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hooks, bell. The Will to Change: Men, Masculinity, and Love.

New York: Washington


Square Press, 2004. Chapter 2 Understanding Patriarchy, p. 17-36. Tradução para uso
didático, Brasil, Rio de Janeiro, abril de 2020.

ENTENDENDO O PATRIARCADO

por bell hooks


tradução Kaká Portilho1

O patriarcado é a doença social que mais eminentemente põe em risco a vida,


agride o corpo e o espírito masculino em nossa nação. No entanto, a maioria dos homens
não usa a palavra "patriarcado" na vida cotidiana. A maioria deles nunca pensa em
patriarcado - o que significa, como foi criado e sustentado. Muitos homens em nossa
nação não sabem soletrar a palavra ou pronunciá-la corretamente. A palavra "patriarcado"
simplesmente não faz parte do pensamento ou do discurso cotidiano. Homens que
ouviram e conhecem a palavra, geralmente a associam à libertação das mulheres, ao
feminismo, e acabam descartando-a como irrelevante para suas próprias experiências. Eu
tenho estado em tribunas, falando sobre patriarcado por mais de trinta anos. É uma
palavra que uso diariamente, e os homens que me ouvem costumam sempre me perguntar
o que quero dizer com isso.
Nada demonstra mais a velha postura antifeminista dos homens como todo-
poderoso do que a sua ignorância básica sobre uma faceta importante do sistema político,
que molda e informa a identidade masculina e o senso de si, desde o nascimento até a
morte. Eu frequentemente uso a frase “patriarcado, capitalista, imperialista e
supremacista branco” para descrever os sistemas políticos interligados, que são a base da
nossa política de nação. Dos sistemas existentes, o patriarcado é o que mais
constantemente nos “socializa” impondo as maneiras comportamentais pelas quais
devemos desempenhar nossos papéis determinados pelo gênero, ainda que não tenhamos
conhecimento algum sobre o termo.
O patriarcado é um sistema político-social que insiste na ideologia da
superioridade e dominância dos “homens” sobre tudo e todos que são considerados

1
Pesquisadora do Institute of African Studies/Nigéria, doutoranda do curso de Antropologia Social, Mestre
em Relações Étnico-Raciais, fundadora da Sociedade Matriarcado Afreekana, coordenadora do Centro de
Altos Estudos e Pesquisa Afro-Pindorâmica (CEPA) da UKAY/Instituto Hoju.
inferiores e frágeis, especialmente às mulheres, dando-lhes o direito de dominar estes
“fracos” e manter o domínio através de várias formas de violência e terrorismo
psicológico. Quando nasci, meu irmão mais velho tinha um ano de idade, e o patriarcado
determinou exatamente como cada um de nós deveria ser tratado por nossos pais. Eles
acreditavam no patriarcado; eles haviam aprendido o pensamento patriarcal por meio da
religião.
Na igreja, eles aprenderam que deus2 criou o homem para governar o mundo e
tudo que nele havia. E era atribuição das mulheres auxiliá-lo na realização dessas tarefas,
assumindo o lugar de subordinação em relação ao homem, e obedecendo ao todo-
poderoso. Eles foram instruídos a acreditar que deus era homem. Esses ensinamentos
foram reforçados em todas as instituições que tivemos contato – escolas, tribunais,
clubes, arenas esportivas e igrejas. Absorvendo o pensamento patriarcal – como todo
mundo ao nosso redor – eles o repassaram a nós, seus filhos, porque, para eles, era a
forma "natural" de organização da vida.
Como filha deles, fui ensinada que era meu papel servir, ser frágil, estar livre do
fardo do pensamento, cuidar e nutrir os outros, sem receber os mesmos cuidados. Ao
meu irmão foi ensinado que seu papel era de ser servido; prover; ser forte; pensar, criar
estratégias e planejar; e se recusar a cuidar ou nutrir outras pessoas. Eu fui ensinada que
não era apropriado que uma mulher fosse violenta, era algo "antinatural". Meu irmão
aprendeu que seu valor era determinado por sua coragem e violência (embora em
contextos apropriados). Ele foi ensinado que para um garoto gostar de violência era algo
bom (em contextos apropriados), e que um menino não deve expressar seus sentimentos.
Mas, para mim, o aprendizado foi que as meninas podem e devem expressar seus
sentimentos, ou pelo menos alguns deles. Quando eu reagi com raiva ao negar um
brinquedo, fui advertida sobre a raiva não ser um sentimento feminino. Em uma família
patriarcal, a raiva não deveria ser expressa por mulheres, devendo ser totalmente
erradicada. Na vez do meu irmão, quando reagiu com raiva por ter sido negado um
brinquedo, ele foi ensinado, na mesma família patriarcal, que sua capacidade de
expressar a raiva era oportuna, mas que ele deveria aprender o contexto mais adequado
para desencadear sua hostilidade. Não era bom para ele usar a sua raiva para se opuser
aos desejos de seus pais. Mas, quando ele cresceu, aprendeu que a raiva era facultada e
permitir que a raiva provocasse a violência, o ajudaria a se tornar protetor do lar e da
nação.
Morávamos no campo, isolados de outras pessoas. Nossa distinção de papéis de
gênero foi repassada por nossos pais, e pela maneira como os vimos comportarem-
se. Meu irmão e eu lembrávamos da nossa confusão sobre gênero. Na realidade, eu era
mais forte e mais violenta do que meu irmão, o que aprendemos rapidamente que era
errado. E ele era um garoto gentil e pacífico, o que aprendemos que era realmente muito
ruim. Embora muitas vezes ficássemos confusos, certamente tínhamos ciência sobre um
fato: nós não poderíamos ser e agir da maneira que gostaríamos, agindo pelos nossos
sentimentos. Isso ficou bem definido para nós: nosso comportamento deveria seguir um
roteiro predeterminado pelo gênero. Nós dois aprendemos a palavra "patriarcado" em
nossa vida adulta, quando aprendemos que o script que determinou o que deveríamos
ser, as identidades que teríamos, baseava-se em valores e crenças patriarcais sobre
gênero.
Eu sempre estava mais interessada em desafiar o patriarcado do que meu irmão,
talvez fosse porque era o sistema que sempre me deixava de fora das coisas que eu
gostaria de fazer parte. Na vida familiar dos anos 1950, as bolas de gude eram jogos de
meninos. Meu irmão herdara suas bolinhas de gude dos homens da família; ele tinha uma
caixa de lata para guardá-las. De todos os tamanhos e formas, incrivelmente coloridas,
eram para os meus olhos os objetos mais lindos que eles podiam ver. Nós jogávamos
juntos, muitas vezes comigo agarrando-se violentamente às bolas de gude, recusando-
me a compartilhá-las. Quando papai estava no trabalho, nossa mãe, que quase sempre
estava em casa, ficava muito satisfeita em nos ver jogando bolinhas de gude juntos. No
entanto, papai, olhando para a cena por uma perspectiva patriarcal, ficou perturbado com
o que viu. Sua filha, agressiva e competitiva, era uma jogadora muito melhor que o seu
filho. O filho era passivo; realmente não parecia se importar com quem ganhara, e estaria
disposto a me dar suas bolas de gude a cada vitória. Então, papai decidiu que aquela
brincadeira tinha que terminar, e que eu e meu irmão precisávamos aprender uma lição
sobre papéis apropriados a cada sexo.
Numa noite, meu irmão recebeu permissão de nosso pai para pegar a lata de
bolinhas de gude. Anunciei meu desejo de jogar e fui informada, por meu irmão, que “as
meninas não brincavam com bolinhas de gude”, que era um jogo de meninos. Aquilo
não fez sentido na minha mente de quatro ou cinco anos, e eu insisti no meu direito de
jogar. Peguei as bolas de gude e atirei nele. Papai mandou que eu parasse. Eu não
escutei. Sua voz ficou cada vez mais alta. Então, de repente, ele me pegou, quebrou uma
tábua da nossa porta de tela e começou a me bater com ela, me dizendo: “Você é apenas
uma garotinha. Quando eu digo para você fazer alguma coisa, você deve fazer o que eu
disser”. Ele me bateu e bateu, para que eu reconhecesse o que havia feito. Sua violência
chamou a atenção de todos. Nossa família ficou assustada diante da pornografia da
violência patriarcal. Depois dessa surra eu fui forçosamente banida à solidão e ao escuro.
Mamãe entrou no quarto para aliviar a dor, me dizendo suavemente, com seu sotaque
sulista: “Tentei avisar a você. Você precisa aceitar que você é apenas uma garotinha, e
garotas não podem fazer o que os garotos fazem”. A serviço do patriarcado, sua tarefa
era validar que papai fizera a coisa certa, e colocar-me no meu lugar, restaurando a
“ordem social natural”.
Lembro-me tão bem desse evento traumático, porque era uma história contada e
recontada dentro de nossa família. Ninguém se importava se a recorrente exposição
daquele episódio pudesse desencadear estresse pós-traumático; para reforçar a
mensagem e o sentimento de absoluta impotência, era necessário repetir a história muitas
e muitas vezes. A lembrança daquele chicoteamento brutal de uma criança pequena por
um grande e forte homem serviu muito mais do que apenas um apontamento do meu
lugar de gênero. Foi uma nota para todos que estavam assistindo, demonstrando para
todos os meus irmãos, homens e mulheres, e para nossa mãe, que nosso pai patriarcal
era o governante em nossa casa. A mensagem era: se não obedecêssemos às suas regras,
certamente seríamos punidos, punidos até a morte. E assim fomos experimentalmente
educados na arte do patriarcado.
Não há nada único ou mesmo excepcional nessa experiência. Basta ouvir os
depoimentos de lembranças de feridas de crianças já crescidas, criadas em lares
patriarcais, que ouvirá versões diferentes, mas com o mesmo tema subjacente, o uso da
violência para reforçar a doutrinação e a aceitação do patriarcado.
Em How Can I Get Though to You?,3 o terapeuta familiar Terrence Real conta
como seus filhos foram iniciados no pensamento patriarcal, enquanto seus pais
trabalhavam para criar um lar amoroso, onde os valores antipatriarcais
prevalecessem. Ele conta como seu filho mais novo, Alexander, gostava de se vestir como
uma Barbie, até que, brincando com seu irmão mais velho, ao testemunhar sua
personalidade Barbie, chocado, demonstrou, pelo olhar e pelo silêncio, total desaprovação
de seu comportamento inaceitável:
Sem um pingo de maldade, aquele olhar transmitiu para o meu filho a seguinte
mensagem: você não deve fazer isso. E a forma como a mensagem foi
transmitida, propiciou um potente sentimento: a vergonha. Aos três anos,
Alexander estava aprendendo as regras. Sem uso da linguagem verbal, apenas dez
segundos foram suficientemente poderosos para dissuadir meu filho. E ele,
daquele instante em diante, deixou de lado sua atividade favorita. Eu chamo esses
momentos de indução de "traumatização normal" de meninos.

Para doutrinar os meninos, segundo as regras do patriarcado, nós os forçamos a


sentir dor, mas manter a negação dos seus sentimentos, sem expressá-los.
Minhas histórias se sucederam nos anos cinquenta; as histórias que o Real conta
são recentes. Porém, ambas ressaltam a tirania do pensamento patriarcal, seu poder como
cultura patriarcal, que nos mantém em cativeiro. Real é um dos mais destacados
pensadores sobre o assunto da masculinidade patriarcal em nossa nação, e, ainda assim,
ele permite que os leitores saibam que ele não é capaz de manter seus filhos fora do
alcance do patriarcado. Eles sofrem seus ataques, como todos os meninos e meninas, em
maior ou menor grau. Sem dúvidas, criando um lar amoroso que não é patriarcal, Real,
pelo menos, tenta oferecer a seus filhos uma escolha: eles podem escolher ser eles
mesmos ou podem optar pela conformidade dos papéis patriarcais. Real usa a expressão
“patriarcado psicológico” para descrever o pensamento patriarcal comum às fêmeas e aos
machos.
Apesar do pensamento visionário feminista contemporâneo evidenciar que o
pensador patriarcal não precisa ser homem, a maioria das pessoas continua a ver os
homens como o problema do patriarcado. Este simplesmente não é o caso. As mulheres
podem ser tão apegadas ao pensamento e à ação patriarcal quanto os homens.
A objetiva definição de patriarcado apresentada pelo psicoterapeuta John
Bradshaw em Creating Love is a useful one diz: “O dicionário define 'patriarcado' como
uma 'organização social marcada pela supremacia do pai no clã ou família, tanto nas
funções domésticas quanto nas religiosas ...' O patriarcado é caracterizado pela
dominação e poder masculino". Ele afirma ainda que “as regras patriarcais continuam
governando a maioria dos sistemas escolares-religiosos e familiares". Considerando a
mais prejudicial dessas regras, Bradshaw lista a “obediência cega – a base sobre a qual o
patriarcado se apoia; a repressão de todas as emoções, exceto o medo; a destruição da
força de vontade individual; e a repressão do pensamento, que sempre partem do modo
de pensar daquele representante que figura como autoridade”. O pensamento patriarcal
molda os valores da nossa cultura. Somos socializados neste sistema, tanto mulheres
quanto homens. Muitos de nós adquirimos atitudes patriarcais em nossa família de
origem, hábitos que geralmente são ensinados por nossas mães. E essas atitudes
patriarcais são reforçadas em escolas e instituições religiosas.
A presença “contemporânea”4 de mulheres chefiando famílias indica que a
educação e os valores patriarcais são transmitidos às crianças dessas famílias através de
suas mães, visto que nessas famílias, não existe a presença masculina. Elas declaram que
os homens são os únicos professores do pensamento patriarcal. No entanto, muitas
famílias chefiadas por mulheres endossam e promovem o pensamento patriarcal com uma
paixão muito maior do que famílias chefiadas por homens, porque suas realidades
experienciais não as permitem desafiar falsificações fantasiosas sobre papéis de gênero.
É maior a probabilidade de que as mulheres nessas famílias idealizem o papel masculino
patriarcal e os homens patriarcais do que as mulheres que convivem com homens
patriarcais todos os dias. Precisamos destacar o papel que as mulheres desempenham na
perpetuação e manutenção da cultura patriarcal, assim, reconheceremos o patriarcado
como um sistema apoiado igualmente por mulheres e homens, ainda que os homens
tenham mais privilégios e ganhos com este sistema. O desmantelamento e a mudança da
cultura patriarcal é um trabalho coletivo, que homens e mulheres devem fazer juntos.
Obviamente, não podemos desmantelar um sistema enquanto negamos seus
impactos em nossas vidas. O patriarcado exige o domínio masculino de qualquer forma
ou meio necessário, portanto, ele se apoia, promove e tolera violências sexistas. Ouvimos
mais sobre violência sexista nos discursos públicos sobre violação e abuso por parte de
parceiros domésticos. Mas, as formas mais comuns de violência patriarcal são aquelas
que ocorrem em casa, entre pais e filhos de famílias patriarcais. O objetivo de tal violência
geralmente é reforçar o modelo dominador, no qual a figura de autoridade governa sobre
aqueles ‘sem poder’ e com o direito de manter essa regra através de práticas de
subjugação, subordinação e submissão.
Impedir que homens e mulheres dissessem a verdade sobre o que acontece com
eles em suas famílias é uma maneira de manter a cultura patriarcal ativa. A grande maioria
dos indivíduos impõe uma regra tácita na cultura como um todo, que exige que guardemos
os segredos do patriarcado, protegendo, desse modo, o domínio do pai. Esta regra do
silêncio é mantida, inclusive quando a cultura se recusa a tornar acessível a todos o
entendimento do termo "patriarcado". A maioria das crianças não aprende como nomear
esse sistema de papéis institucionalizados de gênero, e raramente nós o nomeamos no
discurso cotidiano. Esse silêncio promove a negação. E como podemos nos organizar
para desafiar e mudar um sistema que não pode ser nomeado?
Não é por acaso que as feministas começaram a usar a palavra "patriarcado" para
substituir "chauvinismo masculino" e "sexismo", mais comumente usados. Estas vozes
corajosas queriam que homens e mulheres se tornassem mais conscientes de como o
patriarcado afeta a todos nós. Na cultura popular, a própria palavra dificilmente era usada
mesmo durante o auge do feminismo contemporâneo. Ativistas antimachos estavam tão
ansiosas quanto seus colegas machistas para enfatizar o sistema patriarcal e seu
funcionamento. Para fazer isso, tiveram automaticamente que expor a noção de que os
homens eram todo-poderosos e as mulheres destituídas de poder; e a visão que todos os
homens eram opressores, e as mulheres, sempre e apenas vítimas. Colocando a culpa pela
perpetuação do sexismo apenas nos homens, essas mulheres poderiam manter sua própria
lealdade ao patriarcado, e seu próprio desejo de poder. Elas mascararam seu desejo de
serem dominadoras, assumindo o manto da vitimização.
Como muitas feministas de visão radical, eu desafiei as noções equivocadas,
apresentadas por mulheres que simplesmente estavam cansadas da exploração e da
opressão masculina, de que os homens eram "o inimigo". Já em 1984, eu incluí no meu
livro Feminist Teoria: From Margin to Center5 um capítulo com o título "Men: Comrades
in Struggle” [Homens: companheiros em luta], incentivando os defensores da política
feminista a desafiar qualquer teoria que atribuísse a culpa pela perpetuação do patriarcado
e a dominação masculina sobre os homens:
A ideologia separatista encoraja as mulheres a ignorar o impacto negativo do
sexismo na personalidade masculina. Ela enfatiza a polarização entre os sexos.
Segundo Joy Justice, os separatistas acreditam que existem “duas perspectivas”
sobre a questão de nomear as vítimas do sexismo: “existe a perspectiva que os
homens oprimem as mulheres; e a perspectiva que pessoas são pessoas, e todos
nós somos prejudicados pela rigidez dos papéis sexuais”… Ambas as
perspectivas descrevem com precisão a nossa situação. Os homens oprimem as
mulheres. As pessoas são afetadas pelos rígidos padrões sexistas. Essas duas
realidades coexistem. A opressão masculina sobre as mulheres não pode ser
desculpada ou amenizada pelo reconhecimento da existência de maneiras pelas
quais os homens são feridos pela rigidez dos papéis sexistas. Ativistas feministas
devem reconhecer essa dor e trabalhar para mudá-la – e ela existe. Não se trata
de apagar ou diminuir a responsabilidade masculina no apoio e na perpetuação
de seu poder patriarcal para explorar e oprimir as mulheres de uma maneira muito
mais grave e dolorosa do que o estresse psicológico e dor emocional causados
pela conformidade masculina com os padrões rígidos dos papéis sexistas.

Ao longo deste ensaio, enfatizei que as defensoras do feminismo conspiram contra


a dor de homens feridos pelo patriarcado quando os representam falsamente, sempre e
apenas como “poderosos” ou “governantes”, ou genericamente gozando de privilégios
por sua cega devoção ao patriarcado. Enfatizei que a ideologia patriarcal faz uma lavagem
cerebral nos homens, que passam a acreditar que seu domínio sobre as mulheres é
benéfico, quando não é:
Muitas vezes, ativistas feministas afirmam essa lógica, quando deveríamos estar
constantemente nomeando esses atos como expressões e relações de poder
pervertidas, falta total de controle das ações, impotência emocional,
irracionalidade extrema e, em muitos casos, insanidade total. A absorção passiva
dos homens da ideologia sexista permite que os homens interpretem falsamente
esse comportamento perturbador de maneira positiva. Contanto que os homens
sejam submetidos à lavagem cerebral para equiparar o domínio violento e o abuso
de mulheres com privilégio, eles não entenderão o dano causado a si mesmos ou
aos outros, e não terão nenhuma motivação para mudar.

O patriarcado exige que os homens se tornem e permaneçam emocionalmente


aleijados. Como é um sistema que nega aos homens acesso total à sua liberdade de
vontade, é difícil para qualquer homem de qualquer classe se rebelar contra o patriarcado,
ser desleal ao pai patriarcal, seja esse homem ou mulher.
O homem, o qual eu tenho vínculos afetivos por mais de doze anos, foi
traumatizado pela dinâmica patriarcal em sua família de origem. Quando eu o conheci,
ele tinha vinte e poucos anos, enquanto em seus anos de formação ele viveu na companhia
de um pai violento e alcoólatra, circunstâncias que se modificaram quando ele fez doze
anos e foi morar sozinho com sua mãe. Nos primeiros anos do nosso relacionamento, ele
falou abertamente sobre sua hostilidade e raiva em relação a seu pai abusador. Ele não
estava interessado em perdoá-lo ou entender os motivos que moldaram e influenciaram a
vida de seu pai, fosse em sua infância ou em sua vida profissional como militar.
Nos primeiros anos de nosso relacionamento, ele foi extremamente crítico em
relação aos homens dominarem mulheres e crianças. Embora ele não tenha usado a
palavra “patriarcado”, ele entendeu seu significado e se opôs. Seu jeito silencioso e gentil,
muitas vezes levava as pessoas a ignorá-lo, classificando-o entre os fracos e
impotentes. Aos trinta anos, ele começou a assumir uma personalidade mais machista,
abraçando o modelo dominador que ele havia criticado. Vestindo o manto do patriarcado,
ele ganhou maior respeito e visibilidade. Mais mulheres se sentiram atraídas por ele. Ele
foi mais notado nas esferas públicas. E suas críticas à dominação masculina cessaram. E
de fato ele começou a discursar a retórica patriarcal, afirmando alguns tipos de coisas
sexistas que o teriam horrorizado no passado.
Essas mudanças em seu pensamento e comportamento foram desencadeadas por
seu desejo de ser aceito e a necessidade de afirmação em um local de trabalho patriarcal,
racionalizado por seu desejo de seguir em frente. A história dele não é incomum. Meninos
brutalizados e vitimados pelo patriarcado frequentemente se tornam patriarcais,
incorporando a masculinidade patriarcal abusiva que eles reconheciam abertamente como
algo ruim. Poucos homens brutalmente abusados quando meninos, em nome de uma
masculinidade patriarcal, resistem corajosamente à lavagem cerebral e permanecem
verdadeiros para si mesmos. A maioria dos homens adere ao patriarcado de uma maneira
ou de outra.
De fato, a crítica feminista radical ao patriarcado tem sido praticamente silenciada
em nossa cultura. Tornou-se um discurso subcultural disponível apenas para elites bem-
instruídas. E, mesmo nesses círculos, o uso da palavra "patriarcado" é considerado como
passé. Muitas vezes nas minhas palestras quando uso a frase “patriarcado capitalista,
imperialista, supremacista branco” para descrever a política de nosso sistema de nação, o
público ri. Ninguém nunca me explicou por que nomear com precisão esse sistema, é
engraçado. O riso é em si uma arma de terrorismo patriarcal. Funciona como um aviso,
que diminui o significado do que está sendo nomeado. Sugere que as próprias palavras
são problemáticas e não o sistema que elas descrevem. Interpreto esse riso como a
maneira do público demonstrar desconforto, ao ser solicitado a aliar-se a uma crítica
desobediente e antipatriarcal. Essa risada me lembra que, se eu ousar desafiar o
patriarcado abertamente, arrisco-me a não ser levada a sério.
Os cidadãos deste país temem desafiar o patriarcado, mesmo que eles não tenham
consciência explícita do que têm medo, pois as regras do patriarcado estão tão profunda
e inconscientemente enraizadas em nossa coletividade. Costumo dizer ao público que, se
fôssemos de porta em porta perguntando se deveríamos acabar com a violência masculina
contra as mulheres, a maioria das pessoas daria seu apoio inequívoco. Então, se você
dissesse a essas mesmas pessoas que só poderemos interromper a violência masculina
contra as mulheres acabando com a dominação masculina, erradicando o patriarcado, elas
começariam a hesitar, a mudar sua posição. Apesar das muitas conquistas do movimento
feminista contemporâneo – maior igualdade para as mulheres na força de trabalho, mais
tolerância à renúncia a rígidos papéis de gênero – o patriarcado como sistema permanece
intacto, e muitas pessoas continuam a acreditar que é necessário aos seres humanos para
sobreviver como espécie. Essa crença parece irônica, visto que os métodos patriarcais de
organização das nações, especialmente a insistência na violência como meio de controle
social, massacrou milhões de pessoas no planeta.
Até que possamos reconhecer coletivamente os danos e sofrimentos causados pelo
patriarcado e o que isso cria, não podemos lidar com a dor masculina. Nós não podemos
exigir dos homens o direito de serem inteiros, doadores e sustentadores da vida.
Obviamente, alguns homens patriarcais são cuidadores confiáveis e até benevolentes e
provedores, mas ainda estão aprisionados a um sistema que mina sua saúde mental.
O patriarcado promove a insanidade. Está na raiz dos males psicológicos dos
homens, dado preocupante em nossa nação. No entanto, não existe uma preocupação
coletiva com a situação dos homens. Em Stiffed: The Betrayal of the America Men, Susan
Faludi inclui pouquíssima discussão sobre o patriarcado:

Peça às feministas para diagnosticarem os problemas dos homens, e geralmente


você terá uma explicação muito nítida: os homens estão em crise porque as
mulheres estão desafiando adequadamente o domínio masculino. As mulheres
estão pedindo aos homens que compartilhem o governo público e os homens não
podem suportar. Pergunte aos antifeministas, e você obterá um diagnóstico muito
semelhante. Os homens estão preocupados, dizem muitos especialistas
conservadores, porque as mulheres foram muito além de suas demandas por
igualdade no tratamento, e agora estão tentando tirar o poder e o controle dos
homens... A mensagem subjacente é: homens não podem ser homens, apenas
eunucos, se não o são, é controle. Tanto as visões feminista e antifeminista estão
enraizadas em uma percepção americana particularmente moderna, de que ser
homem significa estar no controle, e em todos os momentos se sentir no controle.

Faludi nunca interroga a noção de controle. Ela nunca considera que a noção de que os
homens estavam de alguma forma no controle, no poder e satisfeitos com suas vidas antes
do movimento feminista contemporâneo pode ser falsa. O patriarcado, como sistema,
negou aos homens acesso total ao bem-estar emocional, o que não é o mesmo que se
sentir recompensado com o sucesso, ou poderoso por causa da capacidade de alguém
afirmar o controle sobre outros. Para abordar realmente a dor e a crise masculina, como
nação, devemos estar dispostos a expor a dura realidade sobre os danos causados aos
homens pelo patriarcado no passado e a continuidade dos prejuízos no presente. Se o
patriarcado realmente recompensasse os homens, a rotina de violência na vida familiar
tão difundida não existiria. Essa violência não foi criada pelo feminismo. Se o patriarcado
fosse recompensador, a insatisfação avassaladora que muitos homens sentem em suas
vidas profissionais – uma insatisfação amplamente documentada no trabalho Studs
Terkel, que ecoou no tratado de Faludi – não existiria. De muitas maneiras, Stiffed foi
mais uma traição aos homens americanos. Porque Faludi gasta tanto tempo tentando não
desafiar o patriarcado que ela falha em não destacar a necessidade de extinguir o
patriarcado, se nossa intenção for libertar os homens. Em vez disso, ela escreve:
Em vez de se perguntar por que os homens resistem à luta das mulheres por
liberdade e uma vida saudável, comecei a me perguntar por que os homens se
abstêm de se envolver em luta própria. Por que, apesar de um crescimento de
implicâncias aleatórias, eles não oferecem resposta metódica e fundamentada a
essa situação: Dada a natureza insustentável e insultante das exigências impostas
aos homens para prover em nossa cultura, por que os homens não se revoltam?…
Por que os homens não responderam à série de traições em suas próprias vidas –
aos fracassos de seus pais ao não cumprirem suas promessas – com algo similar
ao feminismo?

Note que Faludi não se atreve a arriscar-se à ira das mulheres feministas,
sugerindo que os homens podem encontrar salvação no movimento feminista ou a
rejeição dos potenciais leitores masculinos solidamente antifeministas, propondo que
todos têm algo a ganhar ao se envolver com o feminismo.
Até agora, em nosso país, o movimento feminista visionário é a única luta por
justiça que enfatiza a necessidade de acabar com o patriarcado. Nenhum movimento de
massa de mulheres desafiou o patriarcado e nenhum grupo de homens veio junto para
liderar a luta. A crise que os homens enfrentam não é a crise de masculinidade, é a crise
da masculinidade patriarcal. Até fazermos uma distinção aberta entre essas diferenças, os
homens continuarão a temer qualquer crítica ao patriarcado, acreditando representar uma
ameaça. Ao distinguir a política do patriarcado, e com compromisso de acabar com o
machismo, o terapeuta Terrence Real deixa evidente que o patriarcado que prejudica a
todos nós está incorporado em nossa psiquê:
A psicologia do patriarcado é a dinâmica entre as qualidades consideradas
"masculino" e "feminino", das quais metade de nossos traços humanos é exaltada
enquanto a outra metade é desvalorizada. Homens e mulheres participam desse
sistema de valores deturpado. A psicologia do patriarcado é uma "dança do
desprezo", uma forma perversa de conexão que substitui a verdadeira intimidade
por complexas camadas secretas de domínio e submissão, conluio e
manipulação. Isto é o paradigma dos relacionamentos, não reconhecido, que tem
impregnado a civilização ocidental geração após geração, deformando ambos os
sexos e destruindo o vínculo de amor entre eles.

Ao delinear a psicologia do patriarcado, percebemos que todos estamos inclusos


nela e então nos desobstruímos da errônea compreensão de que os homens são nossos
inimigos. Para acabar com o patriarcado, precisamos desafiar tanto a sua perspectiva
psicológica quanto o seu campo concreto manifestado na vida cotidiana. Há pessoas que
são capazes de criticar o patriarcado, mas incapazes de agir de maneira antipatriarcal.
Para interromper a dor masculina, e responder efetivamente à sua crise,
precisamos nomear o problema. Precisamos reconhecer que o patriarcado é um problema
e agir para encerrá-lo. Terrence Real oferece-nos um inestimável insight: “a recuperação
da totalidade é um processo ainda mais difícil para os homens do que para as mulheres,
mais difícil e profundamente ameaçador para a sociedade em geral". Se os homens
quiserem recuperar a bondade essencial do ser masculino, com interesse em recuperar seu
espaço de coração aberto e expressando suas emoções – a base do bem-estar social –
devemos encontrar alternativas à masculinidade patriarcal. E todos nós devemos mudar.

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