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Endechas a Bárbara

Aquela cativa
Pretidão de amor,
que me tem cativo,
Tão doce a figura,
Porque nela vivo
Que a neve lhe jura
Já não quer que viva.
Que trocara a cor.
Eu nunca vi rosa
Leda mansidão
Em suaves molhos,
Que o siso acompanha;
Que pera meus olhos
Bem parece estranha
Fosse mais fermosa.
Mas bárbara não.
Nem no campo flores,
Presença serena
Nem no céu estrelas
Que a tormenta amansa;
Me parecem belas
Nela, enfim descansa
Como os meus amores.
Toda a minha pena.
Rosto singular
Esta é a cativa
Olhos sossegados
Que me tem cativo,
Pretos e cansados,
E, pois nela vivo,
Mas não de matar.
É força que viva.
ua graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos
O Tema – O Amor sentido por Camões

O Assunto – A descrição da mulher amada


Análise
O poema começa com um jogo de palavras:
promenarizada
cativo/cativa que é sugestivo da escravidão
amorosa do sujeito poético.
Se por um lado Bárbara(o nome da amada)
Aquela cativa é escrava/cativa (socialmente), o sujeito
que me tem cativo poético também é escravo do seu amor.
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa Os elementos da Natureza são os
Em suaves molhos, escolhidos para ajudar a descrever a
Que pera meus olhos beleza da amada
Fosse mais fermosa.

O sujeito poético faz um elogio à beleza


da amada, utilizando uma hipérbole,
onde superioriza a amada.
Em comparação com as flores ou as estrelas, a
sua amada é muito mais bela.
Nem no campo flores, Note-se que todo o elogio é pessoal, ou seja,
Nem no céu estrelas parece ao sujeito poético que a sua amada
Me parecem belas tem uma beleza superiro à beleza da
Como os meus amores. grandiosidade da Natureza. Está presente uma
Rosto singular comparação.
Olhos sossegados
Pretos e cansados, O rosto da amada não é um rosto banal, é
Mas não de matar. singular,diferente e único, ou seja não
corresponde aos padrões habituais.

Mais uma vez o


Os olhos são apresentados como um espelho da alma, neste
sujeito poético
caso estão sossegados, o que mais uma vez reforça a ideia
joga com as
da calma e serenidade.
palavras e diz que
Mas logo de seguida, apresenta características que se
ela está cansada,
opõem ao modelo de mulher: “olhos pretos e cansados”, ou
mas não de matar
seja, olhos escuros e doridos do trabalho duro.
de amor, de
seduzir e de
inspirar paixões.
“neles”- “olhos” É feito o reforço da graciosidade
da mulher que se assemelha ao
modelo de mulher.

ua graça viva,
Que neles lhe mora, Mais uma vez se joga com as palavras
Pera ser senhora “senhora” e “cativa”, reforçando a ideia de que
de quem é cativa. apesar de ser cativa/escrava, é senhora dos
Pretos os cabelos, corações apaixonados.
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos.

O “povo vão”, corresponde, a opinião geral e


pouco acertada de que os cabelos louros é que
são belos.
Sendo que o sujeito poético o coloca em causa.
Inicia esta oitava com uma apóstrofe à
Pretidão de amor, mulher amada, pondo em destaque
Tão doce a figura, precisamente as características que se
Que a neve lhe jura opõem ao modelo de mulher da época,
Que trocara a cor.
Leda mansidão Logo se sucedem características
Que o siso acompanha; psicológicas que se adequam ao modelo:
Bem parece estranha Doçura, leda mansidão, siso.
Mas bárbara não.
Toda esta descrição pode parecer estranha,
mas bárbara nao é

Presença serena
Que a tormenta amansa; Novamente o reforço da serenidade. E também a
Nela, enfim descansa presença da antítese, que põe em destaque as
Toda a minha pena. contradições amorosas e os conflitos de opinião.
Esta é a cativa
Que me tem cativo. O sujeito poético encaminha para uma conclusão todo
E, pois nela vivo, este elogio, dizendo que nela se concentra a sua
É força que viva. inspiração poética e sofrimento poético (“pena”).
Aquela cativa “Aquela” implica um
que me tem cativo,
distanciamento, pois
Porque nela vivo
Já não quer que viva. o sujeito poético
Eu nunca vi rosa ainda não apresentou
Pretidão de amor,
Em suaves molhos, a personagem. Tão doce a figura,
Que pera meus olhos Que a neve lhe jura
Fosse mais fermosa. Que trocara a cor.
“ Esta” implica
Leda mansidão
Em no campo flores, proximidade, pois
Que o siso acompanha;
Nem no céu estrelas agora as Bem parece estranha
Me parecem belas características desta Mas bárbara não.
Como os meus amores. personagem são
Rosto singular conhecidas. Presença serena
Olhos sossegados Que a tormenta amansa;
Pretos e cansados, Ela, enfim descansa
Mas não de matar. Toda a minha pena.
Esta é a cativa
ua graça viva, Que me tem cativo.
Que neles lhe mora, E, pois nela vivo,
Pera ser senhora É força que viva.
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde a opinião
Que os louros são belos
Tema a beleza da amada

bela "rosa", formosa "fermosa", rosto "singular",


Qualidades físicas da olhos "sossegados, pretos e cansados" com "graça
amada viva", cabelos "pretos", negra "pretidão de amor",
figura "doce“.

Sossegada "olhos sossegados", doce "doce a figura",


Qualidades
alegre e meiga "leda mansidão", ajuizada "o siso
psicológicas da amada
acompanha", "Presença serena"

Classe social da
Escrava "Aquela cativa“.
amada
Trocadilho: "Cativa/cativo; vivo/viva";
Hipérbole: "Eu nunca vi… mais fermosa
Recursos estilísticos Adjectivação: em todo o poema;
utilizados no retrato Personificação: "a neve lhe jura";
Antítese: "Presença… amansa“
Análise formal

Estrutura – O poema é composto por cinco estrofes,


que são oitavas. Cada verso é composto por 5 sílabas
métricas, correspondendo a redondilha menor. O
esquema rimático é ABBACDDC, portanto: interpolada
nos 1,4,5,8 versos e emparelhada nos 2,3,6,7 versos.
Conclusão
Através deste poema percebemos que o sujeito
poético se encontra apaixonado por uma escrava
que contraria o modelo da mulher renascentista
pelas suas características físicas, distantes do pré-
estabelecido: loira, olhos claros e pele branca.
Pelo contrário, a sua serenidade, sensatez e calma já
se inscrevem neste modelos.

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