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Sobre a obra:
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A todos os que vivem à
margem da sociedade:
santos, ladrões, prostitutas,
assassinos, ébrios,
pederastas, toxicômanos,
loucos;
Aos sentenciados da
Penitenciária de São Paulo
— criminosos ou não —,
dedico com alto e puro
amor.
Sumário
Capa
Rosto
Nota da edição
Um prefácio para (a alma nua de) Abdias
Nascimento, por Denise Carrascosa
Primeiras palavras
1. Chegando…
2. Cela 1013
3. A poesia brinca de passarinho
4. Pai do Céu
5. O pequeno “desgraçado”
6. “Meus amigos…”
7. Cara e coroa no destino de um homem
8. Lágrimas, risos e versos
9. A condessa e seu chofer
10. Onan e Sodoma
11. Tipo lombrosiano ou vocação de santo?
12. Meus “amarelos”
13. Lino Catarino, o Lampião Paulista
14. Gângster número um de São Paulo
15. O cáften e a prostituta
16. “Ridendo ‘castigo’ mores”
17. Do Giulio Cesare ao Massilia
18. Da regeneração
19. Gino Amleto Meneghetti ou A história
desconhecida de um herói e mártir
20. Vigília sem fim
Todos eles são discípulos do torpe dr. P., o covarde indivíduo que não
trepidou, quando delegado do posto policial de Vila Mariana, a mandar
asfixiar com gás vinte infelizes detidos e presos sem culpa formada.
Depois da chacina, chamara uma carroça de lixo e as vítimas seguiram o
caminho do Araçá, para o forno de incineração…
Foi durante esses instantes que nos tornamos grandes amigos. Meu único
amigo durante os trinta e um dias de prova. Libertei-o do problema da
bola, usando esse truque tanto com seus companheiros pardais como
também com as pombas que lhes arrancavam violentamente o pão da
boca, sem nenhuma consideração.
[…]
Daí aconteceu que o anônimo e simples pardal aleijado, de perna
quebrada, me confortou e alegrou quando eu me debatia na angústia mais
desesperada de minha vida! Como minúscula gota de poesia, o
pardalzinho inocente afastou um ser humano de caminhos difíceis e
soturnos.
Se você soubesse como eu o amo, pardal, meu único amigo!
Benedito
(Sentenciado 7349)
Penitenciária do Carandiru, dezembro de 1943
1. Chegando…
Aqui,
o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam
as faltas cometidas e reconduzem o homem à
comunhão social.
desalento
A brisa que perpassa sussurrante…
Por entre as trevas do meu viver tristonho,
Traz em seu seio a lucidez de um sonho,
Maravilhoso e bom, num passado já distante.
o tempo
Que foi o Tempo eu sei. Esse inimigo
Da mocidade, da paixão, da vida.
E pr’a o amor, decerto, o mor perigo
O Tempo tudo leva de vencida!
depoimento
A lua no céu vagava mansamente,
Circundada por estrelas cintilantes…
Além — um sino plangia dolentemente
Sobre a relva avistei os dois amantes
meditação
Todas as noites que a lua misteriosa
Vaga na amplidão celeste,
Minha alma qual pirilampo em voos de meteoros
Traz do firmamento todo o enigma.
E fascinada pela vastidão indecifrável
Dos ritos da filosofia
Soluça e chora a sua pequenez…
Meu queridinho,
Num dia desses vou precisar de você. Te avisarei. Quero que tenhas
saúde e… sejas forte… Eu te pertenço.
Teu W.
o demente
Vai alta a noite. D’entorno, — silêncio profundo!
Cansada, a prisão repousa em tétrico dormir;
Nem um passo, — nem um sopro parece se ouvir…
Dir-se-ia tudo morto: a vida, os viventes e o mundo!
delírio de amor
Oh, minha bela flor…
Como te amo ainda!…
E quanto amarga é minha dor,
Desta saudade infinda.
Nem sei por quê, Abdias, fui com a sua “cara”. Contei-
lhe toda a verdade que eu nunca disse a ninguém.
15. O cáften e a prostituta
Teleco-teco
Teleco-teco
Ele chegou de madrugada
Fazendo “oi” pra mim,
Teleco-teco…
Nascimento:
Eu precisava, como já disse, de um advogado moço, honesto e
inteligente que me atendesse no Fórum e me obtivesse a englobação e
uniformização dos cinco roubos. Compreendeu?
Veja se com sua bondade, suas amizades e relações — mesmo
recorrendo a uma subscrição pública —, veja se me pode socorrer,
arranjando-me esse advogado, e o mande falar comigo aqui.
Adeus, amigo Nascimento. Que sejas feliz na sua vida de moço culto e
livre.
Gino Menichetti
20.12.1943
20. Vigília sem fim
Não sei por que a música exerce tanta influência sobre mim.
Pois já faz tanto tempo que a professora Irma Del
Rimini87 trouxe aqui suas alunas e eu estou ouvindo,
como se fosse hoje, o canto daquelas moças. Mas
particularmente o rosto das mais belas parece me olhar
lá do meio daquelas estrelas que estou espiando pela
janelinha da minha cela. Também, com uma noite bonita
assim, não me admiraria se a própria sereia abandonasse
a doçura das águas para se espojar naquele céu azul,
borrifado de finíssima areia prateada.
A lipemania — melancolia que leva ao suicídio — está
me querendo dar um golpe de jiu-jítsu. Mas espera lá.
Será ela mesma que está me olhando? Tenho até a
impressão de que está me acenando! Sim, é ela mesma.
Reconheci-a pelos cabelos. Verdade que não eram assim.
Ela também esteve aqui cantando. Estou vendo-a
sorridente, a pulseira a escorrer-lhe até o cotovelo,
enquanto agitava no ar o braço direito, executando um
largo e fraternal gesto de “até logo”. Seus cabelos lá se
foram por entre os aplausos dos companheiros formados
em alas, enquanto ela se retirava distribuindo beijos.
Cabelos longos e negros de enxugar lágrimas. Cabelos
de Madalena. Verdade que não eram assim. Porém as
Madalenas são assim mesmo: nas noites bonitas,
aparecem no céu de cabeleira toda luminosa!
Penitenciária do Carandiru,
em São Paulo, janeiro de 1944
Posfácio
Carandiru somos todos nós
Apoio cultural:
Capa
Celso Longo + Daniel Trench
Imagem de capa
Fotografia de Abdias Nascimento, c. 1957/ Acervo Ipeafro
Imagens de miolo
Acervo Abdias Nascimento/ Ipeafro
Checagem e notas
Érico Melo
Preparação
Tati Assis
Revisão
Huendel Viana
Ana Maria Barbosa
Versão digital
Rafael Alt
isbn 978-65-5979-126-2
Mills, Charles W.
9786559791378
232 páginas
Levitsky, Steven
9788537818053
272 páginas
Waal, Frans de
9786559791330
576 páginas
Andrés, Roberto
9786559791347
512 páginas