Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Por muitos anos, ouvimos histórias sobre o continente africano - sobre suas
guerras, desastres, doenças e fome - que se tornaram a única verdade sobre a África. É
importante saber que existem dois lados para cada história e nunca podemos ouvir
apenas um lado.
A escritora Chimamanda coloca em The Peril of One Story, uma história é criada
quando demonstramos às pessoas que elas são uma coisa, o objeto do discurso de outras
pessoas. É impossível para a escritora falar de uma única história sem falar de poder,
pois quem conta a história única é quem detém o poder, seja ele econômico, político ou
epistemológico. O poder, além de poder contar a história de outra pessoa, também torna
essa história definitiva. Para Léila Gonzalez: A hierarquia do conhecimento é resultado
da classificação racial de uma população que contribui para o privilégio social e
epistemológico da ciência eurocêntrica (Ribeiro, 2017).
Da mesma forma, Susana Galante (2010) considera que os media têm uma grande
influência na construção de histórias únicas, uma vez que fomentam a perpetuação de
estereótipos e a discriminação contra as minorias étnicas e raciais. A estrutura de
autoridade se comunica com a sociedade por meio da mídia. Na sua análise dos jornais
Públicos e, diário de Notícias, embora a sociedade portuguesa os considere jornais de
"referência", não são tendenciosos. Porque são preconceitos e estereótipos que se
traduzem na escrita.
Somos uma geração que consome muito da cultura pop estado unidense. Ele foi
influenciado pela mídia, músicas e filmes ao longo dos anos. Em 2005, com o avanço
das novas tecnologias de informação que foram surgindo, como o You tube e, em 2009,
o Facebook, e, posteriormente, outras redes sociais, o consumo tornou-se cada vez
maior e a influência e o controle sobre as vidas das pessoas aumentaram. A autora
salienta ainda que, ao atribuir a nacionalidade ou etnia a um indivíduo, o jornalista
fomenta, através de “rótulos”, a percepção das minorias enquanto grupos,
conseqüentemente, associam os indivíduos desses grupos aos mesmos comportamentos
negativos e assim anulam os indivíduos enquanto pessoas.
Durante muitos anos, a minha pobreza sobre a única história acerca do continente
africano e, principalmente, sobre o meu país de origem, São Tomé e Príncipe, fizeram
com que tivesse vergonha de ser santomense e não tivesse orgulho em ser africana.
Apesar de ter tentado inúmeras vezes enquadrar-me, a verdade é que nunca consegui
fazê-lo, até ao momento que conheci e aceitei as inúmeras histórias sobre o meu
continente.
Cheguei a Portugal com dez anos, carregada de memórias, modos de pensar, falar e agir.
A primeira dificuldade com que me deparei, foi á barreira lingüística. Diziam-me que
falava «pretuguês», um termo que desconhecia até chegar a Portugal. Descobri-me preta
e descobri-me diferente dos negros que nasceram cá. Assim, passei a ser definida por
vários “rótulos”: era uma preta africana, que falava mal o português, e burra. Durante
anos acreditei nestes “rótulos” e quis ser igual aos afro-descendentes, já que não podia
mudar de cor, falar português “correto”, gostar das coisas “fixes”, porque eram
ocidentais, e ter vergonha das minhas raízes.
Ouvia histórias únicas sobre São Tomé e Príncipe: as pessoas falavam mal porque eles
tinham sotaque, a comida era estranha e os hábitos culturais remetem para rituais tribais.
Um país que não existia no mapa. Esta era a única história que há 18 anos ouvia sobre o
continente africano, e sobre São Tomé e Príncipe, um país que foi colonizado pelos
portugueses. Na altura, não sabia questionar porque acreditava na superioridade branca,
porque a minha família me induzia a acreditar nessas mesmas verdades. Consideravam
que, para um preto ser aceito na sociedade portuguesa, tinha que agir como portugueses
brancos. Não conhecer outras histórias, as diversas histórias sobre o continente africano,
fez com que duvidasse do meu valor enquanto mulher negra e africana com influência
ocidental. São exemplos, o facto de neste mestrado não haver universalidade de autores
e obras, no qual é notória a epistemologia branca, eurocêntrica e masculina. Ou seja,
pretendo mostrar a importância de remodelar o conhecimento através de uma dimensão
epistemológica, que não exclua a raça, religião, etnia ou gênero.