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Chimamanda Adichie, escritora nigeriana, traz em sua obra audiovisual “O perigo de

uma única história” suas experiências pessoais e reflexões provocativas a respeito


do comportamento, socialmente construído, de estereotipar uma ou qualquer
situação na qual se conhece apenas uma parte, não a história inteira. “A única
história cria estereótipos e o problema do estereótipo não é que eles sejam
mentiras, mas que eles sejam incompletos; eles fazem uma história tornar-se a
única história”, diz Chimamanda.

Nesse contexto, podemos citar o episódio em que sua mãe conta sobre a realidade
das pessoas que trabalham em sua residência ser diferente da que elas vivem
(classe média), julgando-os pobres. Porém, ao visitar a aldeia onde moravam tais
trabalhadores, Chimamanda notou que existia sim a simplicidade que sua
progenitora destacou, mas também havia união, produções artesanais e muita
riqueza cultural.

Diante dessa percepção, é possível equiparar o evento citado com situações que
ocorrem nos dias atuais, como quando pessoas que vivem em comunidades são
vistas como marginalizadas e criminosas, que sobrevivem sob condições precárias
no que diz respeito à educação e socialização. Contudo, nem todos os moradores
dessas regiões apresentam essas características estereotipadas e preconceituosas.
Em sua música “Bluesman”, Baco Exu do Blues, cantor e compositor brasileiro
conhecido por suas letras recheadas de críticas sociais, principalmente no que se
diz aos temas do povo preto e da cultura africana, fala sobre a caracterização
padronizada do jovem que mora em comunidade, fato que se torna explícito pelo
verso: “eles querem um preto com arma pra cima num clipe na favela, gritando
cocaína”, e “querem que nossa pele seja a pele do crime”, por exemplo. Posto isso,
nota-se que a generalização faz com que um atributo seja determinante para tal
camada social, acarretando em atitudes discriminatórias.

Em uma de suas histórias, Chimamanda conta que ao se mudar para os Estados


Unidos passa a dividir o dormitório da universidade com uma mulher branca, que
nas primeiras ações já demonstra um julgamento equivocado quanto a sua origem e
cultura. A jovem americana surpreende-se ao descobrir que a língua nativa da África
é a mesma que a dela (inglês) e que ambas possuem a mesma classe social e o
mesmo gosto musical. Atualmente, percebemos que a situação que a escritora
passou é muito comum, pois uma pessoa preta e/ou de origem africana é vista
como um sujeito vulnerável, e muitas vezes esse ponto de vista é acompanhado de
um pré-julgamento.

O racismo estrutural, por ser algo enraizado e influenciado pela classe dominante
(branco, nobre e patriarcal) independe da classe social que o indivíduo se enquadra.
Como Chimamanda cita com muita sabedoria, nosso meio social é formado através
do conceito de origem africana “nkali”, que significa “Ser maior que o outro”. O perfil
colocado por nós como grande influenciador dos sensos comuns têm um poder
preponderante na persuasão geral dos indivíduos de nossa sociedade, e o racismo
e a xenofobia se configuram de múltiplas formas. Por exemplo, temos casos de
jogadores de futebol pretos que apresentam uma condição socioeconômica
avantajada por conta de suas carreiras e são ofendidos com o substantivo
“macaco”. Da mesma forma, uma pessoa que sente medo ao notar um indivíduo
preto anônimo se aproximando na rua, em nosso dia a dia, involuntariamente,
devido uma herança cultural, praticam o estigma racial.

Em suma, é importante ressaltar que ao julgar pessoas e suas histórias sem o


conhecimento de suas trajetórias, considerando apenas a visão de terceiros,
acreditando na primeira notícia encontrada e sem uma busca ativa por novas fontes
que comprovem a veracidade da informação compartilhada, o sujeito viabiliza
atitudes preconceituosas. Considerar as situações de acordo com a sua visão de
mundo e percepções, levando em consideração somente suas vivências de classe
social, econômica e cultural, culmina em mais uma importante passagem trazida por
Chimamanda: “a consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas
sua dignidade; faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil;
enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como nós somos semelhantes”.

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