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Rorschach Clínico – Manual Básico 1

TÉCNICA DE APLICAÇÃO DA PROVA DE RORSCHACH


Maria Cristina Barros Maciel Pellini

A principal virtude do método de Rorschach é geralmente situada em


seu poder de fornecer um padrão integrado de personalidade global e, em
seguida, por articular este padrão de maneira quantitativa específica, em
numerosas dimensões da personalidade. Este efeito, ainda único entre os
processos de avaliação, tornou-se possível, até certo ponto, pela maneira
que Rorschach definiu sua tarefa, a partir de um ponto de vista sistemático.
Seu interesse inicial era chegar a natureza das modalidades básicas de
funcionamento subjacentes a toda atividade psíquica de um indivíduo. Ele
foi bastante explícito enfatizando que seu alvo era descobrir “como, antes
de “o que” a pessoa experimenta. Isso significa procurar não só pelos
conteúdos específicos das preocupações, esperanças e temores mas pela
maneira através da qual estes eventos psíquicos vêm à tona, se expandem,
com ressonâncias vivas da atmosfera ao redor, ou como reações
racionalmente controladas. A preocupação é mais com o formal ou
funcional do que os aspectos do conteúdo, substantivos da personalidade.
A Prova de Rorschach envolve um processo de construção e não de
identificação de imagens. Na sucessão da apresentação dos dez cartões,
verifica-se que os borrões de tinta são bastante diferentes entre si quanto ao
nível de homogeneidade, presença do vermelho, presença de tons pastéis,
equilíbrio na disposição espacial da mancha no cartão, simetria, dispersão,
participando todas estas características de maneira mais ou menos
expressiva na elaboração das respostas.
A apresentação de uma prancha na Prova estimula diretamente a
visão que integra as experiências através dos outros sentidos e que,
conjuntamente com a audição, nos oferece uma noção da realidade. Tudo o
que acontecer a partir deste momento terá que ver com as disposições
próprias, internas e externas, do examinando: condições psicológicas,
ambiente, interesse e motivação.
Inicialmente, devemos observar que a aplicação do RORSCHACH
deve respeitar as condições básicas para a aplicação de uma prova
psicológica, quanto ao ambiente físico (sala despojada, tranqüila e bem
iluminada), estabelecimento de um “rapport”, privacidade, etc.
Recomenda-se que as aplicações sejam feitas durante o dia, sob luz
natural, mas caso não seja possível, que se disponha de boa iluminação, que
não cause sombras ou altere a percepção de cores ou tonalidades das
manchas.
Quanto a posição do examinador-examinando, recomenda-se que
seja adequada as condições do ambiente de aplicação, desde que possibilite
ao examinador visão do examinando e de suas reações corporais, bem
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como visão das pranchas e ainda, que o aplicador evite uma posição que
acarrete maior constrangimento por parte do examinando.

MATERIAL NECESSÁRIO
Além das pranchas de RORSCHACH (organizadas em ordem de I a
X), viradas sobre a mesa: 1 cronômetro; 2 folhas de localização; 2 canetas
de cores diferentes; folhas de resposta em branco (em média 10 folhas).
Este material deve ser organizado previamente pelo examinador.

PROCEDIMENTO PARA APLICAÇÃO


1. Contato inicial – “RAPPORT”
Antes da aplicação propriamente dita, faz-se necessário o contato
inicial, também denominado “rapport” entre o aplicador e o examinando.
Do “bom rapport” depende o sucesso da aplicação. O aplicador deve
propiciar um ambiente e contato acolhedor, com o objetivo de diminuir a
tensão inevitável frente á situação de prova.
Deve-se deixar claro para o examinando:
- a natureza da prova – que se trata de uma avaliação de traços de
personalidade e não mede, exclusivamente, inteligência ou qualquer
outra habilidade específica;
- que pode ser aplicado em qualquer pessoa, de qualquer idade, grau
de escolaridade, nível cultural ou sócio-econômico;
- o caráter sigiloso da prova;
- deixar claro a finalidade pela qual o examinando está se submetendo
à prova: para o aprendizado, para a pesquisa, para o diagnóstico
psicológico, para a seleção profissional, para a solicitação de outro
profissional, etc.
- no caso de situação de aprendizagem, esclarecer a função do
observador que muitas vezes acompanha o aplicador, o objetivo do
espelho, enfim as condições em que o sujeito irá se submeter.

1.1.COLETA DE DADOS:
Deve-se ser feita de modo descontraído, pelo aplicador, pois faz parte
do “rapport”, que só termina quando encerrarmos a aplicação. É importante
pesquisar:
- dados do examinando quanto: idade, data de nascimento,
naturalidade, grau de escolaridade, formação, profissão;
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- saúde: se o examinando faz uso de algum medicamento, e em caso


afirmativo, verificar se o examinando faz uso de substâncias
químicas, a freqüência e efeitos deste uso;
- disposição do examinando: indagar se está disposto (se dormiu o
suficiente na noite anterior, da aplicação, por exemplo), se está bem
alimentado. Caso o examinando esteja com muito sono ou fome, ou
ainda indisposto ou muito tenso, apesar do rapport, deve-se adiar a
aplicação;

APLICAÇÃO PROPRIAMENTE DITA:


A aplicação do RORSCHACH divide-se em duas fases: FASE DE
ASSOCIAÇÃO e FASE DE INQUÉRITO.

FASE DE ASSOCIAÇÃO:
É a fase de associação e construção livre do examinando, frente os
estímulos (pranchas) que lhe são apresentados.
Quando estiver claro para o aplicador, que coletou e forneceu todas
as informações necessárias, estabelecendo assim um “rapport” satisfatório,
dará as seguintes INSTRUÇÕES:
“Vou lhe mostrar algumas manchas de tinta e gostaria que você me
dissesse o que você vê nelas, o que essas manchas parecem para você. Não
se preocupe em acertar ou errar, porque não existem respostas certas ou
erradas, as pessoas vêem coisas completamente diferentes umas das outras
e, portanto, portanto não há certo nem errado; o importante é que você se
sinta à vontade para falar tudo aquilo que você vê nas manchas que vou
lhe mostrar. As manchas podem ser vistas em qualquer posição e vou
anotar tudo o que você disser. Anotarei também o tempo, mas não se
preocupe com o tempo pois é um controle meu, você tem o tempo que
achar necessário. Quando você terminar de ver, você me devolve a
prancha".
É importante discutir alguns pontos destas instruções:
1. Manchas - preferimos o termo "manchas" por julgá-lo mais
ambíguo e de fácil compreensão para qualquer pessoa. Alguns
autores usam termos como "cartões", "manchas de tinta",
"lâminas", "pranchas";
2. Não existem respostas certas ou erradas - normalmente as
pessoas associam a Prova de Rorschach a testes de inteligência,
onde apresentam respostas certas ou erradas, por isso é importante
ressaltar que não existem estes tipos de respostas.
Dadas essas instruções, entrega-se a Prancha I na mão do
examinando ou na mesa (caso ele(a) não pegue), acionando o cronômetro.
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O aplicador deverá então:


- anotar a movimentação da Prancha que o examinando fizer, usando o
seguinte código:
 posição "normal" - em que se entrega a Prancha.
 posição "invertida” - virada de "cabeça para baixo"
 virada para a direita do examinando
 virada para a esquerda do examinando

quando o examinando dá um giro total na figura, de


forma rápida
- anotar expressões fisionômicas, expressão corporal, comentários;
- anotar o T.R.I. (tempo de reação inicial) quando for dada a primeira
resposta da prancha (não parar o cronômetro, apenas anotar,
deixando o cronômetro ligado);
- anotar a verbalização do examinando de forma literal, embora por
vezes tal procedimento seja difícil, mas não há qualquer problema
em pedir ao examinando para repetir;
Em hipótese alguma devemos usar gravador, pois este recurso não
foi padronizado para aplicação desta prova.
- Caso após a primeira resposta para a Pr. I o examinando a devolva, o
aplicador deve estimular mais respostas:
"Você gostaria de tentar ver mais alguma coisa nessa mancha"?
- Tal procedimento pode ser repetido até a Pr. III, denominado
Estimulação, tem o objetivo de descartar a hipótese de que o
examinando "imaginar” que era para ”encontrar” um único
significado em cada mancha.
- Anotar o T.T. (tempo total da prancha) quando o examinando
devolve a prancha após as associações feitas espontaneamente ou
após a estimulação - Pr. I, II e III, mesmo que não acrescentando
nenhuma outra resposta;
- Colocar a prancha devolvida pelo examinando sobre a mesa, com a
figura virada para baixo (o examinando deve ficar com apenas um
estímulo de cada vez) e entregar a Pr. II, do mesmo modo. O
procedimento será o mesmo da Pr. I à Pr. X.

OBSERVAÇÃO:
- Caso o examinando dê muitas respostas por prancha, ou fique um
tempo demasiadamente longo de posse da mesma, podemos
interrompê-lo, gentilmente, solicitando que passe para a prancha
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seguinte. Isso pode ser feito quando o sujeito der pelo menos dez
respostas na prancha ou fique de pose dela por volta de dez minutos.
- Caso o examinando não consiga "ver nada” em qualquer uma das
pranchas ou em mais de uma delas, passa-se para a prancha seguinte,
sem insistir, pois houve uma INIBIÇÃO frente o estímulo (anotar na
folha de respostas).
Nestes casos, após a apresentação da Pr. X., deverá ser realizada a
REPASSAGEM, parcial ou total do teste, antes de iniciar a segunda
Fase de Inquérito.
Quando será feita a REPASSAGEM:
1o. Quando ocorreu Inibição em 1 ou até 3 pranchas:
- caso a Inibição tenha ocorrido frente as Prs. I à VII - reapresentar
apenas a(s) prancha(s) inibida(s), dando a seguinte instrução:
"Vou lhe mostrar novamente essa(s) mancha(s) em que você não viu
nada, quem sabe agora você vê algo nela(s)".
- caso a Inibição tenha ocorrido frente as Prs. VIII, IX ou X, repassar o
teste todo: "... com o propósito de se restabelecer o ritmo associativo
da série, o que irá facilitar a atenuação do bloqueio e a elaboração
de respostas nos estímulos às pranchas finais” (Coelho, 1997):
2o. Quando ocorreu a Inibição em mais de três pranchas, independente
de quais sejam elas, devemos repassar o teste todo:
"Vou lhe mostrar novamente as manchas para que você as observe
outra vez, e quem sabe agora veja algo naquelas que você não viu
nada anteriormente, e outras coisas naquelas que já viu antes, caso
queira".
3o. Quando o número total de respostas (nas 10 pranchas) for inferior a
15 (R<15), também devemos repassar o teste todo:
"Vou lhe mostrar novamente as manchas para que você as observe
outra vez e agora veja outras coisas além daquelas que já viu antes".
(caso não aumente a produção, iremos trabalhar apenas com as respostas
obtidas);
4o. Quando ocorreu perseveração acentuada de determinado conteúdo
ou resposta (ex.: mais da metade das respostas dadas forem de
anatomia, ou consistirem em um mesmo conceito, por exemplo
"borboleta"), devemos repassar a prova:
"Vou lhe mostrar novamente as manchas para que você as observe
outra vez, e veja outras coisas além de..."
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Em todos os casos, as instruções da REPASSAGEM, quando


necessárias, devem ser dadas com tranqüilidade pelo aplicador, como se
tratasse de um procedimento de rotina do teste; será anotado o T.R.I. e o
T.T. da mesma maneira que na primeira associação (posteriormente, na
avaliação quantitativa, serão somados apenas os tempos totais de cada Pr. e
será considerado como T.R.I. o tempo da 1a. associação).
Quando apesar da REPASSAGEM, o examinando continuar não
fazendo nenhuma associação à prancha(s) inibida(s), anotar na folha de
respostas que houve REJEIÇÃO, nas referidas Prs., para posterior
avaliação.

FASE DE INQUÉRITO
Terminada a fase de associação (com a repassagem, caso necessário, ou
não), inicia-se a fase denominada INQUÉRITO, quando serão
reapresentadas todas as pranchas ao examinando (exceto aquelas que
possivelmente ele tenha rejeitado) e lhe serão feitas algumas perguntas,
sobre as associações feitas, com o objetivo de compreender o processo de
percepção desenvolvido e a elaboração de cada resposta.
Assim, após reorganizar as pranchas em ordem (de I à X), mudar a cor
de caneta, para discriminar melhor esses dois momentos da prova, dar as
seguintes instruções:
"Vamos passar para uma nova etapa da prova. Agora eu vou mostrar-
lhe novamente as manchas e vou pedir que você me explique cada uma
das imagens que você viu. Vou fazer algumas perguntas para que eu
possa entender como você foi construindo essas imagens em sua mente.
Como que, através das manchas, você foi tendo essas idéias que você
disse".
Mostrar para o examinando a folha de localização, dizendo que
iremos utilizá-la para podermos anotar a localização das suas respostas.
Mostrar então para o examinando a Pr. I: "Aqui você disse que viu
um...mostre-me, contornando com o dedo em volta da mancha onde você
viu um...”
Anotar no mapa de localização o contorno feito pelo examinando,
obtendo-se assim a localização da resposta, ONDE o examinando
concentrou a sua percepção (MODALIDADE DA RESPOSTA), que
poderá ser na figura toda, ou em apenas parte dela.
Passar então à pesquisa de "QUAIS" características da mancha
determinaram a construção da imagem para o examinando
(DETERMINANTE DA RESPOSTA).
É a parte mais delicada e difícil, principalmente para o iniciante em
RORSCHACH e é preciso muito cuidado ao fazer as perguntas para não
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induzir o examinando, considerando-se, como exemplo de resposta: "uma


borboleta", na Pr. I, perguntar:
"O que na mancha te fez pensar em uma borboleta?"
"O que te fez lembrar uma borboleta nessa mancha?"
"Quais características da mancha que te ajudaram a pensar nela
como sendo uma borboleta?"
"Como você construiu, essa imagem de borboleta a partir da
mancha?"
Pode ainda persistir dúvidas quanto à construção da imagem por
parte do examinando ou ter-se ainda a hipótese de que outras características
da mancha também ajudaram na percepção da imagem citada. Nesse caso,
pode-se inquerir:
"Descreva-me melhor essa borboleta".
"Além do(a) ...o que mais te fez pensar em borboleta nessa
mancha?"
"Há alguma característica da mancha que te ajudou a pensar como
sendo uma borboleta?"

OBSERVAÇÃO
- todos os adjetivos utilizados pelo examinando, devem ser inquiridos:
Como por exemplo: "uma borboleta muito bonita".
"O que, na mancha te deu a idéia de ser uma borboleta muito
bonita?"
- para "nortear" o INQUÉRITO, é necessário que o aplicador,
construa hipóteses sobre os determinantes utilizados pelo
examinando, considerando:
FORMA: quando ele utiliza o contorno das manchas;
COR: quando levam em consideração as cores na construção de suas
respostas;
LUMINOSIDADE: as diferenças de tons, no interior das manchas;
MOVIMENTO: quando o examinando projeta cinestesia na
mancha, ele "sente” o movimento da mancha;
PERSPECTIVA: quando há sensação de profundidade, planos
diferentes de construção da resposta.
Evidentemente nenhuma pergunta deve ser feita de modo a induzir o
examinando, por exemplo: "A cor da mancha também te ajudou a ver...?"
Tais perguntas não devem ser feitas, pois eles irão intervir no modo pelo
qual o examinando constrói a imagem.
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- quando acontecer uma resposta vaga, ambígua ou não definida, como


por exemplo: "monstro", é preciso saber se é um monstro com
características humanas ou de animal, pedindo-se para o examinando
"explicar melhor"; o mesmo procedimento será feito quando na
associação o examinando fala "uma pessoa” e no inquérito, faz
referência apenas ao rosto, é preciso pedir-lhe que "explique
melhor";
- quando no inquérito o examinando acrescenta outras características
que não havia dito na associação, exemplo: "uma borboleta” (na
associação)...está voando (no inquérito); perguntar se ele já havia
percebido que estava "voando” antes, ou só agora;
- caso o examinando veja outras coisas no Inquérito, anota-se da
mesma forma e procede-se o inquérito na seqüência;
- se, ao final do inquérito, o examinando não tiver dado nenhuma
resposta de cor, ou seja, não tenha levado em conta nenhuma das
cores (azul, verde, vermelho, amarelo, laranja, rosa e marrom) em
nenhum momento, podemos ter hipótese de daltonismo ou cegueira
às cores; nesse caso, ao final da aplicação, apresentamos a prancha X
e solicitamos que ele nomeie as cores;
- o ideal é que a aplicação do RORSCHACH seja feita em uma única
sessão, mas caso o tempo se prolongue demasiadamente, podemos
interromper, após finda a associação, e continuar em um outro dia
(preferencialmente no dia seguinte).

1.3. ENCERRAMENTO:
Ao final do inquérito da Pr. X, proceder ao encerramento com o
examinando, de modo tranqüilo, dando espaço para que o mesmo coloque
suas impressões sobre a experiência vivida.
Agradecer sua participação e acompanhar o examinando ao sair da sala.

BIBLIOGRAFIA
COELHO, L.M.S. Epilepsia e Personalidade: Psicodiagnóstico de
Rorschach, entrevistas e anamnese heredológica em 102 examinandos.
São Paulo: Ática, 1975.
SILVEIRA, A. Prova de Rorschach: Elaboração do Psicograma. São
Paulo: EdBras, 1985.

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