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03/10 - Justiça

“A justiça requer que nós tratemos as pessoas equitativamente, de acordo com os


méritos de suas ações particulares”

● Nesta aula, além de conhecer a teoria de justiça de Rawls (justiça social /


justiça distributiva), iremos explorar o sentido do ‘bom’/ ‘correto’ e as
diferentes escolhas eticamente ‘corretas’ que seguem das várias definições
de ‘bom’, de acordo com cada teoria individual da ética normativa.

Argumentação moral - lembrete


● Um argumento moral é um argumento cuja conclusão afirma que algo é
moralmente bom ou moralmente ruim. Valores são frequentemente
pressupostos em argumentos de maneira implícita, e não declarados
explicitamente. A forma padrão de um argumento moral é a seguinte:
○ (1) Ação A possui a caraterística X.
○ (2) É moralmente bom/ruim empreender ações com caraterística X.
○ Portanto
○ (3) H deve/não deve fazer A.
● Pensadores do consequencialismo e da deontologia tendem a pensar que a
avaliação das ações é mais fundamental do que a avaliação das pessoas,
enquanto os eticistas da virtude acham que a avaliação moral das pessoas é
mais importante do que a avaliação moral das ações.
● “Se refletirmos sobre como determinamos nossos deveres absolutos em
situações morais concretas, e sobre a natureza dos vários tipos de ações que
apreendemos para serem moralmente importantes e constituírem as bases
de nossas obrigações, descobrimos que existem quatro fundamentos gerais
e irredutíveis de obrigações - promoção do bem, justiça, respeito às
pessoas e honestidade. Estes constituem fundamentos prima facie no
sentido de que implementar uma ação, seja de um ou de outro tipo (i.e. de
promover o bem, a justiça, o respeito pelas pessoas ou a honestidade), não é
uma questão de escolher ou não o eticamente correto, mas garante que essa
seja a ação que a pessoa é obrigada a cumprir prima facie, e que, na
ausência de obrigações prima facie conflitantes, a pessoa é absolutamente
obrigada a cumprir. Quando há deveres prima facie conflitantes, a
determinação de nosso dever absoluto envolve a ponderação desses vários
deveres prima facie, junto com quaisquer deveres resultantes aos quais eles
dão origem, uns contra os outros, estimando o rigor / peso / importância /
prioridade de cada um, e o rigor / peso / importância / prioridade de cada um
dos vários deveres resultantes que podem surgir se um ou outro dos deveres
prima facie não for cumprido. Isso significa que a identificação do nosso
dever numa situação prática concreta é muitas vezes difícil e
consequentemente podemos, apesar de todos os nossos esforços ao
contrário, chegar a uma falsa conclusão sobre o nosso dever.”

Metaética - a definição de “bom”

● Ética normativa e metaética


○ “A ética, como saber filosófico, pode ser dividida, seguindo uma
determinada orientação conceituaI, em dois grandes ramos: a ética
normativa e a metaética. Enquanto a ética normativa se detém no
estudo histórico-filosófico ou conceituaI da moralidade, ou seja, das
normas morais espalhadas pela sociedade, praticadas ou não, a
metaética se propõe a ser uma investigação do tipo epistemológico,
ou seja, uma avaliação das condições de possibilidade de qualquer
estudo ou proposta teórica ética. Se a ética normativa estuda as
normas sociais, se detendo sobre a moralidade positiva, a metaética
estuda e avalia a ética normativa.” (Bittar 2017)
■ O "bom" é o nome de uma propriedade consequente, o "correto"
está definido como uma escolha moralmente adequada, e as
obrigações morais são as que nos impõem de agir de acordo
com os fatos que apreendemos como constituírem razões
morais e que nos impelem a agir. Após uma análise metaética,
rejeitam-se, como teorias insatisfatórias, as teorias de ética
normativa (as teorias utilitárias, kantianas e do direito natural de
Tomás d’Aquino), e em seu lugar propõe-se uma teoria de
pluralidade de bens intrínsecos e de princípios de obrigação
prima facie ...”
Comentário final

A diferença fundamental entre as várias formas consideradas de ética normativa


(ex. utilitarismo ou deontologia, entre outras) e a adoção de princípios prima facie é
que, no caso das éticas normativas, o ponto de partida é a definição (arbitrária) do
que constitui o bom. A partir daí, é derivada a ação eticamente adequada que se
deveria seguir obrigatóriamente. Em contraste, os princípios prima facie são
obrigações éticas presuntivas (presumidamente corretas) que não passam pela
definição (arbitrária) do que é o bom.

Pandemia e Rawls

● Não sei se entendi muito bem, mas acredito que seja sobre proteger os mais
vulneráveis (prioritariamente) e proteger uns aos outros
● O conceito apresentado pelo filósofo John Rawls a respeito de justiça é uma
concepção de justiça como equidade e com leve teor do contratualismo do
século XVII, para Rawls o conceito de justiça como equidade trata-se de uma
posição original de igualdade que corresponde ao estado de natureza na
teoria tradicional do contrato social.
● Os princípios da justiça são escolhidos sob um véu de ignorância, isso
garantia que nenhuma pessoa, ou melhor, nenhum pactuante, seja
favorecido ou desfavorecido na escolhas dos princípios pelo resultado do
acaso natural ou pela contingência de circunstâncias sociais
○ Isso explica o propriedade da frase “justiça como equidade”: ela
transmite a idéia de que os princípios da justiça são acordados numa
situação inicial que é eqüitativa. A frase não significa que os conceitos
de justiça e equidade sejam a mesma coisa, assim como a frase
“poesia como metáfora” não significa que os conceitos de justiça e
metáfora sejam a mesma coisa

Negócio é negócio

● Kant diz que leis justas surgem de um contrato social, mas que não é um
contrato real.
○ Ele afirma que o contrato que gera justiça é a ideia da razão
■ Porém, as leis geradas não necessariamente seriam justas, já
que os envolvidos tem poderes de argumentação diferentes
● Rawls: é um crítico do utilitarismo (assim como Kant) e os princípios da
justiça, se compreendidos corretamente, variam de um contrato hipotético
(não real)
○ Véu da ignorância: O caminho para chegar aos direitos básicos que
devemos respeitar é nos reunirmos numa tentativa de escolher os
princípios que governarão nossas vidas coletivas sem conhecer os
fatos sobre nós mesmos
■ O que assegura a equidade é ignorar os fatos individuais sobre
quem nós somos
■ Os princípios elaborados seriam princípios justos
● Quando fazemos um contrato, temos uma obrigação autoimposta e isso
carrega um valor moral
○ Contratos reais tem uma ideia de reciprocidade (benefício mútuo)
■ Mas o fato das partes envolvidas concordarem com o contrato
não significa que ele é justo

■ A existência de um contrato não basta para estabelecer a
justiça de seus termos
● Contratos por reciprocidade (benefício) e contratos por consentimento
○ Contratos reais dependem de autonomia e reciprocidade
● Para Rawls, o único jeito de pensar em princípios da justiça é através de um
contrato hipotético em igualdade de condições.

O que é um bom começo?


● Rejeição do utilitarismo: o utilitarismo é rejeitado pois, assim que o véu da
ignorância é levantado, a minoria deseja ter suas liberdades respeitadas
● Princípio da diferença: as desigualdades econômicas e sociais só serão
permitidas se trabalharem para beneficiar os menos favorecidos
○ Com isso, a desigualdade seria permitida, desde que pudesse auxiliar
os mais pobres.
● Meritocracia: mesmo que todos comecemos no mesmo ponto de largada,
possuímos talentos naturais que afetaram se “venceremos a corrida'', ou
seja, não existe meritocracia pura.
○ As pessoas mais talentosas devem utilizar seus talentos para ajudar
os desfavorecidos.

Interessados Justiça Egoísmo

Governo Através de uma Não é possível fazer


perspectiva Rawlsiana, é considerações sobre o
preciso ter em mente o tópico “egoísmo” em se
princípio dos direitos e tratando do governo, visto
liberdades básicas iguais que, idealmente, este
para todos os cidadãos, serviria como um
evitando tentativas da representante dos
maximização do “bem- interesses da população.
estar geral” (como era Todavia, como na prática
pregado pelo utilitarismo as coisas são diferentes
universalista). Destaca-se do que na teoria, o
aqui que esses dinheiros interesse egoísta do
e liberdades não podem governo pode ser
ser sobrepujados por representado como
quaisquer benefícios medidas para se manter
econômicos. Ademais, no poder, apoiando o
também levanta-se o interessado que mais lhe
princípio da diferença, no daria sucesso em uma
qual algumas disputa eleitoral, por
desigualdades sociais e exemplo.
econômicas podem ser
toleradas, desde que
sejam “revertidas” como
auxílio aos menos
favorecidos.

Com isso, seguidos tais


princípios, o governo não
deveria permitir a
exploração da floresta,
visto que os direitos
básicos de habitação de
povos indígenas e
manutenção do seu modo
de vida e cultura seriam
afetados negativamente
em prol do crescimento
econômico. Ademais, a
decisão pela exploração
também prejudicaria os
pecuaristas e pequenos
agricultores, cujos modos
de vida estão intimamente
relacionados com tal
localidade.

Empresa de agrotóxicos De forma a entrar em A empresa de agrotóxicos


consonância com os deseja maximizar seu
princípios da justiça de próprio lucro,
Rawl, a empresa de independentemente dos
agrotóxicos deveria interesses de outros
amenizar (ou, ainda, agentes. Sendo assim, a
interromper) suas ações ampliação do uso de
na floresta tropical. Em agrotóxicos não levará
relação ao princípio da em conta o prejuízo
igualdade de direitos e ambiental gerado
liberdades básicas para (pensando em termos de
todos os cidadãos, tem-se conservação e
o direito à saúde violado biodiversidade). Ademais,
quando a empresa de também serão ignorados
agrotóxicos passa a os malefícios causados à
atuar, visto que, embora saúde humana (pelos
tais agentes químicos agrotóxicos) na geração
sejam efetivos em atuar presente e futura.
no controle de pragas
agrícolas, também afeta
(e muito) negativamente a
saúde humana,
prejudicando, assim, um
dos direitos básicos de
cada indivíduo. Ademais,
agora tendo em mente o
princípio da diferença, a
ampliação da empresa de
agrotóxicos e,
consequentemente,
aumento de seu próprio
lucro, acabaria por
aumentar as
desigualdades
econômicas sem,
necessariamente, revertê-
las em auxílio aos
desfavorecidos. Com
isso, há violação de dois
princípios básicos
rawlsianos, categorizando
uma ação injusta.

Povo indígena Se analisado sob uma Manutenção dos seus


perspectiva que leva em hábitos, valores, espaço,
consideração fatores cultura e modo de vida,
como poder de barganha, independentemente se a
vulnerabilidade social e exploração da floresta
ser caracterizado como poderia gerar riqueza
uma minoria étnica e para o país e melhorar a
cultural, o povo indígena qualidade de vida de
pode ser considerado outras pessoas. Aqui,
como constituinte da base cabe destacar que,
da pirâmide dos indiretamente, os povos
interessados listados, indígenas podem atuar
com isso, seguindo os como “representantes” do
princípios propostos por meio ambiente, visto que
Rawl, é preciso que os a manutenção do modo
direitos do povo indígena de vida indígena implica
sejam preservados. na preservação do
Ademais, por estarem ambiente em que vivem,
sujeitos a desigualdades isto é, a floresta.
econômicas e sociais, os
indígenas devem ser
amparados para que os
ideais de justiça sejam
concretizados. Portanto, é
preciso preservar o
ambiente florestal, de
modo a assegurar a plena
manutenção do modo de
vida indígena.

Pecuarista Aqui, a análise é Manutenção do seu


semelhante àquela em próprio modo de vida, ou,
relação ao povo indígena. ainda, ampliar a
De acordo com o princípio qualidade desse modo de
da igualdade dos direitos vida. A melhora na
e liberdades básicas, a qualidade seria
não-exploração da proveniente do maior uso
floresta é algo importante do espaço para criação
para que o pecuarista de gado (ou outros tipos
mantenha seu próprio de animais), de modo a
modo de vida, isto é, maximizar sua produção
criando e manejando e, consequentemente,
gado e, com o lucro seu lucro. O lucro, por
obtido, sane suas sua vez, seria revertido
necessidades básicas e em satisfação de suas
viva de um modo necessidades e desejos.
confortável; a exploração Desse modo, o pecuarista
da floresta afetaria de atuaria contra os
modo prejudicial esse interesses dos demais
modo de vida, forçando agentes, de forma a
os pecuaristas a se tomar o espaço para si.
adaptarem e, com isso,
haveria a violação do
primeiro princípio de
Rawl.

Por sua vez, também há o


cenário de não-
exploração da floresta por
terceiros, mas sim pelos
próprios pecuaristas, isto
é, estes acabariam por
ampliar o espaço utilizado
para a criação de gado e,
consequentemente,
aumentariam seu lucro.
Caso o lucro fosse
revertido de modo
egoísta, ou seja, em prol
de itens além de suas
necessidades (de forma a
aumentar desigualdades
econômicas com outros
interessados), a ação
seria injusta por violar o
princípio da diferença

Pequeno agricultor Análise praticamente Manutenção do seu


idêntica ao do pecuarista. próprio modo de vida, ou,
É necessário que o ainda, ampliação na
pequeno agricultor qualidade desse modo de
disponha de espaço para vida. A melhora na
que mantenha seu modo qualidade de vida seria
de vida (direitos e oriunda do aumento da
liberdades básicas para produção, ou seja, o
todos). Porém, para que a excedente daquilo que foi
justiça Rawlsiana seja utilizado para
estabelecida, é subsistência seria
necessário que os lucros vendido, de modo a obter
que ultrapassem suas lucros e investir em suas
necessidades sejam necessidades e desejos.
utilizados como meio de Com isso, o pequeno
auxiliar os produtor seria contra o
desfavorecidos, sem uso do espaço pelos
amplificar as demais interessados, já
desigualdades (princípio que o espaço está
da diferença). diretamente atrelado com
o uso da terra para
produção.

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