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Prefácio 

A
​ ção Direta, uma etnografia 
Um  livro  deste  tamanho  não  é comum nos dias de hoje. Certamente não tinha sido meu 
plano  inicial.  Quando  decidi  começar  a  escrever  algumas  de  minhas  experiências  sobre  Ação 
Direta  sob  uma  perspectiva  etnográfica,  tinha  a  intenção  de  escrever  um  livro  mais  ou  menos 
curto.  Mas,  quanto  mais  escrevia,  mais  o  tema  parecia  se  desenvolver.  Percebi  que  estava 
diante  de  um  dilema  muito  comum  da  escrita  etnográfica:  questões  que  pareciam  simples  e 
óbvias  a  qualquer  um  que  tenha  passado  anos  entre  um  determinado  universo  cultural,  mas 
que  necessitam de muita didática para transmitir a alguém que não teve tais experiências. Algo 
parecido aconteceu comigo quando voltei à Chicago de minha pesquisa de dissertação, feita em 
Madagascar,  há  muitos  anos  atrás.  Lembro  que  me  preocupava  o  quanto  que  tinha  para falar. 
Senti  que  no  máximo  tinha  duas  ou  três  observações  interessantes  sobre  a  comunidade  que 
estava  estudando.  Então,  no  momento  em  que  comecei  a  escrever,  percebi  que  para  explicar 
todas  minhas  observações  a  alguém  que  não  era  de  uma  comunidade  rural  Malagasy, 
demandaria  pelo  menos  100  páginas.  Quando  terminei  de  escrever,  percebi,  também,  que  a 
maioria  dos  leitores  provavelmente  achariam  a  dissertação  mais  interessante  do que qualquer 
coisa que pensava ser “A questão principal”. 
Considere  este  livro,  portanto,  um  tributo  à  contínua  relevância da escrita etnográfica. 
Por  “Escrita  etnográfica”,  me  refiro  àquela  que  visa  descrever  os  contornos  de  um  universo 
social  e  conceitual,  de  modo  que  seja  teoricamente  atualizado,  mas  não,  em  si  mesmo, 
simplesmente  desenvolvido  para  defender  um  argumento  único  ou  teoria.  Houve  uma  época 
em  que  a  descrição  minuciosa  de  um  sistema  político,  cerimonial  ou  de  troca  na  África  ou  na 
Amazônia  era  considerada  uma  valiosa contribuição, em si mesma, ao conhecimento humano. 
Não  é  mais  o  caso.  Um  antropólogo  vindo  da  África  ou  Amazônia,  e  até  mesmo  de  algumas 
partes  da  Europa,  ainda  pode  se  livrar  de  escrever  tais  descrições.  Atualmente,  o  consenso 
acadêmico  nos  Estados  Unidos  (o  qual  um  jovem  estudante  seria  ingênuo  em  ignorar)  é  o  de 
que  seria  necessário  fazer  de  conta  de  que  os  relatos  etnográficos  de  alguém  são  realmente 
feitos  para  se  ter  uma  observação  mais abrangente. O que é realmente uma pena. Por um lado, 
acredito  que  limita  o  potencial  do  livro de sobreviver ao longo do tempo. Etnografias clássicas, 
afinal,  podem  ser  reinterpretadas.  Novas  etnografias- mesmo sendo engenhosas- dificilmente 
apresentam  materiais  suficientes  que  permitam uma possível releitura; e seu conteúdo tende a 
ser  precisamente  orientado  em  torno de um argumento específico ou catálogos de argumentos 
relacionados.  
Portanto,  aviso  ao  leitor:  Não  existe,  particularmente,  um  argumento  específico  neste 
livro-  a  não  ser  o  de  que  o  movimento  aqui  descrito  vale muito a pena ser estudado e refletido. 
Isto  não  significa  que  está  desprovido  de  argumentos  teóricos.  Faço  alguns  deles  ao  longo  do 
livro:  sejam  eles  sobre  o  papel  ideológico  de  grandes  e  extensos  objetos  de  estudo,  as 
implicações  políticas  da  palavra  “opinião”,  a  similaridade entre a escrita de notícias em jornais 
e  a  escrita  épica  de  Homero  ou  o  papel cosmológico da polícia na cultura Americana. O que faz 
deste  livro  um  trabalho  etnográfico  no  sentido  clássico  do  termo  é,  como  coloca  Franz  Boas, 
que  o  geral  está  a  serviço  do  particular-  exceto,  talvez,  às  reflexões  finais.  A  teoria  é  utilizada 
para  ajudar  na  tarefa  da  descrição.  Anarquistas  e  movimentos  de  Ação  Direta  não  estão  nas 
ruas  para  permitir  que  um  acadêmico  faça  um  apontamento  teórico  ou  para  dizer  que  uma 
teoria  rival  está  errada  (mais  do  que fazem a ideia de rituais de transe Balineses ou tecnologias 
de irrigação Andinas), e faz de mim um arrogante sugerir o contrário. 
Prefiro  pensar  que,  como  resultado,  o  interesse  neste  livro  pode  permanecer  não 
apenas  para  aqueles que, motivados por uma curiosidade histórica, desejam entender como foi 
estar  presente  nesses eventos, mas para perguntar as mesmas questões que os atores presentes 
nesses  movimentos  estavam  fazendo,  sobre  a  natureza  da  democracia,  autonomia  e  as 
possibilidades-  ou,  nesse  caso,  dilemas,  limitações-  de  estratégias  de  ações  políticas 
transformadoras. 

Um pouco de contexto histórico 


Bastante  tempo  se  passou  desde  os  corridos  anos  de  2000  e  2001,  para  que  se  comece, 
quem  sabe,  a  ver  aquele  momento  histórico  de  maneira  panorâmica.  Aquele  período,  me 
parece  claro,  foi  um  divisor  de  águas  para  o  Neoliberalismo  global.  Foram  naqueles  anos  nos 
quais  o  “Consenso  de  Washington”  dos  anos  90  foi  rompido. O que não tardou a acontecer. Na 
verdade,  é  a  evidência  da  efetividade  da  ação  direta,  que  levou  apenas  3  anos  de  grandes 
mobilizações populares, para que tivesse tamanha importância prática. 
Por  vezes,  é  difícil  ter  em  mente  hoje  em  dia,  como  era  viver  nos  dias  do  Consenso  de 
Washington.  Talvez  o  melhor  ponto  de  partida  seja  uma  contextualização,  para  permitir 
entender  por  que,  por  exemplo  a  rebelião  Zapatista  em  1994  serviu  como  catalisadora  de  um 
movimento  global  contra  o  neoliberalismo  que  emergia,  e  porque  o  movimento  veio  a  ter  a 
atuação que teve. 

A suspensão momentânea da história 


Os  anos  que  antecederam  o  aparecimento  do  movimento  Zapatista  em  Chiapas  para o mundo 
foram  talvez  os  piores  para  ser  um  revolucionário-  ou  melhor,  dedicado  aos  ideais  de 
esquerda-  com  memória  viva.  Não  foi  o  colapso  do  regime  Stalinista  desolador;  muitos  dos 
radicais  estavam  contentes  com  isso.  Desolador,  foi  o  que  aconteceu  depois.  Com  o  fim  do 
Stalinismo,  muitos  esperavam  o  renascimento  de  formas  mais  humanas  de  Marxismo.  Os 
social-democratas  acreditavam  que  tinham  finalmente  convencido  a  Esquerda  revolucionária 
e  tinham  a  expectativa  de  conduzir  os  antigos  sujeitos  do  bloco  Soviético  ao  seu  projeto;  uma 
expectativa  compreensível,  já  que,  quando  consultadas,  a  maioria  da  população  da  Europa 
Central  e  Oriental  afirmava  ter  a  economia  Sueca  como  modelo.  No  entanto,  tiveram  um 
choque de realidade tendo como resposta uma forma de capitalismo do mais selvagem. De toda 
forma,  o  mundo  parecia  caminhar  para  um  cenário  assustador.  A  imagem  romantizada  da 
guerrilha  insurreta,  que  cativou  tantas  mentes  nos  anos  60  ,  tornava-se  reduzida  em  uma 
paródia  grosseira.  Já  nos  anos  80,  a  Direita,  que  argumentava  por  anos  que  guerrilhas  no 
Vietnam,  Zimbabwe  ou  El  Salvador  não  eram  espontâneas,  mas  movimentos  criados  por 
ideologias  estrangeiras,  começaram  a  colocar  suas  próprias  teorias  em  prática,  com  as 
agências  de  inteligência  dos  EUA  e  África  do  Sul,  criando  células  contra  revolucionárias  ou 
RENAMO,  para  desestabilizar  regimes  de  Esquerda.  Ao  mesmo  tempo,  os  movimentos  de 
guerrilha  Marxista  existentes,  que  começaram  cheios  de  bons  discursos,  tornaram-se 
puramente  mafiosos,  exércitos  niilistas  sem  nenhuma  causa  em  sua  rebelião  (Aqueles  que 
levavam  o  ideal  da  transformação  social,  como  o  Sendero  Luminoso  no  Peru,  pareciam  bem 
piores).  Em  todo  lugar,  os  movimentos  de  libertação  se  transformavam  em  intensas  guerras 
étnicas. 
De  várias  maneiras,  o  cenário  emergente  parecia  catastrófico.  Parecia  que  algo  assim 
iria  acontecer:  A  nível  internacional,  o  capitalismo  se  transforma  em  força  revolucionária. 
Abandonando  o  capitalismo  de  Welfare-State,  que  prevaleceu  na  Guerra  Fria,  seus  antigos 
agentes  e  patrocinadores corporativos reivindicaram uma versão de livre mercado nunca antes 
vista,  a  fim  de  causar  instabilidade em todos os arranjos institucionais existentes para que isso 
se  efetivasse.  Tudo  isso  envolvia  uma  uma  estranha  inversão.  A  máxima  da  direita,  deste pelo 
menos  os  anos  1790, sempre foi a de que utopias revolucionárias eram perigosas, precisamente 
por  serem  utópicas:  estas  ignoravam  a  real  complexidade  da  vida  social,  tradição, autoridade, 
natureza  humana  e  sonhavam  em  mudar  o  mundo  através  de  ideal  abstrato.  Nos  anos  90,  os 
atores  se  invertem  completamente.  A  Esquerda  abandona  completamente  o  Utopismo  (e 
quanto  mais  o  fazia,  mais  se  fragmentava  e  entrava  em  colapso),  enquanto  a  Direita  o 
abraçava.  “Reformistas”  de  Livre  Mercado  de  repente  passaram  a declarar-se revolucionários- 
o  problema  era  que  declaravam-se  revolucionários  também  os  piores  tipos  de  Stalinistas, 
dizendo  principalmente  aos  mais  pobres  que  a  ciência  provou  só  existir  apenas  uma  maneira 
de  prosseguir  a  história,  que  isso  era  consenso  entre  uma  elite  científica  que,  portanto,  eles 
tinham  que  calar-se  e  fazer  o  que  lhes  foi  dito,  porque,  mesmo  que  seus  receituários  fossem 
causar  um  enorme  sofrimento,  morte  e  deslocamento  no  presente,  em  algum  momento  no 
futuro  (eles  não  tinham  certeza  quando)  tudo  isso  levaria  a  um  paraíso  de paz e prosperidade. 
O  fato  de  que  a  própria  ciência  tinha  mudado  do  materialismo  histórico  às  economias  de 
livre-mercado  era  um  mero  detalhe;  de  qualquer  forma, isto explica porque antigos Stalinistas 
da  Romênia  ao  Vietnam  acharam  tão  simples  trocar  de  lado  e  declararem-se  neo-liberais. 
Enquanto  isso,  na  medida  em  que  as  políticas  de  ajustamento estrutural cortaram as mínimas 
políticas  públicas  de  proteção  social  que  existiam  para  os  habitantes  mais  pobres  do  planeta, 
propagandas  e  manipulações  estatísticas  tornaram-se  tão  eficientes  que  grande  parte  dos 
americanos  que  acompanhavam  tais  questões  estavam  convencidos  de  que  as  condições  dos 
mais  pobres  estavam  de  fato  melhorando,  e  não  apenas  em  regiões  como  a  Ásia  Oriental-  que 
em sua maioria rejeitou a adoção de políticas neoliberais. 
Todas  as vitórias progressistas pareciam ter sido ameaçadas ou revertidas. Na África do 
Sul,  anos  de  luta  tinham  finalmente  erradicado  o  apartheid  racial; um momento de felicidade, 
certamente,  mas  ao  mesmo  tempo  um  sistema  quase  idêntico  emergia  em  uma  escala  global, 
construído  através  de  fronteiras  militarizadas  e  um  regime  de  migração  laboral  onde,  para 
aqueles  já  prejudicados  em  países  pobres,  a  residência,  em  países  ricos  e  hegemonicamente 
brancos  dependia  de  estar  com  passaportes,  documentos  de identidade e vontade de trabalhar 
em  empregos  que  os  residentes  não  estavam  dispostos  a  fazer.  O  feminismo  parecia  estar 
sendo  cerceado.  Antigas  vitórias  sobre  o  trabalho  escravo,  trabalho  infantil  e  até  mesmo  a 
escravidão, estavam sendo revertidas.   
Muito  do  problema  consistia  precisamente  no  caminho  que  tomava  o  sonho  da  revolução 
social,  e  aquelas  fantasias  utópicas  que  sempre  foram  necessárias  para  inspirar  as  pessoas  à 
paixão  e  auto-sacríficio  exigiam um trabalho de realmente transformar o mundo na direção de 
uma  maior  liberdade  e  igualdade.  Me  refiro  aqui  ao  utopismo  vivo,  genuíno-  a  ideia  de  que 
alternativas  radicais  são  possíveis  e  que  se  pode  começar  a  criá-las  no  presente-  opondo-se  a 
ideia  do  que  poderia  ser  chamado  de  “utopismo  científico”:  a  ideia  de  que  o revolucionário é o 
agente do inevitável curso da história, que foi fácil e catastroficamente apropriado pela Direita. 
A  morte  dos  sonhos  só  poderia  levar  aos  pesadelos.  Tornou-se  quase  impossível  formar  um 
norte  para  que  se combatesse as incursões da (agora super-fortalecida, revolucionária) Direita. 
Partidos  Social-democratas  na  Europa,  por  exemplo,  que  nasceram  de  uma  corrente 
reformista  do  Marxismo,  pareciam  primeiramente  satisfeitos  com  o  colapso  de  seus  primos 
revolucionários-  eles  teriam  finalmente  vencido  a  discussão-  até  que  eles  perceberam  que  seu 
próprio  caráter,  e  a  vontade  dos  capitalistas  de  coligarem  com  eles,  eram  baseados  em  sua 
habilidade  de  posicionarem-se  como  a  alternativa  menos  subversiva.  Muito  antes,  os  regimes 
social-democratas  vivenciaram  tamanho  colapso  político  e  moral,  que  dos  poucos  ainda  no 
poder  foram  destinados  a  transformarem-se  nos  agentes  do  desmonte  dos  welfare-states  que 
originalmente  criaram.  A  Esquerda  militante  em  países  industrializados  ficava  cada  vez  mais 
reacionária,  capaz  de  mobilizar-se  apenas  para  defender  coisas  que  já  existiam-  a  camada  de 
ozônio,  programas  de  ações  afirmativas,  árvores- e cada vez menos eficientemente combativo: 
Em todos os cantos do mundo, ela parecia estar próxima de um completo colapso. 
Então, finalmente, ocorre a “globalização”. 
Como  Anna  Tsing recentemente nos lembrou, existe aqui uma curiosa história. A noção 
desta,  foi  progressista  no  início.  Era  uma  versão  mais  intensa de internacionalismo: a ideia de 
que  não  só  todos os seres humanos são irmãos mas que somos os guardiões deste planeta frágil 
e  singular-uma  ideia  que  vem  das  fotografias  do  planeta  Terra,  tiradas  do  espaço  por 
astronautas  nos  anos  60.  Nos  anos  90,  as  ideias  sobre  a  globalização  não  tinham  nada  disso. 
Fundamentalmente,  tinha  dois  argumentos: o primeiro seria o de que as telecomunicações- e a 
Internet  em  particular-  estavam  diminuindo  as  distâncias  e  tornando  o  contato  imediato 
possível  de  qualquer  local  do  planeta;  o  outro  seria  de  que  a  queda  da  Cortina  de  Aço  e  outras 
barreiras  comerciais  estavam,  ao  mesmo  tempo,  criando  um  mercado  global  unido  e 
particular,  o  qual  seus  mecanismos  financeiros  poderiam  então  operar  instantaneamente 
através  desses  meios  eletrônicos.  Sobretudo,  o  interesse  era  o  poder  do  capital  financeiro.  No 
entanto,  a  retórica  era  constantemente  acompanhada  de  uma  série  de  amplas  generalizações: 
que  não  apenas  dinheiro  mas  produtos,  ideias  e  pessoas  estavam  “circulando”  como  nunca 
antes,  as  economias  nacionais  não  poderiam  mais pensar em ser autônomas; velhas ideologias 
nacionalistas,  na  verdade,  fronteiras  nacionais,  estavam  ficando  cada  vez  mais  irrelevantes,  e 
assim  por  diante.  Tudo  isso  era  mostrado  como  acontecendo  naturalmente.  Tecnologias 
avançavam,  as  pessoas  estavam  cada  vez  mais  em  contato  uns  com  os  outros:  a  única 
linguagem  possível  era  a  dos  negócios-  já  que  o  capitalismo  era,  afinal, enraizado na natureza 
humana. 
Para  qualquer  um  que  estava  realmente  prestando  atenção,  é  claro,  a  realidade  era 
completamente  diferente.  Fronteiras  não  estavam  sendo  extintas,  mas  reforçadas.  As 
populações  mais  pobres  ainda  estavam  sufocadas  em  seus  países  de  origem  (nos  quais 
benefícios  sociais  estavam  sendo  rapidamente  revogados).  “Globalização”,  referia-se  apenas  à 
habilidade  do  capital  financeiro  de  passar  por  cima  de todos à qualquer custo e tirar vantagem 
disto.  Acima  de  tudo,  no  entanto,  o  período  de  “globalização”-  ou  neoliberalismo,  como  ficou 
conhecido  em  quase  todos  os  lugares  menos  nos  Estados  Unidos-  presenciou  a  criação  do 
primeiro sistema burocrático planetário da história da humanidade.  
Em  retrospectiva,  eu  imagino  que assim será a forma como os últimos anos do século XX serão 
lembrados.  As  Nações  Unidas  existem desde a metade do século, mas nunca representou nada 
além  de  uma  autoridade  moral.  O  que  estava  sendo  montado  para  os  dias  de  hoje,  foi  um 
sistema  com  dentes.  No  topo  estavam  os  investidores-  banqueiros,  comerciantes  monetários, 
operadores  de  fundos  de investimento, e todos conectados virtualmente. Elas eram as gigantes 
transnacionais  burocraticamente  organizadas  que  durante esse período estavam absorvendo e 
consolidando  milhões  de  empresas  formalmente  independentes.  Haviam  comerciantes 
globais  burocráticos-  Fundo  Monetário  Internacional  (FMI),  Banco  Mundial,  Organização 
Mundial  do  Comércio  (OMC),  e  assim  por  diante,  mas  também  incluindo  instituições  como  o 
Federal  Reserve  norte-americano,  organizações  de  acordos  como  a  União  Europeia  (UE)  ou  o 
Tratado  Norte  Americano  de  Livre  Comércio  (NAFTA)-  cuja  função  principal  parecia  proteger 
os  interesses  dos  dois  primeiros.  E,  finalmente,  tinham  as  várias  espécies  de  ONGs,  cuja 
função,  que  variava  de  proporcionar  créditos  agrícolas  à  inoculação  em  crianças  ou 
proporcionar  comida  durante  períodos  de  fome,  tornaram-se  cada  vez  mais  provedores  de 
serviços  que  os  Estados  antigamente  esperavam  desempenhar,  mas  que  foram  efetivamente 
proibidos  de  fazê-los  pelo  FMI.  O  mais  interessante  é  que  tudo  isso foi conquistado através da 
ideologia  do  individualismo  radical:  acima  de  tudo,  uma  ampla  rejeição  dos  anseios  de 
comunidade-  e  em  particular  a  comunidade  política.  Éramos  todos  indivíduos  racionais  no 
mercado,  procurando  possuir  bens.  À  medida  em  que  éramos  diferentes,  tratava-se  de 
questões  de  auto-realização  através  do  consumo,  já  que  o  consumo,  por  outro  lado,  era  a 
criação  e  expressão  de  identidades.  Então,  é  claro,  poderia-se  dizer  que  a  identidade 
retornaria:  já  que  todas  as  questões  políticas  e  econômicas  foram  postas  à  mesa.  Para  ser 
efetivamente  colocada  como  paradigma  (a  história,  nesse  sentido,  teve  seu  fim) as políticas de 
identidade tornaram-se as únicas políticas que poderiam ser consideradas legítimas. 

E então a história recomeça novamente 


Todo  esse  panorama  histórico  nos  faz  compreender  porque  a  rebelião  Zapatista-  que 
começou  em  1º  de  Janeiro  de  1994,  o  dia em que o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio 
(NAFTA)  entrou  em vigor- o que marcou um divisor de águas. Os Zapatistas, com sua rejeição à 
antigas  estratégias  de  guerrilha  de  tomar  o  controle  do  Estado  através  de  uma  luta  armada,  e 
ao  invés  disso,  a  criação  de  comunidades  autônomas,  democráticas,  autogovernadas,  em 
conjunto  com  uma  rede  global  de  simpatizantes  revolucionários,  conseguiu  cristalizar,  em 
linguagem  poética,  todas  as  correntes  da  oposição que estavam vagarosamente se aglutinando 
nos  anos  antecedentes.  Como  os membros do Midnight Notes Collective começaram a pontuar 
na  época,  a  oposição  às  políticas  de  ajustamento  estrutural  impostas  pelo  FMI  (sejam  elas 
vindas  na  forma  de  campanhas  pelos  direitos  indígenas  na  América  Latina,  protestos  por 
comida  na  África  ou  movimentos  Islâmicos  na  Indonésia)  quase  que  invariavelmente  eram 
baseados  na  defesa  moral  de  recursos  coletivos:  o  direito  à terra, comida, combustíveis fósseis 
ou  até  mesmo  à  cultura, não enquanto commodity mercadológico, mas enquanto bens comuns 
coletivamente  administrados  por  uma  espécie  de  comunidade  moral-  mesmo  que  nos  casos 
mais excepcionais os estados-nação eram vistos como os legítimos guardiões de tais direitos ou 
ou  a  estrutura  da  comunidade  moral  em  questão.  Quase  sempre,  seus  pontos  de  vista 
localizavam-se  mais  localmente  e  em  uma  escala  global.  Os  Zapatistas,  com  sua  eficiência  em 
trazer  os  emergentes  meios  de  comunicação  globais  para  mobilizar  redes  internacionais  na 
defesa  de  suas  experiências  autônomas  na  selva  de  Lacandon,  não  eram  apenas  um  símbolo 
perfeito,  eles  conseguiram  articular  o que estava acontecendo através de uma nova abordagem 
da ideia de revolução. 
Por  sua  vez,  foram  os  Zapatistas  que  começaram,  com  seus  dois  encontros 
internacionais  “Pela  Humanidade  e  Contra o Neoliberalismo”, a construir o alicerce para o que 
veio  a  ser  o  movimento  “anti-globalização”.  Esse  termo,  como  disse  muitas  vezes  antes,  pode 
ser  entendido  de  forma  errônea.  Foi  basicamente  uma  invenção  da  mídia.  Os  elementos  mais 
importantes  e  dinâmicos  no  movimento  viam-se  no  objetivo  de  uma  forma  de  globalização 
genuína  e  democrática,  ao menos um retorno ao tipo de consciência planetária da qual o termo 
surgiu  pela  primeira  vez.  No  caso  dos  anarquistas,  autonomistas, e outros elementos radicais, 
significava  o  enfrentamento  a  todas  as  fronteiras  internacionais.  O  que  surgia  dos  encontros 
Zapatistas  era  uma  rede  planetária  organizada  chamada  Ação  Global  Popular  (PGA),  um  de 
seus  objetivos  eram  estabelecer  uma  ação  direta  não-violenta,  novamente  como  um 
mecanismo  de  revolução  global.  A  PGA  era  importante  pois,  acima  de  tudo,  rejeitavam 
abertamente  a  participação  de  partidos  políticos  ou  qualquer  grupo  cujo  propósito  era 
tornar-se  um  governo.  Era  a  PGA,  por  sua  vez,  quem  fez  os  primeiros  “chamados  à  ação”  que 
culminariam  nas  ações  de  Seattle  em  Novembro  de  1999.  Ao  invés  de  eu  tentar  narrar  a 
história-  será  contada  várias  vezes,  de  diferentes  maneiras,  ao  longo  do  livro-  permita-me 
apresentar  ao  leitor  uma linha do tempo dos acontecimentos mais importantes. O que se segue 
é  um  esquema  simples,  e  reflete  uma  perspectiva  bastante  Norte-Americana,  mas  os  leitores 
podem achar útil consultar, agora e novamente, enquanto lêem este trabalho: 
1º  de  Janeiro,  1994.  Agosto,  1997.  18  de  Junho,  1999.  30  de  Novembro,  1999.  16  de 
Abril,  2000.  1º  de  Agosto,  2000.  26  de  Setembro,  2000.  20  de  Janeiro,  2001.  25-30  de 
Janeiro,  2001.  20-22  de  Abril,  2001.  ​Convergence  des  Luttes  Anti-Capitalistes​19-21  de Julho, 
2001.  11  de  Setembro,  20013-4  de  Fevereiro,  2002.  ​O  impacto  do  11/9,  e  de  ser  forçado  a 
criar  uma  mobilização  nacional  a  partir  do  nada  em  tão  pouco  tempo,  cria  tensões 
intermináveis  ​dentro  do  cenário  militante  nova  iorquino,  eventualmente,  isso  leva  ao 
declínio e eventual dissolução da DAN no ano seguinte.​10-14 de Setembro, 2003. 17-21 de 
Novembro,  2003.  ​ataques  preventivos  e  extrema  violência  policial  contra  os 
manifestantes  -  uma  abordagem  que  ficou  conhecida  como  "modelo  de  Miami"  depois 
que  a  Homeland  Security  a  anunciou como a maneira de lidar com tais ações no futuro. 
As  negociações  de  livre  comércio,  por  outro  lado,  não  tiveram  nenhuma  realização, 
marcando o fim definitivo do processo da ALCA. 
 
Eu  terminarei  aqui,  não  porque  Miami  representa  o  fim  de  qualquer  coisa  (embora 
alguns  tenham  argumentado  que  marca  o  fim  de  um  ciclo  pelo  menos  dos  movimentos 
norte-americanos),  mas  sim,  porque  marca  o  fim  do  período  que  este  livro  trata.  O  11  de 
setembro  e  a  "Guerra  ao  Terror"  certamente  criaram  um  clima  dramaticamente  novo  nos 
Estados  Unidos,  mas  seus  efeitos  em  outros  lugares  foram  menos  profundos  e  certamente 
menos  duradouros.  Em  outras  partes  do  mundo,  a  repressão  nunca  foi  tão  severa,  e  muitos 
conseguiram  evitar  a  onda  de  xenofobia  e  nacionalismo  militarista  que  causou  tantos  males 
nos  EUA.  De  várias  maneiras,  o  movimento  começou  a  entrar  em  um  estágio  mais  amplo, 
particularmente  na  América  Latina,  com  a onda de ocupações nas fábricas e assembléias locais 
na  Argentina,  ou  ex-membros  do  PGA  como  Evo Morales subindo ao poder na Bolívia, eventos 
em  Atenco,  Oaxaca e outras partes do México.  Eu não quero generalizar ou fazer previsões: em 
momentos  de  mudanças,  a  história  faz  de  tolos  todos  nós  que  tentamos.  Mas  irei  pelo  menos 
repetir  o que disse antes (Graeber 2002; Graeber e Grubacic 2004): que o anarquismo, enquanto 
filosofia  política  e  as  ideias  e imperativos anarquistas, tornaram-se cada vez mais importantes 
ao  redor  do  mundo.  Há  uma  ampla compreensão de que a era das revoluções não está de modo 
algum  terminada,  mas  essa  revolução,  no  século  XXI,  assumirá  formas  cada  vez  menos 
conhecidas.  Em  primeiro  lugar,  espero  que  este  livro  sirva  como  um  recurso  para  aqueles que 
desejam  pensar em expandir seu senso de possibilidades políticas, para qualquer um que esteja 
curioso sobre quais novas direções os pensamentos e ações radicais podem tomar. 
 

​ ​ Alguns Agradecimentos 
É  muito  difícil  escrever  agradecimentos  em  um  livro  como  esse.  Não  se  pensa  facilmente  em 
incluir  todos  por  medo  de  sugerir  que  alguém  é  menos  digno  de  agradecimentos.  Mas  posso 
começar  por  agradecer  o  amor  e  apoio  de  meus  amigos  e  família,  e  meus  apoiadores  em  Yale 
durante  os  eventos  lamentáveis  que  ocorreram,  até  certo  ponto,  como  resultado  na  própria 
pesquisa  em  que  este  livro  se  baseia.  No  período  durante  o  qual  eu  estava  conduzindo  minha 
pesquisa,  e  depois  a  escrita,  esse  livro  foi  um  estresse  contínuo  e  uma  tragédia  pessoal: 
marcado  por  uma  grave  doença  e  eventual  morte  de  meu  irmão  e  minha  mãe,  tudo  isso  junto 
ao  ​cenário  de  ter  que  lidar  com  campanhas  intermináveis  ​e  bizarras  de  alguns  elementos  no 
corpo  docente  de  Yale  que  estavam  aparentemente  determinados  a  me  demitir  de  qualquer 
maneira.  Não  entrarei  em  detalhes,  mas  gostaria  de  agradecer,  primeiramente,  meus  colegas 
de  Yale  que  me  deram  todo  suporte  e  senso  de  comunidade  que  tornou  a  convivência  neste 
lugar  possível:  ​Jennifer  Bair,  Bernard  Bate,  Richard  Burger,  Kamari  Clarke,  Hal  Conklin, 
Michael  Denning,  Saroja  Dorairajoo,  Ilana  Gershon,  Paul  Gilroy,  Thomas  Blum  Hansen, 
Natalie  Jerimijenko,  Bun  Lai,  Enrique  Mayer,  Sam  Messer,  Marilda Menezes, John Middleton, 
Karen  Phillips,  Dhooleka  Raj,  Iman  Saca,  Lidia  Santos,  Jim  Scott,  Mary  Smith,  John  Szwed, 
Thomas  Tartaron,  Frederic  Vandenberge,  Immanuel  Wallerstein,  David  Watts,  e  Eric  Worby, 
para  nomear  alguns.  Amigos  e  colegas  fora  de  Yale  que  me  deram  ajuda  e  me  encorajaram 
neste  projeto  formam  uma  lista  longa  demais.  Eu  gostaria  de  também  agradecer,  por  nome, 
todos os que me ajudaram depois que o departamento decidiu rescindir meu contrato, mas isso 
seria  impossível.  Quase  cinco  mil  pessoas  assinaram  a  petição  que  os  estudantes  de  Yale 
criaram; vários departamentos (Chicago, Sussex, Glasgow, Manchester) e organizações indo de 
Global  Studies  Association  ao  Canadian  Union  of  Postal  Workers  escreveram  cartas  coletivas 
ao  departamento  pedindo  explicações  (é  claro  que  não  receberam  nenhuma),  assim  como 
fizeram  vários  acadêmicos  individualmente.  Acima  de  tudo,  eu  gostaria  de  agradecer  aos 
estudantes  da  Yale,  e  novamente  esta  lista  não  é de forma alguma compreensiva- e fortemente 
ponderada  para  aqueles  que  eu  vim  a  conhecer  nos  meus  últimos  anos  em  Yale-  mas  eles 
sempre  foram  minha  maior  inspiração  ali:  Muhammad  Ikraam  Abdu-Noor,  Ahmed  Afzal, 
Colleen  Asper,  Ping-Ann  Ado,  Omolade  Adunbi,  Nikhil  Anand,  Caitlin  Barrett,  Kalanit 
Baumhauft,  Ben  Begleiter,  Nina  Bhatt,  Rebecca  Bohrman,  Sheridan  Booker,  Devika  Bordia, 
Lisa  Allette  Brooks,  Elizabeth  Busbee,  Lucia  Cantero,  David  Carston-Knowles,  Durba 
Chattaraj,  Linda  Chhay,  Kate  Clancey,  Robert  Clark,  Seth  Curley,  Anthony  Dalton,  Amelia 
Frank-Vitale,  Antonios  Finitsis,  Thomas  Frampton,  Emily  Friedrichs,  Ajay  Gandhi,  Vladimir 
Gil,  Josh  Gordon,  Jessica  Gussberg,  Annie  Harper,  Joseph  Hill,  Emily  Hitch,  Jennifer  Jackson, 
Nazima  Kadir,  Kristin  Kajdzik,  Csilla  Kalocsai,  Brenda  Kondo,  Adrian  LeCesne,  Moon-Hee 
Lee,  Kat  Lo,  Molly  Margaretten,  Andrew  Mathews,  Madeleine  Meek,  Christina  Moon,  Yancey 
Orr,  Simon  Moshenberg,  Jason  Nesbitt,  Nana  Okura,  Juan Orrantia, Jonathan Padwe, Richard 
Payne,  Anne  Rademacher, Mieka Ritsema, Elliot Robson, Phoebe Rounds, Arian Schulze, Colin 
Smith,  Olga  Sooudi,  Sarah  Stillman,  Will  Tanzman,  Jordan  Trevino,  Karen  Warner,  Kristina 
Weaver, e Tiantian Zhang.  
Referir-me  aos  meus  amigos  ativistas  traz  um  problema  ainda  mais  estranho:  é  bem  difícil 
saber quem eu posso chamar pelo nome- isto é, aqueles cujos nomes legais eu realmente sei. Eu 
vou  dizer  apenas  alguns,  porque  sei  que  eles  não  se  importariam:  Majeed  Balavandi,  Autumn 
Brown,  Ayca  Cubukcu,  Crystal  Dubois,  Mike  Duncan,  Todd  Eaton,  Neala  Byrne,  Beka 
Economopolos,  Stefan  Christoff,  Shawn  Ewald,  Heather  Gautney,  Andrej  Grubacic,  Harry 
Halpin,  Eric  Laursen,  Bob  Lederer,  Brooke  Lehman,  Yvonne  Liu,  Daniel  McGowan,  Michael 
Menser,  Dyan  Neary,  Ana  Nogueira,  Priya  Reddy,  Ramor  Ryan,  Mac  Scott,  Danielle  Leah 
Sered,  Ben  Shepherd,  Stephven  Shukaitis,  Marina  Sitrin,  John  Tarleton,  Lesley  Julia  Wood.  A 
todos  da  DAN  de  NY  e  a  ACC;  todos  da  IWW  e  a  recém-fundada  SOS;  todo  mundo  que 
procurou  pelos  rascunhos,  ou  fragmentos  destes,  para  pontuar  inúmeras  coisas  que  entendi 
errado;  mas,  de  verdade,  todos  aqueles  cujos  nomes  aparecem  nesse  texto  merecem  meus 
agradecimentos,  e  muito  mais.  Essas  são  as  pessoas  que  me  deram  um  novo  senso  de 
esperança  para  o  mundo  em  um  momento  que  poderia  ser  o  pior  da  minha  vida.  Não  tenho 
nada mais do que amor por essas pessoas.  
Obviamente  existem  alguns  indivíduos  que  devo  destacar:  Lauren  Leve,  first  and  foremost, 
Eric  Graeber,  Ruth  Graeber,  Andrej  Grubacic,  Nhu  Le  e  Stuart  Rockefeller.  Gostaria  de 
agradecer Charles Weigl, meu editor, e todos da AK Press.  
Comecei  este  projeto com nada mais do que eu e meu próprio otimismo. Eu o persegui com um 
entendimento  cada  vez  maior  que,  não importa o quão sombrio e quão perigoso os lugares que 
alguém  pode  estar,  viver  como  um  rebelde-  com  a  constante  consciência das possibilidades de 
transformação  revolucionária  e  entre  aqueles  que  sonham  com  isso-  é  certamente  a  melhor 
maneira que alguém pode viver. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
   
 
 
 

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