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Archipo Góes

Daniel Almeida
(Org.)

Antologia:
Uma Literatura Coariense

Coari – 2015
Copyright © Coari.com 2015
Organização: Archipo Góes e Daniel Almeida
Diagramação: Archipo Góes
Ilustração: José Coelho Maciel
Revisão: Daniel Almeida.

G598 Góes, Archipo Wilson Cavalcante. Alves, Daniel


Almeida

Antologia: Uma Literatura Coariense/


Archipo Wilson Cavalcante Góes & Daniel
Alves Almeida. Coari-AM: Coari.com, 2015

102 f. : il. ; 21cm.

1. Literatura Brasileira - Prosa narrativa I. Título

CDU - 82-3 (81)


CDD - B869.8
Ficha Catalográfica elaborada pelo autor
Dedicatória

A Benedito Góes Neto, meu pai, aquele que sempre foi meu
porto seguro e que sempre lutou para me ensinar princípios e
valores que me conduziram e conduzirão por toda minha vida.

Archipo Góes

À memória do meu pai, Adelmar Rodrigues Alves. Homem de


vida simples, que, junto com a minha mãe, Maria Sandira Gomes
de Almeida (dona Branca), tirou da agricultura e da pesca, com
muita retidão, o sustento para mim e os meus cinco irmãos.
Amigo fiel, que carregou como lema: “Amigo de amigo meu,
também é meu amigo”.

Daniel Almeida
Desenho a bico de pena de J. Maciel
APRESENTAÇÃO

Existe uma Literatura Coariense? É a pergunta que fazemos da mesma


forma que há alguns anos escritores e estudiosos da literatura do Clube
da Madrugada e da União Brasileira de Escritores do Amazonas
fizeram com esta pergunta: - Existe uma Literatura Amazonense? Com
esta indagação que é também o título de um ensaio escrito e reunido
em um livro por Jorge Tufic e lançado pela UBE-AM, como VII
volume da Coleção Norte-Nordeste de Literatura, fruto do I Encontro
Norte-Nordeste de Literatura, onde se discutiu amiúde o tema.
Os estudos levantados por Jorge Tufic concluíram que existe uma
Literatura Amazonense e se há, há também uma literatura regional,
mesmo que ela tenha em alguns aspectos conotações de modo similares
a outras regiões que nos ligam a Literatura Universal.
Eu mesmo cheguei a admitir, aí mesmo, neste trabalho de Jorge Tufic,
a sua existência, a partir da existência de uma literatura latino-
americana no contexto das nossas letras, que marcaram e continuam
marcando, mesmo com suas particularidades regionais, a literatura
nacional e, consequentemente, a literatura universal.
Muitos escritores amazonenses são oriundos da hinterlândia
amazônica, como Álvaro Maia, Jorge Tufic, Francisco Vasconcelos,
Almir Diniz, Erasmo Linhares, Elson Farias, Tenreiro Aranha, Aureo
Mello, Thiago de Mello, Almino Afonso, Anísio Mello, Tenório
Telles, Pe. Manuel Albuquerque, Alencar e Silva, Raimundo Colares,
entre outros que poderíamos enumerar apenas para mostrar que a
literatura pode florescer em qualquer meio ambiente, tanto no meio
urbano das grandes metrópoles, como também nas concentrações
urbanas e suburbanas das cidades do interior, vilas e lugarejos onde a
civilização tenha chegado.
Assim, acontece no mundo inteiro. Por que aqui não poderia acontecer
também?
A inspiração artístico-cultural surge em qualquer lugar e em qualquer
tempo. Pode aparecer em tempo de grande florescimento econômico,
como pode surgir em tempo de crise econômica e social. A literatura é
produto da natureza humana e suas circunstâncias e, assim, não
depende de mais nada. Quantos em meio à guerra e à miséria
escreverem livros, como Tolstói em "Guerra e Paz", e Dostoiévski, em
"Crime e Castigo", por exemplo, e mesmo o nosso Graciliano Ramos,
com "Vidas secas" e "Memórias do cárcere", que escreveram, todos
eles, contando experiências em livros que hoje estão entre os mais
lidos. Também, quanto ao tema, e mesmo se destinando a um público
infanto-juvenil, ou mesmo a leitor mais exigente, que goste de ficção,
romance, por exemplo, ou apenas poesia, crônica, ensaio, história de
caboclo ou conto, não importa o gênero literário, desde que o que
escreve seja um texto bom, cabível em qualquer lugar e ao alcance de
qualquer leitor.
Temos uma literatura coariense, é só ver nomes que Archipo Góes e
Daniel Almeida reuniram neste livro de literatura em prosa e verso,
enfeixando nomes de expressão como Francisco Vasconcelos, Erasmo
Linhares, Roberval Vieira, Pe. Francisco José, Manoel Francisco, José
Maciel e outros. Alguns, como Francisco Vasconcelos e Erasmo
Linhares, dois ícones de nossa literatura, já transpuseram as fronteiras
do Estado do Amazonas!
Um dos organizadores do livro, Archipo Góes, é escritor e poeta, tendo
publicado "Recomeçar” (poesia), "A Origem do Nome Coari", 1º
volume, e "Samuel Fritz e a Fundação de Coari", pertencentes à
Coleção de História de Coari, publicados em 2014, e "Uma Literatura
Coariense - Poemas", editado em 2014. Archipo Góes, professor e
escritor e o jovem Daniel Almeida, recém-formado em Licenciatura
Plena em Letras pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e
comunicador apaixonado, são estudiosos da nossa cultura, dos
costumes, do folclore e da história da nossa terra.
Parabéns, portanto, por levantarem essa bandeira da cultura em Coari,
berço de todos nós!

José Coelho Maciel


(Da Associação dos Escritores do Amazonas - ASSEAM)
Sumário

PROSAS.................................................................................................9
A Freguesia de Alvelos........................................................................11
O Último dos Imigrantes......................................................................15
Zeca-Dama...........................................................................................16
O Palhaço e a Rosa...............................................................................19
A Obra Simá, Romance Histórico de Lourenço Amazonas.................21
Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz”......................23
Os Carnavais de Coari..........................................................................27
O Concurso...........................................................................................30
Maria do Léu – Um perfil de mulher ou o retrato que gostaria de pintar. 34
O Soldado da Borracha.........................................................................38
A Morte do Igarapé Espírito Santo em Cinco Atos..............................42
O Tocador de Charamela......................................................................44
Montoril X Deolindo Dantas................................................................48
Um Homem Importante........................................................................51
Crônica de um quase Natal...................................................................54
POEMAS..............................................................................................56
O Lugar Onde Vivo..............................................................................57
Coari.....................................................................................................58
Natal das Galeras..................................................................................59
Tuas mãos.............................................................................................60
Acróstico, em Tom de Prece, ao Povorello de Assis............................61
Coari — Suspiro do Solimões..............................................................62
Poesia Coari..........................................................................................63
Descruza Os Braços..............................................................................64
Reflexões..............................................................................................65
A Praça e a Matriz................................................................................66
Poema Coari.........................................................................................67
A “Festa” da Banana............................................................................68
Soneto feito por Alexandre Montoril dedicado ao pintor José Maciel.....69
Saudades de Coari................................................................................70
E a Vida Era Simples............................................................................71
O Jardim dos Meus Desejos.................................................................72
Minha Máquina de Escrever.................................................................73
Mensagem aos Jovens..........................................................................75
Realismo Fantástico..............................................................................76
Os Colonheiros de Coari......................................................................77
Luar de Agosto Sobre o Rio Solimões.................................................78
Lago de Coari.......................................................................................79
Coari — Suspiro do Solimões..............................................................80
Tributo a Coari.....................................................................................81
Saga Ribeirinha....................................................................................82
COARI..................................................................................................83
O Lago Misterioso................................................................................84
Menina dos Olhos Verdes....................................................................85
Rio dos Deuses.....................................................................................88
Histórias de Boi-Bumbá.......................................................................90
Coari.....................................................................................................91
O Homem e o Fado...............................................................................92
Soneto ao Lago de Coari......................................................................93
Tragédia do Botafogo...........................................................................94
PROSAS
Contos, Crônicas e Memórias

~ 10 ~
Desenho de J. Maciel

~ 11 ~
A Freguesia de Alvelos
Roberval Vieira

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto


de onde nós estávamos. Na cozinha, Maria José preparava um
cozidão daqueles, “Capararí” salmorado com bastante
verdura. “Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui
pertinho”. Sorri maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel
Soares, que brincou com Vieira, enquanto oferecia-me uma banda de
limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui ver como estavam
as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças que
ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento,
mas a Freguesia de “Alvelos”, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari
soprava suavemente uma brisa calma. Aqui, ali, gaivotas esguichavam
lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela praia. Nossos
companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para
quando o dia amanhecesse.
E todos nós fomos lá espiar três “tambaquis” e o belo exemplar de
“pirarucu”. Durante o verão era comum nossos passeios a Jurupari ou
a fazenda “Alvelos”, primeiro ponto da civilização que formou o
povoado de Coari. “Jacó Dantas”, irmão de Raimundo Dantas, o
“Alvelos", estava conosco e eu apreciava muitas anedotas,
principalmente depois de já ter tornado alguns goles.

~ 12 ~
Manoel Soares era o vice-prefeito. Era 1973. Vieira, bancário
aposentado do BASA, gostava de uma caçada e ao mesmo tempo de
criar estórias. E naqueles dias ele quase me convencia que o
“Curupira” existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que
quase eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita
seriedade: “Se você assobiar de novo ele vem cantar bem pertinho do
barco”. Acreditem ou não, alguma coisa veio repicando seu assobio
até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a
turma rir da minha cara, meio sem jeito.
Na manhã seguinte a festa se fez sentir por toda ilha e as crianças
corriam pela praia, espantando as gaivotas. Eram tantas, que dava
gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas pacas e estava alegre.
Contudo, não se esquecia de me perguntar pelo “Curupira”. Bernardo,
funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita
sorte, apesar dos "tambaquis” e o “pirarucu". Ao levantar a malhadeira
uma “piranha” tirara-lhe um pedaço da mão esquerda — era ou é
canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo pra cidade.
Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente
para deixá-lo alguns dias sem as suas pescarias.
De repente, estávamos todos a bordo do “Rio Coari”, um daya-diesel
dos Dantas e que Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma
reforma urgente. A calderada estava no ponto e todos nós comíamos
animados.
Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas.
Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi.
Com areias brancas, contrastando com as águas escuras do Coari
Grande e onde um dia quase me fizeram crer que existe o “Curupira”,
na “Freguesia de Alvelos”. Na minha saudosa Coari.

COARI-AM. Em 11 de outubro de 1973

***
~ 13 ~
Diários de Motocicleta – Um Caboclo Coariense em Roma
Francisco José (Padre Zezinho)

O filme “diários de motocicleta” de Valter Salles concorrerá ao


prêmio ‘Palma de Ouro’ em Cannes. O cineasta relata no
filme a mitológica viagem de motocicleta que Che Guevara
fez pela América Latina. O título do filme de Walter Salles poderia ser
o nome do diário de um caboclo coariense em Roma ou do diário de
um romano em Coari. O certo é que tanto um como o outro convive no
seu dia a dia com esta realidade.
Já fazia alguns dias que pensava em escrever um artigo tratando da
relação entre Roma e Coari, pois, quem nasce em Coari e vai morar
em Roma ou quem nasce em Roma e vai morar em Coari, encontrará
uma coisa em comum nessas duas cidades, as motocicletas.
Tanto em Roma como em Coari, tivemos uma motocicleta símbolo.
Coariense que tem mais de quarenta anos se lembra com saudades da
Yamaha 100, elas entravam em Coari, via Tabatinga. Quem tinha se
orgulhava da sua motoca. A mesma coisa acontece em Roma. Romano
que tem mais de quarenta anos se lembra com saudades da lambreta
Vespa. Cantada aí no Brasil pelo nosso rei do brega, Reginaldo
Rossi... ♫ No fim do baile na minha lambreta ♫...
A Polícia Federal veio, levou as Yamaha 100. A Honda invadiu a
cidade com os seus modelos, principalmente a 125. Na primeira vez
que morei em Roma, nos anos de 1996 a 1998, a Honda praticamente
não existia por aqui. Retornando, fiquei surpreso com a quantidade de
motocicletas Honda, e sem falar na infinidade de modelos. Os modelos
~ 14 ~
existentes em Coari não existem aqui, estando aqui olhando para lá,
percebe-se que somos pobres para consumir a diversidade de
motocicletas que são colocadas no mercado romano e que às vezes na
hora de comprar se chega a ter dúvidas qual é a que eu mais gostei, a
mais bonita, a mais charmosa, a mais potente, a mais prática, nessa
hora o bolso fala muito.
Como é bom ter uma moto nova, ficamos orgulhosos dela, e com ela
vamos cortando as ruas coarienses, sentindo no rosto o vento que vem
do lago, pureza da natureza; algumas motos duram toda a vida do
dono. Em Coari quanto mais a moto dura, mais ela prova sua
resistência, mais é boa, como costumamos dizer. Em Roma já não é
assim, o mundo do consumismo não permite que uma pessoa fique
longos anos com a mesma moto e nem que um outro compre uma
moto com a quilometragem alta, só restando um futuro para a moto, o
ferro velho; porém, para colocá-la no ferro velho se paga e muitas são
abandonadas pelas ruas. Andando pela cidade é muito comum ver
motos sem donos.
Roma cidade eterna, programada para cavalos e carruagens, por isso
não tem garagens e são poucos os estacionamentos; ruas estreitas e
becos estreitíssimos. A moto por ser pequena entra em qualquer
espaço; deste modo, torna-se prática, fácil de ser usada. Nos grandes
cruzamentos, na hora da volta do trabalho para casa, quando o
semáforo troca o verde pelo vermelho, são dezenas e dezenas de motos
a esperar a nova troca do vermelho pelo verde. Assistir este momento
é ser transportado de Roma para Coari, tudo se transforma em
saudades.
Na mudança das idades da adolescência para a juventude, seja o
coariense como o romano, o objeto de desejo mais sonhado é a moto.
Acelerar, peito aberto ao vento, se sentir livre, num voo, é que a vida
está a se abrir diante de si.
Afinal uma ragazza – uma cabocla na garupa de uma moto é sempre
uma ragazza – uma cabocla em Coari, em Roma ou em qualquer lugar
do mundo. Acelera ragazzo – acelera caboclo.

***
~ 15 ~
O Último dos Imigrantes
Manoel Francisco
Quantas lembranças, quantas saudades.
Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro.
Francisco Pereira Baptista nasceu em Guimarães, Freguesia de São
Sebastião em Portugal, em 05 de maio de 1892.
Chegou a Manaus a 04 de agosto de 1929, onde residiu durante 10
anos, na Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas.
Certo dia chegou à pequena cidade de Coari, um homem branco, alto,
de olhos claros; não sei se perdido em nossos rincões, mas veio
subindo o rio Solimões. Era o dia 12 de dezembro de 1939.
Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso apelido de “Chico
Enfermeiro”, dada a sua luta, coragem, abnegação, dedicação e o seu
amor e zelo pela saúde do povo coariense, que vivia abalada pelas
doenças tropicais, muito comuns na região.
Era uma pessoa excepcional, incansável, sempre disposta a atender aos
que necessitavam de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado
atendia a todos sem distinção, enviado por Deus, operava milagres por
onde passava, com sol causticante, chuvas intermitentes, ou temporal
arrasante.
Previu, amenizou e curou a dor deste povo tão sofrido e tão distante da
grande metrópole.
Aqui viveu durante 32 anos, casado com D. Francisca Albertina Alves
Baptista, com a qual teve 11 filhos, criando-os com dedicação.
Abrigou também no seio da família, várias crianças órfãs.
Um dia, seu organismo sentiu os primeiros efeitos das horas
exaustivas que levava.
Primeiro de setembro de 1971.
Manhã chuvosa, 6h. Em um dos leitos do quarto
sete, do Hospital da Unidade Mista de Coari,
morria Chico Enfermeiro, rodeado de amigos e
familiares.
A ti, Chico, nossa homenagem.
A ti, Portugal nossa gratidão.
De Coari, onde uma vez, com lágrimas se fez.
… a história deste Chico . . . Tão linda!

~ 16 ~
Zeca-Dama
Erasmo Linhares

N ão, senhor, desarme essa cara de malícia. Não é nada do que o


senhor está pensando. Sou macho e muito macho. Até hoje o
cabra que duvidou disso, levou o troco certo na hora. Mas lhe
digo que já fui dama afamada. Melhor do que muita mulher de hoje.
Quando cheguei nas brenhas do Ipixuna, mulher que é bom não havia.
Tudo era homem, só homem. A maioria cearense como eu e como eu
vieram na ilusão de enricar com a borracha — aquela enganação toda
que andaram espalhando lá pelo Nordeste. Vinham como boi,
amontoados no porão e no convés dos navios, largando pra trás a terra,
lavoura, casa, mulher e filhos.
Comigo foi um pouco diferente. Não
escondo que tinha lá meus desejos de
encher os bolsos de muitos contos de
réis e um dia voltar pro meu sertão e
fartar de comida a mulher e a
filharada. Desculpe se estes olhos
depois de velhos deram pra chorar,
mas aqui no fundo do peito ainda dói
uma querença. Eu conto continuado.
De veras eu vim mesmo foi fugido.
Lá no sertão onde eu morava, por
causa de umas terrinhas mixes,
destripei um cabra safado na ponta da
peixeira e quando a polícia deu vau, embarquei no Baependi junto com
um magote de outros homens, a maior parte, como eu, com alguma
morte nas costas. Um horror, meu senhor, uma coisa muito triste de
ser lembrada. Em Manaus jogaram a gente numa tal de Hospedaria de
Flores. Todo mundo espremido nuns quartinhos. Tinha dez onde só
podia caber cinco. De tanta gente, nunca faltava uma fila enorme às
portas das privadas, principalmente porque a gente desacostumada do
pirarucu e da farinha d'água que se comia todo santo dia, andava quase
sempre com desmancho. Um desespero, pode crer. Tinha gente que
não aguentava na espera e fazia a coisa ali pelas redondezas, atrás das
cercas, nuns matinhos que cresciam ao redor, e, por isso, o ar vivia
empestado. Depois de uns dois meses separaram a gente em lotes e
~ 17 ~
mandaram uns pra cá, outros pr'ali. A mim me mandaram pro Ipixuna,
nas brenhas onde não morava quase ninguém. Não reclamei nem
pechinchei. Quanto mais longe melhor. De perto, um perto muito
longe, só Eirunepé de um lado e Cruzeiro do outro. Cheguei num dia e
no outro me mandaram pro centro, com o Dorca — um cabra nascido
por aqui mesmo, meio gente, meio índio, mas um camaradão. Duro,
meu senhor, duro foi acostumar naquele mundão de mato vazio de
gente e com a doideira daquele trabalho de escravo. Acordar antes do
sol e sair pelo mato raspando casca de seringueira, pendurando
tijelinha, comer só por comer, enganando estômago com ipadu, e
depois voltar pelo mesmo caminho, recolhendo o leite, correr para a
barraca e começar a defumação. Os seringueiros antigos se riam da
gente, da nossa falta de jeito. Conto sem ter vergonha - muitas vezes
chorei, escondido do Dorca, e amaldiçoei o dia que deixei a minha
terra. Mas tudo no começo é assim mesmo. Não há nada de tão ruim
que a gente não se acostume. E eu e os outros - os brabos, como a
gente era chamado -, acabamos nos acostumando. A vida no seringal
não é sopa, mas também tem os seus momentos. Tinha o sábado. O
sábado, meu senhor, era o nosso dia. Quando a gente voltava do
barracão do gerente, tratava logo de descarregar o rancho, tomar banho
e num instante estava na canoa, vestido de limpo, chapéu, todo
emperiquitado, e toca a remar para casa de Mestre Felisberto. Era a
festa, a festa que a gente esperava toda a semana, num desassossego.
Tinha música, sim: a rabeca de Mestre Felisberto, o banjo do Curica e
mais o Zé Preto batendo o compasso com duas colheres enganchadas
nos dedos. Mas, como eu já lhe falei, mulher que é bom não havia. Por
isso dançava homem com homem e foi aí que eu ganhei fama.
Experimentei a primeira vez só pra dar gosto ao Dorca, companheirão
que me ensinou a cortar seringa, com paciência de santo. E quando
começamos a dançar, os outros foram parando abestados, olhando nós
dois saracoteando pela sala. Desde aquela noite fiz nome e renome.
Não me lembro mais quem inventou a moda, mas os homens que
dançavam como dama amarravam um pano na cabeça, para diferençar
dos outros. Um dia, um sujeito quizilento chamado Procópio, entendeu
que a gente tinha de pintar os beiços com urucu e de vestir maria
mijona. Pra dar mais sensação, como ele disse. Só não matei o filho
duma égua na horinha, porque os outros não deixaram. Mas nunca
mais dancei com aquele corno. Depois eu mesmo inventei de calçar
~ 18 ~
sapatos tênis para dar mais leveza nos pés. Sim, lhe digo, havia outros
homens que também dançavam como dama, mas nenhum como eu.
Tanto que uma vez houve uma briga de dois cabras por causa de mim.
Foi preciso eu arriar as calças e mostrar os possuídos e gritar que eu
era homem e muito do seu macho e não ia permitir que dois safados
brigassem com ciúme de mim, como se eu fosse mulher ou foboca,
que Deus me livre e guarde. Mesmo assim eu não chegava pra quem
queria. Tinha noite de gastar quase toda a sola do meu tênis de tanto
arrastar os pés no chão de terra. Uma coisa de doido. Só parava pra
tomar uns goles de cachaça e assim mesmo aqueles cabras ficavam
todos me cercando e de olho vivo pra me pegar primeiro. Não, não ria,
homem fazer vez de dama não é coisa pra qualquer um. Desculpe que
eu lhe diga, mas é preciso muita arte. Tem que ter o corpo leve e os
pés ligeiros, molejo na cintura, balanço de perna e sentido calculado.
Tem de ser uma pluma e adivinhar de véspera o movimento do
cavalheiro. Ainda hoje, por todas estas bandas, ainda me conhecem
como Zeca-Dama. Já lhe pedi, não faça cara de malícia. Agora eu sou
um velho, mas ainda sei tirar desforra. Ninguém nunca duvidou da
minha macheza, porque todo mundo sabe que eu, com uma faca na
mão, sou o próprio capeta. Hoje mora muita gente por essas beiras e
tem muita mulher. Nas festas, às vezes, tem mesmo mais mulher do
que homem. Mas nenhuma dança como eu, naqueles tempos. Se não
fosse o diabo do reumatismo que me amolenga as pernas e me
endureceu as cadeiras, eu era capaz de lhe mostrar. Dou-lhe minha
palavra. Pergunte ao Dorca, ele mora ali no primeiro sítio à esquerda,
descendo o rio. O Dorca não me deixa mentir. Boa noite, passe bem.

***

~ 19 ~
O Palhaço e a Rosa
Francisco Vasconcelos
Os OLHOS DA MOÇA PARECIAM FALAR. Toda a força de um desejo
desenhando-lhe na alma a imagem do que seria a vida se ele ousasse
entendê-la. Mas a covarde atitude do homem a quem se entregaria ao
primeiro chamado aumentava-lhe a angústia, roubando-lhe a esperança.
Doía-lhe a indiferença, jamais ousara falar-lhe de seus sentimentos, e a
ninguém confiara o segredo. Seus olhos, porém, em constante cismar,
registravam o anseio, tormento de todas as horas, de todos os instantes.
Sentia-se vencida. Os dias, as horas, os minutos, passando, e ela, presa,
submissa àquela ideia de realizar- se, de viver.
Diariamente o via, pertinho, ao alcance dos braços. Entre os dois, no
entanto, a barreira. Um mundo de convenções impedindo a passagem.
Muralha. E um suspiro de ansiedade, profundo, meloso, escorrendo-lhe
da alma, naquele desejo de ocupar o lugar reservado a outra; no querer
desempenhar o papel que outra, ocasionalmente, desempenhava. Bem que
deveria dizer tudo, provocar-lhe a reação. Mas tinha medo.
Nem mesmo as férias foram capazes de devolver-lhe a tranquilidade. O
mar, a praia, tudo de bom que ali havia, falava de sua ausência. E aquela
ideia fixa como a cor da pele: ele. Em tudo, ele. A distância sugerindo
saudade. Vazio na alma. A vida sem nenhuma significação. A solidão
inspirando tédio, quase desespero. Nos sonhos, o irreal imitando a vida e
a fugaz sensação de felicidade. As coisas tomando formas diferentes. Os
personagens dos livros de cabeceira, misteriosamente, tomando-lhe as
feições. E tudo diferente do real. Ele, pedindo-lhe perdão pelos dias
perdidos. Roçando-lhe o corpo quente de desejos, trêmulo de ansiedade,
fazendo-lhe cócegas; mordendo-lhe os lábios em fúria de macho faminto.
E, por tudo aquilo, a vida resumindo-se num átomo de tempo. A
eternidade sintetizada naquele instante de alumbramento, de plena e
definitiva realização. Pronto! Desvendado o mistério da esfinge.
Destruída a muralha. Vencera, finalmente. Que mais desejar? À distância
de um palmo, dois olhos fitos nos seus, furando- lhe a alma, entrando.
Penetrando-lhe o íntimo. Descobrindo tudo. Os olhos dele... Até que
enfim!... Súbito, porém, desconcertante gargalhada enchendo-lhe os
ouvidos. Não! Não podia entender. A vida não podia parar ali. E saltando-
lhe aos olhos, a figura de um palhaço triste, arrependido, brincando,
displicentemente, com uma rosa. Os olhos do palhaço fitos nos seus. Um
sem-número de olhos indiscretos, assistindo à cena. E todos rindo.
~ 20 ~
Vontade de fugir, de correr. As pernas, trôpegas, impedindo-lhe a fuga. E
no chão, abandonada, uma pétala vermelha. De repente, uma bota de sete
léguas esmagando-a. Como justificar que se pisasse numa pétala de rosa?
E o palhaço, triste, fazendo rir, sem nenhuma intenção de fazer rir. Quem
lhe entenderia os gestos? Quem, porventura, poderia entendê-lo, vendo-o
assim, tentando esconder sob as botas a pétala caída? Não. Ninguém
deveria ouvir. Nem ver. Mas todos riam. O mundo inteiro ria. E o
palhaço, incompreendido, saindo de cena. Fugindo, escondendo-se.
A moça, lembrando o sonho interrompido, continuava o desejo. Um dia, a
certeza do impossível e o último gesto na renúncia total do ser. Para que
lhe servia a vida? Um apito estridente anunciando pressa. Um quarto de
hospital e um balão de oxigênio inventando vida. As mãos trêmulas do
médico desenhando arabescos, num mundo cheio de imagens disformes,
confusas. Passos ligeiros de anjos de carne, mensageiros de vida. Zoada.
E as mãos trêmulas do médico lutando pela vida. Por que a insistência?
Na verdade, lutavam contra ela. Todos contra ela. Um padre, chamado às
pressas, falando-lhe ao ouvido, perguntando coisas que nunca dissera a
ninguém. Mas não adiantava perguntar-lhe nada. Era tarde. Por que não a
deixavam em paz? Estava vencida, derrotada. Os dedos do médico,
tatuando o espaço, pareciam mil dedos movimentando endiabradas
marionetes. E um coro de muitas vozes cantando pedaços da marcha
nupcial. Projetando-se a distância, a figura esguia de um anjo sem asas. O
balão de oxigênio enchendo e secando, naquele ir e vir ritmado e
constante... O anjo transformando-se em palhaço, procurando esconder o
rosto, procurando esconder-se. Fugindo. A mesma covardia de sempre.
Longe, bem distante, a lembrança vestindo-se de infância e, finalmente,
perdendo-se, inteira, no inconsciente.
Os dedos do médico, cansados, dizendo não em gestos apressados.
Pedaços de preces, saindo da boca dos anjos de carne. Todos, de uma só
vez, negando a vida. E o palhaço voltando à cena, brincando com uma
lágrima que deixava cair descuidadosamente...
O balão de oxigênio, parando, anunciava o fim. O mundo continuava
exatamente o mesmo. Mais uma pétala emurchecida, esmagada. E o
homem preso. Nada mais que isso. Irremediavelmente preso...

***

~ 21 ~
A Obra Simá, Romance Histórico de Lourenço Amazonas
Texto de Núbia Litaiff - Professora do CEST/ UEA fundamentado em
Tenório Telles. VALER CULTURAL, ano I, nº 01, abril/2012 (p. 16-17).

O romance “Simá - Romance Histórico do Alto Amazonas” é um


romance contemporâneo do ciclo das narrativas indianistas do
Romantismo Brasileiro. De autoria de Lourenço Amazonas, foi
publicado em 1857, no mesmo ano em que o GUARANI, de José de
Alencar, veio a público.
Segundo Tenório Telles, professor de Literatura Brasileira, autor de A
DERROTA DO MITO, o romance SIMÁ, do ponto de vista temático
e histórico, tem mais relevância que Iracema, embora faltasse a
Lourenço Amazonas, o talento literário de José de Alencar.
Segundo Telles no artigo intitulado “Simá, um romance amazônico", a
percepção de Lourenço Amazonas em relação à presença europeia na
Amazônia é crítica e pessimista, o que difere do autor de Iracema,
visto que José de Alencar é complacente e tenta justificar o processo
civilizatório empreendido pelos europeus no Brasil e no continente
americano" (TELLES, 2012, p.17).
O romance inicia no município de Coari, no centro do Amazonas e
apresenta como personagens, o português Régis, oportunista que é
acolhido na casa do tuxaua Marcos, um manau destribalizado. Marcos
é pai de Delfina. Regis, utilizando-se do artifício do embebedamento,
violenta e engravida a filha do indígena. Para se aproveitar de Delfina,
o português inescrupuloso, coloca ópio na bebida (vinho) do tuxaua e
da filha.
~ 22 ~
Assim, o encontro de Regis (metáfora para o colonizador) e Delfina
(o primitivo) foi violento e traumático, simbolizando “O
comportamento da civilização europeia em relação aos povos
autóctones da Amazônia e da América" (TELLES, 20012, p.18).
Após o fato, Marcos deixa a região do Solimões e volta para a região
do Rio Negro, o que representa a tentativa de reconciliação do nativo
com as suas origens. Na tentativa de livrar-se do passado traumático,
marcos muda de nome e passa a se chamar de Severo.
Delfina, igualmente como a personagem Iracema, morre na narrativa.
Após o nascimento de Simá, que em língua geral, significa "luz", a
índia Delfina morre de tristeza. Simá, então é criada pelo avô nos
costumes do povo Manaó e torna-se uma jovem muito bonita.
Regis chega ao Rio Negro e se encanta com a beleza de Simá.
Utilizando o mesmo artifício usado com a mãe, violenta a jovem,
porém reconhece em Simá, o colar que estava no pescoço de Delfina.
Marcos afirma ser “O Marcos lá de Coari” o que leva Regis ao
desespero, porque descobre que a jovem Simá, na verdade, era sua
própria filha. Segundo Tenório Telles, "O romance de Lourenço
Amazonas é mais que uma denúncia, é uma metáfora da tragédia
vivida, pelos povos nativos da Amazônia" (TELLES, 2012, p. 17).

***

~ 23 ~
Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz”
Erasmo Linhares

N ão, senhor, não sou homem de potoca. Nesta minha velha e


cansada vida, se menti alguma vez foi só pra pescar mulher.
Minha mãe, quando pegava a gente em alguma trampa, dava de
palmatória, uma dúzia em cada mão. Uma vez peguei duas, porque
resolvi ser macho e não chorei. A velha queria lágrima, como toda
mãe, pra ver o sentimento. Muita gente antiga, por aqui, ainda conhece
a história. Era o homem mais rico de todas essas bandas. Em cada
riozinho desses, ele tinha um seringal e em cada lugar por esse Juruá
afora, onde morasse mais de três famílias, ele tinha uma mulher. Uma
vaca braba com os homens, um vacal com as mulheres. Poderoso, meu
senhor, muito poderoso. Podre de rico, mandão e famão, até com gente
da capital. Nos tempos de eleição, depois que
houve eleição, vinha muita gente por aqui atrás
dele. Gente graúda, doutor de anel no dedo.
Conversas, trampices, farronas, e ele dominando,
mandando em tudo. Com essa gente de fora ele
se abria, com a gente daqui era aquela carona
enfezada.
Mas era um homem bom, se a gente trabalhava
feito doido e dava no fim do fábrico uns gordos quilos de borracha.
Disso, lhe digo sem preconceito, ele cuidava. Cuidava de quem
trabalhava e não amolengava com o diabo da cachaça, que isso é coisa
que acaba com um homem e é até capaz de botar chifre na cabeça, se o
cabra não for bom de peia. Peço que não duvide de mim. Trabalhei dez
anos pra ele e com esse meu jeitão de cearense, ouvi e vi e anotei
muita coisa aqui dentro da cabeça. Não pense que são histórias de um
velho atazanado pelo reumatismo. Já lhe disse, não sou homem de
potoca. O homem que mente perde metade da sua macheza.
João Carioca também não era homem de mentira. Pra quê, se ele tinha
tudo? Se ele mandava, desmandava e tresmandava? Era um touro, um
homem capaz de engolir um garrafão de boa pinga do Ceará e sair
andando sem que ninguém dissesse. Só vermelhão, a barrigona
empinada dentro do paletó de tubarão que ele nunca largava, mesmo
quando o suor empapava a camisa e a banha do pescoço fazia uma
lista preta no colarinho. Estou lembrando que ele deu de usar paletó,
~ 24 ~
digo melhor, de não largar mais o paletó, depois que foi feito Juiz de
Paz, mandando e desmandando desde Eirunepé até quase Cruzeiro.
Quase tudo, se me lembro bem. Eirunepé, Envira, Ipixuna e esses
lugares todos que existem por aí. Casava e se não dava certo descasava
e casava de novo. Tudo como ele queria pra que as coisas não
desandassem nos seringais.
Já lhe contei uma vez, mulher por aqui não havia, de começo. Coisa
muito rara e por causa disso os homens endoidavam. João Carioca
sabia disso e sabia cuidar muito bem do caso. Mulher era prêmio.
Trabalhou, ele arranjava mulher, mas obrigava a casar e quando os
filhos nasciam, ele trazia o padre de Rio Branco, espichando viagem
de semanas, só pra batizar os moleques. E João Carioca era o
padrinho. Ele era compadre de todo mundo e ainda hoje existe muito
safado por estas bandas que é afilhado dele. Já lhe disse duas vezes,
mas repito agora, pro senhor entender bem este caso que lhe conto.
Mulher era coisa rara. Era prêmio. E Carioca sabia premiar.
Todo novembro ele viajava pro Ceará, Fortaleza, no conforme do que
ele dizia. E lá arranjava as mulheres. Depois foi que eu fiquei sabendo.
Ele arranjava as decaídas na zona mesmo. Contratava, levava no
médico, dava remédio se elas tinham alguma engaliqueira. Comprava
roupa, comprava batom, ruge, remédio pra engordar, se a vagabunda
era magra. Enfeitava toda a mulherada e trazia de navio pra Manaus e
de lá pra cá, no barco dele mesmo. Já perto do Natal ele saia de
viagem para visitar os seringais, um a um. Um barco imenso, todo
pintado de branco, limpo que era uma beleza. Um magote de
marinheiros, um comandante de carta e tudo, vestido com farda de
galões azuis e dourados – um sujeito muito do seu metido a merda – e
mais, pode acreditar, três taifeiros vestidos de branco, engomadinhos e
com cara meio pro cá meio pro lá, que serviam pinga, cerveja preta,
que eu nunca mais vi na minha vida, gelada num depósito de gelo,
pedronas daquelas da fábrica do Plano Inclinado, e chá. Esse seu riso é
que me dá gastura. Já não lhe disse que não sou homem de mentiras? É
a pura verdade.
Carioca tinha uma frescura de tomar chá todo dia, às cinco horas da
tarde, sempre às cinco horas da tarde, nunca antes nem depois. Era,
pelo que me consta, a única fraqueza que ele tinha. O senhor me
desviou. O caso era que ele botava todo o mulherio dentro do barco e
~ 25 ~
parava em cada porto. Parava, mandava chamar o seringueiro da
localidade e o diabo do escrivão do lado, na mesa um livrão de capa
dura, cheia de desenhos imitando couro. E ai, meu senhor, era a agonia
do pobre do seringueiro, porque não havia astúcia. Estava tudo ali
anotado. Era a hora do prêmio pelo trabalho que o cabra tinha feito
como escravo, o ano todo. O sujeito esticava o olho pra ver quem saia
de dentro dos camarotes, mas o negócio era bem ensaiado, a modo de
pastorinha.
Cada uma a sua vez. João Carioca perguntava, olhando dentro do olho
do sujeito, a cara séria que não dava pra gente saber o que ele estava
pensando deveras: Natálio? O escrivão respondia - duzentos quilos.
João Carioca: Marlene! E saiu uma velha batida, com falhas nos
dentes ou com uma dentadura dessas que tem mais gengiva do que
dente. Não tinha do que reclamar. Pra dizer a verdade, ninguém podia
reclamar. Porque antes era pior.
Carioca levava mulher, feia ou bonita, velha ou moça, mas sempre
mulher. Antes dele, o patrão levava, mas era o umbigo de peixe-boi.
Depois eu vou lhe mostrar uma marca que eu tenho aqui nas costas.
Desculpe, já vejo pelo fogo dos seus olhos que me desviei. Conto,
conto pelo fio da história. João Carioca mandava; desmandava e
tresmandava. Chegava no segundo porto e na frente do seringueiro do
lugar perguntava: Nepomuceno? O escrivão em cima da bucha -
quinhentos quilos. João Carioca - Luzia! Saía do camarote uma tetéia,
uma coisa de fazer gosto, meu senhor, coisa de botar um seringueiro
doido, depois de tanto jejum.
Era assim, primeiro e depois, e quanto mais mulher, mais borracha.
Mas não pense que ele deixava as mulheres sem socorro. Duvido.
Ficou com mulher era pra tratar bem, fosse velha ou fosse nova, feia
ou bonita. E depois, quem era que não queria fêmea? E depois, quem
era que não queria ser compadre de João Carioca? Foi assim até que
isto aqui se encheu de mulher e de filhos de toda essa gente que ele
juntou e, depois, quando foi nomeado Juiz de Paz, acabou casando
pelo sério, com papel, aliança e tudo. A aliança ele dava, como
presente de casamento. Aliança de ouro, não duvide e não faça essa
cara de malícia. Ele também era padrinho. Mas, ai, João Carioca já
estava parado na sede dos seringais, já não andava no fim do ano pro
Ceará, já não engolia um garrafão de pinga e deixou até de tomar chá
~ 26 ~
às cinco horas da tarde.
Bebia lá a sua pinguinha, fumava lá os seus charutos, passava tardes
deitado na espreguiçadeira lendo os jornais de Manaus e os livros, que
ele tinha alguns. Não pense que mudou muito. Não, era sempre o
poderoso, mandando e desmandando, e mais ainda tresmandando. Não
era mais o vacal, mas ainda era o vaca-braba. Conto uma desses
tempos. Todo mundo tinha de casar com ele, que era o Juiz de Paz. Os
casamentos eram no sábado, à tarde e de todo canto chegavam as
canoas enfeitadas com bandeirinhas de papel de seda colorido, as
noivas de vestido branco, grinaldas e luvas, tudo branco. Os noivos de
calva e camisa de punho, também tudo branco, e reclamando dos
sapatos que apertavam os dedões de mangarataia. Num sábado
chegaram muitos casais e vinham entre eles Daniel que a gente
chamava de Amarelinho, porque era um sujeito enfezado, mirrado, um
merdinha de nada, e o Pedrão, um negro do tamanho não sei do quê.
Um homem que além de alto era uma anta feito gente, de tanta força.
Quando chegou na vez deles, porque o escrivão, o mesmo que
trabalhava há anos nas contas dos seringais, chamava os casais dois a
dois, pra não dar muito trabalho, João Carioca, sentado na cadeirona
de palhinha, atrás de uma mesa comprida e cheia de papeis, olhou,
olhou, olhou, fez uma carona de raiva, ficou uns dois minutos caladão
e explodiu, como era do feitio dele. Seo Daniel, disse bufando, o
senhor não está vendo que o senhor não aguenta essa mulher? Num
mês ela lhe mata, seo Daniel. Depois olhou pro Pedrão. O negrão, um
macho como poucos eu vi, quase ficou branco de medo. Seo Pedrão,
Carioca falou com mais raiva ainda, o senhor não vê que essa menina
não é prato pro senhor? Na primeira chibatada o senhor abre essa
menina no meio, Seo Pedrão. Isto já é uma grande sem-vergonhice, é
contra a lei de Deus. Ficou vermelho, pediu um copo de pinga, bebeu,
tossiu, acendeu um charuto, depois olhou pros quatro ali na frente
dele, todo mundo espiando, abestalhado. Carioca deu uma chupada no
charuto, soprou a fumaça pra cima do escrivão e olhou os quatro, um a
um, bem dentro dos olhos. Troca, gritou. Ninguém entendeu. Troca,
berrou. É como vai dar certo e é pro bem de todo mundo. Não quero
ver ninguém morrendo nestas bandas. E trocaram e deu certo. Não
pense que conto potoca. Já lhe disse que não sou homem disso. Saia
por ai por essas beiras perguntando. Todo mundo sabe da história, mas
ninguém como eu. Boa noite, passe bem!
~ 27 ~
Os Carnavais de Coari
Archipo Góes

O s carnavais de Coari da década de 80 eram sempre


surpreendentes, cheio de histórias, casos que retratam um
tempo em que ainda se podia pular carnaval, brincar e dançar
pelas ruas de nossa cidade. Era comum se fantasiar de forma bem
característica, excêntricas e até espalhafatosa com roupas grandes,
velhas, com enchimentos de panos que deixavam todos com aparência
de “velhos políticos dos anos 50”. Mas, na verdade eram figuras muito
cômicas, pois as máscaras eram de estilo de carrancas. De tão
assustadoras chegavam a ser extremamente engraçadas, e o grande
desafio era adivinhar quem era quem.
No final da tarde a festa começava com o carnaval de rua, organizado
pela prefeitura de Coari, acontecendo sempre na Rua XV de
Novembro, a conhecida “Rua da Frente” pelos mais antigos
coarienses. Era um momento em que toda a população ia assistir os
blocos carnavalescos que desfilavam ao som das marchinhas de
carnaval coariense.
Os blocos eram muito diversificados e com os nomes bem
irreverentes, como As Piranhas, As Virgens na Folia, Os Piratas do
Seringal (que mais tarde passou a se chamar os Piratas do Morro), Os
Bebês de Proveta, A Turma do Funil, Os Fantásticos e muitos outros.
Nos blocos As Piranhas e As Virgens, os homens da cidade se reuniam
e se vestiam de mulher, com roupas “emprestadas” de mães, irmãs,
tias ou até mesmo das avós para brincar o carnaval. Eram bastante
engraçados e toda a avenida esperava à sua passagem para rir de suas
brincadeiras e das fantasias com personagens da televisão, como Xuxa
e Mulher Maravilha.
Lembro-me que certa vez estava passando em frente da casa dos
padres, e na varanda estava o saudoso Pe. Jackson que me
~ 28 ~
cumprimentou e foi interrompido pelo barulho de dois jovens
fantasiados de ciganas que passavam de moto e mexeram com outro
colega que estava sentado na escada que dá acesso à catedral da
cidade. Foi uma cena hilariante e constrangedora que gerou o seguinte
comentário do reverendo:
− O carnaval desperta alguma coisa em alguns homens que os fazem
soltar o que estava preso o ano inteiro. − Eu apenas sorri e concordei.
E assim era o carnaval na pacata Coari dos anos 80. Pacata? Nem
tanto! Coari não tinha uma população assim tão conformada e
anestesiada como hoje. Na verdade, era uma cidade de povo bastante
animado, independente e próspero. E em fevereiro sempre havia
grandes disputas para ver quem seriam os melhores do carnaval, o
melhor bloco, a mais bonita rainha ou a melhor escola de samba…
Sim, nos anos 80, Coari tinha escolas de samba, como Os Brasas, Os
Filhos da Inocência e a primeira que foi o Império dos Camanholas,
criada pelos funcionários da Comara (Comissão de Aeroportos da
Região Amazônica), que se estalaram em Coari para construir o
aeroporto e asfaltar a estrada de acesso.
Outra lembrança do Carnaval Coariense da década de 80 que trago na
mente, era a disputa pela escolha da mais bonita fantasia de luxo, que
era uma das grandes atrações da festa. Eram fantasias cheias de
plumas, brilhos e bastante criatividade. O precursor das fantasias de
luxo em Coari foi o Dr. Assis, dentista bastante conhecido na cidade.
Mas, a grande disputa do carnaval era entre os professores Mica e
Rubinho, que todos os anos se superavam e nos presenteavam com
belíssimas obras de artes em forma de fantasias carnavalescas de luxo.
Hoje, não temos mais nosso carnaval tradicional de tantos anos, no
entanto, a prefeitura já chegou a financiar desfiles das grandes escolas
de samba do Rio de Janeiro e levar seus amigos desembargadores para
assistir de camarote; tudo pago com dinheiro da grande arrecadação de
Coari. É festa dos royalties!
Em Coari, eu assistia todas as apresentações e desfiles de camarote
também, mas, no muro do quintal da nossa casa. Era o melhor lugar
para acompanhar toda aquela festa! Nossa casa recebia a visita dos
tios, tias, primos, primas e tudo virava festa. As tábuas em cima de
tijolos completavam o nosso local especial e sabíamos todos os
detalhes, do então, verdadeiro carnaval coariense.
~ 29 ~
Hoje, tudo isso não existe mais, o nosso quintal se transformou em
pontos comerciais que a família aluga para ajudar em nossa renda. E
minha casa foi construída na laje, em cima dos pontos comerciais. De
certa forma, eu ainda vivo em cima de minhas melhores lembranças.
Quando digo que tudo terminou, na verdade, o Carnaval de Rua de
Coari foi erradicado ou até desenraizado, sendo transformado em uma
imitação barata do carnaval baiano. Dessa forma, sumiu as nossas
marchinhas e a festa deixou de acontecer nas ruas e mudou-se para um
“centro acultural”. Houve uma cópia grotesca da cultura baiana,
realizando um carnaval com trio elétrico e abadás, que em nossa
cidade foi nomeado erroneamente de aimará, no qual foi encontrado,
não sei onde, que seria uma vestimenta indígena de festa. Contudo,
aimará é uma língua indígena do povo Andino, ainda falada hoje por
aquelas bandas… E assim, a cultura do Carnaval Coariense totalmente
pereceu.
Até as festas nos clubes hoje já não existem mais. Parece que o
carnaval ficou mais triste e violento em Coari. Hoje é comum em
alguns clubes ou boates apenas tocar forró em plena festa de momo.
Sinto saudades ainda dos carnavais no Refúgio Dois Pinguins. As
festas do Pedro Abinader eram sempre bem organizadas, pacíficas e
muito concorridas, com bandas da Polícia Militar de Manaus e
repertórios com as marchinhas tradicionais de carnavais, piscina
liberada e a presença de toda sociedade coariense. Eram festas que
sempre reencontrávamos os coarienses que residiam em Manaus, que
todos os anos vinham passar o carnaval em Coari. Lembro-me que
sempre encontrávamos as várias turmas de colegas da escola com
fantasias bonitas e combinando entre si. As mulheres mais bonitas da
cidade sempre marcavam presença e eram festas que produzia um bom
“colírio” para iniciar o ano. Mas quem dava sempre show sambando
era a Amanda Jacomassi. Amandinha tinha um repertório amplo de
passes de samba e a sensualidade de uma menina mulher. Era muito
gostoso vê-la sambar – o carnaval ficava mais colorido.
Boas lembranças dos carnavais de Coari, época de diversão,
reencontros e paixões de carnaval. Nossa cidade não tinha grande
movimentação financeira, mas era rica de amizades, diversão e um
povo hospitaleiro e ordeiro, que adorava pular carnaval na rua XV de
Novembro.

~ 30 ~
O Concurso
Francisco Vasconcelos
Foi PRECISO SOFRER MUITO PARA CHEGAR ÀQUELA CONCLUSÃO. Há
anos, quando entrara para a Companhia, a cabeça cheia de sonhos,
pensara haver encontrado o caminho definitivo da vida. “Você
vencerá, Tiago”, dizia sempre. “Você vencerá!...”. Quem duvidaria?
Lembrava-se, sempre, do primeiro dia de trabalho, da primeira carta
que lhe deram para redigir. Fora um momento difícil, aquele.
Rabiscara inúmeras folhas de papel e só conseguira escrever o início.
Encalhara no verbo informar, cheio de dúvida quanto à regência.
Parecia- lhe que todos o olhavam; que o olhava o chefe, impaciente,
com ar de insatisfação. E jurava que o ouvia dizer: “essa carta é pra
hoje, seu Tiago. Vamos!...”.
Sofreu muito naquele primeiro dia de trabalho. Depois, tudo correu
bem. O chefe não escondia sua preferência. “É um bom menino”,
ouvira-o comentar. “Esse vai longe!...”.
Aqueles elogios, recebidos inesperadamente, faziam-no sorrir e crescer
em pretensões. Via-se, dentro de três ou quatro anos, chefiando uma
carteira, com telefone à mesa e uma campainha para chamar o
contínuo. Por isso rejeitara, até mesmo, função interina numa
repartição pública, embora, nela, fosse ganhar um pouquinho mais.
Passados onze anos, Tiago concluía que tudo lhe saíra ao contrário.
Sua situação, na verdade, em nada mudara. A única diferença estava
em que já não alimentava nenhuma esperança. E, em lugar dos
pensamentos de outrora, repetia baixinho, num esforço de
autossugestão: “Você precisa dar o fora, Tiago! Coragem, homem!...”.
Ah! Como fora estúpido. Quanto tempo perdido? Onze anos, e a
mesma coisa. Mas o concurso ele o faria. E no dia em que fosse
aprovado, cara a cara com o gerente, diria: seu Walfredo, sua
Companhia me roubou por onze anos. Mas de hoje em diante a coisa é
outra. E não adianta me olhar assim, seu Walfredo. Passei no
concurso. Passei, seu Walfredo... Ah!... Quanta satisfação vai sentir
quando puder dizer isso. É que jamais poderia perdoar- lhe a injustiça.
Quantas vezes não o preterira em proveito de outros? E como fora
tolo! “É um bom menino!... Esse vai longe...”.

~ 31 ~
O grande conforto de Tiago estava em aguardar mais uns dias. Não
sabia por que, mas tinha certeza de que tudo lhe seria diferente.
Tentadoras propostas lhe seriam feitas. “Seu Tiago, isso é loucura!
Nós lhe damos um aumento, seu Tiago!...”. E por certo lhe falariam
dos onze anos que iria perder, como coisa que já não os houvesse
perdido há muito tempo. Mas Tiago é pai, seu sacana, Tiago tem fibra.
Não haverá acordo nem aumento que o prenda um dia a mais na
Companhia ladrona. Nenhum. Então só aí é que irão descobrir-lhe as
qualidades de bom empregado? Depois de explorá-lo, de roubar-lhe as
esperanças e de humilhá-lo? Não! Bastava. Mandaria às favas a
Companhia e os onze anos. Começaria a vida outra vez, com bom
ordenado e promoções certas.
Não podia entender como tardara tanto a tomar aquela decisão. Fora,
não tinha dúvida, um burro, um idiota. Mas nunca seria tarde, pensava.
E mesmo que fosse, sempre haveria tempo para uma atitude. Ficar
onde estava é que não podia. A menos que corresse o risco de passar
fome, ele e os filhos. Como suportara onze anos naquela vida de
aperreio?
Cada fim de mês era um inferno. Os cem cruzeiros que, não sabia
quantas vezes, havia emprestado, iam, de um a um, saindo da carteira,
deixando-o apreensivo, ante maiores e inadiáveis compromissos. Já
quase sofrera ação de despejo, e o taberneiro, por mais de uma vez, o
ameaçara de cortar o crédito. Para vestir a mulher e os filhos, abrira
crediário. A primeira prestação, pagou com sacrifício. A segunda e a
terceira, ficaram vencidas: adoecera-lhe um filho. Mas o que mais lhe
doía era chegar em casa e ouvir: “Papai, o meu sapato!...”. “O meu,
papai!...”. E sempre a mesma resposta, tapeando os filhos: “Amanhã...
Amanhã papai compra!...”.
Tornara-se, por tudo isso, um tipo revoltado. E admitira, por força da
miséria em que vivia, a existência de uma minoria da qual ele,
decididamente, não fazia parte. Não tinha mais nenhuma dúvida em
afirmar como válidos alguns preceitos da chamada “esquerda”, tão
temida. Certa vez, ao discutir o assunto com alguns colegas, um deles,
muito ligado aos propósitos da Companhia, sem a menor
consideração, lhe dissera, agressivamente: Isso é recalque, Tiago!...
Você é recalcado... Ora recalque!... E recalcado ele sabia muito bem
quem era...
~ 32 ~
Fizera já trinta e seis anos. De casado, mais de oito. Filhos, nada
menos do que seis. E foram estes que um dia lhe notaram os primeiros
cabelos brancos:
- Papai, só velho tem cabelo branco?
- Por quê?
- Os seus, papai... Tem é muito!...
- Deixa aí, deixa...
Quando ia dormindo, um dos meninos voltou à carga:
- Pai!
- Hum?
- O senhor é homem ou é velho?
Tiago sorriu com a curiosidade infantil do filho. Menino tem cada
pergunta!... Mas essa diferença, lembrava-se, alguns grandes, também,
faziam. Certo dia, aquele mesmo colega que tentara humilhá-lo, não
chegara a dizer-lhe você é velho, Tiago, você não é homem? Ah! A
resposta ele daria em breve. O concurso viria, e todos iriam ver quem,
na verdade, era ele. E antes de cair no sono respondeu ao filho:
- Os velhos também são homens, meu filho.
Aquele domingo terminara cacete e melancólico. Passara as horas a
pensar na vida, no tempo perdido, no concurso. Nenhuma diversão.
Nenhuma pessoa com quem conversar, senão a mulher que, a todo
instante, reclamava alguma coisa, e os filhos, confundindo-lhe a
cabeça com barulheira infernal. Uma lembrança o seguira por todo o
dia: o concurso. Alguém lhe dissera que, no dia seguinte, os jornais
publicariam o edital, marcando a data das provas e estipulando as
bases do concurso. E quanto esperara por aquele momento. Talvez, sua
última oportunidade. Um aumento, não sabia de quanto, mas um
aumento. Por certo, o dobro do que ganhava. Que mais poderia
desejar? Estava ainda com trinta e seis anos e, dentro em pouco, teria a
vida definida, ganhando bem, sem problemas.
Perseguido por tão agradáveis pensamentos, só conseguiu dormir pela
madrugada. Mas, embora dormindo, o concurso estava presente.
Sonhava. Como lhe acontecia tamanho infortúnio? Chegara atrasado
~ 33 ~
para as provas. E sentia incontida vontade de chorar. Tentava justificar
o atraso, como fazia na Companhia quando chegava fora da hora, mas
de nada adiantavam os argumentos. E por incrível que lhe parecesse,
era o próprio Walfredo, o gerente, quem lhe dizia com enorme sorriso
de sarcasmo e satisfação: “Perdeu a vez, seu Tiago!... Agora é
tarde...”. Acordou soluçando. Por instantes ficou em dúvida,
esfregando os olhos. Chegar atrasado? Jamais! Uma hora antes da
prevista no edital, estaria lá. Quanto à indigesta figura de Walfredo no
sonho, talvez lhe servisse: ia jogar no porco. No porco? Sim, no
porco...
Tomou café e saiu. Ao saltar do ônibus, a primeira coisa que fez foi
comprar um jornal. Tentou folheá-lo, mas viu que não dava tempo.
Uma curiosidade nunca antes sentida dele se apossara, deixando-o
eufórico, ansioso. Teriam publicado o edital? Mal chegou ao trabalho,
assinou o ponto e procurou um lugar reservado onde, mais à vontade,
pudesse ler o jornal. Nenhuma notícia daquelas que as manchetes
traziam lhe interessava. Apenas uma, publicada na segunda página,
prendeu-lhe um pouco a atenção: OU AUMENTO OU GREVE. Mas
quem iria fazer greve na Companhia? Ele. Ele, Tiago, faria. Não! Não
iria precisar de greve para conseguir aumento de salários. O concurso
viria... o concurso.
E as mãos de Tiago, trêmulas, viram folha por folha do jornal.
Desespera-se. Seus olhos devoram, avidamente, página por página.
Lembra-se de que no dia anterior jogara seu time. Quem teria vencido?
DERROTADO MAIS UMA VEZ O... Era muito azar. Só podia ser
azar. E quase desiludido, ao virar a última página, encontra,
finalmente, o que tanto procurava: Dasp. Lê com sofreguidão:
EDITAL DE CONCURSO.
Estarão abertas, a partir de 10 do corrente, as inscrições... Poderão
inscrever-se candidatos de ambos os sexos... O limite mínimo de idade
é de 18 anos e o máximo,... de... 35...

~ 34 ~
Maria do Léu – Um perfil de mulher ou o retrato que
gostaria de pintar
José Coelho Maciel
Maria Alves Ribeiro é seu nome de batismo, por cognome Maria do
Léu. É uma mulher de fibra, destemida e muito querida pelo povo.
Filha de nordestinos. Seu pai chamava-se José Alves Ferreira e sua
mãe Maria Angélica Alves. Ele era ferreiro, ela rendeira.
Maria do Léu — que não vive ao léu — é uma mulher lutadora,
intrépida e de grande popularidade. Não há ninguém em Coari que não
conheça essa criatura de estranha personalidade, marcante, que
promove movimentos populares e já fez 136 gravações de suas
cantorias e modinhas. É compositora, repentista, cantadora nata.
Entretanto, só a partir de 1964, com 40 anos de idade, é que começou a
escrever e divulgar as suas produções literárias em verso, cuja
temática, abrange o cotidiano político, econômico, social, histórico,
sentimental e circunstancial.
Falando e escrevendo a linguagem popular ganhou a admiração e o
respeito dos coarienses e o de quantos a conhecem pelo talento e
espontaneidade de sua poética eminentemente popular. Maria do Léu é
autodidata, demonstrando para a poesia e para a música enorme
sensibilidade, que funciona como radar receptivo do seu mundo
exterior, captando tudo que vê ao seu redor. Nada lhe passa que não
seja percebido e filtrado pela sua ótica popular. Critica a administração
pública, tece elogios aos candidatos e políticos que merecem e faz
acerbas críticas à carestia, ao custo de vida, a inflação e aos
exploradores do povo. É uma espécie de guardiã do povo. Se Gregório
de Matos Guerra fosse vivo não hesitaria em aprová-la por sua atitude
corajosa diante dos poderosos em prol dos humildes e indefesos.
Muitos já sentiram o azorrague de sua pena. Na greve da água, em
Coari, escreveu e cantou com o povo. Eis algumas estrofes do seu
longo poema:
Prestem atenção meus amigos
pra o que vou dizer aqui
que em toda Amazônia
a água mais cara é a de Coari
e devia ser mais barata
~ 35 ~
pois não temos condições
e a daqui de Coari
é puxada do Solimões
O que está escrito é verdade
pois mentira não se escreve
como todo mundo sabe
que em Coari houve uma greve
e o povo está revoltado
e sentindo grande mágoa
como todo mundo sabe
que o problema é a falta d’água
O gerente apavorado
deu um frio chega tremia
foi parar no Hospital
dizendo estou com agonia
esta é uma verdade
não é o povo que inventa
pois a água sem multa
quatrocentos e quarenta
Se Coari tivesse emprego
a gente dava no ato
pois a água com a multa
quinhentos o vinte e quatro
aguardamos a Deus
e ao Papa João Paulo II
com o documento de Puebla
veio alertar todo mundo
Vou repetir de novo
que mentira não se escreve
e se não faltasse água
o povo não faz a greve
o gerente da Cosama
nosso amigo, brasileiro
não dá água para o povo
mas quer receber o dinheiro

~ 36 ~
A água sobe mais
que a enchente de 63
quanto mais a gente reclama
mais a aumenta para o freguês
o gerente ainda responde
que a subida é comum
esse mês eu Já paguei
seiscentos e quarenta e um
Aqui fica o meu abraço
aos amigos o companheiros
também fica o meu nome
que é MARIA ALVES RIBEIRO.
Maria do Léu é aposentada como zeladora que era do Grupo Escolar
Inês do Nazaré Vieira, em Coari, mas já foi oleira, lavadeira e
trabalhou em uma dezena de outras atividades — todas modestas,
porém honestas — e sempre ganhou com o suor do seu rosto o pão de
cada dia que sustenta até hoje os seus filhos. Dos quinze filhos que
trouxe ao mundo apenas oito sobreviveram as intempéries pelas quais
tem atravessado.
Mesmo assim sente-se uma mulher feliz. A sua felicidade emana do
desejo sempre maior de servir o povo. Ela mesma é povo. Por isso
colocou a sua inteligência e o dom que Deus lhe deu de compor e
musicar as suas criações literárias a serviço do povo, sobretudo a favor
da grande massa pobre e carente. E deste modo, a cantora vai fazendo
os suas pequenas sátiras e canções de escárnio, de bem amar e bem-
querer, como nos tempos medievais.
O povo vive massacrado
E trabalhando todo dia
e sofrendo necessidade
por causa da carestia
e como diz o ditado
que o povo não tem voz
a estiva sobe mais
do que a enchente de 63

~ 37 ~
Atualmente arranjou um parceiro que lhe acompanha nas suas pelejas
e cantorias. O Jovem e talentoso Raimundo de Souza Batista, nascido
em Barreirinha, mas que trabalha há 3 anos em Coari como
serventuário da justiça, levado para lá por dona Iacy, escrivã do
Cartório do 1° Ofício. Desde então trabalham juntos e formam uma
bonita dupla de cantadores. Precisam apenas de uma viola e um
pandeiro para imprimirem aquela atmosfera característica dos
cantadores do Sertão. Nada mais.
A cidade do Coari — Princesa do Solimões — sente-se honrada com
essa figura estranhamento singular que é Maria do Léu. A minha
querida cidade natal não seria tanto se não existisse essa criatura
ímpar, de caráter e beleza espiritual extraordinários.
Maria do Léu — epíteto estranho para uma mulher extraordinária —
simples, humilde, mas extraordinária. Como tantas outras mulheres
extraordinárias que o mundo já conheceu e ainda conhece — que
deram enorme contribuição à humanidade, cada uma na sua dimensão
exata, a figura do Maria Alves Ribeiro aparece ao lado de Lady
Godiva, Ana Nery, Anita Garibaldi, Anna Sullivan, Helen Keller,
Bárbara Heliodora e muitas e multas outras que, se fôssemos
relacionar, preencheríamos folhas e folhas de papel.
Maria do Léu, se vivesse no Nordeste, hoje teria o seu nome no rol dos
trovadores e cantadores populares, e talvez incluída em antologias e
livros sobre literatura de
cordel ou popular, agora
inclusive estudada em
universidades de todo o
mundo.
Quem sabe não estivesse
figurando ao lado do
Cego Aderaldo e Patativa
do Assaré, hoje estudados
na Sorbonne.

Manaus – 1982

~ 38 ~
O Soldado da Borracha
Francisco Vasconcelos

O grito do seringueiro Valdemar ecoou floresta adentro,


fazendo calar os ruidosos sons da bicharada noturna.
Cearense, acostumado à dureza dos sertões nordestinos,
aquele homem era um dos que passaram a viver isolados na misteriosa
e, para muitos, fantasmagórica hileia, lá no “centro”, como era
costume falar das regiões mais centrais e distantes daquele mundo sem
fim da Amazônia Ocidental produtora de borracha. Para ali fora
atraído pela colorida propaganda espalhada Brasil afora, o verde e o
amarelo da bandeira nacional predominando na policromia de bem
elaborados cartazes; as estradas de seringa, certinhas, limpas de
quaisquer obstáculos; as seringueiras enfileiradas, uma pertinho da
outra, em linha reta, era só cortar. Na verdade, riscar a madeira e logo
ver o leite jorrar e seguir o sulco aberto na casca do ubertoso caule, até
alcançar a tijelinha de flandres estrategicamente colocada a alguns
centímetros abaixo. Que poderia haver de melhor e mais certo?
Valdemar lembrava tudo aquilo com grande indignação e maior
tristeza. Por que caíra na esparrela de acreditar em tamanha mentira?
Fora enganado, sim. De qualquer modo, aquela escolha o livrara de
bandear-se para o cangaço que, à época, embora já sem força, ainda
constituía atração e alguma esperança para a moçada de seu tempo,
ele, um quase adolescente ainda. Que outro futuro poderia ter no
agreste sertão onde nascera e onde vivia?
— Vou, mãe. Vou, sim, pro Norte, lembrava-se de como respondera às
advertências maternas, feitas em razão de outras sentidas perdas que já
tivera, os filhos, aos poucos, debandando para aquelas lonjuras do Sul,
lugares tão distantes, de onde sequer notícias lhe chegavam. Isso era o

~ 39 ~
pior de tudo. Por onde andariam os filhos? Viveriam ainda? Para
Valdemar, todavia, nada de mal haveria de acontecer-lhe. Tornar-se-
ia, como tantos que estavam partindo para a guerra, igualmente um
soldado, “soldado da borracha”, como oficialmente eram chamados
quantos demandavam os distantes seringais para a extração do
precioso látex, indispensável ao fabrico de inúmeros artefatos de
guerra. Que mais honrado lhe poderia acontecer?

Até carteirinha de identidade receberia, documento que jamais


conhecera, mas de cuja serventia, também, nunca necessitara.
Ganharia fama e dinheiro, sem correr o risco de morrer atravessado
por uma bala de fuzil ou estraçalhado por fragmentos de granada, sem
falar no perigo das destruidoras bombas que haveriam de cair dos
aviões inimigos. Sabia muito bem que outro não seria o fim de muitos
que estavam partindo para a guerra. Então não eram essas as notícias
que corriam de boca em boca, ouvidas diariamente no rádio da
prefeitura?
Era, assim, definitiva a decisão de Valdemar. Extremamente motivado
pela campanha de aliciamento que então se fazia, chegava a orgulhar-
se de ser mais um soldado a lutar, participando do grande esforço de
guerra que então se fazia com o propósito de vencer as diabólicas
forças que ameaçavam o mundo. Por tudo isso, iria. Sim, iria. Que
risco haveria de correr? Mais tarde, na velhice, se necessário, teria até
como provar sua condição de herói daquela guerra que tanto abalo
causava à humanidade. Além do mais, se sorte não lhe faltasse,
poderia ganhar dinheiro e voltar rico ou bem remediado aos pagos da
infância, como sabia ter acontecido a muitos que, alguns anos antes,
fugindo do rigor das secas, haviam escolhido a Amazônia como

~ 40 ~
suporte maior de um promissor amanhã. Seus assentamentos
constariam de sua emblemática carteira que, além de registrar seus
dados pessoais, indicaria o ânimo de luta que tivera, para orgulho de
seus conterrâneos e de quantos filhos viesse a ter. Poderia, até mesmo,
como a tantos nordestinos acontecera, chegar à condição tão desejada
de patrão, dono de seringais, senhor de um mundão de terras, mais um
coronel, enfim.
Fora esse o sonho de Valdemar. Sua grande saída, não tinha a menor
dúvida, era a borracha, produto, aliás, do qual pouco sabia e que
jamais vira de perto, a não ser o que diziam ser a parte superior dos
lápis com que, na infância, apagava no caderno os erros que a
professora mandava corrigir.
Ah! Quanta ilusão passeou pela cabeça de Valdemar a partir das
informações constantes dos coloridos cartazes, enganosa estratégia que
o atraíra, definitivamente, ao processo de produção do tão desejado
látex. Como admitir fosse mentira o que tanto chegou a ser
oficialmente apregoado? Igualmente, jamais chegara a imaginar que,
passado o tempo e terminada a guerra, cessaria também a atividade a
que se dera com tanto entusiasmo.
Assim, de uma hora para outra, perdido e isolado naquele mundo
verde e, sobretudo, hostil, nem chegara a se dar conta de que o tempo
passara e que a pouco e pouco aquele estranho mal que o atingira fora
se agravando, até prostrá-lo de vez, tornando-o um ser inútil, sem
qualquer serventia. Isso, sem falar na estranha e incômoda fraqueza
que lhe bambeava as pernas em constantes tremores, enfermidade que
diziam ser beribéri ou coisa parecida. Nem sabia também quantas
vezes a malária o deixara sem poder sair pro corte, o corpo moído,
aquele frio de fazer tremer a própria alma. E que dizer da conta no
barracão, o débito crescendo a cada dia, a ponto de lhe negarem até o
de comer? Nada pior, porém, que aquela dor a arrancar lá de dentro, da
alma e do corpo, o estranho e horripilante grito, após incontáveis e
incômodos gemidos, um após outro, gemidos que, de algum modo,
amorteciam um pouco a terrível impressão de que algo lhe destroçava
as entranhas.
— Sossega, homem! Toma este chá – muitas vezes lhe dissera a
mulher, ao tempo em que lhe dava a beber morno cozimento de cascas

~ 41 ~
de pau d´arco e de folhas de carajuru, além de raízes e outras folhas
colhidas na floresta, receita que prescrevera o curador, único socorro
que costumava acudir quem de socorro carecesse por aquelas brenhas.
Nada, porém, nem reza nem promessa, fora capaz de, pelo menos,
mitigar-lhe o sofrimento.
Exatamente na noite em que fizera ecoar aquele pavoroso grito,
fazendo calar a bicharada noturna da floresta, bem longe dali outros
gritos também se fizeram ouvir mundo afora. Esses, entretanto, eram
gritos de euforia, na tão esperada comemoração da vitória. A partir
daquele dia, não mais haveria dor. Tampouco a morte amedrontaria os
que tanto haviam lutado. Acabara-se a guerra. A paz, finalmente, fora
alcançada, e o mal, por fim, vencido. Para tanto, quantas mortes foram
necessárias? Mas, entre elas, ninguém cogitou de computar a morte de
Valdemar, número simplesmente esquecido, que nem sequer chegou a
constar do rol dos que lutaram, como lutou ele e quantos, iguais a ele,
na condição de seringueiros, soldados da borracha, perderam a vida
nos mais distantes e agrestes seringais. De que lhe valera a caderneta
que guardara com tanto zelo? Valdemar, na verdade, nada mais fora
além de um simples número. Número errado, que não chegara a
expressar qualquer valor, por isso que apagado pela enorme borracha
da indiferença e do esquecimento.
Onde a vida se cumpria sem qualquer problema, sons de heroicos
dobrados animavam os corações, num tributo aos heróis da guerra que,
sobre aplausos intermináveis, desfilavam garbosos.
Francisco Vasconcelos – Amazonense de Coari, transferiu-se para
Manaus ainda adolescente. Foi presidente do Clube da Madrugada
(1964/65) e pertence à Academia Amazonense de Letras. Publicou os
seguintes livros: O palhaço e a rosa (contos), Regime das águas
(novela), Casa ameaçada (memoria), Meus barcos de papel
(crônicas), Coari – um retorno às origens (memoria) e O menino e o
velho (novela).

***

~ 42 ~
A Morte do Igarapé Espírito Santo em Cinco Atos
Francisco José (Padre Zezinho)

S ua água era negra, como negras eram as pupilas dos olhos das
crianças que nele se banhavam. Negra como a noite sem luar e
sem estrelas e bela como a negritude das rainhas da África. Sua
água era cheia de vida, pois eram sem conta os tipos de peixes que
nele habitavam e era uma fonte de alimento para os habitantes da
cidade, que tinha nesse igarapé, água para lavar roupas, para lazer,
para pescar e para matar a sede.
O Igarapé foi morrendo lentamente, elenco aqui cinco atos de um
drama que não tem volta:
Primeiro ato
A ponte que liga a rua Independência ao bairro Chagas Aguiar foi
transformada em aterro.
Segundo ato
A construção do aterro do contorno.
Terceiro ato
A matança do seu irmão maior o igarapé do Inambú, pois era sua
principal reserva. Foi morrendo lentamente pela urbanização do bairro
Santa Efigênia.
Quarto ato
O crescimento da cidade de modo desestruturado pelo lado detrás do
igarapé, onde foram soterradas pequenas fontes que o alimentavam.

~ 43 ~
Quinto ato
A “limpeza do Igarapé”, melhor dizendo tiraram sua vegetação.
O enterramento das fontes e a devastação da vegetação aquática, está
provado que “mata”, “eliminam” uma reserva de água, seja ela rio,
lago, no nosso caso foi e está sendo o Igarapé Espírito Santo. Uma
beleza natural que a cidade de Coari vai perdendo. Uma morte lenta,
sofrida, sufocante, um drama em cinco atos. Como uma doença fatal
que vai matando devagar, fazendo sofrer. Cada ato uma parte da
história do município.
Cada ato desse drama, uma dor, um sofrimento e hoje o igarapé é
triste, já não tem lavadeiras que nele lavam suas roupas para ganhar
um pouco de dinheiro e comprar o seu pão nosso de cada dia; não tem
mais peixes para serem pescados pelos pais de famílias que com eles
alimentavam seus filhos e o pior de tudo é saber que ninguém mais
bebe de sua água. Sua tristeza, lentamente vai se transformando em
solidão. O pior é saber que já não tem mais sorriso das crianças que
nele tomavam banho.
É a vida se rendendo diante do desenvolvimento, fonte de abundância,
transformada em deserto, sede e fome. Mar Vermelho, Poço de Jacó,
Rio Jordão, fonte da água do nosso batismo, esvaziada, seca, bebida,
tragada, engolida.
Água, fonte da vida, nos diz a Campanha da Fraternidade desse ano.
Ano próprio de ajoelharmos e rezando, fazer uma oração ao Espírito
Santo pela morte do Igarapé Espírito Santo e pedir perdão, “Senhor
não sabemos o que fazemos”. Enquanto isso o Igarapé Espírito Santo,
em lágrimas, nos seus murmúrios, vai rezando, “vem Espírito Santo,
vem”.

~ 44 ~
O Tocador de Charamela
Erasmo Linhares
Tem álcool?
Tem.
Me dê um cruzeiro.
Trouxe o vidro?
Não, me dê num copo.
O copo não pode levar.
Eu não vou levar.
Como assim?
Vou beber aqui mesmo.
Só então o reconheci - Zacarias!
Era, agora sou o Torto.
Os cabelos estavam mais ralos e a barba de muito não fazer estava
esfarinhada e suja e os bigodes de piaçaba usada armavam uma cortina de
palco mambembe, dilacerada nas colunas dos caninos amarelos.
E a charamela?
Quebrei na cabeça de um safado.
Era a única herdade que recebera do pai, que por sua vez a
recebera do avô e este do bisavô e este de toda uma geração de músicos
profissionais, cuja vocação fora declinando através de muitos anos até
Zacarias, que nem ao menos podia ser considerado amador, embora
tocasse por música. Possuía uma coleção de velhas partituras que
exercitava nas suas tardes de folga de funcionário público de meio
expediente. Música estranha, desconhecida do comum dos vizinhos que
se estorvavam com o som agudo do instrumento, tanto que, umas três ou
quatro vezes, arrebentaram- lhe as vidraças, para espanto e raiva da patroa
que saía ao quintal gritando ferozes ameaças às vizinhas inimigas de ferro
e fogo, a cujos filhos sempre atribuía a origem dos petardos, e,
arrebatada, respondendo aos berros, quando acaso era contestada, com
um vocabulário tão rasteiro que fazia dona Joaninha persignar-se e fechar
todas as portas e janelas da casa, entupir os ouvidos com mechas de
algodão e cobrir com uma toalha os antigos santos do oratório. Também
ensaiava outras músicas, escolhidas entre as valsas e chorinhos preferidos
pelos Inveterados do Copo e do Ritmo, com os quais se reunia no Chopp
de Ouro todas às noites de sábado, e estas eram de mais agrado dos
vizinhos ignorantes. Mesmo assim, nem sempre podia integrar o regional,
porque o som da charamela não harmonizava, em determinados números,
~ 45 ~
com os violões e cavaquinhos. E foi numa noite em que não participou da
execução de nenhuma peça, que se descobriu. Já meio embriagado, tanto
bebera porque ficou desocupado como pela chateação, pulou num ônibus
e foi aguardar no Camilo's, bem localizado na periferia da zona, assim
que era dela e não era, e aí, a charamela sob o sovaco, encharcou-se por
completo. Quando saiu, sem atinar com o motivo que o levara ao centro
da cidade, foi caminhando até os fundos da Matriz onde sentou-se e
começou a tocar a valsa que ensaiara durante toda a semana e foi quando
passaram dois senhores com cara de quem não é daqui e um deles lançou
entre suas pernas uma nota de dez e mais tarde uma senhora que
empurrou uma nota no bolso de sua camisa e mais outras pessoas que
jogaram notas de um e de cinco, além de moedas miúdas, de modo que,
quando chegou em casa, lá pelas duas da madrugada, conferiu trinta e
sete cruzeiros, com os quais amenizou a ira da mulher.
Segunda-feira, na repartição, com a cabeça desanuviada da
ressaca que o fizera dormir todo o domingo, apesar das brigas constantes
da mulher e das estripulias dos meninos, fez as contas e concluiu que
tocando charamela todas as noites nos fundos da Matriz, ganharia o dobro
de seu vencimento de auxiliar de portaria. Levou a semana inteira
pensando no caso e no sábado passou ao largo do Chopp, tomou o ônibus
e foi para o Camilo's, bebeu até às oito e meia e depois dirigiu-se aos
fundos da Matriz e desta vez conseguiu juntar cinquenta e oito cruzeiros.
De volta ao bairro bebeu no bar do Esmeraldo que estranhou a visita
numa noite de sábado e quando chegou em casa, pelas duas e meia,
amenizou novamente a ira da mulher. Durante um mês, todos os sábados,
repetiu o mesmo programa e no segundo resolveu aparecer no ponto
também às terças e quintas, vestindo roupas velhas e sandálias japonesas.
Passou a beber no Quintino's, frequentado por estivadores, e no quarto
mês ia todas às noites, menos aos domingos, até o dia em que a mulher
impôs as condições, ou a farra ou ela, e ele optou pela primeira, não
voltou mais a casa e abandonou de vez a repartição, onde suas faltas
constantes já lhe tinham produzido duas repreensões, uma verbal e outra
através de portaria afixada na parede para que todos pudessem ler a sua
vergonha.
Inaugurando a nova vida, com o único remorso de abandonar os
filhos, mas com o propósito de mandar algum dinheiro por semana,
alugou um covil no vasto cortiço que dominava todo o quarteirão entre a
rua de Frei José Inocentinho e a avenida do Almirante, habitado por
prostitutas, gigolôs e cafetinas, cujas iras aplacava, vez e outra, pagando-
~ 46 ~
lhes umas cervejas, até o dia em que não mais suportou aquela colmeia
fervilhante que não parava noite e dia, dia e noite, com seu cheiro de
mofo permanente e penetrante; movimentada pelas brigas das putas, entre
elas mesmas, delas com os gigolôs, de marinheiros e soldados, de
marinheiros e meganhas autoritários, delas com os bêbados e seixeiros;
aturdida a qualquer hora, fosse sol ou fosse lua, pelos bichos de cria,
macacos, cachorros, papagaios, gatos, galinhas e a jiboia da negra
Belmira cujas bostas cosia em saquinhos de pano e os vendia às raparigas
mais antigas que os usavam como bentinhos e com a dupla função de
afasta-inveja e chama-machos; e as crianças empambadas, sábias e
malignas, que vagavam pelas vielas cloacinas que separavam, coisa de
um metro se muito, as casinhas de madeira e os quartos de taipa
espremidos. Além de que o Português, dono dessa angustiada Sodoma
escatológica encravada no coração da cidade, que nenhuma força
conseguira demolir, andava anunciando de cama em cama, de catre em
catre, de rede em rede, o aumento dos aluguéis, com a desculpa de que a
caixinha da polícia, com o novo e faminto delegado, estava cada vez mais
gulosa, com todo o raio da puta que o pariu. Fugiu às quatro e quarenta e
cinco e a única mágoa era perder o cálido excitante da menina que todas
as manhãs vinha, nua, mijar no minúsculo alpendre da casinhola fronteira
e exibir, a dois palmos do seu nariz, a tenra e fresca pérola do tamatiá
repousada nos veludos da vitrine de cristais opacos.
Em cinco meses de ofício conhecia toda a malandragem da
zona, as manhas e venetas de prostitutas e viados, fez-se amigo de todos
os mendigos que agiam num raio de um quilômetro e, por isso, conseguiu
abrigo junto ao bando do Capitão-Gancho, admirador intermitente de suas
valsas e chorinhos, que habitava o velho barco abandonado sob a ponte de
ferro, transformado com paredes laterais de tábuas de caixas e folhas de
zinco roubadas à cidade flutuante, para proteger a malta, em suas horas
mais íntimas, dos olhares curiosos dos canoeiros ou de algum policial
bêbado e mais afoito. Ali ferviam o café e coziam o peixe em latas
enegrecidas pela fumaça do fogareiro e pela carência de uma lavagem
meticulosa. E podiam beber à vontade, chupar seus tarugos
tranquilamente e, vez por outra, arrastar uma rameira da Pausada, bêbada
o suficiente para suportá-los em uma proximidade mais estreita.
Foi no velho barco, em noite de farra escandalosa, que partiu a
charamela no crânio do Cabeleira, numa disputa por uns restos de Cocai,
e nunca mais perdoou o desafeto, que além de ladrão era fresco, pois em
mais de uma noite o ouvira fungar e gemer sob o peso e o encanto brutal
~ 47 ~
do Capitão. Batera com tanta violência que o antiquíssimo instrumento de
cana provençal espatifou-se instantaneamente em doze pedaços, não
havendo meio ou modo de consertá-lo, pois o mecanismo interno de suas
chaves era também de madeira delicada e enfraquecida pelos anos e pela
saliva abrasiva de seus muitos tocadores ancestrais. Deu-se a partir daí
sua preferência pelo álcool puro, mais barato, e também porque
descobriu, no dia seguinte, que sua féria de mendigo dos fundos da
Matriz provinha muito mais do som agudo e inquietante da charamela do
que mesmo da caridade das pessoas. Passou a beber mais ainda e a comer
menos ainda, dormia noites e dias nos bancos e sob os bancos da praça,
sem ânimo e coragem de voltar ao velho barco abandonado sob a ponte,
as pernas e os braços cobertos de escaras que se abriam em pontos
diferentes imitando cores e caprichos de cravina.
No dia em que recebeu alta da indigência da Santa Casa de
Misericórdia, após receber contrito os conselhos do médico paizinho dos
pobres, já tinha amadurecido o projeto de reconquistar o velho posto de
funcionário público e de reconciliar- se com a mulher, mas quando saltou
do ônibus pela porta da frente a viu entrar pela porta de trás, com uma
barriga que calculou de oito meses, e compreendeu que o plano falhara,
mas a vida continua e pode ser longa e boa, dependendo da gente. No
caminho do bar vislumbrou à distância as largas tábuas das caixas de
embalagem da vizinha loja de eletrodomésticos e teve a ideia salvadora
de construir uma bandurra e voltar às noitadas dos sábados de
antigamente, sem mulher para vigiar a hora, sem choro de criança, sem
Capitão, sem Cabeleira, sem putas e gigolôs, nem barcos velhos
abandonados sob a ponte de ferro, nem paizinhos médicos, mas, de
verdade, um filiado permanente e efetivo dos Inveterados do Copo e do
Ritmo, pois afinal teria um instrumento de corda e não seria posto de lado
como antes e porque foi a porra da falta dessas cordas maravilhosas que
me botou no centro pegajoso e infernal desse tremendo pesadelo.
Bota mais um álcool.
Não, toma uma cana decente. É oferta da casa.

***

~ 48 ~
Montoril X Deolindo Dantas.
Em Outras Palavras, PSD Versus UDN
Francisco Vasconcelos
Durante a viagem, além do livro de Edmar Morel, tive acesso a um
documento verdadeiramente interessante. Tratava-se da vida de
Alexandre Montoril, Prefeito de Coari durante a era Vargas, ao longo,
portanto, de minha infância e adolescência. Tal documento me pareceu da
maior importância, pelo fato de ter sido escrito pelo próprio Montoril, e
em trovas, no mais autêntico estilo do tradicional cordel nordestino.
Satisfazia, assim, curiosidade que me acompanhava desde criança: quem
fora aquele homem de tão forte presença e que a tanta gente soubera
cativar, a muitos, também, chegando a contrariar? Amigo e compadre de
meu pai, padrinho que era de um de meus irmãos, Alexandre Montoril foi
dos administradores que mais fizeram por Coari. Há quem diga ter sido
ele o mais dinâmico de todos os prefeitos, levantando prédios públicos
aqui e ali, inclusive o Grupo Escolar, onde estudei; abrindo ruas,
construindo pontes (como esquecer a ponte “Álvaro Maia”, exatamente a
ponte pintada de verde, que ficava quase atrás de minha casa e que tinha,
bem na frente, um pé de muçambê?). Construída sobre um braço do
igarapé do Espírito Santo, que só aparecia por ocasião da subida das
águas, a ponte dava acesso ao "Alto do Bode”, onde tinha início a Rua
Gonçalves Ledo, naqueles tempos, talvez a mais longa de todas as ruas de
Coari, indo até o cemitério, onde meu pai foi sepultado.
Sobre o Grupo Escolar em que estudei, denominado “Francisco Lopes
Braga”, cujas iniciais lhe davam o epíteto de Farinha Lambuzada com
Banana, jamais ouvi qualquer alusão ao personagem que lhe dera o nome.
E somente muito depois, nas pesquisas que fiz objetivando o presente
trabalho, tive informação de que fora homenagem prestada por Montoril a
seu primeiro professor.
Nas obras que, a seu modo, planejava, era ele próprio quem dirigia os
trabalhos de construção, fazendo-se presente em todas elas, orientando
uma atividade e outra, chamando a atenção de um e de outro operário.
Austero, firme no falar e no agir, Capitão Montoril, como o chamávamos,
oficial da Polícia Militar do Amazonas que era, impunha respeito e jamais
me lembro de ter visto alguém que, em sua presença, não se sentisse
impressionado, até mesmo pela “força” de seu olhar, como tantas vezes
ouvi dizer. Consta que o próprio Major Deolindo Dantas (Major da
Guarda Nacional), incontestável chefe político da UDN, que lhe fazia

~ 49 ~
renhida oposição, ao defrontarem-se, em encontro ocasional, armas em
punho, olhos nos olhos, logo relaxaram os ânimos sem que qualquer
palavra fosse dita por qualquer deles. Esse fato, mesmo que dele não se
tenha testemunho, bem poderá ter ocorrido, mercê da forte personalidade
daqueles homens, lideranças autênticas, ambos nordestinos; Montoril,
cearense, nascido em Assaré, inteiramente dedicado, com absoluta
austeridade, à vida pública; Deolindo, paraibano de velha cepa, ao que se
sabe, da famosa família Dantas, da qual um membro participaria da
história pátria, por ter posto fim à vida de João Pessoa, um dos pretextos
para o revolucionário movimento de 1930, que trouxe Vargas ao poder.
Na política, Major Deolindo situava-se na ala conservadora, senhor que
se tornara de muitos bens, principalmente seringais e castanhais, para
muitos, de origem nebulosa, até mesmo em razão da prática extrativista
que caracterizava a economia amazônica, fortemente marcada pelo
impiedoso sistema do aviamento, causador de muita injustiça e de
indevidas apropriações. Nos últimos anos de sua vida, mais certo na
última década, Major Deolindo encontraria inteira consonância com o que
era e tão bem representava, integrando as fileiras da UDN, partido que
fazia rancorosa oposição a Vargas, de quem Montoril, era fiel
representante. Seu sonho político, entretanto, que outro não era senão, a
qualquer custo, derrotar Montoril, jamais logrou realizar. Quando muito
chegou a eleger deputado estadual seu filho mais novo, Deolindo de
Freitas Dantas, também conhecido por Dandi, orador de grande fôlego,
que vi, certa vez, no coreto em frente à Prefeitura (que fizeram do velho
coreto?) desancar seu principal e único desafeto político, pondo em
prática insultuosa e provocante oratória, de pronto rechaçada por
Montoril que, subindo ao coreto sob aplausos de seus seguidores,
respondeu às invectivas e diatribes do jovem e fogoso contendor.
De qualquer modo, coube ao velho líder Deolindo a glória de, pela
primeira vez, dar a Coari a oportunidade de contar com dois
representantes na Assembleia Legislativa do Estado, fato, ao que me
consta, jamais repetido. Entretanto, ainda nesse caso, houve empate. É
que Montoril, não deixando por menos, também se elegeu Deputado
Estadual.
Não se pense que, nas trilhas seguidas por um e outro, principalmente por
Deolindo, tivessem suas atitudes qualquer sentimento político-social; em
outras palavras, alguma mais séria preocupação de cunho ideológico.
Àquela altura, nenhuma prática ou postura dos que detinham o poder ou
dos que por ele lutavam, poderia caracterizar-se como de esquerda ou de
~ 50 ~
direita, na acepção que hoje se dá àquelas correntes de comportamento
político-ideológico. Os que os seguiam, marcados, geralmente, por
inarredável fanatismo, ou estavam de um lado ou do outro, num sempre
odiento e cultivado maniqueísmo político-pessoal, em que predominava,
com absoluta primazia, o desejo de derrotar, de vencer o inimigo. Parece-
me ter sido sob esse prisma que, reciprocamente, se olhavam os
desafetos. Autêntica manifestação de fortes egos em acirrada e constante
disputa, nada mais que isso.
Assim, de um lado, o Prefeito. Politicamente, ou melhor, partidariamente,
filiado ao PSD, partido criado por Vargas para abrigar boa parte da elite
nacional, embora demonstrasse sensibilidade social, principalmente em
razão das práticas populistas então na moda, muitas delas, sem dúvida,
introduzindo sérias alterações no status quo então vigente (Velha
República). De qualquer forma, e mesmo sendo homem de classe média
e, portanto, de moderados recursos, não deixava de representar a
oligarquia que, no âmbito nacional, sempre estivera à frente das grandes
decisões políticas, graças ao poder econômico de suas principais
lideranças.
Do outro lado, estava o chefe político da UDN, partido nitidamente
elitista, abrigo de descontentes políticos nacionais e, da mesma forma que
seu principal oponente, sobretudo no interior do País, veraz representante
do coronelato. Confundiam-se, entretanto, nos interesses comuns, de
modo geral econômicos o que, a rigor, não era o caso de Montoril e
Deolindo. A disputa pelo poder econômico em Coari ocorrera bem antes
da era Vargas, anterior, portanto, a Montoril, quando, ao que se sabe, já se
fizera economicamente forte o poder de Deolindo Dantas. A propósito,
muitas teriam sido as contendas levadas a efeito com tradicionais
desafetos, como teria sido o caso, dentre outros, do famoso Coronel
Lucas de Oliveira Pinheiro, que encerrara suas atividades em Coari,
economicamente abatido por ele, Deolindo, para quem teria perdido
grande parte de seringais e castanhais.
Politicamente, como já vimos, jamais logrou maior êxito. A reviravolta de
30 e a consequente chegada de Montoril, na condição de interventor,
possivelmente constituíram seu maior obstáculo.

***

~ 51 ~
Um Homem Importante
Conto de Erasmo Linhares

Decalcomania. Muito natural. Todo homem sério e


importante é vulnerável às manias – seja de coelhos, rosas, cães de
raça, cachimbos ou mulheres, que é mania recomendável embora
dispendiosa. E não era ele um homem importante e sério? Ou melhor,
não iria sê-lo?
Aliás, isso foi só no começo. Um homem assim, quando
menos, deve nomear algumas coisas em inglês. Por isso a mania
passou a ser chamada hobby, não sem uma consulta prévia e
convenientemente velada a padre Dalton, à hora do almoço, quando o
pároco, sozinho na igreja, consumia suas horas de sesta.
– Mania ou hobby a coisa não mudou de aspecto – figurinhas
e figurinhas –, homens, camelos, tirolesas, vedetes de biquíni, santos,
bailarinas, tudo enchendo álbuns e cadernos e, na falta destes, o
volumoso livro de receitas de dona Marieta, presente de aniversário
dado por uma caríssima amiga. Coisinha de nada, afinal, já que Acácio
seria um homem importante. Teria de ser gente, como repetia à
paciência inesgotável de dona Marieta que, se algumas vezes se
lamentava, não deixava outras tantas de sentir-se lisonjeada com a
ideia de possuir um marido importante e respeitado. Esforçava-se.
Esmerava na lavagem e no ferro, para a satisfação quase sensual de
admirar o seu homem, empertigado e brilhante no terno de brim
impecavelmente engomado, subir no estribo do bonde, teso como um
poste.
Acácio jamais sentava – medida resultante das variadas
experiências para não amarrotar a roupa até à entrada triunfal de todos
os dias na Coletoria de Rendas.

~ 52 ~
Terceiro Arquivista Padrão “C”, era verdade. Vencimento
minguado, atrasado de dois meses e distribuído criteriosamente entre o
padeiro, o Joaquim da mercearia e outros compromissos inadiáveis, de
modo a sobrar para as figurinhas coloridas, o cigarro filter de luxe, o
conhaque velhíssimo e, às vezes, para o joguinho de cartas. Homem
importante fuma cigarros filter de luxe, bebe conhaque envelhecido
oitenta anos em tonéis de carvalho e joga cartas.
Filhos? Graças a Deus só tinham o Joca, mas isso porque as
medidas de precaução se multiplicavam. Cuidados especiais,
malabarismos inventados com paciência e resignação, não sem queixas
de dona Marieta, para quem cabia, na grande maioria das vezes, a
tarefa de ficar no meio do caminho.
Clube. Homem importante tem clube. É membro da diretoria.
Pif-paf, bacará, carteado no sossego, sem os inconvenientes da
vigilância policial. Festas, danças. As danças. Não foi fácil. O Tâmisa-
Clube, de gente rica – fica não fica, entra não entra. Não ficou nem
entrou. Onde estavam os fundos? Terceiro Arquivista Padrão “C”,
marido de dona Marieta, mulher esquiva às modas elegantes, não fuma
nem bebe uísque, não faz regime para emagrecer e nunca fez plástica
na vida. Como então ser admitido no Tâmisa?
Mas, se não o aceitou o Tâmisa, aceitou-o de bom grado a
Soberana Sociedade Recreativa, Cultural e Esportiva Unidos do Bom
Retiro, entidade de velhas e gloriosas tradições e detentora do honroso
título de bicampeã suburbana de dama e dominó.
Está começando, Acácio, você vai longe homem. Já secretário
da Sociedade. Você vai longe homem. Dona Marieta torcendo pelo
marido, feliz da vida.
E ia mesmo. Promessas, algumas vezes se cumprem. Então o
deputado Dr. Fulgêncio do Valle e Silva, líder de bancada e figurão do
Governo, não era primo em terceiro grau?
– Acácio, você vai ser Arquivista padrão “L”. “L”, Acácio.
Custou um pouco, mas saiu. Num dia inesperado o Diário
Oficial publicou num cantinho de página que logo passou a ocupar o
lugar mais destacado do maior e mais novo livro de figurinhas:
“Nomeando Acácio Leite Busão para exercer, efetivamente,
de acordo com o Art 32, da Lei n.° 121, de 29 de fevereiro de 1944,
combinado com o Art. 15, da Lei n.° 437, de 11 de março de 1948, o

~ 53 ~
cargo de Arquivista padrão “L” do quadro permanente do Poder
Executivo, lotado na Coletoria de Rendas da capital”.
– Combinado com o artigo 15 – até o Joca já sabia decorado.
Naquela noite dona Marieta não parava. O ferro corria
espalhando a goma de estearina no temo de brim branco – para frente,
para trás, forcejando para baixo, assoprando no fundo quando o diabo
do ferro esfriava.
Meia–noite, lá estava o temo luzindo na cruzeta. Com ele, no
outro dia, Acácio iria à Secretaria do Interior assinar o termo de posse.
Homem importante, aquele Acácio. Notava-se pelos ares
superiores quando, empertigado, subiu no estribo do bonde e acenou
jogando um beijo na direção da janela onde dona Marieta sorria, feliz e
sensual.
Custava o Acácio. Almoço pronto, uma hora da tarde.
Naturalmente os amigos em algum festejo. Também era justo.
Arquivista padrão “L”. Paciência.
Telefone na padaria:
– Dona Marieta, telefone pra senhora.
O coração bateu forte contra o peito. Um friozinho escorreu
da cabeça aos pés. Saiu correndo – Meu Deus, quem será a esta hora?
– Alô, é dona Marieta Costa Busão?
– É.
– Aqui é da polícia.
– Polícia? Que foi que eu fiz?
– A senhora não fez nada, o seu marido é que morreu no
desastre de bonde da rua Tamandaré. Quarenta e oito pessoas ao todo.
O maior desastre da história deste país.
Quem a socorreu foi o Totonho, caixeiro da padaria – afinal a
tinha nos braços.
No outro dia os jornais publicavam a fotografia de Acácio e
contavam coisas que ele nunca fez nem pensou.
Dona Marieta, chorando ainda, recortou o clichê com a
tesoura de costura e pregou–o na capa do maior livro de figurinhas.
Lia e relia a notícia e balançava a cabeça sobre a página.
– Homem importante, esse Acácio.
(O Tocador de Charamela)

~ 54 ~
Crônica de um quase Natal
Francisco Vasconcelos
Nunca me foi possível esquecer o menino, cujo desejo
acompanhei de perto naquele Natal que, na verdade, não chegou a
existir para ele. E sempre que sinto aproximar-se a grande festa,
quando os corações se impregnam da suave e divina mensagem de
amor e de esperança que o evento, inevitavelmente irradia, lembro-me
dele, incontido na sua alegria, a nutrir, ternamente, a certeza do
brinquedo há muito desejado.
Naquele ano as coisas lhe ocorreriam de forma diferente. E
certo estava o menino de que, ao contrário de quantos já haviam
passado, algo mais haveria de ficar-lhe, e não apenas as simples
desculpas que lhe davam costumeiramente, na tentativa de justificar a
impossibilidade de torná-lo partícipe de um mundo cujas emoções
jamais chegara a experimentar inteiramente.
Custara-lhe, todavia, aquela quase convicção, o sacrifício
de muita renúncia. Mas valia a pena. Valia a alegria o ser compensado,
na sempre esperada realidade da posse de um brinquedo diferente dos
que habitualmente possuía, dentre os quais um carrinho de madeira por
ele mesmo construído, que rodando sobre tampas de latas de manteiga,
constituía seu maior patrimônio, principalmente depois que conseguira
pintá-lo de azul. Era nele que transportava o material com que
brincava de construir casas que a engenharia de um colega projetava.
Que bom engenheiro não seria o colega do menino de
quem ora recordo. Nada lhe era mais importante do que passar horas
inteiras a observar o pai, exímio pedreiro, a colocar de um a um os
tijolos das casas que edificava, sem que para tanto houvesse
necessidade de qualquer cálculo matemático.
Nunca mais ouvi falar do menino que gostava de brincar
de ser homem, construindo casas. E amargura-me pensar que,
tornando-se efetivamente homem, não tenha conseguido fazer uma
casa sequer, nem mesmo a sua.
Lembro-me perfeitamente de todos os companheiros do
menino sobre quem escrevo. Um deles, impressionado com a jovial
figura de um médico que passara alguns dias na cidade, brincava de
imitá-lo, instalando seu consultório num pedaço do quintal onde, com
inusitada dedicação, atendia à enorme clientela de bonecas doentes.

~ 55 ~
Outro, vestido nas roupas da irmã mais velha, prostrava-se diante ao
altar que improvisava de um caixote de madeira e, elevando com
litúrgico respeito a hóstia consagrada, nada mais, que recorte de um
pedaço qualquer de papelão, fazia todos curvarem-se genuflexos, após
o que pronunciava palavras de um estranho latim que ele próprio
improvisava, intercalando, a todo instante, o dominus vobiscum, única
certeza que havia em tudo aquilo, além da indesmentível vocação
sacerdotal.
Havia, ainda, além do filho de um turco que imitava a
profissão do pai, sagaz negociante, a figura altiva e impetuosa do
soldado, na verdade, para ele, oficial; mais que isso, autoridade,
sempre a querer que todos lhe prestassem continência ou que
marchassem ao som de toques de tambor que fazia sair de uma lata de
banha vazia. Seu maior contentamento era prender e dar ordens de
comando. Se alguém lhe desobedecesse a diretriz traçada pelo seu
gênio militar, ou contrariasse qualquer regra por ele estabelecida,
reagia com violência, empunhando o cassetete que sempre trazia à
cintura. Interessavam-lhe muito as notícias e história de guerras ou
batalhas, e muito também lhe agradavam as fotografias coloridas de
soldados em desfile.
É possível que os três últimos tenham alcançado a
realização de seus sonhos. Mas o engenheiro? O médico?
Do menino que ora recordo, bem viva me ficou a
intensidade de seu anseio naquele natal, ao lado da triste realidade do
que lhe seria inevitável. E foi preciso que o Natal chegasse com a
ausência do sonho acalentado, para que começasse a melhor entender
as lições da vida. É que, em vez do brinquedo desejado, com o qual
seu mundo de criança ganharia dimensões diferentes, a viva presença
da morte de seu pai, trazendo-lhe, em consequência, a dolorosa certeza
de que a infância, inesperadamente, chegara a seu término.
Não sei, hoje, sob em que estado de espírito relembra o
menino a decepção por que passou, talvez a primeira de tantas
experimentadas pela vida afora. Creiam-me, porém, que não me
causará qualquer estranheza se um dia encontrá-lo a brincar entre os
filhos, puxando seu carrinho azul e sendo, ele também, uma criança.
(Excerto do livro de crônicas Meus Barcos Papel, lançado em 1999)

~ 56 ~
POEMAS

~ 57 ~
O Lugar Onde Vivo
Wendrio Freitas Nunes

O bairro onde eu moro


Chama-se Chagas Aguiar
Nele tem duas escolas
Só uma delas é espetacular
Seu nome é Iraci Leitão
Onde eu gosto de estudar

Na Escola Iraci Leitão


Estudo com motivação
Porque os professores daqui
Trabalham com dedicação
Lutando dia e noite
Pela nossa educação

Na gestão dessa escola


Trabalhando com amor
Temos Ana, Cris e Nailza
Um trio que se empenhou
Para dá ao Iraci um prêmio
O Prêmio de Escola de Valor

Com o Escola de valor


Tudo está melhorando
A gente ganhou reforço
Parece até que tá sonhando
Em Matemática e Português
Fera estamos ficando

Esse poema é uma produção de Wendrio Freitas Nunes, aluno do 5º


Ano do Ensino Fundamental, da Escola Estadual Iracy Leitão – Coari-
AM. Sua obra foi a vencedora do concurso de poemas realizado
durante as Oficinas de Leitura e Produção Textual do I Sarau Literário
da Escola Iraci Leitão, ocorrido em novembro de 2014.

~ 58 ~
Coari
Soneto de Aldenor G. Nascimento
(Para todos os coarienses)

Coari, teu povo é bravo e forte


E tu és a mais bela à margem do Rio Mar;
És menina moça que vive sorrindo,
És a musa que posso me inspirar!…

Vives nua a mostrar os teus encantos


Que a mãe natureza te doou;
Nunca em minha vida te vi em prantos,
Tu és unicamente, querida terra, de amor!…

Oh! Se Fritz te visse assim tão linda,


Tão próspera, tão verde, tão querida;
O que não iria pensar! Por ti rezaria…

Hoje, tu és a rainha do Solimões,


Graças ao nosso poderoso Senhor;
E Sant´Ana que é tua padroeira e tua mãe…

(Do Clube do Arrebol, 1964)

~ 59 ~
Natal das Galeras
Irmã Marília Menezes

Senhor Jesus,
a paz que tu trouxeste à terra
tornou-se muito clara para mim
ao celebrarmos o Natal das gangs ou galeras
na noite de Natal.
Antes da Missa, o churrasco –
churrasco pobre, pedacinhos de carne com farinha
oferecidos pelo candidato
que venceu com o apoio dos rapazes
as eleições …

O compromisso de não beberem muito


foi cumprido.
– Hoje é noite de paz, disseram eles.
– Então vai ser só hoje? – um outro indagou.
– Vamos manter a paz!

– Pé-de-chumbo, Faquinha,
Siri rica, Pantera,
Ronivon, Bacuzinho,
Sapão, Sapinho,
Sadam, Andróide … Vamos manter a paz!

Certo anjo cantara em certa noite


e cantava de novo:
– Glória a Deus nas alturas, paz na terra
a quem Ele quer bem …

Era a paz que descia como o rio


como o rio Amazonas,
como a chuva ou o sol
e descia de novo sobre a terra
na noite de Natal.
Coari,1992

~ 60 ~
Tuas mãos
Francisco Vasconcelos

Existe entre nós dois um amor que inspira


os nossos corações enamorados.
Sou feliz ao te ver assim tão bela
E mais feliz, se viver posso ao teu lado.

E se te tenho assim, meiga e mimosa,


nos meus braços sonhando em devaneios,
sinto pulsar meu peito, ardente em febre,
na febre divinal dos meus anseios…

E como sou feliz! E sonho e vejo


um futuro distante, mas que perto
acena-nos sorrindo em cada beijo.

Oh! sonho feito em ouro, filho d’alma


quando em minhas mãos beijo e aperto
as tuas pequeninas brancas palmas!

* Um soneto para celebrar o teu


encontro com a mulher amada.

~ 61 ~
Acróstico, em Tom de Prece, ao Povorello de Assis
Francisco Vasconcelos

Santo do amor, possamos nós, um dia,


Ainda neste mundo – inglório, às vezes -,
Onde quer que estejamos, imitar-te.

Fazer um grão do muito que fizeste.


Romper barreiras e praticando o bem,
Armar de amor o mundo, prepará-lo,
No exemplo de bondade que nos deste.

Construir com amor e, diariamente,


Ir ao encontro de Jesus, o Mestre,
Sendo com Ele ou n´Ele a cada instante.
Cobra-nos, Pai, esse querer constante,
Ou inspira-nos viver sem ser ausentes.

Um acróstico escrito com o nome de São Francisco. É mais uma


oração que um poema, sem dúvida para comprovar que nas origens,
poesia e oração nasceram juntas.

~ 62 ~
Coari — Suspiro do Solimões
Ir. Marília Menezes
Coari, pequena cidade amazônica do médio Solimões !
Teu nome, da língua quéchua,
vem desde os índios Incas, do Peru,
ou da tribo dos Jurimauas, de origem Tupi…
Quanta história a pesquisar…
Quem sabe se Coari é “rio do ouro”, ou “rio dos deuses” ?
Esse ouro seria teu petróleo, cujo fruto o coariense não vê…
que “deuses” o roubariam ? —
O deus é o Deus da tua gente cabocla,
simples e sofredora,
mas briosa,
com vontade de mudança que é preciso fazer acontecer.
Coari — “buraco” ou “abertura” —,
suspiro do Solimões transformado no lago
em que te banhas,
teu lindo lago Coari, de águas bem negras,
no encontro-desencontro com o Solimões barrento…
Que paisagem !

Coari — cólera
do vibrião colérico
ou cólera do povo
por ser tão maltratado !
Coari — coração
de missionários que por ti tem dado o seu viver!
Aqui também vim eu partilhar minha vida —
e ao evangelizar, sou evangelizada ! …
e através das ondas radiofônicas,
que promovem a educação rural,
varar matas e rios com essa antena possante,
chegar bem longe
e proclamar sobre os tetos
a mensagem do Rei!
Coari, 1991

~ 63 ~
Poesia Coari
Celson Lima
Coari que palavras flutuam
Na mente de sua gente?
Da pacata terra da banana,
Hoje parece só gente cigana.

Da inocência acanhada e peculiar,


Suas festas a celebrar.
Desde a primeira festa do arraiá,
Rainha igual a GERLANE não há!

Buraco do Médio Solimões,


“Ouro Negro” corrompendo corações.
De suas entranhas a jorrar
No estalar dos canos a transportar.

Povo aguerrido
Junte o coração partido,
Malfeitores a lhe usurpar,
É hora de lhes erradicar.

Pardieiros e palafitas,
Terra das mulheres bonitas.
Seu sono sem sonho,
Sua gente em rebanho.

Retome o destino
Celerado não é Curupira,
Descubra pelo tino
Ser caboclo é alça de mira.

Hora certa
Porta aberta,
Demônio extirpado
Respire aliviado.
Governador Valadares 09.05.2014

~ 64 ~
Descruza Os Braços
Francisco Vasconcelos

Descruza
– enquanto é tempo –
teus recolhidos braços.
Sim, descruza-os.

Libera tuas mãos do preguiçoso aconchego


para que,
livres,
possam ensejar-te a vez de também seres útil,
na necessária semeadura do amanhã.

Descruza, sim, teus braços preguiçosos


e de uma vez por todas,
rompe os grilhões da inútil e inconsequente postura.

Pensa em quantos esperam por ti.


Em quantos esperam que lhes estendas a mão amiga,
essa mesma mão que escondes,
que ocultas.

Quantos serão os que dela dependem?


Quantos serão os que esperam de ti?

Descruza, pois, os braços!


Até mesmo para que,
tendo livres as mãos
possam elas também receber o quinhão que lhes cabe
na justa partilha do amor há muito prometido.

~ 65 ~
Reflexões
Francisco Vasconcelos
Quem pagará a conta dos nossos desatinos?
E dos nossos quefazeres;
dos que deixamos de fazer
e dos fazeres malfeitos;
quem haverá de cobrar-nos
o não ter feito e o não ter feito bem?
Quem será capaz de ouvir outras verdades,
que não as nossas verdades,
sem que o sofrido ego não se insurja?
Quem assumirá o custo das tarefas
Que muitas vezes deixamos de cumprir?
Quem, dente nós, será capaz de confessar,
com a grandeza da humildade,
o mea culpa que redime e enobrece a alma?
Quem de nós,
por um momento sequer,
chegou a pensar que a tarefa não cumprida,
tem custo e tem preço?
Em alguém
– em quem, de certo não sabemos –
haverá o reflexo de nossa desídia,
de nossa inconsequente indiferença…
Ah! Quão insensatos somos muitas vezes!
E estultos também seremos se pensarmos
que jamais a cobrança será feita.
Por necessário,
não haja dúvida,
ela se fará um dia.
Quando? Onde? – não sabemos;
E os valores devidos,
por certo acrescidos de algo mais
(inevitável plus),
ser-nos-ão exigidos
inevitavelmente

~ 66 ~
A Praça e a Matriz
Archipo Góes

A velha senhora guarda seus filhos


Sua arquitetura americana, moderna.
Sua essência indígena, cabocla
Seu coração inclinado a Coari.

Praça de minha infância, minha mocidade


Praça de meus primeiros amores, dos fervores
Praça das brincadeiras,
do futebol, da inocência
Em cada porta da matriz,
Uma lembrança, um calor.

Noite clara, a cidade às escuras


A lua motiva os casais ao amor
Noites inesquecíveis…
A praça conduz os caminhos.

A praça é arraial,
é carnaval,
é a marcha cívica.
Lá acontece manifestação,
Procissão,
Evangelização
A praça é do povo.
A praça é dos desejos.
Manaus, 2003

~ 67 ~
Poema Coari
Aldísio Filgueiras
(Ao jovem pintor e amigo J. Maciel)

Então o Solimões
fez uma pausa
- uma pausa lago
e se chamou Coari

Coari princesa índia


beira-rio
Coari das manhãs
coloridas de blim-blons
da matriz de São Sebastião
Coari do Espirito Santo
fugindo do Inferno
para um longe muito
longe quem sabe onde?

Coari que tem cais


e Marias no cais,
de curumins barrigudos
soltos suados correndo
nas ruas

Coari do cura
Coari de COARINA
Coari de JOTA MACIEL
de tanta gente importante
que eu não conheço ainda
Coari meu

coari coari
de coaris coari

Manaus, 24.09.1964.

~ 68 ~
A “Festa” da Banana
Ir. Marília Menezes
— Vamos chamar os Beatles,
chamar a Perla, as “Bananas split”
para fazer a Festa da Banana.
— Senhor Prefeito, faça sua propaganda !
Pague conjuntos caros de Manaus ou de Brasília
para abafar a humilhação e a dor
deste povo esmagado
como a banana.
Banana de mesa,
banana de metro
banana que cabe na palma da mão.
Quantas espécies de banana?
Jóia verde e amarela
salvação das crianças,
tu precisas morrer amassada no mingau
antes de ser amassada aos pés dos compradores,
ou jogada no rio, antes de virar lama,
antes que os bananeiros
deem teu preço como teus senhores
ao mísero agricultor que te plantou.
Banana que serás bem embalada
e revendida a preço de ouro,
pelos exploradores,
para os States ou a Europa...
Vamos fazer a “Festa de banana” !
Escolham uma mulher para Rainha !
Ela vai desfilar com folhas de banana
e com bananas presas
no fio dental.
Ponham o som mais alto, meus senhores,
para abafar o som dos caminhões
que vêm trazendo os cansados produtores,
e virão espiar a “Festa” da banana ! Coari, 1992

~ 69 ~
Soneto feito por Alexandre Montoril dedicado ao pintor
José Maciel
Com a dedicatória: “Para o pintor José Coelho Maciel”

A tua arte sem favor é muito bela,


Na parte da pintura mostras vocação;
Também na poesia você se revela,
Muita espontaneidade e imaginação.

Deve-se julgar o pintor, diante da tela,


Assim Pedro Américo é uma revelação,
Entender diferente é fazer querela,
Talvez com a mania de causar sensação!

Das artes belas a escultura é sublimada,


Pela qual Miguel Ângelo se imortalizou;
Mas foi na velha Grécia onde o cinzel brilhou…

Das artes belas a música também é sagrada,


Entre os gregos, Lino, Orfeu e Anfião,
Depois: Bethoven, Carlos Gomes… não sei não!

Alexandre Montoril (Manaus, 25 de maio de 1970)

~ 70 ~
Saudades de Coari
Archipo Góes

Cidade guardada no meio de uma saudade


Oculta na selva, presente sempre na memória
Apesar dos novos tempos aqui desfrutados
Raízes ainda mexem com as lembranças
Inconsciente de um tempo que se foi.

Ainda encanta quem visita suas águas


Águas negras, águas vermelhas
Água mãe, água que alimenta seu povo sofrido
Três rios em um só
guardam seus primitivos.

Ficou na pele a marca de uma branca areia


Escadaria – Tardes inesquecíveis
Tardes de Chuvas,
corridas pelas ruas
Beijos molhados,
beijos guardados.

E a noite na pracinha,
ou na rampa – um violão
Músicas.
Sonhos - Sonhos conquistados
O olhar para o passado
e conceber:
Que sempre fui feliz em minha Coari.
Manaus, 2003
~ 71 ~
E a Vida Era Simples
José Coelho Maciel

Eu sei... Tudo era simples


quantas vezes já pensei nisto, sem cibernética.
já disse que não adianta Fazíamos tudo:
que o mundo é assim mesmo! íamos ao cinema
Que não adianta chorar passear no bosque
gemer, gritar e vociferar brincar de esconde-esconde
ninguém vai lhe ouvir, jogávamos peteca
entender. brincávamos de ciranda
O mundo é assim mesmo rodávamos, rodávamos
- pequeno e grande e nós rodávamos o mundo
alto e baixo – e com o mundo rodávamos
e a vida uma merda! dávamos volta ao mundo
Quantos gritos sufocados em oitenta dias,
ecoam no infinito cento e oitenta,
sem resposta? trezentos e sessenta e cinco
Quantos apelos se faz e nunca cansávamos
diariamente e éramos felizes
quantos, quantos? e simples era a vida!
Já não se conta mais Não tínhamos medo
nos dedos medo de morrer
os dias, as noites, os anos medo de ir longe
pois o tempo alcançar a lua
agora é contado falar com as estrelas
cronologicamente dançar com os astros
medido, computado virar pirilampos
pela lógica navegar no espaço
dos cérebros eletrônicos. brincar de fantasma.
O homem é programado De nada disso tínhamos medo!
igualmente E agora,
para missões impossíveis quem somos?
e possíveis,
para fazer coisas
que fazíamos antes
da robótica.

~ 72 ~
O Jardim dos Meus Desejos
Archipo Góes

Você sempre foi a lembrança de um desejo


Sempre longe e tão perto
O tempo, senhor de todos os encontros
Trouxe o teu brilho para me iluminar

Flor rara, impetuosa, fogosa e brilhante.


Tu fragrância me inebria e traz
A certeza de que em minha vida esse perfume
É o primeiro que quero sentir ao acordar

No meu quarto guardo recordações


Dos momentos que mesmo sem te tocar
Fizemos amor
Eu era o teu sol e te aquecia, te protegia, te amava
Você era a minha lua branca,
que me iluminava e me encantava
Cada noite eu te espero
Mas o sol e a lua tem poucos momentos
O amanhecer é breve com nosso amor

Eu queria ter inspiração para escrever meus versos


guiados pelo barulho de nossas respirações
E do desejo que nossa pele sentem
quando estão perto uma da outra

Como eu queria poder sentir


a textura e a maciez da tua pele
Nenhum perfume seria tão extasiante
quanto o nosso, depois de nossa primeira noite
Ele teria o aroma da mistura
entre a paixão mais louca
e os delírios insanos, mas tão esperados.

Coari, agosto de 2010.


~ 73 ~
Minha Máquina de Escrever
Francisco Vasconcelos

Numa incerta busca de algo bem antigo,


notei que me faltava alguma coisa
além do que ansioso, procurava.

Ah! A minha máquina de escrever!


Que fizeram dela?
Finalmente, que fim lhe haviam dado?
perguntei a quem, por certo, podia responder.

Sim... a minha máquina, onde está ela,


se aqui, onde a guardava, não está mais?

Chamava-se Olivette e era mui querida.


Fiel companheira de noites bem vividas
ao longo das quais, com inusitado amor
e frenética compulsão
gestamos nossos filhos,
poemas e contos,
e até mesmo um romance inconcluso
ou ainda em fase de demorada gestação.

E que dizer das cartas que escrevemos,


em cada uma delas o testemunho
de imorredoura amizade,
~ 74 ~
depósitos que foram todas elas,
das mais sentidas lembranças
e inarredável saudade?

Foi então que me deram a resposta


que jamais esperava um dia ouvir:

— A máquina? Aquela bem velhinha, pequenina e sem jeito,


que para nada mais servia,
desprezada e sozinha?
Aquela humilde máquina que deixaste de lado
qual coisas imprestáveis
e com defeito?

Que proveito dela tirarias,


se com outro amor agora de comprazes,
noite após noite como amantes fogosos
que pareciam ser a qualquer hora?

E foi aí que me veio a resposta


sobre o destino de minha máquina de escrever:
“Doei-a àquela casa amiga,
cujo bazar vez por outra ajudamos
desfazendo-nos de tudo que guardamos sem mais utilidade”.

Confesso que sofri.


Oh pequenina e tagarela ajudante de meus sonhos!
Que destino te deram, que fizeram de ti?
A quem serves agora, velhinha e já cansada?

E embora com saudade e inafastáveis lembranças


contentei-me ao saber que mesmo tarde,
sem nada saber do que antes acontecera,
de algum modo fizera caridade...

Bsb, julho/2013

~ 75 ~
Mensagem aos Jovens
Chagas Simeão

Jovens de todo o Brasil


É hora de despertar
Procurando as coisas boas
Que vocês possam aproveitar
O estudo é uma delas
Pode você acreditar

Estude com dedicação


Não deixe o tempo passar
Aproveite enquanto é jovem
Porque a velhice vai chegar
Leia com bem atenção
Pra aprender e pra ensinar

Um jovem bem preparado


Tem a vitória pela frente
Vive uma vida feliz
Bem alegre e contente
Desvie-se do mal
Pra ser uma boa gente

Coari-AM, 2014

~ 76 ~
Realismo Fantástico
José Coelho Maciel
Eu me imaginava no centro do Universo
Navegando anos-luz no espaço infinito
Entre estrelas galácticas
Como uma velha bruxa
Nas noites escuras
Do medievo mundo.
Telescopicamente, e visível a olho nu
Me via percorrendo o espaço sideral
Qual nave em astronáutica rota
A caminho de Júpiter.
Passei por muitas galáxias
Deslumbrado de tanta beleza
E grandiosidade incomensurável
Da Via Láctea de bilhões de estrelas.
Deparei muitas vezes com satélites artificiais,
Sondas e foguetes mandados da Terra
Para explorar os planetas do Sistema Solar.
Deparei outras tantas vezes
Com destroços e corpos de astronautas
Mortos na conquista do Espaço,
Entre granitos e meteoros.
Copérnico, Laplace, Galileu,
Newton, Einstein e Von Braun
Formavam constelações de primeira grandeza
Para a compreensão do Cosmo.
Astronaves cortavam velozmente a abóbada celeste
Em meio à luz brilhante das estrelas
E a poeira cósmica das galáxias
Para se abastecerem depois de longas viagens
Nas muitas estações de abastecimento e pernoite.
Enquanto isso, trabalhavam na Lua
Construindo pontes de contato com outros pontos
Já conquistados pelo avanço do homem.
~ 77 ~
Os Colonheiros de Coari
Daniel Maciel

Quero hoje homenagear os colonheiros,


Assim chamados àqueles nossos irmãos
Que diariamente deixam suas casas aqui na cidade,
E vão as estradas e vicinais de Coari
Para do chão rico e abençoado de nossa terra tirar o
sustento diário,
O alimento que vai encher a barriga das crianças
Alimentar as esperanças de dias melhores
Sustentar o braço viril e corajoso
Que na labuta diária e incessante
Realiza a missão maior da vida
Existir e ser feliz.

Este povo tão nobre que vence


Apesar do sol causticante que a todos aquece
E que enrijece a terra
Até que venha a chuva para torná-la a rejuvenescer.

E como cheio de fé no coração


Aguarda ansioso brotar novas sementes
De fé e amor
De um futuro melhor e promissor.
Benditos homens e mulheres urbanos
Que são agricultores da cidade
Enfrentando agruras para chegar a seu terreno
Mas quando ali chegam
Chegam no céu
Ao paraíso que é só seu
E que de lá não querem mais voltar.

Coari, setembro 2006

~ 78 ~
Luar de Agosto Sobre o Rio Solimões
Ir. Marília Menezes (A.S.C.)
A memória de meu pai, Bruno de Menezes, "o poeta da lua".

A balsa da Petrobrás repleta de petróleo


qual sucuri de prata, descendo o Solimões,
fantástica, vai rente a margem,
com os grandes olhos vermelhos a frente e atrás,
bem devagar, temendo um desastre ecológico...
Leva a Manaus o ouro negro do rio Urucu.
Pergunto-me se Coari recebe os "royalties"?!
Mas a lua me arranca do problema econômico.
E preciso louvar e agradecer
por este rio enorme, marulhante,
pelos peixes que saltam para ver a lua,
pela orquídea e o mururé,
a Andiroba e o Cupuaçu
que não sabem louvar.
Por homens e mulheres que não querem louvar.
A onça e os jacarés devem também estar prateados de lua.
É preciso cantar por este barco vestido de luar.
Ergo-me da rede... Este luar de agosto impressiona.
E se batêssemos em um toro de madeira?
Seríamos amortalhados em nossas próprias redes...
Mas o luar espanta o sono e o medo.
É hora de louvar e agradecer.
É hora de se ouvir o que vai pelo mundo.
Ouçamos o que diz esta Radio "Cabocla" de Manaus
No radinho de pilha - resquício da Zona Franca.
... Será "cabocla" mesmo?

***

Ouço a música e temo:


"There's a river rolling to the sea..."

Viagem para Manaus – 1991

~ 79 ~
Lago de Coari
Archipo Góes

Suas águas negras refletem seu mistério


Espelho escuro,
espelho da alma.
Seu Esplendor extasia-nos e desperta desejo
Nas suas águas a libido encontra o feromônio

O solapar de suas águas nas praias


Fragmenta o eco do silêncio e nos leva a viajar
Vendo indígenas em ritual ao filho do sol
Fazendo seu rito, seu mito, na praia de Jurupari

Sua vastidão assusta,


seus ventos amedrontam
Com tanta frequência,
muitos já se perderam na travessia
Perdem-se,
sobretudo com tua beleza e grandiosidade
Por isso sempre retornam,
pois se encontram.

Coari - Rio de Ouro, Lago de ouro.


Águas provinda do amor,
lagrimas de saudades.
Eldorado tão procurado,
... Desesperançado.
Coari, tua riqueza não vem do ouro,
mas do teu modo de viver.
Manaus, 2004
~ 80 ~
Coari — Suspiro do Solimões
Ir. Marília Menezes
Coari, pequena cidade amazônica do médio Solimões!
Teu nome, da língua quéchua,
vem desde os índios Incas, do Peru,
ou da tribo dos Jurimáuas, de origem Tupi...
Quanta história a pesquisar...
Quem sabe se Coari é “rio do ouro”, ou “rio dos deuses” ?
Esse ouro seria teu petróleo, cujo fruto o coariense não vê...
que “deuses” o roubariam ? —
O deus é o Deus da tua gente cabocla,
simples e sofredora,
mas briosa,
com vontade de mudança que é preciso fazer acontecer.

Coari — “buraco” ou “abertura” —,


suspiro do Solimões transformado no lago
em que te banhas,
teu lindo lago Coari, de águas bem negras,
no encontro-desencontro com o Solimões barrento...
Que paisagem !

Coari — cólera
do vibrião colérico
ou cólera do povo
por ser tão maltratado !

Coari — coração
de missionários que por ti tem dado o seu viver!

Aqui também vim eu partilhar minha vida —


e ao evangelizar, sou evangelizada ! ...
e através das ondas radiofônicas,
que promovem a educação rural,
varar matas e rios com essa antena possante,
chegar bem longe
e proclamar sobre os tetos
a mensagem do Rei!
Coari, 1991
~ 81 ~
Tributo a Coari
Adalva Silva Leandro

Simples, pacata, singela


Verde semente a florescer
Rosa, alegria, quimera,
Prelúdio do alvorecer.

Caminhos galgados passados


Vozes, cantos, histórias, vitórias
Sonhos visados, cansados, amados
Prazeres, amores, perigos... as glórias.

Viajante sofrido aqui vens solitário


A terra, a água, o ar conquistado
Confias, espias, desfias o rosário.

Chegaste, ficaste, sorriste outra vez


A vida, o momento, o lugar abastado
A brisa te prende, o povo te fez.

Campina Grande - Paraíba

~ 82 ~
Saga Ribeirinha
Alex Alves
Entra ano e sai ano
Sempre é o mesmo rojão
Trabalho diuturnamente
Faço minha plantação

Planto juta, planto malva,


Maniva e até feijão
Não esqueço do jerimum,
Melancia e do melão

São meses de labuta


É trabalho fatigante
Só sabe quem o faz
O quanto é estressante

Quando chega o mês de março


Começa a preocupação
Façamos um ajuri
Pra colher a plantação
Pois é tempo de enchente
Se não agirmos depressa
Poderemos ficar na mão

As águas cobrem a terra


Deixando-nos acuados
Nas pontas de terra firme
Ficamos todos ilhados
Rezando que as água baixem
Pra voltarmos pro tapiri
Nosso palácio encantado.

~ 83 ~
COARI
Eliane Vilas Boas Vargas

Com ar de quem pouco se importa,


segue em frente, Coari.
Segue com tenacidade,
vigor energia ...

A natureza,
sempre tão pródiga e rica na Amazônia,
em Coari foi melhor:
além de um povo forte e bom,
da floresta amazônica,
dos rios maravilhosos
e dos animais diversos,
deu a Coari um sangue especial,
pois além de mover homens,
move máquinas.

O sangue que jorra do solo de Coari


é mais forte:
rico, viscoso, grosso, precioso,
um sangue escuro,
da cor do caboclo de Coari.

O sangue coariense brotando da terra,


faz bater mais rápido
o coração do povo de Coari,
o coração de Coari,
o coração de todo o Brasil.

~ 84 ~
O Lago Misterioso
Roberval Vieira

Olhei para a imensidão do lago e pensei:


“Como é belo e misterioso!”
O sol procurava seu leito noturno, e a noite
o esperava chegar tristonho...
Os pescadores voltavam cansados.
As águas serenas e tranquilas, como se fosse
a alcova do mundo.
Ao longe se ouvia um canto triste, trazendo
as lembranças de alguém que se foi.
Chegou a noite, berço dos sonhos e morada de
Todas saudades
Apenas as águas tremulavam, e a
solidão dominava todo lago.
Alguns passos serenos se ouve, (um vulto) ou talvez
Mãe d’água, que conta histórias para os encantados.

Coari-AM, 13 de março de 1973.

~ 85 ~
Menina dos Olhos Verdes
Sula dos Santos

Menina dos olhos verdes


Que gosta de namorar
Tu queres muito um dia
Tu queres se apaixonar.

Andando tão bonitinha


Com um jeito de arrasar
Tu queres muito um dia
Um homem pra se casar.

Tu andas sempre sonhado


Na vida que vais levar
Garota linda e vaidosa
Que anda a beira mar

Te vejo nos meus sonhos


Nas noites que tem luar
Menina dos olhos verdes
Que gosta de namorar.

Coari, 2013

~ 86 ~
Farinhada (Amazônico-Maná)
Alex Alves
Casa de farinha
Cobertura de palha
Armação de taboca partida
Forno de barro-argila
Tacho de ferro...
Mistura a massa de mandioca
Metade puba e metade ralada
Não pode passar do ponto
Põe na prensa
Quero o tucupi pra tomar tacacá
Com peixe assado também
Penera mulherada!
Passa a massa na peneira
Separa a crueira
Os patos e as galinhas vão adorar
Óleo no tacho
A massa vem depois
Enche a cuia
Enche o tacho
Escalda a massa
Mexe a massa
Mexe com o remo
Mexe depressa
Joga pra cima
Mexe de novo
Não deixa queimar
Penera!
De novo?
Última vez
Lenha no forno
Espalha a brasa
Assa os jaraquis – almoço
~ 87 ~
Primeiro os curumins...
A sesta não tem – trabalho
Aquece o forno
Mexe a massa
Mexe com o remo
Mexe depressa
Joga pra cima
Mexe de novo
Não deixa queimar.
A lenha estala no forno
O vento uiva nas árvores
A chuva borrifa o chão
As aves onomatopeiam na mata
Pra lá solidão!
E a farinha?
Quase pronta
Enquanto isso...
Mexe a massa
Mexe com o remo
Mexe depressa
Joga pra cima
Mexe de novo
Não deixa queimar
Tem de ficar sequinha!
Caboclo não gosta
De farinha malfeita
Mole, só no chibé
Com pirarucu
Ou na caldeirada de tucunaré.
Enfim,
A farinha está pronta
Espere esfriar...
Delicie-se esse sabor
Amazônico-maná.
Comunidade N. S. de Nazaré da Ilhinha – Rio Urucu – 25/11/2014.
~ 88 ~
Rio dos Deuses
Adrielly Granjeiro
Encanta-me os sons desse rio negro como o baré;
Donde surge o Jaraquí pra comer frito com açaí.
Rio de ouro e de deuses, o rio de Coari,
buraco pequeno, que serve de abrigo para a beleza infinita.
Meu rio-estrada, das melhores que já andei, a única onde nadei.
Rio que gera a vida, revitaliza a alma e me faz perder o pensamento
em tanta beleza e inspiração.

Mergulho em seus encantos de botos rosa e tucuxi,


que metem medo no ribeirinho e nas “caboquinhas”,
que atribuem o filho inexplicável ao danado do rapaz de roupas alvas e
distinto da meia-noite.

Porque o rio dos deuses indígenas é mansinho, farto,


e nunca deixa faltar nada na vida do amazonense que escolheu a vida
tranqüila, sem “busão” e poluição.

Quer mesmo é viver essa “leseira baré” que o calor trás,


o ventinho fresco e a rede atada entre as árvores.
Quer viver dos casos, acasos e causos,
sem a preocupação dessa gente de cidade grande,
que vive pra ter dinheiro e comprar, comprar e comprar o luxo.
Ô maninho, luxo aqui no mato é ter um ar puro pra respirar,
uma rede pra embalar, uma canoa pra pescar.

No lugar de piscina, um rio imenso pra mergulhar e esse sossego


desmedido.
Bossa a gente faz quando abre a janela e é contemplado pela
imensidão verde.

É conhecer os bichos de fato, pela experiência, e não pela internet.


É viver quase num estado natural Rousseauniano,
mas sem ser o lobo do outro homem que Hobbes falou.
É ter sempre o que comer na cuia,
não faltar peixe com farinha e uma macaxeira cozida de manhã,

~ 89 ~
é ter orgulho de descendência indígena,
ter os cabelos tal qual Iracema, negros como o Graúna.
Orgulhoso da cultura e esperto com os sugadores que aparecem de 4
em 4 anos, porque caboclo não é leso não mano! Se faz.

Prazer é ser desse chão, desse rio, desse povo.


De ser um “Coaya-Cori”, fruto desse buraco pequeno quente que só,
mas que tem o melhor açaí, a tapioca, o bejú e a banana fritinha com
café.

A Coari, princesinha do Solimões, do ouro negro, abençoada pelos


deuses das tribos, pelos deuses gregos, latinos, católico apostólico
romano, umbanda, e qualquer outro deus que exista.
Afinal, todos sempre são brasileiros e vivem em Coari.

***

~ 90 ~
Histórias de Boi-Bumbá
José Willace Cavalcante

Vês, chegou a hora de meu povo balançar


Já faz tempo,
E agora nunca é tarde pra sonhar
Canta galera azul e branco,
Solta forte essa emoção
Boi Garantido,
Muita paz no coração

Vais, Boi-Bumbá Garantido,


Com tuas cores invade este chão
Vens lá da Grécia, Já virou tradição
Conta tuas estórias nativas
E encantas esta multidão
Mostrando tuas raízes,
Tua história paixão

Rei Minos,
Abriu a porta, sorriu
No labirinto, Minotauro surgiu
E ás sete moças, sacrifícios e dor
E no Egito o boi se venerou,
E aqui chegou
Bumba-meu-boi, eu sou Garantido
Eu sou bonito, eu sou povão
Te segura contrário tua sorte está em
Minhas mãos (levante as mãos)
Levante a mão,
Eu sou Garantido,
Eu sou orgulho da região
Garantido, Garantido, eterno campeão
És campeão

Coari, 1993

~ 91 ~
Coari
Sula dos Santos

A minha tem as cores brasileira


E tudo aquilo que um dia eu queria
Porque Coari é cidade mais bonita
É o motivo de eu ter tanta alegria.

Terra do Gás e também do Ouro Negro


De outras coisas que me faz apaixonar
Tem tanta fauna colorindo a nossa flora
Tanta riqueza que me leva a sonhar.

Hoje é o dia que Coari está em festa


02 de Agosto é um dia especial
É o aniversário dessa terra abençoada
Que faz a gente se sentir bem mais legal.

Imensos rios que tem águas transparentes


E o grande verde que vem lá da natureza
Eu te proclamo terra da mulher bonita
Coari é mesmo terra de tanta beleza.

A minha terra tem as cores brasileira


E é por isso que eu me sinto mais feliz
Porque Coari é a terra do futuro
É o progresso que está no meu país.

~ 92 ~
O Homem e o Fado
J. Maciel

Caminhando, sempre caminhando


o homem vai…
pelos meandros da vida.

Se para é para pensar,


pois nunca pensa caminhando.

E o homem vai…
silhueta nas noites escuras,
caminhando, sempre caminhando.
Seus pensamentos
- bússula de seu fado,
indicam-lhe o caminho.

Seu coração
- termômetro da vida,
mostra-lhe tempo e espaço.

Seu corpo, cansado e lânguido


pede-lhe para repousar.

Então, ele repousa


no chão frio que tantas vezes palmilhou.

Somente agora parou de pensar


o homem que ia…
(02.10.1969)
(Publicados na VI Antologia Poética da ASSEAM – Associação dos
Escritores do Amazonas, 2010)

~ 93 ~
Soneto ao Lago de Coari
Alex Alves

Em afródicos devaneios, eu
Ausência, molhada, sofro a tua
Uma noite, ter, sequer, queria – seu
Amor de gozo, luz, prazer, da lua

Mar de, doce lábio, beijo que encanta


Dá-me, uma pequena, ao menos, gota
Querer, seco, molhar meu peito, o chão
Árido, cá, sofrido coração

Cedo, maio, depressa, logo, cá


Corpo meu, com água, me banha tua
Tarde, setembro, que embora, vá

Paixão de pecado, dor, e sabor


Cubra-me, tua, pele negra, cor, nua
Afogue-me, lago, ti, eterno amor.

~ 94 ~
Tragédia do Botafogo
Francisco Simeão da Silva

Sendo eu um grande artista Isto foi no dia quatorze


Ainda não pude parar De um janeiro passado
Porque este acontecimento Viajou a primeira noite
Quero ao povo contar E não lhe aconteceu nada
A tragédia do Botafogo Mas na segunda noite
Um Barco a Naufragar Veio a tristeza dobrada

O nosso belo Amazonas Este motor meu amigo


É um Rio grande e temente O seu nome ninguém esquece
Temos que andar com cuidado Dominique era o seu nome
Devido as grandes correntes Muita gente ali fez prece
Porque se nos descuidarmos Mas neste grande rio
Elas destroem com a gente Se naufragou desaparece

Para provar o que digo É verdade minha gente


Vou agora confirmar Tudo isto ocorrido
Contando uma história E não botando em conta
Para todos acreditar O tão grande prejuízo
História de um navio E até a presente data
Que vi nas águas se acabar O barco vive perdido

Na tarde de um belo dia Este caso aconteceu


Chegando às dezoito horas Em uma alta madrugada
O motor se despediu Os viajantes do barco
Da capital foi embora Não iam esperando nada
Viajando carregado Porque tudo ia tranquilo
Por este rio afora Antes daquela encontrada
~ 95 ~
O motor se deparou Com a caravana seguiu
De encontro com a correnteza Para mostrar mais valor
O mesmo virou na hora Juntamente com o chefe
Por não encontrar firmeza Diversos mergulhador
E daí foi que surgiu Para ver se descobririam
Para o povo tanta tristeza Onde estava o motor

Tristeza porque foram muitos Mas ao chegar ao local


Que ali se acabaram Que viram o grande horror
Uns choravam pelos mortos Pensaram: – como nós vamos
Outros pelos que escaparam Ajudar este senhor?
Na certeza que foram muitos No meio de tanta aflição
corações que se abalaram E no meio de tanta dor

Com esta aflição toda Mãe chorando por seus filhos


Sem esperar por cima Filhos chorando por seus pais
Este naufrágio aconteceu Porque muitos que ali morreram
Bem perto de Codajás Seus corpos não viram mais
E estamos pedindo a Deus Crendo que foram comidos
Para não acontecer mais Pelos grandes animais

Tomaram toda providência E verdade meu amigo


Logo ao amanhecer do dia Este rio tudo consome
O dono foi a Codajás Aqui desapareceram
Comunicar a capitania Tanto mulher como homem
Para virem ajudá-lo E o rio é uma imensidão
Nesta tão grande agonia Pode ver pelo seu nome,

A capitania sabendo Porque em água é o maior


Do que se tinha ocorrido Não existe outro igual
Vieram trazer socorro Tem que se andar prevendo
Para os que ficaram feridos Pois, tudo pode ser fatal
E também conformar ao dono Também morrer afogado
Que nem tudo estava perdido Isto não é genial

~ 96 ~
Certo que com a morte Uns saíram nadando
Nunca se está conformado Para alcançar outro lado
Uns dizem que o barco virou Mais isto não realizaram
Por vim muito carregado Por estarem muito cansados
E outros já se maldizem Antes de alcançarem a terra
Que foi a falta de cuidado Muitos morreram afogados

Certo é que foi para o fundo Foi um grande desespero


Em um lugar de horror Naquela escuridão
Uns chamam de Botafogo As mães procurando os filhos
Outros de ponta do pavor Mas sem haver solução
Foi um naufrágio horrível Porque tudo estava escuro
Que causou tristeza e dor Por aquela região

E já que este lugar Ali muitas mães morreram


É por todos mal visado Querendo o filho salvar
Quando se aproxima Porque a mãe só deixa o filho
Fica todo mundo assustado Quando vê-lo se acabar
Depois que se passa dele E se possível vai junto
O coração fica sossegado Para ser do filho o par

Sentindo já ter passado Foi como ali aconteceu


Por este horrível lugar Se acabaram mãe, filhos e pais
Com o coração tranquilo Certas pessoas amigas
O povo vai descansar Que os nomes não lembro mais
Pedindo a proteção de Deus Foi uma grande tragédia
Para chegarem em seu lar Que ainda não houve igual

Muitos foram neste barco Porque eram de duas cidades


Que em seus lares não O povo que ali seguia
chegaram A primeira era Coari
Porque antes do destino Que sofreu grande agonia
No barco se liquidaram Ao saber desta notícia
Por ser tarde da noite Logo ao romper do dia
Muitos ali se acabaram

~ 97 ~
Com a notícia chegada Diversos motores chegaram
Houve um grande alvoroço Para ali prestarem socorro
Tanto mexeu com os velhos Uns diziam se eu não for
Como também com os moços De vergonha sei que morro
Neste dia em muitas casas Porque um naufrágio desse
Não fizeram nem o almoço Entro na parada e não corro

Porque muitos só pensavam Com esta definição


A minha mãe se acabou Querendo alguém salvar
Porque foi nesta semana Mas porém foram bem pouco
Que para cá viajou Os que puderam escapar
Quem sabe se ela não veio Daquela grande tragédia
Neste tão grande motor Onde, só Deus podia ajudar

Foi grande esta aflição Porque um rio como este


De boca em boca falada Digo e não peço segredo
Uns esperavam a reação Para onde nos dirigimos
Pra ver o que tinha se dado A correnteza faz medo
Naquele grande naufrágio Temos que nos prevenir
Ocorrido de madrugada Pra não entrar em atropelo

Há uma outra cidade Nós que somos conhecedor


Enfiada nesta aflição Deste rio sem outro igual
Que é a cidade de Tefé Devemos nos prevenir
A qual ficou de plantão Fugindo sempre do mal
Para prestar socorro Porque deparar com a correnteza
A qualquer ocasião A morte pode ser fatal

As que eram mais de perto Então vamos meus irmãos


Como Codajás e Coari Procurar nos defender
Prestaram todo socorro Porque fazendo assim
Por serem perto dali Mais vida podemos ter
Pra não deixar a aflição Porque quem escapa de uma
Tomar conta daqui Cem anos há de viver

~ 98 ~
Vamos tomar conhecimento A capitania dirigiu-se
Enquanto a cabeça esfria E ao homem interrogou
Das providências tomadas Querendo assim saber
Por nossa capitania Onde o motor naufragou
Que chegou com urgência Para saírem à procura
Antes do romper do dia Diversos mergulhadores

Os que ali chegaram Os mergulhadores estavam


Para ajudar o cidadão De tudo bem equipado
Que estava muito triste Para ver se descobriam
Por perder a embarcação Aonde o barco tinha parado
Porque ali só não sentia Naquela grande correnteza
Se não fosse um cristão Onde tudo é demasiado

A capitania ao chegar Porque aquele lugar


Tomou todo conhecimento Ele nunca está parado
Para ajudar ao dono Enquanto menos se espera
A ter mais força e talento A correnteza é de todo o lado
E também prestar socorro Pra se passar por ali
Naquele horrível momento Tem que andar com cuidado

Chegaram e foram saber Atados de correntes


O que ali aconteceu Para poderem voltar
O dono já sem alento Os mergulhadores pularam
Contou o que ocorreu Com coragem pra mandar
E como se tornou triste Porque lugar como aquele
Tudo aquilo que se deu Nem todo cabra vai lá

Foram muitos os prejuízo Foram a primeira vez


Assim o homem falou Sem pensar o que encontrar
Além das mercadorias Com pouco deram sinal
Que a correnteza levou Que já queriam voltar
Ainda por cima disto Porque a correnteza
O barco não se encontrou Não deixou no chão chegar

~ 99 ~
A correnteza era demais Deixemos a capitania
Isto sem ter paradeiro Voltando para o capitão
Muitos ali morreram Para falarmos do povo
Pra salvar o companheiro Que ficaram passando mal
Coisa que em certos casos Por ter grande prejuízo
Só se me desse dinheiro De tudo seu afinal

Mas os homens que chegaram Os que não morreram afogados


Para em tudo ajudar Acabaram de completar
Pediram pra ir mais embaixo A grande lamentação
Pra novamente pular Mostrando tudo sem parar
Para ver o que diziam Contando assim para o povo
Deste horroroso lugar Como puderam escapar

Foram a segunda vez Uns dizem eu agradeço.


Mas sem trazer resultado A um pau que ia baixando
Disseram vamos a terceira Que outros não tiveram sorte
Para dar por encerrado Deste pau ia avistando
Porque se tentarmos mas Só eu me agarrei nele
Seremos prejudicados. E foi a vida me salvando

A última tentativa Foram diversas famílias


De diversos mergulhadores Pelas águas destruídas
Que ao voltarem do fundo Que não posso levar em conta
Só tristeza e muita dor a quantidade de vidas
Fazendo este esforço todo Que foram neste naufrágio
Para encontrar o motor Pelos animais comidas

Foi sem futuro os esforços Não querendo acrescentar


Que para ali seguiu Mais do que ali aconteceu
Porque tudo se acabou E que vou pedir sempre
Dentro deste grande rio A proteção do bom Deus
Com a imensidão de água Que ele é conhecedor
O motor logo sumiu E todos os contos meus

~ 100 ~
Fazendo assim o proveito Sei que não acreditavam
De uma história real Isto ser fruto daqui
Você passa ser um homem Morando neste Amazonas
Conhecedor de tudo afinal Esta cidade é Coari
Do acontecimento ocorrido A esperança não acaba
Em uma tragédia fatal O carinho que recebo aqui.

Por isso peço aos amigos


Para comprarem o primeiro
Pois em breve comporei outro
Conto fatos verdadeiros
Porque não posso mentir
Sou homem brasileiro

Comprando este livro


Vai logo lhe despertar
Mostrando como é bonito
A gente tranquilo andar
Com especialidade nas águas
Onde tudo pode se acabar

Não menti nem exagerei


Contei o que se passou
Pois as notícias chegadas
Foi o que mais me encabulou
Em ver tanta tristeza
Pertinho de tanta dor

Vou encerrar o livrinho


Pra não ser muito comprido
Pedindo a Deus que abençoe
Pra que seja bem vendido
Que os amigos façam proveito
De tudo que foi escrito

~ 101 ~
Organizadores

Archipo Wilson Cavalcante Góes é


natural de Coari, nasceu em 02 de abril
de 1973. Primogênito numa família de
quatro irmãos, filho de Benedito Góes
Neto (Comerciante) e Elionete
Cavalcante Góes (Professora).

Archipo Góes formou-se no magistério no ano de 1990


para o ensino nas séries iniciais. Em 1992 fez o Adicional
em Ciências e Matemática, na qual ficou habilitado a
ministrar aulas para o curso ginasial.

Fez o curso de Pedagogia com apostilamento e habilitação


para exercer as disciplinas Sociologia da Educação e
Psicologia da Educação no Ensino Médio. Por muitos anos
foi professor na Escola Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, na disciplina Educação Física.

Foi acadêmico dos cursos de Odontologia (UEA) e Análise


e Desenvolvimento de Sistemas (UNOPAR).

Hoje, com 42 anos, é blogueiro e comerciante na área de


informática. Desenvolve um trabalho de resgate da
história e literatura coariense. Sua primeira obra foi “A
Origem do Nome Coari”, em seguida veio a publicação de
“Uma Literatura Coariense – Poemas”, “Recomeçar” e
“Samuel Fritz e a Fundação de Coari”.

~ 102 ~
Daniel de Almeida Alves nasceu na
comunidade São João do Paricá, zona
rural de Coari, Amazonas, no dia 09 de
junho de 1984. Filho de Adelmar
Rodrigues Alves e Maria Sandira
Gomes de Almeida, ambos
agricultores e naturais da mesma
localidade, onde viveu até aos 13 anos
de idade. É primogênito, numa família
de seis irmãos.

Concluiu o Ensino Médio em 2006, na Escola Estadual


Prefeito Alexandre Montoril (GM3), e Licenciatura Plena
em Letras, em 2014, pela Universidade do Estado do
Amazonas (UEA).

Desde 2001, Daniel Almeida atua como repórter,


apresentador e locutor noticiarista de emissoras de rádio
televisão em Coari, e colabora com informações a portais
de notícias e jornais de Manaus.

Hoje, aos 31 anos, é casado com a bacharel em Educação


Física, Marlizi Aparecida Pereira, com quem tem um filho,
Daniel Gustavo Pereira Alves, e trabalha na assessoria de
comunicação de políticos e instituições públicas de Coari.

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