioláveis” de Nozick parte de
pressupostos bastante diversos da de Rawls. Em Nozick, nada há que fazer
em sentido contrário à objeção de Berlin quanto à injustiça das extremadas
misérias e desigualdades que a vida em sociedade pode proporcionar.37
Rawls toma às ações desses indivíduos livres e racionais como seu
ponto de partida. Isto torna claro como apenas cumprindo tal suposto
necessário é que se poderá aplicar à ideia de justiça social, a uma sociedade
que se queira bem ordenar ou regular. Este objeto da teoria da justiça,
conteúdo que Rawls denominaria no desenvolvimento de seu trabalho
como liberalismo político.

Oliveira, Nythamar Fernandes de, Rawls (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
34

2003), p. 15.
35
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 31), p. xvii.
36
Nozick, Robert, Anarquía, Estado y utopía (1ª edición, México, Fondo de
Cultura Económica, 1997), p. 319.
37
Berlin, Isaiah, Cuatro ensayos sobre la libertad (Madrid, Alianza, 1996), p.
194.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 677

Neste contexto surge uma questão que cobra prioridade no que


tange ao seu esclarecimento. Trata-se do entendimento acerca do que
Rawls compreende por estrutura básica da sociedade. Segundo o filósofo
harvardiano, este conceito deve ser apreendido como o “modo em que
as instituições sociais mais importantes distribuem os direitos e deveres
fundamentais e determinam a divisão das vantagens provenientes da co-
operação social”38.
Quando Rawls se refere a “instituições sociais mais importantes”, na
verdade, remete à constituição política de uma sociedade, a qual deve
ser alvo de atenção por parte das instituições, devendo estimular que os
cidadãos reinterpretem continuamente suas concepções abrangentes de
justiça à luz daquela concepção política de justiça já elaborada na posição
original pelas partes deliberantes racionais. Esta constituição política
mantém estritos laços com as principais instituições econômicas e sociais
que regem a sociedade.
Dentro dessas instituições se encontra a proteção jurídica da liber-
dade de pensamento e de consciência, a propriedade privada dos meios
de produção, algo considerado por Rawls como indispensável ao avanço
econômico e, enfim, para tornar operativo o segundo princípio da justiça,
isto é, aquele que melhora a situação dos menos favorecidos quando os
melhor situados também obtém melhoras para si próprios através da melhor
organização e produtividade de suas atividades. Além dos elementos que
vinham sendo citados no período imediatamente antecedente, também é
necessário mencionar a competição comercial.
Especialmente quanto à idéia do que ele considere a competição
comercial como uma das instituições sociais mais importantes e, logo,
protegidas já desde a proposição da estrutura básica, avalio existir uma
aporia em seu pensamento, pois bem adiante em sua obra diria que toda
sua teoria da justiça é compatível tanto com o capitalismo como com o
socialismo. Há entre nós quem, como Möller, em seus primeiros estudos,
veja em nosso autor uma espécie de “liberal-igualitário”, quiçá de forma
não muito dissimile daquela a que muitos também tentaram ver ao pen-
samento de Bobbio.
Ainda outro aspecto a ressaltar sobre a mencionada competição comer-
cial é que Rawls a entende como indispensável ao avanço econômico e,
enfim, para tornar operativo o segundo princípio da justiça, melhorando,
assim, a situação dos menos favorecidos. Além desses elementos com-

Rawls, J., Teoría, p. 23. Neste primeiro momento, fica posta esta primeira
38

aproximação à ideia de estrutura básica que, contudo, carece de maior detalhamento,


conforme voltaremos a ver no decorrer do livro.
678 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

ponentes da estrutura básica que merecem a atenção dos princípios de


justiça, entre eles também é incluída a família monogâmica, assim como
outros componentes das instituições da estrutura básica da sociedade que
visceralmente interferem nas perspectivas de vida de cada um dos membros
da sociedade.
Rawls concede importância capital à ideia de aplicar a justiça social – a
definir mais adiante qual o significado que esta expressão cobra em seu
pensamento – à estrutura básica porque quando esta define os direitos e
deveres dos homens, acaba por influir em suas perspectivas de vida, quan-
do então mostra o quão profundos são os seus efeitos39. Acaso pensemos
em uma sociedade justa, haverá que mitigar os efeitos da loteria natural,
seja ela relativa aos lugares que a sociedade lhe atribui ou àquelas outras
vantagens derivadas de talentos ou capacidades naturais. Neste particular é
interessante a crítica de Parekh segundo quem a teoria de Rawls apresenta-
se pouco convincente devido ao fato de que nem todas as teorias sociais
(em sentido amplo) ou religiosas compartilham da visão do filósofo de
Harvard sobre a necessidade de combater o mérito, uma vez que tanto
hinduístas, budistas, jainitas e outros [...] pensam que os talentos naturais
são o produto de atos meritórios do agente em uma vida passada e, por
tanto, indubitavelmente merecidos40.
Devido a esses argumentos, então, podemos sustentar que a doutrina
de Rawls dá suficientes mostras de ser abrangente (“comprehensive mo-
ral doctrine”) quando precisamente apresenta-se como combativa dela e
procurando consensos sobrepostos. Enfim, a crítica de Parekh se centra
em que Rawls exige que os demais se abstenham da defesa de suas teorias
abrangentes (compreensivas) mas, no entanto, “retém e capitaliza injus-
tamente as suas”41.
Precisamente no que concerne ao ataque ao triunfo do talento e do
mérito é que Rawls torna explícito um problema que mais adiante tratará
de combater ao aplicar a noção de justiça social (o que realiza ao lançar mão
de seus princípios de justiça) à estrutura básica da sociedade, na qual, origi-
nariamente, encontramos imperfeições agudas no que concerne à situação
de partida para que cada indivíduo possa dedicar-se à persecução de seus
planos de vida, o que se dá materializa através das diferentes oportunidades
iniciais na vida quer sejam elas postas pela natureza que pelas instituições
sociais ou, ainda, por ambas ou apenas reforçada pelas últimas.
Rawls sustenta que todos cidadãos dispõem de uma noção intuitiva,

39
Rawls, J., Teoría, p. 23.
40
Parekh, B., cit. (n. 28), p. 139.
41
Forsyth, Murray - Keens-Soper, Maurice, Bhikhu, Repensando el multicultu-
ralismo, cit. (n. 28), p. 139.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 679

qual seja, a de que a estrutura básica das sociedades já existentes contém


várias posições sociais e que os homens nascidos em posições sociais dife-
rentes terão diferentes expectativas na vida, em suma, de alcançá-las. Este
é fato que se deve tanto ao sistema político vigente como a circunstâncias
econômicas e sociais, desta maneira a conclusão é óbvia: temos instituições
sociais que favorecem certas posições iniciais em detrimento de outras.
Este favorecimento inicial que as instituições sociais concedem a alguns
cidadãos em detrimento de outros não pode fundamentar-se em noções
de mérito ou demérito, ao menos não quando o que tenhamos em vista
seja organização de uma sociedade segundo parâmetros de justiça. Já a seu
tempo Mill advertia que “uma pessoa tem direito ao que possa ganhar em
honesta competição profissional, porque a sociedade não deve permitir
que qualquer pessoa estorve os seus esforços para ganhar dessa maneira
tudo quanto possa”42. Ainda no contexto desta mesma questão, Mill sugere
analogia com uma associação industrial cooperativa. Sobre ela questiona se
é ou não juso que o “talento ou a habilidade dêem direito a uma remune-
ração mais elevada?”43. A isto Mill não hesita em responder que “a resposta
negativa apoia-se em que todos os que fazem o melhor que podem têm
igual merecimento e não devem, com justiça, ser colocados numa posição
de inferioridade por faltas de que não sejam culpados”44.
O primeiro deste par de argumentos expostos em favor da meritocracia
poderia ir bem, mas apenas superficialmente, pois não resistiria a uma se-
gunda vista, mais detalhada. Já o segundo, melhor exposto, parece convergir
um pouco mais com o pensamento redistributivista de Rawls ao não colo-
car a questão da distribuição dos recursos – no caso o da retribuição pelo
talento ou habilidade – como algo indissociado da aplicação do “melhor
de si próprios”, e não unicamente ligados ao talento e/ou habilidade que
a loteria natural lhes tenha conferido ou, então, os arranjos sociais lhes
tenham possibilitado de modo diferenciado ao acesso concedido a outras
pessoas. Mas o próprio Mill reitera que este é o princípio abstrato mais
elevado da justiça social e redistributiva45.
Bem mais próximo aos nossos dias surgem argumentos desde uma
esquerda de caráter nacionalista-desenvolvimentista que não se distan-
cia em disso. Jaguaribe, por exemplo, defende que o conceito em si de
desenvolvimento e o de crescimento econômico diferem. Seu raciocínio
conecta com a teoria rawlsiana na medida em que esta ao buscar justiça
tende à promoção de recursos e, por seu turno, Jaguaribe ao diferenciar

42
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 83.
43
Mill, J. S., Sobre la libertad,p. 88.
44
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 88.
45
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 93.
680 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

desenvolvimento de crescimento econômico o faz através da ideia de


que o primeiro conceito envolve “um aperfeiçoamento qualitativo da
economia”, feito “através de melhor divisão social do trabalho [idéia que
em Rawls poderia encontrar-se representada pela igualdade de acesso às
oportunidades], do emprego de melhor tecnologia e da melhor utilização
dos recursos naturais e do capital”46.
Desde logo, como Mill responderia à questão acerca da competição
em igualdade de condições mas que não tivera como pressuposto um
equânime ponto de partida entre os competidores ou, em ainda, como
poderia resolver a questão das incomensuravelmente maiores chances dos
melhor posicionados – ou, mesmo, privilegiados – quanto a elementos
absolutamente decisivos como o acesso à educação? Efetivamente, o liberal-
utilitarismo de Mill não respondeu satisfatoriamente a essas questões,
senão que as deixou em aberto. Sua resposta é claramente insatisfatória
desde uma perspectiva rawlsiana, por exemplo, quando atribui à sociedade
o dever de não permitir que qualquer pessoa estorve os esforços de cada
um por ganhar tudo quanto possa. Este é um princípio claramente anti-
intervencionista que casa à perfeição com os preceitos de uma teoria (neo)
liberal como a de Hayek, mas não com a os preceitos enunciados por Rawls
em seu segundo princípio da diferença47.

Jaguaribe, Hélio, Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político. Rio


46

de Janeiro, Paz e Terra, 1969, p. 13. Por outro lado, é interessante sublinhar que
Jaguaribe é autor que dialogou com a cultura norte-americana dos anos sessenta e,
por conseguinte, não passou distante de uma série de doutrinas que, direta ou indi-
retamente, dialogaram com o pensamento de Rawls, muito embora não tivesse ainda
surgido sua obra máxima quando da publicação deste livro de Jaguaribe, cuja edição
nacional foi publicado tão somente em 1969 e cuja primeira edição encontrou lugar
em Stanford, onde o pensador brasileiro trabalhava à época, em 1967. Não obstante
certa possibilidade de acercamento, resta todavia por sublinhar a nítida maior proxi-
midade de Jaguaribe do pensamento de esquerda. O que se depreende deste seu pe-
ríodo sessentista é que se apresenta mais próximo, por exemplo, do desenvolvimento
perpassado por certa planificação econômica, antes do que por um maior grau de
atuação das forças de mercado (Jaguaribe, H., ibíd., p. 17). O autor não nega o que
chama de “desenvolvimento espontâneo”, conceito aproximado ao da mão invisível
smithiana. Contudo, sua tese é de que esta é uma “hipótese estatisticamente remota”
(Jaguaribe, H., ibíd., p. 17). A inclinação à esquerda de Jaguaribe é exposta em sua
preferência pelo modelo intervencionista (dirigista moderado?) do típico modelo de
Estado francês e alemão, dos quais diz que, ao menos, pode admitir-se que suas
economias sofreram alguma dose de condicionamento político (Jaguaribe, H., ibíd.,
p. 18).
47
Este é um ponto que deve ficar bastante claro, pois se trata de dois tipos bastan-
te diversos de liberalismo. O liberalismo de Hayek, conhecido como neoliberalismo
e, por outro lado, o de Rawls, cujo liberalismo tem o sentido que desfruta a expressão
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 681

Por outro lado, Mill parece antecipar consideravelmente alguns as-


pectos do pensamento de Rawls e, em alguns momentos, até mesmo seu
linguajar, quando sustenta que a sociedade que almeje o título de justa
necessita “compensar os menos favorecidos por esta imerecida desigualdade
de vantagens, de preferência a agravá-la”48. Contrariar a esta tese implica
aceitar o princípio de que o trabalhador que rende mais ou, em outros
termos, é mais eficiente, deve mesmo obter maior retorno financeiro por
seu trabalho, quer seja pelo empregador direto ou através da sociedade49.
Assim, Rawls conclui de modo taxativo que “é a estas desigualdades da
estrutura básica de toda sociedade, provavelmente inevitáveis, às quais se
devem aplicar em primeira instância os princípios de justiça social”50. O
filósofo não ataca as raízes da desigualdade com o fito de extirpá-las mas,
isto sim, com o escopo de amenizá-las. Como diz Grondona, Rawls com-
preendeu que a desigualdade é uma condição para o progresso e que, “no
limite, a igualdade e o progresso excluem-se de modo recíproco”51. Desde
logo, esta última ideia de Grondona pode ser subscrita sempre e quando
entendamos que o “limite” ao qual se refere seja o de uma sociedade em
que triunfe a igualdade plenamente abrangente, a saber, total e irrestrita
em todas as dimensões possíveis. Isto não seria compatível com a liberdade
e também não com o progresso econômico52.
Através da iniciativa de aplicar os princípios de justiça social à estru-
tura básica a tendência é a produção de justiça nas circunstâncias da vida
concreta. Acaso pensemos em sociedade justa haverá que mitigar os efeitos
da loteria natural (seja dos lugares que a sociedade lhe atribui ou aquelas
outras vantagens derivadas de talentos ou capacidades naturais.
À guisa de conclusão, é perceptível que para Rawls a concepção de
justiça social concebida na posição original deve proporcionar uma pauta
teórica que supere as diversas, e individuais, concepções sobre a justiça.
Neste sentido Rawls supõe que os homens podem fazer mais do que agir

nos EUA, a saber, o corte das filosofias políticas que inspiram o pensamento demo-
crata norte-americano.
48
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 88.
49
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 88. Acerca de uma possível área de diálogo
do utilitarismo com a teoria da justiça rawlsiana uma obra bastante útil é a de Ma-
ffettone, S., Utilitarismo, cit. (n. 17).
50
Rawls, J., Teoría, p. 23.
51
Grondona, Mariano, Os pensadores, cit. (n. 2), p. 146.
52
A este respeito cabe acrescer que a igualdade torna-se incompatível com o des-
envolvimento e progresso econômico bem antes desta curva que termina em esta-
bilização que revela a plenitude da igualdade, cujo exemplo histórico são os países
socialistas, que embora longe de configurar uma sociedade plenamente igualitária
fizeram ruir seus respectivos sistemas econômicos.
682 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

meramente guiados por seus instintos ou, ainda, conforme uma pauta
egoística. Sua suposição é de que os homens são seres morais e daí deriva
a possibilidade de que possam realizar escolhas com transcendência moral
e retratando instituições de convívio que reflitam a moralidade intrínseca a
todos os cidadãos, resguardando-lhes direitos essenciais como a liberdade e
a dignidade, tomada esta em sentido amplo que abrange direitos diversos,
tais como a educação, a igualdade de oportunidades, etc.
Como recorda Waldron, a justiça social não é apenas algo que podemos
fazer por nós próprios mas, isto sim, que temos de realizar em conjunto53
e uma ação em conjunto demanda que tenhamos valores compartilhados
desde os quais possamos tornar os valores uma prática política concreta.
Esta ideia ilustra que devemos valorar os aspectos distributivos inerentes
aos debates que se põem na estrutura básica da sociedade, algo a que vai
unido o conceito de justiça – observe-se tratar de algo aristotélico54 – ao
qual cabe designar direitos e deveres e definir as vantagens sociais segundo
os termos de justiça concebidos.

III. A lista de bens primários tutelados

A tradição de reflexões filosófico-políticas acerca do atendimento às


necessidades humanas assim como às suas organizações institucionais que
lhe dêem lugar remetem aos clássicos do contratualismo moderno mas,
também, a pensadores não expressamente mencionados como Khaldun,
segundo quem as necessidades fundamentais encontraram, historicamente,
maior atenção nas sociedades nômades. Uma vez feita a transmigração para
as cidades, sustenta, teve lugar a satisfaço de outras necessidades, a saber,
aquelas “oriundas do luxo e de aperfeiçoar tudo o que se relaciona com o
seu estado e modo de viver”55. Mas temos de admitir que os cidadãos das
urbes contemporâneas não se satisfazem com os mesmos itens que os cam-
pesinos aos quais se referia Khaldun nem aquilo solicitado por outros.
O ponto de partida da argumentação em torno a quaisquer seleções
possíveis de bens que entendamos por primários ou, se se preferir, vitais,
creio que deve ser a compreensão de que este tipo de bens necessários à
vida são escassos, e isto não se refere tão somente àqueles indispensáveis

53
Waldron, Jeremy, The Dignity of Legislation (Cambridge, Cambridge Univer-
sity Press, 1999), p. 89.
54
Há algo de aristotélico na argumentação rawlsiana, ainda que ele não adote
exata ou explicitamente algumas posições do Estagirita. Véase: Aristóteles, Moral a
Nicômaco (Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1952), pp. 155-161.
55
Khaldun, Ibn, Os prolegômenos ou filosofia social (São Paulo, Instituto Brasilei-
ro de Filosofia, 195), I, p. 207.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 683

à vida humana. Mesmo quando temos bens que garantem a vida, dá-se
o fenômeno da insaciabilidade dos bens necessários ao espírito. Em seu
tempo Hume recordava que “nunca se tem uma quantidade tal de bens
que satisfaçam a cada um de nossos desejos e necessidades”56.
Desde logo, a pergunta que emerge é porque importar-se em alguma
medida com a satisfação dos cidadãos? Isto tem a ver com a busca da feli-
cidade? Se tem, deve ela ser puramente individual, dirigida pelo governo
ou apenas parametrizada por ele? Mill, por exemplo, sugere que todos têm
direito à felicidade mas, para que isto se torne real, há de ser materializado
“o direito igual a todos os meios de a alcançar”57. Quando Rawls põe em
pauta a elaboração de listagem com bens primários (primary goods) visa
atacar o problema que se centrará na abordagem que Mill reserva à felici-
dade, e que a tradição, de Locke a Jefferson e aos “Founding Fathers” de
uma ou outra forma também se preocupara. Rawls o faz, como diz Day,
para promover a distribuição eqüitativa na sociedade desses bens primários
que o conjunto da sociedade auxiliar na produção58.
Mas Rawls ao ocupar-se do tema evita a determinação do sentido
substantivo da felicidade, o que efetivamente seria incongruente com uma
teoria moral abrangente (“comprehensive moral doctrine”) como a que
defende em seus escritos de maturidade. Sua perspectiva é a de promover a
distribuição desses bens primários ou básicos para todos de sorte que seus
planos de vida ou concepções de bem possam ser realizadas por cidadãos
que, em sua totalidade, na qualidade de livres, possuem capacidade moral
para nutrir uma concepção do bem59. Enfim, se trata daquilo que Day diz
ser as coisas que todas as pessoas especialmente valorizam para atingir seus
fins60, concepções essas que são variáveis no decorrer da vida conforme os
fins que são igualmente alteráveis.
A teoria rawlsiana parte de um conjunto de princípios de justiça ela-
borados racionalmente e em definitivo, a sociedade empírica haverá que
contar com o apoio dos cidadãos concretos. Isto dependerá em boa parte
não apenas da racionalidade dos atores que colocaram os princípios de
justiça que são aplicados sobre a estrutura básica sobre a qual vivem os
cidadãos concretos mas, em boa parte, também devido à aderência desses
cidadãos históricos, algo que depende fundamentalmente de como, com

56
Hume, David, Tratado de la naturaleza humana (Madrid, Tecnos, 1992), p.
656.
57
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 95.
58
Day, J., John Rawls, cit. (n. 23), p. 230.
59
Rawls, J., El liberalismo político, cit. (n. 24), p. 51.
60
Day, J., John Rawls, cit.(n. 23), p. 230.
684 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

o passar dos tempos, alterarão seus planos de vida, suas perspectivas e,


mesmo, as doutrinas compreensivas.
Parece que devemos reconhecer que os cidadãos realmente já não se
satisfazem tão somente com o atendimento das necessidades básicas –e
dito seja de passagem que todavia muitos Estados não lograram cumprir
com funções básicas, que permanecem amplamente desatendidas– e com
o atendimento de outras necessidades tais como as que Khaldun deno-
mina de luxuosas. As de nosso tempo são necessidades superiores que ora
conjugam essas enunciadas por Khaldun ora as transcendem, apontando
à dimensões abstratas e de auto-realização. Esses são valores importantes
para a realização de uma teoria da justiça e, por conseguinte, da proposta
de uma sociedade bem organizada como encontramos em Rawls.
Realizada a observação feita de que a ausência de uma proteção mínima
importará em prejuízos e danos de distinta monta às partes deliberantes
(livres, racionais e iguais além de morais) e à própria estrutura básica
de uma sociedade justa que pretenda erigir, eis que elas se relacionam
no momento de elaborar princípios de justiça, de forma a cooperar na
suplantação de circunstâncias impeditivas à afirmação de bens primários
socialmente compartilháveis. Este é um princípio de justiça cuja efetiva
proteção dependerá de que em momentos posteriores (fase constitucional,
legislativa ou judiciária)61 sejam encontrados mecanismos para resolver o
problema posto.
A filosofia jurídica que perpassa o espírito dos seres racionais delibe-
rantes não os insere em uma tradição próxima a vertentes jusnaturalistas.
Ao contrário, Rawls sustenta que a sociedade bem organizada supõe que
seus cidadãos não pensam nem estão condicionados por antecedentes fins
sociais que justifiquem seus pontos de vista e da forma como a sociedade
deva vir a ser organizada. Isto se dá à diferença de muitas sociedades do
passado nas quais os valores e fins que informavam as vidas e a sociedade
condicionavam o direito e o status dos indivíduos e classes assim como os
papéis desempenhados por cada um deles na busca por seus fins62.
Mas e o que são, do ponto de vista conceitual, os bens primários?
Segundo Rawls, eles “são bens geralmente necessários como condições
sociais e como meios polivalentes que permitam às pessoas buscar suas
concepções determinadas do bem e desenvolver e exercer as duas faculdades
morais”63. Eles permitem, em suma, que cada um busque seus fins últimos

61
A definição dessas três etapas encontra-se em diversos trechos da obra de Rawls.
Apenas a título exemplificativo ver Rawls, J., Justiça e democracia (São Paulo, Mar-
tins Fontes, 2000), p. 153.
62
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 41.
63
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 165. A este respeito devemos
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 685

na medida em que constituem um mínimo denominador dentre as diversas


moralidades e planos de vida que coexistem em um determinado momento
histórico. Temos como exemplo disso as noções de auto-respeito (“self-
respect”) e de auto-estima (“self-esteem”) que se fazem ainda acompanhar
das liberdades básicas, rendas e direitos à educação e saúde. Todos esses
são bens cuja instrumentalidade é patente e se tornam comuns para que as
pessoas atinjam seus fins e cumpram seus planos de vida. Isto sim, todos
realizam uma calibragem desses bens à medida que resultam proveitosos
segundo suas concepções morais e seus planos de vida. A mescla deles é,
parafraseando Nozick, uma mescla original.
Segundo Rawls, é medianamente claro através de sumária análise
que os projetos racionais de vida possuam uma “certa estrutura”64 e, por
conseguinte, esta estrutura é que deve procurar ser protegida quando da
listagem dos bens primários.
Será com esta finalidade que Rawls desenvolverá boa parte de seus
trabalhos acadêmicos. Ele intervém sugerindo que a questão pode, não
sem esforço, ser resumida em assegurar bens sociais primários que repre-
sentam um mínimo denominador de bens que são não apenas de interesse
geral como necessários à generalidade das pessoas. Eles são bens-meios e
bens fins, isto é, utilizáveis para obter outro dos quais todos os humanos
necessitamos ou, no segundo caso, aspiramos a nossa própria condição,
do que é exemplo a liberdade,65 e que todos compartilharão em igualdade
de condições.
Na relação desses bens sociais primários podem ser listados direitos tais
como liberdades, à igualdade de oportunidades, ao igual acesso ao exercício
e/ou disputa pelo poder, à obtenção de receita, à possibilidade concreta
de ter acesso e desenvolver o auto-respeito ou, como prefiro denominar,
de estruturas sócio-psíquicas de auto-estima. Estes são bens que, segundo
a linguagem do constitucionalismo, podem ser considerados inalienáveis.
Dessa forma, mesmo o indivíduo menos privilegiado jamais poderá ver-se
alijado do desfrute desses bens. É este o teto mínimo proposto por Rawls

observar ainda que as duas faculdades morais (as quais Rawls denominaria “os dois
casos fundamentais”, aparecem na seção VII do artigo As liberdades básicas e sua
prioridade) são a capacidade de ser razoável e a capacidade de ser racional (Rawls, J.,
Justiça e democracia, cit. (n. 57), p. 162-163).
64
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 165.
65
Encontro-me proclive a admitir que a liberdade é tanto um bem-meio (instru-
mento apto a que alcancemos diversos objetivos) como um bem-fim (desfrutável em
si mesma) do qual não podemos abrir mão quando temos em vista um projeto de
vida ao qual apreciamos, seja ela qual for, e temos em vista seu cumprimento.
686 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

para a sua teoria da justiça como eqüidade66 que, por sua vez, o utilitarismo
não possui e que, quiçá, possa entender-se como sendo o seu tendão de
Aquiles enquanto teoria da justiça.
Em síntese, pode ser dito que bens sociais primários são todos aqueles
conferidos pela sociedade bem organizada e, portanto, justa, a partir da
compreensão de que nenhum indivíduo pode viver sem eles e que devem,
portanto, recebê-los de forma eqüitativa seu processo de distribuição. En-
fim, “na teoria da justiça como eqüidade [...] as liberdades básicas iguais
para todos são as mesmas para cada cidadão [...]”67, cuja importância fica
marcada pelo fato de realizar-se sua tarefa protetora já nos arranjos sociais
iniciais através dos princípios de justiça.
Sem embargo, desde uma perspectiva histórica e teórica, se trata menos
de aceitar que a sociedade atribua direitos do que em compreender que
eles provém do entendimento de que os homens os conquistaram através
da evolução das relações sociopolíticas. Por outro lado, e com o intuito
de melhor caracterizar os bens sociais primários, pode ser dito que eles
constituem todos aqueles que, em oposição aos que natureza pode atribuir
diretamente aos homens, tais como certa dosagem de inteligência (ou grau
de habilidade mental específica, de força física, etc., eles estão alicerçados
firmemente em uma teoria que vislumbra a necessidade de que o homem
intervenha no processo legislativo de sorte a corrigir disfunções e injustiças
socialmente provocadas e moralmente insustentáveis.
Uma vez que, com disse Rousseau, “o espírito tem suas necessidades
assim como o corpo e ambas são o fundamento da sociedade”68. Tal espécie
de abordagem teórica se sustenta em determinados princípios, os quais
aparecem na teoria da justiça como eqüidade de Rawls. Nela sobressai,
por exemplo, o quanto são aceitáveis a utilização dos princípios de justiça
como instrumentos para a realização de qualquer plano racional de vida
que considere igualmente o mesmo respeito pelos planos alheios (e/ou
concorrentes) de vida racional as quais os demais indivíduos se propon-
ham realizar69.

66
Interessa recuperar neste momento a advertência que com muita propriedade
realizou Bittar acerca da completa distinção existente entre o conceito de eqüidade
em seu sentido clássico, aristotélico, e tal como ele aparece em Rawls. Segundo o
jusfilósofo pátrio, em Aristóteles o conceito se encontra relacionado como sendo
um “corretivo da lei”, isto é, “como algo superior a um tipo de justiça, à justiça legal
(dikaíou nomimón), e utilizada como corretivo da mesma (“epanpthoma nomímou
dikaíou”)” [en Bittar, Eduardo Carlos Bianca, Curso de ética jurídica. Ética geral e
profissional (2ª edición, São Paulo, Saraiva, 2004), p. 38]).
67
Mill, J., Justiça e democracia, cit. (n. 57), p. 177.
68
Rousseau, J.-J., Discurso, cit. (n. 13), p. 7.
69
Pode-se objetar a este trecho (embora não tenha por escopo neste momento
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 687

A exposição do parágrafo acima conecta com o princípio e, ao mesmo


tempo, problema prático, de que os homens têm certas expectativas em suas
vidas que não podem ver frustradas sem que isso encontre mediação em
graves conflitos sociais. Rawls detecta e recepciona em sua obra a ideia de
que as diferenças, sejam elas naturais ou sociais, intervém de forma decisiva
muitas vezes nessas expectativas, legítimas, que os seres humanos nutrem
para o desenvolvimento de suas vidas. Como diz ele “homens nascidos
em posições sociais diferentes tem diferentes expectativas de vida, deter-
minadas, em parte, tanto pelo sistema político como pelas circunstâncias
econômicas e sociais”70.
Da legitimidade dessas expectativas expostas ao final do parágrafo
anterior e da frustração potencial advinda de que as variáveis naturais ou
sociais podem proporcionar deriva a concepção rawlsiana de corte cons-
trutivista de que há de intervir, ao menos até certo ponto no sentido de
que tenhamos como mediadora das relações sociais um conceito de justiça
potencialmente equilibrado e equilibrador dessas relações, pois é sabido
o quanto a sociedade favorece algumas posições iniciais de uns frente às
ocupadas por outros71. São essas as desigualdades relativamente às estruturas
básicas com as quais há de enfrentar-se uma teoria como a rawlsiana que
visa à justiça social, sejam quais forem as críticas que ela possa supor72.
Contudo, essa posição de Rawls encontra-se longe de ser hegemônica
ou gozar de irrefutáveis argumentos. Hayek em sua bem escrita e funda-
mentada Direito, legislação e liberdade retoma a mesma questão desde uma

desenvolver tal possibilidade analítica) que Rawls retoma uma articulação lógica de
inspiração aristotélica, a saber, que o “bom” (ao menos aquilo que Rawls considera
bom e/ou desejável, a saber, uma sociedade livre e todas as instituições necessárias)
deriva da aplicação prática do conceito de razão. Isto não está longe do que propõe
Aristóteles quando diz que “a virtude moral é uma disposição relativa à eleição, e a
eleição é um desejo deliberado, o raciocínio tem que ser verdadeiro e o desejo reto
para que a eleição seja boa” (Aristóteles. Moral a Nicômaco, cit. (n. 54), p. 90).
70
Rawls, J., Teoría, p. 24.
71
Rawls, J., Teoría, p. 24.
72
Desde logo, minha primeira referência teórica entre os críticos da “justiça so-
cial” ou “distributiva” é Hayek. O autor não mostra-se tímido em suas críticas a esse
conceito. Em resumidas contas, o autor sintetiza a ótica ameaçadora através da qual
seu liberalismo observa o avanço desse conceito, “[...] ameaça destruir essa específica
forma de interpretar a lei que converteu o direito em eficaz salvaguarda da liberdade
individual” [Hayek, F.-A., Legislación, Derecho y libertad, cit. (n. 16), p. 119]. Des-
de logo, um liberal da estirpe de Hayek não poderia deixar de se contrapor a um
conceito eminentemente redistributivista como o de justiça social. Muito embora
não tenha sido oportunizado o seu debate com a obra rawlsiana é de se supor o nível
de esforços que poderia ter empregado para contrapor-se à influência do pensamento
rawlsiano.
688 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

ótica visceralmente distinta. Segundo o autor, em uma sociedade livre


(conceito que não é para nada estranho para Rawls nem para a tradição
liberal a que pertence) “a incidência dos resultados sobre os diferentes
sujeitos faz caso omisso de toda consideração relativa à justiça”73. Enfim,
o que nos diz, e por valer-nos de categorias rawlsianas para facilitar o trân-
sito e diálogo entre ambos, é que as diferenças as diferenças no ponto de
partida não podem ser tomadas como justas ou injustas e nem, portanto,
encontrar em algum momento legitimação política em outro ponto para
apoiar a inversão da ordem de coisas posta. Também não vai muito longe
o próprio Nozick quando argumenta que não há como intervir nas livres
escolhas realizadas pelos indivíduos, senão quando não possuam um justo
título de propriedade. Ao fim e ao cabo, para Hayek, ali onde tenhamos
uma sociedade em que os indivíduos e grupos ocupam posições que não
depende de ninguém, eis que as diferenças de receitas que cada um obtenha
encontram-se perfeitamente legitimadas74.
Neste aspecto o autor abre clara linha de debate com a posterior teoria
rawlsiana, uma vez que implicitamente menciona um dos elementos dos
princípios de justiça, a saber, a igualdade de oportunidades e o igual acesso
às oportunidades sem discriminações. Contudo, Hayek contenta-se com
isto, não vai além em suas exigências para admitir as desigualdades sociais.
Rawls percorrerá caminho oposto, como temos oportunidade de observar
ao examinar seus princípios de justiça.
Todo este debate propõe um problema, qual seja, da circunstância
de que todos desejem maximizar sua participação na distribuição destes
bens sociais primários? Este seria um caso a resolver? A questão aqui não
é respondida por Rawls com base em um jogo de barganha (“bargaining
game”) ou simplesmente barganha, território onde teriam lugar disputas
quase infinitas pela maximização individual por tais bens. A alternativa de
Rawls busca objetar a esta questão recorrendo mais uma vez ao conceito de
racionalidade. Segundo ele, este conceito levaria as partes a uma conduta
mutuamente desinteressada, isto é, elas buscariam não a vitória no “jogo”,
mas sim se adstrinjam à obtenção para si próprias do maior número de
pontos em conformidade com o seu sistema de fins, sem preocupar-se
em diminuir a pontuação das outras partes, ou sequer preocupar-se em
maximizar ou minimizar a diferença entre seus êxitos e o dos outros75.
É neste ponto que surge a discussão sobre se o sentimento de inveja
não estaria sendo insuficientemente considerado ou, até, desprezado pelo

73
Hayek, F.-A., Legislación, Derecho y libertad, cit. (n. 16), p. 131.
74.
Hayek, F.-A., Legislación, Derecho y libertad, cit. (n. 16), p. 131.
75
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 172.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 689

autor em seu sistema. A verdade é que Rawls o considera mas, logo após,
termina por excluí-lo devido a que aos indivíduos, com seus fins e ações
racionais “não lhes resultaria insuportável saber ou dar-se conta de que
outros tem uma quantidade maior de bens sociais primários [...]”76. Isto
ocorre porque a eles o que realmente interessa é que cada um possui um
plano de vida que é próprio suficiente para si, e o alcançá-lo lhe basta, sem
mais77. Os indivíduos possuem um sentimento seguro do próprio valor (e
querem realizá-lo) assim como de seu plano de vida racional. Isto faz com
que não desejem de abandonar qualquer dos seus objetivos, ainda que os
outros disponham de mais meios para satisfazer os seus78. ainda que isto
não implique elidir a idéia de que e encontrem sujeitos à mudança de
planos, objetivos e/ou valores.
Essas linhas recém postas expõem uma reflexão rawlsiana algo dis-
tanciada de uma filosofia como a que caracteriza boa parte da sociedade
moderna, vale dizer, consideravelmente hedonista, quando não hedonista
radical, todavia, ela é maximizadora não apenas de seus desejos como
também potencializadora do sentimento de inveja, o que torna ainda
mais difícil satisfazer seus desejos. Daí os conflitos que o próprio Rawls,
de fato, não desconheceu, pois, assim como fora ressaltado por Hobbes,
eles se apresentam como inevitáveis em sociedade.
Rawls não se descuida da necessidade de proceder a uma listagem dos
bens primários na teoria da justiça como eqüidade. Já em seu artigo As
liberdades básicas e sua prioridade, Rawls volta ao tema e anuncia cinco
categorias de bens primários, a saber: i) As liberdades básicas (dentre as
quais, a de pensamento e a de consciência); ii) Liberdade de movimento e
a livre escolha da ocupação; iii) Os poderes e suas prerrogativas das funções
e dos postos de responsabilidade; iv) A renda e a riqueza, consideradas
em seu valor de troca; v) As bases sociais do respeito próprio79. O que se
vislumbra aqui é uma interessante listagem mas que, como diz o autor,
não pode comprometer-se com a extensão sob pena de provocar o debili-
tamento da proteção das liberdades mais essenciais80.

76
Rawls, J.. Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 170.
77
De minha parte, não compartilho da visão de que mesmo o mais racional
dentre os indivíduos históricos possua um plano de vida com limites tão claros a
perseguir e que seu contentamento dê-se, inexoravelmente, com atingi-los, sem o
acréscimo de outros, por não falar em trocas ou substituições de objetivos, algo deri-
vado das alternativas que a dinâmica da vida impõe assim como aos valores que lhe
subjazem.
78
Rawls, J., Teoría, p. 171.
79
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 166-170.
80
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 152.
690 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

Desde logo, uma das críticas que podem ser opostas ao apresentado
no parágrafo acima subjaz à atuação dos indivíduos deliberantes na po-
sição original é o expressivo, e qualitativamente considerável, volume de
informações às quais não têm acesso devido à operatividade do véu da
ignorância81. Sendo assim, como esses indivíduos representativos pode-
riam discernir não só os interesses como os valores morais desejáveis pelo
conjunto dos representados na posição original? Efetivamente, do que se
trata é da observância da existência de características e/ou necessidades e
valores mínimos compartilhados por todos quanto almejem a proteção de
seus interesses, o desenvolvimento histórico da sociedade em que esteja
inserido assim como a busca e afirmação de seu(s) plano(s) de vida.
O não conhecimento dos representados e de inúmeros outros aspectos
do mundo empírico que lhes envolve não é obstáculo suficientemente forte
para impedir a elaboração da supracitada lista de bens primários. Rawls
propõe um conceito de pessoa sobre o qual os seres deliberantes se apóiam
no sentido de elaborar a listagem desses bens primários. O que efetiva e
positivamente permitirá que os parceiros na posição original elaborem
tal lista é a estrutura geral dos projetos de vida racionais (que encontra
limitações quanto à sua admissibilidade tão somente no que concerne
aos propósitos atentatórios aos princípios de justiça) das pessoas – esses
sim conhecidos pelos seres racionais deliberantes envoltos sob o véu da
ignorância na posição original –, os quais contém e expressam dados gerais
sobre a psicologia humana (mas não conhecem detalhes sobre sua própria)
tanto quanto sobre o funcionamento das instituições82.

IV. Aplicação dos princípios de justiça à estrutura básica

Como é sobejamente sabido, Rawls insere-se na tradição contratualista


de matiz liberal que remete à filosofia política de Locke (1632-1704), Rous-
seau (1712-1778) e Kant (1724-1804). Desde logo, o que Rawls propõe
é uma teoria cuja sofisticação transcende os limites dos clássicos, muito
embora mantenha muito de Kant, como se percebe do que foi apresentado
até aqui. Rawls pretende apresentar uma concepção da justiça que, segundo

Dentre os aspectos que os parceiros que deliberam na posição original des-


81

conhecem encontra-se o conteúdo das concepções de bem das pessoas representadas


assim como os fins últimos a que se propõem realizar. Igualmente desconhecem os
objetos de sues compromissos e de suas fidelidades assim como a visão que têm da
sua relação com o mundo (religiosa, filosófica ou moral) com referência à qual essas
finalidades e essas fidelidades são compreendidas [Rawls, J., Justiça e democracia, cit.
(n. 61), p. 169].
82
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 169.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 691

ele, “leve a um nível mais elevado de abstração à conhecida teoria do con-


trato social”83 tal como advém dos filósofos do classicismo contratualista,
notadamente da tríade nomeada logo ao início do parágrafo84.
Desta forma, estes princípios de justiça acordados sob o véu da ig-
norância terminam por ser aplicados à estrutura básica da sociedade (“basic
structure of society”). Ela consiste na atribuição de direitos e deveres aos
cidadãos, os quais efetivamente terminarão por determinar as expecta-
tivas vitais dos cidadãos no que concerne aos valores e várias dimensões
da vida (economia, moralidade, projetos pessoais, etc.). Sendo assim, sua
importância não pode ser relevada. A teoria rawlsiana compreende seu
papel e concebe a estrutura básica da sociedade como objeto primário
de justiça, o que se deve a que: [...] seus efeitos são profundos e estão
presentes desde o começo. [...] A justiça de um esquema social depende
essencialmente de como se atribuem direitos e deveres fundamentais e
das oportunidades econômicas e condições sociais que existem nos vários
setores da sociedade85.
Na concepção do filósofo harvardiano, e não sem razão, há elementos
componentes da estrutura básica cuja repercussão é tão ampla que verda-
deiramente condicionam as chances de cada indivíduo, as possibilidade
de alcançar suas metas, quer do ponto de vista moral ou profissional e
também o desenvolvimento ulterior de toda uma sociedade histórica.
Logo ao início de sua obra magna, o autor dá mostras de alguns deles,
enunciando, por exemplo, a constituição política e os principais acordos
econômicos e sociais86. Especificamente, Rawls nos diz que fazem parte
deles a “proteção legal à liberdade de pensamento e de consciência, os
mercados competitivos, a propriedade particular no âmbito dos meios de
produção e a família monogâmica”87.
Esta linhagem de valores que bem podem ser interpretados como libe-
rais88 é idéia que voltaria a ser trabalhada, desenvolvida e, em certa medida,
revista, como tantas outras, nos anos subseqüentes à publicação da Teoria
da justiça. De qualquer sorte, garantir a acessibilidade a esses elementos
viabiliza condições de eqüidade para que os indivíduos dediquem-se à
busca da consecução de seus diferentes planos de vida. Esses bens têm de
permanecer acessíveis sempre até porque os planos de vida e as concepções

83
Rawls, J., Teoría, pp. 19 y 28.
84
Rawls, J., Teoría, p. 159.
85
Rawls, J., Teoría, p. 23.
86
Rawls, J., Teoría, p. 23.
87
Rawls, J., Teoría, p. 23.
88
Ver Parekh, B., cit. (n. 28), p. 144.
692 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

sobre o bem são alteráveis, como já reconhecia Rousseau89, e uma teoria


finalista ou consequencialista não daria conta dessa dimensão de forma
satisfatória.
Os princípios de justiça que Rawls propõem em sua teoria são aquela
classe de “princípios que as pessoas livres e racionais interessadas em promo-
ver seus próprios interesses aceitariam em uma posição inicial de igualdade
como definidores dos termos fundamentais de sua associação”90. É digno
de nota que todos aqueles que interferem na posição original o fazem
segundo princípios de racionalidade, e também alicerçados em conceitos
antropológicos da proteção e maximização de suas concepções sobre o
bem e seus interesses particulares. Aliás, não é por outro motivo que Rawls
tem de lançar mão do conceito de véu da ignorância, artifício teórico que
constitui a única condição sob a qual os seres deliberantes podem acordar
princípios de justiça virtualmente eficazes para a operacionalização de uma
sociedade justa e bem organizada.
Na posição original deparamos com seres livres, iguais e racionais cujo
perfil é similar ao que propõe Kant91. Esta vontade legisladora autônoma
do homem evidencia-se ao estabelecer os princípios de justiça que delimi-
tam o campo de ação dentro do qual será possível os homens entregar-se
à procura da satisfação de seus interesses sem lesar a consecução dos fins a
que se propõem os demais que com ele convive em sociedade. De qualquer
sorte, esta intervenção legisladora autônoma humana dialogará com seu
entorno. Traduzindo isto para o nível da conduta legisladora dos princí-
pios de justiça pela proteção às liberdades segundo os termos postos por
sua tradição cultural com o que mesmo utilitaristas põe-se de acordo92.
Enfim, nos deparamos aqui com que esta proteção não pode, como diz
Parekh, resolver-se em um vazio histórico ou cultural93. Senão o contrário,
é a partir de suas informações que tal proteção deverá tornar-se possível.
Portanto, o pré-requisito para que elaboração de princípios de justiça é
preenchido apenas quando
As pessoas vivem juntas durante um certo período de tempo e desen-

A esse respeito o autor foi bastante claro ao dizer que “nossas necessidades e
89

nossos prazeres trocam de objeto ao longo do tempo” (Rousseau, J.-J. Discurso, cit.
(n. 13), p. 21).
90
Rawls, J., Teoría, p. 28.
91
Véase: Kant, Emmanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres
(México, Fondo de Cultura Económica, 1989).
92
Smart, J. C. - Williams, Bernard. Utilitarismo. Pro e contra (Madrid, Tecnos,
1981), p. 62, por exemplo, sustentan que os homens são o “resultado da herança e
do meio ambiente”.
93
Parekh, B., cit. (n. 28), p. 136.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 693

volvem interesses comuns, com uma língua compartilhada e uma cultura


própria, hábitos de cooperação e, ao menos, certo grau de comprometi-
mento, encontram-se em situação de debates sobre uma concepção comum
de justiça e de defini-la94.
Segundo esta perspectiva os princípios de justiça carecem da prévia
criação de valores comuns, de interesses e sentimentos compartilhados.
Os princípios de justiça estabelecidos – e os examinaremos adiante no
que diz respeito ao conteúdo – regularão, em síntese, os termos formais
em que terá lugar a cooperação social assim como as formas de governo
que poderão, em congruência com tais princípios, ser estabelecidas este é
o contexto em que se dá a aplicação da justiça como eqüidade. Esta idéia
de cooperação é o que possibilita e justifica que as instituições coletivas
possam ser constituídas sob o manto da desigualdade.
Em outros termos, como diz Maffettone, trata-se de um prévio juízo
a favor dos menos privilegiados que tornam possível constituir a empresa
cooperativa que denominamos sociedade95. Em que a desigualdade apenas
poderá justificar-se nos termos do princípio da diferença mas não com
uma grande diferença entre os proveitos obtidos através dos princípios
estabelecidos por todos os seus partícipes.
Esta é uma leitura que guarda similaridade com Mill, segundo quem as
sociedades, assim como os indivíduos, têm peculiaridades, guardam em si
mesmas diferenças fundamentais, o suficiente para que não sejam viáveis
esquemas, arranjos e filosofias políticas universais, exceto sob a condição
de que realizem adequações às suas próprias realidades ou, como diz Mill,
quando se dê mediada por uma “filosofia de caráter nacional”.
Não obstante a definição formal, que deita raízes em Kant, uma das
críticas que podem ser feita ao prussiano é de que sua limitação ao aspecto
formal pode gerar desigualdades consideráveis – e isto efetiva e infelizmente
tornou-se uma realidade – e, daí, dar lugar a falta de acesso à justiça96. Esta
é uma tarefa da qual Rawls não descuidou ao propor a estrutura básica da
sociedade, na qual as diferenças substanciais são limadas com a finalidade
de projetar a aplicação dessa estrutura a uma sociedade que goze de um

94
Parekh, B., cit. (n. 28), p. 136. Segundo este autor, ibíd., p. 136: “isto se aplica
especialmente às sociedades profundamente divididas cujos membros não apenas
não conseguem colocar-se de acordo sobre a natureza, os critérios e os limites da
justiça como geram novas fontes de tensão quando tentam debates sobre o tema”.
95
Maffettone, S., Utilitarismo, cit. (n. 17), p. 18.
96
Pilon, Almir José, Liberdade e justiça. Uma introdução à filosofia do direito em
Kant e Rawls (Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 2006), p. 69.
694 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

nível igualitário mínimo. O norte-americano, contudo, é claro quanto ao


seu propósito material ou substancialista em matéria de justiça97.
Mas, enfim, a esta altura podemos questionar sobre qual o conteúdo da
estrutura básica da sociedade na concepção rawlsiana. Conceito importante
em sua teoria, o norte-americano logrou delimitá-lo com clareza. Segundo
ele, trata-se de eleger princípios sólidos o suficiente para “encorajar certas
doutrinas compreensivas e modos de vida”98. A estrutura básica da socie-
dade, como bem ressalta Parekh, não apenas está constituída por uma
dimensão política e econômica, como foi dito por Rawls, como também
por uma outra diversa dimensão cultural. A justificativa de Parekh é de
que este elemento cultural representa o elo de ligação entre os princípios
de justiça, as liberdades e os direitos e oportunidades culturais99.
Por outro lado, o que concerne aos princípios de justiça encorajar ou
desencorajar no âmbito de uma sociedade bem organizada? Seguramente,
cabe o desencorajar doutrinas compreensivas antagônicas aos princípios
de justiça e que estimulem, por exemplo, a escravidão ou os conflitos
étnicos, a degradação de pessoas ou grupos100. Esta é uma interpretação
que não termino de observar muito claramente na leitura realizada por
Day101. Segundo ele, Rawls defenderia em situações extremas até mesmo
a escravidão. Diz ele que “the owner of all the wealth is bound in any
rearrangement. Similarly, in certain circumstances, serfdom would be
justified, when there was no way of improving the lot of the serfs without
worsening the position of their lord”102.

V. Considerações finais

Ao fim e ao cabo, sempre cabe ponderar que, com diz Mill, que a his-
tória social e das instituições que lhe conformam “deixam sucessivamente
de ser considerados como necessidades primárias da existência social para
passarem à categoria de injustiças e tiranias universalmente estigmatizadas.
Assim aconteceu com as distinções entre escravos e homens livres, nobres
e servos [...]”103. Sendo assim, essas estruturas cujos conteúdos morais
nos causam repelência não devem, contudo, deixar de ser entendidas em
perspectiva.

97
Rawls, J., Teoría, p. 11.
98
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 195.
99
Parekh, B., cit. (n. 28), p. 314.
100
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 196.
101
Véase: Day, J., John Rawls, cit. (n. 23).
102
Ibíd., p. 236.
103
Mill, J. S., Sobre la libertad, p. 5-96.
John Rawls e a teoria da justiça revisitada 695

Podemos entender algumas limitações que lhes sejam postas para tor-
nar factível sua efetivação. Nestes temos, a proposta de estrutura básica
apresenta-se concebida por Rawls para operar no marco de uma “moder-
na democracia constitucional”104, a qual sempre propôs como objeto de
seus estudos105 o que, por conseguinte, desautoriza a que a crítica ao seu
trabalho seja pautada por outros parâmetros é, no mínimo, cometer uma
impropriedade.
Desencorajar doutrinas antagônicas como essas que defendem institutos
como a escravidão pressupõe uma firme convicção e difusão de que esses
valores não podem ser compartilhados por uma sociedade bem organizada
que apenas pode encontrar seu perfeito desenvolvimento naquilo que Rawls
denomina de moderna democracia constitucional.
Em outro trecho de sua obra Rawls remarca que a estrutura básica
deve ser entendida como “the way in which the major social institutions
fit together into one system, and how they assign fundamental rights and
duties and shape the division of advantages that a rises through social
cooperation. Thus the political constitution, the legally recognized forms
of property, and the organization of the economy, and the nature of the
family, all belongs the basic structure”106. Será na posição original quando
os indivíduos deliberantes ocupar-se-ão da escolha dos princípios de justiça
que efetivamente protejam as diversas concepções do bem e, em sentido
amplo, que garantam as condições políticas e sociais necessárias para o
desenvolvimento107.
Neste contexto e com o objetivo de auxiliar a alcançar o objetivo, é
concebida a estrutura básica da sociedade como uma “organização que
maximiza os bens primários à disposição dos menos favorecidos para que
eles utilizem as liberdades básicas que estão à disposição de todos”108.
Os princípios de justiça irão projetar-se sobre a estrutura básica da
sociedade devido à necessidade de ordenar as principais instituições sociais
de sorte que a interrelação entre todos permita o objetivo de cooperação.
A operatividade do conceito de justiça depende, portanto, de como eles
estarão articulados na estrutura básica da sociedade e dos efeitos práticos
– de justiça como eqüidade – que possam surtir. Em seus termos, Rawls
explica-nos que a justiça na sociedade bem organizada depende, fundamen-
talmente, de como “[...] se atribuem os direitos e deveres fundamentais e

104
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 11.
105
Oliveira, Nythamar Fernandes de, Rawls, cit. (n. 34), p. 21.
106
Rawls, J., Political Liberalism, cit. (n. 29), p. 258.
107
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 175.
108
Rawls, J., Justiça e democracia, cit. (n. 61), p. 177.
696 Revista de Derecho XXXIV (1er Semestre de 2010) Roberto Bueno

das oportunidades econômicas e condições sociais que existem nos vários


setores da sociedade [...]”109.
[Recibido el 2 de marzo y aprobado el 28 de abril de 2010].

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109
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John Rawls e a teoria da justiça revisitada 697

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AS CRÍTICAS AO UTILITARISMO POR RAWLS

Júlio Esteves
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

O problema principal da filosofia política é ao mesmo tempo o


problema fundamental do mundo político, a saber, como legitimar e justificar
moralmente um ordenamento político-jurídico. Tal problema decorre do fato de que os
princípios fundamentais de um Estado constituem uma restrição da liberdade dos
indivíduos acompanhada de sanções coercitivas, para o caso de desobediência ao que é
prescrito por aqueles princípios. Desse modo, coloca-se a questão: como é que a
restrição coercitiva das liberdades individuais imposta pelo Estado pode ser moralmente
justificada? Sob quais condições um Estado constituído pode ser considerado justo?
Algumas teorias políticas utópicas, de origem marxista ou não,
como o anarquismo, por exemplo, sustentam que a única forma de organização político-
social moralmente legítima seria antes aquela que renunciaria à dominação coercitiva
por parte do Estado. Entretanto, é duvidoso que, uma vez suspenso o aparato coercitivo
legal, cada indivíduo passasse a respeitar por si mesmo e de moto-próprio os limites de
sua liberdade, de um modo compatível com a liberdade dos demais. Para usar uma
metáfora posta em voga já ao tempo de Rousseau, uma sociedade composta de
indivíduos por si mesmos respeitadores de seus limites e livres do controle coercitivo do
Estado só é plausível “para um povo de anjos”, não para meros seres humanos.
Assim, uma teoria da justiça política concebida em bases realistas
não pode defender a supressão da restrição coercitiva das liberdades individuais por
parte do Estado, e sim sua legitimação e justificação moral. Ora, uma resposta bastante
plausível para esse problema foi dada por aquela doutrina que dominou durante muito
tempo a filosofia moral e política de língua inglesa, a saber, o utilitarismo.
Originalmente, o utilitarismo é uma teoria sobre o valor moral das ações individuais e se
caracteriza pelo que os autores chamam de conseqüencialismo. De acordo com o
utilitarismo, o valor moral de uma ação é uma função das conseqüências boas ou más,

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


82 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

mais exatamente, da felicidade ou infelicidade que ela produz ou tende a produzir.


Assim, por exemplo, pelo menos nas atuais circunstâncias, a ação de enviar cartas
contendo talco branco deve ser considerada como algo moralmente reprovável, já que
tende a criar pânico na população e despesas desnecessárias. Em circunstâncias
diferentes das atuais, essa mesma ação poderia ser avaliada como moralmente
indiferente ou até boa, caso pudesse ser tomada por alguém como uma saudável
brincadeira.
Aplicado à teoria política, o princípio utilitarista reza que a
limitação coercitiva das liberdades individuais por parte do Estado pode ser considerada
como justificada na medida em que suas conseqüências são úteis, i.e. na medida em que
o Estado tende a promover o maior bem-estar ou felicidade da coletividade a ele
submetida. Ou seja, ainda que a restrição coercitiva das liberdades seja em si mesma um
mal necessário, ela estará justificada na medida em que for compensada por um máximo
de bem-estar ou felicidade proporcionado para a coletividade. Assim, para o utilitarista,
a única razão plausível para justificar a restrição das liberdades, cobrar obediência às
leis e sancionar coerções diante de sua desobediência está em mostrar que isso é mais
vantajoso e útil, porque torna a coletividade mais feliz.
O utilitarismo foi muito criticado, a começar pelas dificuldades
implicadas nessa idéia da maximização da felicidade. Com efeito, como é possível
calcular e comparar a proporção de felicidade produzida por diferentes ordenamentos
político-jurídicos? Além disso, a felicidade foi interpretada por seus defensores
geralmente em termos hedonistas, ou seja, da maximização do prazer, o que gerou a
objeção segundo a qual, se o homem não tivesse objetivo mais nobre na vida do que a
busca da maximização do prazer, em nada diferiria dos porcos. Em defesa do
utilitarismo, John Stuart Mill introduziu então uma hierarquização qualitativa no interior
dos prazeres, sustentando que determinados prazeres, os prazeres intelectuais, por
exemplo, só acessíveis aos seres humanos, são em si mesmos melhores que outros,
independentemente da sua quantidade. Assim, segundo Mill, “é melhor ser um homem
insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser um Sócrates insatisfeito do que um

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 83

idiota satisfeito”.1 Contudo, a proposta de hierarquização qualitativa dos prazeres


também não resistiu a críticas.
Entretanto, é preciso confessar que, por sua simplicidade, o
utilitarismo parece conter um apelo irresistível e ser muito sensato. Com efeito, que
outra razão melhor poderia ser dada para justificar a limitação da liberdade
originalmente irrestrita de que dispõe cada indivíduo, senão o fato disso promover mais
felicidade para ele e para os demais do que a liberdade irrestrita e por isso mesmo
destruidora da própria possibilidade da convivência humana? Entretanto, ainda no
século XVIII, autores como Rousseau e Kant buscaram dar uma resposta alternativa ao
mesmo problema mediante as assim chamadas teorias do contrato social.
Contemporaneamente, encontramos em Uma Teoria da Justiça, o famoso livro do
filósofo americano John Rawls, uma retomada do contratualismo. Formado no interior
da própria tradição utilitarista de língua inglesa, Rawls acabou desenvolvendo a mais
bem conceituada crítica a essa tradição, para o que ele se inspirou principalmente em
Kant. As críticas de Rawls são interessantes sobretudo por não se concentrarem nas
conhecidas dificuldades inerentes à tentativa de quantificação da felicidade e de
hierarquização qualitativa dos prazeres, mas em outros aspectos do utilitarismo. Essas
críticas obtiveram tal aceitação no cenário da filosofia política contemporânea, que o
utilitarismo se encontra atualmente na defensiva. Diante disso, no que segue, proponho-
me examinar a pertinência das críticas feitas por Rawls ao utilitarismo, tais como
podem ser encontradas na obra acima mencionada. Porém, gostaria de adiantar já nesta
altura que não estou de acordo com a maior parte dessas críticas e que por isso meu
texto talvez devesse ter o seguinte título: “críticas às críticas de Rawls ao utilitarismo”.
Rawls tece uma crítica de princípio ao utilitarismo, afirmando que
este fracassa enquanto teoria moral. Numa das partes do livro especialmente dedicadas à
sua crítica, Rawls se concentra na formulação da teoria utilitarista dada por Sidgwick,
segundo a qual “uma sociedade está ordenada de forma correta e, portanto, justa,
quando suas instituições mais importantes estão planejadas de modo a conseguir o
maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações individuais

1
Cf. Utilitarianism II, Indianapolis, 1971

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


84 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

de todos os seus membros”.2 Baseado nessa formulação, Rawls critica no utilitarismo o


fato de sua teoria de justificação estar centrada na maximização do bem-estar coletivo,
às expensas dos direitos de cada indivíduo, gerando uma situação que teríamos de
classificar como profundamente injusta.
Segundo Rawls, contudo, o utilitarismo obteria uma certa
plausibilidade para sua teoria a partir de um raciocínio fundado numa analogia entre o
que vale para cada indivíduo empenhado na busca de satisfação de seus próprios
interesses e o que vale para um grupo empenhado na satisfação de interesses coletivos.
Assim, cada sujeito individualmente considerado procura satisfazer seus interesses e
necessidades, procedendo a um balanço de suas perdas e ganhos, compreendendo que
muitas vezes é preciso sacrificar a satisfação de um determinado desejo particular e
imediato, por exemplo, deixar de ir à praia, para estudar para uma prova, na medida em
que isso permite uma maior soma total de satisfação a longo prazo. Em suma, aquilo
que cada indivíduo busca em sua vida é a máxima proporção de satisfação de seu
sistema total de interesses em comparação com a proporção de interesses particulares
que inevitavelmente têm de permanecer não satisfeitos. Ora, isso nada mais é que o
conhecido princípio racional da prudência nas ações particulares.
Assim sendo, escreve Rawls, o que poderia ser mais natural do que
dizer que, “exatamente do mesmo modo que um indivíduo pondera ganhos presentes e
futuros contra perdas presentes e futuras, uma sociedade pode ponderar satisfações e
3
insatisfações entre diferentes indivíduos”? De acordo com Rawls, o utilitarismo
aplicaria o princípio da prudência individual à sociedade como um todo. Assim,
também do ponto de vista social, o que interessaria é a soma total e coletiva da
satisfação de interesses e necessidades, mesmo que os interesses e necessidades de
determinados indivíduos inevitavelmente tenham de permanecer insatisfeitos. Segundo
essa analogia, uma sociedade deveria se comportar com relação aos seus indivíduos
componentes do mesmo modo que cada indivíduo se comporta ou deve se comportar
com relação a cada um de seus interesses e necessidades particulares. Diante disso,
Rawls acusa o utilitarismo de considerar como bem ordenada e justa uma sociedade que

2
Cf. A Theory of Justice, Harvard, 1971, p.22
3
Id.ibid., p.24

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 85

privasse alguns indivíduos da satisfação de seus interesses em prol da maximização do


bem-estar e satisfação da coletividade ou da maioria.
Essa é uma das linhas de argumentação, talvez a mais conhecida,
desenvolvida por Rawls contra o utilitarismo. O utilitarismo estaria exclusivamente
voltado para a maximização da felicidade coletiva, sem se preocupar com o modo como
esta é distribuída, a saber, se de uma maneira justa ou injusta, entre todos os membros
da sociedade. Na verdade, Rawls defende a tese mais forte segundo a qual o
utilitarismo, por princípio, não poderia dar conta da justiça na distribuição da felicidade
– e exatamente por isso fracassaria como teoria da justificação moral do Estado. A razão
para essa tese forte pode ser encontrada na analogia acima referida. Nesse contexto,
Rawls põe em linha de conta a figura hipotética de um observador imparcial ideal,4 já
empregada por David Hume e Adam Smith, cuja função seria colocar as necessidades
dos indivíduos num sistema social concordante. Esse hipotético observador imparcial
encararia cada membro da sociedade exatamente como cada um de nós individualmente
encara suas próprias necessidades. Do mesmo modo que cada um de nós está disposto a
sacrificar a satisfação de algumas necessidades presentes, com vistas a uma maior
satisfação no futuro, o observador imparcial não teria nenhum escrúpulo em sacrificar a
satisfação pessoal de alguns membros da sociedade, se isso for necessário para alcançar
um maior bem-estar para a maioria, no longo prazo. Do mesmo modo que cada um de
nós pode recusar a determinadas necessidades o direito a serem satisfeitas, desde que
isso seja útil para a satisfação da totalidade de nossos interesses e necessidades, o
observador imparcial simplesmente negaria a determinados membros da sociedade o
direito à satisfação de seus interesses, desde que isso seja útil para a coletividade. Em
suma, o utilitarismo assimilaria os membros de uma sociedade aos interesses e desejos
particulares de cada indivíduo, ou seja, assimilaria pessoas, que têm direitos e são
objetos de respeito e consideração, a necessidades e interesses, que de certo modo
tratamos como coisas às quais podemos negar inescrupulosamente o direito à satisfação.
Como escreve Rawls, o utilitarismo confunde “impessoalidade com imparcialidade”.5
Eu gostaria de me concentrar um pouco nessa acusação dirigida por
Rawls ao utilitarismo, segundo a qual essa teoria teria por implicação necessária a

4
Id.ibid., p.27

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86 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

legitimação de uma situação manifestamente injusta, desrespeitando o direito de todos


os indivíduos a uma partilha igualitária da felicidade produzida pelo trabalho social.
Pois estou convencido de que Rawls está completamente enganado. Mostrarei o porquê
disso, partindo da própria analogia estabelecida por Rawls e admitindo que o
utilitarismo proceda de fato a uma extrapolação da estrutura da prudência individual
para a estrutura da prudência política, no sentido de prudência coletiva. Veremos, então,
que a conclusão extraída por Rawls só se impõe a nós, se partirmos de um conceito de
racionalidade prudencial individual extremamente pobre e medíocre. Pois, mesmo do
ponto de vista do indivíduo empenhado na maior satisfação possível do seu sistema de
interesses, o que conta não é pura e simplesmente a maximização de tal satisfação, mas
sim também o modo como esta é distribuída. Pois o modo como a satisfação é
distribuída afeta a proporção de felicidade e o balanço final do sistema total de
satisfação individual.
O que quero dizer com isso é algo extremamente simples e
reconhecido por todos. Todo indivíduo racionalmente empenhado na busca da
felicidade procura se regular por um princípio de harmonização das diversas esferas de
interesse de sua vida, posto que interesses e necessidades não satisfeitos tendem a
produzir instabilidade no sistema total. Assim, compreendemos que uma vida
exclusivamente dedicada ao estudo, por exemplo, às expensas de exercícios físicos ou
do lazer, leva a um sedentarismo prejudicial à saúde e, em última análise, à própria vida
dedicada ao estudo. Necessidades, desejos e interesses não satisfeitos tendem a criar
desarmonia, em outras palavras, infelicidade e mal-estar, no sistema total da vida de um
indivíduo. Isso significa que, diferentemente da concepção empobrecida da prudência
individual suposta por Rawls, um indivíduo que busca racionalmente a maximização da
felicidade tem de procurar distribuir da maneira a mais justa e igualitária possível a
satisfação das suas diversas esferas de interesse, tem de “ouvir o clamor”, por assim
dizer, de seus mais variados desejos e necessidades, concedendo-lhes alguma satisfação.
Ou seja, contrariamente ao que pensa Rawls, na medida em que procuramos conduzir
nossa vida individual de uma maneira racional e buscamos um máximo de felicidade,
não podemos tratar nossos próprios desejos e necessidades como se fossem coisas às

5
Id.ibid., p.190

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 87

quais negaríamos inescrupulosamente satisfação. Pelo contrário, devemos ter até mesmo
um certo “respeito”, “consideração” e “escrúpulos” para com eles, exatamente na
medida em que temos respeito por nós próprios, caso queiramos ser maximamente
felizes.
Ora, não vejo nenhuma razão para supor que o utilitarista esteja
comprometido com aquela concepção empobrecida da prudência individual, tal como
aquela concebida por Rawls. Assim, o utilitarista poderia muito bem sustentar que, do
mesmo modo que cada qual deve ter um certo respeito e consideração pelos seus
próprios interesses e necessidades, procedendo a uma distribuição justa na satisfação
dos mesmos, já que isso tende a produzir um máximo de satisfação no todo, também
aquele hipotético observador imparcial deve se regular por um princípio de harmonia e
de distribuição justa de satisfação entre os membros da sociedade, respeitando-os e
considerando-os igualmente. Pois, se é verdade que um indivíduo que não considera
igualmente todas as suas esferas de interesse tende a sofrer conseqüências
desagradáveis, a longo prazo, o que pensar de uma sociedade que passa por cima dos
interesses de alguns de seus membros e que deixa insatisfeita toda uma camada da
população?
O que estou querendo dizer é que o utilitarismo traz consigo
embutido um princípio de justiça distributiva, o que não é, evidentemente, a opinião de
Rawls e de alguns outros autores importantes nos quais ele busca apoio, como, por
exemplo, William Frankena. Em seu livro sobre ética, Frankena faz uma exposição do
utilitarismo, procurando evidenciar a sua incapacidade de decidir por si só questões de
justiça distributiva. Assim, Frankena nos convida a imaginar a seguinte situação.
Suponhamos que 2 ordenamentos políticos distintos tenham como resultado final a
mesma soma de utilidade, ou seja, produzam a longo prazo a mesma proporção de bem
em comparação com o mal também produzido, para a coletividade como um todo. Ora,
nesse caso, o utilitarista teria de dizer que ambos produzem o mesmo saldo moral e não
teria base para preferir um ao outro. Contudo, pode muito bem acontecer que cada um
deles distribua a quantidade de bem produzido de uma maneira a cada vez diferente. De
um lado, um dos ordenamentos políticos concederia todo o bem produzido a um grupo
relativamente pequeno de pessoas, e isso sem qualquer mérito por parte dessas pessoas,

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


88 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

mas sim somente pelo fato, p. ex., delas serem indivíduos adultos do sexo masculino.
De outro lado, o outro ordenamento político distribuiria o bem produzido de uma
maneira mais igualitária entre um segmento maior da população. Ora, intuitivamente,
estaríamos inclinados a dizer que o primeiro ordenamento é injusto, rejeitando-o e
colocando-nos a favor do segundo. Contudo, isso é algo que o utilitarismo não poderia
fazer. Pois, como diz Frankena, se o utilitarismo está interessado somente na
maximização do bem ou da felicidade, considerações sobre justiça na distribuição do
bem têm de ser para ele completamente estranhas e indiferentes. O utilitarismo não
poderia, portanto, fazer jus às nossas intuições morais pré-filosóficas, pois “o critério
para determinar o certo e o errado não é a mera utilidade, mas também a justiça”.6
Penso que, em resposta a essa objeção, o utilitarista poderia
argumentar que a situação descrita por Frankena simplesmente não pode ocorrer. Ou
seja, o utilitarista poderia sustentar que, como a justiça na distribuição do bem
produzido pelo trabalho social é condição da harmonia do todo, é impossível que 2
ordenamentos jurídico-políticos produzam a mesma quantidade de felicidade e a
distribuam desigualmente. E, em apoio ao utilitarismo, podemos aduzir o seguinte
argumento, que parecerá a nós brasileiros corresponder inteiramente às nossas intuições
morais pré-filosóficas.
Alguns setores da esquerda no cenário político nacional têm se
esforçado no sentido de mostrar para as nossas elites dirigentes e econômicas as
vantagens que uma melhor distribuição da renda entre a população traria para elas
próprias. Com efeito, as nossas elites gastam uma verdadeira fortuna com segurança,
ruas interditadas, prédios cercados por muros cada vez mais altos, convertendo-se em
prisioneiros em suas próprias casas; compram automóveis importados caríssimos, sendo
obrigados a blindá-los e a enclausularem-se dentro deles nos intermináveis
engarrafamentos de nossas grandes cidades. E tudo isso para quê? Como se sabe, apesar
de todo esse aparato de segurança e de todo o sobressalto de sua vida cotidiana, os ricos
continuam sendo assaltados e seqüestrados. Por isso, os setores mais esclarecidos da
esquerda procuram fazer com que as elites compreendam que, se a fortuna que elas
gastam com segurança e seguradoras fosse revertida para a educação dos menos

6
Cf.Ethics, Prentice Hall, 1963, p. 41

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 89

favorecidos, as discrepâncias sociais diminuiriam, haveria mais harmonia e,


conseqüentemente, mais bem-estar para todos. Entretanto, também como se sabe, todo
esse esforço é em vão, pois nossas elites continuam insensíveis, ou, como dizem esses
setores da esquerda, as nossas elites são tolas e de visão muito curta. Filosoficamente
falando, o que acontece é que nossas elites sequer conseguem conduzir suas vidas
segundo o mero princípio da prudência racional individual, para não mencionar o
princípio moral. Elas não conseguem compreender que é impossível ser uma ilha de
felicidade cercada por um mar de infelicidade e que por isso está no seu interesse
próprio refletido abrir mão de algumas vantagens agora, para obter paz, tranqüilidade e
até mesmo uma maior ganho financeiro, numa palavra, um maior bem-estar, a longo
prazo.
De volta à situação descrita por Frankena e em apoio ao utilitarista,
poderíamos dizer: é impossível que 2 ordenamentos políticos produzam a mesma
quantidade de felicidade e distribuam-na desigualmente. Em termos mais intuitivos, é
impossível que um Brasil justo e um Brasil injusto produzam a mesma quantidade de
felicidade. Pois, o modo como é distribuída afeta a quantidade de felicidade que pode
ser produzida. Assim sendo, diferentemente do que pensa Frankena e com ele Rawls, o
utilitarista não é de modo algum indiferente a questões de justiça e não precisa de
nenhum esclarecimento por parte de uma teoria da justiça distinta para escolher entre 2
ordenamentos políticos. Ele escolherá o mais justo, porque este será ipso facto o que
produz mais felicidade.
Entretanto, Rawls afirma obstinadamente que o utilitarismo é por
natureza insensível a questões de justiça. Aliás, alguns dos argumentos de Rawls a esse
respeito são tão ingênuos e pueris, que me espanta o fato de terem angariado tanto
respeito por parte dos comentadores. Um desses argumentos está calcado na distinção
traçada por Frankena entre teorias morais teleológicas e teorias morais deontológicas.7
O utilitarismo seria uma teoria moral teleológica, porque torna o valor moral do que
quer que seja dependente do fim, da finalidade visada (télos, em grego, significa “fim”).
Ou seja, o aspecto teleológico do utilitarismo é uma outra maneira de se referir ao
conseqüencialismo que o caracteriza. Em contraposição a isso, teorias morais

7
Id.ibid., p. 14

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90 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

deontológicas, como a de Kant, por exemplo, defendem que o que é justo, obrigatório e
moralmente bom não é função das suas conseqüências. Segundo Kant, mentir é algo
mau em si mesmo, independentemente das conseqüências, assim como manter uma
promessa é algo moralmente aprovável em si mesmo, em quaisquer circunstâncias. Na
verdade, estou fazendo uma simplificação da teoria de Kant, pois, para ele, a única coisa
que pode ser chamada de boa em todas as circunstâncias e independentemente das
conseqüências é uma boa vontade, no sentido em que dizemos de uma pessoa que ela
tem uma boa intenção. Contudo, para nossas finalidades o que interessa é que, enquanto
uma moral teleológica sustenta que nada tem um valor moral em si mesmo e que a
avaliação moral é sempre relativa a fatores extrínsecos, a saber, os fins em vista ou as
conseqüências, uma moral deontológica sustenta que há certas coisas que possuem um
valor intrínseco, que há pelo menos uma coisa que é boa (ou má) em sentido absoluto,
i.e. em si mesma.
Ora, segundo Rawls, uma das razões pelas quais o utilitarismo se
mostrou tão atraente durante muito tempo residiria justamente no fato dele apresentar a
estrutura de uma teoria moral teleológica. Com efeito, diz Rawls, no utilitarismo, “o
bem (the good) é definido independentemente do justo (the right), e então o justo (the
right) é definido como aquilo que maximiza o bem (the good)”.8 Segundo Rawls o
importante é que, de acordo com o que ele chama de uma teoria moral teleológica em
sentido clássico, o bem ou o que é moralmente bom seja definido independentemente
do justo. Assim, por exemplo, o utilitarismo definiria a promoção da felicidade como
sendo o que é moralmente bom, sem ter de fazer qualquer referência ao que é justo. “Ao
passo que, conclui Rawls, se a distribuição de bens for também considerada como um
bem, talvez um bem de ordem superior, e se a teoria nos orienta a produzir o máximo de
benefícios (incluindo, entre outros, o bem da distribuição dos bens), já não teremos uma
teoria teleológica em sentido clássico”.9
Ora, esse argumento de Rawls é simplesmente decepcionante. Ele
decide arbitrariamente que uma teoria teleológica em sentido clássico é aquela que
define o bem independentemente de qualquer referência ao justo, para sustentar sua tese
de que o utilitarismo, por ter uma tal estrutura teleológica, é insensível a questões sobre

8
Cf. A Theory of Justice, p.24

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 91

o justo e não pode incluir a justiça distributiva na sua definição do bem (no caso, a
maximização da felicidade). Ou seja, Rawls parece querer resolver seu problema com o
utilitarismo mediante meras definições: o utilitarismo é uma teoria teleológica e, como
tal, não pode incluir considerações de justiça na sua teoria do bem. Diante disso, penso
que o utilitarista poderia com razão retrucar: “quem disse que o utilitarismo quer ser
uma teoria teleológica nesse tal sentido clássico arbitrariamente definido por Rawls?” O
utilitarista poderia então prosseguir e afirmar que a sua definição do bem como
consistindo na maximização da felicidade coletiva inclui como uma cláusula elíptica, ou
seja, não mencionada, esse bem maior, a saber, a justiça na distribuição desse bem que é
a felicidade, já que, como vimos, o modo como a felicidade é distribuída afeta a sua
produção. Se isso tem como implicação que o utilitarismo não possa mais ser rotulado
como “teoria moral teleológica em sentido clássico”, é algo irrelevante para nós e para
os defensores dessa doutrina.
Assim, contra Rawls, sou levado a afirmar que o utilitarismo traz
embutido princípios de justiça distributiva. Porém, poder-se-ia objetar que essa ligação
entre o princípio da maximização da felicidade e o da justiça é muito contingente.
Poder-se-ia retrucar que, a não ser que nos coloquemos já de saída num ponto de vista
que privilegia a justiça como algo que possui uma primazia em si, e não num ponto de
vista em que a justiça aparece como algo secundário e derivado, a saber, como um
meio para maximizar a felicidade, como seria o caso do utilitarista, não teremos
nenhuma garantia de que as conseqüências serão justas. Pois poderíamos conceber
situações em que a justiça não afetaria a maximização da felicidade, por conseguinte,
situações em que a divisão justa não estaria no interesse prudencial dos privilegiados na
partilha dos bens sociais. Voltando às nossas elites, poderíamos supor, por exemplo, que
elas se mudassem para a Suíça, o que, aliás, deve ser o sonho de muitos de seus
componentes, de tal modo que pudessem manter aqui a desigualdade social e
econômica, sem terem de sofrer as conseqüências decorrentes de serem ilhas de
felicidade cercadas por um mar de infelicidade.
Essa objeção ao utilitarismo que, até onde eu saiba, não é
desenvolvida pelo próprio Rawls, tem uma grande plausibilidade. Ela encontra sua

9
Id.ibid., p.25

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


92 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

inspiração básica na teoria kantiana do valor moral das ações. Segundo Kant, para que
uma ação tenha valor moral autêntico, não é suficiente que ela esteja exteriormente
conforme ao que é exigido pelos princípios morais. Para ilustrar sua tese, Kant dá como
exemplo um comerciante que trata todos seus clientes, indistintamente, com
honestidade, de modo que até mesmo uma criança pode fazer compras com ele sem ser
lesada. Sem dúvida, o comportamento desse comerciante está plenamente conforme ao
dever, mas isso não significa que por isso mesmo possua valor moral. Pois pode muito
bem ocorrer que o verdadeiro motivo de seu comportamento honesto seja o receio de
perder a clientela, caso alguém viesse a descobrir que ele lesara uma criança. Se foi esse
o caso, o que ocorreu é que ele seguiu o nosso já conhecido princípio da prudência
pessoal, refreando o impulso de lesar a criança, do qual resultaria um pequeno lucro
adicional, para poder obter um lucro muito maior com a totalidade da clientela, a longo
prazo. Eis por que Kant sustenta que uma ação só tem valor moral autêntico, se foi feita
exclusivamente por dever, se teve como motivo única e exclusivamente a consciência
do dever. Pois o motivo moral, a consciência do dever, só pode levar a ações morais, ao
passo que o princípio da prudência ou como também se diz, da esperteza pessoal, pode
levar algumas vezes, por acaso, a ações conformes ao dever, como no exemplo citado,
mas, em outras circunstâncias, a ações contrárias ao dever, por exemplo, se o mesmo
comerciante tivesse a certeza de que poderia lesar a criança sem ser descoberto por seus
clientes.10
Analogamente, um Estado que se coloca já de saída do ponto de
vista da justiça, que tem como motivação única e exclusivamente a consciência do
dever da justiça, só pode dar origem a instituições justas, ao passo que um Estado que
se regula pelo princípio utilitarista da prudência coletiva pode, contingentemente, dar
origem a instituições justas, mas, ocasionalmente, também a instituições injustas,
dependendo apenas do grau em que se supuser que a distribuição da felicidade possa
afetar a sua produção.
Penso que essa objeção seria plausível, mas ainda gostaria de dizer
algo a favor do utilitarista. Este último poderia continuar se aferrando à tese de que há
uma ligação necessária, e não contingente, entre a justiça na distribuição da felicidade e

10
Cf. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, trad. De Paulo Quintela, in: “Os Pensadores’, ed.

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 93

a produção da mesma. Ele poderia alegar, por exemplo, que mesmo na longínqua Suíça,
as nossas elites continuariam preocupadas com seus bens aqui no Brasil, preocupadas
com a possibilidade de uma sublevação popular ou de estarem sendo roubadas pelos que
gerenciam seus negócios; por isso, talvez elas tivessem de vir vez por outra ao Brasil, o
que seria desagradável, sem mencionar o fato de que teriam trocado a vida de
prisioneiros em suas próprias casas aqui no Brasil por uma vida de exilados no
estrangeiro. Definitivamente, diria o utilitarista que reflete racionalmente sobre o que é
a felicidade, essas elites não conseguem seguir o mero princípio da prudência pessoal e
não enxergam que uma melhor distribuição dos bens sociais vem ao encontro de sua
verdadeira felicidade.
Essa já seria uma boa resposta. Porém, mais importante ainda é que
o utilitarista poderia acrescentar que, curiosamente, a própria teoria da justiça proposta
por Rawls partilha da tese segunda a qual haveria uma ligação necessária entre a
prudência e a justiça. Pois a pretensão de Rawls é exatamente derivar os princípios da
justiça a partir de considerações prudenciais. Para compreender o que quero dizer,
precisamos tecer breves considerações sobre a teoria da justiça proposta por Rawls, que,
como disse antes, consiste numa retomada do contratualismo clássico.
O que os contratualistas tinham em mente era mais ou menos o
seguinte. Embora nenhum de nós tenha tido a possibilidade de escolher a sociedade em
que iria nascer e viver, uma sociedade justa seria aquela em que cada qual, se tivesse
tido essa possibilidade, teria escolhido nascer e viver. Para que uma sociedade seja justa
nesse sentido de poder obter a aceitação e reconhecimento de todos igualmente, é
preciso que as leis dessa sociedade emanem de seus membros como se cada qual tivesse
sido legislador, como se tais leis tivessem brotado autonomamente de cada vontade,
expressando a vontade geral. A teoria do contrato social é a simulação de uma situação
hipotética, na qual os indivíduos reunidos criariam uma legislação fundamental,
constitucional e justa de um Estado, na qual estaria manifesta a vontade geral.
Rawls retoma essa idéia com seu conceito de “posição originária”.
Para ilustrá-lo, vou desenvolver uma metáfora sugerida por ele próprio.11 Suponhamos
que numa festa de aniversário a mamãe encarregue o Joãosinho de partir e dividir o

Abril, São Paulo, 1973, p. 206

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


94 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

bolo. Sendo egoísta como é, o primeiro pensamento do Joãosinho é o de dividir o bolo


em partes maiores e menores, reservando as maiores para si e para os amiguinhos mais
chegados. Porém, antes que ele ponha em prática suas intenções malévolas, a mamãe
adverte que as partes do bolo por ele dividido serão sorteadas. Assim, o Joãosinho se dá
conta de que não pode saber antecipadamente para quem vão as partes maiores. Ele
compreende que pode dar o azar de ficar com as partes menores, assim como seus
amiguinhos mais queridos. Ora, colocado nessa situação de ignorância quanto à
distribuição do bolo, Joãosinho, que é esperto o suficiente, necessariamente concluirá
que é melhor dividi-lo de uma maneira justa do que correr o risco de sair no prejuízo.
Em termos filosóficos, Rawls diz que a escolha dos princípios da
justiça social, i.e., da justiça distributiva na partilha dos bens produzidos pelo trabalho
social, é feita na posição original sob o que ele chama de “véu da ignorância”, ilustrado
na metáfora pela ignorância de Joãosinho quanto ao destino das partes do bolo. O
importante é observar que o que faz com que o nosso Joãosinho finalmente divida o
bolo de uma maneira justa não é uma espécie de conversão moral, como se ele de súbito
tivesse deixado de ser aquele menino egoísta que só pensa no seu bem-estar e no dos
seus amiguinhos mais chegados. O Joãosinho não teve um súbito discernimento de
princípios de justiça, que fizessem com que ele viesse a ter respeito e consideração por
todos igualmente. Pelo contrário, ele continua sendo aquele menino egoísta, mas
esperto. Desse modo, colocado nessa situação de ignorância quanto ao destino das
partes do bolo, ele é forçado a ser justo, porque compreende que está no seu interesse
próprio e egoísta uma divisão justa do bolo. Desse modo, a pretensão da teoria
elaborada por Rawls é a de que princípios da justiça podem ser derivados do interesse
próprio racional, desde que colocado em determinadas condições ideais (o “véu da
ignorância”). Ou como ele afirma em seu livro: “The aim is to replace moral judgments
by those of rational prudence”.12
A estratégia de Rawls é bem clara. Se, para determinar quais são os
princípios da justiça, ele estivesse se colocando já de saída no ponto de vista moral,
estaria cometendo uma petição de princípio ou incorrendo num círculo na
argumentação. Eis por que ele concebe a posição original como constituída por um

11
Cf. A Theory of Justice, §§ 14,87

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ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls 95

ponto de vista moralmente neutro, mais exatamente, pelo ponto de vista da prudência
racional, em que cada qual estaria voltado somente para os seus próprios interesses, sem
se preocupar com os interesses dos demais.13 E a tese de Rawls é que, desde que
colocado sob as condições ideais do “véu da ignorância”, esse ponto de vista puramente
prudencial e moralmente neutro daria origem, necessariamente, a princípios de um
Estado moralmente legitimado e, por isso, justo. Ora, e não é justamente essa a tese do
utilitarista? Pois o utilitarista não sustenta também que uma distribuição justa da
felicidade é algo que está necessariamente no interesse próprio prudencial das nossas
elites econômicas e que elas só não enxergam isso, porque não são tão espertas e
sagazes quanto o Joãosinho da nossa história? Com efeito, o utilitarista também diria
que, sob certas condições ideais semelhantes às propostas por Rawls, a observância de
princípios de prudência na busca da maximização da felicidade desembocaria
necessariamente num interesse pela justiça na distribuição da mesma.
Desse modo, o utilitarismo não é insensível a questões de justiça.
Aliás, não deve ser à toa que os representantes mais ilustres dessa escola filosófica
sempre defenderam na vida prática instituições políticas justas e democráticas, como o
próprio Rawls o reconhece. Entretanto, não gostaria de dar a impressão de que eu esteja
de acordo com o utilitarismo. Pelo contrário, tendo a concordar com uma outra linha de
argumentação crítica desenvolvida por Rawls contra o utilitarismo, que nem ele nem os
seus comentadores distinguem com suficiente clareza da desenvolvida acima. De acordo
com essa outra linha de crítica, o utilitarismo deveria ser rejeitado não por ter problemas
com a justa distribuição da felicidade, mas sim por julgar que um Estado seria
legitimado justamente na medida em que distribui a felicidade. Pois, como escreve
Rawls, o utilitarismo passa por cima do fato de que “cada pessoa possui uma
inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um
todo pode ignorar”.14 Ao erigir a maximização da felicidade como sendo aquilo cuja
promoção o Estado deve garantir, o utilitarismo deixa em aberto a possibilidade de ter

12
Id. Ibid. p.94.
13
Cf. Id.ibid., pp. 13-4: “One feature of justice as fairness is to think of the parties in the initial situation
as mutually disinterested.(...) They are conceived as not taking an interest in one another’s interests.(...)
Moreover, the concept of rationality must be interpreted as far as possible in the narrow sense, standard in
economic theory, of taking the most effective means to given ends. (...) one must try to avoid introducing
into it any controversial ethical elements”.

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96 ESTEVES, J. As Críticas ao Utilitarismo por Rawls

de considerar legítima uma ditadura militar, por exemplo, desde que ela fosse capaz de
promover um máximo de bem-estar para a coletividade, em comparação com outros
ordenamentos políticos alternativos, ainda que para isso estivesse passando por cima
dos direitos e, sobretudo, das liberdades individuais. Ou seja, o problema com o
utilitarismo é que ele toma a felicidade como bem supremo e incondicionado, em nome
da qual tudo mais poderia ser negociado e sacrificado, ao passo que a nossa concepção
de justiça parece tomar a liberdade como sendo o bem maior, incondicional e
irrenunciável. Pois como escreve Rawls, “numa sociedade justa as liberdades da
cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não
estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais”.15

14
Id. Ibid. p.4.
15
Id. Ibid. p.4.

ethic@ Florianópolis v.1 n.1 p.81-96 Jun. 2002


TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS: ENTRE O
LIBERALISMO E O COMUNITARISMO

Denis Coitinho SILVEIRA1

■ RESUMO: O objetivo do presente artigo é realizar uma análise da teoria da justiça


como eqüidade de John Rawls em A Theory of Justice e no Political Liberalism,
destacando seu modelo de complementaridade entre o deontológico e o procedi-
mental com o teleológico e substancial, buscando responder algumas das críticas
levantadas por autores comunitaristas à teoria rawlsiana de justiça e procurando
apontar para suas semelhanças. Parto das críticas dos comunitaristas à teoria da
justiça como eqüidade; posteriormente, analiso os aspectos teleológicos contidos
em seu modelo deontológico; em seguida, destaco a intrínseca relação entre o
procedimental e o substancial; por fim, apresento as respostas às críticas comu-
nitaristas à Rawls, destacando a especificidade de sua concepção de justiça.
■ PALAVRAS-CHAVE: justiça como eqüidade, deontológico/teleológico, procedi-
mental/substancial, John Rawls.

Introdução

A teoria da justiça como eqüidade foi apresentada por John Rawls em


1971, com a publicação da obra A Theory of Justice, que estabeleceu um
novo marco em filosofia política na segunda metade do século XX, no mun-
do ocidental. Sua teoria da justiça como eqüidade parte de um pressuposto
ético motivacional, com a pergunta pelas razões para o compromisso en-
quanto membro de uma comunidade moral, defendendo a tese da co-origi-
nalidade de liberdade (liberty) e igualdade (equality) em uma sociedade
marcada pelo pluralismo razoável (reasonable pluralism) de doutrinas

1 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Arti-


go recebido em mar/07 e aprovado para publicação em jun/07.

Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007 169


abrangentes (compreensive doctrines), visando fornecer uma orientação fi-
losófica e moral para as instituições democráticas.
Os comunitaristas, como Michael Sandel, Michel Wazer, Alasdair Ma-
cIntyre e Charles Taylor, tendem a interpretar a teoria da justiça como eqüi-
dade como deontológica, procedimental, universalista (abstrata) e que es-
tabelece a prioridade do justo sobre o bem. Estas críticas comunitaristas a
Rawls estão situadas no debate liberalismo-comunitarismo (the liberal-
communitarian debate) ambientados na década de 80 e que tiveram início
após a publicação de A Theory of Justice, que propiciou um novo modelo de
teoria da justiça para a filosofia política, gerando fortes críticas tanto dos
libertarianos, como Nozick, ou dos igualitaristas, como Dworkin, bem como
dos comunitaristas.2 As críticas dos comunitaristas à teoria da justiça de
Rawls podem ser sintetizadas em cinco teses, a saber: 1) opera com uma
concepção abstrata de pessoa que é conseqüência do modelo de represen-
tação da posição original sob o véu da ignorância; 2) utiliza princípios uni-
versais (deontológicos) com a pretensão de aplicação em todas as socieda-
des, criando uma supremacia dos direitos individuais em relação aos
direitos coletivos; 3) não possui uma teoria da sociedade em função de seu
contratualismo, trazendo como conseqüência uma atomização do social,
em que a pessoa é considerada enquanto átomo isolado; 4) utiliza a idéia de
um Estado neutro em relação aos valores morais, garantindo apenas a auto-
nomia privada (liberdade dos modernos) e não a autonomia pública (liber-
dade dos antigos), estando circunscrita a um subjetivismo ético liberal; 5) é
uma teoria deontológica e procedimental, que utiliza uma concepção ética
antiperfeccionista, estabelecendo uma prioridade absoluta do justo em re-
lação ao bem.
Meu objetivo é apontar que essas críticas podem ser facilmente res-
pondidas, evidenciando que a teoria da justiça como eqüidade utiliza al-
guns mecanismos e pressupostos encontrados em modelos teleológicos/
substanciais, a saber: possui uma concepção deontológica com grandes ca-
racterísticas teleológicas, na qual o justo e o bem são complementares; está
circunscrita a uma concepção substancial de justiça, não sendo apenas
procedimental; seu universalismo não se fundamenta no idealismo trans-
cendental, pois não determina a priori os seus princípios de justiça, com a
intenção de apontar para os aspectos aproximativos entre comunitaristas e
liberais. Para tanto, parto das críticas realizadas pelos comunitaristas à te-
oria da justiça como eqüidade; posteriormente, analiso os aspectos teleoló-
gicos contidos em seu modelo deontológico; em seguida, destaco a intrín-

2 Ver a análise das principais críticas feitas à teoria da justiça de Rawls realizada por Munoz-Dardé,
2000.

170 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


seca relação entre o procedimental e o substancial em sua teoria; por fim,
apresento as respostas às críticas comunitaristas à Rawls, destacando a es-
pecificidade de sua concepção de justiça.

Críticas dos Comunitaristas à Teoria da Justiça de Rawls

Para os comunitaristas, os liberais (universalistas) estariam simples-


mente preocupados com a questão de como estabelecer princípios de justi-
ça que poderiam determinar a submissão voluntária de todos os indivíduos
racionais, mesmo de pessoas com visões diferentes sobre a vida boa. O que
se estabelece como crítica é que, para os comunitaristas, os princípios mo-
rais só podem ser tematizados a partir de sociedades reais, a partir das prá-
ticas que prevalecem nas sociedades reais (Kukathas & Pettit, 1990,
p.111).3 Para eles, em John Rawls, encontram-se premissas abstratas de
base como a liberdade e a igualdade que orientam (ou devem orientar) as
práticas legítimas. A questão colocada é que, na interpretação comunitaris-
ta, a prática tem precedência sobre a teoria, e não seria plausível que pes-
soas que vivem em sociedades reais identifiquem princípios abstratos para
sua existência (cf. Mulhall & Swift, 2003, p.460). A crítica comunitarista
aponta como insuficiente a tentativa de identificar princípios abstratos de
moralidade através dos quais sejam avaliadas as sociedades existentes. A
questão-chave é a negação de princípios universais de justiça que possam
ser descobertos pela razão, pois, em sua avaliação, as bases da moral não
são encontradas na filosofia, e, sim, na política. Os comunitaristas criticam
o esquema contratualista da teoria da justiça de Rawls que procura compre-
ender as estruturas da sociedade de uma forma idealizada. Também criti-
cam a idéia de uma justiça procedimental que, de forma independente, pos-
sa oferecer uma base suficiente para as instituições sociais (cf. Itxaso, 1998,
p.290). Para os comunitaristas, só é possível o estabelecimento de leis e re-
gras para as instituições a partir de uma análise da tradição da comunidade
e da moral efetivada por essa comunidade para a identificação de valores
que podem ser aceitos por todos.
As principais críticas dos comunitaristas à teoria da justiça como eqüi-
dade de John Rawls podem ser agrupadas em cinco teses que problemati-
zam determinados aspectos do pensamento liberal. Em primeiro lugar, cri-
ticam a concepção abstrata de pessoa que seria conseqüência do modelo
de representação da posição original sob o véu da ignorância, em que ter-
se-ia a distinção entre a pessoa e suas concepções de bem. Para os comu-

3 Sobre debate entre os comunitaristas e os liberais ver o trabalho de Avineri & de-Shalit, 2001.

Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007 171


nitaristas a pessoa não pode possuir realidade de forma independente de
sua concepção de bem, em função de ela ser constitutiva da identidade
pessoal.4 Uma segunda crítica se dirige à universalidade dos princípios da
justiça na teoria da justiça como eqüidade de Rawls, na qual esses princípi-
os deontológicos teriam a pretensão de aplicação em todas as sociedades e
trariam, por conseqüência, a predominância dos direitos individuais em re-
lação aos direitos sociais.5 Os comunitaristas criticam a pretensão de uni-
versalidade do liberalismo e apresentam como alternativa uma proposta
multiculturalista que evidenciaria que diferentes culturas incluem uma di-
versidade de valores e diferentes formas sociais e institucionais. Em tercei-
ro lugar, criticam a concepção individualista e atomizada de pessoa na teo-
ria da justiça como eqüidade, o que impediria a existência de uma teoria da
sociedade no esquema procedimental contratualista (posição original sob o
véu da ignorância), o que traria, por conseguinte, uma atomização do so-
cial.6 Os comunitaristas identificam a matriz social a partir de um ponto de
visto sócio-filosófico, como sendo a responsável pela formação de uma con-
cepção de bem e, dessa maneira, criticam o ponto de vista liberal em que a

4 Este é o problema central apresentado por Michael Sandel, a saber, a teoria da justiça como eqüi-
dade de Rawls opera com uma concepção de sujeito moral como um eu completamente dissocia-
do de suas experiências contingentes. Para Sandel, uma pessoa com essas características seria
incapaz de realizar escolhas morais, porque lhe faltariam a experiência e a motivação, invalidando
sua capacidade de escolha. A concepção de pessoa que está contida na posição original não dá
conta de inserir referências ao mundo empírico, revelando uma concepção de sujeito completa-
mente desencarnado, sendo uma concepção formal, abstrata e distanciada das contingências e,
sendo assim, incapaz de identificar as motivações necessárias (Sandel, 1982, p.20-8).
5 Essa crítica é estabelecida principalmente por Michael Walzer em seu livro Spheres of Justice,
apontando que toda teoria da justiça que se pretende filosófica e na qual se percebe a presença
do filósofo que sai da caverna para descobrir princípios universais incorre em um fundamental
erro, pois não respeita a cultura própria de uma comunidade política, criando um mecanismo ar-
tificial que não condiz com a realidade política da comunidade real. Para Walzer, a teoria de jus-
tiça rawlsiana erra quando pretende que as práticas da comunidade política sejam examinadas a
partir da razão abstrata do filósofo e pensadas a partir de padrões abstratos e utópicos por ele
construídos e identificados como princípios (Walzer, 1983, p.15-6).
6 O que está em questão é uma forte crítica a uma concepção individualizada e atomizada de pes-
soa, em que os direitos individuais estariam acima dos interesses da sociedade. Para Charles
Taylor, as teorias liberais de justiça, em especial a teoria da justiça como eqüidade de Rawls, ao
afirmarem a prioridade na escolha de fins por parte dos indivíduos, estariam afirmando os direitos
individuais em sobreposição aos direitos da sociedade. Essa interpretação ressalta que a teoria
liberal concebe a pessoa atomisticamente, sendo incapaz de explicar de forma adequada a ques-
tão da sociabilidade humana. A questão apontada é que o cerne das teorias liberais encontra-se
nos direitos individuais e, sendo assim, as instituições liberais não possuem capacidade de ava-
liação da importância do apoio em relação às capacidades humanas que tornam possível a esco-
lha individual. Para Taylor, as instituições deveriam estar preocupadas em garantir que o contex-
to social e político sirva de modelo para auxiliar no desenvolvimento das capacidades que
possibilitam a escolha individual (Taylor, 1985, p.187-210).

172 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


sociedade seria vista como uma aventura cooperativa para o benefício indi-
vidual, em que a sociedade é interpretada como uma associação privada
formada por indivíduos que possuem interesses de maneira independente
da comunidade. Uma quarta crítica é endereçada ao subjetivismo ético
contido na teoria de Rawls que operaria com a idéia de um Estado neutro
com respeito aos valores morais, garantindo apenas a liberdade de expres-
são dos indivíduos, isto é, a capacidade de decidir livremente e perseguir
racionalmente uma certa concepção de bem.7 O contraponto oferecido pe-
los comunitaristas destaca que o Estado não deve ser neutro em relação a
uma hierarquização dos valores, tendo a tarefa de fomentar esses valores,
promovendo a virtude através da educação e excluindo os piores valores.
Por último, a teoria da justiça como eqüidade de Rawls é interpretada como
somente procedimental e deontológica, na qual imperaria uma neutralidade
do Estado e das leis, com uma concepção ética antiperfeccionista, que es-
tabelece uma prioridade absoluta do justo em relação ao bem.8 A crítica co-
munitarista aponta a impossibilidade de separação entre a esfera pública,
que operaria com critérios unitários, e a esfera privada, que resguardaria a
prática das distintas concepções morais, em função de que determinadas
visões morais incluem como parte dessa ética uma visão global do indiví-
duo, não podendo distinguir as concepções éticas das atuações e escolhas
públicas (cf. Ramos, 1998, p.235).

Modelo Deontológico/Teleológico

O objetivo de Rawls é elaborar uma teoria da justiça como eqüidade


que se apresente como alternativa ao utilitarismo em suas diversas versões
(Rawls, 2000, p.25). Como, na teoria utilitarista, o bem se define de maneira
independente do justo, esta teoria é caracterizada como teleológica e, no,
contratualismo de Rawls, seu objetivo é estabelecer a prioridade do justo

7 Esta crítica é realizada por Alasdair MacIntyre, em After Virtue, afirmando que não é possível es-
perar que a investigação a respeito das estruturas sociais aconteça a partir de um ponto de vista
desinteressado e imparcial e afastado da comunidade, e que isto possa servir como paradigma
com valor moral positivo. A questão é a afirmação de uma razão prática como uma atividade orde-
nada que leve em consideração a perspectiva da comunidade que compartilha crenças sobre bens
e disposições inseridos em práticas compartilhadss comumente (cf. MacIntyre, 1985, p.426-7).
8 Para MacIntyre, a teoria da justiça como eqüidade de Rawls não contribui em nada com o objetivo
de reconstrução da comunidade, insistindo em um projeto que está condenado ao fracasso abso-
luto, isto é, a um projeto que está centrado em um indivíduo racional atomizado que se sobrepõe
à sociedade, em que os interesses individuais antecedem ao estabelecimento de laços morais en-
tre si, sendo independente dessa criação, o que implica assumir uma ética antiperfeccionista que
impõe uma prioridade do justo sobre o bem (cf. MacIntyre, 1985, p.419).

Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007 173


em relação ao bem, a teoria da justiça como eqüidade se identifica como
deontológica. O que é importante demonstrar é que a teoria teleológica que
se mostra distante de forma absoluta da teoria da justiça como eqüidade é
o utilitarismo clássico, isto é, o contraponto que é estabelecido por Rawls
quer analisar as diferenças substanciais das duas doutrinas. Dessa forma, é
possível analisar as semelhanças da teoria da justiça como eqüidade com
outros modelos teleológicos, revelando que esta teoria não é puramente
deontológica, como é apresentada em seu modelo clássico, pois pressupõe
elementos teleológicos como, por exemplo, o conseqüencialismo.
Rawls procura formular uma concepção de justiça como eqüidade (jus-
tice as fairness) colocando a eqüidade como base articuladora da justiça,
tendo como objetivo central superar a debilidade teórica da filosofia moral
predominante no mundo anglo-saxão, combatendo principalmente a tese
utilitarista que prioriza o bem em relação ao justo. O resultado será uma te-
oria moral deontológica e não-naturalista, uma teoria que estabelece a pri-
oridade do justo (right) sobre o bem (good), capaz de dar um fundamento
filosófico a esse dever ou à noção de justiça que deve ser ontologicamente
anterior a qualquer concepção empírica do bem. Sua proposta é estabelecer
uma concepção de justiça que generalize e eleve a um plano superior a te-
oria contratualista de Locke, Rousseau e Kant, estabelecendo um construti-
vismo de tipo kantiano. O papel da justiça é especificar os direitos e deve-
res básicos dos cidadãos e determinar as partes distributivas apropriadas,
sendo a justiça a virtude mais importante das instituições sociais, signifi-
cando que cada pessoa possui uma inviolabilidade normativa fundada na
justiça (idem, p.3). O objetivo primário da justiça é a estrutura básica da so-
ciedade, isto é, a forma pela qual as instituições sociais (constituições e
acordos) distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divi-
são de vantagens vindas da cooperação social. O conceito de justiça, então,
se define pela atuação de seus princípios na atribuição de direitos e deve-
res e na definição da divisão apropriada de vantagens sociais, não constitu-
indo conflito com a noção tradicional de justiça (idem, p.10). É possível per-
ceber, inicialmente, que por mais que a intenção de Rawls seja estabelecer
uma concepção deontológica em TJ, ele não consegue escapar de uma
perspectiva conseqüencialista, em que as conseqüências são fundamentais
para a valoração moral de um ato, distinguindo-se de uma visão estritamen-
te deontológica, na qual as conseqüências não são levadas em considera-
ção para o estabelecimento do valor moral de uma ação, por basear-se so-
mente em critérios absolutos. Esse conseqüencialismo, que está associado
a uma perspectiva teleológica, é percebido na justiça como eqüidade no
momento em que se compreende a justiça como a virtude mais importante
das instituições sociais e se identifica a estrutura básica como objeto da
justiça e não a correção ou incorreção moral de conduta dos agentes parti-

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culares, estabelecendo uma relação necessária com as conseqüências ou os
efeitos que as várias configurações institucionais possuem para a distribui-
ção de benefícios e encargos (direitos e deveres) na sociedade, constituin-
do-se como uma teoria “conseqüencialista-contratual”.9
Rawls propõe uma teoria contratualista (que opera em um plano mais
abstrato que as teorias contratualistas clássicas), apresentando uma con-
cepção de justiça que surge de um consenso original e estabelece princípi-
os para a estrutura básica da sociedade. Em uma posição original de igual-
dade, pessoas livres e racionais que têm a preocupação de promover seus
interesses aceitam princípios como definidores dos termos básicos de sua
associação. Esses princípios têm a função de regular todos os acordos, bem
como as formas de governo e os tipos de cooperação social, e é essa manei-
ra de interpretar os princípios da justiça que é identificada com a justiça
como eqüidade. A concepção exposta por Rawls é a da justiça como eqüi-
dade, que opera com uma noção pública da justiça específica de uma socie-
dade bem-ordenada. O que significa encontrar princípios defensáveis por
um conjunto de seres racionais em uma situação de igualdade inicial, pois
só a partir da igualdade, esses seres racionais serão capazes de se coloca-
rem de acordo e decidirem imparcialmente. E é essa imparcialidade, eqüi-
dade (fairness), o que define propriamente a justiça. Dessa forma, os indiví-
duos chamados a optar por uma idéia de justiça serão seres racionais e
mutuamente desinteressados. Estarão dispostos a perseguir os fins, es-
pecificando os meios para alcançá-los, e capazes de atuar sem buscar
unicamente a satisfação de seus interesses privados, capazes de se com-
prometerem na elaboração de um ideal de justiça. O que está em jogo é
apresentar um modelo procedimental de representação, uma situação ima-
ginária de imparcialidade, em que não entrem em ação referências contin-
gentes. Em uma posição original (original position), os princípios de justiça
são escolhidos sob o véu da ignorância (veil of ignorance), em que ninguém
conhece as condições particulares. Ninguém conhece o seu lugar na socie-
dade, a posição de sua classe ou status social, sua sorte na distribuição de
habilidades naturais, sua inteligência, força etc. Conhecem apenas algo tão
impreciso como as bases elementares da organização social e da psicologia
humana. As pessoas, sob o véu da ignorância, escolhem os princípios de
justiça como resultado de um consenso ou ajuste eqüitativo. As partes que
entram em consenso na posição original, sob o véu da ignorância, são racio-
nais e desinteressadas (não possuindo interesse no interesse das outras) e,
sendo assim, não podem escolher um princípio utilitário porque não garan-

9 Sobre o papel do conseqüencialismo na teoria da justiça como eqüidade ver Pogget, 1995, p.253
e Vita, 2000, p.32-3.

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tiria vantagens e/ou direitos para uma minoria em benefício de uma maio-
ria. As partes escolheriam, então, dois princípios. O primeiro princípio es-
colhido seria aquele que exigiria a igualdade na atribuição de deveres e
direitos básicos, assegurando, assim, a liberdade. O segundo princípio es-
colhido seria aquele que afirmaria que as desigualdades econômicas e so-
ciais, como desigualdade de riqueza e autoridade, são justas se resultarem
em benefícios para cada um e especialmente para os membros menos favo-
recidos da sociedade, sendo que esses princípios possuem uma ordem le-
xográfica entre eles (Rawls, 2000, p.53; TJ §11). Mas, por que as partes não
poderiam escolher um princípio utilitário que não garantiria vantagens e/ou
direitos para uma minoria em benefício de uma maioria e por que escolhe-
riam o segundo princípio, que estabelece que as desigualdades são justas
se resultarem em um aumento de vantagens para os menos favorecidos?
Parece ser provável que, em uma situação de incerteza, a escolha do ponto
de vista racional utilizasse o princípio da utilidade, que afirma que a ação é
válida moralmente se maximizar o que é o bem (felicidade, bem-estar, pre-
ferências).10 O que as leva à negação do princípio utilitário e à afirmação do
princípio da diferença é o pressuposto de uma ética das virtudes, que con-
sidera a igualdade dos seres humanos como pessoas éticas, que têm uma
concepção de bem e senso de justiça,11 isto é, na posição original, estão
pressupostas premissas morais que não podem ser apagadas (escondidas)
pelo modelo procedimental contratualista pretendido, a saber: um critério
forte de igualdade moral e um pressuposto motivacional de que é possível
agir segundo um senso de justiça.12
Já na posição original, sob o véu da ignorância, as pessoas que esco-
lhem os princípios de justiça para orientar a estruturação social possuem
ponderadas convicções sobre a justiça (our considered convictions of justi-
ce) (Rawls, 2000, p.18; TJ §4).13 Essas convicções sobre a justiça já estão
pressupostas – mesmo na posição original sob o véu da ignorância – bas-

10 Segundo Harsany, na posição original sob o véu da ignorância, a melhor escolha racional em con-
dições de incerteza deve encontrar-se em um princípio de maximização da utilidade média e não
o princípio da diferença defendido por Rawls. Ver Harsany, 1995, p.594-606.
11 TJ §3, p.11: “For given the circumstances of the original position, the symmetry of everyone’s re-
lations to each other, this initial situation is fair between individuals as moral persons that is as
rational beings with their own ends and capable, I Shall assume, of a sense of justice.
12 Clark Wolf interpreta que as duas faculdades morais (senso de justiça e concepção de bem) são
elementos cruciais para a concepção de cidadãos como livres e iguais, sendo que a capacidade
de senso de justiça é necessária para possibilitar a cooperação social. Ver Wolf, 2000, p.105.
13 Na interpretação de Kenneth Baynes, a posição original não representa a situação de escolha ba-
seada simplesmente em uma noção neutra de racionalidade, e isto porque ela pressupõe uma
concepção de sociedade bem-ordenada (well-ordered society) e pessoa (person) que possui uma
compreensão do que é justo. Ver Baynes, 1992, p.125-35.

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tando agora a teoria da justiça definir a regra que efetive a justiça.14 Aceitar
os princípios de justiça equivale a subscrever uma determinada noção de
bem comum, pois o que obriga a estabelecer certos procedimentos especí-
ficos, visando garantir a eqüidade é uma determinada compreensão da vida
humana e, portanto, uma concepção de bem.15 Na posição original, sob o
véu da ignorância, dá-se por pressuposto o direito dos bens primários (pri-
mary goods) (liberdades fundamentais, oportunidade, renda, riqueza e
auto-respeito), já que estes constituem as condições necessárias para que
as diferenças pessoais cheguem a satisfazer suas diversas concepções de
bem (Rawls, 2000, p.78-81; TJ §15).16 Os bens primários são aceitos sobre a
base de uma determinada concepção de personalidade moral, a qual subjaz
à noção de justiça como eqüidade.17 Revela-se, assim, a finalidade especí-
fica do equilíbrio reflexivo (reflective equilibrium), que é uma situação de
avanços e recuos na posição original, em que se estabelecem os princípios
e consensos acerca do bem, estabelecendo um diálogo permanente entre os
princípios e os juízos particulares (Rawls, 2000, p.18; TJ §4).
Evidencia-se que a proposta de John Rawls é deontológica, pois não
especifica o bem de maneira independente do justo ou não interpreta o jus-
to como maximizador do bem. Sua proposta é construir uma teoria procedi-
mental de justiça. As partes envolvidas na posição original não se movem a
partir de uma concepção prévia de dever ou justiça. A justiça é o resultado
imediato de um procedimento, sendo uma justiça procedimental pura (pure
procedural justice). Entretanto, as pessoas são movidas pelo interesse mo-
ral, pela capacidade de serem eqüitativos, interesse esse que se faz especí-
fico na formulação de bens primários, em que está pressuposto que todos
têm direito a uma igual parcela dos bens primários produzidos em uma so-

14 Adina Schwartz defende o posicionamento que a teoria da justiça como eqüidade é mais teleoló-
gica do que Rawls gostaria de admitir. Isto porque há premissas teleológicas que subjazem à po-
sição original sob o véu da ignorância, como se mostra pela presença dos juízos particulares de
justiça (our judgments of justice) no método do equilíbrio reflexivo (reflective equilibrium).
Schwartz, 1973, p.294-8.
15 Charles Taylor defende a idéia de que toda teoria que estabelece a prioridade do justo em relação
ao bem, encontra-se fundamentada em uma concepção de bem, pois o que estabelece a obriga-
toriedade de estabelecer certos procedimentos é uma certa compreensão da vida humana em
uma doutrina antropológica e, sendo assim, em uma concepção específica de bem (Taylor, 1988,
p.33-56).
16 Stéphane Chauvier aponta que o motivo para introduzir uma noção como a de bens primários pos-
sui uma dupla exigência de neutralidade e de compatibilidade com a responsabilidade individual
que pesa sobre a teoria liberal de justiça social. Ver Chauvier, 2004, p.70.
17 Paul Ricoeur defende a idéia de que a teoria deontológica usada por Rawls não é desprovida de
perspectivas teleológicas, pois na posição original, embora não se saiba sobre sua concepção de
bem, já se sabe que os indivíduos preferem ter mais bens sociais em relação a ter menos. Ver em
Ricoeur, 1990, p.557.

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ciedade. Aqui, percebe-se claramente o limite de uma teoria de justiça pro-
cedimental, em função de, na justiça como eqüidade, se reconhecer a ne-
cessidade de uma precompreensão de bem ou dos bens que a sociedade vai
distribuir. A posição original é o local no qual se concordam com princípios
que proporcionam que os bens sejam repartidos de forma justa, eqüitativa,
e tem como pressuposto essencial uma ponderada convicção sobre a justi-
ça, que garante bens como a liberdade, a vida, a igualdade e bens sociais
mínimos para a sobrevivência, assumindo claramente um caráter igualitá-
rio, inserindo, de uma certa maneira, algum conteúdo no esquema formal
(deontológico), operando uma complementaridade entre o justo e o bem.18
Esta aproximação em direção a um modelo teleológico serve, também, para
objetar a respeito de interpretações que têm por objetivo a associação da
teoria da justiça como eqüidade com as teorias utilitaristas, que identifi-
cam a escolha dos princípios da justiça na posição original com o desejo ra-
cional de satisfação individual.

Modelo Procedimental/Substancial

Em TJ §87, no qual Rawls procura fazer alguns comentários finais a res-


peito de sua teoria da justiça como eqüidade, identifica, como sua inten-
ção, desenvolver uma teoria substantiva de justiça (Rawls, 2000, p.507; TJ
§87). A questão colocada é procurar identificar as características funda-
mentais da justiça como eqüidade, demonstrando a discordância com as
teorias éticas que se utilizam da justificativa cartesiana (dedutiva) ou da
justificativa naturalista. Rawls destaca que a obra TJ foi dividida em três
partes (Theory – Teoria, Institutions – Instituições e Ends – Objetivos) e que
cada parte propiciou apoio à outra, dando uma idéia de todo ordenado. Na
primeira parte (Theory), acontece a apresentação dos elementos essenciais
da estrutura teórica e a argumentação em favor dos princípios da justiça
com base em estipulações razoáveis em razão da escolha dessas concep-
ções. Na segunda parte (Institutions), Rawls examinou os tipos de institui-
ções prescritas pela justiça como eqüidade e os tipos de deveres e obriga-
ções que ela impõe. A terceira parte (Ends) verifica se a justiça como
eqüidade é uma concepção viável, obrigando à investigação sobre a estabi-
lidade e sobre a relação entre o justo e o bem (idem, p.506-14; TJ §87). Rawls
confirma que essas considerações não determinam o reconhecimento ini-
cial dos princípios, mas o confirmam, em função de mostrar que a natureza

18 Ver o texto de Samuel Freeman sobre a congruência do direto (right) e bem (good) e seus limites
em “Congruence and the Good of Justice” (Freeman, 2003, p.277-315).

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humana permite que a escolha original seja implementada, abrindo espaço
para uma interpretação moral da natureza humana (idem, p.514; TJ §87).
Em Political Liberalism IV, 7 (doravante indicado como PL), Rawls ana-
lisa a passagem de um consenso constitucional (constitutional consensus)
para um consenso sobreposto (overlapping consensus). A profundidade
(depth) de um consenso sobreposto determina que seus princípios e ideais
políticos tenham por base uma concepção política de justiça que faça uso
das idéias fundamentais de sociedade e pessoa da forma especificada pela
justiça como eqüidade. A extensão (breadth) do consenso sobreposto obri-
ga a esses princípios irem além da abrangência dos princípios políticos no
horizonte de procedimentos democráticos, estabelecendo certos direitos
substantivos (substantives rights), como a liberdade de consciência e pen-
samento, igualdade eqüitativa de oportunidades e princípios que atendam
às necessidades básicas (Rawls, 1996, p.164; PL IV, 7.1). Para Rawls, um
consenso constitucional é “restrito demais” (too narrow), em função de ser
um consenso puramente político e procedimental que não terá possibilida-
de de promulgar uma legislação que abordará os fundamentos constitucio-
nais e as questões de justiça básica. Aqui, revela-se a importância da ex-
tensão do consenso sobreposto que estabelece uma legislação que garante
a liberdade de consciência (liberty of conscience) e pensamento (freedom of
thought generally), a liberdade de associação (freedom of association) e mo-
vimento (freedom of movement) e a satisfação das necessidades básicas
dos cidadãos (basic needs of all citizens), garantindo a participação na vida
política e social (idem, p.166; PL IV, 7.3).19 Essa abordagem do consenso so-
breposto a respeito de sua profundidade, extensão e especificidade revela
que a justiça como eqüidade utiliza-se de princípios substanciais de justiça
e não somente de princípios que respeitam o procedimento justo.20
Em PL V, 5, Rawls ressalta que a justiça como eqüidade não é neutra no
sentido procedimental (is not procedurally neutral), pois seus princípios de
justiça são substantivos e expressam mais que valores puramente proce

19 Em Justice as Fairness (JF), Rawls trata da noção de consenso sobreposto e conclui afirmando
que (1) não há garantia de que a justiça como eqüidade possa alcançar o apoio de um consenso
sobreposto, dadas as visões abrangentes existentes em sociedade, mas (2) quer articular uma
concepção de justiça para um regime constitucional que seja defensável em si mesma e também
que possa ser endossada por todos (JF I, §11, p.37-8). Rawls, 2001.
20 Brian Barry defende o argumento de uma circularidade não-viciosa em Rawls, em que o critério
da aceitabilidade razoável de princípios confere uma certa substância à idéia de igualdade fun-
damental ao mesmo tempo em que deriva dessa mesma idéia. É a idéia de uma sociedade bem-
ordenada como sendo aquela que a igualdade humana fundamental é reconhecida pela partes.
Ver Barry, 1995, p.8.

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dimentais (procedural values).21 Fica ressaltado que a forma de neutralida-
de da justiça como eqüidade não pode ser confundida com algumas formas
de liberalismos que defendem uma neutralidade por não utilizarem nenhu-
ma idéia do bem, somente as puramente instrumentais. A justiça como
eqüidade pretende ser objeto de um consenso sobreposto, a saber, como
um todo pretende articular uma base pública de justificação para a estrutu-
ra básica de uma sociedade bem-ordenada, partindo de idéias que estão
subjacentes à cultura pública e abstraindo as doutrinas abrangentes. Seu
objetivo é encontrar um terreno comum, um terreno neutro político como
objetivo de um consenso sobreposto. Rawls considera que a justiça como
eqüidade pode encorajar certas virtudes morais como as de tolerância, sen-
so de justiça e razoabilidade e afirmar a superioridade de certas formas de
caráter moral (idem, p.194; PL V, 5.4). A questão que já tinha sido identifi-
cada por Rawls é que as idéias de bem podem ser introduzidas para a com-
plementação da concepção política de justiça, desde que essas idéias de
bem sejam políticas, isto é, desde que estejam identificadas com uma con-
cepção política razoável de um regime constitucional. Essas virtudes mo-
rais associadas às idéias de bem estão vinculadas aos princípios de justiça
política e, sendo assim, são compatíveis com o liberalismo político. Essa
concepção de regime constitucional que favorece a tolerância, desencora-
jando as discriminações religiosas ou sociais não assume a forma de um Es-
tado perfeccionista. Esse Estado se vale de medidas razoáveis para fortale-
cer as diversas formas de sentir e pensar que dão sustentação à cooperação
social eqüitativa entre seus cidadãos livres e iguais (idem, p.195; PL V, 5.4).
Entretanto, podemos perceber que essa concepção de Estado que assume
certas virtudes político-morais não pode ser confundida com a interpreta-
ção do liberalismo clássico de um Estado mínimo. A justiça como eqüidade
assume certas virtudes políticas para a garantia da eqüidade social, de-
monstrando, assim, a substancialidade de seus princípios e, também, a
aproximação a uma ética das virtudes.22

21 PL V, 5.3, p.192: “Justice as fairness is not procedurally neutral. Clearly its principles are substan-
tive and express far more than procedural values, and so do its political conceptions of society
and person, wich are represented in the original position”.
22 Analisando a circularidade de TJ, em que, nas partes da Theory e Institutions, utiliza-se da justiça
como princípio e, na parte que trata dos Ends, trata da justiça como virtude, percebe-se uma cir-
cularidade que aponta para uma aproximação entre a ética deontológica e a ética das virtudes.
Isso porque o princípio da justiça passa a ser compreendido enquanto uma virtude moral, entre-
tanto, esta virtude não vai além de sua função orientadora, o que não resulta em uma fundamen-
tação tradicional da esfera da justiça. Creio que é possível pensar em uma complementaridade
entre uma ética dos princípios e uma ética das virtudes, interpretando a virtude moral como uma
outra face do princípio moral que possui a função de lhe confirmar a validade.

180 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


Em PL VII, 9, Rawls adverte da importância de incorporar uma forma
ideal para a estrutura básica (basic structure), além do elemento de justiça
procedimental pura, para a determinação das partes distributivas de ma-
neira eqüitativa (idem, p.281; PL VII, 9). Uma questão essencial, então, é in-
vestigar a respeito do papel específico da estrutura básica, a saber, a partir
de qual princípio as pessoas morais livres e iguais podem aceitar a argu-
mentação de que as desigualdades sociais e econômicas decorrem da boa
ou má sorte ou das contingências históricas e naturais? A resposta apre-
sentada é que as partes, como pessoas morais, livres e iguais, partirão da
suposição de que todos os bens primários, como renda e riqueza, deveriam
ser iguais, levando em consideração os requisitos organizacionais e a efi-
ciência econômica. A partir desse raciocínio, não seria justo (ou razoável)
se contentar com uma divisão igual. A estrutura básica, então, deve permi-
tir desigualdades econômicas e organizacionais, considerando-se que es-
tas desigualdades melhorem a situação de todos, especialmente a situação
dos menos privilegiados, desde que as desigualdades sejam uma coerência
com a liberdade igual e a igualdade eqüitativa de oportunidade (idem,
p.282; PL VII, 9). Sendo a divisão igual o ponto de partida, os que estão em
uma situação em que menos se beneficiam possuem um poder de veto.
Dessa maneira, as partes chegam ao princípio da diferença. Para a compre-
ensão do princípio da diferença, é importante destacar, que os dois princí-
pios de justiça, quando operam juntos, incorporam um elemento fundamen-
tal de justiça procedimental pura na repartição das parcelas distributivas.
Esta é a insuficiência e o limite da justiça procedimental pura, pois não es-
tabelece o que é o seu conteúdo distributivo, não estabelecendo o que deve
ser objeto de distribuição (idem, p.283; PL VII, 9). Em função desse raciocí-
nio, temos que os princípios de justiça, e, em especial, o princípio da dife-
rença, aplicam-se aos princípios públicos e às políticas mais importantes
que regulam as desigualdades sociais e econômicas.23 Os princípios de jus-
tiça não exigem a distribuição igual, mas revelam a idéia basilar que nin-
guém deve possuir menos do que receberia numa divisão igual de bens pri-
mários e, também, que, quando a cooperação social possibilitar uma
melhora em termos gerais, as desigualdades que existem devem beneficiar
aqueles que estão em uma situação mais desfavorecida, tendo por base de
referência a divisão igual.24 Os princípios de justiça têm a finalidade de es-

23 A aplicação do princípio da diferença acontece na tributação de renda e propriedade, na política


fiscal e econômica e no contexto institucional (direito público, normas legais) das transações es-
pecíficas. Ver Van Parijs, 2003, p.200-40).
24 Este é o argumento utilizado por Scanlon que aponta que a tese central do princípio da diferença
constitui-se na idéia de que as instituições básicas da sociedade possuem uma base cooperativa,
tomando os cidadãos como parceiros iguais (Scanlon, 1989, p.204).

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pecificar uma forma ideal para a estrutura básica, forma essa que restringi-
rá e ajustará os processos institucionais e procedimentais.25 Essa análise a
respeito do papel dos princípios de justiça nos aponta, novamente, para os
limites de uma teoria puramente procedimental de justiça, que não contém
princípios estruturais para uma ordem social justa e, assim, não oportuniza
um critério mais forte que tenha como objetivo político eliminar a injustiça
e esclarecer a respeito das mudanças para uma estrutura básica justa da
sociedade. Essa é a defesa do ponto de vista de uma justiça substancial, em
que se percebe a especificação dos princípios estruturais fundamentais,
apontando os elementos essenciais da ação política, que servem como fun-
damentação racional da eqüidade social.26 Essa interpretação do papel for-
te dos dois princípios de justiça, que devem garantir os bens sociais primá-
rios para a estrutura básica da sociedade, revela o aspecto substantivo da
justiça como eqüidade e demonstra a idéia que uma teoria procedimental
de justiça não é autônoma, contribuindo para a efetivação de um sentido
substancial de justiça que está pressuposto.
É de fundamental importância fazer referência ao texto Replay to Ha-
bermas (doravante indicado como RH), em que, na quinta parte, Rawls de-
bate com Habermas a respeito da questão da justiça procedimental versus
justiça substantiva, esclarecendo seu posicionamento de defesa de uma
concepção liberal substantiva de justiça. Habermas, depois de estabelecer
as objeções27 a alguns aspectos da realização do projeto rawlsiano, tece al-
gumas considerações a respeito do contraponto entre a justiça procedimen-
tal em relação à justiça substancial. Habermas propõe uma teoria procedi-
mental da moral e do direito limitada aos aspectos procedimentais do uso
público da razão que desenvolve o sistema de direitos a partir da idéia de
sua institucionalização jurídica. Habermas propõe que a filosofia se limite
ao esclarecimento do ponto de vista moral e do procedimento democrático

25 A teoria da justiça como eqüidade se ocupa dos princípios que vão orientar a estrutura básica da
sociedade e não as escolhas de nível privado, princípios esses que se constituem como objeto de
uma teoria de justiça social.
26 PL VII, 9, p.285: “A purely procedural theory that contained no structural principles for a just so-
cial order would be of no use in our world, where the political goal is to eliminate injustice and to
guide change toward a fair basic structure. A conception of justice must specify the requisite
structural principles and point to the overall direction of political action”.
27 Habermas, 1995. A primeira objeção de Habermas é a dúvida se o esquema da posição original é
adequado para assegurar a imparcialidade de princípios de justiça deontológicos. Em segundo
lugar, destaca que Rawls deveria separar as questões de aceitação. Fica a suspeita de que a neu-
tralidade de sua concepção de justiça política frente às concepções de mundo invalidaria a pre-
tensão de validade cognitiva. Em terceiro lugar, para Habermas, essas duas decisões estratégicas
têm como conseqüência uma construção de um Estado de direito que coloca os direitos básicos
liberais sobre o princípio democrático de legitimação, invalidando sua tentativa de conciliação
entre as liberdades dos modernos e as liberdades dos antigos.

182 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


e à análise das condições do discurso e à negociação racional, de um ponto
de vista puramente reconstrutivo; sendo que, as respostas substanciais que
precisam ser dadas se deixa a cargo dos participantes, o que não exclui o
filósofo de participar da discussão pública no papel de intelectual e não no
papel de especialista.
Rawls responde à acusação de Habermas de que a teoria da justiça
como eqüidade é substantiva em vez de procedimental. A justiça procedi-
mental estabelece a justiça de um procedimento ou é o procedimento que
tem o valor de imparcialidade, enquanto a justiça substantiva espera a jus-
tiça de seu resultado. Para Rawls, existe uma conexão entre a justiça proce-
dimental e a substantiva, como se pode observar a partir de dois casos, a
saber: no primeiro, teríamos a justiça procedimental perfeita, como procedi-
mento de sentido comum de dividir um pastel (igual divisão); no segundo,
teríamos a justiça procedimental imperfeita, como em um juízo criminal, em
que nenhum procedimento criminal pode garantir que condena o acusado
se, e somente se, o acusado cometeu o crime. Dessa forma, a justiça proce-
dimental depende da justiça substantiva (Rawls, 1996a, p.421; RH §5.1) (cf.
Rawls, 1996, p.372-434). Para Rawls, não é possível uma legitimidade proce-
dimental sustentada sobre si mesma, sendo necessária uma justiça subs-
tantiva. Os cidadãos, na sociedade civil, não usam a idéia de justiça como
eqüidade como uma plataforma, conduzidos pelo filósofo (expert), de onde
julgam os ordenamentos e políticas existentes. Os cidadãos têm que possuir
algumas idéias do direito e da justiça, possuindo alguma base para a sua re-
flexão. Segundo Rawls, Habermas considera que sua concepção se limita
aos aspectos procedimentais do uso público da razão; pelo uso regular da
idéia de legitimidade, mais do que pela idéia de justiça. Rawls chama a
atenção para a diferença entre legítimo e justo. Por exemplo, um governante
legítimo não garante um governo justo. A legitimidade é uma idéia mais fra-
ca que a idéia de justiça, pois se pergunta pelo procedimento e não pelo re-
sultado; mas, em algum ponto, a injustiça do resultado de um procedimento
democrático legítimo corrompe sua legitimidade, trazendo a injustiça. Um
procedimento legítimo é um procedimento que todos podem aceitar razoa-
velmente como livres e iguais enquanto todos têm que tomar decisões cole-
tivas e falta normalmente o acordo. É importante observar, ressalta Rawls,
que a legitimidade das legislações depende da justiça da constituição, e
quanto maior o desvio em relação à justiça, maior a probabilidade de um re-
sultado injusto, sendo que as leis não podem ser injustas se se pretendem
legítimas. Dessa reflexão, conclui-se a necessidade de juízos de justiça
substantiva (Rawls, 1996a, p.423-4; RH §5.1).
Habermas acusa a teoria da justiça como eqüidade de ser substancial
por incluir a condenação da escravidão, da perseguição religiosa, da subor-
dinação das classes trabalhadoras, da opressão das mulheres, da acumula-

Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007 183


ção de vastas fortunas, da tortura etc. Não é um problema para Rawls admi-
tir que sua teoria é substantiva e não puramente procedimental (idem,
p.431; RH §5.4). A justiça como eqüidade é substantiva por surgir no hori-
zonte da tradição do pensamento liberal das sociedades democráticas,
como pertencente ao éthos das comunidades políticas de cultura plural e
democrática.28 Dessa maneira, a teoria da justiça não pode ser identificada
como puramente formal em um âmbito puramente universalista, pois não
opera com pressupostos transcendentais, como é a interpretação de Haber-
mas. Como doutrina política, a justiça como eqüidade não quer tomar parte
de nenhuma doutrina compreensiva da forma e dos pressupostos estru-
turais do pensamento e da ação. Prefere deixar essas doutrinas como estão
e estabelecer a crítica somente na medida em que não forem razoáveis
politicamente (idem, p.432-3; RH §5.4). Com isso, Rawls, respondendo à ob-
jeção de Habermas, conclui que não é possível uma legitimidade procedi-
mental de forma auto-sustentada, sendo necessária uma justiça substanti-
va. Os cidadãos, na sociedade civil, não utilizam a idéia de justiça como
eqüidade como plataforma, conduzidos pelo filósofo, de onde julgam os or-
denamentos e políticas existentes. Os cidadãos devem possuir algumas
idéias do direito e da justiça, possuindo uma base objetiva para sua refle-
xão. Para Rawls, a legitimidade é uma idéia mais fraca do que a idéia de
justiça, pois ao perguntar-se apenas pelo procedimento e não pelo resulta-
do, é possível que a injustiça do resultado de um procedimento legítimo
corrompa a legitimidade, efetivando a injustiça. Dessa maneira, não existe
nenhum impedimento em admitir que a justiça como eqüidade é substan-
tiva e não puramente procedimental, pois ressalta uma conexão intrínseca
entre justiça procedimental e justiça substantiva, a fim de preservar a jus-
tiça eqüitativa.29
É importante observar que Rawls não utiliza o esquema do idealismo
transcendental de Kant em sua posição de construtivismo político (Rawls,
1996, p.99-101; PL III, 2 – Kant’s moral constructivism), pois nega o univer-

28 Segundo Álvaro de Vita não é necessário recorrer ao mecanismo contratual da posição original
para assegurar a validade dos princípios de justiça em uma sociedade bem-ordenada, mas, que é
a própria sociedade bem-ordenada que oferece a validade a respeito dos princípios de justiça
através da tradição democrática que oferece consensos básicos a respeito da justiça. Cf. Vita,
1993, p.34-5.
29 Nythamar de Oliveira argumenta na mesma direção, afirmando que o procedimento contratual de
inspiração kantiana utilizado por Rawls possibilita a articulação entre uma concepção substanti-
va de justiça e uma concepção procedimental de justiça a partir da própria concepção de “socie-
dade democrática liberal”, significando a noção de sociedade e de sua estabilidade. Ver em Oli-
veira, 1999, p.174. É importante ressaltar que a teoria da justiça como eqüidade defende uma co-
originilidade entre a autonomia pública e privada, estabelecendo uma complementaridade entre
a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos.

184 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


salismo apriorístico de Kant. O universalismo utilizado por Rawls é consen-
sual (pragmático e não-transcendental), pois se relaciona com a idéia de um
consenso sobreposto entre doutrinas abrangentes divergentes, que busca
encontrar um minimum político para a coexistência em sociedade que se
encontra habitada por diversas concepções de bem, religiões e doutrinas fi-
losóficas, não sendo uma idéia deduzida da razão.30 Em Rawls, percebe-se
a utilização de uma razão (racionalidade) mais fraca do que em Kant, isto é,
ele se utiliza do razoável (em vez do racional puramente), que procura en-
contrar acordos consensuais dialógicos, operando com uma razão a poste-
riori, diferenciando-se da razão apriorística utilizada por Kant.31 O universa-
lismo de Rawls dialoga com premissas particularistas no momento em que
pretende desenvolver e articular a noção de justiça contida no senso co-
mum da comunidade democrática, estabelecendo uma complementaridade
entre o universalismo e o particularismo.32 Vale lembrar que em RH, Rawls
responde a Habermas que sua teoria não utiliza argumentos quase trans-
cendentais como é percebido na teoria do agir comunicativo habermasiana,
não situando seu pensamento em um universo puramente formal e univer-
sal no sentido transcendental, defendendo uma concepção “freestanding”
de justiça (Rawls, 1996a, p. 373-85; RH §1).
O liberalismo político de Rawls é uma doutrina que pertence ao âmbito
do político, sendo uma teoria da justiça como eqüidade, isto é, uma concep-
ção política liberal de justiça para um regime democrático que pode ser
aceito por todas as doutrinas compreensivas razoáveis existentes em uma
democracia, tratando somente do político, possuindo uma fundamentação
de caráter puramente político-filosófico, afastando-se de um fundacionalis-
mo metafísico ou transcendental. Rawls não pretende alterar as doutrinas
religiosas, metafísicas e morais (doutrinas compreensivas) politicamente
razoáveis. Para se alcançar o razoável, são necessários dois elementos bási-
cos: a vontade de propor termos eqüitativos de cooperação social (pessoas
como livres e iguais) e o reconhecimento dos limites do juízo, tendo como
conseqüência a tolerância. O liberalismo político possui três características

30 O que está em questão, para Rawls, é a elaboração de uma teoria política e não-metafísica que
engloba posições universais com preocupações particulares. Esta é a interpretação de Cathérine
Audard, ao analisar a autonomia doutrinal em Rawls, apontando que o trabalho do filósofo é o de
construir uma teoria da justiça que seja plenamente autônoma e adaptada às condições da demo-
cracia, a fim de que os princípios de justiça sejm adotados pelos cidadãos livres e iguais, racio-
nais e razoáveis. Ver Audard, 2004, p.21.
31 Segundo Loparic “(...) cabe reexaminar, parece-me, o sentido em que se pode continuar falando
em filiação kantiana da filosofia prática de Rawls” (Loparic, 1998, p.85).
32 Ver o capítulo “L’universalisme et la diverité des peuples”, em que Bertrand Guillarme analisa as
características do universalismo na teoria da justiça como eqüidade rawlsiana e seu respeito pe-
las culturas locais e diversidade. (Guillarme, 1999, p.258-88).

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básicas: 1) aplica-se à estrutura básica da sociedade (sociedade democráti-
ca), considerando como estrutura básica as instituições políticas, econômi-
cas e sociais, formando um sistema unificado de cooperação social; 2) pode
ser formulado independentemente de qualquer doutrina compreensiva de
caráter religioso, filosófico ou moral, estabelecendo uma relação através do
consenso sobreposto, entre a diversas doutrinas compreensivas; 3) está ba-
seado em idéias fundamentais como o liberalismo político, a sociedade po-
lítica como um sistema eqüitativo de cooperação social, cidadãos como ra-
zoáveis, racionais, livres e iguais; sendo estas idéias, políticas e familiares
a uma sociedade democrática e às suas tradições de interpretação da cons-
tituição e leis básicas (idem, p.376; RH §1.1).
Seu universalismo não se fundamenta no idealismo transcendental de
tipo kantiano, pois não determina a priori os seus princípios de justiça, mas
dialoga entre um mecanismo de representação universal que estabelece os
princípios razoáveis de justiça com a aplicação às instituições democráticas
da sociedade. A posição original (original position) é um mecanismo analíti-
co destinado a formular uma conjectura (hipótese). Quando se perguntam
quais são os princípios mais razoáveis da justiça política para uma demo-
cracia, cujos cidadãos são considerados livres e iguais, razoáveis e racio-
nais, a resposta é que estes princípios são dados por um mecanismo de re-
presentação na qual as partes racionais estão situadas em condições
razoáveis e limitadas por estas condições, assim os cidadãos livres e iguais
contemplam como alcançado por si mesmos um acordo sobre os princípios
políticos e condições que representam aqueles cidadãos igualmente razoá-
veis e racionais. É apenas uma hipótese que os princípios alcançados sejam
os mais razoáveis. Para Rawls, é necessário que se examine em que medida
os princípios se aplicam às instituições democráticas, estabelecendo uma
revisão de juízos se necessário através do equilíbrio reflexivo (reflective
equilibrium) (cf. idem, p.381, 384, 388 e 389; RH §1). É possível defender a
tese de que é o método do equilíbrio reflexivo que fundamenta a teoria da
justiça como eqüidade de Rawls e não a posição original sob o véu da igno-
rância, sobretudo a partir de PL.33 É importante ressaltar que essa funda-
mentação no equilíbrio reflexivo só tem validade para as questões de justiça
social e política e não para as questões morais em geral. Este mecanismo de
segurança serve para possibilitar a revisão dos princípios instituídos atra-
vés do julgamento particular dos indivíduos; entretanto, são esses princípi-
os que servem de referência para os juízos contingentes do que é o justo.

33 Norman Daniels interpreta que em PL, a justiça como eqüidade está baseada em um ponto de
vista político independente “freestanding view”, em que é possível o consenso sobreposto sobre
doutrinas abrangentes. Ver Daniels, 2000, p.136-7.

186 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


Considerações Finais

Essa interpretação da teoria da justiça como eqüidade responde às


principais críticas levantadas pela interpretação comunitarista, bem como
possibilita pensar em aspectos concordantes entre os liberais e os comuni-
taristas, visando uma concepção de justiça que integre tanto o universalis-
mo como o particularismo. Os princípios de justiça são deontológicos (uni-
versais), porém, uma forte característica teleológica é identificada, em que
o justo e o bem são interpretados como complementares, não estabelecen-
do uma sobreposição dos direitos individuais em relação aos direitos cole-
tivos, mas, sim, operando com uma concepção de justiça política que re-
concilia a liberdade dos modernos (autonomia privada) com a liberdade dos
antigos (autonomia pública), levando em consideração as condições parti-
culares (contingentes) de uma sociedade democrática. Não identifico na te-
oria da justiça como eqüidade uma concepção abstrata de pessoa, em fun-
ção da utilização de uma concepção política de indivíduo que, por um lado,
é considerado livre, igual e racional e, por outro, é considerado enquanto
membro de uma sociedade da qual está inserido. Em razão disso, não é de-
fensável a crítica de uma concepção individualista e atomizada de justiça
política em Rawls, em que não existiria uma teoria da sociedade, existindo
apenas uma atomização do social. Ressalto que não se faz necessário recor-
rer obrigatoriamente ao mecanismo da posição original para assegurar a va-
lidade dos princípios de justiça em uma sociedade bem-ordenada, levando-
se em conta de que é a própria sociedade bem-ordenada que oferece a va-
lidade a respeito dos princípios de justiça através da tradição democrática
que oportuniza consensos básicos a respeito da justiça por meio do equilí-
brio reflexivo (reflective equilibrium) ou do consenso sobreposto (overlap-
ping consensus). Dessa maneira, não é apropriado apontar um subjetivismo
ético liberal na teoria de Rawls, em que teríamos um Estado neutro que ga-
rantiria somente a liberdade de expressão, em função de os princípios de
justiça serem utilizados como parte de uma doutrina da economia política,
na qual se destaca a necessidade de efetivação da justiça com a finalidade
de combater as desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Analisada sob este prisma, a teoria de Rawls não dista consideravel-
mente de uma ética comunitarista, em razão de não ser verificada uma neu-
tralidade do Estado em relação à esfera pública, em que se identifica uma
inserção de substancialidade no modelo procedimental e deontológico, no
qual justo e bem são evidenciados como complementares. A idéia funda-
mental defendida é a de uma sociedade como um sistema eqüitativo de co-
operação social, o que implica a pensar nos cidadãos como livres e iguais,
isto é, como membros com capacidade cooperativa e na sociedade enquan-
to bem-ordenada, em que todos aceitam os princípios de justiça política e

Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007 187


possuem um senso de justiça. Os cidadãos estão envolvidos na cooperação
social, escolhendo o pertencimento a uma comunidade moral e isso repre-
senta compreender as pessoas como livres e iguais do ponto de vista nor-
mativo, isto é, com duas faculdades morais: faculdade de ter um senso de
justiça, que é a capacidade de compreender a aplicar os princípios de justi-
ça que determinam os termos eqüitativos da cooperação e agir a partir de-
les e a faculdade de ter uma concepção de bem, que é a capacidade de ter,
revisar e buscar alcançar uma concepção de bem de modo racional.

SILVEIRA, Denis Coitinho. John Rawls Theory of Justice: between liberalism and co-
munitarism. Trans/Form/Ação, (São Paulo), v.30(1), 2007, p.169-190.

■ ABSTRACT: The aim of his article is to characterize the John Rawls’s theory of
justice as fairness developed in A Theory of Justice (1971), Political Liberalism
(1993), Replay to Habermas (1995) and Justice as Fairness: A Restatement
(2001), with a view to identifying the convergent points between deontological
conception with teleological characteristics and identify a substantive concep-
tion of justice, not purely procedural, which is universalist albeit not transcen-
dental, making possible an approach between communitarian and liberal ethical
theories.
■ KEYWORDS: justice as fairness, deontological/teleological, procedural/substan-
tive, John Rawls.

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190 Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007


Mas com isso se reconhece adequadamente o que entendemos por oportunidade? Podemos julgar as
oportunidades que temos apenas pelo fato de ter​minarmos ou não na situação que escolheríamos estar,
independente da existência ou não de alternativas significativas que poderíamos ter escolhido caso
quiséssemos? Que tal escolher sair para um passeio agradável (que não é a alternativa preferida de Kim
naquele domingo, mas, talvez, uma possibilidade bastante interessante — e certamente preferível a ser
despejado numa valeta)? O que dizer da oportunidade de mudar de ideia e, talvez de modo mais
imediato, da oportunidade de escolher livremente ficar em casa em vez de a oportunidade apenas de
ficar em casa (e nada mais)? Há distinções entre os cenários A e C mesmo com relação às
oportunidades. Se essas considerações são sérias, parece plausível argumentar que, no cenário C, o
aspecto de oportunidade da liberdade de Kim também é afetado, embora obviamente não o seja de
forma tão radical quanto no cenário B.
A distinção entre “resultado de culminação” e “resultado abrangente”, discutida anteriormente, é
relevante aqui. O aspecto de oportunidade da liberdade pode ser visto de diferentes maneiras à luz
dessa distinção. Pode ser definido apenas com relação à oportunidade para “resultados de culminação”
(com o que uma pessoa acaba), se vemos uma oportunidade desse modo particularmente estreito e
consideramos que a existência de opções e a liberdade de escolha não têm maior importância.6 Como
alternativa, podemos definir de forma mais ampla a oportunidade — e acredito que com maior
plausibilidade — quanto à realização de “resultados abrangentes”, levando também em conta a forma
como a pessoa atinge a situação culminante (por exemplo, quer através de sua própria escolha, quer por
meio dos ditames dos outros). Na visão mais ampla, o aspecto de oportunidade da liberdade de Kim é
claramente minado no cenário C, porque o mandaram ficar em casa (ele não pode escolher nada
diferente). No cenário A, ao contrário, Kim tem a oportunidade de considerar as várias alternativas
viáveis e, em seguida, optar por ficar em casa se assim se dispuser, enquanto no cenário C ele
definitivamente não tem essa liberdade.
A distinção entre as visões estreita e ampla da oportunidade será bastante central quando passarmos
da ideia básica da liberdade a conceitos mais específicos, como as capacidades que uma pessoa tem.
Devemos examinar, nesse contexto, se a capacidade de uma pessoa para levar o tipo de vida que
valoriza deve ser avaliada apenas pela alternativa da culminação com a qual ela realmente acabaria, ou
através do uso de uma abordagem mais ampla, que leve em conta o processo de escolha envolvido, em
especial as alternativas que ela também poderia escolher, dentro de sua aptidão real para fazê-lo.

a abordagem das capacidades


Qualquer teoria substantiva da ética e da filosofia política, em particular qualquer teoria da justiça,
tem de escolher um foco informacional, ou seja, tem de decidir em quais características do mundo deve
se concentrar para julgar uma sociedade e avaliar a justiça e a injustiça.7 Nesse contexto, é
particularmente importante ter uma visão de como uma vantagem total de um indivíduo deve ser
avaliada. O utilitarismo, iniciado por Jeremy Bentham, concentra-se na felicidade individual ou prazer
(ou alguma outra interpretação da “utilidade” individual) como a melhor forma de avaliar a vantagem
de como uma pessoa é e como isso se compara com as vantagens dos outros. Outra abordagem, que
pode ser encontrada em muitos exercícios práticos de economia, avalia a vantagem de uma pessoa
quanto a sua renda, sua riqueza ou seus recursos. Essas alternativas ilustram o contraste entre as
abordagens baseadas na utilidade e nos recursos, em contraste com a abordagem das capacidades,
baseada na liberdade.d
Em contraste com as linhas de pensamento baseadas na utilidade ou nos recursos, na abordagem das
capacidades a vantagem individual é julgada pela capacidade de uma pessoa para fazer coisas que ela
tem razão para valorizar. Com relação às oportunidades, a vantagem de uma pessoa é considerada
menor que a de outra se ela tem menos capacidade — menos oportunidade real — para realizar as
coisas que tem razão para valorizar. O foco aqui é a liberdade que uma pessoa realmente tem para fazer
isso ou ser aquilo — coisas que ela pode valorizar fazer ou ser. Obviamente, é muito importante para
nós sermos capazes de realizar as coisas que mais valorizamos. Mas a ideia de liberdade também diz
respeito a sermos livres para determinar o que queremos, o que valorizamos e, em última instância, o
que decidimos escolher. O conceito de capacidade está, portanto, ligado intimamente com o aspecto de
oportunidade da liberdade, visto com relação a oportunidades “abrangentes”, e não apenas se
concentrando no que acontece na “culminação”.
É importante ressaltar algumas características específicas dessa abordagem que devem ser esclarecidas
desde o início, já que algumas vezes são mal-entendidas ou mal interpretadas. Em primeiro lugar, a
abordagem das capacidades aponta para um foco informacional para julgar e comparar vantagens
individuais globais, e não propõe, por si mesma, qualquer fórmula específica sobre como essa
informação pode ser usada. Com efeito, os diferentes usos po​dem surgir em função da natureza das
questões que estão sendo abordadas (por exemplo, políticas que tratam respectivamente da pobreza, da
incapacidade ou da liberdade cultural) e, de maneira mais prática, em função da disponibilidade de
dados e material informativo que podem ser usados. A abordagem das capacidades é uma abordagem
geral, com foco nas informações sobre a vantagem individual, julgada com relação à oportunidade, e
não um “design” específico de como uma sociedade deve ser organizada. Nos últimos anos, Martha
Nussbaum e outros têm feito excelentes contribuições em matéria de avaliação social e política através
da vigorosa utilização da abordagem das capacidades. A plenitude e os resultados definitivos dessas
contribuições têm de ser distinguidos a partir da perspectiva informacional em que se baseiam.8
A perspectiva da capacidade aponta para a relevância central da desigualdade de capacidades na
avaliação das disparidades sociais, mas não propõe, por si própria, uma fórmula específica para as
decisões sobre políticas. Por exemplo, ao contrário de uma interpretação articulada com frequência, a
utilização da abordagem das capacidades na avaliação não exige a subscrição às políticas sociais que
visam exclusivamente igualar as capacidades de todos, não importando as outras consequências que
essas políticas possam ter. Da mesma forma, ao julgar o progresso agregado de uma sociedade, a
abordagem das ca​pacidades certamente chamaria a atenção para a enorme importância da expansão das
capacidades humanas de todos os membros da sociedade, mas não estabelece plano algum para lidar
com os conflitos entre, digamos, considerações agregativas e distributivas (embora a agregação e a
distribuição sejam avaliadas com relação a capacidades). Ainda assim, a escolha de um foco
informacional — a concentração nas capacidades — pode ser muito importante para chamar a atenção
para as decisões que teriam de ser feitas e a análise de políticas que precisa levar em conta o tipo correto
de informação. A avaliação das sociedades e das instituições sociais pode ser profundamente
influenciada por informações nas quais a abordagem se concentra, e é exatamente aí que a abordagem
da capacidade faz sua principal contribuição.9
Uma segunda questão a destacar é que a perspectiva da capacidade é inevitavelmente interessada em
uma pluralidade de características diferentes de nossas vidas e preocupações. As variadas realizações de
funcionamentos humanos que podemos valorizar são muito diversas, variando desde estar bem nutrido
ou evitar a morte precoce até tomar parte na vida da comunidade e desenvolver a aptidão para seguir os
planos e as ambições ligados ao trabalho. A capacidade na qual estamos interessados é nosso potencial
de realizar várias combinações de funcionamentos que possamos comparar e julgar entre si com relação
àquilo que temos razão para valorizar.e
A abordagem das capacidades se concentra na vida humana e não apenas em alguns objetos
separados de conveniência, como rendas ou mercadorias que uma pessoa pode possuir, que muitas
vezes são considerados, principalmente na análise econômica, como o principal critério do sucesso
humano. Na verdade, a abordagem propõe um sério deslocamento desde a concentração nos meios de
vida até as oportunidades reais de vida. Isso também ajuda a provocar uma mudança desde as
abordagens avaliativas orientadas para os meios, principalmente focando no que John Rawls chama de
“bens primários”, que são meios úteis para muitos propósitos, como renda e riqueza, poderes e
prerrogativas associados a cargos, as bases sociais da autoestima, e assim por diante.
Embora os bens primários sejam, na melhor das hipóteses, meios para os fins valorizados da vida
humana, na formulação rawlsiana dos princípios de justiça se tornam questões centrais para julgar a
equidade distributiva. Isso, argumentei, é um erro, pois os bens primários são apenas meios para outras
coisas, em especial para a liberdade (como foi brevemente discutido no capítulo 2). Mas nessa discussão
também foi mencionado brevemente que a motivação por trás do argumento rawlsiano, em particular
seu foco no avanço da liberdade humana, é perfeitamente compatível com uma concentração direta na
avaliação da liberdade — e pode ser mais bem servido por ela —, em vez de contar com os meios para
realizá-la (de forma que vejo o contraste como menos fundamental do que poderia parecer à primeira
vista). Essas questões serão mais plenamente consideradas no próximo capítulo. A abordagem da
capacidade está particularmente interessada em transferir esse foco sobre os meios para a oportunidade
de satisfazer os fins e a liberdade substantiva para realizar esses fins arrazoados.f
Não é difícil perceber que o raciocínio subjacente a essa mudança de rumo em favor da capacidade
pode fazer uma diferença significativa e construtiva. Por exemplo, se uma pessoa tem uma renda alta,
mas também é muito propensa a uma doença crônica, ou é afetada por alguma deficiência física grave,
então ela não precisa necessariamente ser vista como estando em grande vantagem pela simples razão
de ter uma renda alta. Ela com certeza tem mais de um dos meios para viver bem (isto é, uma renda
elevada), mas enfrenta dificuldades em converter essa vantagem em boa vida (ou seja, vivendo de for​‐
ma que tenha razão para celebrar) devido às adversidades da doença e à deficiência física. Temos de
olhar em vez disso para o quanto ela pode de fato realizar, se assim o deseja, de um estado de boa
saúde, bem-estar e aptidão, para fazer o que tem razão para valorizar. Compreender que os meios para
uma vida humana satisfatória não são em si mesmos os fins da boa vida ajuda a gerar um aumento
significativo do alcance do exercício avaliativo. E o uso da perspectiva das capacidades começa
precisamente aí. Vários aspectos da contribuição feita pela perspectiva das capacidades foram
destacados por um bom número de investigadores nessa área, incluindo Sabina Alkire, Enrica
Chiappero-Martinetti, Flavio Comim, David A. Crocker, Reiko Gotoh, Mozaffar Qizilbash, Jenni​fer
Prah Ruger, Ingrid Robeyns, Tania Burchardt e Polly Vizard.10
Existem outras características da abordagem das capacidades que também vale a pena comentar aqui
(nem que seja para evitar más interpretações), que tratam respectivamente: (1) do contraste entre
capacidade e realização, (2) da composição plural das capacidades e do papel do exercício da razão
(incluindo o exercício da razão pública) na utilização da abordagem das capacidades, e (3) do lugar dos
indivíduos e comunidades e suas inter-relações na concepção das capacidades. Ocupo-me agora delas.

por que ir além da realização, à oportunidade?


O núcleo da abordagem das capacidades não é, portanto, apenas o que uma pessoa realmente acaba
fazendo, mas também o que ela é de fato capaz de fazer, quer escolha aproveitar essa oportunidade,
quer não. Esse aspecto da abordagem das capacidades tem sido questionado por alguns críticos (como
Richard Arneson e G. A. Cohen), que apresentaram argumentos aparententemente plausíveis a favor
de prestar atenção na realização efetiva de funcionamentos (enfatizada também por Paul Streeten e
Frances Stewart), e não na ca​pacidade de escolher entre diferentes realizações.11
Essa linha de raciocínio é com frequência motivada pela visão de que a vida consiste no que
realmente acontece, não no que poderia ter acontecido se as pessoas envolvidas tivessem diferentes
inclinações. Há aqui uma excessiva simplificação, pois nossa liberdade e nossas escolhas são partes de
nossas vidas reais. No exemplo considerado acima, a vida de Kim é afetada se ele é forçado a ficar em
casa, em vez de escolher ficar em casa diante de outras alternativas. No entanto, a crítica da abordagem
das capacidades baseada na realização merece séria consideração, uma vez que repercute em muitas
pessoas, e é importante perguntar se seria mais adequado basear julgamentos sociais nas vantagens ou
desvantagens das pessoas em suas realizações efetivas e não em suas respectivas capacidades de
realização.g
Em resposta a essa crítica, começo primeiro com um aspecto pequeno e bastante técnico, que é
metodologicamente muito importante, mas que muitos críticos poderiam considerar demasiado formal
para ser de fato interessante. Capacidades são definidas derivadamente a partir dos funcionamentos, e
incluem inter alia todas as informações sobre as combinações de funcionamentos que uma pessoa pode
escolher. O conjunto de funcionamentos realmente escolhidos está, obviamente, entre as combinações
possíveis. E, se estivéssemos de fato interessados fortemente em concentrar-nos apenas em
funcionamentos realizados, nada nos impediria de basear a avaliação de um “conjunto capacitário” na
avaliação da combinação de funcionamentos escolhida a partir desse conjunto.12 Se a liberdade só
tivesse uma importância instrumental para o bem-estar de uma pessoa, se a escolha não tivesse
nenhuma relevância intrínseca, então com efeito esse poderia ser o foco informacional adequado para a
análise da capacidade.
Identificar o valor do conjunto capacitário com o valor da combinação de funcionamentos escolhida
permite à abordagem das capacidades pôr muito peso — incluindo possivelmente todo o peso — nas
realizações efetivas. Quanto à versatilidade, a perspectiva da capacidade é mais geral — e mais inclusiva
em termos informacionais — que a mera concentração em funcionamentos realizados. Não há, nesse
sentido pelo menos, perda em olhar para a base informacional mais ampla das capacidades, o que
permite a possibilidade de simplesmente confiar na avaliação dos funcionamentos realizados (se
quisermos ir nessa direção), mas também permite o uso de outras prioridades em matéria de avaliação,
atribuindo importância às oportunidades e escolhas. Esse aspecto preliminar é obviamente um
argumento minimalista, e há muito mais a ser dito, de forma positiva e afirmativa, a favor da
importância da perspectiva das capacidades e da liberdade.
Primeiro, mesmo um rigoroso “empate” entre duas pessoas quanto aos funcionamentos realizados
ainda pode ocultar diferenças significativas entre suas respectivas vantagens, que poderiam nos fazer
compreender que uma pessoa pode estar realmente “em desvantagem” muito maior do que outra. Por
exemplo, com relação a passar fome e estar desnutrida, uma pessoa que jejua voluntariamente por
motivos políticos ou religiosos pode estar tão privada de alimentos e desnutrida quanto uma vítima da
fome. Sua manifesta desnutrição — o funcionamento realizado por ambas — pode ser a mesma coisa e,
ainda assim, a capacidade da pessoa próspera que decide jejuar pode ser muito maior do que a da
pessoa que morre de fome involuntariamente por causa da pobreza e indigência. A ideia da capacidade
pode acomodar essa importante distinção, uma vez que é orientada para a liberdade e as
oportunidades, ou seja, a aptidão real das pessoas para escolher viver diferentes tipos de vida a seu
alcance, em vez de confinar a atenção apenas ao que pode ser descrito como a culminação — ou
consequências — da escolha.
Em segundo lugar, a capacidade de escolher entre diferentes filiações na vida cultural pode ter
importância tanto pessoal como política. Consideremos a liberdade dos imigrantes de países não
ocidentais para conservar partes das tradições culturais e dos estilos de vida ancestrais que valorizam,
mesmo depois de terem se restabelecido em um país europeu ou nos Estados Unidos. Essa questão
complexa não pode ser avaliada adequadamente sem que se distinga entre fazer algo e ser livre para
fazê-lo. Pode-se construir um argumento significativo a favor de que os imigrantes tenham a liberdade
de conservar pelo menos alguns elementos de sua cultura ancestral (como seu culto religioso, ou a
lealdade à poesia e à literatura nativas), se eles valorizam essas coisas depois de compará-las com os
padrões de comportamento prevalecentes no país em que estão estabelecidos, e com frequência após
terem considerado seriamente o raciocínio predominante no país a favor de diferentes práticas.h
No entanto, a importância dessa liberdade cultural não pode ser vista como um argumento a favor
de alguém que busca seu estilo de vida ancestral tenha ou não razões para escolher buscá-lo. A questão
central, nesse argumento, é a liberdade de escolher como viver — incluindo a possibilidade de
incorporar elementos de suas preferências culturais ancestrais se assim o desejar —, não podendo ser
transformado em um argumento a favor de que sempre busque padrões de comportamento,
independentemente de que goste de fazer essas coisas ou tenha razões para conservar essas práticas. A
importância da capacidade, refletindo oportunidade e escolha, ao invés da celebração de algum estilo
de vida particular sem consideração pela preferência ou escolha, é fundamental para o ponto em
questão.
Em terceiro lugar, há também uma questão relacionada a políticas que faz com que a distinção entre
capacidades e realizações seja importante por uma razão diferente. Diz respeito às responsabilidades e
obrigações gerais das sociedades e das outras pessoas para ajudar os necessitados, que podem ser
importantes tanto para as disposições públicas dentro dos Estados como para o exercício geral dos
direitos humanos. Ao considerarmos as respectivas vantagens de adultos responsáveis, pode ser
apropriado pensar que as reivindicações dos indivíduos em sociedade sejam mais bem-vistas com
relação à liberdade para realizar (dada pelo conjunto de oportunidades reais) em vez das realizações
efetivas. Por exemplo, a importância de ter algum tipo de garantia de cuidados básicos de saúde refere-
se principalmente a dar às pessoas a capacidade de melhorar seu estado de saúde. Se uma pessoa tem a
oportunidade de receber cuidados de saúde socialmente garantidos, mas decide, com pleno
conhecimento, não fazer uso dessa oportunidade, então se pode argumentar que essa privação não é
uma questão social tão candente quanto seria um fracasso em prover a tal pessoa a oportunidade de
receber cuidados de saúde.
Assim, há muitas razões positivas pelas quais seria sensato usar a perspectiva informacional mais
ampla das capacidades em vez de se concentrar apenas no ponto de vista, mais restrito em termos
informacionais, dos funcionamentos realizados.

o medo da incomensurabilidade
Os funcionamentos e as capacidades são diversos, como de fato devem ser, porque tratam de
diferentes aspectos de nossa vida e nossa liberdade. Esse é, naturalmente, um fato comum e corrente,
mas existe uma tradição tão longa, em partes da economia e da filosofia política, tratando uma
característica supostamente homogênea (como a renda ou a utilidade) como a única “coisa boa” que
poderia ser facilmente maximizada (quanto mais, melhor) que há certo nervosismo em enfrentar um
problema de avaliação envolvendo objetos heterogêneos, assim como a avaliação das capacidades e dos
funcionamentos.
A tradição utilitarista, que trabalha no sentido de reduzir todas as coisas valiosas a algum tipo de
magnitude supostamente homogênea de “utilidade”, contribuiu bastante para essa sensação de
segurança em “contar” exatamente uma coisa (“aqui há mais ou menos?”), e também ajudou a gerar a
suspeita sobre a tratabilidade de “julgar” as combinações de muitas coisas boas distintas (“esta
combinação é mais ou menos valiosa?”). E, no entanto, qualquer problema sério de avaliação social
dificilmente poderia escapar da acomodação de pluralidades de valores, como tem sido discutido,
sobretudo por Isaiah Berlin e Bernard Williams.13 Não podemos reduzir tudo o que temos razão para
valorizar a uma magnitude homogênea. Na verdade, há muita diversidade dentro da própria utilidade
(como Aristóteles e John Stuart Mill observaram), mesmo que se tenha decidido ignorar, na avaliação
social, qualquer coisa distinta da utilidade.i
Se a longa tradição do utilitarismo, com sua suposição da utilidade homogênea, contribuiu para essa
sensação de segurança derivada de uma homogeneidade comensurável, o uso maciço do produto
nacional bruto (pnb) como o indicador da condição econômica de uma nação também fez sua con​tri​‐
bui​ção nesse sentido. As propostas para emancipar os indicadores econômicos da dependência exclusiva
do pnb tendem a gerar a preocupação de que, se tivermos diversos objetos para julgar, não teremos a
sensação de tranquilidade que acompanha a mera verificação de alta ou queda do pnb. Mas os
exercícios sérios de avaliação social não podem evitar, de uma ou outra forma, tratar da valorização dos
diversos objetos que podem competir por atenção (além de se complementar entre si, em muitos casos).
T. S. Eliot foi perspicaz ao observar (em “Burnt Norton”) que “a espécie humana não consegue suportar
muita realidade”,14 mas a humanidade deveria ser capaz de enfrentar um pouco mais de realidade do
que o retrato de um mundo em que só há uma coisa boa.
A questão tem sido por vezes associada à da “incomensurabilidade” — um conceito filosófico muito
utilizado que parece despertar ansiedade e pânico entre alguns especialistas em avaliação. As
capacidades são claramente não comensuráveis, pois são irredutivelmente diversas, mas isso não nos diz
muita coisa sobre quão difícil — ou fácil — seria julgar e comparar diferentes combinações de
capacidades.15
O que é exatamente a comensurabilidade? Dois objetos distintos podem ser considerados
comensuráveis se são mensuráveis em unidades comuns (como dois copos de leite). A
incomensurabilidade está presente quando várias dimensões de valor são irredutíveis umas às outras.
No contexto da avaliação de uma escolha, a comensurabilidade requer que, na avaliação de seus
resultados, possamos ver os valores de todos os resultados relevantes em exatamente uma dimensão —
medindo o significado de todos os resultados distintos em uma escala comum —, de modo que para
decidir o que seria melhor fazer não precisemos ir além de “contar” o valor total nessa métrica
homogênea. Dado que os resultados são todos reduzidos a uma dimensão, só precisamos verificar o
quanto de “uma única coisa boa”, à qual cada valor é reduzido, cada respectiva opção fornece.
Decerto não é provável que tenhamos mais problemas para escolher entre duas alternativas: cada
uma das quais oferece exatamente a mesma coisa boa, mas uma oferece mais do que a outra.
Concordamos que esse seja um caso trivial, mas a crença de que sempre que o problema de escolha não
for tão trivial teremos “muita dificuldade” para decidir o que devemos sensatamente fazer parece
particularmente fraca (é tentador perguntar, quão “caprichoso” você pode chegar a ser?). Com efeito, se
a contagem de um conjunto de números reais é tudo o que poderíamos fazer para raciocinar sobre o
que escolher, então não haveria muitas opções que pudéssemos escolher de forma sensata e inteligente.
Se estivermos decidindo entre a compra de diferentes cestas de mercadorias, ou escolhendo o que
fazer em um feriado, ou decidindo em quem votar em uma eleição, estaremos inescapavelmente
envolvidos em avaliar as alternativas com aspectos incomensuráveis. Qualquer pessoa que tenha ido às
compras sabe que tem de escolher entre os objetos não comensuráveis — as mangas não podem ser
medidas em unidades de maçãs, nem o açúcar ser reduzido a unidades de sabão (apesar de eu ter
ouvido alguns pais me dizerem que o mundo seria muito melhor se fosse assim). A
incomensurabilidade dificilmente constitui uma descoberta notável no mundo em que vivemos. E não
precisa, por si só, tornar muito difícil fazer escolhas sensatas.
Por exemplo, submeter-se a uma cirurgia e desfrutar de uma visita a um país estrangeiro são duas
realizações nada comensuráveis, mas uma pessoa pode não ter muito problema em decidir qual seria a
mais valiosa em sua situação, e esse juízo pode naturalmente variar de acordo com o que ela sabe sobre
seu estado de saúde e quais são seus outros interesses. Às vezes a escolha e a ponderação podem ser
difíceis, mas não há aqui nenhuma impossibilidade geral de fazer escolhas arrazoadas baseadas em
combinações de objetos diversos.
Fazer escolhas com recompensas incomensuráveis é como falar em prosa. Em geral, não é
particularmente difícil falar em prosa (mesmo que M. Jourdain em O burguês fidalgo, de Molière,
pudesse se maravilhar com nossa destreza para realizar uma façanha tão exigente). Mas isso não nega o
reconhecimento de que falar pode às vezes ser muito difícil, não porque se expressar em prosa seja, por
si só, árduo, mas porque essa fala fica difícil, por exemplo, quando somos arrebatados pelas emoções. A
presença de resultados incomensuráveis apenas indica que as decisões envolvendo alternativas não
serão triviais (redutível apenas a contar os “mais” e os “menos”), mas não indica, de forma alguma, que
seja impossível — ou mesmo que deva sempre ser particularmente difícil.

valoração e argumentação pública


A avaliação refletida demanda raciocínio sobre a importância relativa, e não apenas contando. Esse é
um exercício no qual estamos constantemente envolvidos. A esse entendimento geral é preciso
adicionar a eventual importância do exercício da razão pública como forma de estender o alcance e a
con​fiabilidade das valorações e de torná-las mais robustas. A necessidade de análise e avaliação crítica
não é apenas uma exigência de avaliação autocentrada por parte de indivíduos isolados, mas um
indicador da fecundidade do debate público e da argumentação pública interativa: as avaliações sociais
podem carecer de informações úteis e bons argumentos se forem inteiramente baseadas em reflexões
solitárias. A discussão pública e a deliberação podem levar a uma melhor compreensão do papel, do
alcance e do significado de funcionamentos específicos e suas combinações.
Para ilustrar, o debate público sobre as desigualdades de gênero na Índia ajudou a destacar, nos
últimos anos, a importância de certas liberdades que antes não recebiam conhecimento adequado.j Os
exemplos incluem a liberdade para se afastar dos papéis familiares fixos e antigos que limitam as
oportunidades sociais e econômicas das mulheres, e também um sistema de valores sociais mais
voltados para reconhecer as privações dos homens do que as das mulheres. Esses antecedentes
tradicionais da desigualdade de gênero em sociedades bem estabelecidas e dominadas pelos homens
exigem não apenas considerações individuais, mas também discussões públicas informativas e, muitas
vezes, campanhas de opinião pública.
É importante enfatizar a conexão entre a argumentação pública e a escolha e ponderação das
capacidades na avaliação social. Essa conexão também chama a atenção para o caráter absurdo do
argumento, por vezes apresentado, que afirma que a abordagem das capacidades seria utilizável — e
“operacional” — apenas se fosse acompanhada por um conjunto de pesos relativos “dados” sobre os
diferentes funcionamentos em alguma lista fixa de capacidades relevantes. A busca de pesos dados ou
predeterminados não só carece de fundamentação conceitual, mas também ignora o fato de que as
valorações e os pesos a serem utilizados podem ser razoavelmente influenciados por nossa própria e
contínua análise e pelo alcance da discussão pública.k Seria difícil conciliar esse entendimento com o
uso inflexível de alguns pesos predeterminados de uma forma não contingente.l
Pode ocorrer, é claro, que o acordo baseado nos pesos relativos a serem utilizados esteja longe de ser
completo, e então teremos uma boa razão para usar faixas de pesos relativos sobre as quais podemos
chegar a algum acordo. Isso não precisa perturbar fatalmente a avaliação da injustiça ou a elaboração de
políticas públicas, por razões que já foram discutidas neste livro (a partir da Introdução). Por exemplo,
para mostrar que a escravidão reduz severamente a liberdade dos escravos, ou que a ausência de
qualquer garantia de atendimento médico restringe nossas oportunidades substantivas de vida, ou que
a desnutrição grave de crianças, que causa agonia imediata, bem como subdesenvolvimento das
capacidades cognitivas, incluindo a redução da habilidade de raciocinar, são prejudiciais à justiça, nós
não precisamos de um conjunto único de pesos relativos sobre as diferentes dimensões envolvidas
nesses julgamentos. Uma ampla gama de pesos relativos não totalmente congruentes poderia produzir
semelhantes orientações fundamentais.m
A abordagem das capacidades é inteiramente consistente com uma confiança em ordenações parciais
e acordos limitados, cuja importância tem sido enfatizada ao longo deste trabalho. A principal tarefa é
acertarmos nos juízos comparativos que podem ser formulados através da argumentação pessoal e
pública, em vez de nos sentirmos compelidos a opinar sobre todas as comparações que poderiam ser
consideradas.

capacidades, indivíduos e comunidades


Passo agora à terceira das complicações identificadas acima. As capacidades são vistas sobretudo
como atributos das pessoas, não das coletividades, assim como das comunidades. Naturalmente, não há
maior dificuldade em pensar nas capacidades dos grupos. Por exemplo, se considerarmos a habilidade
da Austrália para vencer todos os outros países que jogam críquete em confrontos de teste (assim como
as coisas pareciam quando comecei a escrever este livro, mas talvez não mais), o objeto da discussão é a
capacidade da equipe de críquete australiana, não de qualquer jogador de críquete australiano em
particular. As considerações de justiça não deveriam levar em conta as capacidades desses grupos, além
das capacidades individuais?
De fato, alguns críticos da abordagem das capacidades têm visto na concentração sobre as
capacidades das pessoas a influência maligna do chamado — não é um elogio — “individualismo
metodológico”. Começo discutindo, em primeiro lugar, por que identificar a abordagem das
capacidades como individualismo metodológico seria um erro significativo. Mesmo que o chamado
individualismo metodológico tenha sido definido de muitas maneiras diferen​tes,n Frances Stewart e
Séverine Deneulin focam na crença de que “todos os fenômenos sociais devem ser explicados com
relação àquilo que os indivíduos pensam, escolhem e fazem”.16 Sem dúvida, tem havido escolas de
pensamento baseadas no pensamento, na escolha e na ação individuais, independentemente da
sociedade em que ocorrem. Mas a abordagem das capacidades não só não supõe tal separação como seu
interesse nas aptidões das pessoas para viver o tipo de vida que elas têm razão para valorizar traz
influências sociais, tanto com relação ao que elas valorizam (por exemplo, “tomar parte na vida da
comunidade”) quanto com relação às influências que atuam sobre seus valores (por exemplo, a
relevância do exercício da razão pública na avaliação individual).
É difícil então imaginar convincentemente como as pessoas na sociedade podem pensar, escolher ou
agir sem ser influenciadas de uma maneira ou de outra pela natureza e pelo funcionamento do mundo
a seu redor. Se, por exemplo, as mulheres nas sociedades tradicionalmente machistas vierem a aceitar
que sua posição de mulheres tem de ser institucionalmente inferior à dos homens, então esse ponto de
vista — partilhado por toda mulher sob influência social — não é, de modo algum, independente das
condições sociais.o Ao buscar uma rejeição fundamentada dessa presunção, a perspectiva da capacidade
exige um maior compromisso público com esse assunto. Efetivamente, toda a abordagem do
“espectador imparcial”, no qual se inspira o ponto de vista desenvolvido neste trabalho, enfoca a
relevância da sociedade — e das pessoas próximas e distantes — no exercício valorativo dos indivíduos.
Os usos da abordagem das capacidades (por exemplo, em meu livro Desenvolvimento como liberdade,
de 1999) têm recusado, de forma bastante inequívoca, a suposição de qualquer tipo de visão que
considere as pessoas como separadas da sociedade que as rodeia.
Talvez a má interpretação dessa crítica decorra de sua falta de vontade de distinguir adequadamente
entre as características dos indivíduos usadas na abordagem das capacidades e as influências sociais que
atuam sobre eles. Nesse sentido, a crítica se detém muito cedo. Levar em conta o papel de “pensar,
escolher e fazer” por parte dos indivíduos é apenas o começo do reconhecimento do que realmente
acontece (é claro que como indivíduos pensamos sobre questões, fazemos escolhas e agimos), mas não
podemos acabar por aí, sem uma apreciação da profunda e pervasiva influência da sociedade em nosso
“pensar, escolher e fazer”. Quando alguém pensa, escolhe e faz algo, certamente é essa pessoa — e não
outra — quem está fazendo tais coisas. Mas seria difícil compreender como e por que ela realiza essas
atividades sem alguma compreensão de suas relações sociais.
A questão básica foi colocada com admirável clareza e alcance por Karl Marx há mais de um século e
meio: “O que deve ser evitado acima de tudo é o restabelecimento da ‘sociedade’ como uma abstração
vis-à-vis o indivíduo”.17 A presença de indivíduos que pensam, escolhem e agem — uma realidade
manifesta no mundo — não faz com que uma abordagem seja metodologicamente individualista. A
ilegítima invocação da presunção de independência dos pensamentos e ações das pessoas com relação à
sociedade é que introduziria a temida fera na sala de estar.
Embora seja difícil sustentar a acusação de individualismo metodológico, caberia obviamente
perguntar: por que restringir as capacidades relevantes que são consideradas valiosas, apenas as
individuais, e não as grupais? De fato não há nenhuma razão analítica em particular pela qual as
capacidades dos grupos — a força militar da nação norte-americana ou as habilidades para jogar dos
chineses — devam ser excluídas a priori dos discursos sobre a justiça e a injustiça em suas respectivas
sociedades ou no mundo. O argumento para não ir nessa direção repousa na natureza do raciocínio que
estaria envolvido.
Como os grupos não pensam no mesmo sentido óbvio que os indivíduos, a importância das
capacidades dos grupos tenderia a ser entendida, por razões suficientemente claras, com relação ao
valor que os membros do grupo (ou outras pessoas) atribuem à competência desse grupo. Em última
análise, é à valoração individual que temos de recorrer, reconhecendo ao mesmo tempo a profunda
interdependência das valorações dos indivíduos que interagem. A valoração implicada tenderia a ser
baseada na importância que as pessoas atribuem à aptidão de fazer certas coisas em colaboração com os
outros.p Na valoração da aptidão de uma pessoa para participar na vida da sociedade, atribui-se
implicitamente valor à própria vida da sociedade, e isso é um aspecto bastante importante da
perspectiva da capacidade.q
Há também uma segunda questão que é relevante aqui. Uma pessoa pertence a vários grupos
diferentes (de gênero, classe, linguagem, profissão, nacionalidade, comunidade, raça, religião, e assim
por diante), e vê-la apenas como membro de um grupo particular seria uma negação grave da liberdade
de cada um para decidir exatamente como ver a si próprio. A crescente tendência a ver as pessoas como
uma “identidade” dominante (“este é seu dever como americano”, “você tem de cometer esses atos
como muçulmano” ou “como chinês você deve dar prioridade a este compromisso nacional”) não é
apenas a imposição de uma prioridade externa e arbitrária, mas também a negação da importante
liberdade de uma pessoa que pode decidir sobre suas respectivas lealdades a diferentes grupos (a todos
os quais ela pertence).
Casualmente, uma das primeiras advertências contra a ignorância da múl​tipla afiliação dos
indivíduos a diferentes grupos veio de Karl Marx. Marx assinalou, em sua Crítica do programa de
Gotha, a necessidade de irmos além da análise de classe mesmo quando apreciamos sua relevância
social (um tema sobre o qual ele tinha naturalmente feito grandes contribuições):
os indivíduos desiguais (e não haveria indivíduos diferentes se não fossem desiguais) só são mensuráveis por uma norma de igualdade,
na medida em que sejam colocados sob um ponto de vista igual, sejam considerados sob um só aspecto definido; por exemplo, no caso
em questão, são vistos apenas como trabalhadores, e nada mais se vê neles, todo o resto sendo ignorado.18

Acredito que essa advertência contra a visão de alguém como mero membro de um grupo ao qual
pertence (Marx protestava aqui contra o Programa de Gotha, do Partido Operário Alemão, que
considerava os trabalhadores “apenas como trabalhadores”) é particularmente importante no atual
clima intelectual em que os indivíduos tendem a ser identificados como pertencentes a uma só categoria
social com exclusão de todas as outras (“nada mais se vê neles”), como um muçulmano ou cristão ou
hindu, um árabe ou judeu, um hutu ou tutsi, ou um membro da civilização ocidental (quer a vejamos
inevitavelmente em choque com outras civilizações ou não). Os seres humanos individuais, com suas
diversas identidades plurais, suas múltiplas filiações e suas diversas associações são criaturas
essencialmente sociais, com diferentes tipos de interações sociais. As propostas para ver uma pessoa
apenas como membro de um grupo social tendem a basear-se em uma compreensão inadequada da
amplitude e complexidade de qualquer sociedade no mundo.r

desenvolvimento sustentável e meio ambiente


Concluo esta discussão sobre a relevância da liberdade e as capacidades com um exemplo prático
referente ao desenvolvimento sustentável. A amea​ça que o meio ambiente enfrenta hoje foi justamente
salientada em discussões recentes, mas há necessidade de clareza para decidir como pensar sobre os
desafios ambientais do mundo contemporâneo. Concentrar-se na qualidade de vida pode ajudar nesse
entendimento, e não só lançar luz sobre as exigências do desenvolvimento sustentável, mas também
sobre o conteúdo e a relevância do que podemos identificar como “questões ambientais”.
O meio ambiente é visto algumas vezes (creio que de forma excessivamente simplista) como o
“estado de natureza”, incluindo magnitudes como a extensão da cobertura florestal, a profundidade do
lençol freático, o número de espécies viventes, e assim por diante. Na medida em que se supõe que essa

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