Você está na página 1de 23

Introdução

Precisamos compreender brevemente o contexto histórico da educação


infantil no Brasil. Nunes e Leite Filho (2013) explicam que:
“Nem sempre se teve no Brasil uma legislação específica sobre a infância e
a educação das crianças pequenas, o que permite dizer que, por muitos
séculos, não se reconheceu o acesso às instituições de educação
destinadas a pré-escolares como um direito, seja ele da mãe ou da criança
pequena, mas sim como um favor. ”
(NUNES; LEITE FILHO, 2013, p. 68)

Não existia uma legislação que, de forma mais clara, pensasse sobre os
direitos das crianças, assim como também não havia parâmetros mais
concretos para o funcionamento dessas instituições nem critérios mínimos
para a formação dos educadores infantis.

Atenção

Neste período emblemático, as creches são descritas por muitos autores


como um “mal necessário”. Elas atendiam, em sua maioria, os filhos das
mulheres da classe trabalhadora. Os jardins de infância (ou pré-escolas),
por sua vez, atuavam como uma preparação dos filhos das classes mais
abastadas para a vida escolar.
Tais instituições dividiam-se da seguinte forma:

Podemos observar que as instituições infantis ainda não eram


responsabilidade do Estado, que deveria apenas fiscalizá-las.
Desse modo, não havia uma formação mínima exigida para atuar com as
crianças pequenas, como podemos observar na Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) tanto de 1961 quanto de 1971: nos dois períodos, não há qualquer
menção à formação do educador para atuar com as crianças pequenas.

Saiba Mais

No Brasil, a educação infantil, desde o seu surgimento até o final do século


XX, esteve vinculada a funções assistencialistas para atender a uma
demanda social por espaços nos quais as crianças pequenas (de zero a
sete anos) permaneciam até atingir a idade escola.

A educação no Brasil tem uma tradição assistencialista quando falamos


dos mais pobres: primeiramente, em relação aos órfãos, cujos abrigos
davam rudimentos de educação; em seguida, com uma assistência para
mulheres que precisavam trabalhar e não tinham onde deixar seus filhos.
Repare que o foco não era a educação infantil, e sim a prestação de algum
tipo de assistência.

O que aproxima a educação infantil do assistencialismo é a tradição de


caridade cristã; por isso, ele tende a ser reproduzido, mesmo quando se
tentam inovações importantes.

A relação assistencialista também é percebida nas ações


governamentais. Por exemplo, o cuidado com as crianças e a sua
educação somente surge na legislação do período do Estado Novo,
quando um fundo assistencial é criado para elas. Este sistema era
chamado de caixas públicas, cujos recursos assistenciais eram buscados
a fim de conseguir tratamento de saúde para essa faixa etária ou para
colocá-la na escola.

A educação voltada às crianças pobres não era entendida como um


processo de transformação (ou reinstrumentalização social), e sim
como políticas que pretendiam gerar, por meio do assistencialismo, um
início de mudança. Apesar da organização do Ministério da Educação e
das Leis de Diretrizes e Bases, este modelo assistencialista continuou a
existir.
Para conhecer um pouco mais essa história da tradição assistencial no
Brasil você pode ler alguns artigos indicados no Explore +.

Existiam pedagogos no Brasil? Sim!

Os primeiros cursos de Pedagogia são do início do século XX. Contudo,


os pedagogos estavam em seus gabinetes; portanto, a educação era seu
objeto de estudo em vez de sua área de atuação. Até poderia haver
pedagogos atuando em grandes escolas, mas nunca na relação direta
com as crianças.

Visibilidade e legitimidade da infância

Você deve estar se perguntando:


Quando a infância se tornou legítima e visível aos profissionais e às
instituições que atendem crianças pequenas?

Legítima
Torna-se legítima significa reconhecer direitos e especificidades,
expressando, de forma mais viva, a necessidade de proteção à criança.

Visível
Ser visível é debruçar-se sobre as características singulares da infância
social psicológica e pedagogicamente.

A seguir, apresentaremos os marcos legais que lhes trouxeram visibilidade


e legitimidade.
Constituição Federal de 1988

A partir da Constituição Federal de 1988, o processo de legitimação da


infância e, consequentemente, do educador infantil começou a tomar
forma. Um novo olhar é lançado sobre as crianças, percebendo-as
como sujeitos de direito.

Nunes e Leite Filho (2013) salientam que, a partir da Constituição de 1988, ocorre
o reconhecimento da educação infantil como um direito delas, enquanto
a creche e a pré-escola passam a ser identificadas como instituições infantis.

Leia o artigo 208, incisos I e IV


Vale destacar que ainda não havia qualquer obrigatoriedade legal quanto
à formação mínima para a atuação na educação infantil.

Sujeitos de direitos
Crianças ou jovens protegidos integralmente pela lei e capazes de
exercer direitos em nome próprio. Este termo só passou a ser
efetivamente considerado no país a partir da vigência do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) no ano de 1990.

Fonte: Rede peteca – chega de trabalho infantil.

Artigo 208, incisos I e IV


Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17


(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)


anos de idade;

Fonte: Constituição Federal de 1988.


Lei nº 9.394/1996 (Diretrizes e Bases da Educação)

Ainda em vigor, a LDB n° 9.394/1996 deu continuidade ao processo de


legitimação dos direitos da criança segundo o viés escolar. A formação dos
educadores infantis finalmente é mencionada, garantindo a figura da
professora na educação infantil, e não apenas a das cuidadoras.
A formação mínima exigida para o professor de educação infantil passa a ser:

• Licenciatura plena (nível superior);


• Curso Normal (nível médio).

Leia o artigo 62

Art. 62
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Fonte: (BRASIL, 1996 ).

Lei nº 12.014, de 2009

A Lei nº 12.014/2009 alterou trechos do texto da LDB de 1996. Em seu


artigo 61, ela reforça a necessidade da inclusão no quadro da escola de
um professor habilitado na educação infantil e considera como
profissionais da educação outros integrantes do corpo escolar, como
técnicos, supervisores, orientadores e auxiliares de creche, os quais,
mesmo sem formação específica, têm atuado ao longo do tempo em
instituições infantis.
Isso determina, contudo, que eles possuam uma formação mínima para a
função que exercem. Ao apontar a necessidade do diploma, a Lei nº
12.014 acaba incentivando a formação desses profissionais.
Leia o artigo 61

Art. 61
Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela
estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos
reconhecidos, são:

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na


educação infantil e nos ensinos fundamental e médio.

II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com


habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e
orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado
nas mesmas áreas;

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico


ou superior em área pedagógica ou afim.

Fonte: (BRASIL, 2006 ).

QUEM FOI O RESPONSÁVEL PELO PROJETO DE LEI QUE FUNDAMENTA A


EDUCAÇÃO NACIONAL?

O então senador Darcy Ribeiro foi o autor do projeto. Seu trabalho


transformador fez com que a LDB seja também chamada de Lei Darcy Ribeiro.

Darcy Ribeiro
Foi um antropólogo, escritor e político brasileiro, conhecido por seu foco
em relação à educação no país.

Quando o jardim de infância e a creche se equiparam, temos então um


novo olhar sobre a educação: agora, educar e cuidar se fundem.
Introdução
Educar e cuidar são fundamentais na educação infantil.

Porém, antes de esmiuçarmos esse conceito, precisamos compreender


quais valores eram considerados importantes para quem trabalhava com
crianças pequenas antes da promulgação da LDB nº 9.394/96, lei
responsável por definir a formação mínima do educador infantil.
Em outras palavras, buscavam-se profissionais que substituíssem
parcialmente a figura materna.

Muitos dos valores citados acima ainda são, mesmo que de forma
indireta, considerados importantes para alguns empregadores.

Você sabe por quê?


Porque ainda vivemos o processo de desconstrução de um conceito
histórico de infância e de educador infantil ainda muito voltado para o
assistencialismo e a visão da escola (em especial, as creches) como uma
extensão da casa e da família.

Cuidar e Educar

Conforme sinalizamos no módulo anterior, cuidar e educar eram vistos


como pontos separados. No contexto histórico apresentado, podemos
observar que:

Creches
Instituições filantrópicas que atendiam os filhos das trabalhadoras da
classe baixa.
Jardins de infância
Cuidavam das crianças da classe média, a partir dos quatro anos de idade,
como preparo para a vida escolar.

Com a interferência do Estado nos espaços infantis, definindo creches e


pré-escolas (ou jardins de infância) como espaços de educação infantil,
além da formação dos educadores estabelecida pela LDB nº
9.394/96, temos a junção do cuidar, antes atribuído às creches, com o
educar, voltado para as pré-escolas.

Você sabe a consequência disso?

Ambos passam a ser competências igualmente fundamentais para o


trabalho do educador infantil. Com a valorização da figura
do professor na educação infantil e as definições mais claras de sua
formação, podemos dizer que o educar e o cuidar constituem
as premissas do seu trabalho.

Vamos analisar as mudanças da LDB:


Dessa maneira, a indissociabilidade entre tais atos corrobora uma visão
ampla da criança, respeitando diferentes saberes e contextos sociais e
familiares, além das formas de pensar, sentir e viver.

Vamos refletir mais um pouco sobre a impossibilidade da separação de


ambos, especificando, para isso, suas definições e contribuições para a
qualidade do trabalho com crianças pequenas.

Definindo as crianças enquanto sujeitos de direitos, Lima e Vendas (2017)


falam sobre um cuidar que não se atenha apenas aos cuidados físicos,
indicando a escuta como uma de suas formas de atuação.

“Temos então um cuidado que não é só físico – sem deixar de também ser
– mas que é um cuidado com o ser humano, com o indivíduo que está
conosco e necessita de nós tanto quanto nós dele. Este ser humano,
detentor de direitos, pode ser criança. Somos nós, adultos educadores,
sujeitos em interação com as crianças, que são também sujeitos. Quando
escutamos nossas crianças, respeitamos e valorizamos o que elas já
sabem, isso é cuidado. ”
(LIMA & VENDAS, 2017, p.58).

Ao analisarmos o Referencial Curricular Nacional para a Educação


Infantil (RCNEI), de 1998, podemos destacar dois pontos importantes:

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)


Nas últimas décadas, os debates em nível nacional e internacional
destacam a necessidade de as instituições de educação infantil
incorporarem, de maneira integrada, as duas funções, não mais
diferenciando nem hierarquizando os profissionais e as instituições que
atuam com crianças pequenas e/ou maiores.

Fonte: (BRASIL, 1998)

PREMISSAS DO
Premissas do Trabalho do Educador Infantil

Educadores infantis precisam construir trajetos formadores que


possibilitem aos educandos o desenvolvimento de suas capacidades,
zelando, ao mesmo tempo, por sua segurança e pelos sentimentos
envolvidos.

Todas as crianças devem ser estimuladas para o desenvolvimento dos


seguintes atributos:

Sensoriais
Visão, audição, olfato, paladar e tato.

Linguagem verbal e não verbal


Gestos, vocalizações e palavras.
Estabeleceremos, a seguir, algumas premissas do trabalho do educador
infantil. Perceba como sua atuação está relacionada a cuidar e educar:
Reflexão
Apesar de a educação infantil ser uma fase essencial para o
desenvolvimento e de os educadores precisarem de uma formação
adequada, o Brasil ainda apresenta professores que estudaram só até o
ensino fundamental ou médio.
Leia este matéria de O Globo: 35% dos professores de educação infantil
não têm diploma; entenda a importância da formação em pedagogia. Em
seguida, reflita sobre a importância da graduação para a qualidade do
ensino infantil.
Identidade do Educador
Apresentaremos algumas situações hipotéticas cujos fatores constituem
a identidade do educador. Após a leitura, reflita sobre elas, buscando em sua
memória escolar (seja como aluno, responsável, professor ou algum outro
papel já desempenhado) vivências que se assemelhem às descritas a seguir:
Ao refletir sobre essas situações, você conseguiu encontrar
vivências próximas às suas ou conhece relatos que se
enquadrem nesses cenários?
Tais reflexões são importantes para compreendermos a complexidade
da formação docente.

Saber Docente
A partir das reflexões que você fez sobre as situações hipotéticas, é
possível correlacionar os diferentes saberes docentes que constituem a
identidade do professor. Mas, primeiramente, precisamos conceituar a
expressão saber docente.

Para Maurice Tardif, a identidade docente vai se construindo, além da


formação básica do professor, a partir de diversos fatores, como as
situações hipotéticas às quais você foi apresentado.

Maurice Tardif
Importante filósofo e sociólogo canadense, ele tem suas pesquisas
voltadas para a área da formação de professores e da profissão docente,
sendo uma referência no assunto.

“O saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa


e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história
profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os
outros atores escolares na escola etc. Por isso, é necessário estudá-lo,
relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente. ”
(TARDIF, 2008, p. 11)

Em Saberes docentes e formação profissional, Tardif (2008) classifica


tais saberes da seguinte forma:

Saberes docentes e formação profissional


Esta obra de Maurice Tardif discorre sobre os saberes docentes e a sua
relação com a formação profissional dos professores.
Saberes da formação profissional
Conhecimentos científicos adquiridos durante o processo de formação
inicial ou continuada. Engloba também os conhecimentos
pedagógicos, relacionados aos métodos de ensino.

Saberes disciplinares
Saberes específicos de um campo do conhecimento.

Saberes curriculares
Objetivos, conteúdos e métodos próprios dos programas
escolares, específicos de cada instituição educacional, que o professor
deve apropriar-se deles.

Saberes experienciais
Conhecimentos adquiridos a partir do exercício do magistério, da
própria trajetória profissional.

Em suma, Tardif (2008) define o saber docente como um grupo


de fatores que interfere na formação e nas práticas dos
professores.

Com tudo que vimos até agora, podemos chegar a uma conclusão:

O professor é um profissional em constante formação.

Na educação infantil, isso é ainda mais evidente, principalmente devido


às recentes reconfigurações do campo de ensino.

Atenção

A formação mínima para o profissional que atua na educação infantil foi


definida nas últimas décadas. Outros avanços neste campo, como a
promulgação de direitos mais claros da infância, também se configuram a
partir do final do século XX.

O que Paulo Freire, patrono da Educação brasileira, falava sobre o saber


docente?

Paulo Freire
Importante educador e filósofo brasileiro, Freire destacou-se por seu
trabalho na área da educação popular e suas inovações nos métodos de
alfabetização.

Foi declarado patrono da educação brasileira por conta de suas grandes


contribuições no campo da educação.

“Não existe ensinar sem aprender”.


(PAULO FREIRE, 2012, p.57)

Segundo Paulo Freire (2012), o professor aprende:

NO DIA A DIA

Com a autoavaliação das práticas, cotidianamente com seus alunos,


revendo suas propostas, com seu planejamento, refletindo sobre suas
escolhas e ações.

TROCANDO INFORMAÇÕES COM SEUS PARES

A troca de informações também é um diferencial, pois permite ampliar


propostas, trazer novas ideias e manter um trabalho mais integrado e
dinâmico.
FORMAÇÃO CONTINUADA

É fundamental, pois o educador infantil precisa se manter sempre atualizado,


buscar formações e cursos, refletir sobre as mudanças no campo pedagógico,
as novas tendências e tudo mais que puder ampliar seus conhecimentos e
favorecer a qualidade do seu trabalho com as crianças.

Sobre esse tema, Paulo Freire, em Professora, sim; tia, não (2012), salienta a
necessidade de os educadores buscarem conhecer a realidade de seus alunos.

Professora, sim; tia, não

Este livro oferece reflexões para o crescimento e valorização profissional


dos educadores infantis.

“Creio que a questão fundamental diante de que devemos estar,


educadoras e educadores, bastante lúcidos e cada vez mais competentes
é que nossas relações com os educandos são um dos caminhos de que
dispomos para exercer nossa intervenção na realidade a curto e a longo
prazo. [...] Procurar conhecer a realidade em que vivem nossos alunos é
um dever entre outros que a prática educativa nos impõe. Sem conhecer a
realidade de nossos alunos, não temos acesso à maneira como pensam,
dificilmente podemos saber o que sabem e como sabem. ”
(FREIRE, 2012, p. 152)

Você sabia que a questão levantada por Freire ainda é muito atual?

Na sociedade moderna, tão voraz e em constante transição, o contexto no


qual as crianças vivem, socializam, interagem e se manifestam fala muito
sobre a forma e o conteúdo aprendidos. Desse modo, os interesses delas,
suas famílias, suas relações e o seu ambiente constituem pontos relevantes.
Atenção

O educador infantil deve estar atento a essas questões. Estabelecer uma


relação de respeito, confiança e afeto em relação à identidade da criança
é um diferencial para o professor poder atuar na formação integral dela.

Você também pode gostar