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Moda e beleza na revista NOVA em 1990

MSc.Rosyane Cristina Rodrigues da Costa (Bacharelado em Moda, Universidade


da Amazônia)

Resumo: Este trabalho identificar através da análise de discurso e conteúdo as


representações da mulher na revista feminina. Foram analisadas edições de 1990
a 1994 da revista NOVA/Cosmopolitan. Nos anos 90, o tripé que sustenta a
publicação feminina, especialmente em Nova, é casamento, beleza e sucesso.
Palavras-chave: Comunicação, Discurso, Revista Feminina

Abstract: This work identified through the analysis of discourse and content
representations of women in the women's magazine. Were analyzed from 1990 to
1994 editions of the magazine NOVA/Cosmopolitan. In 1990’s, the tripod that
supports the publication of women, especially in Nova, is marriage, beauty and
success.
Keywords: Communication, Discourse, Magazine for female market

Uma NOVA revista de mulher?

Quem são e o que buscam as mulheres do fim do século XX? Entre os diversos
caminhos que poderia percorrer para responder a essa questão escolhi aquele
que me é familiar: análise dos fenômenos sociais através da imprensa. Tirando
proveito da formação jornalística optei por analisar uma revista feminina. Surgiu
então uma nova questão: a revista feminina seria o revelador mais adequado das
inquietações, interesses e desejos dessas mulheres?
Para Sarti e Moraes (1980), as revistas de mulher são produtos históricos e
transformam seu conteúdo, sua linguagem e sua apresentação gráfica de acordo
com o desenrolar da vida social.
Aliando o faro jornalístico ao olhar antropológico, este trabalho procurou identificar
as representações da mulher na revista feminina e os discursos mais freqüentes
acerca da mulher no contexto de uma revista mensal. Para isso foram analisadas
edições de 1990 a 1994, da revista NOVA/Cosmopolitan.
Em 1973, a NOVA chegou ao mercado brasileiro como a revista da mulher
moderna. Sarti & Moraes (1980) oferecem numa breve análise do momento da
publicação do primeiro número de NOVA:
“Frente ao avanço das teses feministas e ao questionamento
dos papéis tradicionalmente atribuídos à mulher, esta
tradução adaptada da Cosmopolitan vende a proposta de
igualdade entre sexos, a partir da afirmação da sexualidade
feminina, independente do casamento” (p. 26)

Disputando lugar no mercado de trabalho, a mulher-NOVA buscava o sucesso e


assumia o papel de objeto sexual. Vinte anos depois, terá mudado esse discurso?
Até que ponto a revista reforça os papéis tradicionalmente atribuídos a homens e
mulheres? Até onde permite contestações, abrindo possibilidades para
mudanças? Tais interrogações constituíram o foco de análise proposto.
Por que a NOVA?
A idéia de realizar um estudo sobre as publicações voltadas para o público
feminino é antiga. Enquanto leitora, sempre tive curiosidade em saber de que
maneira as pautas1 dessas revistas são definidas para despertar interesse e
conquistar a preferência num mercado tão disputado. No caso da revista feminina,
o sucesso depende da sintonia entre seus editores e os anseios da leitora.
Segundo argumento de Sarti & Moraes (1980):
“As leitoras não são fantoches sem vontade, manipuladas
pela monstruosa indústria cultural. Pode-se manipular,
sugerir e estimular, mas em última instância ninguém pode
obrigar uma mulher a comprar uma revista. A persuasão
coloca exigências precisas e a mais fundamental é a de
responder, de alguma maneira, às necessidades daquele
que deve ser persuadido” (p.21).

1
Para Rabaça & Barbosa (1987), pauta é a “agenda ou roteiro dos principais assuntos a serem
noticiados em uma edição de jornal ou revista, programa de rádio ou TV etc. Súmula das matérias
a serem feitas em uma determinada edição; Planejamento esquematizado dos ângulos a serem
focalizados numa reportagem, como um resumo dos assuntos (no caso de suíte) e a indicação ou
sugestão de como o tema deve ser tratado”. Verbete Pauta.

2
Formadores de opinião, esferas públicas de debate, os veículos de comunicação
têm sido grandes responsáveis pela reafirmação dos papéis sociais, incluso, aqui,
a questão de gênero. Nesse sentido, a análise de uma revista feminina radiografa
que papéis estão sendo atribuídos à mulher na última década do século XX.
A NOVA foi a primeira publicação feminina que colocou a leitora em “contato” com
o mundo exterior. Um mundo masculino por excelência. Isso fica claro no editorial
do número de lançamento, onde se lê:
“[a revista] nasceu da necessidade de oferecer à mulher
brasileira uma companheira útil e atualizada para permitir-lhe
o ingresso no fechadíssimo clube das cabeças que pensam,
julgam e decidem. (...) este clube estava reservado aos
homens e só a eles. Hoje, com Nova, estamos pretendendo
fornecer-lhes as chaves deste clube”.2

Na realidade, a revista atende a uma reivindicação secular, transportando a


mulher para além da esfera doméstica.
Uma história não tão breve
Explorar a imagem, o visual, o físico das pessoas que se enquadram nos padrões
de beleza ocidental é uma entre várias marcas de NOVA. Tratar questões
“proibidas” relacionadas ao sexo é outra dessas marcas. Casamento, família,
trabalho, relacionamentos, imprimem o traço de uma, também forte, tendência da
revista.
Em setembro de 1998, NOVA completou 25 anos. A edição de aniversário trouxe
uma retrospectiva da história da revista. Essa retrospectiva vem mostrar que
pouco do que é publicado hoje é novidade. Na realidade, a NOVA repete uma
fórmula que deu certo. Fórmula, aliás, que não foi inventada pelos editores da
revista, mas que vem sendo aplicada desde que a imprensa feminina surgiu no
Brasil. Segundo Buitoni (1986), a imprensa feminina brasileira dá seus primeiros
passos sustentada pelo eixo moda-literatura:
“Provavelmente não houve aqui, no século passado,
nenhuma folha ou revista feminina que não apresentasse
parte literária. A moda também estava indelevelmente ligada
à imprensa feminina. (...) Sustentar-se no eixo moda-

2
Extraído de Sarti & Moraes, 1980.

3
literatura significava adotar uma linha conservadora em
relação à imagem da mulher, enfatizando suas virtudes
domésticas” (p. 40)

Com o passar dos anos, o espaço dedicado à literatura começa a incluir textos
sobre comportamento e afetividade. Falar de moda, coração e beleza tem
garantido a audiência das publicações femininas. Claro que com suas variáveis e
ênfases de acordo com sua época e público-alvo.
Para entender porque a imprensa feminina adotou a revista como veículo e
formato preferencial, foi necessário resgatar o surgimento das revistas na
imprensa e para isso utilizei as autoras Dulcília Schroeder Buitoni (1986) e Cynthia
Sarti & Maria Quartim de Moraes (1980), precursoras na análise da imprensa
feminina. Os trabalhos das autoras são resultados de “uma efervescência teórica
significativa para os estudos antropológicos centrados na questão do gênero”3 nas
décadas de 1970 e 1980.
A palavra inglesa magazine, derivada da francesa magasin, de mesma origem
árabe de armazém, designava as publicações de conteúdo diversificado,
correspondendo ao que se chamava revista em português. A revista era, então,
aquela publicação que trazia mercadorias variadas, que vendia de tudo um pouco.
Para Buitoni (1986), lazer e um certo luxo foram-se associando à idéia de revista
no século XX. Na opinião da autora, a imprensa feminina elegeu a revista como
seu veículo por excelência, “[a] revista é ilustração, é cor, jogo, prazer, é
linguagem mais pessoal, é variedade: a imprensa feminina usa tudo isso” (Ibid., p.
18)
Por trás das publicações, existe uma grande estrutura empresarial. As revistas
acabaram por se transformar em vitrines onde são expostas mercadorias com o
objetivo de criar e até reforçar certos hábitos de consumo. As novidades vão
sendo absorvidas, reelaboradas e propagadas. Ao longo dos anos, a revista
feminina já foi canal de expressão literária, palanque para reivindicação de
direitos, assessora de moda e beleza, amiga e confidente.

3
Lasmar (1997)

4
A primeira grande revista feminina brasileira surgiu em junho de 1914 e circulou
até 1936, a Revista Feminina.
“A Revista Feminina apresentava um toque de modernidade
não só nos produtos que anunciava, mas na diagramação
bastante inovadora para a época. A força estava
demonstrada no número de suas páginas, 90 em média.
Essa publicação pode ser considerada como precursora das
modernas revistas brasileiras dedicadas à mulher”
(BUITONI, 1986,p. 45)

Na década de 40, O Cruzeiro, A Cigarra e Carioca eram as mais populares nesse


concorrido mercado. Nesse período chegou ao Brasil, importada da Europa, a
fotonovela. A Grande Hotel é lançada em 1947.
Em 1960, surge no País a primeira revista feminina com nome de pessoa. A
Cláudia inaugurou o surto editorial especializado.
“Cláudia é a revista da dona de casa/ esposa/ mãe, cujo nível
privilegiado de renda, em termos de Brasil, permite que não
trabalhe fora e que também disponha de outras mulheres
para a execução do trabalho doméstico. A mulher-Cláudia é
principalmente uma grande consumidora”(SARTI E
MORAES,1980,p.25).

A revista, porém, envelheceu com a leitora. Na década de 70 a mulher -Cláudia já


tinha mais de 30 anos e continuava centrando seu universo nas atribuições
domésticas. Os assuntos que interessavam a essas senhoras não eram os
mesmos que despertavam o interesse das jovens de então. Os padrões
comportamentais eram outros. Sexo, aos poucos, vai ganhando espaço nas
páginas das revistas. Mas ainda faltava “alguém” que falasse abertamente com
essa juventude. E foi nesse clima que a NOVA chegou ao mercado.
Lançada em outubro de 1973, o público de NOVA “eram mulheres solteiras ou
casadas com ambições profissionais e com uma certa liberdade sexual” (BUITONI,
1986, p. 50). A aceitação imediata de NOVA fez parecer que as brasileiras
esperavam (ansiosamente, talvez) por uma publicação que lhes falasse mais
abertamente e que, principalmente, estivesse em maior sintonia com seus desejos
e reivindicações. “Coincidentemente” esse período foi marcado pela

5
efervescência teórica dos estudos antropológicos centrados na questão de
gênero:
“Foi nesse período, caracterizado basicamente pela busca
de modelos analíticos que resolvessem o problema da
generalidade da subordinação política da mulher nas
sociedades humanas, que as relações sociais entre os
sexos tornaram-se objeto de discussão e análise
antropológica sistemática” (LASMAR,1997,p: 75)

Amor, moda e beleza


O tripé de temas presentes no universo das revistas femininas apontado pelas
autoras Sarti e Moraes (1980) e Buitoni (1986), indica os assuntos do coração, da
moda e da casa (leia-se: cozinha e decoração) como sendo o sustentáculo e a
fórmula de sucesso da imprensa feminina. No caso da revista NOVA, esta tríade
não se confirma.
Em NOVA, apontando para uma tendência diferente, os dotes domésticos
identificados pela autora, são substituídos pelo cuidado com a beleza. O conceito
de ‘casa’ sai da esfera das obrigações domésticas e passa para a do prazer de
possuir um espaço privado. A mulher-NOVA não busca receitas de guloseimas
para filhos e marido. No máximo, ela quer aprender a fazer pratos que garantam
saúde e boa forma. Conforme sugerido por Collier & Yanagisako (1987), aqui
ficam mais claros os valores culturais, os processos e as diferenças marcantes
dos anos 1990.
Em 1973, a versão brasileira da revista americana Cosmopolitan representava um
novo tipo de publicação no mercado. Segundo Buitoni (1986):
“[A] leitora [de NOVA] estuda e/ou trabalha fora e não tem
grandes preocupações domésticas. No máximo, quer habitar
um lugarzinho bem decorado e saber fazer um prato gostoso
para agradar o namorado. No fundo, o velho ‘agarre seu
homem [pela boca]’. Porém, [a revista] indica livros e discos
de qualidade, publica algumas boas reportagens, no meio de
testes, horóscopo, seções de consultório médico, moda,
conselhos para melhorar a performance sexual, etc.” (p. 51)

Ao folhear a revista, 20 anos depois de sua chegada ao mercado, é exatamente


isso que se encontra. De 1990 a 1994, período escolhido para a análise, observei

6
que as seções são exatamente as mesmas: Artigos e Reportagens, Moda e
Beleza, Culinária e Decoração, Sempre em Nova.
Os resultados a seguir surgem da leitura sistemática de 36 textos jornalísticos, nos
quais procurei identificar atores, temas e conceitos predominantes na construção
do discurso da revista. Este artigo apresenta os resultados das análises das capas
e seção Moda e Beleza.
A Mulher da Capa
No século passado, quando as revistas eram vendidas por assinatura, as capas
não eram tão valorizadas. A situação mudou quando elas começaram a disputar a
atenção das leitoras nas livrarias e, mais tarde, nas bancas de revistas. De acordo
com Buitoni (1986):
“Inicialmente, as capas às vezes nem possuíam ilustração.
Depois, passaram a trazer desenhos geralmente de cenas
em que a mulher participava de algum modo. A inovação
aconteceu na França, em 1937, com o lançamento de Marie-
Claire, que estampava todas as semanas um rosto de
mulher bonita, jovem e alegre. De pequenas figuras, a
mulher passou para um close em primeiro plano” (p. 58).

Se antes, elas representavam um mero chamariz para uma determinada


publicação, hoje as capas de revista merecem maior atenção. A elas cabe o papel
de chamar a atenção da leitora nas bancas de revista. E numa época de
concorrência acirrada, a capa é o elemento básico para se ganhar audiência.
As modelos deixaram de ser as únicas a terem seus rostos estampados nas
capas. Há no mercado editorial uma tendência, cada vez mais forte, de levar à
capa mulheres que são o sucesso do momento. Recorrente em todas as seções
da revista, o sucesso aparece como a meta principal de qualquer mulher. Explícita
ou implicitamente, de tudo o que se fala, o objetivo, o alvo, é sempre o sucesso.
Assim, de 1990 a 1991, NOVA trouxe Valéria Monteiro (julho/91), a jornalista bem
sucedida que naquele momento retomava sua carreira como modelo. Segundo o
editorial4 da revista, “... depois do sucesso na telinha, [Valéria] volta a brilhar nas

4
“Texto jornalístico ou opinativo, escrito de maneira impessoal e publicado sem assinatura,
referente a assuntos ou acontecimentos locais, nacionais ou internacionais de maior relevância.
Define e expressa a opinião do veículo ou empresa (...) “(...) A página editorial (...) consubstancia

7
fotos”.5 Como apresentadora do Fantástico, programa dominical da Rede Globo,
Valéria ficou cinco anos longe das câmeras dos fotógrafos.
A fotografia explora a sensualidade, confirmando um estilo que vem sendo
adaptado por NOVA de acordo com os costumes de cada época. Neste caso,
Valéria Monteiro aparece com um vestido preto, com aplicações de pedras na
altura do busto e nas alças. Fotografada de pé, a modelo suspendeu os braços na
altura da cabeça, segurando os cabelos com as mãos. A composição,
calculadamente descontraída, acaba vendendo a idéia de que a leitora também
pode ficar linda como a Valéria. Basta “um pouquinho” de produção.
Na capa de agosto de 1991, quem dá o ar da sua graça é a atriz Cristiana Oliveira,
que acabava de alcançar o sucesso com a novela Pantanal, da TV Manchete. O
editorial explica que a foto saiu um pouco atrasada:
“ Nós e a atriz Cristiana de Oliveira realizamos um antigo
desejo. Na época da gravação da novela Pantanal,
marcamos e desmarcamos várias vezes a foto da capa por
causa de sua apertada agenda de viagens e gravações.
Finalmente, aqui está toda a beleza de Cristiana e o seu jeito
de usar jeans (...)”6 (p. 7)

Vestindo calça jeans e camisa de mangas compridas, a atriz Cristiana Oliveira dá


seu toque de sensualidade ao deixar os primeiros botões da camisa entreabertos
e os cabelos soltos, penteados para trás. A fotografia explora o olhar da atriz, sua
marca registrada desde a novela.
A edição de novembro de 1992 traz a atriz Cláudia Raia na capa e no perfil. Na
época, a atriz estava duplamente em cena. Na tela da Rede Globo, vivendo a
personagem Maria Escandalosa, na novela Deus nos Acuda e no teatro estrelava
seu musical Não Fuja da Raia.7
A reportagem diz que a atriz mudou o rumo da carreira e conseguiu provar que
tem talento:

(...) o conjunto de opiniões de diretores e editorialistas [que] escrevem e atuam com autonomia e
independência, critério e responsabilidade, garantindo um critério de opinião que busca dignificar o
veículo”. (Juarez Bahia), conferir Rabaça & Barbosa, Verbete Editorial.
5
NOVA, jul. 1991.
6
NOVA, ago. 1991.
7
Prado, Zélia. Escandalosamente Feliz, NOVA, nov. 1992.

8
“Esse mulherão de 1,80 m conseguiu provar que além de
‘gostosa’, tem talento para dar e vender. Perua, brega,
cômica, ela assume todos esses adjetivos. Descobriu o
equilíbrio entre eles e resolveu usá-los a seu favor. (...) Seu
fôlego invejável é o segredo do sucesso que soube
conquistar com muito trabalho” 8 (p. 84)

Nas entrelinhas um recado: combinando corretamente seus atributos, você leitora,


também pode dar certo. O sucesso está aí, esperando por você. A reportagem
segue falando de coragem, felicidade, talento, vitória e amadurecimento. Na
fotografia da capa, Cláudia Raia aparece usando um vestido colado ao corpo, de
alças, decote em ‘U’ nas costas. De lado, a atriz joga a cabeça para trás, levanta
os braços na altura do queixo e arrebita levemente os quadris.
Em dezembro do mesmo ano, a NOVA traz Cristiana de Oliveira de volta à capa.
Desta vez usando um vestido justo, vermelho, com um decote que deixa o colo à
mostra. A produção é equilibrada, sem nada extravagante, feita sob medida para
a leitora acreditar que com o tecido certo e uma boa costureira, no Natal, estará
tão bela quanto Cristiana.
Ano Novo. Capa Nova. Nada disso, em fevereiro de 93, lá está Valéria Monteiro
outra vez. Segundo o editorial de Maria Neder, Valéria é uma mulher que conhece
o próprio valor:
“Depois de passar um breve período fora da TV Globo,
voltou para a cobertura das Olimpíadas, para o Fantástico,
além de ser a primeira apresentadora mulher do Jornal
Nacional, aos sábados. Em um ótimo período da vida,
Valéria empresta, pela segunda vez, sua beleza e brilho de
estrela à capa de Nova” 9 (p. 9)

A declaração da editora vem confirmar a minha primeira impressão. As mulheres


que fazem a capa da NOVA são de fato escolhidas por dois quesitos: ser bonita e
simbolizar o sucesso do momento. Essa também é a percepção das vendedoras
nas bancas de revista, com quem tive oportunidade de conversar.

8
Ibid.; p. 84 e 86.
9
NOVA, fev. 1993.

9
Nessa capa, Valéria está de calça jeans e um top branco, com franja de canutilhos
transparentes. Os cabelos estão soltos, penteados para o lado. A mão esquerda
está na cabeça, segurando os cabelos; a direita está enfiada no bolso da calça.
Em julho de 1994, a atriz Cláudia Ohana chega à NOVA a bordo do sucesso de
sua personagem Camila, na novela global Fera Ferida. O perfil mostra os
malabarismos que a atriz precisa fazer para conciliar a agenda sempre cheia. E
ela dá conta de tudo: filha, trabalho, namorado, ex-marido, cuidados com o corpo.
Nas duas últimas linhas, a atriz conta seu segredo: “Descobri que as pessoas só
vão gostar de mim se eu me gostar”.10
Na capa, Cláudia aparece de vestido preto, com aplicações em vermelho
formando desenhos geométricos. Mangas curtas caem nos ombros, o decote
acompanha o contorno dos seios. A saia esvoaçante deixa à mostra as coxas da
atriz. Os cabelos, longos e encaracolados, estão soltos, penteados para trás, com
um quê de natural.
Moda e Beleza
Ao analisar essa seção, meu propósito era descobrir o que merece maior
preocupação de NOVA a boa forma ou o bem estar da leitora. Sim, porque nem
tudo que é moda é confortável e agradável de ser usado e, no mais das vezes,
sequer se adapta igualmente às regiões do país. Algumas tendências reveladas
na seção Moda e Beleza, são discutidas a seguir.
Os cuidados com o corpo vêm em primeiríssimo lugar:
“Corpo perfeito - Estamos falando de músculos. Nada
parecido com as formas duras e masculinizadas das
halterofilistas, mas sim uma musculatura de pantera: macia,
flexível - e trabalhada. Chegar lá não é difícil. (...) Para
aumentar e delinear os músculos é preciso uma dieta
específica (...). Aí então basta respirar fundo, escolher o
exercício e colocar braços, pernas, costas e até a barriga
para trabalhar (...)” Fevereiro/93, p. 78

“Suas 10 maiores dúvidas de beleza - Métodos eficientes


para combater os problemas que mais a incomodam: estrias,
flacidez, espinhas ...” Agosto/91, p. 76

10
Extraído da NOVA, jun. 1994

10
“Beleza zen - Da colorpuntura ao banho de ofurô, técnicas
deliciosamente relaxantes para ficar mais bonita por dentro e
por fora”. Junho/94, p. 94

Adote um estilo que não é o seu


Ainda se insiste no padrão de beleza televisivo, algumas vezes cinematográfico.
Quem dita a moda na revista são as personagens de filmes e novelas. A leitora é
incentivada a adotar, como seu, o estilo das estrelas:
“Sobrancelha grossa está na moda - As sobrancelhas,
hoje sã fartas, selvagens ... marca registrada de rostos
famosos personalidades marcantes [matéria ilustrada com
fotografias de Malu Mader, Mariel Hemingway, Cláudia
Ohana]. Mas esse aspecto “natural” tem seus segredos:
quem já tem sobrancelhas grossas pode valorizá-las e,
quem não tem, pode criá-las!” Setembro/90, p. 72

“Meu jeito de usar jeans - Valéria Monteiro, 26 anos,


jornalista, ‘Só dispenso jeans nos momentos mais formais.
Gosto de usá-lo porque sempre me deixa com um ar mais
jovem. Para ir a um jantar informal e até trabalhar na TV,
uma jaqueta com colete, camisa e echarpe é perfeita’.

Eternamente Jovem
A idade é um elemento fundamental. A ordem é não envelhecer jamais. A
supervalorização da juventude pode ser lida em matérias como:
“Janelas indiscretas - Olheiras, bolsas, rugas. Dá para
evitar ? Consertar ? Claro que sim desde os 20 anos”.
Junho/94, p. 66
“Verdades e mentiras sobre o rejuvenescimento - X-
ADENE, autocolágeno, ácido retinóico injetável. Guarde
estes nomes se você quer rejuvenescer o rosto”. Junho/94,
p. 118.

Por uma revista de mulher


Quando comecei a amadurecer a idéia de fazer uma análise de NOVA meu
objetivo era descobrir de que maneira a revista é pensada, o que determina sua
linha editorial e o que representa a mulher da capa. Afinal de contas, o que está
por trás dessa embalagem que se diz tão moderna?

11
As publicações femininas podem ser consideradas termômetros sociais. Deixando
de lado preconceitos e idéias pré-concebidas é possível encontrar muito mais do
que “conselhos de comadres” e futilidades.
Um olhar atento enxerga quem são as mulheres desse tempo, o que pensam, o
que querem – desejos, anseios, medos, vergonhas – e principalmente, o que se
espera dessas mulheres. É através da revista que são definidas as regras de
comportamento, num “ordenamento de conduta” disfarçado pelo tom coloquial da
linguagem, como afirma Buitoni (1986).
A NOVA é a revista mais vendida em todo o mundo. Traduzida ao gosto do
freguês, ela é publicada em diversos países. No Brasil, já são quase 40 anos no
mercado se intitulando porta-voz da mulher moderna.
Nesse mundo multicor identifiquei transformações nos resultados encontrados em
análises realizadas nas décadas de 1970 e 1980. Segundo Buitoni (1986), o tripé
era composto por moda, casa e coração:
“O vestir, o morar, o sentir.(...) Coração é o tema mais
interior, relacionado à subjetividade e ao sentimento (....)
coração é literatura romântica, amor aos filhos, o sexo. (...)
Casa pode ser o corpo; nosso corpo é nossa morada.
Habitar bem esse corpo, conduz a habitar de verdade uma
casa (...) o mesmo mecanismo acontece com a moda –
apesar de ser aparência externa, tem muito a ver com quem
a usa” (p. 68)

Acredito que, hoje - falo do caso NOVA - esse tripé seja sustentado por três
temáticas: casamento, beleza e sucesso. Talvez não uma mudança substancial,
mas uma adaptação ao tempo. O casamento corresponde ao coração de outrora.
Em NOVA a leitora é levada a acreditar que o matrimônio é, senão o caminho, um
dos caminhos para a felicidade.
O sucesso é incentivado e cobrado em todos os setores. A mulher-NOVA deve
ser boa esposa, amante surpreendente, mãe dedicada, competente no trabalho,
enfim, uma mulher excepcional.
A revista utiliza uma reciclagem dos temas que se dispõe a abordar. É comum
encontrar, por exemplo, assuntos que foram tratados em reportagens
transformados em testes alguns números depois.

12
Ao analisar as capas da revista, confirmei uma suspeita. Em NOVA, o padrão de
beleza é o televisivo, Global, eu arriscaria dizer. A mulher escolhida para
estampar a capa traduz os conceitos de beleza e sucesso. E quando falamos de
um país onde o maior meio de entretenimento é a televisão, só alcança o
estrelato quem conseguir um espaço na “telinha”. A Rede Globo, por ser líder de
audiência, tem o poder de lançar e até criar sucessos, que transformam-se em
referência para outros meios de comunicação.
Televisão e revista acabam tendo a mesma função. Segundo Nolasco (1998), os
dois veículos funcionam como “uma fábrica de sonhos”. Para o autor, a televisão,
que poderia ser um veículo formador de opinião, vem sendo utilizada para manter
antigos padrões morais.
Para uma revista escrita para mulheres, senti falta de artigos e reportagens que
discutissem as implicações do “ser mulher” no contexto atual. A mulher de NOVA
continua dependendo de outro para se firmar enquanto pessoa, coloca a beleza
acima do bem-estar e se tornou escrava do sucesso.

REFERÊNCIAS
BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa Feminina. São Paulo: Ed. Ática, 1986.
_______, Mulher de Papel. São Paulo: Edições Loyola, 1981.
COLLIER, Jane & YANAGISAKO, Sylvia. Toward an Unified Analysis of Kinship
and Gender. IN: COLLIER, J. & YANAGISAKO, S. (Eds.) Kinship and Gender:
essays toward a unified analysis. Stanford University Presse, 1987.
LASMAR, Cristiane. Antropologia do Gênero nas Décadas de 70 e 80: Questões e
Debates. Teoria & Debate. Universidade Federal de Minas Gerais, nº 2, pp. 75 a
110, dezembro de 1997.
NOLASCO, Sócrates. Representações Masculinas e Femininas na Televisão. IN
RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo. Dicionário da Comunicação.
São Paulo: Ática, 1987.
SARTI, Cynthia & MORAES, Maria Quartim de. Aí a porca torce o rabo. IN.
BRUSCHINI, Maria Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Vivência - História,
sexualidade e imagens femininas. São Paulo: Brasiliense, 1980.

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