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partir de Rousseau
Introdução
Tem-se nos dias atuais um mercado literário todo voltado para as crianças,
servindo tanto como instrumento de ensino, quanto entretenimento. No entanto,
esse sentimento de valorização da infância e primazia pelos conteúdos consumidos
pelos pequenos nem sempre foi uma preocupação. A partir do século XIX, um novo
olhar foi lançado para essa faixa etária, surgindo obras como Emílio ou Da
Educação, de Jean Jacques Rousseau, na qual o filósofo, defendendo o sua
concepção de “homem natural", discorre sobre a melhor forma de se educar o
homem, para que ele se desenvolva, física, psicológica e emocionalmente, se
tornando um homem pleno e livre dos vícios propagados pela sociedade da época.
Mais ao fim do século XIX e no início de século XX, especificamente na
Inglaterra, inicia-se a produção de narrativas nas quais os protagonistas são
crianças, em diferentes estágios de desenvolvimento, tendo em comum o fato de
terem sido colocadas em meio a natureza, muitas vezes sendo obrigadas a utilizar
de seu conhecimento, destreza e raciocínio para vencer seus obstáculos.
Assim, tem-se como ideia ilustrar algumas das concepções educacionais de
Rousseau, por intermédio de passagens de histórias infantis. Foram selecionadas
três obras para auxiliar a pesquisa: As travessuras de Pedro Coelho de Beatrix
Potter, O livro da selva de Rudyard Kipling e Alice no país das maravilhas de Lewis
Carroll. A escolha das obras se dá primeiramente por serem consideradas clássicas
na sociedade contemporânea e por abordarem diferentes etapas da vida dos
infantes, da tenra infância até a pré-adolescência.
Mas o que é infância?
Com exceção do anjo da guarda, de agora em diante o anjo não seria mais o
adolescente que ainda se vê nas telas de Botticelli: ele também se
transformara num pequeno Eros nu, mesmo quando, para satisfazer o pudor
pós-tridentino, sua nudez era encoberta por nuvens, vapores ou véus. A
nudez do putto conquistou até mesmo o Menino Jesus e as outras crianças
sagradas. (ARIÈS, 2014, p.62)
As crianças de Rousseau
Uma criança se torna mais preciosa na medida em que se faz mais idosa. Ao
preço de sua pessoa junta-se o dos cuidados que custou; à perda da vida
junta-se nela o sentimento da morte. É portanto no futuro que é preciso
pensar zelando pela sua conservação; é contra os males da juventude que é
preciso defendê-la, antes que a eles chegue. (ROUSSEAU, 1979,p.21)
- Escutem com atenção! Vocês podem sair para brincar no campo e podem
passear pela estrada, mas não podem entrar no terreno do velho Gregório.
Seu pai sofreu um terrível acidente na casa daquele homem. Entrou no
jardim assim, desavisado, e a esposa do velho o colocou em um ensopado.
(POTTER, 2021, p.2)
Tendo esse trecho como base, é possível perceber que mesmo em meio ao
perigo, uma criança familiarizada com a natureza é capaz de encontrar formas de se
manter a salvo. Sobre as possíveis adversidades naturais, Rousseau compreende
que:
Rousseau (1979) reitera a ideia de que a criança não seja poupada dos
possíveis perigos que a cerca, pois uma vez na fase adulta pode ser que ela fique a
mercê de seu medo, não se tornando uma pessoa corajosa.
Ao fim Pedro retorna para casa, sentindo-se cansado de sua aventura, na
qual pode-se inferir que muito se foi aprendido, pois havia comido demais, corrido
demais, passado por momentos de nervosismos, como a autora aponta no trecho:
“Na verdade é que Pedro Coelho não estava se sentindo bem. Tinha comido
demais, tinha corrido demais.” (POTTER, 2021, p.25). Por conseguinte, o
protagonista não teria sido capaz de passar por sua aventura se não tivesse o
conhecimento adquirido em meio a natureza e as suas intempéries, podendo ao fim
compreender até mesmo os resultados de toda a sua jornada, cansaço e fome, no
campo educacional, pode-se dizer que houve de fato um aprendizado. Rousseau
adverte que:
Nossa mania pedante de educar é sempre a de ensinar às crianças o que
aprenderiam muito melhor sozinhas e esquecer o que somente nós lhes
poderíamos ensinar. Haverá coisa mais tola do que o cuidado que tomamos
para ensinar-lhes a andar, como se tivéssemos visto alguém que, por
negligência de sua ama, não soubesse andar quando grande? E, ao
contrário, quanta gente vemos andando mal porque lhe ensinaram mal a
andar?
A Lei da Selva, que nunca determina algo sem um motivo, proíbe que
qualquer animal coma um homem. A exceção ocorre quando o objetivo da
matança é ensinar aos filhotes como se mata. Nessas ocasiões, deve-se
caçar fora da área de caça de seu próprio bando ou tribo. (KIPLING, 2018, p.
30)
Nessa parte da narrativa, é possível ver que o próprio autor entende que
alguns métodos de ensino são enfadonhos e desinteressantes para os estudantes.
Sobre isso, Rousseau articula sobre a questão dos livros apresentados às crianças
e como podem se desenvolver sem eles, como aponta em:
Embora sem estudar nos livros, a espécie de memória que pode ter uma
criança não permanece ociosa; tudo o que vê, tudo o que ouve a
impressiona e ela o recorda; ela registra dentro de si as ações e as palavras
dos homens; e tudo o que a cerca é o livro em que, sem pensar, ela
enriquece continuamente sua memória à espera de que seu julgamento
possa aproveitar-se disso. (ROUSSEAU, 1979, p.81)
“[...]podia vê-la muito bem através do vidro, e fez o que pôde para tentar
subir por uma das pernas da mesa, mas era escorregadia demais; tendo se
cansado de tentar, a pobre criaturinha sentou no chão e chorou. “Vamos, não
adianta nada chorar assim!” disse Alice para si mesma, num tom um tanto
áspero, “eu a aconselho a parar já!” Em geral dava conselhos muito bons
para si mesma (embora raramente os seguisse), repreendendo-se de vez
em quando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos;”
(CARROLL, 2010, p. 23-24)
Deixe-me ver: quatro vezes cinco é doze, e quatro vezes seis é treze, e
quatro vezes sete é… ai, ai! deste jeito nunca vou chegar a vinte! Mas a
Tabuada de Multiplicar não conta; vamos tentar Geografia. Londres é a
capital de Paris, e Paris é a capital de Roma, e Roma… não, está tudo
errado, eu sei! Devo ter sido trocada pela Mabel! Vou tentar recitar ‘Como
pode…’”, e de mãos cruzadas no colo, como se estivesse dando lição,
começou a recitar, mas sua voz soava rouca e estranha e as palavras não
vieram como costumavam:
“Tenho certeza de que estas não são as palavras certas”, disse a pobre
Alice, e seus olhos se encheram de lágrimas de novo enquanto continuava.
(CARROLL, 2010, p. 31-32)
Rousseau(1979) discorre sobre o homem civil e como ele falha em ter uma
relação com o todo, sendo apenas um ser funcional, utilizando seu “corpo social”.
Ele esclarece que:
Conclusão
Referências
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2014.
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas; Traduzido por: Maria Luiza X. de A.
Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2010.
KIPLING, Rudyard. Os livros da Selva. Traduzido por: Ricardo Giassetti. Ed. 1, Mojo. 2018.
POTTER, Beatrix. As aventuras de Pedro Coelho; traduzido por: Miguel Falabella; Ilustrado por: Bill
Borges. Jandira, SP; Ciranda Cultural, 2021.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou Da educação. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1979.