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SÍNTESE DA FILOSOFIA HEGELIANA DA HISTÓRIA

A história é o lugar da realização do Absoluto como realidade infinita, i.e., absoluto livre.

A infinitude do Absoluto (Espírito) implica:


a) Que não pode haver limites para o Absoluto.
b) Que nada pode existir fora dele porque tudo o que lhe fosse exterior seria um limite e então
o Absoluto deixaria de ser Absoluto, i e, infinito.
c) Como não pode haver limitação e isso implica que nada pode ser exterior ao Absoluto este é
necessariamente a totalidade do real.

A História será a progressiva realização do Absoluto ou do Espírito como realidade livre,


infinita, isto é, como realidade que vai ganhando consciência de que tudo o que existe
tem a sua marca, é manifestação sua. Esta progressiva realização ou autoconsciência do
Absoluto é uma transcendência na imanência.

Se o Absoluto assume a condição histórica isso significa que assume formas finitas,
temporalmente limitadas, ou seja, torna-se imanente. Contudo, esta ligação ao finito não
é uma prisão porque nenhuma forma finita, dada a sua limitação, pode ser
definitivamente o Absoluto: manifesta-o de uma forma provisória.
O Absoluto será na sua longa encarnação histórica um devir dialéctico, isto é um processo de
constante negação e ultrapassagem das suas figuras finitas, Estas serão suprimidas e ao
mesmo tempo conservadas (Este processo de negar e ao mesmo tempo conservar tem o
nome de superação - AUFHEBUNG)
a) São suprimidas porque nenhuma figura finita pode existir por si própria, não tem autonomia
ontológica. Suprimir significa portanto negar que as realidades finitas possam subsistir em
si mesmas e afirmar que elas só existem como manifestação temporária, limitada, do Absoluto.
b) São conservadas porque sendo manifestações do Absoluto são integradas na totalidade
constituída pelo conjunto das manifestações do Absoluto. Se o Absoluto não conservasse
essas manifestações, apesar de ultrapassadas, não teria uma história e deixaria fora de si as
realidades finitas o que implicaria que não se realizaria como totalidade.

Portanto a história será a forma de o Absoluto se fazer absoluto e, tomarconsciência de


que tudo o existe tem a marca do Espírito e de que não há limites porque toda e qualquer
realidade finita é negada na sua finitude, na sua exterioridade em relação ao Absoluto e
integrada no seio deste como manifestação em que o Absoluto se revelou mas em que
não se fixou para sempre. O finito será negado como finito e afirmado como o «outro de si
mesmo» doInfinito.
A história é assim uma longa odisseia que consiste num processo de totalização, i e,
de realização do Absoluto como realidade que auto-suprime qualquer limitação, finitude ou
exterioridade, tomando assim consciência de que não há limites ao seu poder. Em suma, se o
Absoluto se torna imanente é para mostrar a si próprio que tudo é imanente a si próprio, ou
seja, que tudo é manifestação da sua infinitude e que ele tudo governa. A história é a
realização do Absoluto como omnipresença, como Espírito do Mundo, i e, a superação da
oposição absoluta entre o Infinito e o finito.

ESPÍRITO UNIVERSAL OU ESPÍRITO DO MUNDO (Weltgeist)


(O Absoluto como realidade imanente ou histórica)

ESPÍRITO NACIONAL OU ESPÍRITO DE UM POVO (Volksgeist)


(Realidade finita e de ordem espiritual na qual o Espírito Universal se manifesta mas não se
fixa definitivamente. É o «veículo» da manifestação histórica do Absoluto).

INDIVÍDUOS HISTÓRICO-MUNDIAIS
(Seres finitos como Júlio César e Napoleão, que realizam mesmo que disso não se apercebam
aquilo que o Espírito de um povo - enquanto lugar ou veículo da manifestação do Espírito
Universal - reclama. Cumprem, quer o queiram quer não,aquilo que o seu tempo deles exige,
sendo assim meios para o desenvolvimento da vida dos povos).
A FILOSOFIA HEGELIANA DA HISTÓRIA
A FILOSOFIA HEGELIANA DA HISTÓRIA
1. O Sentido da História é a Realização da Liberdade.
Para Hegel o Absoluto (o Espírito, a Ideia, Deus) é o tema da Filosofia. Hegel não se
limita a dizer que Deus é ou existe. Mostra como Deus ou o Absoluto toma consciência
de que é absoluto ou realidade infinita. Ora uma realidade só prova que é infinita provando a
si mesma que não é finita. Uma realidade para se definir concretamente exige a relação com a
sua contrária, a identidade forma-se por meio das diferenças.
Como é que o Absoluto prova a sua infinitude? Assumindo a forma do finito, de realidade
histórica, espacio-temporalmente circunscrita. Por isso se o Absoluto, fosse concebido como
realidade que transcende, que está absolutamente separada da história, do mundo, isto é, das
realidades finitas, ele não tomaria consciência de si como Absoluto ou infinito, não se realizaria,
não passaria de Absoluto em potência a Absoluto em acto.
A história, a manifestação do Absoluto no domínio do espaço e do tempo é a maneira de
o Absoluto mostrar a si mesmo que é absoluto, isto é, a totalidade do real. Por outras
palavras, a história revela progressivamente que nada existe fora do Absoluto, que este
governa tudo, que não há limites ao seu poder.
A afirmação do Absoluto como realidade histórica é consequência da afirmação do Absoluto
como realidade imanente, isto é, realidade que só existe efectivamente manifestando-se no
domínio espácio-temporal. O Absoluto não é uma realidade que se realize como tal de forma
imediata porque isso seria transformá-lo numa realidade que estaria dada de uma vez para
sempre. Porque razão não pode ele ser uma realidade imediata (não mediata)? Porque razão
não pode ele ser uma realidade fechada em si mesma? Porque só se realiza como Absoluto ou
Infinito mediante o outro de si mesmo, mediante a assunção de formas finitas cuja realidade
consiste em serem constantemente ultrapassadas e nunca definitivas. Negada a absoluta
transcendência do Absoluto, devemos dizer que o Absoluto faz-se e não simplesmente que
é. O palco privilegiado desta realização é a História Universal. A vida do Absoluto
desenvolve-se no seio da História. Quando dizemos que o Absoluto se realiza como
absoluto devemos ter em atenção que o Absoluto é uma realidade espiritual. Ora, Para Hegel
espírito e liberdade são realidades idênticas. Deste modo, a História deve ser perspectivada
como um vasto movimento de realização ou actualização da liberdade. Assim, quanto mais a
liberdade está presente no mundo humano ou histórico tanto mais o Absoluto se
absolutiza. A vida do Absoluto é inseparável da experiência humana da liberdade. Caso não
houvesse lugar para a liberdade no domínio humano, o Absoluto seria uma realidade abstracta
sem vida.
Esta correlação significa que mediante a história o Absoluto se torna para si aquilo que é em si.
Em si mesmo, o Absoluto é aquilo que é, mas não tem consciência efectiva de o ser.
Como é que o Absoluto toma consciência de que é o fundamento que torna inteligível
toda a realidade histórica? Tornando-se presente nessa realidade, ou seja,
reconhecendo progressivamente que toda e qualquer figura histórica é um momento da
sua vida, uma etapa na progressiva consciencialização de que toda a história é a sua
história.
Não se esgotando em nenhum dos momentos históricos aos quais é imanente, o Absoluto vai
adquirindo consciência de que é uma imanência total, ou seja, que todas as etapas históricas
são as formas finitas mediante os quais o infinito se realiza, se actualiza, se conhece a si
mesmo. Sendo o Absoluto a razão divina, deve-se dizer que a história é governada pela razão
e que devemos ultrapassar uma visão superficial que a transformaria no lugar do caos e da
arbitrariedade. A história tem um sentido, uma finalidade racional: a afirmação do Absoluto
como realidade livre, ou seja, como realidade que transforma todo e qualquer obstáculo
aparentemente exterior numa negação que o Absoluto constantemente nega ou ultrapassa.
Podemos dizer que através da história se vai suprimindo progressivamente a distância entre o
Absoluto e o mundo humano. Sabemos que o Absoluto deve ultrapassar a fixação em si
mesmo e tornar-se imanente. Ora esta imanência não se realiza de forma imediata mas
historicamente.
Assim o que significa tornar-se imanente? Significa que há um processo de realização
do Absoluto mediante o qual este se revela a si próprio como incluindo os vários
momentos históricos no seu seio. O mundo humano torna-se um conteúdo imanente ao
Absoluto. Eis o segredo da História: para o Absoluto, torna-se imanente ao mundo é
tornar o mundo imanente a si, ou seja, quando o Absoluto se manifesta na história ele
transforma-a num conjunto de momentos, que são momentos da sua vida. É nisto que
consiste o progresso na consciência da liberdade. Tornando a história um conteúdo que
lhe é imanente, o Absoluto ultrapassa todo e qualquer limite exterior.
Reencontramos então uma das afirmações fundamentais da filosofia hegeliana: o Absoluto é a
totalidade do real sob ~ forma de devir, ou seja, o Absoluto transforma-se, mediante a imensa
odisseia histórica, na totalidade do real. Marcando a sua presença no mundo histórico o
Absoluto faz deste a sua presença viva.
Qual a relação entre esta odisseia do Absoluto e a experiência histórica do Homem?
Sabemos já que a efectiva realização do Absoluto é inseparável da realização do Homem
como ser livre, ser que não está dividido consigo mesmo. Hegel tinha clara consciência desta
cisão. Há no homem uma vocação metafísica, uma aspiração ao Absoluto. Se o Absoluto for
concebido como transcendente ao mundo ou à história, a aspiração do Homem é fonte de
infelicidade e pode conduzir à alienação, isto é, à negação do mundo e à procura ilusória do
além. A sede de Absoluto transforma-se em vivência infeliz a partir do momento em que o
homem procura, fora do mundo, algo que está fora do seu alcance. Instala-se o conflito entre
este mundo e o outro, entre o mundo terrestre e o reino dos céus (reino espiritual), entre o
homem como ser corpóreo e o homem como ser espiritual. Para Hegel, este conflito ou ruptura
do homem consigo próprio só pode ser ultrapassado ou resolvido se for vencido o fosso entre o
Absoluto (Deus) e o mundo. Esta reconciliação entre Deus e o mundo leva ao reencontro do
homem com o mundo, com Deus e com o outro homem. A partir do momento em que o
Absoluto é visto como realidade que se realiza na história, a aspiração do homem ao Absoluto
deixa de ser uma quimera porque a realização do Absoluto é inseparável da realização da
liberdade do Homem. Em suma, a História é concebida de uma forma teleológica, ou seja,
como tendo uma finalidade que é a progressiva revelação do Absoluto como sendo e sabendo
ser toda a realidade. Por outro lado, a história é uma teodiceia porque
tudo o que nela acontece se justifica como tendo um sentido divino.
A História é um vasto processo, um movimento de progresso que apresenta, sob a aparência
superficial do caos e da arbitrariedade dos acontecimentos, os diferentes graus de realização
da liberdade, ou seja, de absolutização do Absoluto. Quanto mais a liberdade está presente no
mundo humano tanto mais o Absoluto se reconhece como tal, tanto mais efectiva, clara e
transparente é a sua consciência de si. Em linguagem religiosa, que Hegel várias vezes utiliza,
pode-se dizer que Deus conhece-se no homem, que o "reino de Deus" é também constituído
pelo homem.
A razão divina manifesta-se, realiza-se progressivamente, nas criações humanas. Quanto mais
o homem é livre, ou seja, se reconhece a si como homem, tanto o mais o Absoluto se
absolutiza, i. e, se desaliena, reconhece o mundo como presença de si ou espelho da sua
glória. Liberdade do homem e realidade efectiva do Absoluto são termos correlativos.

2.Deus, o Absoluto, é o Espírito do Mundo.


O Absoluto, o Espírito divino enquanto se manifesta na História, assumindo diversas
figuras que se suprimem progressivamente umas às outras no seu isolamento, tem o
nome de Espírito universal ou Espírito do mundo (der Weltgeist.J A História é o processo
mediante o qual o Espírito do mundo atinge cada vez mais explícita consciência de si como
livre, i. e, cada vez mais impregna o mundo de espiritualidade.
As entidades que a filosofia da história põe em evidência são os povos: são eles os
verdadeiros actores históricos e não os "grandes homens", aqueles a quem Hegel chama
"indivíduos histórico-mundiais".
Não devemos, ao dizer que o povo, "o indivíduo que é um mundo", é o veículo do Absoluto,
confundir povo e massa. Povo designa aqui uma totalidade orgânica, uma realidade espiritual
que se exprime na religião, ciência, arte, costumes, símbolos, mitos. Tudo o que é próprio de
um povo é resultado do seu espírito, por exemplo, a sua constituição política. Por isso, ao dizer
que o Absoluto, o Espírito do mundo, encarna em determinados povos que o exprimem de uma
forma específica devemos dizer que ele se concretiza no Espírito de um povo (VolksgeistJ, a
que também se pode chamar Espírito Nacional. Os espíritos nacionais são momentos da
actualização do espírito mundial ou universal.
Em cada época histórica um determinado povo exprime de forma mais adequada a
realidade do Absoluto, isto é, realiza o mais alto grau de liberdade, possível no seu
tempo, e quando dá, no centro do palco histórico, o seu lugar a outro isso não é o
resultado de uma decisão moral, de um juízo moral, mas expressão de que tudo tem o
seu tempo e que esse povo, atingido o seu zénite, deixou de ser expressão vital do
Absoluto.
"Cada povo não pode jazer época (ocupar o "centro" da História) senão uma só vez. A respeito
do seu direito absoluto, que consiste em ser o representante do grau mais elevado do Espírito
do mundo, os espíritos dos outros povos não têm direito e, tal como aqueles cuja época
passou, já não contam na História"(Hegel, Filosofia do Direito, § 347).
A morte de um povo, o seu desaparecimento nos bastidores do palco histórico, é transição
para a vida de outro povo. Cada povo, por necessidade intrínseca à própria História, é o
protagonista de uma determinada fase ou forma de civilização.
"Graças a esta generalização da noção bíblica de "povo eleito': a História aparece como um
vasto movimento de progresso orientado de Oriente para Ocidente e apresentando os
diferentes graus de realização da liberdade. Como diz Hegel: «OOriente sabia e sabe somente
que um só é livre, o mundo grego e romano que alguns são livres, o mundo germânico que
todos são livres».

3. A Astúcia da Razão Divina


O Espírito do Mundo (O Absoluto enquanto realidade imanente e não transcendente) encarna
sucessivamente nos povos cujo espírito mais alto grau de liberdade vai realizando. O Espírito
de um povo, por seu lado, encarna em certos indivíduos que desempenham um papel
historicamente assinalável. É o caso de Júlio César, Alexandre Magno, Napoleão. Estes
indivíduos julgam ser os autores do papel de relevo que desempenham na História. Contudo
não passam de actores cujo papel foi determinado pelo Absoluto. Cumprem esse papel quer se
apercebam disso ou não.
O Espírito universal que emerge da dialéctica dos espíritos nacionais opera através de
indivíduos humanos. Qual o sentido desta afirmação? O de que o Absoluto usou, utilizou
certos indivíduos de uma forma historicamente assinalável. Estes, procurando de facto
concretizar os seus interesses, os seus fins particulares, realizam uma finalidade
universal (cumprem o destino do Absoluto) sem disso terem consciência. Encarnam
inconscientemente, sem conceito filosófico, uma finalidade que lhes é superior. Acerca
deste tema, da instrumentalização do particular pelo universal (Absoluto). Hegel fala de
"astúcia da Razão". o objectivo da manifestação histórica do Absoluto é universal: a realização
universal da liberdade. Os indivíduos históricos procuram realizar as suas ambições, os seus
interesses pessoais ou particulares. São, em suma, dominados pelas suas paixões. Ora, as
paixões, as ambições das grandes figuras históricas são usadas como instrumento pelo
Espírito, pela Razão, e ilustram, exibem a astúcia da Razão. Fossem quais fossem os motivos
particulares que levaram Júlio César a praticar determinados actos, eles tiveram uma'
importância que transcendeu a sua compreensão e a sua intenção. A Razão, na sua astúcia,
usou as paixões e ambições desse grande homem para transformar a República no Império
elevando o espírito
romano ao cume do seu desenvolvimento. Sem o saber contribuiu para que se desse uma
extensão do conceito de liberdade, ao dar a cidadania romana a todos os súbditos do império.
Os seus actos acabaram por gerar algo que não estava, conscientemente, nos seus planos.
Os indivíduos realizam inconscientemente, perseguindo interesses subjectivos, aquilo que é
objectivamente necessário. Tais são os grandes homens: realizam por "instinto" aquilo que o
seu tempo reclama.
Dominados pelas suas paixões e ambições e não pela razão, os indivíduos não tem
consciência clara de que são um instrumento de actualização ou de realização da Razão
divina. Não sabem que da sua acção resulta algo diferente daquilo que eles projectaram,
julgam que só se realizam os seus interesse e não se apercebem de que realizam um objectivo
universal, algo que estava para além dos seus objectivos e das suas consciências. Mediante as
paixões a racionalidade da História cumpre-se.
As grandes personagens históricas viveram para realizar a sua paixão e «dessa acção resulta
algo diferente daquilo que eles projectam e atingem, daquilo que eles sabem e querem
imediatamente; realizam os seus interesses, mas com isso produz-se algo que se escondia no
interior e do qual as suas consciências não se apercebiam e não estava nos seus
objectivos» (Hegel, A Razão na História).
A astúcia da Razão governa o mundo e a desrazão é o instrumento da sua actualização e
desenvolvimento. Os homens são «os instrumentos e os meios de algo mais elevado,
mais vasto, que eles ignoram e realizam de modo inconsciente».
Compreende-se assim que Hegel negue, rejeite o moralismo piegas que considera as paixões
e os interesses como obstáculos ao bem e à moralidade. Para Hegel, a História, lugar de
revelação do Absoluto, está para além do bem e do mal.
Há em Hegel um elogio da paixão («Nada de grande se faz no mundo sem paixão») não por
ela em si mesma mas pelo que, inconscientemente, a suscita. As objecções de que as
ambições, os interesses particulares, as paixões, em suma, são fontes de conflitos, ou seja,
são prejudiciais, só são válidas ao nível da existência particular ou privada. Perdem sentido
num plano mais amplo, como é o da história universal.

HEGEL – A HISTÓRIA É A PROGRESSIVA


REALIZAÇÃO DA LIBERDADE
HEGEL – A HISTÓRIA É A PROGRESSIVA REALIZAÇÃO DA LIBERDADE
Para Hegel, Deus, o Absoluto realiza-se na história porque não é uma realidade absolutamente
separada do mundo. Se nas religiões e teologias tradicionais, Deus éum princípio exterior ao
mundo, ele deixa de ser na filosofia hegeliana o juiz quetranscende a história e o universo.
Deus é o Absoluto, o Espírito absoluto ou, como também diz Hegel, a Ideia absoluta. Deus é
uma realidade espiritual dinâmica que se realiza progressivamente no mundo e na história isto
é, na dimensão espácio-temporal.Ele é a totalidade do real, mas não se realiza ou toma
consciência de ser a totalidade senão através do processo histórico, através de uma
viagem dialéctica.
O Absoluto é um resultado, algo que se perfaz no processo histórico e não uma perfeição
situada para lá do mundo humano. A história é assim a imensa odisseia do Espírito ou da
Razão divina, que encarna na história, transportando a cruz da finitude, dos vários
momentos históricos, finitos, efémeros e acaba progressivamente por conhecê-los como
seus (do Absoluto) e não como algo que lhe é exterior.
Tal como o Filho de Deus encarnou no tempo, na História, para "morrer na dor da
negatividade" e para ressuscitar como "Espírito eterno': mas vivo e presente no mundo, de
igual modo o Absoluto, Deus, deve sofrer o calvário da História, deve tornar-se imanente ao
espaço e ao tempo para adquirir "a realidade, a verdade e a certeza do seu trono".
Esta concepção de Deus suscitou de imediato objecções das religiões e teologias tradicionais.
As igrejas (católica, e protestante essencialmente) não podiam admitir a negatividade em Deus
nem que se pusesse em perigo a transcendência de Deus, aquele que está acima de
tudo. Hegel toma a sério o dogma cristão da encarnação.
Deus está em todo o lado, sobretudo na história, de cujo governo se encarrega,
encarnando no devir histórico e não ficando a contemplá-lo da sua longínqua
transcendência como se fosse um espectáculo que não o afectasse. Entrega-se à paixão
e à morte, para se elevar das suas cinzas à sua majestade. Como o próprio Hegel diz:
"A história nada mais é do que o plano da sua providência. Deus governa o mundo; o
conteúdo do seu governo, o cumprimento do seu plano, é a história universal. Apreender este
plano eis a tarefa da filosofia da história e esta pressupõe que o ideal se realiza (...) Sob a pura
luz da Ideia divina, a qual não é um simples ideal (mas uma realidade em realização)
desvanece-se a ideia de que o mundo seja um devir insensato (sem sentido) "
[Hegel, "A Razão na História"]
A capacidade assimiladora da dialéctica hegeliana não fica por aqui. Se libertou o Deus
cristão dos seus guardiões demasiados zelosos (as igrejas), para permitir que ele fosse
aquilo que desde sempre quis ser ou seja, humano e histórico, pretende também
explicar, já que os dois planos estão intimamente ligados, a história da
humanidade. Explica como a humanidade avança em direcção à liberdade. Desde a tirania ou
o despotismo em que um só é livre, passando pela oligarquia onde vários são livres, até à
democracia universal, onde todos somos livres, o caminho não é em linha recta, é tortuoso,
porque antes da reconciliação final devem produzir-se conflitos e cisões.
A história universal vai do Leste para o Oeste porque a Europa é absolutamente o fim da
história, a Ásia o começo ( ...) O oriente sabia e .sabe que somente um é livre; o mundo grego
e romano, que alguns são livres; o mundo germânico sabe que todos são livres".
[Hegel '~ Razão na História"]
A História de que fala Hegel não é uma sucessão incoerente e desordenada de factos,
não é o palco onde reinam o barulho e a fúria sem significado. Não é uma acumulação de
acontecimentos sem sentido. A história hegeliana é a odisseia, a manifestação da vida e
da presença de Deus, da Ideia ou do Espírito Absoluto. A Ideia (Deus) ao abandonar a sua
transcendência, o seu isolamento em relação ao mundo, dá sentido à aparente barafunda e
desordem dos eventos históricos. A estes, infinitamente variados, o Espírito ou a Razão
divinos, comunicam coerência e lógica. O desenvolvimento histórico é orientado. O Espírito é
por definição, liberdade. O sentido que orienta a história é a realização da liberdade do Espírito
ou de Deus, o reconhecimento progressivo de que o mundo não é exterior a Deus mas o lugar
da sua presença viva. A dialéctica histórica, vista do ponto de vista humano, identifica-se a uma
longa marcha para uma sociedade reconciliada consigo mesma, em que todos sejam
livres. Aí a história terá atingido o seu fim.
Publicada por luis rodrigues à(s) 06:16

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Etiquetas: HEGEL
O TEMA CENTRAL DA FILOSOFIA DE HEGEL
O TEMA CENTRAL DA FILOSOFIA DE HEGEL
A ultrapassagem de uma concepção abstracta do Absoluto (Deus, o
Infinito)
O que significa conceber o Absoluto de forma Abstracta? Concebê-lo como realidade fechada
em si mesma, sem relação com o mundo, com o plano espacio - temporal ou finito. É
estabelecer um fosso irredutível uma separação absoluta entre o infinito e o finito, tornando-os
realidades que não têm nada a ver uma com a outra. Ora existir efectivamente é estar em
relação e não fechado em si mesmo. Conceber o absoluto como coisa em-si (abstracta) é
negar-lhe a existência efectiva concreta.

Qual a definição de Absoluto segundo Hegel?


É infinito, ou seja, aquilo que não tem limites exteriores. Isto implica que deve ser
entendido como totalidade à qual nada é exterior, ou seja, o Absoluto é a totalidade.
Isto significa que o Absoluto tem de estar presente em tudo (omnipresença), tudo deve ter
a sua marca.
Assim se compreende que o Absoluto não pode ser uma coisa em si. Seria umarealidade
totalmente separada do finito porque o finito ser-lhe-ia exterior. Deste modo o Absoluto não
seria realmente a totalidade. O absoluto fechado em-si seria, nas palavras de Hegel, uma
totalidade vazia, uma totalidade sem contéudo, uma pseudo-totalidade.
O Absoluto define-se como totalidade. É esse o seu conceito. Contudo, se concebermos o
Absoluto como absolutamente separado das realidades finitas, esse conceito nunca se
realizará.
Então, para ser verdadeiramente infinito e totalidade do real, o Absoluto (Deus) tem de
ultrapassar a distância, o fosso que o separa do finito. Tem de abandonar a existência em
si e sair de si mesmo, manifestar-se, tornar - -se uma presença, abandonar a sua
transcendência inerte e tornar-se imanente. Só assim realizará (tomará consciência real) a sua
infinitude, se tornará totalidade concreta e não abstracta, provará a si mesmo que é
realmente infinito, i e.. a totalidade do real.
Como é que o Absoluto prova ou realiza, torna concreta a sua infinitude?
Primeiro, tem de abandonar a distância entre si e as realidades finitas. Isso significa que tem
de se manifestar, apresentar-se. Tornar-se presente e não absolutamenteausente significa que
assume diversas formas ou figuras finitas, temporais. Esta é a condição fundamental: se não
se manifesta não pode realizar-se.
Segundo, assumindo várias formas finitas (espácio-temporais, históricas) não se pode fixar
definitivamente em nenhuma delas: deixaria de ser infinito.
Em que consiste então a infinitude? Consiste em não ficar preso para sempre em nenhuma
das suas manifestações ou figuras finitas. Estas formas finitas são superadas (são negadas
porque o infinito não se identifica definitivamente com nenhuma delas e ao mesmo tempo são
conservadas no seio do Absoluto como manifestações ou figuras que e o Absoluto assumiu
mas que já foram ultrapassadas.São ultrapassadas mas são integradas como momentos da
sua progressiva realização ou concretização, como momentos em que ele já marcou a sua
presença. Como reconhece as figuras finitas como suas manifestações o Absoluto não as deita
fora: incluia-as em si como momentos passados e ultrapassados da sua história, da sua
vida, da sua dinâmica de realização. Assim, progressivamente, historicamente, o finito (uma
vez que o Absoluto o reconhece como sua manifestação ou lugar em que se apresenta) deixa
de ser exterior ao infinito e torna-se interior: é uma figura temporária do Absoluto e que este
ultrapassou conservando-a em si como momento da sua vida que já passou.
O Absoluto é assim uma realidade em devi r (é um resultado) ou seja, não é uma
realidade dada ou imediata mas sim uma totalidade que se vai realizando como
totalidade: É um processo de totalização que vai integrando cada figura finita como
ultrapassada mas como figura sua e não algo que nada teria a ver com o infinito, que lhe seria
estranha ou exterior. Trata-se de uma transcendência na imanência, isto é , na íntima ligação
ao finito. «Ser Absoluto é fazer-se Absoluto»
Assumindo diversas figuras finitas, o Absoluto (o infinito) é, uma realidade dialéctica,
isto é, uma realidade à qual é imanente a contradição e que vai superando
constantemente as contradições.
É contraditório porque ao manifestar-se é ao mesmo tempo infinito e finito. Assumindo em cada
manifestação uma forma finita não se fixa para sempre nela, supera-a e dessa superação
surge uma nova figura finita superior à anterior e que por sua vez irá ser superada. O finito
existe não por si mas como manifestação do infinito e por isso existe para ser constantemente
superado.
Toda a dinâmica de realização do Absoluto pode ser descrita nestes termos: trata-se de anular
a distância, a separação total e completa entre o infinito e o finito, mostrando que este não
existe por si próprio mas sim como forma de manifestação do infinito. Assim o Absoluto será a
unidade do infinito e do finito, isto é, de si mesmo e das suas múltiplas manifestações espácio-
temporais. Assim se vai provando progressivamente que o Absoluto (Deus) é a totalidade, é
omnipresença, ou seja, está presente em tudo e não abstractamente separado do mundo, da
história e da vida do homem.

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