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DEFINIÇÃO

Abordaremos a construção social do conceito de infância por meio de uma contextualização


histórica. Para isso, destacaremos as suas especificidades no Brasil, país permeado por
desigualdades sociais que influenciam na caracterização dela em suas diferentes nuances. Por
fim, discutiremos os marcos legais para a constituição da infância no país.

PROPÓSITO
Conhecer a história da infância significa apontar questões que definem a construção da nossa
sociedade. Isso favorece um entendimento das modificações ocorridas ao longo do tempo
sobre esse tópico, além de ampliar a visão da criança em seu papel social. Esse conhecimento
também favorece a compreensão dos avanços na legislação e a problematização de possíveis
afastamentos e aproximações entre diferentes períodos históricos, destacando as diferenças
que ainda permeiam a diversidade de infâncias no contexto brasileiro.
OBJETIVOS
MÓDULO 1 MÓDULO 2 MÓDULO 3
Explicar a construção Explicar a construção Reconhecer marcos legais
social do conceito de social do conceito de importantes na
infância ao longo do infância ao longo do construção histórica da
tempo no Brasil tempo no Brasil ideia de infância no Brasil

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONCEITO


DE INFÂNCIA
Quando pensamos na palavra história, comumente a atrelamos à ideia de um passado
distante. Rememoramos, portanto, momentos que marcaram nossa jornada ou que nos
impactaram de alguma maneira, concorda?

Em alguns casos, recordamos situações que aconteceram: sentindo cheiros e sabores, fazemos
comparações entre a ideia de uma “era que já se foi” e “tempo de hoje”.
Esse movimento de refazer caminhos da memória, estabelecendo conexões entre passado e
presente (ou da infância à vida adulta), nem sempre foi tão simples assim. A infância, da
maneira que a idealizamos ou discutimos hoje em dia, nem sempre existiu.

Nesse ínterim, destaca-se o trabalho e o papel da História: ao recuperar imagens e


informações, você poderá perceber que o entendimento e a vivência sobre o que é chamado
de infância foi, ao longo do tempo, constituído de elementos bem diversos.

MAS VOCÊ SABIA QUE A IDEIA DE INFÂNCIA MUDA COM O


TEMPO, O ESPAÇO E AS TRADIÇÕES FAMILIARES?
Vamos fazer um exercício de reconhecimento.
Busque registros fotográficos de seus antepassados (pais, avós ou bisavós) quando eram mais
novos. Repare em suas vestimentas, procurando saber sobre suas vivências na infância e como
era a relação deles com os adultos. Reuna as informações coletadas, comparando-as com o
presente.

VOCÊ DEVE SABER!


As diferenças não se limitam às mudanças nos costumes e nas roupas: antigamente, a própria
visão sobre a criança também era diferente. Em determinados contextos, ela aparecia como
um "miniadulto". Essa visão permeava os contextos sociais da época, forjando uma noção de
infância modificada ao longo dos anos. Você, por exemplo, pode ter ouvido histórias de
algumas cujo passado foi maravilhoso, sendo protegido e vivenciado de uma forma especial.
Crianças que tinham uma verdadeira rede de proteção social e um quadro de projeção de
futuro e investimento familiar. No entanto, também irá conhecer histórias tristes sobre outras
que trabalhavam efetivamente ou viviam processos migratórios, sofrendo com isso. Ainda há
aquelas cuja infância foi negada ou destruída pelos motivos mais diversos. O que você vai
descobrir, a partir de agora, é que o estudo sobre a infância é algo muito mais complexo.
Na década de 1970, os estudos de
Philippe Ariès embasaram, na
América e na Europa, as discussões
sobre a infância a partir de seu
contexto social e histórico.

MAS, AFINAL, O QUE ISSO


QUERIA DIZER?

Philippe Ariès.

Especialmente na obra História social da infância e da família, de 1981, Ariès evidenciou a


importância de observarmos as necessidades específicas referentes à idade das crianças, um
dos fatos mais importantes para consolidar ideia de infância.

Relacionar algumas especificidades a um determinado momento da vida não era algo tão
natural naquela época; por isso, o autor foi considerado um dos precursores da discussão.

Ariès ainda analisou algumas imagens de famílias europeias na Idade Média,


destacando modificações evidenciadas ao longo do tempo. Afinal, como
podemos ver nas duas imagens a seguir, a passagem dele demonstra como a
relação com a criança se modificou.

Fonte: EscolaDeFilosofia.org.
ATENÇÃO!
Estudos como o de Ariès ajudaram a criar uma nova dinâmica de entendimento sobre o
conceito de criança. Nota-se que a passagem dos anos cristalizou tais mudanças na própria
percepção dos pais, da sociedade e do sistema educacional sobre o que é uma criança. Por
isso, seus estudos foram tão importantes para essa abordagem.

Com isso, começam a ser debatidos números:

ATÉ QUE IDADE DURA A INFÂNCIA E QUANDO COMEÇA A ADOLESCÊNCIA?


QUANDO UM ADULTO SE TORNA SENHOR DE SI?

Atualmente, isso pode parecer natural para você; afinal, todos sabemos a idade necessária
para abrir uma conta, obter a maioridade penal ou poder participar de cada série escolar. Isso
definitivamente está cristalizado em nossa mente, mas tais visões surgiram apenas nas
décadas de 1960 e 1970.

Vamos percorrer os caminhos delineados


por Ariès:

Seus estudos sobre a infância buscavam


perceber, pela análise de determinadas
imagens, alguns elementos específicos,
como o fato de as crianças estarem
vestidas como adultos.

O AUTOR COMPREENDIA QUE ISSO,


ALÉM DE OUTROS FATORES,
SIMBOLIZAVA UMA AUSÊNCIA DO
“SENTIMENTO DE INFÂNCIA”.

A partir de seus estudos, podemos


conceber um contexto histórico em que
diferentes conceitos de infância foram
desenvolvidos. Mesmo sendo modificados
pelo tempo, eles são vitais para a
concepção de uma sociedade.
CONTEXTO HISTÓRICO
O conceito de infância pode ser considerado historicamente recente. Os estudos sobre a sua
história podem abarcar três concepções:

Vamos entender cada uma delas de forma mais detalhada.

CRIANÇA ADULTO
Nesta concepção, que tem origem na Idade
Média, a criança era vista como um
“miniadulto”. As necessidades específicas
da faixa etária sequer eram pensadas.

Ela era tratada somente como um


pequeno ser que logo se
desenvolveria para exercer suas
funções na sociedade.

O sentimento de infância, como


conhecemos atualmente, não existia
naquele momento. Às crianças, eram
ensinados saberes necessários para que
elas se tornassem adultos civilizados.
O reflexo disso pode ser percebido nas histórias de muitos idosos; segundo seus relatos, desde
muito pequenos eles eram responsáveis por cuidar da casa e de seus irmãos mais novos, assim
como iniciavam no mercado de trabalho ainda crianças.

Na Idade Média, era muito comum o infanticídio; desse modo, a alta taxa de mortalidade de
crianças era uma questão marcante. As famílias encaravam a perda dos filhos como algo
natural, pois logo eles poderiam ser substituídos por outros.
CRIANÇA INSTITUCIONAL
Na segunda concepção, a criança passa a
ser compreendida como um indivíduo
institucional que necessita de cuidados
específicos para cada faixa etária que são
essenciais para seu desenvolvimento.

Neste período, ela passa a ser concebida


como filho(a) e aluno(a), passando a ser
tratada como criança de fato.

Regressemos um pouco mais na história


para compreendermos como tal
sentimento foi se desenvolvendo. Na
França do século XVII, a inocência e a
fragilidade são adjetivos que passam a
acompanhar essa ideia, forjando, desse
modo, o que viria a ser entendido como
“sentimento de infância”. No período, por
exemplo, passam a ser produzidas
vestimentas específicas para o público
infantil.

A ideia de amor materno e da importância dos sujeitos por si só – e não por suas funções
sociais desempenhadas – é uma questão cujo desenvolvimento foi operado na sociedade ao
longo do tempo. No final do século XVIII, por exemplo, o cuidado com os filhos já é uma
realidade em muitos lares. A partir de sua ligação com a mulher, a maternidade coloca as
crianças em evidência. O ato de cuidar, até então função das “amas de leite”, agora constitui
uma tarefa pertinente às mães de cada criança.
A dependência dos adultos surge aí como mote para a construção da criança como centro de
atenção das famílias. Ela é entendida como um sujeito que requer esforços de terceiros para
poder se tornar um adulto considerado civilizado.

Embora reconhecida
institucionalmente em suas
especificidades, a criança
ainda é considerada o sujeito
da “falta”; afinal, para ela se
tornar um cidadão, falta-lhe
conhecimento sobre o mundo
e as suas regras.
Por isso, a escolarização é valorizada.

Nesta concepção, a família moderna, núcleo institucional que acolhe essas crianças, evoca
questões sobre o controle da população e as relações de poder que reverberam um ideal de
criança – e, desse modo, as relações estabelecidas para e com elas. Entendidos como seres
irracionais que precisavam ser “preenchidos” e moldados de acordo com as exigências da
sociedade, os infantes passaram a desenvolver um papel que constituía um ideal de futuro;
por isso, sua vida precisava ser preservada, acentuando um olhar agora mais atento para as
questões ligadas à saúde e à educação.

SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos, leia a resenha “Família na contemporaneidade:
mudanças e permanências”, de Carolina M. B. de Souza (2008).

O estudo específico desta etapa trouxe à tona a preocupação com a escolarização dos
menores. Um ideal de universalização do ensino começava a ser traçado em consonância com
a (já citada) construção de um cidadão. Consequentemente, as crianças foram se afastando
cada vez mais de seus papéis ocupados nos postos de trabalho, embora saibamos que
infelizmente o trabalho infantil ainda é uma realidade em nosso país.
CRIANÇA SOCIAL
A partir do século XIX, surge uma terceira
maneira de conceber a criança: percebida
como um sujeito de direitos, ela se torna
um ser social.

Para isso, é preciso garantir seu


desenvolvimento integral por intermédio
de legislações que conferem ao Estado a
responsabilidade de oferecer a
escolarização. Passam a ser consideradas
as potencialidades das crianças, que devem
ser ativas, participativas e comunicativas,
se desenvolvendo em sua relação com o
mundo.

Traçaremos um pequeno histórico sobre essa transformação para ilustrar o aparecimento da


criança social. Nota-se que, no século XIX, havia múltiplas visões sobre ela.

Destaca-se a criança:

Diante desses casos, ela deixa de ser um elemento auxiliar e passa a figurar nas discussões da
ordem do dia, justificando, pouco a pouco, estudos, percepções, direitos e proposições na
construção desses “seres”.
É POR ISSO QUE PASSAMOS A ENTENDER A EXISTÊNCIA DE UM
UNIVERSO INFANTIL PRÓPRIO, AINDA QUE NÃO SISTEMATIZADO.
A PERCEPÇÃO SOBRE ESSAS PESQUISAS E AS TRANSFORMAÇÕES
VIVIDAS É UM DOS MÉRITOS DA PESQUISA DE ARIÈS.

A criança social é fruto de uma percepção importante de mundo. O século XX é denominado


século da infância pela maneira como ela passa a ser trabalhada e vivenciada. A criança (ou
infância) social indica a visão sobre esse período da vida como um meio próprio para ela estar
no mundo.

TENDÊNCIA
Exercitemos um pouco nosso pensamento:

VOCÊ CONSEGUE PERCEBER


RESQUÍCIOS E ELEMENTOS
DESSAS FORMAS DE TRATAR
A INFÂNCIA NO SEU DIA A
DIA?
Vamos pensar na educação dos meninos e
na maneira como, via de regra, suas
querelas devem ser solucionadas.
Quem já viu ou ouviu alguém reproduzir diante de uma criança a expressão: Homem não
chora? Ou ainda algo mais grosseiro e violento, como se você apanhar na rua, vai apanhar
novamente quando chegar a casa.

Para muitos, isso pode parecer uma realidade distante; no entanto, ainda é muito recorrente,
evidenciando um traço de nossa sociedade.

Você consegue fazer um link dessa forma de “educarmos” nossos


meninos com a história da infância?
O processo de “adultização” tão discutido e presente – ainda que detentor de uma concepção
bastante tóxica sobre o que é ser homem – é a chave desta resposta.

Você entende os debates sobre a condenação de uma criança por


seus crimes? Conhece a crítica que o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) recebe por não permitir que os pais tomem
determinados comportamentos?
Estes são alguns exemplos pertinentes para perceber que estudar história é notar o quanto
suas camadas não jazem em um passado longínquo; em vez disso, elas dialogam com o nosso
cotidiano.

No próximo módulo, vamos entender um pouco sobre essa realidade no Brasil.


AS CRIANÇAS DO BRASIL
Ao estudar o desenvolvimento da ideia de criança e infância no Brasil, precisamos estar
atentos a algumas especificidades ocorridas em nosso país.

Há diferentes maneiras de vivenciar as infâncias. Realidade em vários países, no Brasil ela não
se justifica apenas por questões históricas e culturais. Em nosso território, ela opera de acordo
com a classe social e etnia, dado o grande número de crianças negras e indígenas cujos
antepassados foram escravizados.
As escolhas para nossa exposição são teórico-metodológicas. Para isso, nos basearemos na
perspectiva da educação decolonial, já que ela busca lidar com as nossas mazelas. Nosso
objetivo é indicar maneiras de se reconhecer as características desse passado colonial,
observando como elas nos marcam e reestruturam a nossa formação.

Vista como adulto, o infante inserido no mercado de trabalho é o centro de atenção das
famílias. Negros e indígenas compõem as múltiplas facetas dessa noção de criança que ainda
carrega as marcas das diferenças que sempre permearam a história da infância. Embora
devamos levar em consideração o fato de que, no Brasil, tal história se assemelha muito à da
Europa em termos teóricos e conceituais, a perspectiva de desnaturalização do sujeito e a
exploração escravista acabam por merecer alguns destaques e um olhar mais atento.

UM DOS ASPECTOS IMPORTANTES NESSA DISCUSSÃO É A


DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS TERMOS “INFÂNCIA” E “CRIANÇA”.
Segundo Sarmento (2005):

Desse modo, podemos destacar as múltiplas infâncias que constituíram a história no Brasil,
salientando as especificidades que abarcavam (e ainda abarcam) as inúmeras que faziam parte
daqueles grupos.

No Brasil, não existe um modelo de criança, e sim dezenas de modelagens estruturais de


crianças. Podemos, contudo, identificar um traço comum segundo o entendimento das
propostas que aproximam a história desse conjunto.
Se, no entanto, tendo em vista uma perspectiva decolonial, desejarmos refletir sobre uma
história da criança no Brasil, deveremos trilhar o caminho oposto, nos concentrando em uma
concepção genérica. A música infantil, aliás, lida com essa mazela.

EXPLORAÇÃO E TRABALHO INFANTIL


Discutir sobre a criança no Brasil é falar sobre a naturalização do trabalho infantil. No período
de colonização, a exploração de crianças negras e indígenas era comum.

A QUESTÃO RELIGIOSA TRAZIDA PARA O PAÍS IMPACTOU NÃO SÓ


A VIDA DOS ADULTOS, MAS A DOS INFANTES TAMBÉM.

É possível que você esteja se perguntando: de que maneira isso ocorreu?

Entre 1500 e 1800, as crianças passaram pelo processo de catequização realizado pelos
jesuítas por serem consideradas mais acessíveis que os adultos, especialmente em termos de
doutrinação religiosa.

Atividades que envolviam o trabalho com as crianças eram predominantemente comandadas


pela Companhia de Jesus. No intuito de preservar a vida dos filhos, alguns pais aceitavam a
relação estabelecida entre eles e os jesuítas, o que, no caso, não impedia a sua escravização.
SAIBA MAIS
Para adensar a discussão, apresentando um contraponto a esse conteúdo, indicamos a leitura
da dissertação intitulada “O olhar dos jesuítas sobre a cultura indígena no Brasil – Século XVI”,
de Flávia Emília Zanini (2014).

Ignorando aspectos culturais das crianças indígenas, os colonizadores consideravam atrasados


todos os outros povos que habitavam o país, não demonstrando interesse em preservar suas
tradições culturais ou lhes oferecer educação e assistência. Desse modo, a ausência de escolas
e o trabalho escravo eram justificados por um discurso que colocava essas pessoas à margem
da sociedade estabelecida na época.

Dentro dela, a exploração infantil ocorria da seguinte forma:

Crianças Nativas
Novamente compreendidas sob uma visão servil, as crianças nativas tinham sua força de
trabalho utilizada por senhores de escravos (órfãos ou não).

Crianças do Continente Africano


Juntamente com os indígenas, as crianças vindas do continente africano eram comercializadas
e, na maioria das vezes, separadas de seus familiares. A relação entre infância, adolescência e
vida adulta era subvertida pela lógica da utilidade de sua força de trabalho.

Crianças de Famílias mais abastadas


Estas crianças vivenciavam outra realidade. Para as meninas, predominava a preocupação com
o ensino de tarefas domésticas. Já para os meninos, prevalecia o trato com escravos – assunto
“de homem”, que envolvia gerenciamento das questões do engenho. A adultização era um
mecanismo evidente em ambos os gêneros.

Nesse contexto, com a necessidade de estabelecer vínculos na tentativa de proteger tais


sujeitos, a ideia de “apadrinhamento” surgiu a fim de manter a relação e garantir a
permanência entre aqueles pares, ainda que isso não implicasse o impedimento do trabalho
escravo.

Crianças nascidas em Classes menos Favorecidas no país


Estas crianças, que não eram denominadas indígenas ou africanas, também não recebiam
tratamento diferenciado. Assim, reiterava-se nos diferentes contextos a ausência do
sentimento de infância sobre o qual se havia discutido em séculos anteriores. Quanto às
diferenças de gênero estabelecidas na época, aos meninos majoritariamente era atribuída a
carreira militar, bem como o trabalho em fábricas ou oficinas. Já para as meninas,
predominavam as tarefas domésticas.

A questão da violência também era um aspecto importante no período. Os altos


índices de criminalidade serviam de justificativa para a ideia de que o combate às
“sementes do mal” desde a infância os reduziriam significativamente (PRIORE,
2004, p. 215). A disciplina de menores envolvidos em crimes era uma
preocupação que foi sendo acentuada ao longo do século XX. Para combater
uma população infantil considerada perigosa, os jovens acusados de crimes e
delitos, ao se tornarem maiores de 14 anos, eram presos ou recebiam como
punição determinado trabalho a ser realizado.

TENDÊNCIA
Como vimos, existe um componente histórico e sociológico na relação das crianças com a
própria infância. Realidades sociais como pobreza e escravidão são componentes que exercem
influência na questão, não podendo ser ignorados. Observar o paradigma da criança no Brasil é
definitivamente uma tarefa difícil.

Você reconhece este discurso recorrente?


Ouve-se constantemente:

- A marginalidade aumentou porque as crianças não podem trabalhar;

- A maioridade tinha de diminuir;

- Esta criança faz assim por falta de castigo físico (tradição que herdamos de nossa
história).

Ou ainda:

- Está assim porque as crianças não têm a mãe em casa, é a ausência do modelo
tradicional que leva a esse quadro confuso em que nós vivemos.

Recente em nossa história, a análise sobre a forma de se lidar com a criança e o adolescente
será objeto do próximo módulo, mas a conexão entre os problemas deste e do próximo pode
ser sistematizada e provocada a partir das ações políticas pensadas.
Você já ouviu falar do Estatuto da Criança e do Adolescente no
Brasil (ECA)?
Vamos ver o que um especialista tem a nos dizer sobre a sua história nas terras do Brasil.
AS PRIMEIRAS LEGISLAÇÕES SOBRE A
INFÂNCIA NO BRASIL
Uma das primeiras leis que
visava a garantir o direito das
crianças, a Lei nº 2040,
conhecida como “Lei do
Ventre Livre”, foi promulgada
em 1871 para garantir que as
crianças nascessem livres,
além de vetar a compra e
venda daquelas menores de
12 anos.
Esta lei constitui um dos grandes avanços
do período escravocrata; embora não
impedisse o trabalho infantil, ela foi um
marco precursor para a produção de outras
leis e políticas que tratavam da proteção
das crianças.
A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A
INFÂNCIA NO BRASIL
A educação passa a ser
reconhecida como direito
social somente a partir da
Constituição Federal de 1988,
quando o Estado assume a
obrigação legal de oferecer
para todos uma que seja de
qualidade.

Antes disso, a educação pública já existia, mas era compreendida como uma assistência aos
que não podiam pagar, enquanto o ingresso nas escolas não era facilitado para as classes mais
populares, havendo pouca oferta de vagas e acesso limitado à informação.
O documento não se limita a anunciar direitos, representando um grande avanço ao nomear
os responsáveis por seu cumprimento.

A família, o poder público e a sociedade, em geral, possuem deveres com as crianças e os


adolescentes do país. Portanto, mais que o direito à educação, esse público deve estar
matriculado na escola – e isso se trata de uma obrigação legal.

ATENÇÃO!
O poder público não pode se negar à oferta de educação, assim como os familiares e a
comunidade não podem deixar de cumprir tal obrigação.
A Constituição Federal também prevê:

A obrigatoriedade do Estado
na oferta de vagas em
creches e pré-escolas ao
declarar como direito dos
trabalhadores a assistência
gratuita de seus filhos e
dependentes até os cinco
anos de idade. No entanto,
seu caráter assistencialista
ainda persiste, sendo uma das
questões mais discutidas no
campo da educação infantil.

Nesse aspecto, a Lei nº 9.394/1996 – denominada Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional (LDB) – amplia a discussão sobre a educação infantil para
além de um caráter assistencialista até então apresentado nas políticas púbicas.
Para isso, a LDB a reafirma como primeira etapa da educação básica, cuja
finalidade é o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social. Ela constitui, portanto, um complemento da ação
da família e da comunidade.

A LDB ainda regulamenta as seguintes questões de acesso. Vejamos:


No ano de 2013, foi promulgada a Lei nº 12.796/2013, que altera a LDB para incluir a
obrigatoriedade de matrícula das crianças de quatro anos na educação infantil.
A frequência passa então a ser exigida em consonância com a
carga horária estabelecida de 200 dias letivos. O que antes era
facultativo aos pais, passa agora a ser um dever.
De acordo com a Unicef, o Brasil é um dos países com legislação mais avançada no mundo no
que diz respeito à infância e à adolescência. Entretanto, a legislação ainda não conseguiu
superar suas desigualdades sociais, geográficas e étnicas.

SAIBA MAIS
Veja a contextualização histórica do atendimento à infância no Brasil (1889-1985).
A história da infância é construída, ao longo do tempo, de acordo com seu contexto social e
sua época. A concepção de infância, entre outras diferenças registradas, é por vezes
modificada, suscitando tanto concepções de um sujeito com características próprias, segundo
as quais se constroem possibilidades de um futuro, quanto a noção de criança como um
miniadulto.

Conforme os estudos na área foram se aprofundando, houve a modificação desses conceitos e


foi dado um destaque às diferentes infâncias vivenciadas no Brasil. A diferença entre negros,
indígenas, meninos e meninas traçava a visão de um sujeito à margem da sociedade em que o
único tipo educação acessível era a cristã (por parte dos jesuítas). Entretanto, o trato com
crianças brancas e provenientes de famílias mais abastadas já oferecia um olhar diferenciado
em relação à educação, ainda que a adultização das crianças ainda fosse um fator presente em
suas diferentes formas.

Com o avanço dos estudos na área e a necessidade de garantir direitos para esses sujeitos,
surgia uma série de políticas públicas construídas em prol dos pequenos: a Lei do Ventre Livre,
que garantia, desde o nascimento, a não escravização das crianças de outra etnia ou as menos
favorecidas; a Constituição Federal de 1988, que tornava obrigação legal do Estado o amparo à
educação delas; o ECA, que se apresentava como mecanismo de garantia da proteção e dos
direitos das crianças e dos adolescentes; e, por fim, a LDB, que impõe a obrigatoriedade de
matrícula delas em creches e escolas. Elas constituem, nesse âmbito, os principais marcos
alcançados.

Pudemos então perceber os avanços e as modificações que circundam a história da infância e


das crianças, identificando os principais pontos que a compõem. Consideramos que este
assunto continua produzindo sentidos constantemente, além de abarcar questões de
diferença, conquista de espaço e legitimação de um período marcado por suas especificidades.
CONQUISTAS OBTIDAS
• Assimilou a construção social do conceito de infância ao longo do tempo.

• Identificou as diferenças históricas sobre a ideia de criança no Brasil.

• Reconheceu marcos legais importantes na construção histórica da ideia de infância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

BARBOSA, A. A.; MAGALHÃES, M.G.D. A concepção de infância na visão de Philippe Ariès e sua
relação com as políticas públicas para a infância. In: Revista eletrônica de Ciências Sociais,
História e Relações Internacionais, v. 1, n.1, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. altera a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos
profissionais da educação e dá outras providências. Brasília, 2013.

BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Brasília, 1996.

PEREZ, J. R. R.; PASSONE, E. F. Políticas Sociais de Atendimento às Crianças e aos Adolescentes


no Brasil. In: Cadernos de Pesquisa, v.40, n.140, maio/ago. 2010

PRIORE, M. (Org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.

SARMENTO, M. J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. In:


Revista Educação e Sociedade. v. 26. n. 91. Campinas, 2005. p. 361-378.

EXPLORE +
• Assista ao vídeo: Concepções de infância na história.

• Leia o texto: A concepção de infância na visão de Philippe Ariès e sua relação com as
políticas públicas para a infância.

• Leia o texto “Situação das crianças e dos adolescentes no Brasil” para se aprofundar no
assunto.

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