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MOREIRA, A.; SANTIAGO, F.; SILVA NETO, F.

Comunidade e
Democracia – Robert Putnam. Espaço Público, v. 2, p. 135-140, dez.
2018.

Comunidade e Democracia
Robert Putnam

(RESENHA)
Vista do CFCH, Campus da UFPE.
Homenagem aos 70 anos de fundação da
Faculdade de Filosofia de Pernambuco,
ideia embrionária do atual Centro de
Filosofia e Ciências Humanas.
Fonte: Repositório Institucional.

Na obra “Comunidade e Democracia”, Robert Putnam,


a partir da perspectiva do institucionalismo histórico,
propõem uma reflexão sobre o desempenho de algumas
instituições democráticas e sua relação com a
participação ou não da comunidade cívica. Na pesquisa,
o autor considera a influência exercida pelas
instituições formais no comportamento dos governos e
nas suas práticas políticas, a ponto de interferir na
formação da identidade, no exercício do poder e no
planejamento estratégico da política. Ressalta-se,
também, o estudo da vida cívica e sua relação com a
qualidade da democracia.
É importante destacar, outrossim, a forma como
a história deixa sua marca, corporificando as
instituições, moldando-as com as necessidades de cada
contexto social, econômico e político. Em sua obra, o
autor procura responder indagações importantes que
desmistificam o caminho para o alcance da qualidade
democrática. As investigações da pesquisa de Robert
Putnam iniciaram em 1970 e foram realizadas em 20
regiões italianas, no momento de várias reformas
institucionais. Empregando o método empírico, foram
observadas e analisadas as mudanças e as experiências
da reforma institucional na Itália, com o objetivo de
MOREIRA, Alex Carvalho validar duas hipóteses: 1- As instituições moldam a
SANTIAGO, Fagner Stwart
SILVA NETO, Francisco Ângelo política; 2- As instituições são moldadas pela história.
Essas duas hipóteses mostram exatamente a proposta trazida pelo novo institucionalismo
sobre as influências das instituições no ambiente político e social. Lins e Domingos (2016, p. 3)
afirmar que, “a proposta trazida pelo novo institucionalismo diz respeito às influências que as
instituições produzem nos resultados político-sociais interagindo com (1) a história, (2) os indivíduos
que fazem parte da instituições e (3) a racionalidade humana”. Para o autor, essas questões são
fundamentais na compreensão acerca do bom ou mal desempenho de alguns governos democráticos.
Ademais, considera variáveis como: a influência das instituições formais nas práticas da política e do
governo; o contexto social, econômico e cultural; e a qualidade dos cidadãos para determinar a
qualidade da democracia.
Putnam, iniciou o seu trabalho percorrendo a Itália, de Seveso, no Norte, a Pietrapertosa, no
Sul, passando por importantes cidades como Milão, Bolonha, Florença, Roma e Nápoles. Durante a
viagem, o autor constatou que no início da década de 1970, a responsabilidade pelas questões de
saúde, bem-estar público e outros interesses da população italiana haviam sido transferida da
administração central do país para os governos regionais recém-criados, representando uma
descentralização das demandas e uma importante prática na administração do país. Desse ponto, foi
possível acompanhar a evolução dessas instituições regionais emergentes, buscando analisar o seu
desempenho institucional no tocante aos assuntos econômicos, sociais, culturais e políticos.
Nessa viagem exploratória, Putnam almejou descobrir as condições necessárias para se criar
instituições fortes, responsáveis, eficazes e com capacidade de promover a qualidade democrática
para população. Nessa perspectiva, as regiões da Itália passaram por transformações e estavam no
contexto perfeito para o estudo sobre o nascimento e o desenvolvimento de novas formas de governo.
O método de investigação utilizado envolveu técnicas qualitativas, quantitativas e análises
estatísticas, as quais foram essenciais no resultado do estudo. Além disso, foram realizadas
comparações simultâneas entre as 20 regiões italianas, considerando vários aspectos e utilizando
técnicas como a de regressão múltipla e a análise fatorial.
No segundo capítulo, Putnam analisa se as mudanças nas instituições formais produzem
mudanças no comportamento político das regiões. Para tanto, estuda a criação das novas instituições
e sua evolução durante os primeiros 20 anos. A Itália possuía uma extrema centralização política e
administrativa, localizada na cidade de Roma, onde as altas autoridades locais eram designadas pelo
Governo Nacional. Os prefeitos, além de governar localmente, conciliavam as tradicionais as elites
locais. O sistema clientelista, pois, tornou-se uma forma de minimizar a centralização administrativa
da época.
A criação do governo regional se deparou com fortes obstáculos de ordem cultural e política,
sofrendo grandes resistências dos grupos conservadores, defensores da centralização do governo.
Neste período, houve a aprovação e publicação da nova constituição, estabelecendo eleições diretas.
Porém, é perceptível a exclusão da maioria da população na nova constituição. Outro marco
importante, após mais de duas décadas de lutas, ocorreu com a publicação de leis, aprovando
orçamentos regionais e instituindo eleições para conselheiros regionais, os quais foram eleitos em
1970. Acreditava-se que o governo regional poderia acelerar o desenvolvimento social e econômico
visando reduzir as desigualdades regionais. Entretanto, foram necessários mais de dois anos para que
o governo central sancionasse decretos transferindo poderes, recursos e funcionários para as regiões,
possibilitando, maior autonomia. Com isso, postos administrativos foram criados, havendo
considerável aumento nos recursos disponíveis (entre os anos de 1970 e 1980).
A maioria das regiões adotavam uma política distributiva, enquanto outras, realizavam
reformas importantes em áreas como planejamento urbano, ambiental, serviço social e saúde. O cargo
de conselheiro regional tornou-se uma passagem do político amador para o político profissional. O
conselho regional passou a ser reconhecido como um campo de atuação para políticos profissionais,
transformando a cultura política da elite. Segundo o autor, o desenvolvimento de uma instituição
humana não pode ser medida no curto prazo e o processo de evolução é dependente de fatores
socioeconômico. Nessa avaliação institucional, os 20 governos regionais italianos depararam-se com
o desafio de estabelecer critérios para definir o sucesso ou o fracasso de uma instituição pública.
O ritmo das mudanças foi lento, entretanto, há indícios de que a mudança regional influenciou
de forma significativa a política italiana. As novas instituições ganharam autonomia, com o apoio do
eleitorado, estando mais adaptadas às realidades regionais e mais acessíveis às demandas da região.
Entretanto, não é possível verificar uma maior eficiência administrativa, sendo necessário avaliar e
medir os seus resultados através de indicadores de desempenho institucional. Segundo Putnam, uma
avaliação adequada sobre o governo deve apresentar características como, abrangência, coerência,
confiabilidade e correspondência aos objetivos e aos critérios dos membros da instituição.
Para a avaliação, o autor examinou 12 indicadores de eficácia governamental nas 20 regiões,
verificando suas correlações e estabilidade ao longo do tempo e, ao final, comparou a avaliação por
região com a opinião dos eleitores e líderes comunitários italianos. Putnam, buscou entender a
continuidade administrativa, as deliberações sobre as políticas implementadas e a implementação das
políticas em cada governo regional, inclusive nas questões referentes à estabilidade da decisão,
efetividade de seu processo orçamentário e a eficácia de seu sistema de informação administrativa.
Durante o processo de avaliação do desempenho governamental, analisa-se sua percepção
quanto às necessidades sociais, propondo soluções adequadas, o que se denomina de sensibilidade ao
problema do eleitorado e a capacidade resolvê-lo de modo eficaz. O indicador visto de maneira
isolada não é suficiente para uma análise correta da região, porém, quando analisados de forma
conjunta os indicadores são uma poderosa ferramenta de avaliação. Os principais indicadores
utilizados pelo autor foram: estabilidade do gabinete, presteza orçamentária, serviços estatísticos e de
informação, legislação reformadora, inovação legislativa, creches, clínicas familiares, instrumentos
de política industrial, capacidade de efetuar gastos na agricultura, gastos com unidade sanitária local,
habitação e desenvolvimento urbano e sensibilidade da burocracia.
Na pesquisa, o autor percebe um maior êxito de alguns governos regionais em detrimento de
outros, denotando que em alguns casos houve maior eficiência nas atividades internas, criatividade,
inovações e maior eficácia na execução das políticas. Tais diferenças se mantiveram estáveis por mais
de 10 anos, tornando-se necessário compreender os motivos do mau desempenho de outras regiões e,
para tanto, o autor propõe duas possibilidades genéricas: a) modernidade socioeconômica, como
consequência da Revolução Industrial, que ocasionou o crescimento populacional, o aumento nos
níveis educacional, econômico e tecnológico, conforme se verifica na região norte da Itália; e, b)
comunidade cívica, como consequência da participação cívica nas questões públicas e a solidariedade
social da população, que ocasionam igualdade política, solidariedade, confiança, tolerância,
associações e cooperação.
O autor, aspirado pelas teorias republicanas do período renascentista e pelos novos
republicanos, representado por Jon Winthrop, coloca de forma bastante didática a forma da
contribuição cívica no desenvolvimento das instituições e discute tópicos como participação cívica,
igualdade política, solidariedade, confiança, tolerância, e nas associações identifica as estruturas
sociais de cooperação. No intuito de definir a atitude cívica, Putnam se apoia em Tocqueville, ao
considerar que os cidadãos devem buscar interesses próprios, mas sempre compartilhando do
interesse de outrem. Tal teoria, diverge do conceito de Michael Walzer, o qual considera que os
valores liberais provocam a dissociação da comunidade cívica. Todavia, os dois autores possuem
pontos comuns em suas teorias. A primeira questão refere-se à ideia de que a comunidade cívica pode
ser melhor observada em unidades descentralizadas de um país. A segunda, traz a ideia da existência
de associações como elemento importante para desenvolver o civismo numa comunidade.
Segundo Fernandes (2000), ambas as abordagens se complementam no sentido de mostrar
como a virtude cívica da coletividade pode produzir efeitos que elevam a qualidade democrática. O
estudo acerca do desempenho dos governos nas diferentes regiões italianas revelou, por um lado, a
importância da vida cívica nas práticas governamentais e no desenvolvimento político, social,
econômico regional e, por outro, a estagnação econômica e política de outras regiões devido à postura
autoritária e centralizadora.
Putnam, buscou entender a evolução da consciência política e o comportamento cívico das
regiões italianas, aprofundando suas pesquisas na história da formação das comunidades cívica desde
a Idade média. O legado cívico da Itália medieval, tem sua arquitetura formada na composição
geopolítica da Península Italiana, constituída por sucessivas oportunidades nos contextos sociais,
políticos e econômicos, dividida entre o norte e o sul. Os sistemas de governo imperialistas passaram
por vários momentos de crise que levaram a sua derrocada e essas experiências foram decisivas para
evolução do comportamento cívico e o surgimento de instituições fortes, que contribuíram para o
desenvolvimento socioeconômico da região.
Para Putnam, a unificação política italiana, no século XIX, foi um período decisivo na
construção do pensamento cívico, marcado pelas influências dos princípios da liberdade e igualdade
da revolução francesa e pelo crescimento das associações civis que ao longo do tempo evoluíram para
organizações de naturezas diversas, como cooperativas e sindicatos. Tais instituições foram a base
para o estabelecimento dos indicadores de ordem quantitativas com objetivos de identificar a relação
entre o desenvolvimento econômico e a incidência da comunidade cívica nas diferentes regiões da
Itália.
De acordo com a análise dos indicadores, é possível verificar a inexistência de relação, direta
ou inversa, entre o poder econômico e a capacidade cívica de uma região, constatando-se que as
diferenças das tradições cívicas entre o norte e sul se mantiveram equivalentes no aspecto econômico,
compreendendo que não é necessariamente a condição social e econômica que define o nível de
civismo do cidadão. Porém, observa-se que no último século as regiões com maior número de
associações, cooperativas e sindicatos apresentaram índices mais elevados de participação cívica e
essa condição favoreceu, ao longo do tempo, o desenvolvimento econômico das regiões, tornando os
governos mais eficazes.
Putnam, visando compreender porque a comunidade cívica no Norte detêm um círculo
virtuoso que favorece o desenvolvimento pleno da região, enquanto as regiões do Sul têm sua vida
coletiva atrofiada e, consequentemente, sofrem no ambiente desfavorecido de bem-estar social,
direciona seus estudos para o capital social e sua relação com as instituições públicas na tentativa de
explicar porque o capital social, integrado a sistemas horizontais de participação cívica, favorece o
desempenho do governo e da economia. Conclui-se, portanto, que o desempenho institucional está
associado ao comportamento da atividade cívica, a qual está ligada ao sistema de participação cívica
e como é construída ao longo da história. Os círculos virtuosos se configuram a partir de equilíbrios
sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivos,
tais características definem a comunidade cívica ideal que estimula a manutenção de instituições
públicas eficazes.
Referências
FERNANDES, Antônio Sérgio Araújo. A comunidade cívica em Walzer e Putnam. Lua Nova, n. 51,
p. 71-96, 2000.
LINS, Rodrigo; DOMINGOS, Amanda. Democracia e corrupção: uma análise das instituições
indianas. Latitude, v. 10, n. 1, p. 112-133, 2016.
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

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