O soneto apresenta um retrato da mulher amada focado principalmente nas suas qualidades morais e espirituais, descritas por uma série de adjetivos. Embora a beleza física seja pouco referida, a forma como a amada afeta o eu lírico remete para a influência petrarquista de idealização da mulher amada. Há indícios de que por detrás da aparente serenidade descrita existem contradições, comparando-a à feiticeira Circe pela capacidade de transformar o pensamento do poeta.
O soneto apresenta um retrato da mulher amada focado principalmente nas suas qualidades morais e espirituais, descritas por uma série de adjetivos. Embora a beleza física seja pouco referida, a forma como a amada afeta o eu lírico remete para a influência petrarquista de idealização da mulher amada. Há indícios de que por detrás da aparente serenidade descrita existem contradições, comparando-a à feiticeira Circe pela capacidade de transformar o pensamento do poeta.
O soneto apresenta um retrato da mulher amada focado principalmente nas suas qualidades morais e espirituais, descritas por uma série de adjetivos. Embora a beleza física seja pouco referida, a forma como a amada afeta o eu lírico remete para a influência petrarquista de idealização da mulher amada. Há indícios de que por detrás da aparente serenidade descrita existem contradições, comparando-a à feiticeira Circe pela capacidade de transformar o pensamento do poeta.
Corrente renascentista Um mover d’olhos brando e piadoso, Sem ver de quê; um sorriso brando e honesto, quási forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto; ũa pura bondade, manifesto indício da alma, limpo gracioso;
Um escolhido ousar; ũa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento: Brando: meigo Esta foi a celeste formosura Gesto: rosto da minha Circe, e o mágico veneno Despejo: desembaraço que pôde transformar meu pensamento. Vergonhoso: recatado, tímido Sofrimento: paciência Circe: feiticeira da mitologia grega que deu a beber aos companheiros de Ulisses a poção mágica que os transformou em animais, impedindo assim, que o herói prosseguisse viagem e se afastasse dela. Estrutura externa Um mover d’olhos brando e piadoso, A Sem ver de quê; um sorriso brando e honesto, B quási forçado; um doce e humilde gesto, B A A composição poética é de qualquer alegria duvidoso; constituída por duas quadras Um desejo quieto e vergonhoso; e dois tercetos (soneto), em A um repouso gravíssimo e modesto; B metro decassilábico, com um ũa pura bondade, manifesto B esquema rimático : indício da alma, limpo gracioso; A
Um escolhido ousar; ũa brandura; C ABBA///ABBA//CDE//CD
um medo sem ter culpa; um ar sereno; D E verificando-se a existência um longo e obediente sofrimento: E de rima interpolada em A, C emparelhada em B e Esta foi a celeste formosura da minha Circe, e o mágico veneno D interpolada em CDE. que pôde transformar meu pensamento. E Estrutura interna Um mover d'olhos, brando e piadoso, 1º momento: sem ver de quê; um riso brando e honesto, Elogio das qualidades morais e psicológicas, quase forçado; um doce e humilde gesto, por uma acumulação de predicados; de qualquer alegria duvidoso;
A figura feminina não é real, nem concreta,
um despejo quieto e vergonhoso; nem palpável. um repouso gravíssimo e modesto; Este retrato corresponde a um modelo de üa pura bondade, manifesto beleza tão perfeita que só pode ser indício da alma, limpo e gracioso; entendido como idealização. um encolhido ousar; üa brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento; 2º momento: Síntese das qualidades e efeito sobre o esta foi a celeste fermosura EU lírico. da minha Circe, e o mágico veneno O amor é visto como uma poção que pôde transformar meu pensamento. venenosa que determina o rumo da vida do sujeito. 1ª estrofe: descreve fisicamente sugerindo um comportamento de delicadeza (ideal de beleza Um mover d'olhos, brando e piadoso, sem ver de quê; um riso brando e honesto, clássico) quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso; 2ª e 3ª estrofe: descreve o carácter da amada, quebrando a imagem de delicadeza com antíteses um despejo quieto e vergonhoso; (manifesto indício, encolhido ousar) e sugerindo que um repouso gravíssimo e modesto; há algo mais na mulher. üa pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso; 4ª estrofe: esclarece o assunto do poema, eleva beleza da amada a um patamar divino (celeste um encolhido ousar; üa brandura; formosura) e compara-a a uma feiticeira da mitologia um medo sem ter culpa; um ar sereno; (retomada da cultura greco-latina) que o encanta. A um longo e obediente sofrimento; emoção, porém, não é totalmente boa, perturbando o esta foi a celeste fermosura Eu lírico. da minha Circe, e o mágico veneno As antíteses "manifesto indício", "encolhido ousar" que pôde transformar meu pensamento. sugerem o jogo de sedução feminino, que ora esconde (indício) e ora mostra (manifesto). A comparação com uma feiticeira também sugere o jogo. O retrato da amada mostra um ideal de beleza clássico. Segue um procedimento anafórico (repetição de uma mesma estrutura) - "um (...)“, só se esclarecendo o assunto do poema na última estrofe . “É porventura (este) o mais célebre […] retrato da mulher amada que Camões deixou. O retrato, feito com base em enumerações iniciadas por “Um” (o que marca uma certa indefinição) é quase convencional, à maneira petrarquista: da amada se refere mais que os traços físicos a impressão que causam – brandura, piedade, timidez, gravidade, modéstia, bondade, serenidade, melancolia. Mas repare-se que cada um dos traços aponta, de certo modo, para antíteses “brando e honesto/quase forçado”, “encolhido ousar”, “doce e humilde gesto/de qualquer alegria duvidoso” – etc. E porquê a tristeza, o “medo sem ter culpa”, o “longo e obediente sofrimento”? Esta mulher enigmática […] é, afinal, ela própria, sede de contradição, como se revela na 2ª parte do soneto […]; é também a Circe, a feiticeira, que, com “mágico veneno”, perturbou, transformou o pensamento […] do poeta.” in Eu cantarei de amor, Amélia Pinto Pais Tema: BELEZA FEMININA Beleza da mulher amada e fascínio que ela exerce no sujeito lírico. o amor petrarquista / saudosista O soneto apresenta um retrato da mulher amada, onde se dá maior relevo aos traços morais.
O conjunto de qualidades que lhe é
dado tende a produzir uma imagem de perfeição e a não individualização da mulher.
Como as qualidades morais são em
maior número, parece ser sobretudo a beleza espiritual que fascina o sujeito poético. Trata-se de um retrato mais espiritual do que físico, que se conclui com uma referência à transformação do seu pensamento provocada pela sua formosura, que funcionaria como um “mágico veneno”.
Esta escassa referência a características físicas e a predominância das
qualidades morais remetem-nos para a ideologia platónica.
Todavia, é sobretudo nítida a influência petrarquista no ideal de beleza
feminina, e nas qualidades morais atribuídas à mulher, expressas por uma adjectivação abundante e por substantivos abstractos.
Observa-se, ainda, que, na esteira de Petrarca, as qualidades morais
predominam sobre as físicas e o fascínio resulta, portanto, da beleza espiritual. Um mover d'olhos, brando e piadoso, Olhar, riso, gesto: sem ver de quê; um riso brando e honesto, caracterizados por atitudes, qualidades, estados. quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso; Artigo indefinido: indica elevado nível de abstração. um despejo quieto e vergonhoso; um repouso gravíssimo e modesto; üa pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso; Atributos habitualmente não próprios de uma um encolhido ousar; uma brandura; dama galante; antes do galante! um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento; Cadência monótona e iterativa do retrato: esta foi a celeste fermosura sublinha a serenidade da amada. da minha Circe, e o mágico veneno que pôde transformar meu pensamento. Beleza: aqui caracterizada pelos sentimentos Um mover d'olhos, brando e piadoso, e por elementos de ordem moral e sem ver de quê; um riso brando e honesto, psicológica. quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso; Qualidades interiores mais importantes do que os atributos físicos. um despejo quieto e vergonhoso; um repouso gravíssimo e modesto; üa pura bondade, manifesto Poder ‘maligno’ da amada: amor como alquimia. indício da alma, limpo e gracioso; O seu carácter sublime transforma-se em ameaça. um encolhido ousar; uma brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; Aspeto espiritual um longo e obediente sofrimento; + Aspeto material esta foi a celeste fermosura = da minha Circe, e o mágico veneno Elevação (o caminho divino) que pôde transformar meu pensamento. Assunto Camões expõe à maneira de Petrarca os atributos morais da mulher amada, a sua Circe (feiticeira), que “pôde transformar-lhe o pensamento”: brandura, piedade, honestidade, doçura, humildade, modéstia, bondade, retraimento, serenidade, obediência e mansidão. Trata-se de um retrato idealizado, indefinível. Desenvolvimento do assunto 1ª parte Faz-se uma enumeração dos atributos físicos e morais da (quadras+ 1º mulher amada, repetindo-se a mesma estrutura frásica terceto) (artigo indefinido + substantivo + adjetivo). Trata-se do retrato da mulher amada, onde são focados aspetos assaz abstratos (cf. artigo indefinido). Na 1ª quadra, referem-se aspetos exteriores (olhar, riso, rosto) e, em seguida, a descrição da amada engloba atitudes, qualidades e estados. 2ª parte Atentar no pronome demonstrativo “Esta”, que introduz o (2º terceto) fim da enumeração presente na 1ª parte. Nesta 2ª parte, sintetizam-se os atributos da mulher amada, que fascina o poeta. Estrutura interna
Este poema está dividido em duas partes lógicas.
A primeira parte é as duas quadras e o primeiro terceto e corresponde à
acumulação de atributos físicos e morais da figura feminina. Assim, são feitas referências ao “mover d’olhos”, ao “sorriso”, ao “gesto”, às quais são sempre atribuídas qualidades morais: “Um mover d’olhos brando e piadoso,”, “um sorriso brando e honesto,” e “um doce e humilde gesto,”.
A segunda parte é ultimo terceto e corresponde à síntese de todos esses
atributos reunidos na expressão “celeste fermosura”, que, além da beleza, remete para o carácter divino da mulher. Esta é também, metaforicamente, apresentada como Circe, ou seja, uma feiticeira que encanta o poeta como seu mágico veneno, isto é, a sua perfeição, que seduz o poeta e lhe transforma o pensamento. Ao carácter descritivo do poema, constituído por uma enumeração de qualidades e seus efeitos no sujeito, determina a utilização de certos recursos estilísticos: Anáfora – repetição do artigo indefinido em início de verso, e que marca a passagem de uma qualidade para outra; Discurso Valorativo - traduz o juízo de valor que o sujeito faz da amada, e assenta, sobretudo, em adjectivos e expressões que contêm uma apreciação subjectiva das suas qualidades; Adjetivação, que marca o discurso valorativo que o sujeito tece sobre a mulher amada; Abundância de adjetivos e substantivos abstractos e a quase inexistência de verbos; Substantivação de verbos: “um mover de olhos”, “um encolhido ousar” Artigo Indefinido - sugere proximidade afetiva entre o sujeito e a amada; Antítese - “celeste fermosura” / “mágico veneno”, “um mover de olhos(…)” / “sem ver de quê” que comprova que está a ser descrita uma mulher quase indefinível. Enumeração assindética - acumulação de segmentos de frase, separados por ponto e vírgula, e sem recorrer à copulativa “e”; Metáfora - “mágico veneno”, “a minha Circe”. Encavalgamento ou transporte, que acentua a fluidez do ritmo da enumeração; Em síntese Tema a beleza da amada "mover d'olhos brando e piadoso", "riso brando e honesto", Qualidades físicas da amada "ar sereno". branda e piedosa, honesta, doce, alegre sem exagero, Qualidades psicológicas da maneira de estar serena, bondosa, alma pura, ousada com amada medida, sofredora. Classe social da amada Senhora "celeste fermosura" celeste fermosura da minha Circe Justificação de expressões a sua beleza é celestial, divina mas também diabólica pois conseguiu prendê-lo irremediavelmente.
Recursos estilísticos utilizados Adjetivação: simples, dupla e tripla: em todo o poema;
no retrato Antítese: “celeste fermosura”; “mágico veneno” Metáfora; Hipérbole; Anáfora Soneto. ABBA/ABBA/ CDE/ CDE Tipo de composição Rima emparelhada e interpolada.