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SILVIO LOBO FILHO

A JUDICIALIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE


EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – CURSO DE DOUTORADO
CAMPO GRANDE - MS
2010
SILVIO LOBO FILHO

A JUDICIALIZAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE


EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO

Tese apresentada como exigência parcial para obtenção


do grau de Doutor em Educação à Comissão Julgadora
do Programa de Pós-Graduação em Educação – Curso
de Doutorado da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, sob a orientação do Professor Doutor Antônio
Carlos do Nascimento Osório.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – CURSO DE DOUTORADO
CAMPO GRANDE - MS
2010
COMISSÃO JULGADORA

________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório

_________________________________________
Profª. Drª. Soraia Freitas

________________________________________
Profª. Drª. Inara Barbosa Leão

_________________________________________
Profª. Drª. Marilda Moraes Garcia Bruno

_________________________________________
Profª Drª Jacira Helena do Valle Pereira

_________________________________________
Profª Drª Alda Maria do Nascimento Osório
AGRADECIMENTOS

In memorian

A quem, com seu carinho, dedicação e amor, me criou e ensinou-me valores e princípios para o exercício de
uma vida digna, Umbelina Correa da Costa, minha querida vó Bila (1982)
Ao meu pai, Silvio Lobo, exemplo de luta e conquistas em seu campo de trabalho, a Noroeste do Brasil.
(1990)
À minha querida irmã Zacil Correa Lobo, minha secretária no escritório de advocacia, onde prestou sempre
seus serviços com entusiasmo e atenção (2000)
À minha querida irmã Silza Lobo Dias, pedagoga e orientadora educacional, com uma vida prestada à
educação. (2002)
À minha querida irmã Elcy Correa Lobo, minha colega de turma da Escola Normal nos idos de 1965/66/67,
professora sempre dedicada à escola primária que, de forma prematura, foi levada desta vida. (2009)
À minha sogra Lucrecia Gonçalves Dias. Sua voz foi emudecida, seu sorriso apagou-se na abrupta surpresa do
seu passamento. Ficou o inconformismo e o espírito irresignável com o sistema de saúde do País, deficiente e mal
administrado. Até quando? (2009)
Ao meu tio Joca e minha prima Graça, lá da ilha de Florianópolis, com quem passamos tantos verões nas belas
praias catarinenses. (2008, 2009)
Ao meu sobrinho Robson Oliveira, sempre amigo e prestativo, mais uma vítima das estradas do Brasil (2009)
À minha mãezinha querida, professora Elza Corrêa da Costa Lobo, normalista, pedagoga, diretora de Escola
que, no leito do Hospital, soube da minha qualificação, mas o destino não permitiu estar presente para assistir à defesa
desta tese (9/março/2010)
5

Dedico estes estudos...

À minha amada esposa Marlene Conceição Gonçalves Dias Lobo, meus queridos filhos Silvio Lobo Neto e Ygor Fillip
Dias Lobo, pelo sacrifício a que vos impingi nos longos meses e anos de doutorado, período em que não me foi possível dar-vos a
atenção devida, o carinho e o amor na convivência dos nossos dias. Obrigado pela compreensão, amor e pelo estímulo nos momentos
em que o cansaço afrontou minh’alma e emudeceu meu espírito.
Às minhas queridas filhas Sylvia Raíssa de Vasconcelos Lobo Melo, Keila Priscila de Vasconcelos Lobo Catan, Leíse
Mirelle de Vasconcelos Lobo, aos meus genros José Carlos Catan, Augusmar Vieira Melo e aos meus netos Rayanne, Kalline, Gabriel
e Murilo, pelo sempre presente amor, carinho e incentivo.
Ao meu compadre e amigo João Baptista de Mesquita, colega de longos anos de Universidade, que sempre confiou em
meu trabalho e me apoiou em minhas iniciativas de estudo e carreira profissional.
Aos meus pares do Conselho Regional de Educação Física, CREF 11- MS/MT, especialmente Marcelo Ferreira Miranda e
Domingos Sávio, meus ex-alunos e hoje respeitáveis colegas profissionais, autoridades do mundo da Educação Física; o primeiro,
Conselheiro do Conselho Federal de Educação Física; o segundo, Presidente do CREF 11, pelas constantes palavras de amizade e pela
torcida nesta minha caminhada.
Aos meus ex-alunos João Batista da Rocha e sua esposa Rose, companheiros e amigos sempre presentes. Ele, vereador,
que em sua primeira viagem ao mundo político, soube capitanear a nau pelo “cabo das tormentas” da política, conseguindo contorná-lo
e colher novas especiarias com o jeito honesto de fazer política.
Aos meus colegas do Grupo de Estudos e Investigação Acadêmica nos “Referenciais Foucaultianos”, GEIARF, pelos
semanais debates, concordâncias e discordâncias, leituras e aproximações, apoio e impulso estimulante no Mestrado e Doutorado.
Aos colegas professores do Departamento de Educação Física, local da minha lotação por 30 anos de ensino universitário.
Aos meus colegas professores da Faculdade de Direito, local da minha lotação há cinco anos, e ao Curso de Direito, pelos
seus alunos, aos quais ministro disciplinas desde sua criação.
Aos meus professores do Doutorado pelos ensinamentos, mediação, auxilio, e, sobretudo, por abrir-me novos portais do
conhecimento.
À secretária do Programa de Pós-Graduação em Educação, Jaqueline Mesquita e seus auxiliares, que jamais me negou um
só pedido administrativo, atendendo-me com carinho e atenção.

À Banca Examinadora deste Doutorado, Profª. Drª. Soraia Freitas, Profª.


Drª. Marilda Moraes Garcia Bruno, Profª. Drª. Inara Barbosa Leão, Profª
Drª Jacira Helena do Valle Pereira; Profª Drª Alda Maria do Nascimento
Osório, pelas importantes sugestões e contribuições a esta tese.

Ao Prof. Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório, especiais


agradecimentos pela orientação, estímulo e compreensão pelos grandes
problemas particulares por mim vividos ao longo do Curso de Doutorado.

À DEUS, NO INFINITO DA SUA BONDADE, POR ATENDER-ME SEMPRE EM


MINHAS SÚPLICAS CONCEDENDO-ME SUAS BENÇÃOS E PROTEÇÃO.

Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé... (II Timóteo 4:7)
6

[...] institucionalizou-se a corrupção, desordem, desrespeito às leis e à Constituição da


República, mostras da ocorrência de um anarquismo legalista funcional. (LOBO FILHO,
Silvio, 2010)
7

O
grande Mestre Rui Barbosa nos ensinou que um povo cuja fé se petrificou é um
povo cuja liberdade se perdeu. Daí a grande lição sobre o inconformismo com a
situação do Brasil, ao afirmar:

Sinto vergonha de mim, por ter sido educador de parte deste povo, por ter batalhado
sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade, e por ver
este povo já chamado varonil, enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim, por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela
liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente a derrota
das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência
com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o ‘eu’ feliz a
qualquer custo, buscando a tal ‘felicidade’ em caminhos eivados de desrespeito para com o
seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo a tantas
desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um
erro cometido, a tantos ‘floreios’ para justificar atos criminosos, a tanta relutância em
esquecer a antiga posição de sempre ‘contestar’, voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim, pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por
caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do
meu cansaço.
Não tenho para onde ir, pois amo este meu chão, vibro ao ouvir o meu hino e jamais usei a
minha bandeira para enxugar o meu suor, ou enrolar o meu corpo na pecaminosa
manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo deste mundo!
‘De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a
desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto’.
RESUMO

Este estudo tem como vertente epistemológica a arqueogenealogia de Michel Foucault, em


seus pressupostos teóricos metodológicos, tendo como ponto de apoio às questões pertinentes
a subjetivação das relações de saber/poder e como temática a judicialização da educação em
sua aplicação, como instrumento de efetivação dos direitos à educação. Por intermédio da
análise do discurso tenta compreender as relações, inter-relações, articulações e correlações
enunciativas, sob regras determinadas por práticas discursivas e não-discursivas que
emolduraram esta formação discursiva da judicialização da educação, validando-a com
possibilidades de emergência. Contesta a cumplicidade saber/poder fundada na razão e sua
validade e pertinência, articulando o pensamento criativo com uma prática de análise e
desvelamento da verdade racionalista, revendo os caminhos e possibilidades do agir do
sujeito, ante o caráter sistêmico desumanizador e repressivo dos saberes e dos aparelhos
sociais envolvidos. Promove a dessacralização da inserção do direito na sociedade de controle
como paradigma norteador de normalização e controle, revelando e rejeitando os eixos de
coerção das suas coordenadas teóricas. Revela e desconstrói o ambicioso, autoritário e
paternalista plano de supressão da cidadania dos hipossuficientes, que vem sendo
redistribuída pela construção de uma cidadania pela via institucional do Poder Judiciário e do
Ministério Público, na qual está engastada a supressão da liberdade, dignidade, justiça e
cidadania do sujeito pelo caminho da judicialização. Explicita a hegemonia da racionalidade
que dominou a era moderna, atrelado ao desenvolvimento econômico e suas imposições
políticas, reafirmando o imaginário e o emocional, pela revalorização do singular concreto
contra a dominação do universal abstrato, normativista e legislador. O Direito é um dos mais
novos discursos de apaziguamento das contradições sociais e surge neste momento como uma
estratégia aprimorada e restabelecedora das possíveis dimensões do saber/poder.

Palavras chave – Judicialização da educação, Direito; Arqueogenealogia.


ABSTRACT

This study has, as its epistemological basis, the archeogenealogy by Michel Foucault, in his
theoretical methodology, having as its point of support issues pertaining to the subjectivity of
relations of knowledge/power and as legalization theme issues about education in its
application as an instrument of realization of the educational rights. The analysis of the
discourse attempts to understand the relationships, interrelationships, linkages and
correlations of utterance under determined rules by discursive and non-discursive framed, this
discursive formation of the educational legalization, validating it with an emergent
possibilities. To deny the complicity between power/knowledge based upon reason and its
validity and relevance, articulating creative thinking with a practical analysis and revealing
the true rationalist, reviewing the ways and the subject action possibilities against the
repressive and dehumanizing systemic character of knowledge and the social stuffs involved.
To promote the insertion of the desecration law in the control of the society as a paradigm to
guide the standardization and control, revealing and rejecting the axes of coercion from their
theoretical coordinates. To reveal and deconstruct the ambitious, authoritarian, paternalistic
citizenship suppress plan from the inapt, which is being redistributed by the construction of
citizenship by institutional Judiciary and Public Prosecution, which is embedded in the
suppression of freedom, dignity, justice and citizenship of the subject by the way of
legalization. To explain the dominance of rationality that has dominated the modern era,
linked to economic and political development and its political impositions by reaffirming the
imaginary and emotional, for the upgrading of natural concrete against the domination of
universal abstract, normative and legislator. The law is one of the newest speeches of
appeasement between the social contradictions and it appears now as an improved strategy
and healing of the possible dimensions of knowledge and power.

Keywords: Educational Judicialization, law; Archeogenealogy.


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RÉSUMÉ

Cette étude a comme source epistémologique l'arqueogenealogie de Michel Foucault, dans sa


méthologie théorique, en prennant comme point d'appui des questions pertinentes à la
subjectivité des relations du savoir/puissance et le thème est la formation judiciaire dans son
application, comme un instrument de la réalisation du droit à l'education. L'analyse du
discours essaye de comprendre les relations, les interrelations, les liens et les corrélations de
l'énonciation en vertu des règles determinées par des pratiques discursives et non discursives
encadrées dans la formation judiciaire de l'éducation en la validant avec les possibilités d'une
situation d'urgence. Cette analyse conteste la cumplicité savoir/puissance fondée sur la raison,
conteste aussi sa valité et sa partinence, en articulant la pensée creative avec une pratique
d'analyse et de révelation de la verité rationaliste, en examinant les chemins et les possibilités
d'action du sujet, par rapport à la nature systèmique de répressions déshumanisantes de la
connaissance et des appareils sociaux impliqués. Elle favorise la désacralisation de l'insertion
de la loi dans la societé de contrôle comme un paradigme pour guider la normalisation et le
contrôle, révelant et en rejetant les axes de la contrainte de leurs coordonnées théoriques.
L'analyse révèle et déconstruit le plan ambitieux, autoritaire, paternaliste pour annuler la
citoyenneté d'inaptes, qui est redistribué par la construction d'une citoyenneté par les biais des
institutions judiciaires et du Ministère Public, qui est incorporé dans la répression de la
liberté, la dignité, la justice et la citoyenneté du sujet par voie institutionnelle. Cette étude
analytique explique la prédominance de la rationalité qui a dominé l'ère moderne, lieé aux
impositions économiques et politiques en réaffirmant l'imaginaire et l'émotionnel, par la
révalorisation du singulier concret contre la domination de l'universel abstrait, normatif et
legislateur. La loi est l'un de plus jeunes discours d'appaisement des contradictions sociales et
apparaît maintenant comme une stratégie d'amélioration et de guérison de la dimension
possible de savoir/puissance.

Mots-clé: éducation, loi, arqueonealogie, droit de formation judiciaire.


LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Enunciados Reitores – Judicialização da Educação ......................................131

GRÁFICO 2 - Formas de Aplicação do Ativismo Judicial ...................................................136

GRÁFICO 3 – Enunciados Reitores - Judicialização da Política .........................................144

GRÁFICO 4 – Periodização do Direito Social Brasileiro .....................................................155

GRÁFICO 5 – Grupo 1 – Convenções Internacionais – Brasil ............................................170

GRÁFICO 6 – Grupo 2 – Convenções Internacionais – Brasil Signatário ...........................170

GRÁFICO 7 – Relações Enunciativas – Educação para Todos ............................................180

GRÁFICO 8 - Relações Enunciativas – Universalização do Ensino ....................................181

GRÁFICO 9 - Relações Enunciativas – Não discriminação .................................................181

GRÁFICO 10 – Relações Enunciativas – Obrigatoriedade e Gratuidade do Ensino Básico..........182


LISTA DE ANEXOS
(Conteúdo do Volume II da Tese)

ANEXO A - Recurso Extraordinário 436.996, Supremo Tribunal Federal – STF - São Paulo.
Relator Ministro Celso de Mello, Recorrente: Ministério Público de São Paulo. Recorrido:
Município de Santo André.

ANEXO B - Lei 11.904/2007, que cria o Fundo de Manutenção Básica e de Valorização


dos Profissionais de Educação (FUNDEB).

ANEXO C - Emenda Constitucional Nº 53, de 19 de Dezembro de 2006 (C.F. 1988) .

ANEXO D - Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Decreto Nº 6094, de 24 de


Abril de 2007) .

ANEXO E - Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB) .

ANEXO F - Constituição Federal de 1988 .

ANEXO G - Lei 9.424, de 24 de Dezembro de 1996 - Fundo de Manutenção e


Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF).

ANEXO H - Emenda Constitucional (EC) 14/96 .

ANEXO I - Plano Nacional de Educação – PNE, LEI 10.172, de 9 de Janeiro de 2001 .

ANEXO J - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal Nº 8.429, de 13 de Julho de 1990) .

ANEXO K - Lei de Diretrizes e Bases ea Educação Nacional (Lei Federal Nº 9.394, de 20 de Dezembro de
1996).

ANEXO L - Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal Nº 7.347, de 24 de Julho de 1985) .

ANEXO M - Lei da Probidade Administrativa (Lei Federal Nº 8.429, de 02 de Junho de 1992).

ANEXO N - Leis de Responsabilidade (Lei Federal Nº 1.079, de 10 de Abril de 1950, Decreto-Lei Nº 201, de 27
de Fevereiro de 1967).

ANEXO O - Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) .

ANEXO P - Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Declaração da Quarta
Conferência Internacional sobre os Adultos (UNESCO, 1985), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

ANEXO Q - Relatório sobre a Situação das Crianças no Mundo (1999- UNICEF) .

ANEXO R - Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990), Declaração e
Programa de Ação da Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem (Viena, Áustria, 1993).

ANEXO S - Quadro de Ação de Dacar – Educação para Todos (Dacar, Senegal, 2000) .

ANEXO T - Plano de Ação para a Década das Nações Unidas para a Educação no Domínio dos Direitos do
Homem (1995-2004) .
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................13

CAPÍTULO I – A JUDICIALIZAÇÃO E O DIREITO À EDUCAÇÃO: CONCEITOS,


TENDÊNCIAS E O PROCESSO DE NORMALIZAÇÃO ...............................................28
1.1 Mapeando a Produção Acadêmica .................................................................................28
1.2 Abordagens Conceituais sobre a Judicialização ...........................................................37
1.3 Razão e Verdade - da modernidade à contemporaneidade .........................................56
1.4 O Direito à Educação como Processo de Normalização ...............................................60

CAPÍTULO II –A ARQUEOGENEALOGIA FOUCAULTIANA: CAMINHOS DESTE


ESTUDO ..................................................................................................................................92

CAPÍTULO III – A POLÍTICA DA JUDICIALIZAÇÃO: DEMOCRACIA E


CONTROLE .....................................................................................................................103
3.1 A Épistème da Judicialização ........................................................................................106
3.1.1 Enunciados do discurso da Judicialização da educação no Estado de Mato Grosso do
Sul ................................................................................................................................114
3.1.2 Enunciados do discurso da judicialização da educação no Brasil ..........................123
3.1.3 Sistemas de formações dos discursos da judicialização da
política e da educação .................................................................................................... 124
3.1.3.1 Jogos de Correlações nas normas brasileiras ...........................................130
3.1.3.2 Documentos internacionais e nacionais: a inter-relação dos
enunciados sobre direito à educação ....................................................................173

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................190

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................199

ANEXOS ...........................................................................................................................Vol II
APRESENTAÇÃO

A INVESTIGAÇÃO

Este estudo propõe-se a investigar, no plano teórico e prático, as condições históricas


que possibilitaram a emergência dos discursos da Judicialização averiguando o
engendramento da trama discursiva, o jogo das práticas discursivas e não-discursivas e, por
final, as condições de aparecimento nos domínios do direito e da educação, ocupando posição
de proeminência na ordem jurídico-educacional.
Parte-se da premissa que tem sido apontada pelo campo do direito de que esses
discursos são instrumentos de exigibilidade desenvolvidos para o cumprimento e efetividade
do Direito à Educação, encartados na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, (Lei Federal 9.394 de 20 de setembro de 1996), e no Estatuto da
Criança e do Adolescente, (Lei Federal 8.429 de 13 de julho de 1990).
Trata-se de um tema novo, com certo nível de complexidade, pautado com o
advento do Estado Democrático Constitucional Contemporâneo, objeto que se mostra
estimulante e provocador, a exigir reflexões voltadas especialmente às práticas judiciárias,
sociais e educativas, eis que a área da educação tem sido invadida por inúmeras liminares e
sentenças judiciais, registrando, de forma marcante, a interveniência do Poder Judiciário no
âmbito político do Poder Executivo, por força do ajuizamento de ações judiciais compostas
por pedidos de tutelas jurisdicionais, concernentes ao Direito à Educação, amparadas pela
garantia constitucional.
Tal situação vem sendo sustentada por teóricos constitucionalistas com os quais
dialogaremos neste trabalho, que afirmam estar se configurando a realização da promessa
constitucional da educação como direito de todos e dever do Estado e da família, posição que
tem provocado questionamentos na esfera das políticas públicas e no campo administrativo/
funcional de todo sistema educacional do País.
É importante considerar que o processo de politização do Poder Judiciário tem
seguido recentes entendimentos do pensamento jus-filosófico e científico ocidental fincados
em contendas nas quais tais posições teóricas que dão fundamentação ao
neoconstitucionalismo, concebido sob um novo perfil, ainda estão sendo moldadas por
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referenciais em construção a partir das relações entre direito e moral, com objetivos de
provocar uma renovação ética política, ainda não totalmente consolidada.
As situações contemporâneas têm demonstrado que a educação não está e não ficará
indiferente à significativa influência que o direito tem exercido em seu meio ao promover
modificações, de forma coercitiva, sob o imperativo da ordem judicial, no âmbito das
decisões político-administrativas, que interferem diretamente no cotidiano escolar, nas
práticas educativas, nas questões curriculares, nas relações entre os atores educacionais,
enfim, alterando e transformando toda a dinâmica do funcionamento da educação.
Tais fatos devem ser considerados à luz das peculiaridades da educação para sopesar
as conseqüências decorrentes do emprego das modernas teorias da argumentação jurídica
cultivadas na esteira da incorporação de uma série de princípios, valores e direitos
fundamentais presentes na Carta Constitucional de 1988, edificada sob a matriz
principiológica, trazendo em seu contexto, diretrizes, valores e princípios como: dignidade da
pessoa humana, solidariedade social, liberdade e igualdade, juridicamente válidos e aplicáveis
pelo poder judicante, sob a argumentação de adequar o raciocínio jurídico ao raciocínio
moral.
É preciso ressaltar que certos setores da sociedade guardam expectativas e defendem
a garantia da imediata concessão dos princípios, valores, diretrizes e compromissos políticos,
assegurados pela Constituição Federal de 1988, por intermédio da atuação do Poder
Judiciário, na medida em que essa nova ordem constitucional tem representado ou pode
representar um caminho para viabilização do Direito à Educação, independente dos grupos e
suas diversidades sociais, dando mostras de ser o último espaço possível de mobilização
social.
Ocorre que esse viés interpretativo, apresentado como favorável às minorias
desprovidas de maiores influências no campo político, tem levantado controvérsias que
podem ser assinaladas como consequências de uma colisão de valores resultante da posição de
supremacia assumida pelo Poder Judiciário perante os demais Poderes do Estado.
De um lado é possível constatar a aplicação judicial do Direito à Educação com
apoio na doutrina brasileira da efetividade, baseada nas teorias dos princípios constitucionais
e dos direitos fundamentais, que adquiriram o caráter de normatividade jurídica, na qualidade
de direitos protegidos pela luz constitucional, dotados de efetividade plena, revestidos pela
característica de direitos públicos subjetivos, ou seja, autoaplicáveis na ordem jurídica.
16

De outro lado, destaca-se, em contrapartida, uma outra linha de análise que adota a
abordagem sobre a questão da violação à teoria da separação dos poderes, aos princípios
orçamentários, à reserva do possível e ao primado da soberania popular, base central para o
exercício da democracia.
Mencionadas contradições, manifestadas no plano dos valores, sinalizam a existência
de conflitos não resolvidos e interrogações ainda não respondidas, embora a politização das
cortes brasileiras seja uma realidade a partir da Constituição Federal de 1988, que veio
consolidando-se nos inúmeros processos que tratam de diversas questões como a saúde, as
relações familiares, a política e as questões educacionais, estas aqui representadas nesta
pesquisa, por um recorte empírico composto por dados processuais trazidos à análise.
Ante esse jogo de linguagem e aparência, teorias e práticas, que retratam um novo
tipo social e uma nova ordem político-econômica concebidos pela lógica cultural do
capitalismo avançado, estes estudos, pela via do discurso, promove um (re) imaginar e (re)
criar caminhos de investigação voltados para a problemática da Judicialização da Educação,
em seus tecidos de fabricação enunciativo-discursiva, levando em consideração, ao crivo das
relações enunciativas, os questionamentos sobre a validade e pertinência epistemológica desse
saber, (Judicialização da Educação) fundado sob os alicerces da razão e hegemonizado como
verdade.
Frente ao problema apresentado, grave e relevante, a tese que esta pesquisa procura
defender, dentro de um desenvolvimento lógico de argumentação, fundamenta-se no
pressuposto de que os conceitos de controle e de saber/poder, cunhados por Michel Foucault,
possibilitam compreender que o denominado paradigma do Direito à Educação, mesmo
apresentando conjecturas baseadas na posição defendida pela ciência jurisprudencial de que
tais direitos estão revestidos por garantias ofertadas pela judicialização, não demonstrou, no
decurso de mais de vinte anos de vigência da Constituição Federal de 1988, condições de
efetividade, que pudessem apontar quaisquer ou alguma evidência de se desvendar o paradoxo
da transformação da sociedade pela educação.
Como meios de comprovação, analisa-se a Judicialização da Educação entendendo-a
como dispositivo de saber/poder aplicado em várias esferas sociais, na condição de promotora
da normalização de comportamentos e da exposição a exames, objetivados a produzir
verdades que são reproduzidas nos modos de viver, pensar e agir dos indivíduos. Toda essa
estratégia de controle, constituída por múltiplos mecanismos influenciadores e edificadores,
sedimentou, no leito da justiça, o comprometimento com a verdade formal fundada no e para
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o País legal, contribuindo, ainda mais, para que as questões reais e cotidianas vividas pelos
cidadãos fossem e sejam relegadas a processos judiciais fragmentados, ampliando os conflitos
e contradições de uma racionalidade duvidosa.
O modus operandi utilizado pela processualística do Direito neste novo momento
constitucional, fortalecido pela teoria do ativismo judicial, fator determinante de uma posição
inovadora do sistema jurídico contemporâneo, tem sido defendido como engenho propiciador
da pavimentação das vias de solução dos problemas existentes nas complexas sociedades
atuais; no entanto, tal assertiva, nesse sentido, não se apresenta convalidada por quaisquer
indícios de resultados na realidade das práticas educativas e sociais contemporâneas.
Como dados referenciais de uma empiria, demonstrativos da aplicação do discurso
da Judicialização da Educação em Mato Grosso do Sul e no Brasil, este trabalho de
investigação procedeu a levantamentos e análises, abaixo relacionados:
a) Processos judiciais que tramitaram nos Fóruns e Tribunais do Poder Judiciário de
MS, no período de 2005 a 2008, disponibilizados pelo Conselho Estadual de
Educação de Mato Grosso do Sul, instituição que os integrou como parte ré, no
pólo passivo da ação, e,
b) Dados enunciativos constantes de diferentes decisões referenciadas na
jurisprudência brasileira apontados em estudos analíticos da judicialização.
Com essas informações compostas de enunciados colhidos em um recorte da
realidade processual judicial, promoveu-se a análise dos discursos produzidos a partir dos
recursos de interpretação jurídico-processual no campo da Educação - Judicialização da
Educação - que, em se tratando das relações sociais e intermediações, é explicitada nas
dinâmicas dos diferentes campos e domínios das interações postuladas como políticas, tendo
como foco as estratégias de interpretações do aparato legal segundo os princípios e diretrizes
da Constituição Federal de 1988 – instrumento regulamentador, enquanto direitos e deveres,
das normalizações sociais.
Por se tratar de uma aplicação processual recente, a Judicialização da Educação tem
sido marcada em sua consolidação por meio da atuação desenvolvida por diversas instituições
que compõem os aparelhos da Justiça (Poder Judiciário, Poder Executivo. Ministério Público
e Polícia Judiciária, em seus organismos – Fóruns, Tribunais, Juízos, Promotorias e
Procuradorias, Defensorias Públicas, Conselhos Tutelares, Conselhos dos Direitos da Criança
e Órgãos da Segurança Pública).
18

O agir judicializante de tais Instituições vem provocando um emaranhamento nas


relações entre Direito, Política e Sociedade, minimizado em alguns setores frente ao poder das
decisões do Poder Judiciário e sua repercussão social como é registrado pelas declarações de
apoio de alguns campos da sociedade, conforme explicita Cury e Ferreira (2009, p. 42):

[...] a partir da atual Constituição e das leis que se seguiram, a educação passou a ser
efetivamente regulamentada, com instrumental jurídico necessário para dar ação
concreta ao que foi estabelecido, pois de nada adiantaria prever regras jurídicas com
relação à educação (com boas intenções) se não fossem previstos meios para a sua
efetividade.

Indicam mencionados autores que a Judicialização da Educação, como um


instrumental jurídico, representa a extensão adequada do papel do sistema judicial na
democracia brasileira, destinada a prover o Direito à Educação, no campo da realidade, em
processo de consolidação dos princípios garantidos pela Constituição de 1988. Esses
apontamentos que se colhe dos trabalhos apresentados por Cury e Ferreira (2009)
representam, no momento, não apenas uma posição setorial, mas, sobretudo, uma das formas
de interpretação do discurso/saber, verdade cunhada no plano jurídico, valorizada, difundida e
distribuída na sociedade brasileira como solução aos maiores problemas da
contemporaneidade.
Tal linha interpretativa decorre de uma tese forjada e encravada nas estruturas de
poder, refletida nos embates registrados no plano social e tem sido apresentada como modo de
solução para a transformação da sociedade pela educação.
No entanto, tal posição, firmada no plano jurídico e aceita por alguns domínios da
educação, exige reflexões no sentido de se buscar compreender o lugar do acontecimento
desse discurso e as condições de possibilidade da sua aparição, razão porque esta investigação
seguiu as proposições da “história nova”, assim definida por Foucault (2000, p. 11), como:

[...] supõe-se, por outro lado, que uma única e mesma forma de historicidade
compreenda as estruturas econômicas, as estabilidades sociais, a inércia das
mentalidades, os hábitos técnicos, os comportamentos políticos, e os submeta ao
mesmo tipo de transformação; supõe-se enfim, que a própria história possa ser
articulada em grandes unidades – estágios ou fases – que detêm em si mesmas seu
princípio de coesão. São estes postulados que a história nova põe em questão quando
problematiza as séries, os recortes, os limites, os desníveis, as defasagens, as
especificidades cronológicas, as formas singulares de permanência, os tipos
possíveis de relação.
19

A pesquisa histórica, na perspectiva teórica foucaultiana, trabalha com a análise do


discurso, considerando-o produto do saber tramado por meio das relações de enunciados
provindos de diversos domínios, razão de se caminhar investigativamente na direção dos
comportamentos, das lutas, das decisões e das estratégias que proporcionaram condições para
o surgimento de determinado acontecimento discursivo dito verdade, refletido no espelho das
relações de poder, como produto do choque das correlações de conhecimentos.
Seguindo essa linha de entendimento foram adotados os parâmetros da pesquisa
qualitativa como indicativo de melhor apreensão dos fatos do discurso mediante a utilização
da técnica de análise documental, exercida com a aplicação dos métodos de discussões,
comparações, deduções e interpretações. Foi estabelecida uma dinâmica de reconhecimento
dos procedimentos de construção do conhecimento sobre o saber representado pelo discurso
da judicialização, no sentido de se procurar entender em profundidade esse fenômeno
jurídico-educacional.
A conduta investigativa exercida pela “análise do discurso”, utilizada em estudos
arqueogenealógicos foi aplicada por meio de demarcações que possibilitam o emprego
constante de referenciais e delimitações, que facilitam compreender as fases, as interferências,
as articulações e as relações enunciativas (edificação do discurso), desvelando as
possibilidades que permitiram o seu surgimento.
A demarcação dos conceitos contidos nos enunciados dos discursos pré-existentes
que se projetaram uns sobre os outros, formando redes de significados, possibilitou decifrar
métodos e técnicas de formações estratégicas que permearam cada discurso explicitando sua
construção.
Parta entender essa dinâmica foram adotados os seguintes objetivos:
1. Investigar as condições do aparecimento do discurso da judicialização no campo
da educação, no Estado de Mato Grosso do Sul e no Brasil, mediante a análise
das relações dos enunciados contidos nos processos judiciais, mandados de
segurança impetrados contra o Conselho Estadual de Educação, e nas decisões
jurisprudenciais coletadas em levantamentos produzidos por outras pesquisas;
2. Analisar as condições influenciadoras e as contradições (afirmação e negação a
uma proposição) geradas pelos conflitos econômicos, políticos, educacionais,
sociais e de direito, que se manifestam(ram) como regras determinantes na
formação discursiva da judicialização da educação, decorrentes das relações de
saber/poder.
20

3. Identificar e examinar as leis de existência dos enunciados dos discursos


precedentes com os quais tenha sido possível ocorrer conexões, ligações e
encadeamentos com o discurso da Judicialização da educação, e
4. Descrever as formas de articulações entre as formações discursivas e domínios
não-discursivos (instituições, acontecimentos políticos, práticas e processos
econômicos), permitindo promover uma aproximação com as correlações de
força e saber, com os interditos e com os jogos de poder.
Seguindo o eixo dos objetivos propostos, a apreensão da formação discursiva da
judicialização da educação foi operacionalizada mediante a confrontação dos enunciados dos
documentos em suas inter-relações e convergências com instituições, técnicas e objetos por
elas produzidos. Tratam-se das inter-relações possíveis entre a Constituição Federal de 1988 e
Constituições antecedentes, a legislação infraconstitucional regulamentadora da educação
(LDB, ECA), os documentos recomendatórios e os pactos internacionais, todos em confronto
com os enunciados colhidos nos processos judiciais e decisões jurisprudenciais, dados
contidos na base empírica escolhida.
Estes são o objeto, os objetivos e as vias procedimentais de análise aplicadas ao
corpus empírico, seguindo o “Sistema de Dispersão dos enunciados”, da “Descontinuidade” e
da “Regularidade”, que desnudam o confronto dos enunciados entre si e perante aos
enunciados coletados no levantamento das decisões judiciais, compondo, dessa forma, a
dinâmica da formação discursiva da judicialização da educação.
Foucault (2000, p. 43) nos indica em suas pesquisas a importância da verificação do
sistema de dispersão e da regularidade, afirmando que:

[...] nos encontramos na presença de conceitos que diferem em estrutura e regras de


utilização, que se ignoram ou se excluem uns aos outros e que não podem entrar na
unidade de uma arquitetura lógica. Na permanência de uma temática? Ora,
encontramos, em vez disso, possibilidades estratégicas diversas que permitem a
ativação de temas incompatíveis, ou ainda a introdução de um mesmo tema em
conjuntos diferentes. Daí a idéia de descrever essas dispersões; de pesquisar se entre
esses elementos, que seguramente não se organizam como um edifício
progressivamente dedutivo, nem como um livro sem medida, que se escreveria,
pouco a pouco, através do tempo, nem como a obra de um sujeito coletivo, não se
poderia detectar uma regularidade: uma ordem em seu aparecimento sucessivo,
correlações em sua simultaneidade, posições assinaláveis em um espaço comum,
funcionamento recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas. No caso em que
se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de
dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as
escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações,
posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva.
21

Portanto, a “Dispersão” compreende os enunciados discursivos de uma mesma


formação dispersos em vários outros discursos e a “Descontinuidade” conceitua-se como
separações que fraturam o instante e o dispersam numa pluralidade de posições e funções
possíveis, das suas regras de formação e dos seus modos de relações entre objetos, tipos
enunciativos, conceitos e estratégias. Esse sistema de descontinuidade é composto por
acontecimentos dispersos compreendidos por momentos de rupturas que ocorrem em meio a
relações de força.
Como as áreas da Educação e do Direito estão imbricadas no discurso da
judicialização, insta necessário, introdutoriamente, rever o entendimento de Michel Foucault
(2005 b) sobre o direito e a lei.
A temática do direito é interpretada na perspectiva teórica foucaultiana como o
exercício de práticas judiciárias explicitadas nas relações de poder a partir de dispositivos
regulatórios, “sempre” em caráter apaziguador dos conflitos sociais em relação à ordem
estabelecida, negando, por conseguinte, a hegemonia do pensamento político contemporâneo
baseado no modelo jurídico concebido sobre os princípios da soberania e do primado da lei,
firmados na ficção jurídica do contrato.
A linha foucaultiana afasta a idéia de Direito centrado no conjunto de regras
universais e abstratas que circunscrevem o poder e o Estado, como forma de regras e
concepções difundidas como “iguais” para todos. Entende que o que ocorre operacionalmente
no campo jurídico é a adoção do princípio da racionalidade – o Juízo de Valor – de justiça, de
moralidade e de penalidade ao descumprimento do conjunto normativo constituído. Isso deve
ser traduzido como estratégias e mecanismos, configurados em práticas jurídicas, cujas
vertentes são emanadas do exercício do legislativo, de doutrinas, de jurisprudências e suas
aplicações, sempre em caráter de redistribuição da justiça, visando a um ordenamento da
sociedade.
Com isto, a análise arqueológica e genealógica do Direito procura desconstruir os
discursos do juízo investido historicamente pelo manto da legalidade, buscando liberá-lo da
compreensão circunscrita aos ditames legais, (positivismo crônico), constantes na codificação
e constitucionalização da era moderna.
Melhor expõe essa linha de compreensão a análise de Sergio Adorno, Andrei
Koerner e Luis Antônio Francisco de Souza (2006), ao tratar das práticas de poder nas
sociedades contemporâneas no artigo “Direito, violência e controle social”, que integra o livro
22

“O Legado de Foucault”, organizado por Scavone, Lucila; Alvarez, Marcos Cesar e Miskalci,
Richard (2006).
Sérgio Adorno (2006) enfoca a crítica feita por Michel Foucault ao modelo jurídico-
político clássico, que já não daria conta das formas de poder como as disciplinas, as quais ele
analisou exaustivamente em “Vigiar e Punir”. O autor busca detalhar a visão dicotômica que
opõe de modo mais radical soberania e disciplina como dois modelos de poder – um
correspondente ao século XVIII e o outro correspondente ao século XIX – ao defender a idéia
de que tal dicotomia seria mais uma questão de ordem metodológica do que, propriamente,
um princípio teórico. Seguindo esse imperativo metodológico, Michel Foucault conseguiu
pensar diferentemente as relações de poder, ao romper com as visões tradicionalmente
evolutivas do Direito, ao questionar a hegemonia do modelo jurídico-político como único
modelo capaz de explicar as relações de poder na modernidade e ao descortinar as práticas
disciplinares de poder em toda sua amplitude.
Andrei Koerner (2006), tratando do poder, da lei e do Direito, aborda a questão das
transformações contemporâneas do Direito, afirmando que tal trajetória vem sendo construída
em função das articulações entre Direito, esquemas de saber-poder e formas de subjetivação
que são novas formas de investimento dos sujeitos.
Por último, Luís Antônio Francisco de Souza (2006) discute sobre o poder disciplinar
e a bio-política, explicando que, na modernidade tardia, as técnicas de vigilância eletrônica e
as novas estratégias de segurança privada conformam um novo modelo de controle social, em
que a dimensão tecnológica da vigilância não substitui os mecanismos disciplinares clássicos
baseados na gestão dos corpos e comportamentos representados pelo panoptismo.
A compreensão do Direito, expressada por Foucault, nos dá a indicação de que a lei é
uma verdade construída, de acordo com a necessidade do sistema econômico vigente, para
justificá-lo como uma verdade a priori, universal, portanto, naturalizando-a no plano macro
social, pela criação das regras de direito, que são projetadas, produzidas, transmitidas e
oficializadas como regras de verdades.
A pesquisa histórica foucaultiana não analisa o discurso/verdade para propor novas
regras jurídicas, outras verdades, pois, procura colher cada momento do discurso, em sua fase
pré-discursiva até a sua emergência, indagando sobre a lei de sua existência e verificando os
fenômenos específicos que o fizeram(fazem) aparecer no campo dos acontecimentos.
23

O trabalho analítico se organiza no sentido de identificar os diversos acontecimentos


em suas manifestações e sua institucionalização, exercendo a averiguação das práticas
discursivas e não-discursivas.
Práticas discursivas são os elementos possibilitadores de encadeamentos dos
aparecimentos, não apenas das normas jurídicas normalizadoras da educação, mas, também,
das regras processuais judicializantes aplicadas no campo educacional. As práticas não-
discursivas são explicitadas nas relações entre instituições, processos econômicos e sociais,
formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação e modos de
caracterização, vinculadas aos discursos analisados.
Com essa atitude investigativa, procedeu-se à verificação do percurso relacional dos
enunciados (elaboração, re-elaboração, transformação, transposição e adoção), seguindo o
princípio de se questionar os discursos edificados nas e pelas relações de poder/saber, em suas
inter-relações enunciativas, produtoras das formações discursivas geradoras da judicialização
como operacionalizadora da efetividade do que se denomina por Direito à Educação.
Assim, esta pesquisa não tem o propósito de apresentar novas proposições teóricas,
objetivadas a desenvolver outros constructos detentores de novas dinâmicas de aplicação do
instituto jurídico da judicialização, intencionadas a proporcionar a aplicação efetiva e concreta
ao Direito à Educação em sua explicitação operativa - (limites e possibilidades) - de
apaziguamento.
A finalidade da investigação se resume essencialmente, como já dito, em
diagnosticar as condições de possibilidade de aparição do discurso da Judicialização da
Educação, alcançando o já-dito e as pulsões edificadoras desse discurso, para poder
compreender a sua produção e as relações de força, poder e controle às quais é submetido.
Os recursos utilizados para atingir tais propósitos foram os arquivos, documentos
processuais, processos judiciais, aparatos normativos e dados qualitativos no sentido de
configurar um mosaico que pudesse expor o mais próximo possível as práticas dos discursos
promotores da Judicialização da Educação. São subsídios norteadores de diferentes vertentes
que permitem viabilizar a explicitação de outros propósitos como as questões pertinentes aos
discursos sobre inclusão social, diversidade social e respeito às diferenças, dimensionando os
processos de participação (concessão), que se utilizam de práticas judiciárias culturalmente
reforçadas por práticas sociais delimitando assim o domínio do Direito à Educação.
Para proceder a essa análise, partiu-se do entendimento expressado no referencial
foucaultiano de que o discurso decorre de um jogo de regras de formação que possibilita o
24

aparecimento de diversos objetos, tipos de enunciação, conceitos e estratégias, em um sistema


de dispersão, requerendo do pesquisador a busca da definição de uma regularidade (uma
ordem, correlações, posições, funcionamentos e transformações) para conseguir descrever as
formações discursivas. (FOUCAULT, 2000).
Sobre as relações entre enunciados, diz Foucault (2000, p. 104): “Em compensação,
o que se pode definir como correlato do enunciado é um conjunto de domínios em que tais
objetos podem aparecer e em que tais relações podem ser assinaladas”.
Assim, a análise dos discursos da judicialização se vincula diretamente à
compreensão do Direito à Educação, que é a fonte de aplicação processual, por seus
enunciados, fixando uma delimitação inicial por meio da verificação in loco dos domínios nos
quais foram operacionalizadas relações enunciativas travadas nos espaços dos processos
judiciais e jurisprudências (dados empíricos), para, em seguida, serem averiguadas as
correlações possibilitadoras da formação desse discurso, que estão contempladas em vários
documentos legais.
Essas relações definiram o campo de exterioridade do discurso, tendo sido
identificadas como práticas não-discursivas as relações entre instituições como a Escola, o
Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, os Conselhos
Tutelares, a Defensoria Pública, os Conselhos de Direitos da Criança e a Defensoria Pública.
Os discursos da judicialização também foram averiguados em conjunto com o
discurso do Direito à Educação, recepcionados nas convenções, declarações, normas
constitucionais e infraconstitucionais, seguindo o viés da sua instrumentalidade operativa de
efetivação prática nos campos da Educação (práticas educativas), do Direito (práticas
judiciárias) e da Sociedade (práticas sociais).
Preferiu-se, nesta pesquisa, ficar no campo do discurso existente e sua verdade
apofântica, (verdade reveladora, descoberta, constatação da verdade produzida por um sujeito
universal do conhecimento), para nele, buscar compreender a verdade em sua formação, a
partir das relações possibilitadoras da sua aparição, razão porque transitar entre os seus
enunciados atuais e outros pré-existentes, auscultando as regras das práticas discursivas e não-
discursivas.
Reforça-se a proposta de investigação segundo a concepção foucaultiana da
arqueogenealogia, como uma forma de abordagem diferenciada, na qual a arqueologia,
procurar descrever as práticas discursivas como configuração de um saber e a partir desse
25

saber desenvolver a genealogia dos discursos de verdades contemplados no processo de


judicialização da educação.
Diz-nos Foucault (1979, p. 172):

Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a


genealogia é a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os
saberes libertos da sujeição que emergem desta discursividade. Isto para situar o
projeto geral.

A utilização da arqueogenealogia dos discursos neste trabalho se deu estabelecendo


inicialmente, um marco inicial nas unidades “Poder Judiciário” e “Educação” nos domínios
do Direito e Educação, como um marco temporal determinado pelos processos judiciais em
análise.
Este é um trajeto pautado pelo investigar, diagnosticar e compreender as relações
ocorridas entre os enunciados dos discursos da Educação e do Direito à Educação e da
judicialização, domínios nos quais podem ser configurados permitindo perscrutar os discursos
que precederam a criação da judicialização e, por fim, analisar as relações entre instituições,
técnicas e organizações.
É a partir dos enunciados reitores, colhidos nos processos em análise, que se procura
descrever um sistema de dispersão e uma regularidade que apontará a formação discursiva e
se poderá demarcar as superfícies de aparecimento (emergência) desse discurso.
É, de fato, um cenário de lutas de enunciados trazido como identificação da
correlação de forças e de poder, em um movimento ascendente. Em se tratando de
documentos traduzidos em processos judiciais, seu tratamento analítico se dá como
acontecimentos que possuem reflexos diretos no agir da Educação, como práticas educativas,
compreendendo que todo esse aparato jurídico disponibilizado e aplicado são módulos
influenciadores da construção enunciativa, o que faz por exigir uma busca arqueológica das
regras de concessões e restrições que antecedem a esses processos.
É preciso compreender que o conjunto prático processual da judicialização da
educação está norteado pelos direitos auferidos pela constituição e normas
infraconstitucionais e são reflexos da sociedade por seus segmentos organizados, instituições
educacionais públicas e privadas, sindicatos, órgãos de classe, como elementos que exercem
pressões defendendo posições que, no mais das vezes, são conflitantes com os interesses da
burocracia estatal. Por essa multiplicidade de sujeitos e instituições, as verdades apresentadas
26

no contexto discursivo são observadas sob a lente da sua produção como produção de saberes
dinamizados pelas relações de poder.

O PESQUISADOR

Falar um pouco da trajetória acadêmica, da vida, dos motivos deste pesquisador,


situando-o no âmbito desta investigação não é uma fácil tarefa pelo possível cometimento de
falhas narrativas dos fatos. Esta pesquisa, desde sua proposição inicial, marca-se pelas
influências recebidas no percurso da história pessoal, profissional, social e acadêmica.
A educação foi o primeiro espaço de trabalho, primeira e especial experiência
profissional de vida, vivenciada em sala escolar, como professor multidisciplinar, atuando
desde os idos de 1965, no ensino primário (1º ano A, B, C, 2º, 3º, 4º e 5°), da Escola
Adventista “Umbelina Correa da Costa”, no município de Três Lagoas, terra onde viveu a
infância e juventude.
Da educação jamais se afastou, embora, por possuir espírito ávido por
conhecimentos, foi conduzido a muitas outras áreas e campos de saber, procurando sempre
novas experiências. Sem desviar-se das lides educacionais, desenvolveu incursões em vários
campos de estudos, como se mostra marcente desde o ensino médio onde cursou o científico,
o normal e o curso técnico de construção de estradas. Essa formação proporcionou grandes
experiências e proporcionou condições para o exercício de várias funções no mercado de
trabalho (secretário, auxiliar administrativo, vendedor, desenhista, topógrafo, locutor de rádio
e tv, programador, articulista em jornais, etc.).
No campo do ensino superior seu comportamento não foi diferente pois, a
apropriação de novos conhecimentos sempre o fascinou, razão das formações em Educação
Física, Ciências Sociais e Jurídicas (Direito) e Pedagogia até o 2º ano.
Mas, o magistério foi sempre seu abrigo intelectual, tanto que suas funções laboriais
se deram na Prefeitura Municipal de Campo Grande, no Governo do Estado de Mato Grosso e
depois no Governo de Mato Grosso do Sul e em várias escolas particulares, sempre ligado à
Educação.
Nomeado como professor universitário na Universidade Estadual de Mato Grosso
(UEMT) em fevereiro de 1975, já soma 35 (trinta e cinco) anos de magistério superior.
Durante 30 anos foi lotado no Departamento de Educação Física, ministrando entretanto
27

disciplinas do curso de educação física e de outros cursos, como é o caso do Curso de Direito
onde ministra aulas desde sua criação e implantação, tendo sido professor das disciplinas
Direito Civil I, Direito Civil II, Filosofia Jurídica, Ética, Práticas Jurídicas e Atividades
Complementares, portanto, transitando entre o campo jurídico e o campo da educação física,
até ser transferido definitivamente para o Curso de Direito (Departamento de Economia e
Administração), para atender as necessidades de ampliação do quadro docente efetivo e
atender melhor os projetos da área.
Sua experiência no campo do direito e da educação física foi alicerçada nos fóruns,
delegacias, repartições públicas, nas escolas e universidades, focos de permanente e efetiva
atuação. Os cargos de assessoria e direção departamental, exercidos na Secretaria Municipal
de Educação e Secretaria de Estado de Educação propiciaram grande experiência do ensino e
da administração do ensino na ótica política e administrativa, vivenciando os graves
problemas existentes nos sistemas de ensino, na administração das escolas, na aplicação e
avaliação das políticas educacionais e nas lutas e movimentos sociais.
Toda essa carga de atividades, ações e funções marcaram este investigador como
educador e advogado, sem maximizar este ou aquele campo profissional, mas, procurando
sempre aperfeiçoar ambos.
No Movimento Constituinte de 1987/8, exercendo o cargo de Pró-Reitor de Extensão
e Serviços Comunitários/UFMS, foram inúmeras as reuniões em que participou, realizadas
em Universidades, Entidades de Classe, Ministérios, debatendo, especificamente, os
anteprojetos de inserção da educação no texto constitucional.
Dessa forma, a temática do Direito à Educação há muitos anos tem sido seu campo
de estudo, análise e debates, ficando sempre, enquanto cidadão brasileiro, inconformado com
o não cumprimento dos direitos garantidos pela Carta Constitucional de 1988, o que
proporcionou, muitas vezes, revolta pelas variadas promessas e insinuações de políticas
públicas educacionais, porém, desprovidas dos meios próprios de sustento e aplicação.
As constantes renovações de planos, diretrizes e projetos políticos têm sido
configuradas como meras figuras retóricas, dignas dos oradores sofistas em suas estratégias
discursivas, às quais se misturam táticas políticas de Maquiavel, no mundo atual, com
estratégias preparadas para apaziguar os movimentos sociais (professores, pais, comunidade,
sociedade).
Já tendo ocupado funções, lugares e espaços nas pequeninas salas de aula das escolas
periféricas como nos salões governamentais que administram a educação; já tendo transitado
28

por entre as favelas que servem de moradias ao cidadão em sua miserabilidade provocada
pelas circunstâncias históricas, pobre e excluído, na busca da tutela do direito em súplicas às
Cortes Judiciais; já tendo exercido a advocacia proferindo defesas processuais perante cortes e
ministros nos palácios dos Tribunais Superiores; já tendo vivido e vivenciado os fatos da vida
por mais de seis décadas; por tudo isso e muito mais, a experiência dos fatos passados tem
aconselhado manter sempre o olhar crítico e interrogativo socratiano, embora, como Sócrates,
a crítica à lei jamais o impediu de a ela obedecer.
Infelizmente, as lutas pela educação e pela justiça estão prenhes de teses acadêmicas,
políticas e sociais que subjazem nas prateleiras e nas gavetas, sem haver qualquer interesse
das cúpulas administrativas políticas em programa-las ou levá-las pelo menos a situações
experimentais.
Essas e outras razões o fizeram aproximar do aporte teórico foucaultiano, inovador
ou contestador, mas que despertou reflexões acadêmicas voltadas para compreender as
estratégias do poder, indicando uma nova forma de pensar as relações de saber e poder,
escavando por entre os ditos e escritos, nos arquivos do tempo. Fugindo às metodologias
tradicionais, procurou identificar os discursos em suas estratégias, leis, regras, articulações e
relações, fenômenos que dão condições de conhecer sua existência e surgimento no mundo
social, abrindo novas possibilidades no campo da pesquisa ao desconstruir as verdades
racionalistas e seus regimes, expondo a nu todas as mazelas dessa ordem.

Em nossas sociedades, a ‘econômia política’ da verdade tem cinco características


historicamente importantes: a ‘verdade’ é centrada na forma do discurso científico e
nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação
econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica,
quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e
de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja
extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações
rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle não exclusivo, mas dominante,
de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército,
escritura, meios de comunicação); enfim é objeto de debate político e de confronto
social (as lutas ‘ideológicas’). (FOUCAULT, 1979, p. 13).

Assim, no exercício das funções do magistério superior, o que se deve esperar das
atividades profissionais ligadas ao ensino, extensão e principalmente a pesquisa é no dizer
foucaultiano “[...] ocupar uma posição específica, mas cuja especificidade está ligada às
funções gerais do dispositivo de verdade em nossas sociedades” trabalhar no sentido de
desenvolver uma “[...] luta ao nível geral deste regime de verdade [...]”, combatendo “[...] em
torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha que é tão
29

essencial para as estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade.” (FOUCAULT, 1979,


p. 13).
Essas são as razões que o fez aproximar e assumir o referencial teórico Michel
Foucault ainda no Mestrado e agora, no Doutorado, buscando em suas formas de análise uma
compreensão da problematização da Judicialização da Educação, sem adentrar na análise
processualista judicial e seus contornos teórico-práticos, mas, investigando as relações
enunciativas, as relações de poder, as regras e as leis que possibilitaram a aparição desse
discurso, que se apresenta como verdade.

A SEQUENCIA DOS TRABALHOS

Este trabalho está organizado na Apresentação já pontuada, e em mais três capítulos,


tendo a seguinte sequência:
No Capítulo I - A Judicialização e o Direito à Educação: Conceitos, Tendências e o
Processo de Normalização consta o estado da arte com uma revisão dos trabalhos
desenvolvidos no campo da judicialização da educação e da política, relacionando as
temáticas que vêm sendo base das pesquisas nos últimos dez anos. Como esta pesquisa utiliza
a técnica da análise do discurso segundo o método da arqueogenealogia que busca verificar
as relações enunciativas, desenvolvendo seu trabalho na investigação das regras de uma
prática discursiva pela qual se formam objetos, jogos de conceitos e escolhas teóricas, e sendo
a opção teórica a representação dos temas/teorias do discursos, procura-se descrever os
conceitos, concepções, abordagens e tendências sobre a judicialização da política e da
educação, analisando as contradições e a desconfiança quanto a verdade e razão, finalizando o
capítulo com a teorização do direito à educação, seus aspectos práticos e seu uso no sistema
de controle da sociedade.
No Capítulo II - A Arqueogenealogia Foucaultiana:caminhos deste estudo
desenvolve-se uma visitação ao referencial Michel Foucault por seus pressupostos teóricos e
metodológicos quanto a utilização do método arqueogenealógico pela pesquisa, abordando as
relações de poder e constituições de subjetividades. No contexto da exposição foi fixado um
eixo metodológico constando a descrição do caminho metodológico expondo a relação dos
procedimentos a serem utilizados, especificando as técnicas, instrumentos e modos de análise.
30

No Capítulo III - A Política da Judicialização: Democracia e Controle são realizados


as análises dos discursos produzidos sobre a judicialização como um campo de saber/poder
que se movimenta gravitando em torno do ordenamento jurídico, compondo e aplicando o
compêndio de normas que envolvem toda sociedade. É também neste capítulo que são
explicitadas algumas análises do campo empírico deste estudo.

Por último, nas Considerações Finais foram sintetizados os resultados obtidos


indicando as grandes questões provocadas pelo aparecimento da judicialização da educação,
pontuando as condições do surgimento desse discurso, indicando as pistas das relações
enunciativas responsáveis pela produção discursiva e as limitações do discurso em sua prática.
Foram mostradas as análises dos dossiês das práticas judiciárias, com a exposição das regras
políticas e jurídicas, jogos de poder, responsáveis pela formação do discurso da verdade
denominada judicialização, que é um novo tipo de saber organizado em torno da norma que
possibilita controlar o indivíduo, mantendo o sujeito como objeto de estudo em um ordem do
discurso.
CAPÍTULO I

A JUDICIALIZAÇÃO E O DIREITO À EDUCAÇÃO: CONCEITOS,


TENDÊNCIAS E O PROCESSO DE NORMALIZAÇÃO

Este capítulo tem por objetivo pontuar o estado do conhecimento sobre a


judicialização da educação, procurando, em um primeiro bloco, mapear e discutir a produção
acadêmica em seus enfoques e extensões dos estudos que vem sendo enfatizados em
diferentes épocas e lugares. No segundo bloco, identificar, na medida do possível, aspectos da
produção veiculada, a partir de uma leitura e diálogo com a produção bibliográfica brasileira e
estrangeira sobre a relação da judicialização e o direito à educação frente aos processos de
normalização na sociedade de controle.
Essa possibilidade só foi admissível a partir do pressuposto que o direito à educação,
em seu discurso de efetividade frente à realidade prática (cultural, social e pedagógica),
provoca racionalidades produtoras de verdades. Este é o tema desenvolvido no terceiro e
quartos blocos.

1.1 Mapeando a Produção Acadêmica

A judicialização tem sido mais que um tema, pois configura-se como uma questão de
interesse de vários setores da sociedade alcançados pelas decisões das cortes de justiça, como
protagonistas de julgamentos que afetam o campo das políticas públicas, ou estabelecem
posições jurídico-morais em casos complexos. Os estudos que vem sendo desenvolvidos estão
disseminados em vários fechos, que vão desde a política, a educação, a economia, as ciências,
alcançando inclusive a violência urbana e a segurança pública, isto é, permeia todas as
instituições e segmentos da sociedade.
O fenômeno da judicialização opera mudanças que não residem apenas na
transferência de poder para o Judiciário, na medida em que envolve várias partilhas entre
diferentes áreas de domínio, de regularização e controle, despertando diferentes compreensões
32

que se re-distribuem em planos de referências, estabelece redes distintas, porém interligadas,


adquirindo características simbólicas de linguagens e valores, consideradas atuais e modernas
por manifestarem novas formas de relações do cidadão com o poder e o saber, (A decisão pela
indecisão)1.
A judicialização da educação tem sido objeto de variadas reflexões e estudos,
intencionados a perceber e compreender a atuação dos aparelhos do Estado, sua dinâmica,
alterações, avanços, retrocessos, abrangência, influências e conseqüências, que se procurou
mapear neste capitulo por um levantamento dos trabalhos produzidos nos últimos dez anos.
Para a verificação da produção de trabalhos acadêmicos, realizou-se uma busca junto
ao Banco de Teses da Capes, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), da Scientific Electronic Library Online (SciELO), e também
foram promovidas verificações mediante a utilização em sites de busca da internet,
especialmente Google e Windows Live. Os critérios utilizados para o rastreamento foram
estabelecidos com a utilização dos seguintes termos: Judicialização, Judicialização da
Política, Judicialização da Educação, Neo-constitucionalismo e Neo-positivismo.
O Neopositivismo e Neoconstitucionalismo são temas de necessário conhecimento
em suas teorias, abordagens e concepções cultuadas em diferentes escolas jus-filosóficas, pois
apresentam fundamentos em vertentes paradigmáticas diferentes, o que os tornam sobretudo
importantes para possibilitar a compreensão sobre a Judicialização e Ativismo Judicial, base
para a verificação da sua aplicação no campo da educação.
Procedeu-se a um levantamento de 9 (nove) trabalhos específicos sobre a
judicialização da educação e 18 (dezoito) sobre a judicialização aplicada em outros campos e
domínios, compreendidos pelos textos coletados que permitem visualizar o panorama
representativo da situação no Brasil e os aspectos relevantes da implantação no campo
específico da educação cotejando as reflexões em suas teorias, posições, contradições, aportes
e métodos utilizados.
Damasco (2008) trabalha em sua dissertação de Mestrado em Educação o tema
“Direito à Educação: A atuação das Promotorias de Justiça e Defesa da Educação do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios entre 2001 e 2007”. Desenvolve uma
análise sobre a garantia do direito à educação mediante o levantamento e análise de sessenta e

______________
1
Decisões que não modificam para melhor a situação estrutural educacional, política, econômica e social.
Decisões que mantém a incógnita no plano da solução do problema “A pior decisão é a indecisão.” (Benjamin
Franklin).
33

duas Recomendações Públicas Educacionais e entrevistas com membros das Promotorias de


Justiça e da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (PROEDUC), responsável pelas
ações em defesa da educação no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal.
Os resultados alcançados nessa pesquisa relacionam-se à garantia do acesso à
educação no DF; à permanência na escola com qualidade de ensino; à participação na gestão
escolar e à natureza pública da escola.
O trabalho da PROEDUC é realizado mediante audiências e formulação de Termos
de Ajustamento de Condutas (TAC), que se resumem em acordos para a solução de
determinados problemas, fixando-se prazos para o cumprimento das obrigações determinadas.
O trabalho da Promotoria é desenvolvido no âmbito extrajudicial como fórmula prévia para a
solução dos conflitos apresentados no âmbito das escolas.
Schimidt (2007) desenvolveu em sua Dissertação de Mestrado em Educação o tema
“Violência como uma expressão da questão social: suas manifestações e seu enfrentamento no
espaço escolar”. O trabalho investigativo teve como foco as ocorrências da violência nas
escolas e a atuação do Conselho Tutelar, da Promotoria da Infância e Juventude e da
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. Foram Analisados inquéritos das
Delegacias e realizadas entrevistas com representantes dos Conselhos Tutelares e
Promotorias, concluindo que os trabalhos realizados contra a violência é a judicialização,
sendo que foram registradas ações que possuem o cunho punitivo/repressivo e não protetor.
Bózi (2006), em sua Dissertação de Mestrado titulada “Garantia do Direito à
alimentação no direito brasileiro”, analisou a fome, suas causas e conseqüências, abordando o
direito à vida e ao mínimo existencial, o conceito de segurança alimentar e nutricional e as
normas referentes ao direito à alimentação no Direito Internacional, no Direito Comparado e
no Direito Brasileiro. Trabalhou com as políticas públicas e a Judicialização do direito à
alimentação.
Correa (2006), com o tema “A constituição e sua defesa: Ministério Público como
defensor da Constituição”, em seu Mestrado em Direito, historiou o conceito de Constituição,
os meios utilizados para prevalência da Constituição nas tradições Européia e Norte-
Americana. Desenvolveu uma análise da judicialização da política pela ótica da atuação do
Ministério Público como garantidor dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Terrazas (2008), com “O poder judiciário como voz institucional dos pobres: o caso
das demandas judiciais por medicamentos”, tema da sua Dissertação de Mestrado, abrangeu
aspectos dos processos de judicialização dos direitos sociais, com base no ativismo judicial,
34

destacando o crescente número de demandas judiciais solicitando medicamentos. Apontou os


argumentos contrários à atuação judicial em questões de direitos sociais, relacionando a falta
de legitimidade dos juízes e a falta de capacidade institucional para resolver contendas de
natureza social. Apontou ainda argumentos favoráveis ao ativismo judicial relatados como a
capacidade de tornar visíveis os interesses desconsiderados no processo político-democrático
e como a voz dos excluídos.
Esteves (2005) trabalhou com os “Direitos fundamentais sociais na jurisdição do
STF”, buscando identificar qual tem sido a postura do Poder Judiciário brasileiro e seu grau
de comprometimento quanto à realização desses direitos inscritos no título dos direitos
fundamentais da Constituição Federal, nos seus artigos 6º a 9º, especialmente os direitos à
saúde, à educação, à moradia, ao lazer, à previdência social, ao salário mínimo, à assistência
aos desamparados e à proteção à infância. Destaca o modelo político-ideológico vigente no
País mediante as decisões do STF.
Borges (2007) disserta sobre “A atuação do sistema de justiça na efetivação dos
direitos fundamentais: Um estudo sobre o direito à educação básica na Comarca de
Florianópolis S/C no período de 2000 a 2005.” Aborda a omissão dos poderes executivo e
legislativo quanto à criação e implementação de políticas públicas para efetivação dos direitos
sociais, e as vantagens e desvantagens da atuação do Sistema de Justiça nessa função. A
pesquisa delimitou-se na análise da atuação do Ministério Público e do Judiciário,
considerando-a como positiva na defesa do direito à educação, embora lance considerações
sobre a atuação da segunda instância que tem mantido aspecto conservador, prevalecendo
ainda entendimentos da norma, da separação dos poderes e discricionariedade administrativa.
Colares (2006) dissertou sobre a “Exigibilidade Judicial dos Direitos Sociais”,
descrevendo os argumentos das críticas à judicialização da política e as fronteiras do sistema
jurídico e do político, no papel do judiciário brasileiro de efetivação dos direitos sociais, como
garantidor do mínimo existencial.
Chrispino, Álvaro; Chrispino, Raquel (2008), em seu ensaio “A Judicialização das
relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores”, apresentaram o fenômeno da
judicialização das relações escolares, que se caracteriza pela ação da Justiça no universo da
escola e das relações escolares, resultando em condenações das mais variadas. Demostraram
que os atores principais da educação não estão sabendo lidar com todas as variáveis que
caracterizam as relações escolares e indicaram os deveres dos educadores instituídos pelo
35

Novo Código Civil, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código de Defesa do
Consumidor que, em geral, não são alvos de estudos dos educadores.
Deram exemplos quanto aos problemas da relação escolar levados à Justiça e à
ordem da jurisprudência. Por fim, propuseram um novo pacto entre os atores educacionais
(professores, gestores e comunidade) a fim de preparar os educadores para que possam dar
direção e tomar decisões sobre o universo escolar, fazendo-se efetivos protagonistas das
relações escolares.
O Estado do conhecimento da judicialização da educação, mesmo em reduzido
volume de pesquisas existentes, abrangeu aspectos diversos como a escola e as relações entre
os atores da educação, a atuação do Ministério Público por suas Promotorias especializadas,
as atividades dos Conselhos Tutelares, a omissão dos poderes da República, a violência no
espaço escolar, a judicialização como a voz institucional dos pobres e o direito à alimentação
e à vida, temas que se supõe os mais incidentes no meio educacional.
Mencionadas pesquisas, embora em seus objetos, tangenciem a temática deste
trabalho de tese, a ela não guardam maiores ou diretas relações e identificações, quer em suas
temáticas e delimitações, estruturas de composição, delimitações, métodos, procedimentos ou
paradigma de aporte.
No universo dos trabalhos aqui levantados, pertinentes à judicialização no campo
educacional, maiores destaques foram dados às investigações relacionadas à atuação do
Ministério Público, como instituição mais próxima do cidadão no sentido de atender aos seus
ensejos para requerer a solução dos seus conflitos, ou de buscar o reconhecimento aos seus
direitos.
O Ministério Público, por seus membros, trocou o traje simbólico da acusação, tão
conhecida no Tribunal Popular do Juri, pela beca representativa da defesa do cidadão e da
coletividade ao receber novas atribuições conferidas pela Constituição Federal de 88,
especialmnte o constante do Art. 127 – “O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. (grifo meu).
O estabelecimento das novas funções, determinadas pela Constituição de 1988,
trouxe/traz novos atores para o campo social; dentre eles, os representantes do Ministério
Público que na conformidade com o paradigma do neoconstitucionalismo, dos direitos
humanos e dos chamados novos direitos, vêm encontrando na jurisdição constitucional o
instrumento que compreende necessário para garantia da ordem vigente.
36

A jurisdição constitucional é compreendida como instrumentos de defesa da


Constituição criados e determinados pela própria Constituição por força do seu caráter de
norma soberana, podendo ser observado que a aprovação de uma nova Constituição implica
na instauração automática de um novo ordenamento jurídico. Ocorre que toda a legislação
ordinária, aprovada sob a égide da Constituição anterior, continua sendo aplicada, passível,
portanto, de revisão e questionamentos, que ocorrem segundo o controle de
constitucionalidade pelos critérios difuso2 e concentrado3
A jurisdição constitucional está sendo concebida e aplicada sob novas perspectivas
que são analisadas por Viana (1999, p. 22, grifo do autor), da seguinte forma:

A partir de um enfoque mais sociológico, a judicialização das relações sociais


ressalta o surgimento do Judiciário como uma ‘alternativa para a resolução de
conflitos coletivos, para a agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação da
cidadania’.

Seguindo a discussão referente as mudanças conceituais e práticas da judicialização


os estudos de Vieira; Camargo; Silva (2009, p. 1, grifos dos autores), analisam esse fenômeno
no qual expõe a perspectiva lógico argumentativa:

Por último, segundo uma perspectiva lógico-argumentativa, a judicialização também


significa a difusão das formas de argumentação e decisão tipicamente jurídicas
para fóruns políticos, institucionais ou representando, assim, a completa
domesticação da política e das relações sociais pela “linguagem dos direitos” e,
sobretudo, pelo discurso constitucional.

O despertar do sujeito para os novos direitos garantidos pela Carta Soberana encontra
na Instituição do Ministério Público seu primeiro espaço de reivindicação, caracterizado, de
forma subliminar, pela invasão do direito (linguagem dos direitos) no campo da política e das
relações sociais, como mestre auxiliar do juiz do destino das instituições e do povo.
O direito, que tem se portado de forma incisiva como uma engenharia social,
encarregou-se da domesticação da política e das relações sociais mediante a solução dos
______________
2
O controle difuso, também denominado concreto, incidental ou descentralizado, ocorre no âmbito de um caso
concreto posto à análise do Poder Judiciário e se efetiva de forma incidental em qualquer processo posto à
apreciação dos magistrados de primeira instância ou dos Tribunais, inclusive superiores, e não integram o objeto
da lide. Seus efeitos, via de regra, operam-se ex nunc (a partir de então) e somente entre as partes
3
Pela via concentrada, o controle dá-se perante o Supremo Tribunal Federal, através da instauração de um
processo objetivo em que se busca a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou
ato normativo de forma abstratamente considerada, contrastando-a com a Carta Magna. Tal controle é efetivado
no âmbito de Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade ou, ainda, através
de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e seus efeitos atingem a todos, são erga omnes, e, em
regra, opera-se ex tunc (retroativamente).
37

conflitos coletivos, na tarefa anunciada de reconfeccionar o tecido social, esgarçado nos


embates políticos.
Nessa ótica, a injunção dos novos posicionamentos políticos jurídicos indicam a
montagem de verdades formatadas sob um olhar marcado pelo estrabismo de uma ordem de
regime de verdades, marcado pelas articulações da biopolitica com a educação, alimentando-
se do brilho judicializante, no hemisfério das grandes decisões.
Esquecem, no entanto, que é possível, e por isso se luta, pelo surgimento das luzes a
iluminar a silhueta dos excluídos do acesso aos bens sociais, conduzindo, ainda que
lentamente, para a insurreição do saberes contra o sistema de regime de verdades, hoje
hegemônico, e para tanto trabalhando na esteira da problematização do tempo presente na luta
por uma nova governamentalidade.
As investigações desenvolvidas têm apontado para um novo papel político reservado
às Cortes da Justiça que é o de expandirem-se, tendo na instituição do Ministério Público e
das Cortes Judiciais uma aposta na supremacia do Poder Judiciário.
O volume de trabalhos de investigação sobre a judicialização, nos demais domínios
do conhecimento, é bem maior que o da educação, excendo a 100 (cem) pesquisas, o que
levou-se a considerar suficiente, neste plano revisional, a verificação tão só de 18 pesquisas
adiante mencionadas...
Em todos os trabalhos levantados, o eixo de discussão, traçado em teia, tem,
similarmente, o mesmo sentido reflexivo das investigações sobre a judicialização da
educação, embora haja outras ponderações quanto às posições favoráreis e contrárias a todo
esse processo.
Foram coletados estudos representativos das análises realizadas em campos como a
saúde, políticas públicas, relações familiares, dentre outros campos de incidencia da
judicialização. Como não se trata de tema diretamente vinculado ao objeto desta pesquisa,
procurou-se resumir a citação ao relato dos trabalhos por seus títulos e autores. São eles:
“Controle Judicial das Políticas Públicas: a questão da reserva do possível, da
legitimação e do princípio da separação dos poderes. Mestranda: Nicole Mazzoleni Facchini.
(FACCHINI, 2009).
“Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e
eqüidade”/“Judicialization of public health policy for distribution of medicines”. Autor(es):
Chieffi, Ana Luiza; Barata, Rita Barradas. Fonte: Cad. Saúde Pública 25(8): 1839-1849, ND.
2009 Aug. SciELO. Brasil.
38

“Judicialização da política externa e direitos humanos”. Autor(es): Couto, Estevão


Ferreira. Fonte: Rev.Brasileira de Política Internacional. 47(1): 140-161, ND. 2004 Jun.
SciELO. Brasil.
“A judicialização da competição política: o TSE e as coligações eleitorais”.
Autor(es): Marchetti, Vitor; Cortez, Rafael. Fonte: Opin. Pública 15(2): 422-450, ILUS,
GRA, TAB. 2009 Nov. SciELO. Brasil.
“Dezessete anos de judicialização da política” /“Seventeen years of judicializing
politics”. Autor(es): Vianna, Luiz Werneck; Burgos, Marcelo Baumann; Salles, Paula Martins
Fonte: Tempo soc. 19(2): 39-85, GRA, TAB. 2007 Nov. SciELO Brasil.
“Sentidos da judicialização da política: duas análises”- The meanings of
juridification”. Autor(es): Maciel, Débora Alves; Koerner, Andrei. Fonte: Lua Nova (57):
113-133, ILUS. 2002.
“Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?”/“The
judiciary and privatizations in Brazil: is there the judicialization of politics?”/“Pouvoir
judiciaire et privatisations au Brésil: existe-t-il une judiciarisation de la politique?”
Autor(es’): Oliveira, Vanessa Elias de. Fonte: Dados 48(3): 559-686, GRA, TAB. 2005 Sep.
“Conflitos e impasses da judicialização na obtenção de medicamentos: as decisões de
1ª instância nas ações individuais contra o Estado do Rio de Janeiro, Brasil, em
2005”/“Conflicts and impasses in the judicialization of the supply of medicines: circuit court
rulings on claims brought against the State of Rio de Janeiro, Brazil, in 2005”. Autor(es):
Borges, Danielle da Costa Leite; Ugá, Maria Alicia Dominguez. Fonte: Cad. Saúde Pública
26(1): 59-69, TAB. 2010 Jan.
“Um estudo sobre as condições facilitadoras da judicialização da política no Brasil”:
“A study about the conditions that make it possible Judicialization of politics in Brazil”.
Autor(es): Verbicaro, Loiane Prado. Fonte: Rev. direito GV 4(2): 389-406, ND. 2008 Dec.
“A judicialização da política na Colômbia: casos, potencialidades e
riscos”/“Judicialization of politics in Colombia: cases, merits and risks”/“La judicializacion
de la política en Colombia: casos, potencialidades y riesgos”. Autor(es): Yepes, Rodrigo
Uprimny. Fonte: Sur, Rev. int. direitos human. 4(6): 52-69, ND. 2007.
“Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da
estratégia política”/“Political parties in and out of power in Brazil: judicialization as a
contingent result of political strategy”/“Les partis dans et hors le pouvoir: la judicialisation
39

comme résultat éventuel des stratégies politiques”. Autor(es): Taylor, Matthew M.; Da Ros,
Luciano. Fonte: Dados 51(4): 825-864, GRA, TAB. 2008 .
“Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova
abordagem”/“In search of judicialization of politics: notes for a new approach”/“À la
recherche de la judicialisation de la politique: notes pour une nouvelle approche”. Autor(es):
Carvalho, Ernani Rodrigues de. Fonte: Rev. Sociol. Polit. (23): 127-139, ILUS, GRA, TAB.
2004 Nov.
“Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?”/“The
judiciary and privatizations in Brazil: is there the judicialization of politics?”/“Pouvoir
judiciaire et privatisations au Brésil: existe-t-il une judiciarisation de la politique?”.
Autor(es): Oliveira, Vanessa Elias de. Fonte: Dados 48(3): 559-686, GRA, TAB. 2005 Sep.
“Revisão judicial e judicialização da política no direito ocidental: aspectos relavantes
de sua gênese e desenvolvimento”/“Judicial review and the judicialization of politics in
western law: relevant aspects of gênesis and development”/“Revision judiciaire et
«judicialisation» de la politique dans le droit occidental: aspects importants de sa genèse et
développement”. Autor(es): Carvalho, Ernani. Fonte: Rev. Sociol. Polit. (28): 161-179, TAB.
2007 Jun.
“Uma experiência de supervisão na área psicossocial: desafios teórico-práticos”/“An
experience of supervision in the psycho-social field: theoretical and practical challenges”.
Autor(es): Faleiros, Vicente de Paula Fonte: Rev. katálysis 12(2): 258-267, ILUS. 2009 Dec.
“Poder de decreto e accountability horizontal: dinâmica institucional dos três poderes
e medidas provisórias no Brasil pós-1988”/“The power to decree laws and horizontal
accountability: the institutional dynamics of the three powers and temporary acts in Brazil in
the post-1988 period”/“Pouvoir de décret et accountability horizontal: diynamisme
institutionnel des trois pouvoirs et mesures provisóires au Brésil après 1988”. Autor(es): Da
Ros, Luciano. Fonte: Rev. Sociol. Polit. 16(31): 143-160, GRA, TAB. 2008 Nov. SciELO
Brasil Idioma(s): Português.
“Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos”/“Law and
politics: the Ministério Público and the defense of collective rights”/“Droit et politique: le
Ministério Público et la défense des droits collectifs”. Autor(es): Arantes, Rogério Bastos
Fonte: Rev. bras. Ci. Soc. 14(39): 83-102, FIG GRA TAB. 1999 Feb.
40

Os estudos que vêm sendo desenvolvidos no campo da judicialização estão bem


representados pelos estudos de Barroso (2005, p. 2), que investiga a ação do Poder Judiciário
frente ao constitucionalismo contemporâneo:

O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa,


ao longo da segunda metade do século XX, e, no Brasil, após a Constituição de
1988. O ambiente filosófico em que floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como
principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força
normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das
diferentes categorias da nova interpretação constitucional

Toda atuação renovatória de fundo constitucional ainda está sendo absorvida pelos
diversos domínios do Poder Judiciário em seus espaços de atuação, mas, as análises
acadêmicas já realizadas dão mostras da grande influência provocada no cenário brasileiro, na
vida do cidadão brasileiro, que contempla agora a figura emblemática do Leviatã Hobbesiano,
travestido na Toga da Magistratura, efetuando retificações no Acordo Rousseauniano, quanto
às ações de controle do sujeito Estado.

1.2 Abordagens Conceituais sobre a Judicialização

O projeto político da modernidade foi alicerçado na crise radical da sociedade, no estremecimento da ordem do
direito e do estado, na crítica radical das relações políticas e na experiência da exploração e da opressão.

(OTFRIED HOFFE, 2005)

A Judicialização da Educação é uma figura de juízo, construída no domínio do


Direito Constitucional, como parte integrante da judicialização da política, consolidada no
século XX no arcabouço do modelo paradigmático do Estado Constitucional denominado
“Estado Democrático de Direito”.
O constitucionalismo moderno, no cenário contemporâneo, foi superado pelo
neoconstitucionalismo que se caracteriza como uma movimentação doutrinária que tem na
41

preocupação com a tutela aos direitos fundamentais sua principal peculiaridade, fato que
conduziu a Justiça à realização de uma leitura principiológica4 e valorativa da Constituição.
O marco filosófico do novo Direito Constitucional é a convergência das duas
correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito, como modelos
puros: o Jusnaturalismo e o Positivismo. (BARROSO, 2006).
Para uma melhor compreensão da figura jurídica da Judicialização é importante
revisitar os modelos paradigmáticos dos Estados Constitucionais desenvolvidos e aplicados ao
longo dos períodos moderno e contemporâneo.
Os pensamentos de Montesquieu (1996) “O espírito das leis” e de Locke (1998)
“Dois tratados sobre o governo civil” foram os maiores contributos teóricos para a formação
do Estado Liberal que teve por fundamentos a separação dos poderes, a teoria do império das
leis e dos princípios norteadores dos direitos fundamentais.
Esse modelo paradigmático estabelecia, ao Estado não interventor, o devido controle
das relações sociais pela força coercitiva da lei, expressando entendimento do Direito como
norma legal, compreendida em um sistema normativo. Rompeu com o modelo feudal no
sentido de considerar o homem como sujeito de direitos, dotado de liberdade, igualdade
perante a lei, criando a tutela jurisdicional, os direitos políticos etc.
A base essencial desse paradigma foi estabelecer uma ordem política, isto é, manter o
controle político da sociedade mediante a aprovação de um estatuto jurídico- político, a Carta
Constitucional. Assim, tendo na lei o fundamento da ação do Estado, coube ao Poder
Legislativo a supremacia entre os poderes, por ser detentor da produção normativa. Ao Poder
Judiciário, a incumbência da tarefa específica da aplicação da lei, atendendo ao sentido literal
da norma, restringindo qualquer tipo de interpretação. Ao Poder Executivo, a implementação
do direito legislado.
A realidade demonstrou que todo aparato constitucional garantidor de direitos não foi
suficiente para alcançar a massa populacional que se viu massacrada pela exploração do
trabalho e desprovida dos meios de sustento e dignidade de vida, fatos geradores de diversos e
seguidos movimentos sociais.
A crise do liberalismo impôs uma reavaliação paradigmática do modelo do Estado
Constitucional, frente a situações econômicas graves e que permeavam os segmentos sociais
provocando extraordinários prejuízos. Nesse vale de incertezas, geradas pelo capitalismo em
______________
4
Leitura Principiológica – utilizado no direito como a forma de se proceder a leitura da norma jurídica pelos
princípios adotados pela constituição.
42

sua prática gestada pela política liberal é que surgiu o Estado Social de Direito, demandando a
criação dos direitos denominados de 2º geração, (Direitos Coletivos e Sociais).
Habermas (1997) analisa esse momento como a busca da materialização dos direitos
de 1ª geração (Direitos Fundamentais) e a implementação dos novos direitos refletidos na luta
por igualdade.
Nas figuras do Bem-Estar Social, ou Social de Direito, o Estado passou a exercer
novas atribuições de intervenção na economia e na sociedade. No campo do Direito
desenvolveu-se uma reinterpretação ao configurar regras e princípios, associando o valor à
norma. Ao juiz foi estendida a possibilidade interpretativa da lei (análise teleológica,
sistêmica e histórica), deixando de ser mero aplicador mecânico da lei, para tornar-se seu
intérprete.
Novas rupturas ocorreram provocando uma nova crise do sistema capitalista, que
culminou por levar à exaustão o paradigma do Estado do Bem-Estar Social. No redesenho
desenvolvido foi exigida uma nova configuração do Estado Constitucional. Os movimentos
sociais travaram lutas em busca de uma posição alternativa ao Estado Social, frente aos
problemas gerados pela alteração nos processos do modo de produção capitalista.
Surgiram nesse momento de crise os direitos de 3ª geração (Direitos Difusos) e
evoluiu a acentuação interpretativa dos direitos de primeira e segunda gerações, culminando
com a pactuação impositiva de um novo modelo de Estado Constitucional denominado Estado
Democrático de Direito.
Se no Estado do Bem-Estar Social a prevalência entre os poderes esteve com o Poder
Executivo, no Estado Democrático de Direito a participação do Poder Judiciário foi ampliada
como forma de legitimação da nova figura paradigmática de Estado.
Finalmente, o Direito consegue um reencontro com a moral a partir da ruptura da
estrutura jurídica com o positivismo normativista Kelsenniano e a conseqüente transformação
processada no ordenamento jurídico, elevando-se regras e princípios à posição normativa
hegemônica.
Habermas (1997, p. 246) recomenda que: “Os julgamentos dos juízes que decidem
um caso atual devem levar em conta o horizonte de um futuro presente, fincados na validade à
luz de regras e princípios legítimos, uma vez que as decisões judiciais, do mesmo modo que
as leis são criaturas da história e da moral.”
O que se tem mostrado é a aplicação de princípios adequados à situação fática
apresentada, segundo a realidade que envolve o caso em julgamento, como forma de ajustar
43

aos casos difíceis uma nova dogmática de interpretação constitucional necessária à melhor
aplicação do Direito para obtenção da Justiça.
Dentro de novos parâmetros estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito abriu-
se uma nova dogmática de interpretação constitucional, pois, as normas constitucionais
passaram a ser dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas e, frente
a sua inobservância, o deflagrar dos mecanismos próprios da coação, o cumprimento pela
força. (BARROSO, 2006).
Essa transição paradigmática se deu a partir do pós-guerra, criando uma conceituação
pós-positivista do Direito, na qual, a ética foi estabelecida como eixo estrutural alicerçado em
valores e princípios historicamente produzidos.
O pós-positivismo abriu caminhos para o debate sobre a Justiça agora conduzida sob
os alicerces da esteira do ativismo judicial, que se desenvolveu sob três vertentes: o
substâncialismo, o procedimentalismo e o pragmatismo.
Esses movimentos, considerados como modelos de interpretação constitucional,
provocaram uma alteração substancial no sistema operacional da Justiça que transitou do
formalismo, no qual se encontrava encapsulada, para o pragmatismo que a aproxima da
realidade na qual se encrava o caso concreto levado a julgamento.
Para adequação do sistema judicial à esse novo momento foi necessária a construção
de novas formas de interpretação que se identificam como uma espécie de criação normativa,
demonstrando com isso que o positivismo jurídico não consegue mais responder às
necessidades reais pautadas no cenário social, fato a impor o surgimento de novos aparatos de
julgamento para atender ao Estado Constitucional de Direito.
Pode-se afirmar que a judicialização dos conflitos políticos provocou uma
reestruturação do processo judicial brasileiro, pois o juiz deixou de ser servo da lei em sua
aplicação processual, para ser o seu intérprete, mediante o uso das lentes dos princípios,
diretrizes e valores estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, agora sob a forma de
norma jurídica, razão inequívoca da concessão de maior liberdade, arbítrio e
discricionariedade5 à atividade jurisdicional construtiva.
Alguns estudos desenvolvidos no Brasil têm considerado o Judiciário Ativista como
um caminho para as minorias. Nesse sentido, pontuam a dissertação de mestrado de Olsen,
______________
55
Discricionariedade - É a qualidade do poder discricionário. Traduz-se em apresentar o poder que é conferido à
Administração Pública para agir livremente, ou seja, sem estar vinculada à determinada conduta, desde que aja
dentro dos limites legais e em defesa da ordem pública. Tal poder assegura a posição de supremacia da
Administração Pública sobre o particular.
44

(2008), “A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais Frente à Reserva do Possível”; a


dissertação de Moro, (2001), “Desenvolvimento e Efetivação Judicial das Normas
Constitucionais”, o livro de Krell, (2002), “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na
Alemanha: os (dês)caminhos de um direito constitucional comparado”.
Vianna; Cunha Melo; Burgos (1997, p. 32) sustentam a posição de que a
judicialização da política representa profundas transformações nos campos jurídicos e
político-institucional, nesse sentido o Poder Judiciário ascende à posição de instituição central
para a democracia brasileira, ao intervir nos domínios social e político.
Revendo as considerações filosóficas jurídicas de Capelletti (1993), Garapon (1999),
Habermas (1997) e Dworkin (1999), foram estabelecidos, para esta pesquisa, os conceitos
adiante descritos referentes aos princípios do ativismo jurídico, jurisprudência sociológica e
realismo legal, que dão suportes teóricos à judicialização.
Ativismo Jurídico – é a interpretação normativa tendo a Constituição Federal como
horizonte normativo da ordem social e política democrática. É o Judiciário assumindo papel
relevante na garantia dos direitos e na contenção das maiorias. Tem finalidade de modificar
uma imposição de lei, no âmbito da interpretação judicial, para um processo justo, abolindo o
formalismo excessivo.
Jurisprudência sociológica – A ciência jurídica deve ser uma espécie de engenharia
social, uma disciplina que desenvolva ferramentas voltadas a fomentar o progresso da
sociedade. Portanto, a prática não deve estar direcionada para a aplicação de normas, mas para
a satisfação dos interesses sociais mais relevantes.
Realismo legal – é marcado como um processo de interpretação aplicado aos casos
complexos, que para toda a aplicação da lei seja exigido que o juiz faça referências a fontes
externas (isto é, não legais), como exemplo a concepção de justiça do juiz, ou menção a
normas conceituais. O realismo legal formula conceitos nos quais indica que os valores legais
passam a ter fundamento não só em normas ou proposições, mas na situação problemática
apresentada pelos homens na sociedade, frente ao caso processual posto, ou nas situações
vividas pelos sujeitos, passíveis da intervenção judicial.
Ainda é pouco conhecido o impacto da judicialização da educação no mundo social
por ser matéria de recente aplicação no campo do Direito o que resulta em se mostrar
necessário um maior número de reflexões e pesquisas sobre a temática no plano teórico-
filosófico, sociológico, político, educacional e prático.
45

A judicialização da educação está compreendida em um campo de saber surgido na


contemporaneidade sob dois pontos de referência: o primeiro, as regras de Direito que
delimitam o poder e o segundo, os efeitos de verdade que o poder produz.
Têm-se, dessa forma, o Poder, o Direito e a Verdade como categorias de análise a
pautarem o processo interpretativo das relações enunciativas do discurso configuradas como
domínios do saber.
A evolução do direito constitucional brasileiro frente às novas dinâmicas do mundo
contemporâneo, pontuadas pela primazia do Poder Judiciário na solução de conflitos
coletivos, concedeu maiores mecanismos de controle, tendo, no referendo dos direitos
fundamentais, o suporte para julgar e decidir.
Deve-se frisar que os trabalhos que vem sendo produzidos sobre a Judicialização da
Educação não têm desenvolvido aprofundadas reflexões sobre o ativismo judicial, a
jurisprudência sociológica e o realismo legal, fato a indicar ser necessário buscar os suportes
teóricos da Judicialização da Política, em seus aspectos gerais, que tem em Capelletti (1993),
Garapon (1999), Habermas (1997) Dworkin (1999), suas maiores expressões.
Capelletti, (1993), em sua obra “Juízes Legisladores?”, tece uma análise crítica sobre
o Direito Jurisprudencial considerando que a expansão do papel do Judiciário é uma tendência
universal, porém, questiona o grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da
ideação do Direito por obra dos tribunais judiciários, que tem sido considerado por alguns
setores como de total liberdade do juiz ao dar interpretação ao caso em julgamento.
Assevera o autor que essa intensificação da ação judicial tem sido marcada como um
fenômeno do século XX, em que o formalismo jurídico foi cedendo espaços para uma maior
criatividade dos juízes. Tal fato se deveu ao crescimento do papel do Direito e do Estado, com
a implementação de medidas como o controle da constitucionalidade das leis.
A hipertrofia institucional do Poder Judiciário ocorreu na medida em que foi
ultrapassado o tradicional papel que exercia na divisão de poderes, o de decidir conflitos de
natureza essencialmente privada, para assumir o exercício de uma nova grade de ação pautada
no pós-positivismo, desenvolvendo a edificação de um sistema de controle sobre os outros
poderes, destinado a realizar ingerências sobre os domínios políticos, sob o estímulo da
expansão dos conflitos em conseqüência do grande crescimento das sociedades modernas.
Capelletti (1993, p. 60) aponta que outro efeito relevante da função judiciária se
fundamenta no papel dos juízes na proteção dos interesses coletivos e difusos: “[...] pela razão
46

de que tais leis e direitos freqüentemente são muito vagos, fluidos e programáticos, mostra-se
inevitável alto grau de ativismo e criatividade do juiz chamado a interpretá-los”.
Ao discutir o grau de criatividade dos juízes, afirma:

Trata-se [...] de problema que não pode se resolver com um claro sim ou não à
criatividade dos juízes. Tal criatividade, ou, para ser mais preciso, alto grau de
criatividade, pois bem vimos como se trata essencialmente de problema apenas de
natureza quantitativa, pode ser benéfica ou maléfica, segundo as muitas
circunstâncias contingentes, de tempo e lugar, de cultura, de necessidades reais de
determinada sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização e estrutura
das instituições e, não por último, dos tipos de magistratura que exercem tal
criatividade (CAPELLETTI, 1993, p. 92).

Garapon (1999) desenvolve suas considerações sobre o ativismo judicial em sua obra
“Juiz e a Democracia”, compreendendo-o como um processo de mudança social provocado
pelo enfraquecimento do Estado frente às imposições do mercado e pelo desmoronamento
simbólico do homem e da sociedade democrática. Afirma que a expansão jurídica ocorrida de
forma acelerada não é conjuntural, mas ligada às sociedades democráticas.
Lieberman (1981) declara que a explosão do número de processos não é um
fenômeno jurídico, mas social, sendo originado pela depressão social que se tem reforçado
pela expansão do Direito.
Garapon (1999) considera que os laços sociais anteriores foram rompidos, como a
Família, a Igreja, o Estado provedor, surgindo, em substituição, um processo de
contratualização das relações sociais regulando a vida humana. Compreende o autor que
outros fatos deram causa à ampliação do poder judicial como a derrocada do mundo
socialista, extinguindo a bipolarização geopolítica do mundo, o que significou uma
desvalorização simbólica do mundo político, permitindo que o poder fosse expandido além
fronteiras de forma transnacional a exigir regulamentações por organismos internacionais.
Igualmente, o autor assegura que a judicialização tem como uma de suas causas a
jurisdicização das relações sociais efetuada pelo mundo político. Reduziu-se a mobilização
social dando lugar ao debate judiciário para o desenvolvimento da luta social.

A sociedade democrática desfaz os laços sociais e os refaz socialmente. Ela é


obrigada, hoje, a fabricar o que antigamente era outorgado pela tradição, pela
religião ou pelos costumes. Forçada a ‘inventar’ a autoridade, sem sucesso, ela
acorre então para o juiz. (GARAPON, 1999, p. 140, grifo do autor).
47

Alerta o autor que as conseqüências da nova posição do Judiciário ainda são


imprevisíveis, sendo necessário atentar para a transformação da justiça como símbolo da
moralidade pública e da dignidade democrática, não podendo o mundo político ser substituído
pelo mundo jurídico.
Habermas (1970) considera o ativismo jurídico como uma invasão do Direito na
Política, pois da mesma forma que o legislador não tem competência de julgar, não possuem
os juízes o direito de intervir na substância do processo legislativo por meio do controle
abstrato das normas.
Já Dworkin (1999, cap. X) defende que a interpretação do juiz deve ser “[...]
constrangida pelo princípio da coerência normativa face à história do seu direito e da sua
cultura jurídica”, portanto, não visualizando perigo à democracia a intervenção do Judiciário
no mundo político.
Tais posições doutrinárias se dividem em duas linhas, a procedimentalista e a
substancialista.
A linha procedimentalista da Justiça, representada pelos pensadores Habermas
(1997) e Garapon (1999), caracterizada pela valorização apenas parcial da judicialização e do
ativismo, adota uma posição crítica na qual considera que o Direito, ao invadir o campo da
Política, pode levar à perda da liberdade e que a maximização do Estado Judiciário, sob a
argumentação de uma Justiça Distributiva, gera a privatização da cidadania, provocando a
estatização dos movimentos sociais, a decomposição da política e a sua judicialização. Essa
situação coloca a lei e o juiz como as únicas referências do indivíduo no novo século, como
no dizer de Garapon (1999), de que a Justiça tem se tornado o último refúgio de um ideal
democrático desencantado.
O procedimentalismo traz a preocupação com o fortalecimento de uma cidadania
ativa e com a soberania popular, afirmando que o judiciário possui papel paliativo como
contrapeso das desigualdades sociais.
Estabelece, igualmente, que a função primordial do Poder Judiciário é ser um
desaguadouro das lutas civis e populares e uma garantia de um núcleo mínimo de direitos
fundamentais.
A linha substancialista da Justiça, representada por Cappelletti (1993) e Dworkin
(1999), sustenta a tese de que as novas relações entre Direito e Política serão inevitáveis e
favoráveis ao princípio da igualdade. É caracterizada pela valorização plena da judicialização
e do ativismo. Para a linha substancialista, o redimensionamento do papel do Judiciário e a
48

invasão do Direito nas sociedades contemporâneas demonstram uma extensão da tradição


democrática a setores ainda não alcançados. Nesse sentido, o ativismo judicial é valorizado
como um caminho para os desassistidos pela agenda da Justiça.
O susbstâncialismo tem a Constituição como horizonte normativo da ordem social e
política democrática, cabendo ao Poder Judiciário papel relevante na garantia dos direitos e na
contenção das maiorias esmagadoras.
Para Cappelletti (1993), o Poder Judiciário pode contribuir para o aumento da
capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a “grupos marginais” a
possibilidade de expressar suas expectativas de Direito. Tal consideração baseia-se na idéia de
que os direitos e liberdades individuais não têm sido respeitados pela vontade da maioria,
gerando graves ameaças aos direitos das minorias.
Dworkin (1999, p. 37) recusa uma posição passiva do Judiciário neste novo
momento por que passa a humanidade. Para ele, a interpretação do juiz deve ser “[...]
constrangida pelo princípio da coerência normativa face à história do seu direito e da sua
cultura jurídica”. Destarte, de acordo com a linha substancialista, o Judiciário deve assumir o
papel de um intérprete que evidencia a vontade geral, implícita no texto constitucional, e deve
ser o guardião dos direitos jurídicos e morais decorrentes das tradições e do arranjo político
das sociedades.
Dessa forma, a judicialização da política no Brasil pode ser compreendida sob duas
posições:
1) Sociológica: compreende a judicialização como uma conjunção de fatores macro
sociológicos e políticos, que requer constante vigilância dos benefícios ou
malefícios desse agir para a democracia; e,
2) Institucional: alusiva às estratégias institucionais referentes ao Judiciário e sua
relação com o meio político.
Tais posições não são excludentes, apenas explicitam os aspectos da aplicação da
judicialização nos diversos domínios.
Os discursos da judicialização compõem um campo de saber/poder do Direito,
consolidado em posições doutrinárias de interpretação sob a égide dos princípios
constitucionais e complementados por um compêndio de leis e acórdãos jurisprudenciais que
autorizam o Poder Judiciário a decidir inúmeras questões de ordem social nas diferentes
esferas da sociedade.
49

Enquanto saber construído por peculiaridades próprias, a judicialização representa


um rearranjo do modelo político do aparelho de Estado, permitindo intervenções, por
“julgamentos”, desdobrados em benéficos ou penalidades. O Poder Judiciário organiza suas
estratégias de domínios na condição de intérprete da lei e da constituição reguladora da
estrutura do Estado.
Nota-se que o caso da Judicialização da Educação tem se distinguido pela
intervenção do Poder Judiciário provocado por atos propugnatórios exercidos pelo Ministério
Público, Defensoria Pública e pelo cidadão comum, tendo por propósito revisar a decisão de
outro poder - político/administrativo, tomando como base argumentativa dos pedidos judiciais
o aparato de interpretação da regularização da ordem. A Judicialização da área da educação
representa a ação da Justiça, no campo das relações escolares, no comprometimento por uma
das partes, do não cumprimento da ordem instituída.
No livro “The Global Expansion of Judicial Power”, de Tatte e Vallinder (1995), a
explicação de que a ampliação do poder judiciário no campo dos poderes governamentais se
deve à queda do comunismo no Leste Europeu e ao fim da União Soviética, por serem fatores
que fortaleceram o capitalismo e o mercado, favorecendo o recebimento de influências da
Ciência Política e das decisões jurisprudenciais.
Carvalho (2004, p. 115-126) comenta as investigações realizadas por Tatte e
Vallinder afirmando que os autores criaram um “quadro condicional” composto de seis itens
que são condições políticas para o surgimento da judicialização: Democracia; Separação dos
poderes; Direitos Políticos; O uso dos tribunais pelos grupos de interesse; O uso dos tribunais
pela oposição; e, A inoperância das instituições majoritárias (Poder Executivo e Poder
Legislativo).
Nos países estudados por esses autores, a democracia integrava o ambiente político o
que propiciou condições para a expansão do Poder Judicial. Igualmente, Tatte e Vallinder
afirmam que os dados levantados apontavam a existência da separação dos Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) e a existência de direitos políticos, devidamente
reconhecidos por suas Constituições.
As teses da judicialização, no que tange à jurisdição constitucional (visão ativista ou
contida) constituem-se em pontos de debate ideológico-normativo, tendo no mundo
acadêmico nacional e internacional segmentos favoráveis e contra. De um lado, as posições
favoráveis de Dworkin (2001), “Uma questão de princípios”; Cappelletti (1993), “Juízes
legisladores?”; de outro lado, os que se posicionam favoráveis, porém, condicionando a
50

imposição de limites como Habermas (1997), “Direito e democracia - entre facticidade e


validade” e Garapon (1999), “O juiz e a democracia”.
Dentre os que se posicionam expressamente contra todo processo de judicialização
destaca-se Ely (1980) com sua obra (Democracy and Distrust; a Theory of Judicial Review).
São posições e idéias em conflito sobre a aplicação da judicialização, algumas
entendendo-a como “antidemocrática” e “monopolista” vide Mello (2001, p. 04); outras como
de “imperialismo jurídico” segundo Badinter; Breyer (2004); e uma, mais recente, como via
possibilitadora dos direitos humanos e sociais, na dicção de Chrispino; Chrispino, (2008).
Cunha (2009), em sua formulação demonstrativa do ativismo judicial, desenvolveu
um quadro teórico explicativo, no qual dimensiona os limites e possibilidades das novas
visões paradigmáticas da Justiça e do Direito.
Aponta-se uma terceira via, a pragmática, defendida por Posner (1995), na qual vem
sendo desenvolvidas teorias como o Antifundacionalismo (Recusa de verdades pré-
concebidas, todo princípio é uma hipótese); o Contextualismo (somente as circunstâncias
dimensionam o problema e é partir dele que se deve buscar a solução); o Instrumentalismo
(deve-se considerar e privilegiar o impacto instrumental das decisões jurídicas); o
Consequencialismo (a decisão deve ponderar as conseqüências, seja buscando os efeitos
desejados, seja evitando os efeitos indesejáveis); e, por fim, a Interdisciplinaridade (abertura
do raciocínio jurídico para outros campos do saber, especialmente para ajudar no
dimensionamento exato da ação desejada).
Ost (1993) afirma que o protagonismo do Judiciário levou a um excesso de
referências sobre a Magistratura criando uma crise de modelos. Para melhor compreensão, o
autor desenvolve uma classificação de três modelos de juízes, sendo eles: Júpiter, Hércules e
Hermes.
Júpiter - representa o foco na Lei, ocorre no século XIX, no Estado Liberal, tendo o
Direito hierarquizado, de cima para baixo, o Direito como lei, sendo ato de vontade da
autoridade, representando o monismo jurídico e o monismo político, desenvolvidos sob uma
racionalidade jurídica dedutiva, controlando o futuro por orientações do passado.
Hércules – representa o foco no Juiz, ocorre no século XX, no estado social, com a
sobreposição do caso concreto à generalidade da lei, isto é, considera-se o direito como
sentença judicial e exortação da jurisprudência; o juiz, como engenheiro social, dá
consistência às possibilidades jurídicas. Trata-se da racionalidade jurídica indutiva, primada
51

nos fatos sendo que nesse caso ocorre a dissolução do normativo na multiplicidade de
decisões.
Hermes – representa o foco na Hermenêutica, com a multiplicidade de atores
jurídicos e políticos em um entrelaçamento sistemático de funções institucionais, ações
jurídicas complexas, visando à realização de programas diversos. Fica definido o direito
líquido que se põe nas diversas situações ocupando os espaços disponíveis e suportando fortes
compressões, portanto, uma racionalidade discursiva e argumentativa a reporesentar uma
imbricação entre Ética e Direito como suportes da nova legitimação.
Vianna (2002) destaca que a cidadania social se fortalece com o processo de
judicialização frente às perspectivas de liberdade e igualdade, na qual, no plano político,
atende aos objetivos da cidadania e no plano jurídico-social ao sujeito de direitos.
Compreende o autor a necessidade de vencer três desafios: Fazer do Direito uma
filosofia da práxis fundada em valores sócio-históricos; Fazer o Direito expressar a vida do
povo, tanto na legislação como nas sentenças; Fazer o Direito ser capaz de manter a unidade
republicana e, ao mesmo tempo, responder às questões sociais emergentes.
A hegemonia do Poder Judicial nas principais questões da sociedade tem gerado um
sensível aumento dos conflitos jurídicos, implicando em substanciais alterações que
impuseram novas necessidades ao Poder Judiciário. Pode ser assinalado o aumento das
demandas, maior congestionamento processual e a ampliação das necessidades do próprio
poder.
O argumento justificatório da ampliação do campo da judicialização no Brasil é o da
adequação à globalização como causadora de novos conflitos em decorrência de novos
direitos, diferentemente de alguns países que vêm trabalhando em direção inversa.
Defendendo uma posição contrária à excessiva judicialização, Melo (2001, p. 06) vê
com pessimismo a inserção do judiciário nas múltiplas questões políticas e sociais, afirmando:
“[...] saímos da ditadura da farda e entramos na ditadura da toga, onde o cidadão é
transformado em vassalo do arcaísmo jurídico.”
Chrispino, A.; Chrispino, R., (2008, p. 23), em seu artigo “Judicialização das
Relações Escolares”, apontam que os indivíduos e as instituições comunitárias estão ligados
por força das circunstâncias de lutas realizadas e em realização e das informações alcançadas
no travar dessas lutas, o que têm proporcionado, na vivência do cotidiano, o conhecimento
dos seus direitos e a forma de buscar na justiça os seus reconhecimentos:
52

O fato é que os indivíduos e as coletividades conhecem todos os seus direitos,


mesmo que não consigam indicar os deveres decorrentes destes direitos
proclamados. Estes direitos proclamados, quando não cumpridos, são buscados no
espaço próprio: a Justiça, em fenômeno denominado de judicialização (VIANNA et
alli., 1999) ou juridicização (MOREIRA NETO, 2006, 2007).

O direito, consequentemente, tem-se transformado em uma estratégia social, como


meio de apaziguamento dos conflitos sociais, razão da constante reprodução em todas, e em
cada instituição representativa das comunidades, a busca incessante desse mesmo Direito. No
caso da educação, segundo Chrispino, A.; Chrispino, R., (2008, p. 23, grifo dos autores)

Ocorre, de forma derivada, o fenômeno da judicialização das relações escolares,


onde a Justiça – agora mais ágil e acessível – é chamada a dirimir dúvidas quanto a
direitos não atendidos ou deveres não cumpridos no universo da escola e das
relações escolares. A judicialização das relações escolares se dá no mesmo momento
em que percebemos a judicialização da política (quando o Poder Judiciário é
chamado para interpretar a fidelidade partidária), a judicialização da saúde (quando
a Justiça manda que sejam entregues pelo Poder Público os remédios para doentes
crônicos, ou transplantados, etc.) e a judicialização das políticas públicas. Sobre este
fenômeno, escrevem Vianna e outros (1999, p. 9): Agora, [...] o Judiciário, antes
um poder periférico, encapsulado em uma lógica com pretensões autopoiéticas
inacessíveis aos leigos, distantes das preocupações da agenda política e dos atores
sociais, se mostra uma instituição central à democracia brasileira no que diz
respeito à sua intervenção no âmbito social.

São posições controvertidas as de Melo (2001) e de Chrispino, A.; Chrispino, R.,


(2008), formando linhas diferentes de interpretação que se sustentam de um lado, na questão
da ausência da participação popular e no outro, na questão do jogo da democracia real.
O Estado Democrático de Direito, conforme se pode ver nas Constituições do séc.
XX, foi construído sob o molde de uma configuração que admitiu a inclusão de diretrizes e
programas de ação futura. Tal fato, (positivação dos valores e princípios dantes legados ao
plano do jusnaturalismo) ensejou a possibilidade do Judiciário decidir sobre matérias que no
direito anterior era de competência exclusiva do Executivo e Legislativo. Isto se dá por ser
concedido ao Judiciário a possibilidade de dar interpretação às normas de acordo com a
Constituição.
Essa capacidade interpretativa pode ser definida como Princípio do Primado da
Supremacia da Carta Magna no que se refere aos aos direitos humanos, individuais e sociais.
Isto abre outras e novas possibilidades de condições de interpretação.
53

Com o surgimento dos novos direitos sociais e coletivos, ocorreu uma redução do
chamado Poder Discricionário6 do Executivo, transferindo-o para o espaço das decisões do
Judiciário, na medida em que a forma de apreciação dos novos direitos pela Constituição da
República de 1988 outorgou ao juiz a possibilidade de analisar a realidade jurídica dando
interpretação criativa à lei.
Retornando um pouco no tempo pode-se afirmar que o surgimento da modernidade
proporcionou a primazia do político, acentuada com a inculcação da igualdade apontada no
contrato social russeauniano no sentido de considerar o homem como bom por natureza,
retratado como altruísta, piedoso, virtuoso, aquele que se despe do seu individualismo em prol
do todo que é a instituição estatal, rotulada como importante e necessária para a evolução da
sociedade.
De fato, o capitalismo, em suas necessidades relacionais, buscou o sujeito ideado
pelo modernismo russeauniano, especialmente pela ocorrência/imposição da naturalização da
obediência como condição para tornar-se um sujeito social, sentimento que caracterizou e
transformou o homem em um sujeito domesticado, obediente, resignado e conformado,
portanto, útil à produção.
Nas relações sociais a regra jurídica determinou condutas e comportamentos
subjugando os sujeitos dessas relações, fato determinante para ser instalado o processo de
alienação processada em um primeiro plano no campo do exercício da atividade laborativa
nas condições a si impostas e determinadas frente à necessidade de sobrevivência e, em um
segundo plano, pela aceitação da figura da democracia representativa nos processos de
decisão das questões políticas, que se caracteriza pela transferência dos direitos do cidadão.
A representação política é a marca do pensamento liberal cunhado no pensamento
igualitarista, uma espécie de projeto moderno elaborado por Hegel em sua obra Lições sobre a
Filosofia da História Universal (1837), na qual, a liberdade consiste somente em saber e
querer objetos universais, substanciais, como o Direito e a Lei, produzindo uma realidade que
lhes é conforme o Estado, limitando a liberdade nos limites do ente estatal.

______________
6
Poder discricionário é o que o direito concede ao administrador público de modo explícito ou implícito, para a
prática de certos atos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade ou conteúdo. À luz desse
conceito, convém desde logo esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário.
Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente distintas: discricionariedade é liberdade de ação
administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbitrariedade é ação contrária ou excedente da lei. Ato
discricionário - quando autorizado pelo direito - é legítimo e válido; ato arbitrário é sempre e sempre ilegítimo e
inválido. Daí a advertência de Jèze: «Il ne faut pas confondre pouvoir discrétionnaire e pouvoir arbitraire»
(«Droit Administratif», 1914, 1/371). (MEIRELLES, 1972, p. 287).
54

O Estado Liberal, edificado sob o pilar mestre dos direitos individuais, ancorado no
desenvolvimento da economia industrial e alicerçado na lição iluminista da lei, teve como
base para a estruturação da sociedade moderna o ordenamento jurídico e seu regramento
(códigos e constituições), formando nesse bojo de regras jurídicas, representações de oferta de
paz social, na verdade, atendendo diretamente aos interesses da burguesia em contraposição
ao absolutismo.
O nascimento do Estado Liberal Constitucional, de marca positivista, se deu sob o
signo do consentimento das pessoas com a adoção do pensamento das liberdades, garantias,
direitos e igualdades, dentro de um extenso formalismo, contrapondo ao ancien régime, que
se caracterizava por seus privilégios. Na verdade, a contraposição anunciada representou
novas estratégias com as mesmas pretensões – domínio do saber investido por relações de
poder.
O Estado Moderno garantidor da livre atuação do mercado acabou por afogar o
sujeito de direitos num imenso lago de contradições, notadamente, quanto aos princípios
inseridos nas declarações de direitos frente à uma realidade capitalista adversa. Nesse sentido
reforça-se o discurso do direito.
Os pensamentos de liberdades, garantias, direitos e igualdades, nasceram com o
Estado Moderno e promoveram a alteração da relação entre Estado e cidadão, a partir das
mediações do capital, como afirma Bobbio (1992, p. 3):

[...] característica da formação do Estado Moderno, ocorrida na relação entre Estado


e cidadãos: passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos
do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais
predominantemente do ângulo soberano, e sim daquele do cidadão, em
correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em
contraposição à concepção organicista tradicional.

Mesmo considerando a ocorrência da transposição de uma situação anterior


caracterizada pelos deveres dos súditos para a prioridade dos direitos do cidadão, esse fato,
que deveria representar uma operação de mudança no foco da relação política, pode ser
configurado, no plano da realidade social, como uma verdadeira e poderosa contradição dos
direitos anunciados.
Comparato, (1989a, p. 38), afirma:

Os direitos humanos do homem, distintos dos direitos do cidadão, foram


apresentados como direitos do homem egoísta, separado dos outros indivíduos e da
comunidade, porque a burguesia do período de alta acumulação capitalista passara a
55

subordinar a liberdade e a igualdade à propriedade. [...] A pressão social exercida


pelos movimentos sociais e a mutação da forma de produção do capitalismo
provocaram uma transição do Estado Liberal Clássico para o Estado Social, razão
pela qual uma nova posição foi alcançada pelos direitos humanos resultante da
concessão do direito de intervenção do Estado para possibilitar à população
trabalhadora acesso aos bens sociais.

O movimento de lutas por direitos pode ser representado pela Revolução Mexicana
(1910), pela Constituição de Weimar na Alemanha (1919) e pela criação da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), no entanto, é na pós II Guerra Mundial que o tema dos
direitos humanos passou a ser efetivamente incluído na agenda de discussões e ações
positivas, concretizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), aprovada na
terceira sessão ordinária da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Embora de revelada importância em seus conceitos, padeceu de uma eficácia maior pelo seu
caráter restritivo de recomendação, sem cunho obrigacional aos países.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamou em seu texto o direito à
educação no artigo XXVI ao afirmar: “[...] toda pessoa tem direito à instrução”. É essa a
definição de uma posição política universalizante adotada e expandida pela atuação da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), criada
em 16 de novembro de 1945.
No entanto, cedo ficou demostrada a ineficácia do teor da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o que gerou insatisfações, questionamentos e proposições no sentido de se
instituir movimentos internacionais que pudessem ser validados por proposituras claras pelos
direitos humanos, mas, a bem da verdade, traduziu-se em um jogo de forças mediado pelo
sistema capitalista com seu poder de influência e determinação.
Uma das primeiras medidas nesse sentido foi a elaboração e aprovação do “Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, em 16 de dezembro de 1966, que
consagrou a segunda geração dos direitos humanos, porém, com aplicação gradativa, tanto
que somente 10 (dez) anos mais tarde é que se pode dizer que tenha entrado em vigor.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais destacou os
seguintes direitos:
A. Ao trabalho;
B. À remuneração eqüitativa e que proporcione ao trabalhador e sua família
“condições dignas de existência”;
C. À previdência social;
56

D. As condições de segurança e higiene no trabalho;


E. À organização sindical (fundar e se filiar a sindicatos);
F. De greve;
G. À cultura e ao lazer;
H. À proteção e assistência à família;
I. Aos cuidados especiais à gestante e à infância;
J. De toda pessoa a um nível de vida adequado para si e sua família, inclusive
alimentação, vestuário e moradia adequados e uma melhora contínua das
condições de existência;
K. De toda pessoa estar protegida contra a fome;
L. De toda pessoa ao “mais alto nível possível de saúde física e mental”;
M. Á educação, devendo o ensino primário ser obrigatório e gratuito, e o ensino
secundário “generalizado e fazendo-se acessível a todos”.
No entanto, mesmo atendendo aos direitos consignados no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, pode-se constatar que mais de vinte anos depois de
vigência da Constituição Federal de 1988, que se caracterizou como norma soberana
consagradora do ideário da universalização das políticas sociais no Brasil e a opção pelo
Estado Democrático de Direito, a desigualdade não deixou de ampliar-se e acentuar-se.
O pacto político do pós-guerra sobre o qual foi construído o Estado do Bem- Estar
Social, produzido pela sociedade pós-industrial, entrou em colapso antes mesmo de produzir
seus efeitos sociais no Brasil.
A doutrina neoliberal adotada no Brasil como ponte para acesso ao Banco Mundial e
Fundo Monetário Internacional (FMI), na esteira da globalização, foi implementada
cumprindo as exigências da abertura econômica e desestatização, a chamada “Reforma do
Estado”, caminho determinante apontado pelo Consenso de Washington (1989).
Sarmento (2003, p. 401, grifo do autor) afirma:

Com efeito, nossa Constituição, que consagra um modelo de Estado do Bem-Estar


Social, fortemente intervencionista, foi pega no contrapé pela onda neoliberal que
varreu o mundo na fase final do séc. XX. Assim, a partir de 1995, o governo federal
iniciou um ciclo de reformas na ordem envolvendo a extinção de certas restrições
existentes ao capital estrangeiro (EC nº. 6 e 7) e a flexibilização de monopólios
estatais sobre o gás canalizado, as telecomunicações e o petróleo (Emendas
Constitucional, nº 5, 8 e 9).
57

Dessa forma, o Estado Democrático de Direito, desde seu nascimento convive com o
neoliberalismo de regulação, compreendido por Souza (2008), “Questões polêmicas de
Direito Econômico”, como uma graduação no modo de conduzir a política econômica:

Os objetivos da ‘regulação’, portanto, enquadram-se no mesmo sistema operacional


da ‘intervenção’. De certo modo, a Regulação afasta-se da forma densamente
intervencionista do Estado do Bem-Estar, ou das atuações diretas do Estado-
Empresário. Orienta-se no sentido do absenteísmo, sem jamais atingi-lo
completamente, sob pena de negar a sua existência, por ser, ela própria, uma forma
de ‘ação’ do Estado. (SOUZA, 2008, p. 331).

Nesse sentido, Barroso (2003, p. 291) assegura: “Pelo contrário, apenas deslocou-se
a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a
ampliação do seu papel na regulação e fiscalização dos serviços políticos e atividades
econômica”.
O que diferencia a reforma de Estado no Brasil frente ao que representava o Estado
Mínimo, é a interposição do sistema de “regulação” denominado “neoliberalismo de
regulação” e não mais de “regulamentação”, mecanismo que favoreceu o uso de poderes de
interveniência no campo político pelo Poder Judiciário.
Nasce assim o século da judicialização com novas mudanças na dinâmica funcional
do sistema de controle da sociedade, agora representada pelo ativismo jurídico, pela
jurisprudência sociológica e pelo realismo legal.
Esse agir do ente estatal (Poder Judiciário) exige reflexões que permitam
compreender as condições de surgimento e manutenção desse fenômeno jurídico-político,
além de poder antever ou prever as conseqüências do agir da maquinaria estatal e detectar
seus variados aspectos.
O movimento discursivo notado nos segmentos sociais e nos apontamentos
acadêmicos indica a existência de grupos de concordância de um lado e grupos de contestação
de outro, pois tal acontecimento (judicialização), que tem seu comando maior na “[...]
interpretação de acordo com a constituição [...]”7, provocou e continua despertando
questionamentos da sociedade por seus segmentos atingidos diretamente por seus efeitos.
Junqueira (1996) analisa a exclusão da população dos bens sociais e a reorganização
da sociedade a partir da criação de instituições e movimentos sociais para garantia de direitos
e explicita:
______________
7
Interpretação de acordo com a constituição - Interpretação da lei segundo princípios, regras ou dispositivos da
Constituição Federal.
58

[...] ainda que durante os anos 80 o Brasil, tanto em termos de produção acadêmica
como em termo de mudanças jurídicas também participei da discussão sobre os
direitos coletivos e sobre a informalização das agencias de resolução de conflitos,
aqui estas discussões são provocadas não pela crise do Estado do bem-estar social,
como acontecia nos países centrais, mas sim pela exclusão da grande maioria da
população de direitos sociais básicos, entre os quais o direito à moradia e à saúde.
[...] tratava-se fundamentalmente de analisar como os movimentos sociais e suas
demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulsos com as primeiras
greves do final dos anos 70 e com o início da reorganização da sociedade civil que
acompanha o processo de abertura política, lidam com um Poder Judiciário
tradicionalmente estruturado para o processamento de direitos individuais.
(JUNQUEIRA, 1996, P. 390-391)

É certo que a judicialização é um saber interpretado que direciona a transformação


do agir do Poder Judiciário, por seus juízes, inovando os julgamentos frente a geração de
direitos sociais, fato provocador da multiplicação das relações administrativas e jurídicas.
Essa linha de interpretação traz a argumentação de que os novos fatos,
acontecimentos e conflitos, exigem um novo posicionamento do julgador, não mais podendo
exercer um papel burocrático restrito a letra fria da lei, mas sendo determinante o uso do
tirocínio da discricionariedade judicial, dando interpretação mais próxima da realidade, com
legitimidade para interpretar conceitos políticos e dar efetividade aos direitos fundamentais na
Constituição.
Trata-se de uma nova regra no jogo das verdades que tem nas práticas judiciárias a
construção de novos saberes e a instituição de novas subjetividades, formando outras relações
entre os homens e a verdade jurídica, ressignificando os regimes de verdades.
A Judicialização na contemporaneidade se equivale ao inquérito na idade média e o
exame no séc. XIX, surgidos como forma de pesquisa da verdade no interior da ordem
jurídica, tendo uma ligação com certo número de controles políticos e sociais da sociedade
capitalista. (FOUCAULT, 1987).
O aparecimento da Judicialização da Educação se dá no estado de guerra, de luta, de
oposições, de enfrentamentos, de regras construídas ou violadas, de forças e de coerções.
Trata-se sempre de um jogo de domínios, o que faz por despontar neste novo século o
gigantismo funcional do judiciário.
A ampliação do leque de ação do Poder Judiciário ocorre(eu) em período de fértil
produção do direito à educação, inicialmente pela inserção dos direitos sociais na Carta
Constitucional (1988) e, posteriormente, pela complementação com edição de leis
infraconstitucionais.
59

Todo esse aparato normativo traz enunciações costuradas no confronto dos


movimentos que são produzidos de um lado pela sociedade e de outro pelas estruturas do
poder governamental que atendem às imposições do poder privado representado pelo mundo
do capital.
As enunciações que compõem os discursos do direito à educação são como produtos
de um saber que provém desse emaranhado de articulações próprias do jogo democrático em
que as relações de poder se proliferam na ante-sala da edificação discursiva, pois a
instauração e manutenção da democracia representacional na forma como está estruturada
atende a grupos detentores do poder econômico e da influência política, em detrimento aos
interesses da própria sociedade.
O saber cunhado nas instâncias do Poder Judiciário e no mundo do Direito provém,
no Brasil, de uma importação de saberes desenvolvidos no mundo europeu e americano ao
longo da idade média e da modernidade na transição do feudalismo para o capitalismo e a
constituição do Estado Moderno, apontado como uma necessidade de controle das condições
de vida, portanto, do comportamento humano.
A formação de domínios de saber, a partir de relações de força e de injunções
políticas na sociedade contemporânea geraram novas formas de judicializações, novos tipos
de observação e de classificação dos indivíduos, como mecanismos propiciadores de novas
configurações de controle de um grande panoptismo social.
Jeremy Bentham (2000, p. 11-74) define o seu projeto “Panoptismo Social” como
uma cadeia de controle social sobre as instituições européias do período do iluminismo, da
revolução industrial, objetivado a obter o domínio sobre os indivíduos evitando as grandes
convulsões sociais. A arquitetura panóptica proposta, cuja arquitetura é formada por uma torre
central contemplando ao seu redor uma construção periférica propiciava invadir a intimidade
de cada indivíduo, representando como objetivo final o controle do comportamento humano
no presídio.
As instituições modernas e contemporâneas modelam-se em suas constituições e
formas de organização e controle no dispositivo panóptico, sendo que os mecanismos de
imposição de poder por intermédio da prática do controle social são efetuados por intermédio
da observação permanente submetendo o sujeito aos imperativos da ordem imposta.
Da sociedade disciplinar ficaram os dispositivos que persistem na sociedade de
controle que visa conter os impulsos dos indivíduos para impedir movimentos de revoltas. Por
isso é que na ordem social existente, e que vem sendo mantida, não há espaços para
60

concessões de direitos que visem à emancipação do indivíduo pela educação objetivada à


formação de uma sociedade de cidadãos livres, críticos e reflexivos, pois seria caminho para
transformação do próprio ordenamento jurídico e o ordenamento vigente interessa ao sistema
econômico que se tem mantido por rearranjos.
Os saberes jurídicos e suas práticas funcionam estabelecendo e direcionando o
convívio social, como operadores da normalização sobre a vida, tendo as instituições
judiciárias e educacionais a configuração de aparelhos com funções reguladoras, que
procedem nivelando os indivíduos no seu contexto social.
No amplo sistema mundial de normalização, controle e disciplina, como conhecer a
verdade? O que é a verdade? Como se manifesta? Estas são as linhas argumentativas do item
seguinte.

1.3 Razão e Verdade – da Modernidade a Contemporaneidade

A crise que se abate sobre o arcabouço jurídico tradicional está perfeitamente em sintonia com o esgotamento e
as mudanças que atravessam os modelos vigentes nas ciências humanas. Adverte-se que as verdades metafísicas
e racionais que sustentaram durante séculos as formas de saber e de racionalidade dominantes, não mais
mediatizam as inquietações e as necessidades do presente estágio da modernidade liberal-burguês-capitalista. Os
modelos culturais, normativos e instrumentais que justificam o mundo da vida, a organização social e os critérios
de cientificidade tornaram-se insatisfeitos e limitados, abrindo espaço para se repensar padrões alternativos de
referência e legitimação. Isso, transposto para o jurídico, nos permite consignar que a estrutura normativista do
moderno direito positivo estatal é ineficaz e não atende mais ao universo complexo e dinâmico das atuais
sociedades de massa que passam por novas formas de produção do capital, por profundas contradições sociais e
por instabilidades que refletem crises de legitimidade e crises na produção e aplicação da justiça.
VOLKMER (2005)

A compreensão do presente depende de uma leitura da realidade no contexto das


grandes mudanças e desafios, com seus impasses e contradições o que exige a necessidade de
desenvolver e exercer novos modelos de pensamentos nos quais seja inserido o
questionamento sobre o império da razão, em seu irracionalismo retratado na eleição do
método científico pelo seu saber empírico, como único conhecimento válido, colocado a
serviço do capitalismo tardio. (ADORNO, 1985).
Hegemonicamente, a razão instrumental laborou em suscitar o culto ao progresso e à
ciência e com isso construiu alicerces em suas bases destinadas a regulamentar
61

comportamentos e invadir o cotidiano social, provocar uma ruptura dos valores e dissimular,
pela escolta da moral, uma democracia sem liberdade.
São fatos que fazem surgir interrogações quanto ao uso que se tem feito da ciência;
são situações que exigem um rastreamento analítico que se desenvolva por um processo
operacional de crítica aos movimentos desencadeados sob o predomínio do paradigma
científico que impõe valores e comportamentos e comandam o domínio sobre a natureza, as
coisas e os homens, em um acasalamento do capital e ciência, geradores de novos dogmas e
autoritarismos.
Santos (2000, p. 292), ao assegurar que a modernidade considerou a ciência e
tecnologia como guias para o conhecimento desprovido de limites éticos, questiona a relação
entre a racionalidade econômica e a racionalidade técnico-científica:

[...] tudo se passa como se a evolução e o sentido dessas duas racionalidades


houvessem se tornado um só e único movimento que por um lado recusa até mesmo
a idéia de qualquer limite para o capital, e, por outro, qualquer limitação ao
progresso técnico-científico.

A implementação do projeto científico de modernidade gestado no movimento


iluminista é analisada por Silva (2001), sob a luz interpretativa de Adorno e Hockheimer
(1985), ao dissertarem a propósito do insano exercício do domínio sobre a natureza e
sociedade, encetado inicialmente pelo humanismo renascentista em que o homem foi
colocado na condição de sujeito do conhecimento como capaz de determinar suas ações sem
precisar recorrer a forças transcendentes para regulá-los.
Esse designio de conquista tem seus alicerces primeiros nas proposições de Bacon
(1984), apresentadas em um conjunto de regras úteis para uma investigação capaz de
proporcionar um maior controle instrumental sobre a realidade, estabelecido em contraposição
à metafísica religiosa e fixado na assertiva de que a ciência e o poder do homem são
coincidentes.
Eis um pequeno esboço do lançamento das sementes que, em sua germinação na
modernidade, produziram a junção do saber-poder, base da estrutura sistêmica do
ordenamento da sociedade de controle.
Os fundamentos metafísicos do método sistemático do cogito cartesiano concebidos
como uma nova forma de ver o mundo, ofereceu sustento à ciência no projeto de um novo
arquétipo do conhecimento, alterado e consolidado no século XVIII pelo movimento
62

iluminista instituidor do ideal científico como crença na autonomia da razão no mundo, capaz
de exercer força criativa com seus poderes emancipadores.
O Iluminismo de inspiração de Immanuel Kant (1724-1824) e Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) abarcou três aspectos diversos, mas relacionados entre si:
1. Crítica sem restrição ao conhecimento e crença;
2. Tudo deve passar pelo filtro da razão; e,
3. Auto-correção do conhecimento (correção por si só). O conhecimento como via
do progresso e superação das desigualdades sociais.
Essa visão de conhecimento plantada na modernidade permitiu que o saber técnico
fosse adotado como domínio no qual o homem, as coisas e o mundo são tidos como meros
instrumentos para se atingir os fins propostos: o controle sobre a natureza e sobre a sociedade.
Adorno e Horkheimer (1985) confirmam o caráter repressivo do conhecimento
científico, que, na procura de livrar o homem do medo das potências míticas, terminou por
moldar o desenho de um projeto civilizatório em que a racionalidade do capitalismo o tornou
peça descartável, lançado na bandeja da balança do produtivo ou não produtivo.
Todo esse aparato teórico-prático possibilitou a arquitetura de novos mecanismos de
controle e dominação acelerando, na contemporaneidade, a exasperação da competitividade
nas relações entre os homens, o que culminou por colocar o outro como permanente ameaça,
fulminando princípios e valores.
Afirmam Horkheimer e Adorno (1985, p. 34-35):

A dominação confere consistência e força ao todo social no qual se estabelece. A


divisão do trabalho, em que culmina o processo social da dominação, serve à
autoconservação do todo dominado. Desta maneira, porém, o todo enquanto todo, a
ativação da razão a ele imanente, converte-se necessariamente na execução do
particular [...]. Aquilo que acontece a todos por obra e graça de poucos realiza-se
sempre como subjugação dos indivíduos por muitos: a opressão da sociedade tem
sempre o caráter da opressão por uma coletividade.

A fórmula de controle, capeada pela pseudo supressão da opressão coercitiva


explícita escravagista, foi operacionalizada mediante uma articulação da produção de
subjetividades decorrentes de um conjunto de relações de poder pelo movimento de
recodificação do conhecimento emancipatório, transformando-o no conhecimento regulação,
pelo qual foram traçadas artimanhas destinadas a esconder a exaustão do modelo da
racionalidade numa instrumentalização de uma razão cínica.
63

Porém, pode-se notar que o esgotamento da dimensão da regulação já se mostra


visível nos três planos de atuação, o Estado, o mercado e a comunidade, exaustão que se
manifesta pela sentida crise do padrão de cientificidade fecundado na idéia do monopólio da
verdade científica, fato a exigir a busca de um novo modelo, pois há uma constante detecção
de fissuras nos alicerces teórico-práticos que deram sustento ao iluminismo.
Ao revisitar as formas de emergência da razão verifica-se a agregação das ciências e
tecnologias, institucionalizando-se como irmãs siamesas, determinando comportamentos e
regras como peças do cenário da produção da normalização que confinam os homens nos
limites da normalidade, determinada pelas relações de saber-poder e, assim, promover e
prosperar a edificação de uma sociedade de controle.

A verdade é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que a


produzem e está submetida a uma constante incitação econômica e política
(necessidade de verdade tanto para a produção econômica como para o poder
político). A verdade é objeto de várias formas de uma imensa difusão e de um
imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja
extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante, algumas limitações
rigorosas). A verdade é produzida e transmitida sob controle, não exclusivo, mas
dominante, de alguns grandes aparelhos políticos, ou econômicos, (universidade,
exército, escritura, meios de comunicação). A verdade é objeto do debate político, e
de confronto social (lutas ideológicas) (FOUCAULT, 1979, p. 13).

A inculcação do modelo econômico como modelo de existência naturalizou o jogo


das estratégias políticas nas sociedades ocidentais modernas mediante a legitimação da gestão
das consciências, subordinando o saber à produção e lucro.
A crítica filosófica à razão, na compreensão de Rouanet (1998, p. 242), busca o seu
resgate, pois “[...] não é denunciada como tal, mas na medida em que perde a sua função
subversiva transformando-se em álibi do poder, agente da heteronomia, adversária do prazer
ou instrumento de repressão”.
Anderson (1992) observa que o privilégio de poucos é sustentado pela miséria de
muitos, pois menos de um quarto da população do mundo detém 85% da renda mundial.
Declara ainda que nos anos 1980 mais de 800 milhões de pessoas tornaram-se mais pobres, o
que indica o flagrante descumprimento das promessas das luzes de que o conhecimento
científico conduziria a humanidade ao progresso, superando inclusive as desigualdades
sociais.
Todo esse panorama é um convite a descobrir espaços para novas análises a fim de
realizar uma ontologia do presente pela qual seja possível problematizar a atualidade
64

mediante o exercício de uma reflexão crítica sobre a realidade empírica. Pensar o mundo
contemporâneo frente à naturalização da conjunção do saber, poder e sujeito, como invenção
da modernidade paginada por opressões, coerções, jogos e regras invisíveis e anônimas que
normalizam a própria vida.

1.4 Reflexões sobre a Efetividade do Direito à Educação e Processos de Normalização

O entendimento de Monteiro (2003, p. 763) de que “[...] o direito à educação é um


paradigma novo para repensar a educação, transfigurar a escola e recriar a identidade dos
profissionais da educação [...]”, conduz a deduções de que novas compreensões científicas,
filosóficas e ideológicas serão aplicadas e exercitadas no campo educacional via Direito e
Justiça, emprestando a esse discurso uma forte materialidade e poder que indique caminhos
possíveis para a renovação e transformação.
As reflexões na dimensão dessa concepção, aos olhos da realidade da educação
brasileira apontam para alguma coisa, ainda não totalmente dimensionada e compreendida,
que neutraliza todo esse devir, mesmo porque, após tantas décadas de vigência das
Declarações, Convenções e Leis que criaram e normatizaram o direito à educação no plano
internacional, e de mais de vinte anos de promulgação da Carta Constitucional de 2008 a
constatação é a de que esses instrumentos jurídicos legais não conseguiram outorgar à
educação, de forma concreta, na prática, a real magnitude presumida, anunciada e esperada.
O panorama atual aponta para uma dicotomia entre o texto escrito e a realidade
prática, entre o discurso teórico e as práticas educativas e sociais. A hipótese primeira que se
pode levantar é a de que a educação, na perspectiva de um novo paradigma, sofreu a peia da
interdição do discurso, um tipo de controle e restrição para refrear sua força e capacidade de
mobilização e como conseqüência, perder a condição, a qual, teoricamente deveria ser dotada
(proporcionar meios necessários para a constituição do sujeito como agente crítico, pensante,
reflexivo e transformador da sociedade).
A educação como meio capaz de promover a mobilização social para a
transformação da sociedade é o sentido do tema inserido no Eixo III do Fórum Mundial de
Educação Santa Maria RS/Brasil- Educação: Economia Solidária e Ética Planetária, aqui
transcrita em sua ementa de forma integral:
65

Eixo III - Educação e Ética Planetária

Ementa:

A Educação é um campo de práticas e reflexões que, inevitavelmente, transborda os


limites da escolarização em sentido estrito. Abarca processos formativos diversos,
onde podem ser incluídas ações inovadoras com vistas à qualificação profissional,
ao desenvolvimento comunitário, à formação política e a um sem número de
questões culturais, pautadas em outros espaços que não o escolar. Neste contexto,
ela deverá estar voltada à pluralidade e à diversidade, servindo de instrumento de
conscientização e de mobilização contra as práticas excludentes. A ética planetária
necessita de educadores que considerem os educandos como potenciais produtores
de conhecimento, e, portanto, autores de si e da sociedade onde se inserem. São
mediadores entre a realidade e o ser que se educa. Esta mudança radical evidencia a
desconstrução de verdades naturalizadas, orientando-se por uma ética baseada na
defesa da vida e das relações solidárias e pacíficas entre os seres humanos e o
ecossistema global, constituindo-se como comunidade educativa. A educação torna-
se: promotora de ações sociais transformadoras; formadora de sujeitos críticos,
imersos em uma sociedade inter e transdisciplinar, múltipla e personalizada; e,
construtora da liberdade. Sob a ótica da ética planetária, o homem torna-se aquilo
que ele se faz a si, como transcendência da natureza, em contínuo processo de
atualização histórico-cultural. A globalização busca universais éticos, respeitando
particularidades culturais, reconfigurando as individualidades ao reconhecer as
semelhanças nas diferenças, ao estar presente na própria textura do cotidiano, pela
redefinição das noções espaço-temporais. Cabe à Educação fazer a conexão e a
sedimentação da ética planetária, como espaço privilegiado, onde enfatiza
particularidades culturais do contexto local, inserindo-as no global, permitindo a
construção da universalidade. Esta tem como principal característica a capacidade de
envolvimento de questões comuns para diferentes comunidades, o respeito à
diversidade e ao ambiente e, em especial, aos processos inclusivos. Portanto, a Ética
Planetária caracteriza-se como a Ética do Conhecimento, fundamentada na justiça
social, sendo transcultural, transracial e supra-econômica. Os educadores têm
clareza de sua postura nesta importante migração paradigmática?

Os fatos históricos revelam a existência de entraves instalados nos processos de


aplicação e execução dos princípios irradiados dos dispositivos relativos ao direito à
educação.
Presume-se a existência de mecanismos que refreiam o possível poder operacional de
uma educação para a liberdade, impedindo o enfrentamento do desafio de formar o cidadão
autônomo e ético, mesmo frente às incoerências das relações de produção no mundo do
capital, em um sistema econômico que se furta a considerar o sujeito como centro de interesse
e insiste em enquadrá-lo como mera peça do aparelho produtivo, desconstituindo o sujeito de
direitos para transformá-lo em objeto de manipulação e controle.
Foucault (2000b, p. 264) adverte que “[...] é preciso saber reconhecer os
acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal
digeridas”.
66

As buscas históricas dos acontecimentos são operacionalizadas visitando o


engendramento das relações enunciativas, possibilitadoras da constituição de saberes
instalados em instâncias de poderes, e que se representam em discursos projetados no meio
social como verdades incontestáveis frente aos dogmas da ciência, da tecnologia e do Direito.
Ao conceber a teoria da criação dos direitos, transcritos em ditames enunciativos
jurídicos, frente aos possíveis meios de garantia e proteção, Bobbio, (1992, p. 24), adverte:

Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade,


independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento
absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja
inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em
relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-
los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. É inegável que existe uma
crise de fundamentos. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto –
empreendimento sublime, porém desesperado, mas de buscar, em cada caso
concreto, os vários fundamentos possíveis.

O direito à educação no Brasil recebeu o entendimento doutrinário8 e a interpretação


dos Tribunais Superiores expressada em julgados9 consolidados em corrente jurisprudencial
como “direito público subjetivo” isto é, configurado como instrumento jurídico de controle da
atuação do poder estatal, por permitir ao cidadão, na condição de titular do direito,
constranger judicialmente o Estado a executar os princípios referentes à educação constantes
da Constituição Federal.
De conseqüência, trata-se de uma norma que possui força cogente, (auto-executável),
não dependendo de regulamentação, pois autoriza o indivíduo, (sujeito de direito),
transformar a norma abstrata, (direito objetivo), em seu direito individual concreto, (direito
subjetivo).
Isso equivale a dizer que o direito público subjetivo é um instrumento jurídico de
controle estatal, para utilização por todo e qual quer indivíduo, a fim de exigir a prestação

______________
8
Entendimento doutrinário - compreensão técnica-teórica do direito
9
Para melhor entendimento da expressão jurídica “julgados”, colhe-se publicação do Código de Processo Civil
Comentado: Em sede doutrinária, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que “o devedor
deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar da efetiva intimação, cumpra o julgado e efetue o
pagamento da quantia devida. A intimação do devedor deve ser feita na pessoa de seu advogado, que é o modo
determinado pela Reforma da L 11232/05 para a comunicação do devedor na liquidação de sentença e na
execução para cumprimento da sentença.” (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante,
Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, p. 641 (grifo meu).
67

devida de direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro10 – dentro de um sistema


normativo.
Bucci (2002) defende uma posição baseada em que esse instrumento jurídico é
apenas parte de um complexo processo composto de diferentes etapas necessárias à
concretização de uma política pública, o que requer diferentes mecanismos para garantir a
exigibilidade do próprio direito reivindicado.
De fato, a efetividade do Direito11, que é a eficácia plena e aplicação imediata da
norma instituidora de um direito social, demanda, dentre outros meios, o estabelecimento de
prioridades, a previsão de recursos, o controle, a fiscalização da execução das políticas e os
meios necessários tanto físicos como humanos. Enfim, inúmeras etapas de um longo processo
que se concretiza mediante a aplicação de um modelo de intervenção social pelo Estado.
Importa dizer que a omissão do Estado em prover o direito à educação mediante a
aplicação de políticas públicas concretas, acaba por propiciar ao indivíduo situações às quais
culminam na busca da tutela estatal, na esfera do Poder Judiciário, para requerer o
cumprimento da norma constitucional, determinada como dever do Estado, o que significa
“obrigação de fazer”, primariamente sob a responsabilidade do planejamento, decisão e
execução do Poder Executivo.
No entanto, a medida requerida para assegurar um direito objetivo (direito à
educação), na maioria das vezes, só é possível de ser realizada transcendendo a figura do
indivíduo singular, pois o atendimento à “obrigação de fazer” tem os contornos dos interesses
coletivos, importando para isso na aplicação de consideráveis recursos técnicos, financeiros e
instrumentais, caso contrário se resumiria no atendimento isolado do autor da ação, dando-lhe
privilégios não concedidos às demais pessoas.
Foucault (1996, p. 95) recomenda:

Enfim no horizonte de todas essas pesquisas, talvez se esboçasse um tema mais


geral: o mundo de existência dos acontecimentos discursivos em uma cultura. O que
se trata de fazer aparecer é o conjunto das condições que regem, em um momento
dado e em uma sociedade determinada, o surgimento de enunciados, sua
conservação, os laços estabelecidos entre eles, a maneira pela qual os agrupamos em
conjuntos estatutários, o papel que eles exercem, a série de valores ou de
sacralizações pelos quais são afetados, a maneira pela qual são investidos ou
reativados. Em suma, tratar-se-ia do discurso em sua institucionalização.

______________
10
Ordenamento Jurídico - conjunto hierarquizado de normas jurídicas que disciplinam coercitivamente as
condutas humanas, com a finalidade de buscar harmonia e a paz social.
11
Efetividade do direito - aplicação concreta da norma jurídica no mundo real.
68

Dentro desse panorama explicativo do direito à educação, na condição de direito


público subjetivo frente as dificuldades de aplicação prática efetiva dos variados princípios
encartados na Constituição da República, insta compreender esse fenômeno jurídico no
âmbito da magnitude da qual é revestida, considerando-o enquanto Direito aplicado no campo
das práticas sociais.
Monteiro (2003, p. 767) explicita os critérios necessários para a aplicabilidade e
efetividade do direito:

A especificidade de cada direito reside principalmente no teor normativo do seu


objeto, cujo respeito pode ser avaliado segundo três critérios: disponibilidade,
acessibilidade e qualidade. A disponibilidade significa a existência de recursos
materiais, técnicos e pessoais exigíveis. A acessibilidade implica não-discriminação,
não-dificuldade de acesso físico e econômico, bem como o acesso à informação
pertinente. A qualidade consiste na aceitabilidade ética, cultural e individual, assim
como na competência profissional.

O que a doutrina tem entendido é que para o direito ser aplicado é necessário o
provimento de recursos materiais, técnicos e pessoais, o acesso físico e econômico e a
aceitação nos planos ético, cultural e individual. Tais condições se resumem em três critérios:
disponibilidade, acessibilidade e qualidade, sem os quais se torna impossível alcançar a
efetividade do direito à educação.
Não basta a mera inserção do direito nos documentos legais e constitucionais para se
concretizar a existência fática desse direito no mundo real.
Quanto aos critérios acima relacionados: Disponibilidade - capacidade de prover
recursos materiais, físicos e humanos necessários ao cumprimento de um direito;
Acessibilidade - possibilidade de acesso físico e econômico e não discriminação, e Qualidade
- aceitabilidade ética, cultural e individual, o legislador constituinte demonstrou preocupação,
tanto que, limitado às competências a si impostas, exauriu a tarefa legiferante12 ao deixar
expresso o caráter de auto-aplicabilidade do direito à educação estabelecido no §1º do Art.
208, da Constituição Federal (1988) que afirma: “[...] o acesso ao ensino obrigatório e gratuito
é direito público subjetivo”.
Em que pese todos os percalços existentes no caminho para a efetividade do direito à
educação, não se pode negar a relevância desse dispositivo legal, como destaca Horta (1998,
p. 7-8),

______________
12
Tarefa legiferante - processo de criação de leis.
69

Um importante passo na direção da garantia do direito à educação se dá quando a


mesma é definida como direito público subjetivo, medida defendida no Brasil por
juristas desde a década de 30. [...] Tal direito diz do poder de ação que a pessoa
possui de proteger ou defender um bem considerado inalienável e ao mesmo tempo
legalmente reconhecido.

Tanto é assim que há consenso, especialmente nos setores políticos, jurídicos e


educacionais quanto ao reconhecimento do avanço representado pela constitucionalização do
direito social educacional expressado como uma grande conquista do povo brasileiro,
marcada pela importância da outorga do instituto do direito público subjetivo, como
instrumento de execução aplicável nos casos do dever não cumprido.
Cury; Ferreira (2009), trabalhando com a temática “A Judicialização da Educação”
observam que no direito público subjetivo o titular de uma prerrogativa exige o cumprimento
de um dever previsto em um dispositivo legal que visa à satisfação de um bem indispensável à
cidadania.
O direito à educação como norma constitucional está para o cidadão como direito,
sendo dever imposto ao Estado, à família e a própria sociedade. Ocorre que o cumprimento
desse dever para com a educação depende de múltiplos setores, não se restringindo somente
ao setor educacional e jurídico, pois depende diretamente do setor econômico com suas
disposições, restrições e determinações próprias.
Oliveira; Araújo (2005, p. 5, grifo dos autores), em seus estudos sobre: “Qualidade
de ensino: uma nova dimensão de luta pelo direito à educação”, afirmam:

A partir da Constituição Federal de 1988, alterada pela emenda constitucional n. 14,


de 1996, o ensino fundamental de oito anos, obrigatório, dos 7 aos 14 anos, e
gratuito para todos, foi considerado explicitamente direito público subjetivo,
podendo os governantes ser responsabilizados juridicamente pelo seu não
oferecimento ou por sua oferta irregular. A Carta de 1988 e sua alteração pela
emenda determinam que o direito à educação abranja a garantia não só do acesso e
da permanência no ensino fundamental, mas também a garantia de padrão de
qualidade como um dos princípios segundo o qual se estruturará o ensino (inciso
VII do artigo 206).

Comentando sobre a efetividade do direito à educação, Saes (2006), em sua análise


sociológica sobre os obstáculos políticos à concretização do direito à educação no Brasil,
apontou sérios impedimentos à sua concretização:

Pode-se hoje, com uma certa dose de tolerância, reconhecer que o direito universal
de entrada no sistema escolar está tendencialmente concretizado no Brasil.
Inversamente, o maior déficit em matéria de direito à educação consiste na falta de
garantias concretas quanto à saída do sistema escolar. [...] o baixo nível dos
70

rendimentos do trabalho manual torna permanentemente altos, para a massa


trabalhadora, os custos indiretos da escolarização, forçando os alunos de origem
popular a abandonar a escola e a se integrar ao mercado de trabalho ou a buscar um
trabalho informal. (SAES, 2006, p. 12).

Entende o mencionado autor que ainda faltam garantias concretas à saída do sistema
escolar, fato determinante para a persistência da ocorrência dos fenômenos como o fracasso
escolar, o retardo escolar, a evasão escolar e o iletrismo.
O processo de saída, analisado como a possibilidade de todos os alunos concluir o
curso, permite ainda pontuar outros fenômenos que impedem a continuidade, o seguimento
dos estudos e a sua conclusão. É importante abordar no que se reporta a ausência de garantia à
saída do sistema escolar a ocorrência do fenômeno da produção do delinqüente socio-
pedagógico, assim entendido os alunos que ostentam a violência no meio social e escolar, em
decorrência da própria vivência intra-instituição.
O delinqüente, assim “tatuado” por grupos sociais, pode ser alguém de personalidade
voltada à delinqüência de gênese estrutural e/ou conjuntural. Se portador de uma doença
crônica (gênese estrutural) frente à ausência de conhecimento familiar da patologia pode ser
levado a práticas de violência ante a ausência de ações devidamente planejadas e incorporadas
ao cotidiano institucional escolar para solucionar o problema. Em outra situação, a evolução
patológica com piores conseqüências pode ser provocada quando ao sujeito for oportunizado
associar-se a movimentos de grupos (gangues), (gênese conjuntural).
Todo esse processo está sendo vivenciado pelos estabelecimentos de ensino, no
Brasil e no mundo, fenômeno, portanto de característica conjuntural e que não pode ser
menosprezado quanto a análise do processo de saída.
Arregi Goenaga (1998, p. 58-59, grifo do autor), registra a produção pedagógica do
delinqüente, afirmando:

Os jovens são os grandes consumidores dos meios informáticos e audiovisuais,


sobretudo Internet, jogos por computador, televisão e música. A televisão é um dos
meios que mais violência difunde e a criança ou jovem é o sujeito passivo que mais
a consome. Muitas crianças vêem televisão e jogam jogos de carácter lúdico
duvidoso, sem qualquer supervisão das figuras parentais. Constroem as suas
personalidades de acordo com o que observam, com uma total ausência de
discernimento do que é certo ou errado; […] A carência de bens mínimos como um
trabalho, habitação, serviços sociais básicos, nomeadamente a quebra das redes de
suporte familiar, sua desagregação, ausência de valores essenciais dentro e fora da
família, o meio onde vive, a escola que não exerce qualquer tipo de motivação, leva
a que determinados indivíduos ou grupos cultivem a agressividade face à sociedade
que gerou ou proporcionou deficits tão profundos e que fazem parte das suas
vivências quotidianas.
71

É a violência em seu processo pedagógico suplantando a capacidade de ação das


estruturas sociais e escolares, ou a própria ineficácia destas, ante a ausência de políticas
públicas ou a existência de políticas sem consistência e efetividade.
Um interessante trabalho monográfico publicado no sitio: <http://www.sul-
sc.com.br/>, apresenta em resumo uma reflexão sobre a produção da violência simbólica pela
escola:

O presente trabalho de monografia busca tratar sobre a questão da violência


simbólica e sua produção no âmbito da educação escolar. A violência simbólica é
um conceito relativamente novo nas ciências sociais e por isso traz determinadas
dificuldades, principalmente porque no presente trabalho busca-se uma relação com
a psicopedagogia, área do conhecimento ainda em formação. A pesquisa tem como
objetivos discutir a questão da violência simbólica em uma perspectiva pedagógica,
buscando entender os processos em que a escola é ativa participante. Os resultados
da pesquisa, obtidos através de uma metodologia específica, foram satisfatórios e
vieram corroborar com o que se propunha no projeto inicial. A escolha do tema se
deu pelo desejo de entender o fenômeno da violência simbólica na escola e a busca
de tentar melhorar a prática do magistério.

Martins (2002, p.1) em seu comentário sobre os massacres em ambientes escolares


nos diz:

Levantamos, aqui, a hipótese de que o mau professor tem sido um dos


patrocinadores da barbárie em Erfurt, Freising, Brandenburgo, Meissen, Colorado,
Jonesboro, Kentucky, Mississipe, Yemen, Reino Unido e América Latina. A
sociedade prefere, porém, encarar a problemática da violência escolar, envolvendo
armas e jovens, como uma questão meramente jurídica ou de controle social: o porte
ou não de armas. A intolerância escolar é a mais poderosa arma mortífera que uma
sociedade pode produzir. A educação escolar, em qualquer parte do mundo, após o
crime em Erfurt, não pode continuar a mesma: indiferente às vítimas e à fúria
assassina de um Robert Steinhaeuser. As universidades e as escolas, nessa sociedade
capitalista, têm produzido e reproduzido, em larga escala, muitos Robert
Steinhaeuser. Eles se manifestam nos maus professores ou em suas vítimas, os maus
alunos, na verdade, ambos, também vítimas de uma pedagogia da intolerância que
os lançam numa voluntária e iníqua disposição para a perversidade. Alunos ferozes
são o produto mais apurado da intolerância e da felonia, dois males das escolas pós-
modernas no seio da sociedade globalizada. Nós, educadores, não podemos esperar
mais pelo pior em se tratando de horror escolar. O crime em Erfurt é reincidência da
fúria escolar. O massacre, no Colégio Gutemberg, é endemia multinacional. Erfurt
deve ser sinônimo de intolerância escolar

Adorno (1995, p. 121-122) explica a questão da produção da violência e do


delinqüente na escola da seguinte forma:

É preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, assassinadas sob os
pretextos mais mesquinhos. Torna-se necessário o que a esse respeito uma vez
denominei inflexão em direção ao sujeito. É preciso reconhecer os mecanismos que
tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a
72

eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na
medida em que se desperta uma consciência geral acerca destes mecanismos. Os
culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram contra
aqueles o seu ódio e sua fúria agressiva. É necessário contrapor-se a uma tal
ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem pra os lados sem
refletir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente como educação
dirigida a uma auto-reflexão crítica. Contudo, na medida em que, conforme os
ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais
tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por
objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infancia. (ADORNO,
1995, p. 121-122).

Há responsabilidade da escola na produção de delinqüentes, mesmo aqueles alunos


conseqüência dos problemas de ordem econômico-social provenientes do abandono dos pais,
ou de outra anomalia social. Enfim, qualquer que seja a origem, patológica ou não, cabe à
educação tornar esse menor, submetido a situações de violência à uma posição que possa vir a
exercer a verdadeira cidadania, afinal essa é uma das tarefas mais importantes da escola na
transformação da sociedade.
Duarte (2004, p. 115) afirma que a educação:

[...] deve ter por escopo o oferecimento de condições para o desenvolvimento pleno
de inúmeras capacidades individuais, jamais se limitando às exigências do mercado,
pois o ser humano é fonte inesgotável de crescimento e expansão no plano
intelectual, físico, espiritual, moral, criativo e social.

Os estudos aqui relacionados têm em comum a importância da figura do ser humano,


destacada no art. 205, da Constituição Federal de 1988, como condição para a concretização
do direito à educação: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A Constituição Federal de 1988, ao normatizar a educação ressaltou três finalidades
ou objetivos que estão dispostos no art. 205 sob forma hierárquica, sendo elas:
1º - O pleno desenvolvimento da pessoa;
2º - Preparo para o exercício da cidadania, e
3º - Qualificação para o trabalho.
Trata o aludido preceito constitucional, em primeiro lugar, do pleno desenvolvimento
da pessoa; em segundo lugar, do preparo para o exercício da cidadania e em terceiro lugar, da
qualificação para o trabalho, exatamente nessa ordem. Tal seqüência hierárquica coloca a
figura da pessoa em posição privilegiada no que tange a configuração legal dos objetivos
73

educacionais, tanto que as esferas da política e da produção foram inseridas em segundo


plano.
Neste novo século, a forma como a exigência da qualificação para o trabalho tem se
mostrado vem solapando os alicerces de uma educação para a cidadania, contrapondo-se ao
princípio constitucional referido pois se a questão da produção (qualificação para o trabalho)
tem sido prestigiada em detrimento da esfera política (preparo para a cidadania) e da figura da
pessoa (pleno desenvolvimento) tal ocorrência representa uma inversão de valores,
notadamente prejudicial por impedir ao cidadão a aquisição da sua autonomia plena.
Ressalta-se que a pessoa humana foi devidamente prestigiada na norma soberana
tanto que o princípio da dignidade humana está inserido no inciso III, do artigo 1º, da
Constituição Federal (1988), erigido como fundamental, colocando o ser humano, pelos
menos teoricamente, no ápice de todo sistema jurídico.
Nesse sentido, pode ser verificado que a constitucionalização do direito à educação
no Brasil atendeu a importância contida nas Declarações, Tratados e Convenções
Internacionais e se constituiu em um ganho decorrente das lutas políticas que também
possibilitaram a criação do Estado Democrático de Direito, marcando uma etapa necessária,
no caminho da construção de uma sociedade livre.
Ocorre que todo aparato teórico descrito e desenvolvido como parâmetros para a
gestão do Estado tem mostrado seu lado contraditório no campo das práticas educativas.
Osório (2007, p. 8, grifo do autor), debatendo sobre o “Estranho Medo da Inclusão”, afirma:

As referências institucionais no campo escolar atravessam séculos aprimorando suas


tecnologias de domínios, e são incisivas, aos rigores da Lei, em nome de uma moral
e dos bons costumes e, de um saber determinado, configurando-se como um espaço
social, aceito culturalmente de seleção. Assim, como a Lei é feita para alguns e se
aplica a ‘todos’ e não se refere a este ‘todos’, o saber também não é para todos,
embora o discurso posto, na atualidade, esteja voltado para todos, mas suas práticas
operativas modelam outra realidade – a exclusão. ‘A Educação para todos’ não é só
o acesso a todos a matricula, mas, sim, as condições de acessibilidade de todos os
diferentes processos institucionais que envolvem a escolarização.

O dever do Estado, figura fixada na Constituição Federal de 1988 é um direito social,


considerado por Marshall (1967), como a mais recente conquista da humanidade. Esclarece o
autor (1967, p. 63-64) que a trajetória dos direitos se deu inicialmente pela criação dos
direitos civis (século XVIII) seguidos dos políticos (século XIX) e sociais (século XX):

O direito civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual- liberdade


de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito de propriedade e de
74

concluir contratos válidos e o direito de justiça. Por elemento político se deve


entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de
um organismo investido da autoridade política como um eleitor dos membros de tal
organismo. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo
bem estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo na herança
social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem
na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema
educacional e os serviços sociais. (MARSHALL, 1967, p. 63-64).

Em que pese toda a importância dos direitos sociais, auferidos pelo movimento
constituinte a partir de 1987 na história brasileira e que se traduziu na construção de uma
Carta Constitucional Social, emblemática e representativa, e a existência formal do direito
social educacional de importância teórica doutrinária indiscutível, a realidade brasileira
somente obterá diferenças positivas para consolidar esses ganhos se o Estado estabelecer
prioridades criando políticas públicas efetivas.
Eis aí o grande enigma do direito à educação, pois, não obstante seja componente de
uma norma constitucional revestida de condições de garantia de exigibilidade, conforme
expressa o texto normativo, é inegável que a fruição desse direito tem sido retardada ou
impossibilitada em sua plenitude por fatores que precisam ser identificados e dimensionados.
Até aqui buscamos fazer uma pré-análise do direito à educação em sua importância
como direito público subjetivo apontando a hipótese de sua não concretização no mundo real,
a partir de interrogações pontuais quanto a inocorrência da efetividade plena.
A Judicialização da educação tem sido conceituada e defendida como a aplicação das
normas jurídicas que integram o ordenamento jurídico brasileiro, e que estão dispostas nos
estatutos jurídicos visando o cumprimento do direito à educação, portanto, para dar
efetividade real à norma constitucional.
Essa compreensão enfatiza a importância de, nesta investigação, tecer e responder
indagações quanto à figura da norma em sua formulação e efeitos, procurando auscultar as
influências e determinações da sua edificação e compreender o movimento percorrido na
história dos povos até sua adoção como regra aceita e aplicada em todos os campos da
sociedade moderna.
Considerando a norma como a fixação de um “dever ser”, por ela, pode-se delinear
um dos caminhos da averiguação da entrada do indivíduo no campo do saber da
judicialização, explicitando a dinâmica sócio-política dos acontecimentos. As ciências
humanas em seus princípios, preceitos, regulamentos, prescrições e regras, compõem um
esquadrinhamento dos processos de escrita e de registro, que se organizaram como
75

mecanismos de exame, formando dispositivos de disciplina e concebendo um novo tipo de


poder sobre os corpos.
É o jogo moderno das coerções sobre os corpos, os gestos, os comportamentos. A
implementação dos recursos do exame nos hospitais, no exército, nas escolas, proporciona a
criação de códigos da individualidade disciplinar, como aparelho da escrita. Com esses
mecanismos o indivíduo passa a ser descrito, mensurado, medido, comparado, classificado e
normalizado. (FOUCAULT, 1987).
Esses códigos foram e são constantemente aperfeiçoados pelas Ciências do Homem,
que considera o indivíduo como um objeto para o conhecimento, podendo ser descrito,
mensurado, medido, comparado em sua individualidade. Essa é uma modalidade do poder
que, pelo exame, torna cada indivíduo um caso, como efeito e objeto de poder e de saber,
passando a ser uma realidade fabricada por essa tecnologia do saber/poder.
Ewald (1993, p. 88) explica a relação entre a disciplina e a norma:

Com as disciplinas, a norma permanece localizada em arquiteturas, em aparelhos e


instituições necessariamente locais. Com a segurança, a norma vai servir para a
gestão de populações e, com a instituição da segurança social, para a gestão da
população de um Estado. Passagem de uma microfísica para um nível biopolítico.

Todo controle efetuado pela individualização é reforçado pela normalização, que dá


á norma características de dispositivos de disciplina e controle. Por outro lado, a
institucionalização dos estabelecimentos de seqüestro (fábrica, escola, hospital psiquiátrico,
hospital-prisão) teve (têm) por finalidade fazer do tempo, do corpo e da vida dos homens, algo
que seja força produtiva.
Foucault (2005b, p. 122), descrevendo a evolução dos saberes e poderes e o controle
do indivíduo, ao referir-se à educação, o faz da seguinte forma:

Do mesmo modo a pedagogia se formou a partir das próprias adaptações da criança


às tarefas escolares, adaptações observadas e extraídas do seu comportamento para
tornarem-se em seguida leis de funcionamento das instituições e forma de poder
exercido sobre a criança.

Assim sendo, a escola, uma criação da sociedade moderna, difundida como uma
instituição objetivada à formação para a cidadania e liberdade, a bem da verdade, foi ideada,
planejada e organizada como uma instituição de seqüestro, escapando da promessa de uma
razão iluminista para tornar-se um fenômeno de inclusão por exclusão, pois o fim pretendido
se vê marcado pela normalização como instrumento de controle.
76

Vejamos o que nos diz Foucault (2005, p. 115) a respeito dos aparelhos, das redes de
seqüestro:

Para que servem essa rede e essas instituições? Podemos caracterizar a função
destas instituições da seguinte maneira. Primeiramente, estas instituições-
pedagógicas, médicas, penais ou industriais – têm a propriedade muito curiosa de
implicarem o controle, a responsabilidade sobre a totalidade, ou a quase totalidade
do tempo dos indivíduos; são, portanto, instituições que, de certa forma, se
encarregam de toda a dimensão temporal da vida dos indivíduos. (FOUCAULT,
2005a, p. 115).

As instituições servidas para a disciplina e o seqüestro nos séculos XVIII e XIX,


passaram a atender a um renovado tipo de controle e domínio a partir do século XX. A gestão
do novo modelo se deu com a transição do mundo capitalista quanto à sua forma de produção,
tanto que o novo paradigma produtivo está a impor determinados posicionamentos do mundo
da educação no campo da teoria do capital humano, em razão dos novos perfis ocupacionais
exigirem diferentes e inovadas qualificações, propondo outro modelo de educação para servir
ao capital, à produção, à competição e ao lucro.
Mészáros (2004, p. 03, grifo do autor), comentando sobre essa questão trabalha o
tema colocando a educação para além dos interesses do capital:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos cento e cinqüenta anos,


serviu – no seu todo – o propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal
necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas,
também, o de gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes, como se não pudesse haver nenhum tipo de alternativa à gestão da
sociedade ou na forma ‘internacionalizada’ (i.e. aceite pelos indivíduos ‘educados’
devidamente) ou num ambiente de dominação estrutural hierárquica e de
subordinação reforçada implacavelmente.

Portanto, as reflexões a respeito dos obstáculos à fruição do direito à educação pelo


viés da judicialização, devem incluir a percepção de que há uma perspectiva que defende uma
educação voltada para a formação para a produção como atendimento aos interesses do
mundo do capital e não do próprio homem.
Outro ponto influenciador nas relações enunciativas do direito à educação é a
controvérsia compreendida pelo fato de que o Brasil somente conseguiu programar um
projeto de Estado do Bem-Estar Social, ao promulgar a Constituição de 1988, exatamente no
mesmo momento histórico em que as crises do capitalismo empurravam os países para uma
reforma do Estado atendendo as proclamas da política neoliberal.
77

Essa situação propiciou uma dinâmica de relações de força e contra-força,


alimentadas pelo contraditório representado por esse aparato legal constitucional, pois que o
próprio Estado Democrático de Direito se conflita com a ciência positivista do direito e com
todo formalismo do ordenamento jurídico, na medida em que, foi criado e registrado na
norma soberana como cláusula Pétrea13. No entanto, padece de sustento prático político
econômico, razão porque ainda se mostra como figura retórica em constante mobilização
discursiva.
Pode ser observado que o texto constitucional de 1988 representa a edificação
popular de uma política de estado que se contrapôs frontalmente ao complexo sistema
econômico financeiro vigente no mundo, gerando embates ao longo dos anos de sua
existência, nos quais, o fenômeno da globalização, da desregulamentação, da flexibilização, e
outros estatutos do pensamento neoliberal, se encarregaram de minar os direitos sociais e
princípios ali inseridos.
Como outro ponto, de outros possíveis, é razoável supor uma operação estratégica de
reformulação e proliferação da criação e re-criação de normas jurídicas como respostas aos
reclamos da sociedade, porém, escamoteadas com objetivos dissimulados de estender os
debates e discussões multiplicando-os em um processo de inflação legislativa de finalidade
não demonstrada de forma explícita, mas, presumível como a edificação de barreiras
obstaculizadoras à exeqüibilidade do direito, mediante renovações constantes de políticas,
planos, projetos nas quais as ações efetivas são sempre adiadas.
Por outro lado pode ser presumido que a judicialização da educação vem sendo
construída com a mesma argamassa da normalização decorrente da sociedade de controle,
agora em novos formatos, de acordo com os determinismos das forças e poderes da
contemporaneidade, atendendo às determinações do sistema capitalista.
Para análise desses pontos de observação é imperativo ponderar todo o jogo
discursivo representado por lutas incessantes travadas em multiplicidades de correlação de
forças (políticas, sociais e econômicas) em determinadas circunstâncias, contextos e situações,
que refletem tecnologias da verdade (regras de controles e seleção).
Historicamente a questão do direito à educação de um lado atendeu aos interesses das
classes dirigentes (a escola como dispositivo de controle) e ao momento acena à classe
trabalhadora, pois, nessa vertente enunciativa (princípio constitucional), foi visualizada a
______________
13
Cláusula Pétrea - Determinação constitucional rígida e permanente, insuscetível de ser objeto de qualquer
deliberação e/ou proposta de modificação, ainda que por emenda à Constituição.
78

possibilidade de conseguir alcançar a inclusão aos bens sociais. Certificação nesse sentido tem
sido demonstrada por Cury (2002, p. 253):

[...] o direito à educação como direito declarado em lei, é recente e remonta ao final
do século XIX e início do século XX. Mas seria pouco realista considerá-lo
independente do jogo das forças sociais em conflito. Tanto a ampliação dos direitos
civis e políticos como a inserção de direito sociais não são apenas uma estratégia das
classes dirigentes que aí teriam descoberto, na solução coletiva, diversas vantagens
que o anterior sistema de autoproteção não continha. [...] Esses direitos são também,
produtos dos processos sociais comandados pelos segmentos da classe trabalhadora,
que viram neles um meio de participação na vida econômica, social e política.
(CURY, 2002, p. 253).

De fato, a obrigação estatal configurada como ação destinada a propiciar instrução ao


povo está ligada às primeiras linhas dos direitos humanos, dos direitos fundamentais, como
grupos de enunciados relacionados entre si. Um composto de direitos como ponto integrante
do ordenamento jurídico derivado de um emaranhado de acontecimentos demarcados pelas
lutas para a conquista do poder.
A configuração desses acontecimentos data de um momento histórico em que
surgiram enunciados do direito à educação no contexto das lutas contra o velho regime
travadas pela nova classe, a burguesia. A revolução política foi gestada pela revolução de
idéias na qual a questão dos direitos humanos (neles incluído o direito à educação) foi tecida
estrategicamente atendendo a um forte apelo popular que era a defesa da soberania do povo
nas questões de Estado.
Mas, como assevera Bobbio (1992), há uma grande distância entre a proclamação e a
efetivação dos direitos. Desde a instância de aparecimento dos enunciados do direito a
educação (na ascensão da burguesia), o Brasil trilhou um longo percurso para a conquista dos
direitos sociais que parecia desembocar finalmente na criação dos direitos obtidos pela Carta
de 1988, como fim alcançado. Mas, essa certeza logo foi desvanecida pela constatação de que
todo empenho da sociedade no movimento constituinte se deu de forma tardia, contrastando-
se com o panorama dos direitos sociais conseguidos pelos países desenvolvidos,
especialmente os Europeus.
Aqui, o arremedo de passagem para o Estado do Bem-Estar Social, apenas ocorreu
quando a política neoliberal, fortalecida em razão da crise econômica da década de 1970, já
exercia forte determinação no mundo.
Os movimentos sociais despertados por um povo ansioso pela restauração de
direitos, vindo de 20 (vinte) anos de autoritarismo provocado pelo Estado de exceção, gerador
79

de restrição de direitos, consagraram o ideário da universalização das políticas sociais no


Brasil e enalteceram esse espírito ideológico como molde à norma soberana de 1988 sob os
contornos da inspiração principiológica democrática de cunho marcadamente social.
Contudo, vinte e um anos depois da aprovação da Carta Constitucional de 1988, o
que se observa no cotidiano do cidadão é que grande parte dos direitos dela decorrentes,
continua como algo a ser alcançado, por prescindir de condições políticas e econômicas para
sua efetividade concreta no mundo real.
Muitas são as teorias, conceitos e teses apresentadas como novas verdades
científicas, sociológicas e filosóficas apontadas para solução dos problemas retro descritos.
São movimentos discursivos construídos sob várias concepções paradigmáticas, quer sob a
visão pública do ente estatal ou em decorrência da análise crítica da sociedade por seus
diversos segmentos.
Entende-se que proposições de pesquisas objetivadas à análise de conteúdo de mérito
do direito à educação no que tange a judicialização da educação como um dos caminhos
definidos para tornar efetivo o direito à educação, embora importantes, resumem-se em mais
uma forma interpretativa da realidade presente, prestando-se a indicar novas ou renovadas
versões de direitos e positividades e apontar outras verdades, porém construídas sob o mesmo
solo epistemológico.
No Brasil, o direito à educação, encartado na Constituição de 1988 compondo o rol
dos direitos sociais, (arts. 208 a 214), vem sendo, em diversos momentos, objeto de
articulações em várias vertentes e proposituras das diferentes práticas e segmentos sociais
como a educação, economia e cultura, visando normalizar, na medida do possível, conflitos e
contradições presentes historicamente na sociedade, a partir de políticas (tentativas de
regulamentações), leis e suas interpretações, regras e diferentes formas de operacionalidades e
normas de aplicação.
Esses movimentos discursivos entre o determinado e o executado, trazem em suas
essências conflitos e distanciamentos de seus propósitos, passando a ser transformados em
produtores de desajustes maiores daqueles existentes. Normalmente, são conduzidos sob
múltiplos paradigmas, paradoxos ou princípios demarcando enfoques avassaladores de sua
essência, o que passam ser considerados radicalmente incoerentes.
Tudo isso pode ser entendido como fruto de práticas sociais e culturais decorrentes
de velhas ou novas aspirações e reivindicações produzidas por grupos em um primeiro
momento seguido pela sociedade como um todo, com regulamentações por parte do Estado
80

seja estabelecendo leis enquanto políticas, estrategicamente impostas por intermédio de


planos, programas e projetos, e por isso, provocando proposições e diferentes manifestações
em debates ou reflexões investigativas amparadas pela filosofia, ou outros campos de
conhecimento das ciências.
No universo acadêmico, essa temática vem recebendo diversas colaborações
nominadas como campos quase distintos a luz de alguns princípios denominados como
teóricos e metodológicos.
Dentre aquelas que estão postas, calcadas no direito merecem destaques as
relacionadas à Educação, à Igualdade, à Diferença. (CURY, 2002); enquanto subsídios para a
gestão dos sistemas educacionais e orientações gerais dos marcos legais em vigência,
(BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 2006); pertinentes a judicialização da Educação
(SIFUENTES, 2005); (CURY; FERREIRA, 2009); questionadoras da educação inclusiva
(SILVA FILHO; SANTOS FOGLI, 2007), (GLORIA, 2002); (BOTO, 2005); com a
abordagem da qualidade da educação infantil (CAMPOS, FULGRAF, WIGGERS, 2006),
(MONTEIRO, 2003), tratando de aspectos do financiamento e gasto público na educação
básica (CASTRO, 2007).
Mencionados alguns estudos que permeiam vários campos para aproximações
necessárias e a melhor apreensão do que representa o Direito à Educação, cabe então
mencionar as reflexões que tem sido conduzidas em decorrência do interesse e atuação como
docente do magistério superior nas áreas do direito e da educação.
São constantes e vários os questionamentos dentre os quais, talvez o mais importante
seja a instigante abordagem da duvidosa efetividade dessa norma constitucional, mesmo
compreendendo-a como figura jurídica de direito público subjetivo – enquanto poder da
vontade humana que protegido e reconhecido pelo ordenamento jurídico, tem por objeto um
bem ou interesse (JELLINEK, 1910, p. 10), dotada de instrumento protecional de garantias.
Não se pode deixar de considerar que inúmeras normas foram e continuam sendo
produzidas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
propagadas como formas de efetivação desse direito. São instrumentos normativos,
declarações, regulamentos, normas e leis, que determinam diretrizes, planos e projetos
vinculados a eixos desenvolvidos como políticas de Governo ou de Estado.
Somente a consolidação de políticas públicas em sua plenitude pode tornar efetivo o
direito à educação, provocando reflexões diretas e importantes no cenário das práticas
pedagógicas, culturais e sociais. Por isso a compreensão da base produtiva dos discursos
81

normativos em nível constitucional, enquanto marco regulatório dos demais aplicativos


ordinários parece ser o interesse de toda classe educacional, já que não se trata de um
dispositivo qualquer, mas, de um elenco normativo que representa muitas décadas de lutas
políticas travadas pela sociedade brasileira.
Mais ainda, refere-se a direitos sociais albergados sem relutância legislativa e não
negados, em sua importância e necessidade pelas estruturas do poder governamental, em suas
mais diferentes opções ideológicas e históricas.
Os discursos veiculados nos espaços governamentais em mais de duas décadas de
vigência da Constituição Federal (1988) se perpetraram nas constituições estaduais (1989) e
nas leis orgânicas dos municípios brasileiros (1990) ratificando sempre a necessidade da
oferta do direito à educação, da educação infantil e do ensino fundamental, entoado como
prioridade nas políticas de governo de Mato Grosso do Sul, e prometido como peça
indispensável à construção da cidadania, tanto que continuam sendo produzidos documentos
públicos de regulamentação da norma constitucional mencionada pelo Poder Legislativo nas
diversas instâncias (Federal, Estadual e Municipal).
Parece relevante a constatação de que, embora esse tema se apresente como pauta
dos debates nacionais, visando o estabelecimento de diretrizes, planos e projetos, há
indicações de que sua não efetividade continua patente e indiscutível.
Analisando a questão das gerações de direitos, em capítulo sobre a proteção dos
direitos de liberdade e dos direitos sociais, Bobbio (1992) descreve o conflito entre tais
direitos e a concepção de Estado. Para a proteção dos direitos de liberdade exige-se um
Estado Mínimo enquanto para a execução de direitos sociais é necessário um Estado Provedor
dotado de estruturas de poder e mando, sendo dessa forma posições ideológicas conflitantes:

A proteção dos direitos sociais se faz por intervenção ativa do Estado, que é
condenada ao se falar de proteção dos direitos de liberdade. Enquanto os direitos de
liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de
limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para
a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o
contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. Também, ‘poder’, como de
resto, qualquer outro termo de linguagem política, a começar pela “liberdade”, tem
conforme o contexto, uma conotação positiva e outra negativa. O exercício do poder
pode ser considerado benéfico ou maléfico, segundo os contextos históricos, e
segundo os diversos pontos de vista a partir dos quais esses contextos são
considerados. Não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem, ou o
aumento do poder seja sempre um mal. (BOBBIO, 1992, p. 72).
82

Note-se que a análise dos direitos sociais em sua exequibilidade passa


obrigatoriamente pela verificação quanto à concepção de Estado e a forma de construção do
ordenamento jurídico, por isso, convém lembrar que as normas disciplinares organizadas e
experenciadas nos dispositivos da prisão, como lógica carcerária, de isolamento e solidão,
enquanto tecnologia de manipulação do sujeito, na modernidade, compuseram uma
racionalidade com efeitos sociais reais, pois percebe-se uma transposição de toda tecnologia
de domínio e controle da carceragem para todo o corpo social.
Configura-se o emprego desse saber disciplinar no mundo social como um biopoder,
pelo qual se processou o controle dos corpos e da vida, formando um sistema de condução das
massas e das individualidades, absorvendo as técnicas assimiladas pelo encarceramento, como
afirma Foucault (1987, p. 250): “A continuidade carcerária e a difusão da forma-prisão
permite legalizar, ou em todo o caso legitimar, o poder disciplinar que evita assim o que possa
comportar de excesso ou de abuso.”

O modelo carcerário de disciplina implantado como dispositivo regulamentado por


disposições normativas, ao ser transplantado das prisões para a sociedade promoveu
uma naturalização do poder de punir pautado pela legalidade e legalizou o poder
técnico da natureza do disciplinamento, como forma de gestão dos homens. “Mas o
efeito mais importante talvez do sistema carcerário e de sua extensão bem além da
prisão legal é que ele consegue tornar natural e legítimo o direito de punir, baixar
pelo menos o limite da tolerância à penalidade. (FOUCAULT, 1987, p. 249).

Na gestão das pessoas a figura do exame surgido em substituição à inquisição


combinou as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle
normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir (FOUCAULT, 1987).
É nesse panorama de disciplina, controle e docilidade do corpo, que o direito se
instalou na modernidade tendo no contrato rosseauniano o suporte determinante da tolerância
do aceitar ser punido pela ficção de um sujeito jurídico que dá aos outros o poder de exercer
sobre ele (o sujeito de direitos) o poder que ele próprio detém.
Todo aparato jurídico da norma tem por objetivo regulamentar, normatizar,
estabelecer comportamentos. E nas relações entre o direito e a educação o processo normativo
visa reproduzir o conhecimento a serviço do Estado Cientificista, em um processo de
armadilhas impostas subliminarmente pela verdade científica.
Foucault (2005, p. 27) argumenta:

O que pretendo mostrar nestas conferências é como, de fato, as condições políticas,


econômicas de existência não são um véu ou um obstáculo para o sujeito de
83

conhecimento, mas, aquilo através do que se formam os sujeitos de conhecimento e,


por conseguinte, as relações de verdade. Só pode haver certos tipos de sujeito de
conhecimento, certas ordens de verdade, certos domínios de saber a partir de
condições políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os domínios de saber
e as relações com a verdade. (FOUCAULT, 2005, p. 27).

O saber do direito à educação não se mostra como algo dado em definitivo, mas uma
construção decorrente das imposições e condições políticas, econômicas, sociais e
institucionais, em permanentes lutas nesses domínios de saber, sempre em conflitos, como
algo em constante produção. São ordens de verdades momentâneas decorrentes de interesses
lançados no jogo daquilo que é atendido ou contrariado.
O Poder Judiciário pela Suprema Corte conforme julgamento realizado no ano de
2005 registrou entendimento em seu julgamento quanto à exigibilidade judicial do direito à
educação, firmando posição favorável à força decorrente de decisão do Juízo. Em sede de
Recurso Extraordinário14 determinou que crianças até seis anos de idade, terão atendimento
em creche e em pré-escola, como direito assegurado pelo próprio texto constitucional
(Constituição Federal Artigo 208, IV), sendo o direito à educação dever jurídico cuja
execução se impõe ao poder público, notadamente do município (Constituição Federal, art.
211, § 2º).
A Excelsa Corte asseverou ser inquestionável que a prerrogativa de formular e
executar políticas públicas cabe ao Poder Legislativo e Executivo, no entanto, declara ser
possível ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, a implementação
de políticas públicas definidas pela própria Constituição, nos casos de descumprimento pelos
órgãos públicos dos encargos político-jurídicos e quando a omissão comprometer a eficácia e
a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.
O Ministro Relator, por seu relatório e voto, em rigorosos argumentos deixou
explicita a posição da Excelsa Corte quanto ao sentido da legitimidade constitucional do
controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas
consequentes e responsáveis, o que pavimenta a via executiva dos direitos à educação, mas
não completa a construção do caminho necessário para a sua plena efetivação.
Eis manifesto no plano jurídico o entendimento da necessidade e importância da
educação como fator de mudança social, tanto que as maiores críticas à Constituição Federal
de 1967 e Emenda Constitucional, nº 01, de 17 de outubro de 1969, foram versadas no sentido

______________
14
Recurso Extraordinário 436.996, São Paulo. Relator Ministro Celso de Mello, recorrente: Ministério Público
de São Paulo, recorrido: Município de Santo André.
84

da não efetividade da referida norma soberana em seu dispositivo constitucional que


estabelecia a educação como direito de todos e dever do Estado, com obrigatoriedade do
ensino dos 7 aos 14 anos e a gratuidade do ensino público. Tais inserções estavam despidas de
qualquer instrumento de exigibilidade, que pudesse conceder ao cidadão efeitos práticos e
concretos.
O protesto que se fazia era de que o “direito de todos”, embora sendo norma
constitucional, não detinha condições de efetividade por se encontrar dependente da
discricionariedade do administrador público e dos critérios de conveniência e oportunidade,
justamente em um governo de exceção o que favorecia o não cumprimento do direito à
educação.
Mas, esse não foi o contexto da elaboração da Constituição Federal de 1988,
construída na ambiência da democracia e liberdade contemplada com instrumentos
processuais de execução pelos quais foram estabelecidas as condições jurídicas para impedir o
exercício indiscriminado do poder discricionário do governo.
Tanto o legislador constituinte quanto o legislador ordinário deixaram explícitos que
a educação é dos direitos sociais o mais importante, estando também, historicamente, ligada
ao fenômeno da mobilização nacional refletida na luta para a erradicação da pobreza e das
desigualdades sociais.
O direito à educação, pelo grau de sua importância, além de ser dotado de
mecanismos legais de garantia para a sua exigibilidade foi objeto de vários instrumentos de
regulamentação por leis ordinárias de explicitação do direito como são os casos das
constituições estaduais e leis orgânicas dos municípios.
O aparato regulador do Estado perpassa e regulariza na medida do possível, em
outros instrumentos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.429, de
13 de julho de 1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996), Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de
1985), Probidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992),
Responsabilidade (Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950, Decreto-Lei nº 201, de 27 de
fevereiro de 1967).
Esses e outros dispositivos reguladores foram criados objetivando dar efetividade −
devido cumprimento das leis pelo Poder Público e pelo particular −, ao direito à educação,
possibilitando a aplicação de formas jurídicas processuais ao caso concreto.
85

São os casos da conduta tipificada como ilícito penal (delito de abandono intelectual,
crimes de responsabilidade, crimes de improbidade), como infração administrativa (ausência
de comunicação ao Conselho Tutelar sobre maus tratos) e como infração disciplinar ou de
natureza funcional.
Além disso, a implantação de espaços institucionais surgiu como estratégias e
mecanismos de sustentação para a defesa da criança e do adolescente abarcando o Poder
Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho de Direitos da Criança e do
Adolescente e o Conselho Tutelar.
Cury e Ferreira (2009, p. 33) descrevendo o direito à educação, propiciado pela
Constituição Federal de 1988, em sua condição de efetividade, apontam a importância dos
instrumentos jurídicos disponibilizados:

Esta versão legal do direito à educação, dentro desse conjunto, não se mostrava
presente nas constituições passadas, e por conseqüência, no ordenamento jurídico
vigente. Até então, tínhamos boas intenções e proteção limitada com relação à
educação, mas não uma proteção legal, ampliada e com instrumentos jurídicos
adequados à sua efetivação. (KOZEN, 1999, p. 659 ‘Até a vigência da atual
Constituição Federal, a educação, no Brasil, era havida, genericamente, como uma
necessidade e um importante fator de mudança social, subordinada, entretanto, e em
muito, às injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos e
culturais. A normatividade de então limitava-se, como fazia expressamente na
Constituição Federal de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional
n. 01, de 17 de outubro de 1969, ao afirmar a educação como um direito de todos e
dever do Estado, com a conseqüente obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 anos e a
gratuidade nos estabelecimentos oficiais, restringindo-se, quanto ao restante,
inclusive na legislação ordinária, a dispor sobre a organização dos sistemas de
ensino. Em outras palavras, a educação, ainda que afirmada como um direito de
todos, não possuía, sob o enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos,
excetuada a obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento de exigibilidade,
fenômeno de afirmação de determinado valor como direito suscetível de gerar
efeitos práticos e concretos no contexto pessoal dos destinatários da norma’.

Não obstante a existência e a importância declarada dos instrumentos


disponibilizados, bem como a oferta de políticas públicas, o não cumprimento integral do
direito educacional vem sendo discutido como analisa Prieto (2004, p. 4):

Em que pesem os avanços alcançados quanto aos índices de matrículas iniciais no


ensino fundamental, atribuídos a este mesmo período, as ações organizadas ainda
não deram conta de cumprir com os compromissos firmados na Constituição Federal
de 1988 (CF/88), quais sejam: erradicação do analfabetismo, universalização do
atendimento escolar, melhoria da qualidade de ensino, formação para o trabalho e
promoção humanística, científica e tecnológica do País.
86

Um verdadeiro arsenal normativo-legal foi criado e colocado à disposição no


arcabouço jurídico brasileiro visando dar efetividade ao direito à educação, em atendimento
ao que se tinha requerido intensamente pela sociedade brasileira na voz de juristas,
educadores e políticos, que precederam a Constituinte de 1988, mesmo assim, ainda não se vê
sinalizada a possibilidade da efetividade real e concreta, embora a judicialização da educação
seja uma realidade em debate.
Essa constatação impõe reflexões visando interpretações que nos capacite a
responder a inquietação pertinente aos limites do normatizado e do executado. Autores têm
desenvolvido trabalhos que distinguem a importância da inclusão do direito à educação no
ordenamento jurídico brasileiro, como um passo considerável na história jurídica educacional.
Dentre eles podemos citar Horta (1998), Cury (2000), Vieira (2001) e Oliveira (2001a).
Tais obras e artigos destacam a relevância teórico-política do direito à educação, o
mais importante dos direitos sociais inseridos na Constituição Federal de 1988, marcados
ainda como expectativa de direito, vez que não se pôde visualizar mencionado direito como
norma consagrada no mundo das práticas.
Não se pode negar que o governo da República tenha laborado em conjunto com o
Congresso Nacional ao promover a criação de um extenso rol normativo de políticas públicas,
inseridas no contexto educacional brasileiro, produção e lançamento de Diretrizes, Parâmetros
Curriculares, Planos, enfim, documentos normativos legais regulamentando a educação
nacional. Sucede que, no plano fático, na concretude da vivência educacional, na interioridade
da escola, das práticas educativas, dos atores educacionais não se vê contempladas alterações
substanciais que apontem para modificações essenciais e necessárias ao País e à Nação
Brasileira.
Botto (2005, p. 777), diz:

Ora, se tomarmos a condição democrática pela efetivação de dispositivos


reguladores do jogo social, é necessário acrescer que tais normas deverão ser
compartilhadas; e isso, inclusive, em virtude do propósito de os cidadãos (além de
deliberarem sobre dinâmicas internas à vida social) deterem consigo o poder de
controlar a execução e a própria exeqüibilidade das regras.

A atuação compartilhada do processo de garantia da aplicação das normas


educacionais somente se dá em relações de luta e de poder produzindo conhecimentos como
observa Foucault (2000, p. 23):
87

E é somente nessas relações de luta e de poder - na maneira como as coisas entre si,
os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem
exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que
consiste o conhecimento.

A discussão da efetividade do direito está no plano das lutas, das relações de poder,
dos processos de constituição dos saberes, o que sinaliza a existência de dispositivos de
controle tais a impossibilitar a transposição do plano normativo teórico para o plano das
práticas educativas e sociais.
Não se pode desconsiderar que a racionalidade iluminista cooptada pelo capital tem
sido também espaço para constituição de subjetividades e socialização, a serviço de um
sistema que não beneficia ao todo social. O direito à educação tem sido subordinado à lógica
do mercado, como de sorte toda prática política, econômica, social e cultural, na medida em
que os valores econômicos mostram-se como fundamentos da sociedade moderna e
contemporânea.
Assim, haverá sempre uma dependência do jogo do capital, e nele o direito à
educação, compreendido como um dos mais importantes processos para consolidação de um
Estado Democrático de Direito, ainda não se mostra palpável nas práticas sociais e educativas,
mesmo considerando os inúmeros recursos e instrumentos criados. Toda essa produção
normativa se dá no dizer foucaultiano, como “[...] uma história política do conhecimento, dos
fatos de conhecimento e do sujeito do conhecimento”. (FOUCAULT, 2005b, p. 23).
As políticas públicas estabelecidas pelo Governo da União, em cumprimento ao
ditame constitucional do direito à educação, desenvolvidas por artifícios do que chamamos de
política de verdades ainda não permitiram alcançar os objetivos encarnados no próprio
mandamento constitucional, por seus princípios e diretrizes.
Continua a busca ainda incompreendida da pedagogia da transformação, conforme
argumenta Benevides (1996, p. 01) esclarecendo que:

Além do exemplo brasileiro, é crucial a advertência de Norberto Bobbio, para quem


a apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia, inclusive no
chamado primeiro mundo. Dentre as ‘promessas não cumpridas’ para a consolidação
do ideal democrático, aponta ele o relativo fracasso da educação para a cidadania
como transformação do súdito em cidadão. Bobbio recorre, ainda, às teses de Stuart
Mill para reforçar a necessidade de uma educação que forme cidadãos ativos,
participantes, capazes de julgar e escolher - indispensáveis numa democracia, mas
não necessariamente preferidos por governantes que confiam na tranqüilidade dos
cidadãos passivos, sinônimo de súditos dóceis ou indiferentes.
88

A produção acadêmica aquí revelada, inventariada e levada à reflexão em seus


desdobramentos, criações e transformações dão mostras das dinâmicas dos estudos, pesquisas,
levantamentos e descrições que se têm realizado no Brasil no que diz respeito ao discurso da
judicialização e do direito à educação, como verdades de um tempo. Nota-se grandes
preocupações quanto as novas expectativas em relação ao alcance dos direitos consignados na
Constituição Federal de 1988 e leis auxiliares, mediante a provocação do Poder Judiciário e a
delimitação das possíbilidades de atendimento.
As abordagens sobre a judicialização recolhidas das escolas jus-filosóficas do eixo
norte revelam os pensamentos dos filósofos jurídicos nos espaços mais avançados dos estudos
nesse setor oferecendo visões dicotômicas, e até por isso, importantes em seu contraditório,
pois podem demandar maiores esforços para viabilização de novas reflexões dentro do
contexto brasileiro em seu quadro de referencia das mudanças provocadas pela adoção do
Estado Constitucional contemporâneo.
Sustenta-se ser possível, no âmbito da ambigüidade, servir as sustentações teóricas
como base substancial para trabalhos de aprofundamentos frente ao cenário de necessidades
nacionais, podendo ser conseguido demarcar posição que contemple novas dinâmicas
conceituais vez que o Brasil sofre diretamente as conseqüências da adoção tardia do
neoconstitucionalismo.
O direito à educação lançado no rol dos direitos constitucionais principiológicos de
caráter público subjetivo, tem sido marcado pelas discussões das suas possibilidades de
efetividade e o alcance dos seus efeitos no sistema escolar como um todo e nas escolas de
forma singular em suas especificidades, dificuldades e impossibilidades.
A discussão do direito à educação como mais um processo de normalização na
sociedade de controle centrou-se em uma arqueologia da escola, que apresenta a instituição
escolar como espaço de seqüestro, objetivada a constituir sujeitos dóceis, disciplinados,
controlados, uma verdadeira fábrica de súditos virtuosos. A escola como instituição de tutela
das crianças das classes populares desenvolve estratégias para o preparo como força de
trabalho e táticamente cria fórmulas de impedir movimentos de luta social.
Enfim, a escola tem sido o espaço de controle do corpo das crianças utilizado como
forma de domínio das classes populares, sob o lema da universalização da educação. A escola
obrigatória tem-se mostrado como espaço de civilização da criança obreira, dotada de
ensinamentos nos limites determinados pelas relações estabelecidas pelos poderes vigentes na
sociedade.
89

A investigação arqueogenealógica trabalha com a análise do desenvolvimento dos


saberes, portanto colocando em discussão a posição crítica da produção da verdade
racionalista ocidental. O paradigma racional determinado como formula de compreender o
mundo pelos caminhos tradicionais da ciência e da tecnologia é colocada sob suspeita, motivo
de apresentar outras praticas como novos modelos explicativos da busca do conhecimento.
O Brasil está realizando a Conferência Nacional de 2010 (28 de março a 1º de abril)
na qual os eixos temáticos das discussões são os seguintes: Papel do Estado na garantía do
direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional; Qualidade da
educação; Gestão democrática e avaliação; Democratização do acesso, permanencia e sucesso
escolar; Formação e valorização dos profissionais da educação ; Financiamento da educação e
controle social; Justiça Social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade.
Todos os eixos temáticos apresentados são questões pautadas em outros debates e
oportunidades que culminaram em propostas e caminhos de ação , porém de resultados
frustrantes ante a inexistencia de soluções práticas no mundo real. A Educação vê-se invadida
por todos os lados, com processos, ações, termo de ajustamento de conduta, cursos e palestras
destinados a se conhecer o contexto atual do direito educacional e os aspectos preventivos a
serem tomados nas instituições de ensino. Formou-se uma batalha de direitos e deveres, na
qual as armas propostas fogem às grandes expectativas de uma educação inovadora.
O pensamento de Arendt (1991) é no sentido de considerar a educação como uma
possibilidade de ação e de luta, uma vida ativa, possível de redefinir direito e poder. Neste
momento de crise da sociedade capitalista imprescindível se mostra aprofundar as reflexões
quanto às relações entre o direito e educação em seus aspetos da reprodução do conhecimento
a serviço do Estado Cientificista.
O capítulo seguinte destinou-se a descrever as linhas principais do referencial teório
de Michel Foucault e estabelecer os caminhos metodológicos para o desenvolvimento desta
pesquisa.
CAPITULO II

ARQUEOGENEALOGIA FOUCAULTIANA: CAMINHOS DESTE


ESTUDO

Este capítulo está desenvolvido em duas partes; a primeira contendo a descrição do


método de análise eleito, a partir do referencial teórico seguido e, a segunda, pontuando os
recursos específicos que serão utilizados neste trabalho, como construção desta caminhada
investigativa, que não se esgota neste estudo.
Foram adotados os pressupostos teóricos e metodológicos de Michel Foucault, como
já enunciamos, e suas contribuições sobre a análise do discurso - técnica desenvolvida pela
arqueogenealogia – segundo a qual são processadas inquirições dos discursos legitimados
como saber e decorrentes das relações de poder, frutos de práticas culturais enraizadas nas
práticas sociais.
Partiu-se da compreensão de que o pesquisador, no campo metodológico da análise
histórica, deve isentar-se de qualquer antropologismo e procurar no próprio tecido
documental, problematizar as “unidades” enquanto estrutura própria de uma obra, de um
livro, de um texto, de uma teoria. (FOUCAULT, 2000, p. 7).
Nos procedimentos metodológicos da análise documental, a pesquisa histórica
foucaultiana trabalha no interior do documento, recortando-o, ordenando-o, distribuindo-o,
repartindo-o em níveis, estabelecendo séries, definindo o que é pertinente e o que não o é
determinando as unidades e as relações. Assim, procura definir no próprio documento as
unidades, conjuntos, series e relações. Analisa-se o tema como multiplicidades determináveis
historicamente, forma que substitui a análise da continuidade) (FOUCAULT, 2000).
Como “relações” compreendem-se as “[...] condições de semelhança, vizinhança,
afastamento, diferenças, transformação, dependência, desenvolvidas entre enunciados, grupos
de enunciados, series, conjuntos, unidades, domínios”. (FOUCAULT, 2000, p. 51).
Numa síntese preliminar, o discurso corporifica um processo composto de séries,
conjuntos e relações, que se manifestam nas práticas discursivas e especificam as relações de
poder a constituir uma realidade material que é apresentada como verdades. Para se proceder
91

a interpretação dos enunciados parte-se da compreensão do composto discursivo como noção


de acontecimento e campo dos fatos do discurso.
O discurso é descrito por Foucault (2000, p. 90 e 135) da seguinte forma:

[...] um conjunto de enunciados que se apóia na mesma formação discursiva. [...]


Número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de
condições de existência; [...] domínio geral de todos os enunciados. [...] Grupo
individualizável de enunciados. [...] prática regulamentada dando conta de certo
numero de enunciados.

Segundo o autor (2000, p. 28):

É preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de
acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que
lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores
traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros.

Pelo “método arqueológico”, Foucault (2000) orienta a trabalhar com os enunciados


em um sistema de dispersão procurando verificar nessa dispersão uma determinada
regularidade conformadora de uma formação, tipos de enunciação, conceitos e escolhas
temáticas.
Esses elementos de uma repartição discursiva (objetos, enunciação, conceitos,
escolhas temáticas), estão submetidos às regras de formação que são condições de existência
do discurso, exigindo do pesquisador proceder ao seu reconhecimento e compreensão.
A análise do discurso, por conseguinte, é concebida como a descrição dos
acontecimentos discursivos, seguindo a identificação das unidades a partir de um conjunto de
enunciados. A descrição dos acontecimentos discursivos é obtida mediante a identificação das
regras que admitiram a construção desses enunciados e outras regras que poderiam construir
outros enunciados que não esses, na intenção de compreender o porquê do aparecimento
desses enunciados e não outros (FOUCAULT, 2000).
Para proceder à identificação dos enunciados dos discursos é necessário delimitar o
campo discursivo mediante um recorte a ser efetuado em uma população de acontecimentos,
verificando as condições de regularidades enunciativas, por distribuírem-se de forma
dispersas. A partir da identificação inicial do primeiro grupo de enunciados que representam o
discurso objeto da análise, verifica-se pelo sistema de encadeamentos, os enunciados de
outras formações discursivas que possuam algum tipo de conexão, interligação ou correlação.
Dessa forma:
92

[...] trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua


situação; de determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites da
forma mais justa, de estabelecer as suas correlações com os outros enunciados a que
pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação exclui.
(FOUCAULT, 2000, p. 31).

É necessário fazer aparecer o porquê esses enunciados, e não outros, ocupam


determinado lugar, razão para se verificar os jogos de relações que podem estar
compreendidos em ordens diferentes (técnica, econômica, social e política).
Ao ser desenvolvida a análise arqueológica devem ser deixadas em suspensão as
explicações já existentes sobre a enunciação do discurso dadas pelas ciências, teorias e
conceitos. Será por meio das correlações, funcionamentos e transformações dos enunciados
que se alcançará a compreensão do discurso em sua singularidade e em sua irrupção histórica,
pontos que marcam as regras da sua emergência, isso porque não há.

[....] enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo


parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos
outros, neles se apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo
enunciativo, onde tem sua participação, por ligeira e ínfima que seja. [...] Não há
enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si,
um campo de coexistências. (FOUCAULT, 2000, p. 114).

Na obra “Arqueologia do Saber” Foucault (2000) pontua vários recursos


procedimentais de análise que podem ser utilizados na pesquisa, destacando a importância de
proceder à suspensão das noções já existentes do discurso; de tomar um marco inicial em uma
unidade para questionar sobre que leis são formadas essas unidades e que acontecimentos se
recortam; de estabelecer um projeto de descrição dos acontecimentos discursivos (um corpo
de enunciados em uma população de acontecimentos dispersos - situar o enunciado no campo
dos acontecimentos discursivos); de analisar as regras às quais esses enunciados foram
submetidos na sua construção e as que poderiam construir outros enunciados; de determinar
as condições de existência dos enunciados (limites, correlações com outros enunciados,
relações entre grupo de enunciados, enfim, compreender os jogos de relações); de identificar
uma Formação Discursiva - Descrever o sistema de dispersão considerando um número
determinado de enunciados e definir uma Regularidade – uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações; de verificar as regras do campo em que as singularidades se
distribuem e se reproduzem.
Indica ainda Foucault (2000) a necessidade de delimitar o espaço de existência do
discurso entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos e as escolhas temáticas; de
93

descobrir a formação de objetos (demarcar as superfícies de emergência, descrever as


instâncias de delimitação e analisar as grades de especificação); (relações entre instituições,
processos econômicos e sociais, formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas,
tipos de classificação e modos de caracterização).
Observa ainda Foucault (2000) a importância de precisar quem é o sujeito que fala,
seu status, critérios que possui para exercer essa fala (atribuições, presunção de verdade); de
identificar os lugares institucionais de obtenção e legitimação do discurso pelo sujeito; de
interrogar as posições do sujeito. O lugar que ocupa e como se relaciona com outros poderes
que não o seu;
Aponta também que se deve desenvolver a configuração do campo enunciativo
(campo de presença, campo de concomitância e domínio de memória); identificar os
procedimentos de intervenção (técnicas de reescrita, métodos de transcrição, modos de
tradução dos enunciados quantitativos em qualitativos e vice-versa, delimitação do domínio
dos enunciados, transferência do enunciado de um campo a outro).
É importante reconhecer as formações das estratégias do discurso, procurando
determinar os pontos de difração do discurso (pontos de incompatibilidade, pontos de
equivalência e pontos de ligação de uma sistematização); estudar a economia da constelação
discursiva (o papel do discurso em relação aos seus contemporâneos; compreender a relação
existente entre o discurso estudado e outros existentes); compreender a função dos discursos
em análise em um campo de práticas não discursivas (nas práticas pedagógicas, nas decisões
políticas de governo, nas decisões econômicas, nas práticas sociais e nas lutas sociais e
políticas); compreender os processos de apropriação do discurso.
Depreende-se, por conseqüência, que, na perspectiva foucaultiana as reflexões não
devem abarcar a estrutura lingüística do discurso, o conteúdo conceitual ou a validade da
teoria que representa. A investigação não indaga a verdade ou falsidade das proposições
discursivas. O que interessa ao pesquisador é estabelecer as condições, possibilidades,
alternativas abertas no campo delimitado como resultado das relações de força que definem as
opções de emergência do discurso.
Na análise arqueogenealógica, a tarefa arqueológica e genealógica não se separam,
elas se realizam ao mesmo tempo, uma apoiando-se na outra, complementando-se.
Em um primeiro deslocamento metodológico, reafirmando a importância e
necessidade da continuidade na realização da pesquisa arqueológica (conjunto crítico),
Foucault (1996), em sua obra “A Ordem do Discurso”, estabelece procedimentos
94

complementares de investigação instituindo a análise da genealogia do poder (conjunto


genealógico). Essa composição de procedimentos constituem o método arqueogenealógico.
Dessa forma, o autor em sua obra define procedimentos internos que regulam o
discurso e são determinados por princípios de classificação, ordenamento e distribuição, que
são demonstrados: pelo comentário (desnível entre o primeiro e segundo texto, na
dependência dos acontecimentos discursivos); pelo autor, princípio da rarefação (não são
todos que podem ocupar a posição de sujeito do discurso) e pela disciplina (obediência a
regras e determinações).
Foucault (1996) assegura que é possível verificar no discurso que não se pode dizer
tudo (Tabu do Objeto); que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância (Ritual da
Circunstância); que existe o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala, pois não é
qualquer um que pode falar de qualquer coisa (A posição do sujeito na fala).
Na mesma obra aponta a existência de outros fatores que ocorrem no discurso dentre
os quais: Tipo de exclusão – (relação/oposição entre o falso e o verdadeiro); Procedimentos
internos de controle: classificação, ordenação e distribuição; limitação e de controle na
produção do discurso (Rituais da Palavra – técnicas, metodologias, proposições, jogo de
regras); Sociedades do discurso; Grupos doutrinários; Apropriações sociais (apropriação do
discurso por certas categorias de sujeito).
O método arqueogenealógico, portanto, reúne variados recursos procedimentais para
a análise discursiva. Embora a junção da arqueologia com a genealogia possibilitou a
formação de um sõ método, a arqueogenealogia, deve ser ponderado que a arqueologia do
discurso permite ao pesquisador trabalhar em quatro níveis de análise, podendo decidir sobre
a necessidade de utilizar todos os níveis ou alguns. São eles:
1º - Modo de produção de objetos do discurso;
2º - Modo de produção das modalidades enunciativas;
3º - Modo de produção dos conceitos, e,
4º - Modo de produção dos temas/teorias (estratégias).
Na conformidade com a necessidade do objeto e especificidade pretendida, a
pesquisa pode abranger os quatro níveis de análise, um ou mais níveis, ou abranger todos os
níveis, dando enfoque a um nível determinado.
Foucault (2000) descreve que na sua obra “História da Loucura” o ponto essencial da
sua pesquisa foi a formação dos objetos, enquanto que ao pesquisar o “Nascimento da
95

Clínica” o Status, a Instituição e o Sujeito, foram os focos de análise; já em “As Palavras e as


Coisas” o estudo se referiu à rede de conceitos e suas regras de formação.
Como relatado pelo autor, a arqueogenealogia disponibiliza para a investigação um
grande número de ferramentas, procedimentos e ou técnicas metodológicas, cabendo ao
pesquisador proceder a escolha, que fará, na dependência não apenas das características do(s)
discurso(s) a ser(em) analisado(s), como também da delimitação proposta e das circunstâncias
do desenvolvimento da pesquisa.
Foucault (2000) declara que na pesquisa que deu origem a sua obra “História da
Loucura” os pontos de escolhas teóricas foram fáceis de serem demarcados, os sistemas
conceituais não trouxeram complexidade, o regime enunciativo mostrou-se homogêneo; no
entanto, a emergência dos objetos apresentou-se muito complexa, obrigando-o a proceder a
verificação dos objetos com maior cuidado e perspicácia investigativa.
Da mesma forma que a arqueologia, na genealogia, nem sempre existe a necessidade
de utilizar todos os recursos metodológicos oferecidos pela teoria foucaultiana. Até por isso é
que este aporte teórico não define um método confinado em limites materiais pré-
determinados, sendo permitido ao pesquisador construir o método ao longo da pesquisa.
Apoiando-se nessa permissão metodológica, esta pesquisa foi desenvolvida seguindo
um eixo estrutural, uma espécie de matriz metodológica contendo delineamentos básicos. O
proposto foi estabelecer um caminho investigativo, em forma ainda provisória, determinando
os procedimentos e recursos metodológicos da arqueogenealogia que possuam peculiaridades
de interesse a abrangência da investigação em questão, portanto, possíveis de serem aplicados
ao discurso em análise.
Nesta construção metodológica, foram assinalados alguns pontos enunciativos,
procedimentos, recursos e instrumentos petinentes para a análise da composição da formação
discursiva; não obstante, foi ponderada a possibilidade de alterações ao longo do percurso
investigativo, quando necessário, a vista das regras, correlações e enunciados encontrados no
campo de análise.
Estas são as razões de se explicitar a metodologia e o eixo metodológico utilizado
neste estudo, a seguir.
Partindo do entendimento do discurso como um conjunto de enunciados que se apóia
na mesma formação discursiva e sendo a questão principal desta pesquisa compreender as
formações discursivas da Judicialização da Educação em Mato Grosso do Sul, os enunciados,
96

à luz das relações históricas possíveis entre si, mergulhados em relações de poder, são,
essencialmente, os materiais de análise utilizados.
Este exame analítico do discurso parte da constatação prévia de que os enunciados
devem ser considerados em seus quatro elementos básicos, como descreve Foucault (2000, p.
133): “Um referencial [...] (um princípio de diferenciação), um sujeito [...] (uma posição a ser
ocupada), um campo associado [...] (um domínio de coexistência para outros enunciados) e
uma materialidade, [...] (regras de transcrição, possibilidades de uso e reutilização)”.
Para poder captar o domínio dos enunciados e seu agrupamento, adotou-se como
relevante trabalhar na descrição das formações discursivas, sendo essencial proceder a
identificação dos enunciados, considerando-os em sua dispersão15 e descontinuidade, em seus
regimes de institucionalização, utilização, reutilização e de combinação, como caminhos que
permitam compreender a regularidade (modos e capacidade de correlação e coexistência).
Essa operacionalização analítica será realizada entre enunciados que dão corpo às
formações discursivas e é dinamizada de forma conjunta, pois um pertence ao outro,
coexistem entre si, sendo que a coexistência e pertencimento provêm das práticas discursivas
que são conceituadas como:

[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no


espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função
enunciativa. (FOUCAULT, 2000, p. 136).

O campo empírico desta pesquisa é composto por dados enunciativos contidos: nas
sentenças de ações ajuizadas contra o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul;
nas decisões do Poder Judiciário Brasileiro, coletados mediante levantamento de decisões
jurisprudenciais sobre a judicialização da educação; e nos documentos relativos à legislação
pertinente a judicialização e ao direito à educação.
Os enunciados da Judicialização da Educação e do Direito à Educação são figurados
como partes um do outro, construídos em decorrência das relações desenvolvidas entre si e
outros enunciados de discursos pré-existentes, formando séries e conjuntos, em outros
domínios, outros espaços, contextos e momentos históricos.

______________
15
Dispersão dos enunciados é a interdiscursividadade, a pluridiscursividade, a heterogeneidade discursiva, o
interdiscurso, isto é, a existência de enunciados que se correlacionam em vários discursos, compondo a história
discursiva.
97

É a partir dessa heterogeneidade discursiva que se pode verificar os enunciados da


Judicialização da Educação presentes no campo do governo no espaço do Poder Judiciário,
determinando-se em forma anunciada de efetivação do Direito à Educação. O surgimento
desse discurso provém de variadas relações enunciativas, desenvolvidas estratégicamente, sob
muitas regras e formas de apropriações, repetições, reproduções e transformações derivadas
de lutas políticas tensionadas nas redes de poder, as quais serão identificadas.
Na interioridade discursiva da judicialização se espelha o direito à educação, pois, os
seus enunciados apresentam-se como fundamentos jurídicos que dão suporte à judicialização
da educação, especialmente aqueles que compreendem o contexto das normas constitucionais
e infraconstitucionais, dentre as quais: a Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996) e o Estatuto
da Criança e Adolescente (Lei Federal nº 8.429, de 13 de julho de 1990), além dos enunciados
contidos nos documentos internacionais pertinentes ao tema.
No contexto da pluridiscursividade ocorrem variados tipos de correlações entre
instituições, processos econômicos e sociais, sistemas de normas e modos de caracterização,
explicativos das articulações que em associações constroem a formação discursiva.
Para a descrição dos enunciados e suas relações será observada a assimilação dos
componentes dos diferentes discursos antecedentes no conjunto dos acontecimentos
considerando as formulações propostas (proposições) e buscando revelar e analisar as
regularidades das práticas discursivas (condições de exercício da função enunciativa).
Com tal procedimento, a intenção é alcançar a compreensão das formações
discursivas, enquanto conjuntos que trabalham entre si compondo a construção de uma ordem
arqueológica que obedece a uma sequenciação estabelecida por uma linha condutora de
derivação, frente à operação da inventariação das relações possíveis, exercidas de modos
iguais ou semelhantes, aproximadas ou pertinentes, inquiridas como condições de
homogeneidade e heterogeneidade enunciativa que se identifica pelas articulações,
entrecruzamentos e pelos jogos das identidades e diferenças.
Mencionadas relações compõe a teoria do discurso no sentido de que atendem aos
jogos das coações e das limitações como regras que determinam a formação de objetos,
modalidades, conceitos e estratégias.
Para se compreender a edificação discursiva em sua ordem arqueológica seguindo a
disposição da árvore de derivação de um discurso, deve-se despir de qualquer preocupação
cronológica, continuidade ou periodização.
98

É pertinente lembrar na locução de Foucault (2000, p. 179), que a formação


discursiva:

É antes um espaço de dissensões múltiplas; um conjunto de oposições diferentes


cujos níveis e papéis devem ser descritos. A análise arqueológica revela o primado
de uma contradição que tem seu modelo na afirmação e na negação simultânea de
uma única e mesma proposição, mas não para nivelar todas as oposições em formas
gerais de pensamentos e pacificá-las à força por meio de um a priori coator. Trata-
se, ao contrário, de demarcar, em uma prática discursiva determinada, o ponto em
que elas se constituem, definir a forma que assume, as relações que estabelecem
entre si e o domínio que comandam. Em suma, trata-se de manter o discurso em suas
asperezas múltiplas e de suprimir, em conseqüência disso, o tema de uma
contradição uniformemente perdida e reencontrada, resolvida e sempre renascente,
no elemento indiferenciado do Logos.

Por tal razão a afirmação de que a construção da árvore de derivação do discurso da


judicialização da educação será executada mediante o desenrolar do “fio do novelo” que
envolve o direito à educação por suas ramificações normativas, estabelecidas como normas
regulamentadoras, e somadas à doutrina e jurisprudência como pontos de produção dos efeitos
que se refletem como práticas judiciárias.
No desenvolvimento dos procedimentos da construção da árvore de derivação dos
enunciados serão examinados os acontecimentos políticos, os fenômenos econômicos, as
constituições, formações e transformações das instituições, enfim, o necessário para
compreender o processo possibilitador das condições da emergência do discurso no meio
social.
A teia que forja o discurso na chama das relações enunciativas revela o
entrelaçamento entre o discurso da judicialização da educação e o discurso do direito à
educação frente aos discursos que compreendem o novo ordenamento jurídico decorrente da
Constituição Federal de 1988 e o direito em si, a norma do “dever ser” transplantando
questões educacionais para os espaços da justiça concretizadas em práticas judiciárias
exercidas em pertinência aplicativa com as práticas políticas, econômicas, sociais e culturais.
Em uma demarcação exemplificativa objetivada à identificação da formação
discursiva da Constituição Federal de 1988, no campo do direito à educação, desenvolve-se
um projeto de uma descrição dos acontecimentos discursivos, buscando unidades formadas
nesse campo que oferecem indicações dos enunciados que compõem o discurso. A partir da
coleta dos enunciados do discurso, por um recorte, o percurso analítico passa a ser preenchido
pela investigação de como foram, em parte ou totalmente, apropriados, modificados e ou
99

transformados esses enunciados na história dos Poderes da República e da sociedade


brasileira por seus segmentos e instituições.
A verificação relacional nesse caso é desencolvida por aproximações investigativas,
buscando compreender a cadeia de acontecimentos aos quais se vinculam(ram) o direito à
educação nos domínios da política, da econômia, e nas relações possíveis com Insituições
como: Comunidades Sociais, Escola; Ministério Público; Poder Judiciário; Defensoria
Pública, Conselho Tutelar e o Conselho dos Direitos da Criança.
Nos acontecimentos relacionados, trabalha-se na observação das práticas sociais,
jurídicas e educativas, esquadrinhando as questões políticas e econômicas que influenciaram a
produção do discurso por suas interferências determinativas de recomendações,
regulamentações e regulações, fatores que compõe os ditos do discurso, para isso recolhendo
essas e outras formas de enunciação que se ligam ocupando espaços do discurso. Isto é a
identificação das leis segundo as quais os enunciados sãoformados.
Os procedimentos metodológicos foucaultianos indicam a necessidade de
compreender o jogo das correlações e das dominâncias, o que implica em realizar um
transcurso ascendente, ou seja, ir dos enunciados dos discursos selecionados aos enunciados
de outras formações discursivas antecedentes, “apanhando” as relações provocadoras dessa
interação, delas mesmas, outras ou novas formas de enunciação.
A apreensão do percurso histórico enunciativo da judicialização da educação requer,
em um primeiro momento, um recuo à Constituição do Estado Moderno, ao surgimento dos
direitos civis, humanos, sociais e educacionais, a própria história das constituições, da
instituição do Poder Judiciário e das práticas judiciárias, observando-os como acontecimentos,
em suas regularidades, relacionamentos, modificações, e representações.
Mas, sobretudo, descrever uma empiria compreendida pelo conjunto das coisas ditas,
“arrancando” esse discurso do seu contexto, em sua vivacidade e em seu percurso.
Assim, a temporalidade levada em consideração é atinente aos ditos e escritos em
seus momentos do dizível, em suas articulações e entrecruzamentos, em suas derivações e
transformações até se manifestarem como marcas decifráveis na superfície do Poder Estatal
Judiciário em suas decisões e sentenças (a judicialização).
Alguns instrumentos analíticos possibilitam compreender referidas articulações e
entrecruzamentos, trata-se: da “Remanência” (campo da memória dos enunciados), possibilita
apanhar o conteúdo, o percurso e as rupturas; da “Aditividade” (somação de signos) pontua as
transformações enunciativas ocorridas; do “plano da recorrência” (campo de elementos
100

antecedentes) pelo qual é possível verificar a filiação enunciativa, seus desenhos e


(re)desenhos, que levam a sua apropriação ou exclusão.
O processo de análise documental se dá verificando diferentes obras, livros e toda
um conjunto de textos, processos, sentenças e decisões jurisprudenciais, pertencentes à
mesma formação discursiva, para neles inspecionar as condições de exercício da função
enunciativa quanto à translação de conceitos, continuidades temáticas, restrições, novos
interditos, novos jogos, campos de forças e contra-forças, que atendem as regras e
caracterizam as práticas discursivas representando um a priori histórico - condições de
realidade para enunciados segundo sua dispersão.
A análise do discurso segundo a linha metodológica arqueogenealógica oferece
condições para se verificar que todo processo de formação discursiva atende a determinadas
condições de aparição, permitindo reconhecer a lei de coexistência com outros enunciados e
os princípios propiciadores de sua manutenção, apropriação e transformação.
Dessa forma, a estratégia arqueogenealógica possibilita mostrar que o discurso não
possui apenas uma determinada verdade proclamada institucionalmente, mas, detém uma
história específica na lei do seu devir, possível de ser revelado pelos arquivos – “[...] define o
sistema de enunciabilidade e o sistema de funcionamento das relações enunciativas. É o
sistema geral da formação e da transformação dos enunciados”. (FOUCAULT, 2000, p. 150).
A inventariação das relações entre os discursos da judicialização da educação no
meio judicial e educacional pelo processo de reconhecimento do sistema geral de
funcionamento (arquivo) indica a necessidade de um recuo cronológico maior para poder
melhor desenvolver uma verificação dos processos de relações enunciativas que seja tão
abrangente quanto necessária para sua inteira compreensão.
Na medida em que as formações discursivas da judicialização em suas
descontinuidades e desníveis remetem a um movimento investigativo ascendente com a
finalidade de buscar outros enunciados, momentos e contextos, o procedimento investigativo
remete a necessidade de proceder à análise enunciativa dos documentos discursivos que são
tomados como referências e fundamentos de alicerce da intervenção do Poder Judiciário no
campo da educação, tais como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal
nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996); Convenção sobre os Direitos da Criança (1989);
Relatório sobre a Situação das Crianças no Mundo (UNICEF) (1999); Plano de Ação para a
Década das Nações Unidas para a Educação no Domínio dos Direitos do Homem (1995-
2004); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.429, de 13 de julho de 1990);
101

Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990); Declaração e
Programa de Ação da Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem (Viena, Áustria,
1993); Declaração da Quarta Conferência Internacional sobre os Adultos (UNESCO, 1985);
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), e a Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948).
As modalidades enunciativas desses discursos no Brasil contribuíram para as
formações discursivas da Constituição Federal de 1988, que expressou o direito a educação de
forma clara, inserindo-o como direito fundamental e social, razão de se buscar os enunciados
do direito à educação dispostos nas Constituições Federais do Brasil desde o Império, que
tiveram em parte, suas inspirações, no curso do aparecimento dos direitos humanos que
trouxeram acoplado o direito à educação.
A inventariação documental acima é indicativa de uma gama de documentos
possíveis de análises; no entanto, é possível suprimir um ou outro documento, dentre os
relacionados, na conformidade com o desenvolvimento da pesquisa, segundo a verificação das
interposições dos conceitos, dos sujeitos, dos objetos, da enunciação e das estratégias.
Em um primeiro plano é preciso reconhecer e indagar do funcionamento das práticas
jurídicas, educativas e sociais, que se manifestam como práticas discursivas em uma espécie
de regime desses objetos. Observando que a judicialização é um fenômeno da modernidade
que decorre de um sistema de controle tendo o direito, a norma e a justiça como principais
meios de coerção, mostra-se como via necessária conhecer as práticas concretas dos
discursos em seu contexto histórico de formação, como produto das relações de poder.
Nesse sentido nos diz Foucault (2000, p. 56):

Gostaria de mostrar que o discurso é uma estreita superfície de contato ou de


confronto entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma
experiência; gostaria de mostrar por meio de exemplos precisos que, analisando os
próprios discursos vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as
palavras e as coisas e destacar-se um conjunto de regras próprias da prática
discursiva (...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos
significantes que remetem a conteúdos de representação), mas como práticas que
formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são fatos
de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar as coisas.
É esse mais que os tornam irredutíveis à língua e ao ato de fala. É esse mais que é
preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 2000, p. 56).

A constituição da realidade da educação no Brasil se desenvolve por práticas sociais,


culturais, educacionais, econômicas e judiciárias construídas discursivamente, tecidas em
vários campos, mergulhadas em relações de poder e determinadas por regimes de verdades,
102

fatos indicativos da importância das relações e regras que possibilitaram a emergência


(surgimento) do fenômeno da judicialização da educação , colocando-o em confronto com o
discurso da educação para a liberdade e emancipação.
O que se quer dizer é que os documentos que compõem os discursos do direito à
educação e judicialização em sua formulação, elaboração e construção obedeceram a um
conjunto de regras dadas historicamente, impostas como necessárias para a habilitação ao
processo de irrupção à superfície discursiva formando referentes. Essa emergência do
discurso reflete e reafirma verdades de um tempo, pois são discursos construídos segundo
regras postas, determinadas, conforme preleciona Foucault (2000, p. 136):

[...] um conjunto de regras anônimas históricas, sempre determinadas no tempo e no


espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função
enunciativa.

Isso indica que a linguagem enquanto componente do discurso é engendrada por uma
trama discursiva que ultrapassa o próprio elemento lingüístico, como diz Laclau (1991, p.
137): “Porque cada ato social tem um significado e é constituído na forma de seqüências
discursivas que articulam elementos lingüísticos e extralingüísticos”.
Com efeito, o que interessa para esta investigação não são os conteúdos e conceitos
do discurso em suas proposições, conteúdos, conceitos e teorias, apresentadas como verdades
fincadas em posições hegemonizadas. Este empreendimento investigativo realiza uma
exploração analítica que se materializa na verificação e constatação das condições
propiciadoras do surgimento do saber da judicialização da educação, submetido em seu
processo de formação enunciativa às regras compostas pelas práticas judiciárias, políticas,
econômincas, educativas e sociais, cunhadas pelas ferramentas das relações de poder.
Exatamente, por isso, para compreender essas condições é necessário analisar
documentos, acontecimentos e fatos dos discuros políticos, econômicos, educacionais e
sociais compreendendo-os como um conjunto de enunciados apoiados em um sistema de
formação que atende a uma determinada tecnologia da verdade e que se submete a regras de
controle e seleção, como filtro possibilitador da formação discursiva que, segundo Foucault,
(2000, p. 82) trata de:

[...] um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ele prescreve o que
deve ser correlacionado em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal e
qual objeto, para que empregue tal ou qual enunciação, para que utilize tal conceito,
103

para que organize tal ou qual estratégia. Definir sua individualidade singular, um
sistema de formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados
pela regularidade de uma prática.

Michel Foucault (2000) adverte que o conhecimento da realidade se dá dentro de


uma ordem empírica na qual são contemplados de um lado os códigos fundamentais de uma
cultura e do outro, o conhecimento científico e filosófico, desenvolvendo pela história das
ciências, as teorias científicas e, pela história das idéias as interpretações filosóficas. Afirma,
no entanto, que há entre o primeiro e o segundo nível, um espaço intermediário, mais
reflexivo, mais crítico que os códigos culturais, porém não sistematizados como a ciência e a
filosofia.
Araujo (2007) descreve que nesse nível intermediário, denominado de experiência da
ordem são construídas teorias gerais sobre a ordem das coisas e suas interpretações, e é, nesse
nível, nesse espaço de ordem que se constitui o Saber (ARAUJO, 2007).
Foucault (2000)) chama referido espaço de ordem de solo epistemológico, épistemé,
configuração geral do saber. Nele, os estudos arqueológicos são realizados procurando
analisar as condições de possibilidade de surgimento de um saber, isto é, de verificar a
constituição histórica do saber.
Logo, a tarefa investigativa opera uma busca das relações que atravessam os
discursos em suas formações, (fase pré-discursiva - interdiscursividade). É o conjunto sempre
finito e limitado das seqüências lingüísticas que foram formuladas, mas pode estar também
em ficções, reflexões, narrativas, regulamentos institucionais, decisões políticas, decisões
econômicas, comportamentos políticos de uma sociedade, de um grupo, de uma classe,
articulações entre práticas e teorias.
No espaço da ordem, demarcado o campo dos acontecimentos discursivos, coletado
os enunciados, mesmo estando dispostos em campos discursivos distintos tais como o campo
jurídico, educacional, político, econômico, social e cultural, caracterizam-se por guardar
idênticas regras de formação e funcionamento, que dão lugar a formações discursivas. É a
busca da descoberta de como se formaram essas práticas discursivas e o saber da
judicialização da educação que é elemento dinamizador de comportamentos, condutas,
tranformações.
O discurso da judicialização é analisado historicamente, sem busca da sua origem,
considerando-o uma unidade congregadora e unificadora de vários discursos em um dado
momento, em uma irrupção de acontecimentos, sem qualquer preocupação com sua gênese
104

histórica, por compreender que a existência de qualquer começo aparente é apenas um


recomeço na medida em que o que é dito decorre de articulações anteriores, sendo mais uma
interpretação de um já dito.
Os ditos e os escritos, os acontecimentos, os fatos e as instituições são engendrados
em uma trama discursiva proporcionadora da emergência do saber, mediante a imposição das
relações de poder que se ligam aos poderes constituídos no governo, nos poderes executivo,
legislativo, nas ações dos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas, nas ações das próprias
Polícias e órgãos de segurança pública, como observa Machado (1982, p. XIII):

[...] que para a genealogia que ele (Foucault) tem realizado é a dos mecanismos e
técnicas infinitesimais de poder que estão intimamente relacionados com a produção
de determinados saberes - sobre o criminoso, a sexualidade, a doença, a loucura etc.
- e analisar como esses micro-poderes, que possuem tecnologia e história
específicas, se relacionam com o nível mais geral do poder constituído pelo aparelho
do Estado.

A judicialização da educação foi chamada para o centro do interesse político,


definido como um discurso de efetividade do direito à educação, sendo relevante conhecer
como isso foi possível. Portanto, esse saber foi construído em determinadas circunstâncias, e
contexto(s), sob certas situações, decorrentes de relações tais a lhe dar corpo, consistência e
representatividade. Esses enunciados estão dispersos, compreendidos nos acontecimentos
múltiplos, e precisam ser localizados e recolhidos para que se possam construir unidades
discursivas.
Para tanto é necessário ainda, ao analisar os enunciados, buscar as vozes que falam o
discurso, na medida em que elas compreendem outros discursos de um já dito, por outros
sujeitos, em outros contextos, situações, tempos e formas. Isso significa dizer que existem
outros sijeitos incorporados na voz que fala o discurso. É o que Foucault (2000) denomina de
descentração do sujeito ou de dispersão do sujeito, designação que se apóia na desconstituição
da noção de sujeito transcendental.
Ao pesquisar outros sujeitos, outros lugares, outras circunstâncias são possíveis
constatar que no discurso, por seus enunciados, há uma multiplicação de sujeitos ligados ao
sujeito da fala pela sua posição, pelo seu status, pelo seu lugar institucional, pelo papel que
exerce na interelação de poderes, e pelas lutas que representa. É certo, que essa sinfonia de
sujeitos falantes provoca no(s) sujeito(s) autor(es), uma série de interditos, jogos de coações e
limitações, nem sempre percebidos pelo próprio autor ante ao processo de naturalização, mas
que, sem dúvida o s) torna(m) produto(s) do próprio discurso.
105

O discurso, assim conhecido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida,


de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em
que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação
a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de
lugares distintos (FOUCAULT, 2000, p. 61-62).

O discurso representa lutas de diferentes enunciados em vários campos de poder-


saber, decorrentes de diversas redes de relações, guardando um jogo de poderes dos quais é
produto, o que nos indica a buscar esse espaço do interdiscurso, essa pluridiscursividade, pois
isso induz compreender esse emaranhado de enunciados, discursos, acontecimentos,
instituições, como estratégias de possibilidade de surgimento desse saber.
É necessário que o pesquisador faça despontar os acontecimentos políticos, os
processos econômicos e culturais, as instituições (práticas não discursivas) e as práticas
discursivas que possibilitaram a emergência dos discursos compreendidos pelos
documentos/processos e decisões em análise e que se referem ao surgimento do discurso da
judicialização da educação em Mato Grosso do Sul.
A pesquisa arqueogenealógica sempre se dá em um recorte para colher um feixe de
relações entre práticas discursivas e não discursivas (instituições) que ao final se constituem
em saberes e poderes, dando formas às tecnologias de produção do sujeito, mas, que não
esgota o todo relacional, embora represente a discursividade sobre a judicialização da
educação.
É preciso compreender: como surgiram esses enunciados e não outros; qual a
intenção do sujeito do discurso, mesmo considerando o sujeito como produto do discurso; e, o
jogo inconsciente que pode ter emergido desse discurso.
Nesse campo discursivo procura-se entender os enunciados em sua singularidade,
para nela determinar as condições de sua existência, identificar suas correlações com outros
enunciados, suas ligações e exclusões e indagar que tipo de enunciados admite e os que
excluem.
Os enunciados, mesmo de ordens diferentes, de tempos diferentes e de sujeitos
diferentes, desenvolvem jogos de relações, de validação, de repetição, estabelecendo uma
configuração do campo enunciativo mediante formas de coexistência, nominados como:
1º - O campo de presença - admissão de enunciados já formulados em outra parte e
que são admitidos no discurso (validação, repetição, rejeição e exclusão);
106

2º - O campo de concomitância – enunciados de objetos diferentes que pertencem a


discursos diferentes, mas que influenciaram o discurso em razão de estabelecer
modelos, comparações ou confirmações;
3º - Domínio de Memória – ligações dos enunciados do discurso com enunciados não
mais admitidos, não mais válidos e que não representam mais um corpo de
verdades, mas que possuem linhas de ligações ou filiações.
No trajeto analítico, compreender as condições de possibilidade do surgimento do
saber representado pela judicialização da educação significa dizer, pesquisar o solo
epistemológico (epístemé - um espaço de dispersão, um campo aberto onde estão distribuídos
discursos e onde se dão relações entre discursos) e colher o a priori. Ao compreender o saber
representado pela judicialização da educação percebe-se a forma como vários discursos
abrangem o mesmo campo conceitual.
Por fim, liberto da concepção da primazia do sujeito, por entendê-lo como um
produto da história, a tarefa se resume na análise das redes as quais esses acontecimentos
pertencem (movimento dos segmentos sociais, edição, aprovação e interpretação das normas
jurídicas que explicitam o direito à educação).
Todos os recursos procedimentais de análise aqui expostos compõem o eixo
metodológico direcionador da presente pesquisa que objetiva descrever as formações
discursivas da judicialização da educação como viés de efetividade do direito a educação no
Brasil.
Analisa-se na sequencia o discurso da judicialização, seguindo a linha metodológica
proposta.
CAPITULO III

A POLÍTICA DA JUDICIALIZAÇÃO: DEMOCRACIA E CONTROLE

Neste capítulo objetiva-se realizar a descrição e análise do corpus discursivo, isto é,


dos enunciados representados pela empiria composta por sentenças judiciais e decisões
jurisprudenciais, aqui dispostas em: práticas discursivas, (textos jurídicos, doutrinas, relatos
dos movimentos sociais) e práticas não-discursivas, (instituições, técnicas, processos
econômicos e sociais).
No contexto da metodologia qualitativa, com enfoque na análise documental, este
trabalho investigativo histórico-jurídico-educacional foi sistematizado mediante a utilização
de fontes primárias (processos, leis, normas, cartas, declarações) e fontes secundárias (teses,
dissertações e livros), utilizando os seguintes procedimentos para coleta de dados, descrição e
análise:

A – Formas de identificação dos enunciados do discurso da Judicialização da Educação


em aplicação no Estado de Mato Grosso do Sul – Material para análise –

Processos judiciais ajuizados contra o Conselho Estadual de Educação de Mato


Grosso do Sul (CEE/MS), na pessoa da sua Presidente e, contra a Secretaria do Estado de
Educação de Mato Grosso do Sul, na pessoa do seu Secretário de Estado de Educação, bem
como processos ajuizados contra Instituições de Ensino, por seus Diretores, nos quais os
requerentes buscaram a tutela jurisdicional16 do Estado, via Poder Judiciário local com a
finalidade de tornar efetivo o direito à educação em diferenciadas situações.
Mencionados processos tiveram suas tramitações desde a propugnação até o trânsito
em julgado17 no período de 2005 a 2008;

______________
16
Tutela Jurisdicional – poder que o Estado possui para aplicar o direito ao caso concreto. Poder de conceder a
tutela por força da lei, na tarefa de manter a ordem jurídica, solucionando conflitos de interesses. Jurisdição (do
latim juris, “direito”, e dicere, “izer”).
17
Transitado em Julgado – processo judicial com sentença julgada e não mais passível de recursos a outras
instancias do Poder Judiciário.
108

B - Formas de identificação dos enunciados do discurso da Judicialização da Educação


em aplicação no Brasil – Material para análise –

As decisões Jurisprudenciais dos Tribunais Pátrios foram coletadas por meio da


realização de revisão bibliográfica que contemplou o levantamento e análise dos trabalhos
investigativos que continham estudos sobre a jurisprudência brasileira referentes à
judicialização da educação. Dentre as pesquisas realizadas foram escolhidas as
jurisprudências que compreendem “Decisões Juudiciais” relatadas nos trabalhos de:
1º. Chrispino, A.; Chrispino, Raquel (2008), intitulado “A Judicialização das
Relações Escolares e a Responsabilidade Civil dos Educadores”;
2º. Cury, Carlos Roberto Jamil; Ferreira, Luiz Antonio Miguel (2009) com o título de
“A Judicialização da Educação”.

C - Estabelecimento da ordem arqueogenealógica da pesquisa

Na análise do discurso da Judicialização da Educação adotou-se como procedimento


primeiro compreender o seu conjunto conceitual, não em suas estruturas ideais do conceito,
mas, descrevendo a rede conceitual em suas regularidades, que se mostra configurada ao
problematizar esse saber, não na ordem das idéias, mas, a partir dos comportamentos dele
decorrentes, seguindo uma linha de avaliação dos conflitos e decisões que se mostram
amparadas nesse campo do conhecimento e se revelam como táticas estruturadas em feixes de
relações próprias de sua institucionalização.
Para compreender esse emaranhado discursivo inicialmente tratou-se de identificar
os enunciados reitores18 contidos nos dados empíricos coletados, analisando-os em conjunto
com os enunciados pertencentes a campos discursivos distintos, com os quais, de uma forma
ou de outra apresentaram relações.
Tais procedimentos possibilitaram descobrir a rede de conceitos, o campo conceitual,
as regras de existência e coexistência, os jogos de relações, os sujeitos e os objetos dos

______________
18
A arqueologia pode assim – e eis um de seus temas principais – constituir a arvore de derivação de um
discurso. [...] Ela colocará, junto à raiz, como enunciados reitores os que se referem à definição das estruturas
observáveis e do campo dos objetos possíveis, os que prescrevem as formas de descrição e os códigos
perceptivos de que ele pode servir-se, os que fazem aparecerem as possibilidades mais gerais de caracterização e
abrem, assim, todo um domínio de conceitos a serem construídos. (FOUCAULT, 2000, p. 168, grifo nosso).
109

discursos. No reconhecimento da rede conceitual foram demarcados, no campo conceitual, os


pontos enunciativos em que ocorreram projeções de um conceito sobre outro de acordo com a
verificação do isomorfismo, isto é, identificando características relacionais que possibilitaram
a transferência de técnicas proporcionadoras dos meios possíveis de descobrir a lei de
comunicações conceituais.
Para conseguir reconhecer os enunciados reitores foram averiguados em todo
conteúdo discursivo os enunciados mais representativos, razão porque foram recolhidos: do
acervo das sentenças - os fundamentos legais utilizados pelo Juiz ou Tribunal, e, das decisões
jurisprudenciais - o teor das ementas19.
Com tais medidas foi possível compor o quadro de enunciados reitores, optando-se,
como acima afirmado, pela transcrição dos dispositivos legais apontados nas sentenças, sem
preocupações em traçar formulações expositivas, por entender que, na presente pesquisa as
referências legais diretas do direito à educação permitem demonstrar com mais clareza o teor
dos enunciados, já que se está trabalhando com processos judiciais e tal descrição facilita a
detecção do feixe de relações nos quais eles foram envolvidos.
A utilização dos enunciados reitores, aqui efetivada, proporcionou condições de, em
uma desconstrução discursiva, perceber a estratégia construcional do discurso da
judicialização da educação. Dessa forma, a dinâmica desconstrutiva foi operacionalizada por
intermédio das referências possíveis encontradas na linha de um já dito, isto é, trabalhando
com os discursos antecedentes em suas práticas discursivas e não discursivas, no sentido de
rever, descrever e analisar os acontecimentos que envolveram esses discursos em diversos
planos, tais como: político (Estado de direito), econômico (Estado Mínimo, Estado de
Regulação e Desregulamentação do Estado), cultural (Movimentos Sociais), institucional
(Poder Judiciário, Ministério Público, Conselho de Direitos da Criança, Conselho Tutelar e
Defensoria Pública).
Assim, o caminho investigativo foucaultiano adotado indicou a possibilidade de
localizar nos documentos discursivos:
a. Os conceitos por suas regras específicas de formação; os jogos de correlações
(as funções enunciativas, as condições do seu exercício e das suas formas de
articulações). Parte-se do princípio que a Judicialização decorre de uma rede de
complexas relações que envolve as estruturas de poder, a harmonia dos poderes,
______________
19
Ementa - é a parte do ato que sintetiza a decisão do Tribunal, a fim de permitir, de modo imediato, o
conhecimento da matéria julgada.
110

o processo político e jurídico do estado, a organização econômica e seus reflexos


no campo social, enfim, todo um entrelaçamento de discursos que são
interpostos como determinações levadas a criar, recriar e transformar a
realidade;
b. Os sujeitos (não exatamente o sujeito que fala, mas a posição que ocupa e as
condições dessa ocupação que dão características de influência). Os sujeitos
falantes na judicialização se distribuem em todo o corredor
político/jurídico/econômico/social representando estruturas que dinamizam o
fazer prático;
c. Um campo associado (a coexistência com outros enunciados); uma
materialidade (não apenas a articulação das proposições, mas as regras de
transcrição dessa materialidade, o status de uso e de reutilização dessa
proposição). O fenômeno da Judicialização da Educação se articula com os
discursos da Judicialização da política, da vida, que também decorrem dos
discursos representativos dos instrumentos jurídicos como a constituição, o
aparelho judicial, todos eles e outros, compostos por enunciados que se
notabilizam pelos seus campos e práticas;
d. Os objetos (o regime geral a que estão submetidos); e,
e. As opções estratégicas (teorias, temas).
Este percurso de acompanhamento dos enunciados e seus jogos de relações
significam vias que se cruzam e entrecruzam para conseguir institucionalizar o discurso da
judicialização da educação que se apresenta como uma unidade, um campo de saber. Ele
congrega e unifica vários discursos em diversos campos do conhecimento, como um espaço
de absorção dos saberes políticos, econômicos e sociais, materializados nos comportamentos e
estratégias, nas lutas e nos conflitos, enquanto suportes de justificação, em sua existência,
como verdade de um tempo.
O sentido indagador é identificar as funções dos enunciados submetidos a regras
estabelecidas anonimamente, comandando contradições e oposições às proposições em um
campo de relações que conduzem o processo das constituições das formações discursivas, que
também sofrem relações com outras formações discursivas. Por fim, captar suas articulações
com domínios não discursivos, de tal sorte que as enunciações fiquem ajustadas em um corpo
propositivo componente do discurso que consegue assim se revestir das condições possíveis
para sua emergência como verdade.
111

Tais correlações discursivas revelam-se como uma maquinaria operacionalizada no


campo dos acontecimentos político-econômicos e sociais, determinados como primeiros e
principais domínios influenciadores na produção e reprodução dos enunciados. Menção
dessas engrenagens correlativas pode ser constatada nas reestruturações econômico-
financeiras, nas concepções quanto à natureza do Estado, nas políticas públicas, nos sistemas
de produção e nas relações de trabalho.

3.1 A Epistémè da Judicialização

A epístème da judicialização da educação se circunscreve, inicialmente, na descrição


dos fatos do discurso e dos acontecimentos em suas relações, atendendo às regras
determinantes das possibilidades para o aparecimento desse saber como verdade, pela
consolidação do jogo das coações e das limitações impostas ao discurso.
Em resumo, é o discurso, por seus enunciados, constituindo práticas discursivas que
configuram uma épistémè, que, pelas práticas discursivas torna possível a existência do saber
de uma época.

Por episteme entende-se, na verdade, o conjunto das relações que podem unir, em
uma dada época, as práticas discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas, a
ciências, eventualmente a sistemas formalizados. [...] é o conjunto das relações que
podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas são
analisadas no nível das regularidades discursivas. (FOUCAULT, 2000, p. 217).

A análise dos arquivos (objetos do saber da judicialização), na arqueogenealogia, foi


efetuada, repete-se, abstendo-se de proceder com interpretações ou juízos quanto à validade
ou não dos discursos em suas proposições, mas, atendo-se quanto à verificação da sua
produção como saber e à assimilação do processo de controle, exclusão e de admissibilidade
nas superfícies de emergência.
Para a presente análise, que desenvolveu-se de forma conjunta, no campo da
arqueológica foram coletados e analisados os enunciados do discurso partindo dos conceitos,
sujeitos, objetos, estratégias, e, no campo da genealogia procurou-se compreender as
condições que que se deram as relações entre as práticas discursivas com práticas econômicas,
sociais ou culturais e práticas não-discursivas.
112

Assim, foram analisados os enunciados em suas formações discursivas verificando os


processos relacionais entre enunciados e discursos, trabalhando práticas discursivas e não
discursivas e utilizando o processo de derivação pela investigação dos acontecimentos
pretéritos influenciadores da concepção da judicialização.
As regras de formação desses discursos estabeleceram as condições de existência, de
coexistência, de manutenção, de modificação dos enunciados segundo jogos de relações que
se deram por meio de interferências, influências e determinações. A judicialização como um
saber foi e continua sendo engendrada dentro de um sistema de correlação de enunciados e
tem seu funcionamento norteado por regras jurídicas, educacionais, sociais e econômicas
mantidas em permanentes movimentações, pois não cessam de serem mobilizados processos
de criação e recriação dos seus artefatos enunciativos teórico-práticos.
Para melhor compreender a dinâmica de produção do discurso, recorreu-se a alguns
marcos enunciativos como indicadores das formações discursivas, que estabelecem os
contornos e entornos dos dispositivos judicializantes (processos de judicialização), seguindo
regras dispostas nos mais diversos domínios segundo as quais, e somente por elas, o discurso
é habilitado e é viabilizado o seu aparecimento. São artimanhas estabelecidas pelas relações
de poder, no processo histórico da formação discursiva que tem sua composição movimentada
por enunciados para consolidar o aparecimento de um saber.
A judicialização da política foi analisada, como composição discursiva integrada à
judicialização da educação, adotando os seguintes marcos de enunciações:
1. A questão das influências políticas e econômicas recebidas pelo direito na
produção dos seus fundamentos na construção da sua história;
2. A questão das circunstâncias da criação do Estado moderno sob a égide de um
contrato social e suas alterações determinadas pelo saber do direito
constitucional;
3. As questões das codificações e constitucionalizações, produzidos como pilares
de sustento do arcabouço jurídico, e por fim
4. As circunstâncias que provocaram a ruptura com o velho constitucionalismo
envolvido nas teias do positivismo normativista, e em contraposição a edificação
do neoconstitucionalismo elaborado sob a custódia do pós-positivismo.
Os marcos enunciativos aqui nomeados representativos da judicialização apontam a
formação de objetos desse discurso ligados em suas práticas a uma rede de instituições e
institutos surgidos conforme se operou a edição de medidas destinadas a manter ou criar
113

outros ajustamentos à tecnologia da naturalização do domínio e controle social, tendo agora


como principal estratégia panóptica a interferência do Poder Judiciário na vida do cidadão na
contemporaneidade (saúde, meio ambiente, relações familiares, política, educação, etc.).
É em decorrência das aplicações judiciais e extra-judiciais da judicialização da
política, reforçada pela doutrina e jurisprudência nacional e internacional que vei por surgir a
judicialização da educação.
Eis aqui o foco analítico principal desta pesquisa, centrado no dimensionamento dos
enunciados que compõe esse saber, notadamente distribuído em estruturas dimensionadas
como normas legais, jurídicas, processualísticas e administrativas, cedendo marcos históricos
do direito à educação no Brasil, assim dispostos:
1. As Constituições Federais do Brasil, em especial a Constituição Federal de
1988;
2. O Estatuto da Criança e do Adolescente;
3. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; e,
4. As Normas e Regras (documentos internacionais) disponibilizadas no campo do
Direito, da Política e da Educação (Tratados, Pactos, Declarações, e outros
documentos).
Os marcos históricos apontados compõem um conjunto de arquivos, devidamente
identificados com as características das regras aplicadas no jogo das relações de poder,
apontando as filiações da família de enunciados da judicialização contempladas no direito à
educação como fundamento principal.
É certo que os marcos propostos não se agregam dentro de um mesmo domínio,
unidade ou estrutura temática, por estarem balizados em pontos temáticos diferentes,
dispersos, mas, possuem aberturas relacionais que permitem a identificação de regularidades
que viabilizam a edificação das formações discursivas.
Com evidência; todos esses arquivos detêm compostos enunciativos discursivos que
não se mostram como algo organizado e contínuo, na medida em que o mesmo discurso
envolve vários campos de saber. A judicialização da educação mostra-se, em seus enunciados,
submetida a uma mobilização relacional bem efetiva no processo de sua formação pré-
discursiva, isto é, no nível da formação de enunciados, que se desenvolve em uma trama
determinada por correlações ajustadas pelas suas próprias relações inter-discursivas, impostas
por uma mecânica de poder.
114

Essa é a verdade que se apresenta no mundo da judicilização, uma reengenharia


social visada ao controle, porém, desenvolvida nas teias do marketing de uma nova verdade
redentora para os pobres. Verdade que segundo Foucault (1979, p. 13),

[...] é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem,


está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de
verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de
varias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos
aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é
relativamente grande, não obtante algumas limitações rigorosas); é produzida e
transmitida sob o controle, não exclusivo mas dominante, de alguns grandes
aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de
comunicação); enfim é objeto de debate político e de confronto social (as lutas
ideológicas).

A dinâmica a ser adotada nesta investigação requer um re-imaginar o reflexo do


espelho do quadro de Velasquez20, mencionado por Michel Foucault em sua obra “As
palavras e as coisas”, intencionando exercer outros olhares para além do primeiro plano
visual, adotando outros pensamentos e intentanto outras leituras da realidade contemporânea.
Portanto, é nessa projeção permitida pela tela velasqueziana que estas análises
procuram outras luminosidades oferecidas pela porta entreaberta. Por isso, buscam-se outras
formas de pensar, refletir e analisar, e, para isso se elege a mobilidade enunciativa agregada a
um sistema de dispersão e a possibilidade de congregar regularidades enunciativas, com a
finalidade de, nos caminhos analítico-reflexivos localizar as formações discursivas, a
epistèmé, o a priori, o saber cunhado pelo poder, revelando os ingredientes que alimentaram
todo o processo de formação discursiva e deram os contornos presentes ao discurso da
judicialização da educação.
A proposição metodológica de não apresentar uma antítese que viesse em confronto
com a tese da judicialização, como uma nova verdade decorrente dos resultados da pesquisa,
neste paradigma, está fundada na importância que se dá ao processo de desconstrução do
discurso da judicialização da educação, compreendido pelo ato de retroceder aos momentos
de formação dos seus enunciados e aos fatores que determinaram essa formação: as
estratégias, as influências, as exigências, aos jogos de poder, pondo a nu o saber mostrado
como verdade. A verdade nua do discurso (desconstrução) e não um outro discurso
(reconstrução).

______________
20
VELÁSQUEZ, Diego. As meninas. Espanha, 1656-1957.
115

À guisa de uma visão panorâmica preliminar exemplificativa desse olhar


investigativo-reflexivo, coloca-se em confronto os enunciados que integram os objetos do
discurso da judicialização frente às determinações explicitadas no campo político-econômico.
Fácilmente pode ser percebido a ocorrência de movimentos precedentes de articulações
processados entre esses enunciados e outros com as regras já existentes quanto aos sistemas
de governo, ao Estado, às formas de produção do capitalismo e seu sistema econômico-
financeiro, implicando dizer serem fatos demonstrativos de um grande mosaico temático, que
em um cenário relacional opera a feitura de regras segundo as quais o campo discursivo é
preenchido para que o discurso seja adequado aos interesses predominantes da sociedade de
controle.
Esse mosaico é movimentado por um jogo de regras que produz a formação do
discurso da judicialização da educação abrangendo todo esse campo de objetos discursivos,
conceitos e sujeitos históricos. Eles são os condutores, no espaço dos acontecimentos, da
identificação das formações discursivas por intermédio da verificação das inter-relações dos
campos enunciativos e dos sistemas de dependência existente entre os mais diversos
segmentos e domínios.
Com a ocorrência da privatização do interesse público e a publicização do interesse
privado, na contemporaneidade, foram suscitadas e adotadas alterações conceptivas edificadas
sob novas arquiteturas conceituais, decorrentes de diferenciados status dos sujeitos, em outros
planos conceituais, apontando outros objetos. Nota-se que existe uma agitação permanente de
inovações produtoras de informações que alimentam um sistema altamente complexo, a
ciência e a tecnologia, o que tem levado escolas do pensamento filosófico contemporâneo a
estabelecer dúvidas quanto a eficiência da racionalidade e do seu produto de intervenção no
ser e fazer humano.
Nessa contundente linha contestativa que indica a necessidade de novos paradigmas,
a arqueogenealogia é uma proposta de um olhar diferenciado, intencionado a procurar nos
arquivos do já dito, nos acontecimentos, nos fatos discursivos do passado, na voz das
subordinações e complementaridades, a emergência de renovadas noções e concepções
discursivas e nelas buscar estabelecer correlações arqueológicas e demarcar a visibilidade do
exercício das relações de poder.
No caso em análise, os enunciados da judicialização da educação foram e são
utilizados e operacionalizados por diversos sujeitos, ocupando diversos lugares, status e
espaços institucionais: o Juiz como julgador; o Representante do Ministério Público na defesa
116

dos direitos individuais e coletivos e provocador do cumprimento dos princípios


constitucionais e legais; os Conselheiros dos Conselhos Tutelares e das Crianças, na defesa do
menor e os Defensores Públicos na defesa do hipossuficiente21.
Essa multiplicidade de sujeitos, falando de lugares diferentes, detendo posições
díspares, provoca diferentes formas de apropriação dos enunciados dos discursos que
circulam em variados espaços e são aplicados em múltiplas situações, passando do texto
discursivo ao comentário e interpretação como modos de constituir distintos objetos de saber.
A resenha desenvolvida por Maciel; Koerner (2002) titulado “Sentido da
Judicialização da Política: duas análises” expõe o conteúdo de duas obras: “Ministério
Público e Política no Brasil, de Rogério Bastos Arantes” e, “A Democracia e os Três Poderes
no Brasil”, organizado por Luiz Werneck Vianna, obras que apresentam interpretações
conflitantes em vários pontos, em uma demonstração da apropriação diversificada do
discurso.
Menciona Maciel e Koerner (2002, p. 117):

É nesse controverso universo conceitual e normativo que vêm se inserir as análises


divergentes de Rogério Arantes e de Luiz Werneck Vianna. Arantes utiliza a idéia
de judicialização da política para referir-se ao ativismo voluntarista do Ministério
Público e suas implicações negativas seja para a integridade das funções políticas
das instituições representativas, ou ainda, para a própria manutenção da
independência funcional da instituição. No volume organizado por Luis Werneck
Vianna, convivem três dimensões do conceito que se reforçam mutuamente. Giselle
Citadino retoma a dimensão constitucional das relações entre direito e política para
identificar o espaço normativo aberto ao ativismo positivo de agentes sociais e
judiciais na produção da cidadania; José Eisenberg avalia a expansão das práticas
judicializadoras e a politização do Judiciário brasileiro como contrapeso a práticas
conservadoras da classe política ou econômica. Werneck Vianna, por seu turno,
reforça essas perspectivas ao tratar o fenómeno em termos de procedimentalização
do direito e da ampliação dos instrumentos judiciais como mais uma arena pública a
propiciar a formação da opinião e o acesso do cidadão à agenda das instituições
políticas

É de se repetir mais uma vez que o saber compreendido pela judicialização, em seu
método, conteúdo e validade não é objeto direto deste estudo, pois, o foco de análise do
arqueogenealogista está nas práticas discursivas, em suas regularidades, na medida em que,
esse saber pode ou não assumir a epistemologização e atingir a cientificidade.
Consequentemente, o que se é analisado são as práticas que dão lugar a esse saber, ou seja, o
momento do pré-discurso, verificando quais as teorias e idéias, conhecimentos e reflexões que

______________
21
Hipossuficiente – pessoa economicamente desassistida, não possuindo condições financeiras de custear o
processo.
117

foram possibilitados nesse espaço da ordem (solo epistemológico) para dar lugar ao saber, isto
é, analisa-se o território arqueológico, que se denomina como épistème.
A judicialização, como forma de julgar, exercida nas práticas judiciárias, mobiliza
enunciados que representam esse discurso, em diversos contextos, resultando em
interpretações que culminam com a formação de regras judiciárias concebidas com base na
Constituição Federal de 1988 e todo aparato legistativo, em temas como: a inclusão e ou
exclusão, a qualidade do ensino, o acesso, dentre outras muitas questões, todas reconhecidas
como práticas discursivas produtoras de políticas de verdades retratadas agora na aplicação de
códigos judiciários com repercussão no campo político.
Como o direito é invenção do homem, e, historicamente foi criado como vontade da
sociedade de se auto-regulamentar, acabou por assumir os contornos teóricos de uma
importante peça do sistema de controle social. Obviamente, a sua utilização pode e é
enquadrada como instrumento de dominação da sociedade, pois a inculcação das formas de
submissão possibilitaram a disseminação das regras de controle instituídas como meio e
caminho para proporcionar a convivência entre as pessoas na sociedade.
Como a política é o campo de decisão sobre a organização da sociedade, aqueles que
detêm esse poder exercitam a imposição de vontades de grupos dominantes, como bem
observa Monreal (1988, p. 49),

[...] outro aspecto que se deve levar em conta é que a lei, a que se torna como uma
concreção da vontade geral de um povo que, fazendo uso de seu poder soberano
impõe, por meio de seus representantes as regras de vida social que devem imperar
em uma sociedade, geralmente que se limita a expressar os interesses e aspirações
do grupo social que, de fato, exerce o domínio sobre ela.

Antecipando o pensamento de Monreal (1988), Weber (1993, p. 57) já desenvolvia


uma crítica ao Estado, em seu processo de dominação, ao analisar as condições determinadas
em seu surgimento:

Tal como todos os grupamentos políticos que historicamente o procederam, o Estado


consiste em uma relação de dominação do homem, fundada no instrumento da
violência legítima (isto é, da violência considerada como legítima). O Estado só
pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se submetam à
autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores.

Observe-se a naturalização da violência legitimada, pois é nela que se pode constatar


a aceitação da formalização do direito como instrumento de domínio quando deveria ser um
meio de legitimar a vontade da sociedade, como instrumento de mudança social.
118

Foucault (2005b, p. 7) no desenvolvimento da pesquisa histórica estabelece como


ponto primeiro de indagação a questão: “Como se puderam formar domínios de saber a partir
de práticas sociais?”
Os saberes, nos meandros das suas edificações propiciam o aparecimento de novos
objetos, novos conceitos, técnicas e sujeitos, pois estes são constituídos pelas e nas relações
sociais, havendo, consequentemente uma constante ebulição formativa dos saberes.
Eis resumidos aqui dois pontos importantes na análise histórica: as práticas sociais
propiciadoras de saberes sob um conjunto de estratégias articuladas em relações de
saber/poder e o sujeito que é constituído no interior dessa história.
Diz-nos Foucault (2005b, p. 11) “Pareceu-me que entre as práticas sociais em que a
análise histórica permite localizar a emergência de novas formas de subjetividade, as práticas
jurídicas, ou mais precisamente, as práticas judiciárias, estão entre as mais importantes”.
As práticas judiciárias são as formas concebidas pelos homens para o exercício de
julgamentos segundo determinadas regras, que sofrem variações, modificações, alterações e
transformações ao longo da história, fixando em cada e todo momento políticas de verdades
sustentadas por regimes que geram novos saberes, novos tipos de subjetividades e novas
formas de relações.
Em sua edificação, esses saberes concebidos no leito do conhecimento de diversos
domínios são submetidos a intervenções engendradas por estratégias de lutas como afirma
Foucault (2005b, p. 23), “E é somente nessas relações de luta e de poder – na maneira como
as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros,
querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste
o conhecimento”.
Isto demonstra que as práticas judiciárias são formas aplicadas de normalização e
controle tendo na ordem jurídica a amarração que as sustenta perante os demais domínios do
conhecimento razão pela qual tem alcançado a hegemonia na representação do poder
constituído na sociedade contemporânea.
Esta pesquisa trabalha com as práticas jurídicas, como práticas de juízo, que se
compõem não apenas de processos judiciais, mas, também de leis, doutrinas e jurisprudências,
como bem argumenta Ewald (1993, p. 61, grifo do autor):

[...]. Mas, quando, na perspectiva de Michel Foucault, se designam as práticas


jurídicas como práticas de juízo, ‘juízo’ não deve ser entendido apenas no sentido
das decisões de jurisprudência. A lei ou a doutrina, através de proposições que
119

enunciam, também formulam juízos. Legislação, doutrina, jurisprudência, são outras


tantas práticas do juízo jurídico.

Com a explicitação da conceituação da epístème da Judicialização da Educação em


seus pormenores, como ponto de identificação, pode-se agora, compor a história
arqueogenealógica.

3.1.1 Enunciados do discurso da Judicialização da Educação no Estado de Mato Grosso do


Sul.

A presente investigação se desenvolve em dois blocos de dados relativos ao campo


dos fatos do discurso da Judicialização da Educação, sendo que o primeiro identifica os
enunciados do discurso da Judicialização da Educação em Mato Grosso do Sul e o segundo os
enunciados das decisões jurisprudenciais no Brasil.
Neste item trataremos do primeiro bloco que está compreendido pelos processos
ajuizados contra atos do Secretário de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, da
Presidente do Conselho Estadual de Educação Mato Grosso do Sul e dos Dirigentes de
Instituições Particulares de Ensino.
O Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul é uma entidade colegiada
que detém a função consultiva, deliberativa e normativa da política estadual de educação, em
consonância com a legislação federal e estadual, sendo de sua competência a implementação
de políticas públicas, a interpretação das normas federais, a proposição de medidas de
organização, funcionamento e expansão do ensino, cabendo-lhe ainda o credenciamento de
instituições educacionais.
Os processos pesquisados foram disponibilizados pelo CEE/MS, tendo sido
separados em grupos, segundo os seus objetos, como amostra representativa da judicialização
da educação em Mato Grosso do Sul:
1º Grupo – Refere-se às ações interpostas contra o teor da Deliberação 8.144/2006
que regulamenta no Estado de Mato Grosso do Sul a Lei 11.114 de 16 de maio de 2005, que
promoveu a alteração dos arts. 6º, 30, 32 e 87 da Lei nº 9394 de 20 de Dezembro de 1996,
com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade.
A Deliberação 8.144/2006 regulamentou a Lei nº 11.274 de 6 de fevereiro de 2006,
que alterou os arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, que define as
120

diretrizes e bases da educação nacional e dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o
ensino fundamental com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.
A mencionada Deliberação 8.144/2006, tece normas sobre o ensino fundamental com
duração de 9 (nove) anos e matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade no Sistema
Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul expressando em seu art. 9º:

Art. 9º - A criança que tiver 6 (seis) anos de idade, completos no início do ano
letivo, deverá ser matriculada no primeiro ano do Ensino Fundamental, com duração
de 9 (nove) anos.
§ 1º Á criança que vier a completar 6 (seis) anos de idade no decorrer do mês de
início do ano letivo, facultar-se-á a matricula no primeiro ano do Ensino
Fundamental com duração de 9 (nove) anos.
§ 2º - As crianças que completarem 6 (seis) anos de idade, após o primeiro mês de
início do ano letivo, em curso, deverão ser matriculadas na Educação Infantil.

É certo que a Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, (Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional-LDB), já previa a inclusão de crianças de seis anos de idade sendo tema
inscrito como uma das metas da Educação Fundamental no Plano Nacional de Educação
(PNE).
A questão da obrigatoriedade do início do ensino fundamental aos seis anos de idade
completos ou incompletos, em decorrência da lei, passou a constituir-se como um direito
possível de ser questionado via de Mandado de Segurança junto ao Poder Judiciário de Mato
Grosso do Sul, inclusive nos casos em que se discute o dia e mês do período letivo em que o
aluno completa os seis anos.
2º Grupo – Trata-se de ações ajuizadas contra o CEE/MS requerendo a nulidade do
teor dos Pareceres: A) Parecer 014/05 emitido pelo CEE/MS e inserido no processo nº
29/017235/04, e B) Parecer 62/2007, também emitido pelo CEE/MS e constante do processo
nº 290503318/2005.
Os Pareceres em questão consideraram inválidos os certificados de conclusão de
cursos expedidos em nome dos autores, nos seguintes termos: “Diante das constatações e
considerações acima elencadas, entendemos não serem válidos os certificados de conclusão
do ensino médio dos alunos que fizeram uso de classificação e reclassificação da forma como
foram utilizados pela escola”.
3º Grupo – Reúne ações interpostas contra o Conselho Estadual de Educação de
Mato Grosso do Sul (CEE/MS) por ter sido indeferido pedido de autorização para
funcionamento de Instituição de Ensino.
121

Foram analisados 33 (trinta e três) processos judiciais, por cópia integral dos autos
em todas as suas fases, tendo como fonte de pesquisa o Conselho Estadual de Educação de
Mato Grosso do Sul (CEE/MS), sendo que dos processos analisados:
− 16 (dezesseis) ações foram ajuizadas contra o CEE/MS discutindo o teor da
Deliberação 8.144, de 19.10.2006, já mencionada e contendo pedido para
matricula na primeira serie do ensino fundamental, de crianças com idade
inferior a 6 (seis) anos.
− 13 (treze) processos postularam a anulação dos Pareceres 062/07 e 014/05, e
requereram a validação dos certificados de conclusão do ensino médio.
− 1 (um) processo referente a competência do Conselho Estadual de Educação de
Mato Grosso do Sul para editar normas relativas a autorização de funcionamento
das instituições de ensino no Estado.
− 1 (um) processo no qual se impugnava obrigações impostas pelo Conselho
Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul ao desamparo de lei, em sede de
processo administrativo no qual se requeria autorização para funcionamento de
unidade escolar.
− 1 (um) processo referente a direito de aluno cursar a 3ª série sem ter cursado a 2ª
serie – apresentando justificativas de capacidade intelectual precoce.
− 1 (um) processo contendo pedido de autorização judicial para expedição de
certificado de conclusão de ensino médio por ter sido o requerente aprovado em
exame vestibular de Curso Superior, sem ter concluído o terceiro ano do ensino
médio.
Para análise da empiria proposta, inicialmente foram identificados os
questionamentos temáticos contidos nas ações judiciais investigadas, sendo:
− 1º- O teor dos parágrafos 1º e 2º do art. 9º da Deliberação 8.144/2006, que
impede a matrícula de crianças no primeiro ano do ensino fundamental com 6
(seis) anos incompletos;
− 2º- A invalidação de certificados de conclusão de ensino médio por força dos
Pareceres nº 14/05 e nº 062/2007 (CEE/MS);
− 3º- O indeferimento ao pedido de Autorização para funcionamento de Instituição
de Ensino; e,
122

− 4º - O impedimento de progressão para a 3ª serie do ensino fundamental sem ter


cursado a 2ª série requerida com base na capacidade intelectual precoce.
Com a identificação dos questionamentos temáticos foi possível relacionar as
motivações apresentadas nas petições iniciais compostas por requerimentos fundamentados na
norma constitucional soberana e na legislação infra-constitucional, utilizados pelos
impetrantes autores como fatores motivantes da postulação em juízo contra direito ofendido.
O que interessa no âmbito da pesquisa arqueogenealogica, ao analisar o discurso, é
compreender as condições de possibilidades de aparição do fenômeno da judicialização como
um discurso que representa uma verdade. Dessa forma, foi realizada uma primeira fase
destinada à identificação dos enunciados do discurso da judicialização, com a finalidade de, a
partir do conhecimento desses enunciados, averiguar e interrogar enunciados de outros
discursos, desempenhando a tarefa de reconstituir sistemas de postulados de várias épocas,
percorrendo um campo indefinido de relações que podessem permitir compreender o jogo das
coações e das limitações impostos ao discurso.

Primeira Fase: Coleta de enunciados:

1º Grupo de Processos Judiciais


Foco das Ações - Teor da Deliberação CEE/MS 8.144/2006

Foi ressaltado pelo Juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos nos
autos 001.07.005354-6 (p. sentença) – Mandado de Segurança, o grande quantitativo de ações
dessa natureza acentuando:

Inicialmente, observo que, nos primeiros meses de cada ano, tornou-se comum, nas
Varas de Fazenda Pública da Capital, assim como nas Varas Residuais do interior, o
elevado número de ações de mandado de segurança que aportam perante o Poder
Judiciário do Estado, tratando da questão da idade mínima imposta pelo Estado de
Mato Grosso do Sul, através do seu Conselho Estadual de Educação, para ingresso
no primeiro ano do ensino fundamental.
Este ano não tem sido diferente. Contudo, algumas considerações novas merecem
ser tecidas em face do advento da Lei Federal n. 11.114, de 16-5-2005, e da Lei
Federal n. 11.274 de 6-2-2006, as quais ensejaram a edição da Deliberação n. 8.144
de 9-1-2006, pelo Conselho Estadual de Educação.
123

A - Enunciado coletado: (art. 208, inciso II, da C.F. 1988) – Ensino fundamental
obrigatório e gratuito, inclusive aos que não tiveram acesso na idade escolar.

Nos Autos de Mandado de Segurança abaixo transcrito, o fundamento das decisões


se assenta no art. 208, inciso II, da C.F., que expressa: “[...] ensino fundamental obrigatório e
gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso
na idade escolar”:
Sentença:

A, propósito, impõe-se consignar que a mens legis contida na Lei Federal n. 11. 114,
de 16-5-2005, de sorte alguma foi tolher o acesso à educação da criança que esteja
em condições psicológicas, emocionais e intelectuais para ingressar no primeiro ano
do Ensino Fundamental, até porque qualquer entendimento deste jaez viria de
encontro ao preceito constitucional que assegura ser a educação direito de todos
e dever do Estado e da família. (negrito meu).
Nesse sentido, o contexto da Lei n. 11.114/2005 urge que se promova o método de
interpretação conforme a constituição. (grifo meu)
Decisão nesse mesmo sentido foi prolatada nos processos adiante relacionados:
(Mandado de Segurança 001.07.005354-6), (Mandado de Segurança 001.07.001189-
4), (Mandado de Segurança, Nº 001.07. 105039-7), (Mandado de Segurança Nº
001.07.010043-9), (Mandado de Segurança 001.07.103068-0), (Mandado de
Segurança 001.07.001801-5), (Mandado de Segurança 001.07.100931 – 1),
(Mandado de Segurança, 001.07.003247-6), (Mandado de Segurança,
001.07.004716-3), (Medida Cautelar Preparatória nº 2007.000241-4), (Mandado de
Segurança n. 2008.004626-8/0000-00) e (Mandado de Segurança n. 001.07.000675-
0).

B - Enunciado coletado: (art. 208, inciso V da C.F. 1988). Acesso aos níveis mais
elevados, segundo a capacidade de cada um.

Em sede de processo datado de 06 de janeiro de 2006, no qual constava pedido de


acesso para níveis mais elevadas, assim pronunciou-se:

A Constituição Federal em seu artigo 208, inciso V, assegura a todos ‘[...] acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um’ (grifo do autor).
Logo, se a Constituição Federal não veda ingresso de menor de 7 anos no 1º Grau,
não pode o Estado deliberar pela adoção de critério de idade mínima, especialmente
num país com déficit escolar e de alfabetização e quando o infante apresenta
desenvolvimento intelectual compatível com o curso pretendido. (BRASIL, 1988).

Com pedido idêntico foi concedida liminar no Mandado de Segurança Nº


2007.000932-2, nos seguintes termos:
124

A fumaça do bom direito baseia-se no fato de o art. 208, V. da Constituição Federal,


condicionar o acesso a níveis mais elevados de ensino, à capacidade de cada um, de
sorte que não poderiam as autoridades coatoras exigir que o impetrante completasse
seis (06) ou sete (07) anos para exercer esse direito, por ferir à Lei maior.
De mais a mais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96),
com as alterações introduzidas pela Lei 11.114/2005 e 11.274/2006, estabelece o
dever do Estado ‘matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade
no ensino fundamental’, não explicitando se essa idade deve ser aferida no início, no
meio ou fim do ano letivo. Por outro lado, não proíbe ela o ingresso de crianças com
idade inferior, em instituição particular, e por isto, não se pode impedir que crianças
desenvolvidas, psiquicamente, exerçam o direito de freqüentar a escola.

C - Enunciado coletado: (art. 206, inciso I da C.F. 1988) – Igualdade de condições de


acesso e permanência na escola.

Decisão em Mandado de Segurança 001.07.005354-6:

Aliás, de acordo com o art. 206, inciso I, da CF, o ensino será ministrado com base
na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Isso significa
dizer que o acesso à educação deve ser garantido independentemente de qualquer
condição social ou financeira.

D- Enunciado coletado: (art. 5º e 205 da C.F. 1988) – Possibilidade de acesso sem


limitação de idade comprovado o desenvolvimento intelectual.

Decisão - (TJMS MS N. 2005.001873-4 REL. DES. RUBENS BERGONZI


BOSSAY). (Autos 002.06.001591-4), (Autos 002.06.001500-6) e (002.06.001499-9).

O requerimento da liminar deve ser deferido porque, além de relevante o


fundamento invocado, impossível ignorar que, sem a liminar, a medida resultará
ineficaz, caso venha a ser deferida apenas pela sentença final. Primeiro porque a
limitação de idade para acesso ao Ensino Fundamental não tem respaldo
constitucional, porquanto nem o artigo 5º nem o artigo 205 e seguintes, da Carta
Magna de 1988 impõe tal óbice ao menor que demonstre desenvolvimento
intelectual para tanto (TJMS. AC N. 2005.001309-5. REL. OSWALDO
RODRIGUES DE MELO). Ao depois, porque a documental lastradora da
impetração, constituída enfaticamente, de parecer do pedagogo e atestado
psicológico – f. 16.17, demonstra a aptidão para freqüentar a primeira série do
ensino fundamental. E assim, a fixação de limite de idade para realizar a matrícula
fere direito líquido e certo do impetrante, não podendo a idade ser o único
empecilho à realização da matrícula

E – Enunciado coletado: (art. 54, V do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, p.


17) – Acesso aos níveis mais elevados de ensino e segundo a capacidade de cada um.
125

Decisão:

Art. 54 É dever do Estado assegurar a criança e ao adolescente:


V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um.
O inciso I do artigo 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi
alterado pela Lei 11.114 de 26.05.2005, e passou a ter a seguinte redação:
Art. 87 ........
§3º ...................
I – matricular todos os educandos a partir dos seis anos de idade, no ensino
fundamental, atendidas as seguintes condições no âmbito de cada sistema de ensino;

F - Enunciado coletado: (artigo 208, IV da Constituição Federal de 1988 e o art. 32 da Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (1996, p. 14) – Acesso aos níveis mais elevados de
ensino observado a capacidade de cada um.

Decisão:

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu Artigo 32 elege a idade


de seis anos como mínima para ingresso da criança no ensino fundamental, com
duração de nove anos, o que a Carta Magna em seu artigo 208, IV, garantiu a todos
o acesso aos mais elevados níveis do ensino devendo ser observada a capacidade de
cada criança.

2º Grupo de Processos Judiciais


Foco das Ações - Pareceres 014/05 e 062/2007

Como já mencionado, o primeiro parecer determinou a cassação da autorização de


funcionamento concedida a Instituição Particular de Ensino e o segundo, a invalidação dos
certificados de conclusão do ensino médio de vários alunos, fatos que geraram a impetração
de inúmeros Mandados de Segurança (relação na sequência) contra citados atos emanados do
Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, conforme transcrição abaixo:
126

A – Enunciado coletado: (A teoria do fato consumado) - Situação fática (concessão de


certificado de ensino médio), consolidada em decorrência do decurso de tempo.

(Mandado de Segurança 001.07.027731-2), (Mandado de Segurança n.


001.07.032010-2), (Mandado de Segurança, n. 1.066/2007-001.07.120972-8), (Mandado de
Segurança n. 001.07.042410-2), (Mandado de Segurança n. 001.07.126828-7), (Mandado de
Segurança, n. 1.097/2007-001.07.126368-4), (Mandado de Segurança n. 812/2007-
001.07.114246-1), (Mandado de Segurança, n. 001.07.040651-1), (Mandado de Segurança n.
001.07.123788-8), (Mandado de Segurança n. 001.07.121704-6), (Mandado de Segurança n.
001.07.027731-2), (Reexame de Sentença, n. 2007.024568-1). (MATO GROSSO DO SUL,
TJ/MS).

Decisão em sede dos Mandados de Segurança:

DIREITO ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – CERTIFICADO DE


CONCLUSÃO DO 2º GRAU (ENSINO MÉDIO). O administrado não pode ser
prejudicado por falha da Administração, para a qual não concorreu. A situação
consolidada pelo tempo não pode passar ao largo da apreciação do magistrado.
Recurso improvido. (REsp 25931; Recurso Especial 2000/0028193-0. Relator
Ministro Garcia Vieira; DJ 21.08.2000, p. 12).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR.
MATRÍCULA. ENSINO MÉDIO NÃO CONCLUÍDO. CONCLUSÃO DE
CURSO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. PERDA DO
OBJETO, PREJUDICIALIDADE DO RECURSO ESPECIAL.
O STJ firmou entendimento de que a conclusão do curso superior, no qual o
acadêmico se matriculou antes de ser certificado no ensino médio, configura
situação fática consolidada pelo decurso do tempo que deve ser respeitada, sob pena
de causar prejuízos severos ao estudante. Teoria do fato consumado. Precedentes.
Recurso Especial que perdeu seu objeto em face da conclusão do curso superior.
Recurso Especial prejudicado (REsp 438513/DF; Recurso Especial 2002/0068688-7,
Relator Ministro João Otávio de Noronha. DJ 12.06.2006, p. 461).
No caso presente, os impetrantes se submeteram à avaliação em processo de uma
vez aprovados, foram expedidos os respectivos certificados de conclusão do ensino
médio.
Posteriormente, finalizado o ensino médio por meio do avanço escolar e, obtido o
certificado de conclusão, a Administração, mediante Processo Administrativo n.
29050318/2005, declarou inválidos os certificados sob o seguinte fundamento,
litteris: ‘Diante das constatações e considerações acima elencadas, entendemos não
serem válidos os certificados de conclusão do ensino médio dos alunos que fizeram
uso de classificação e da reclassificação da forma que foram utilizados pela
escola’.
127

3º Grupo de Processos Judiciais


Foco das ações - Indeferimento de Pedido de Autorização para funcionamento de
Unidade Escolar.

Enunciado coletado - Não cabe ao Conselho Estadual de Educação (CEE/MS) criar


obrigações que não estão previstas em lei e, com fundamento nelas, negar autorização de
funcionamento a unidade escolar
Mandado de Segurança n. 2006.000374-3/0000-00

A ação em análise refere-se a pedido de autorização para funcionamento de unidade


escolar indeferido pelo Conselho Estadual de Educação com a argumentação de falta de
adequação do prédio escolar para acessibilidade dos educandos com necessidades especiais,
b) ausência de certidão negativa de FGTS, c) vencimento de contrato de locação do imóvel da
entidade educacional.

Decisão:

Não cabe ao CEE criar obrigações que não estão previstas em lei e, com fundamento
nelas, negar autorização de funcionamento a unidade escolar.

Os enunciados coletados, e aqui relacionados, compõem uma amostra representativa


da Judicialização da Educação no Estado de Mato Grosso do Sul caracterizada pela
intervenção do Poder Judiciário com vistas a determinar obrigação de fazer, anular atos e
revogar decisões emitidas por órgão colegiado da área.
Em todos os casos processuais relatados verificou-se no corpo da sentença a
utilização da interpretação, segundo os novos direitos, diretrizes e valores consignados pela
Carta Constitucional de 1988, LDB e ECA, que explicitam o direito à educação. Estes são os
campos em que surgiram os enunciados da judicialização da educação e suas condições de
existência.
Os julgamentos processuais de questões concernentes à educação enquadram-se
como práticas judiciárias que atendem às normas vigentes de caráter constitucional, infra-
constitucional e processual e representam em sua extensão a medida executória do direito
público subjetivo.
128

3.1.2 Enunciados do discurso da Judicialização da Educação no Brasil

Cury e Ferreira (2009) em seu artigo apontam variados casos de judicialização da


educação e citam decisões judiciais resumidas em ementas jurisprudenciais, matérias que
tiveram os seguintes objetos de pedir:

TABELA 1 - Indicativo de Enunciados Reitores – Processos CEE/MS (2010)


MERENDA ESCOLAR, TRANSPORTE ESCOLAR,

falta de professores,
condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência,
adequação do prédio escolar,
vaga em pré-escola,
transferência compulsória de alunos,
problemas disciplinares,
criação de cursos,
fechamento de salas de aulas,
cancelamento de matrículas,
licença gestante,
progressão continuada,
ato infracional da criança e adolescente relacionados ao ambiente escolar
FONTE: LOBO FILHO, (2010) - UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação

Mencionam ainda os autores que a proteção judicial à educação ocorre no seguintes


tópicos:
Universalização do acesso e da permanência da criança e do adolescente;
Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundmental;
Atendimento especializado aos portadores de deficiências;
Atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idde;
Oferta do ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente
trabalhador;
Atendimento no ensino fundamental por meio de programas suplementares e
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
Direito de ser respeitado pelos educadores;
Direito de contestar os critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares
superiores;
Direito de organização e participação em entidades estudantis;
Acesso à escola próximo da residência;
Ciência dos pais e/ou responsáveis do processo pedagógico e participação na
definição da proposta educacional;
Pleno desenvolvimento do educando;
Preparo para o exercício da cidadania para o trabalho;
Qualidade da educação (CURY; FERREIRA, 2009, p. 35).

De outro lado, Chrispino A.; Chrispino, S.P. (2008) relacionam exemplos de


decisões judiciais fundamentadas no ativismo referentes a relações escolares, tais como:
129

TABELA 2 - Indicativo de enunciados reitores – Decisões Jurisprudenciais (2010)

Obrigação de guarda e vigilência


Danos Morais,
Aluno Vítima de maus tratos,
Agressão de alunos,
Acidentes na escola (educação física, laboratórios, etc.),
Morte de aluno por terceiros no interior de escolas e
Expulsão de aluno.
FONTE: LOBO FILHO, (2010), UFMS/ UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação

São estas algumas das situações que indicam os objetos do discurso da judicialização
no campo da jurisprudência, embora seja possível colher outros objetos e enunciados no
universo das práticas judiciárias dos Tribunais Estaduais e Superiores que tenham como
fundamentação o direito à educação e os dispositivos estatutários jurídicos aplicados como
complementação interpretativa.

3.1.3 Sistemas de formações dos discursos: A Judicialização da Política e da Educação

Uma formação discursiva é antes um espaço de dissensões múltiplas;


um conjunto de oposições diferentes cujos níveis e papéis devem ser descritos.
A análise arqueológica revela o primado de uma contradição que
tem seu modelo na afirmação e na negação simultânea de uma única e mesma proposição,
mas não para nivelar todas as oposições em formas gerais de pensamento e
pacificá-las à força por meio de um ‘a priori’ coator.
Trata-se, ao contrário, de demarcar, em uma prática discursiva determinada,
o ponto em que elas se constituem, definir a forma que assumem,
as relações que estabelecem entre si e o domínio que comandam.
(FOUCAULT, 2000, p. 179).

Os enunciados relacionados no elenco das decisões jurisprudenciais tanto quanto os


enunciados contidos nos processos ajuizados contra o CEE/MS representam posicionamentos
da Justiça que se mostram no campo das práticas como formas de aplicação da judicialização
da educação. Os espaços de formação dos conteúdos que formam essas vertentes enunciativas
foram preenchidos por regras que não são instituídas pelo sujeito autor do discurso, em sua
consciência ou determinação, mas, são formas regulamentares que se definem em razão do
seu status, posição, hierarquia, função, caracteres institucionais, e atuam como variáveis
intervenientes que mediam a produção enunciativa do discurso.
Por conseguinte, os sujeitos dos discursos da judicialização, em princípio, estão
representados pelos legisladores, na produção normativa, pelos representantes do Poder
130

Executivo na proposição e fixação de regras, normas, leis, políticas públicas, bem como as
das figuras do Juíz, do Representante do Ministério Público, do Defensor Público, dos
Conselheiros dos Conselhos Tutelares e Direitos da Criança e do próprio indivíduo que busca
a tutela estatal na aplicação de determinado dispositivo do direito à educação.
A empiria trazida à pesquisa aponta a atuação em especial do Conselho Estadual de
Educação de Mato Grosso do Sul, por sua Presidente e Conselheiros, na produção de normas,
o Secretário de Estado da Educação, como executor de políticas públicas, os Diretores das
Unidades de Ensino, como aplicadores das normas instituídas, integrantes dos discursos como
sujeitos ativos ou passivos.
Tais sujeitos participam na interpretação e aplicação, como também na formação e
intervenção dos discursos; entretanto, a descentração do sujeito se mostra patente porque
inexiste um sujeito titular do discurso da judicialização da educação, mas posições, funções,
status, espaços ocupados por sujeitos que intervem nesse discurso. Eles (os sujeitos) não
detêm o poder soberano do dito do discurso por serem também, objetos do mesmo discurso,
vez que, submetem-se, independentemente dos seus desejos, vontades ou anuências, às regras
existentes nas múltiplas facetas institucionais e discursivas interventoras, desde a produção
dos enunciados.
Elas, (as regras), subjugam as características enunciativas em seu processo de
formação dando-lhes vida, forma e conteúdo seguindo as imposições da regulação política,
econômica e social, determinando, na qualidade de forças anônimas revestidas de poder, as
condições para a composição dos enunciados do discurso dando-lhe condições para receber a
moldura temática como espécie de fórmula de efetivação das políticas públicas de educação,
no mundo social.
A subjugação mencionada não ocorre por incidência de forças coercitivas desta ou
daquela natureza sobre as proposições dos discursos finalizados. A inferência subjugadora
que sobrevêm e interessa à arqueogenealogia é a que ocorre ainda na fase da gestação do
discurso caracterizando-se como um processo de nutrição enunciativa que se operacionaliza
nos entrecruzamentos de intervenções formando elementos possibilitadores da emergência do
discurso no plano das verdades assentadas na sociedade pelos jogos das relações de saber e
poder.
O discurso da judicialização da educação aqui representado por ações ajuizadas
perante o Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul e por decisões jurisprudenciais das mais
diversas cortes do País, longe de significar um princípio influenciador da educação, em suas
131

práticas educativas e sociais, demonstra ao contrário, ser resultado de inúmeras influências


intervenientes dessas práticas, nem sempre identificáveis, mas que dimanam de tramas pré-
discursivas.
Assim, todo esse aparato construcional do discurso provém das articulações
cunhadas segundo sistemas de regras que podem ser explicitadas nos embates do mundo
social e se refletem em práticas aplicadas na arquitetura estrutural dos enunciados, como
mobilizações estratégicas de teorias que infundem condições de possibilidade para o
aparecimento desses discursos e não de outros.
A demarcação do território arqueogenealógico impõe ao ato investigativo o rebuscar
das regras (leis fundadoras dos enunciados), realizando um retorno histórico aos
acontecimentos.
Nesta pesquisa foram listados alguns marcos enunciativos como pontos indicativos
da existência de correlações entre os enunciados reitores e outros, tendo, no entanto, que
previamente, suscitar os meios necessários para a assimilação das regras de relações
possibilitadas por intermédio dos jogos das práticas discursivas. Isto permite detectar também
em outros documentos/discursos os objetos, enunciações e teorias da Judicialização da
Educação.
Dessa forma, como textos referidos e considerados importantes para o
desenvolvimento do processo analítico foram escolhidos o Estatuto da Criança e do
Adolescente, as Constituições da República e do Império, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, os Acordos, Tratados, Declarações, Pactos, e Convenções Internacionais.
A dinâmica das relações entre as formações discursivas com práticas não-discursivas
(instituições, técnicas, grupos sociais e organizações) se deu por engendramentos que
contribuíram na produção finalística dos enunciados reitores recolhidos, por meio de formas
específicas de articulações influenciadoras de conteúdos conceituais nos mais diversos
aspectos, inclusive quanto ao sistema de valores, aos tipos e estilos de racionalidade que
integram o discurso e aos processos de simbolização que fomentam novas leituras da
realidade.
São esses documentos/processos/acontecimentos, enquanto práticas discursivas e não
discursivas que determinaram a produção e reprodução do discurso do direito à educação, sob
a promessa de ser efetivado, via judicialização, em um conglomerado de enunciados que
sofreram relações, nos planos do desejo, dos conflitos econômico-político-sociais e das
contradições.
132

Compreende-se que esse cenário produtor de discursos é composto de diversas séries


temporais, razão porque do recuo histórico, com a intenção de identificar as relações
enunciativas mais distantes, tendo sido delimitado esse retorno ao período da Revolução
Francesa, para, nos discursos revolucionários verificar os seus enunciados, pois, é a partir
desses discursos que os enunciados dos direitos humanos, no qual foi inserido o discurso do
direito à educação, foram integrados nos espaços de lutas, debates e conquistas, resultando a
produção de Declarações, Tratados, Convenções, Pactos, etc.
Com evidencia esta pesquisa não trata de buscar a origem do direito à educação,
mesmo porque se assim o fizesse, obrigar-se-ia a rever a história dos acontecimentos em seus
discursos, por suas continuidades, suprindo rupturas, talvez indo aos gregos, ou muito antes
ainda no tempo, sem que, nem mesmo assim, essa retroação viesse a alcançar a origem.
Os acontecimentos são arrolados objetivando compor uma cadeia discursiva que
apresente possibilidades para a verificação de regularidades pré-terminais (ordem,
correlação).
Sabe-se que os processos político-econômicos, na linha de tempo proposta – Da
Revolução Francesa à Contemporaneidade - sofreram mutações que foram absorvidas pelas
práticas políticas, sociais e educacionais, significando dizer que essas variações provocaram o
aparecimento de novos objetos e tipos de indivíduos, novos comportamentos na sociedade,
como produtos de novas modalidades enunciativas discursivas que conceberam novos saberes
e poderes.
As práticas educativas, produtos das permanentes relações com a realidade
influenciam(ram) e sofrem(ram) influências, cedendo e recebendo enunciados, sofrendo
coerções e se contrapondo às imposições em movimentos dinâmicos que envolvem os seus
atores, (professores, alunos e a própria sociedade).
A educação é prática articulada com outros domínios em outros espaços da
sociedade, submetida diretamente aos interesses políticos, econômicos e culturais que se
projetam no fazer cotidiano da escola, no modo de operação dos atores educacionais, nas
relações entre dirigentes e professores, entre professores, alunos e sociedade, mobilizando os
grupos sociais nos sentidos compreendidos pelos discursos determinados pelos sistemas
operantes.
O fenômeno da judicialização é recente e tem provocado uma inovação operativa no
meio educacional que tem sido instado a cumprir ordens judiciais visando à realização de
certo ato, determinado como obrigação de caráter principiológico constitucional. Isso tem
133

ocorrido em sede de liminares ou sentenças judiciais em questões como matrícula de aluno,


progressão de série e grau, aproveitamento de conteúdos e estudos, dentre outros inúmeros
aspectos temáticos, outrora de competência interna exclusiva do sistema educacional.
Em síntese, o reconhecimento das regras de formação dos discursos tem fluxos
múltiplos de relações, por práticas discursivas e não-discursivas, formando um complexo
relacional. Considerando que o campo dos enunciados é o local dos acontecimentos, dos
relacionamentos, das modificações e transformações, nele se busca a remanência, a
aditividade e a recorrência dos enunciados. (FOUCAULT, 2000).
Para a identificação dos enunciados em suas correlações recorreu-se a algumas
técnicas:
a) Da remanência (campo de memória) foram recolhidos os enunciados que ainda
são mantidos em aplicação por práticas produzidas nas relações sociais. Melhor
explicando, os enunciados são considerados remanentes quando conservam
suportes e técnicas (livros, instituições, regulamentos) que de uma forma ou
outra ainda são aplicados e por intermédio dessas práticas novas relações sociais
são produzidas ou antigas são modificadas. Isso significa que os ditos e escritos,
embora venham se mantendo no tempo, já não mais detém a mesma
configuração, a mesma interpretação.
b) Da aditividade (somação de signos) isto significa que os enunciados anteriores
cederam signos, mas não possuem a mesma representação, pois aspectos são
incorporados sob outro modo do fazer e ser.
c) Da recorrência (campo de elementos antecedentes) significa que se analisam os
enunciados do discurso mediante os que os precedem, os acontecimentos, as
verdades ditas, demandando identificar, nessa filiação, como ocorreu essa
reorganização, esse redesenho e essa apropriação.
O tipo de procedimento analítico sintetizado na averiguação dos
documentos/processos/jurisprudências relacionados permitiu identificar práticas judiciárias,
regras de composição enunciativa de outros discursos, em outras circunstâncias, em outras
épocas e sob outras perspectivas.
Em sendo enunciações que pré-existem aos discursos objeto desta pesquisa, a função
analítica é a de identificar e dimensionar a dispersão, regularidade e raridade, indagando das
práticas discursivas e não discursivas antecedentes, sobre tais ocorrências.
134

Não se trata de uma análise comparativa entre os discursos, e sim da análise das
condições de realidade dos enunciados presentes nas normas políticas atuais pela verificação
da coexistência e identificação de princípios, leis e regras a que esses enunciados foram
submetidos.
As análises não abrangem a significação do conteúdo da Judicialização, seu sustento
teórico, técnico ou científico, exatamente porque o plano de verificação está situado em um
nível aquém do estado final do discurso, nas relações que antecedem a esse referente
(Judicialização) no sentido de identificar todo composto de relações ocorridas.
A pertinência das correlações não se dá apenas pela identificação de conteúdos, mas
também pela integração ao mesmo quadro discursivo, não importando se não houve
continuidade, se existem falhas, rupturas, pois são esses elementos que se procurou descrever
em sua dispersão temporal.
O a priori histórico da judicialização da educação está contemplado nos “arquivos”
(as condições de aparecimento e seu campo de domínio) e “coisas” (o campo de utilização). O
que se perquiriu foi a lei do que pôde ser dito, significando abranger as restrições impostas ao
discurso pelas redes de poder, movendo-se nos procedimentos feitores dos
enunciados/acontecimentos, procurando por eles definir o sistema de sua enunciabilidade.
Os enunciados não são passivos, inertes, fixos; bem ao contrário, sofrem constantes
mobilizações, reforços, alterações e transformações em sua historicidade. Por isso a
delimitação do discurso do presente se dá pelas práticas discursivas do passado, sendo
necessário definir os discursos enquanto práticas que obedecem a regras em um jogo de
relações que se desenvolve historicamente.
Foucault (2000, p. 151) afirma que a arqueologia: “[...] designa o tema geral de uma
descrição que interroga o já-dito no nível de sua existência, da função enunciativa que nele se
exerce, da formação discursiva a que pertence do sistema geral do arquivo de que faz parte”.
A arqueogenealogia, na qual a arqueologia e a genealogia são operacionalizadas em
conjunto, trabalha com as regularidades enunciativas que não se determinam apenas
verificando enunciados da mesma espécie, do mesmo conteúdo, de uma identidade lógica,
mas, de enunciados que sofrem relações entre si, e possuem certa interdependência.
É certo que a compreensão de regularidade como uma das condições da formação
discursiva não se sintetiza na procura de enunciados idênticos, mas de enunciados
pertencentes a uma mesma formação discursiva. Eis a razão e o porquê de ouvir o dito dos
vencidos, os enunciados conflitantes, os esquecidos, os excluídos, sendo possível nessa linha
135

de entendimento indagar todo processo operacional de transformação, reconstrução e


reedificação enunciativa.
A arqueogenealogia não impõe seguir uma cronologia dos discursos/acontecimentos,
nem uma ordem sistemática, nem um esquema dedutivo, nem uma sincronia, nem uma
continuidade. Os processos aqui relacionados com as decisões neles constantes e devidamente
transcritas, assim como as jurisprudências sobre a temática “direito à educação” dão mostras
claras da judicialização da educação, que no século presente tem marcado a presença do
Estado na sociedade, agora pelo Poder Judiciário, inclusive, afirmado e reafirmado como
canal viabilizador da efetividade do cumprimento do dever do Estado para com a educação.
Tal atuação tem sido assinalada com maior incidência na vertente do acesso ao
ensino fundamental, direito consignado pela C. F. de 1988, que representa uma dívida
brasileira marcada por mais de cinqüenta anos de atraso, se considerado a posição dos países
desenvolvidos, o que reforça a demonstração do atraso do sistema educacional brasileiro
atravessado por contradições como a própria redução dos investimentos públicos apontados
por Oliveira (2007), decorrentes dos ajustes fiscais e geração de superávits primários.

3.1.3.1 Jogos de correlações nas normas brasileiras

Vejamos os enunciados coletados e suas relações proporcionadoras de formações


discursivas. São dispositivos constitucionais e legais que dão figura típica aos enunciados
caracterizadores do discurso da judicialização em análise:
A - (art. 208, inciso II, da C.F. 1988)
B - (art. 208, inciso V da C.F. 1988)
C - (art. 206, inciso I da C.F. 1988)
D - (art. 5º e 205 da C.F. 1988)
E - (art. 54, V do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, p. 17)
F - (artigo 208, IV da Constituição Federal de 1988 e o art. 32 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional
G - (A teoria do fato consumado)
O corpo enunciativo aqui destacado, composto por dispositivos legais colhidos do
material selecionado para análise, (sentenças judiciais), representa o que é chamado pela
arqueologia de enunciados reitores, isto é:
136

Os que se referem à definição das estruturas observáveis e do campo de objetos


possíveis, os que prescrevem as formas de descrição e os códigos perceptivos de que
ele pode servir-se, os que fazem aparecer as possibilidades mais gerais de
caracterização e abrem, assim, todo um domínio de conceitos a serem construídos
(FOUCAULT, 2000, p. 168).

Os dispositivos legais relacionados e descritos apresentam enunciados reitores


representativos da judicialização da educação, assim dispostos:

GRAFICO 1 - Enunciados reitores – Judicialização da Educação

Ensino fundamental
obrigatório e gratuito,
inclusive aos que não
tiveram acesso na idade
escolar

Situação fática
Acesso aos níveis mais
Igualdade de acesso e consolidada em razão de
elevados de ensino,
permanência na escola decurso de tempo –
segundo a capacidade de
Teoria do fato consumado
cada um

(LOBO FILHO, 2010 - UFMS, UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação)

Os enunciados coletados nos processos consultados são amostras enunciativas da


judicialização da educação, em sua prática jurídica. Tais enunciados corporificam os
fundamentos jurídicos contidos nas sentenças que representam o direito à educação em várias
espécies e materializam a judicialização da educação, compreendida como a interveniência do
Poder Judiciário nas questões educacionais, no Estado de Mato Grosso do Sul.
137

Mencionados enunciados reitores afixados na raiz da árvore de derivação do discurso


da judicialização da educação aponta para enunciados de outros discursos explicitados pelas
sentenças judiciais em referência: (Constituições do Brasil, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional e Estatuto da Criança e do Adolescente). As práticas não discursivas
(Poder Judiciário, Ministério Público, Conselho Tutelar, Defensoria Pública) se distribuem
nos ramos derivativos por intermédio dos seus nexos vinculatórios com as práticas jurídicas e
com os enunciados reitores.
Nessa conformidade, a formação da árvore de derivação ocorre dentro de uma ordem
arqueológica que contempla domínios conceituais, objetos e sujeitos situados em
determinados espaços de coexistência.
Uma rede enunciativa se desenvolve mediante relações a partir dos enunciados
reitores que se confrontam com os enunciados dos outros discursos por decorrência de
operações provocadoras de transformações, associações, transposições, adições, enfim, de
todo um processo relacional gerador de condições de existência ao saber da judicialização.
A demarcação do campo dos acontecimentos da mencionada rede enunciativa é uma
forma de apreender as condições históricas do aparecimento da judicialização da educação
como dispositivo de controle, construído na área jurídica como práticas de saber que
obedecem a regimes de verdade revisitados na contemporaneidade sob novas roupagens, ou
seja, ditando o “dever ser” no espaço dos direitos individuais, coletivos, humanos,
fundamentais e sociais.
Tal operação desencadeou-se por intermédio de um diagnóstico realizado em uma
inspeção perscrutativa identificatória das várias relações advindas das batalhas travadas por
jogos de força e poder, que atendem a regras de intervenções como parte da composição dos
enunciados dos discursos em questão.
Nota-se que esse engendramento relacional se deu em várias direções, aspectos,
tempos e espaços com enunciados de vários discursos em inúmeras práticas discursivas e não-
discursivas. Por isso, colher as referidas práticas, relações e articulações, em um arco em
constante movimentação enunciativa, na verdade, é uma tarefa de pesquisa que implica
determinada complexidade, na medida em que não é possível abranger todas as relações e
regras, razão porque se trabalha em um recorte para a análise.
O direcionamento desta caminhada investigativa atendeu ao traçado de um percurso
enunciativo indicativo da necessidade de um inventário dos elementos que sofreram relações
com os discursos da judicialização na intenção de identificar, relacionar e investigar as
138

instituições, técnicas, grupos sociais, organizações e as relações entre discursos diversos, que
se movimentaram como práticas discursivas e não-discursivas, manifestadas pelas regras
dessas relações, intervenções, existências e co-existências enunciativas.
É a partir do recorte constituído pelos processos ajuizados contra o CEE/MS e pelas
decisões jurisprudenciais, por seus enunciados em suas relações com os enunciados dos
discursos antecedentes que se buscou compreender a formação discursiva da judicialização.
O modo de análise adotado na dimensão arqueológica desenvolveu-se em feixes
conceituais e opções teóricas abrangendo os objetos, as modalidades de enunciações,
conforme já definido nos capítulos anteriores. Mas, deve ser observado que a análise vai se
aperfeiçoando no sentido em que se vem descrevendo os sistemas de dispersão, pois, as
relações ocorrem de forma conjunta entre os quatro elementos, podendo em algum momento
pontuar cada um até para demonstrar a ocorrência da regularidade.
Dentro dessa dinâmica analítica o inventário seguiu o que Foucault (2000) descreveu
como “Sistema Vertical de Dependência” que significa todas as posições do sujeito, todos os
tipos de coexistência entre enunciados e todas as possibilidades de estratégias discursivas.
Salienta-se que a relação de dependência entre os componentes do sistema se dá por uma
espécie de hierarquia relacional, pois as opções teóricas, inicialmente, são as condutoras das
relações possíveis de ocorrerem no plano e momento seguinte, pois dependendo do tipo das
opções teóricas utilizadas, podem ser aceitas ou excluídas determinadas regras de formação, o
que gerará determinados conceitos ou outros.
Com base nessa consideração (tipo de opções teóricas- formação de estratégias) uma
primeira observação foi verificar como ocorreu a organização dos conceitos, os agrupamentos
de objetos e a determinação dos tipos de enunciação que vão indicar a teoria ou tema em que
se funda o discurso.
As teorias (estratégias), também denominadas de pontos de escolhas teóricas, são
distribuídas no tempo mediante determinadas condições, que podem ocorrer por idéias que
vão se encadeando, sendo da mesma ou de origem diversa, ou por modelos teóricos em
organização ou já devidamente organizados.
As opções teóricas da judicialização da educação estão compreendidas nas
considerações filosóficas de Capelletti (1993), Garapon (1999), Habermas (1997), Dworkin
(1999) e Posner (1995) que oferecem os contornos das abordagens conceituais sobre a
judicialização e estabelecem posições teóricas que se distribuem nas linhas procedimentalista,
substâncialista e pragmatista.
139

Embora as bases teóricas defendidas pelos menciondos pensadores ainda não possam
ser consideradas como alicerçadas em fundamentamentos metodológicos científicos e
filosóficos consistentes e indiscutíveis ante ainda a ausência de dados mais concretos
referente à aplicação prática da judicialização, é certo que a linha substancialista representa a
posição majoritária do Poder Judiciário Brasileiro, com a manifesta aplicação do ativismo
judicial (a interpretação normativa tendo a Constituição Federal como horizonte normativo da
ordem social e política democrática), linha teórica que tem sido adotada nas sentenças
judiciais e jurisprudências, como se pode observar dos dados constantes da empiria trazida
aos autos, bem como no que se denomina de movimento externo do ativismo que são as
declarações verbais e entrevistas à imprensa concedidas pelos Senhores Ministros da Suprema
Corte.
O discurso da Judicialização da Educação não se perfila como uma unidade
interpretativa conceitual isolada, única, soberana, havendo sim posições opostas, conflitantes,
díspares, chamadas de pontos de difração do discurso.
No campo do constitucionalismo são observadas ponderações e críticas sobre o
positivismo formalista que sustentou as teses do direito e justiça na modernidade, por se
constatar o seu esgotamento na solução dos conflitos sociais contemporâneos e o espaço que
possibilitou o surgimento do neo-positivismo que sustenta o neo-constitucionalismo.
As opções teóricas da judicialiação da educação apresentam controvérsias no
universo conceitual e normativo por representar posições que dão novos feitios à sociedade de
controle.
O sustento argumentativo da judicialização encontrado no trabalho de Arantes (2002)
representa perigosas considerações quanto a: politização do Ministério Público; expansão das
práticas judicializadoras; politização do Judiciário Brasileiro; ampliação dos instrumentos
judiciais; novas relações entre direito e política; novo estatuto dos direitos fundamentais;
superação do modelo da separação dos poderes do Estado. Esses e outros aspectos abordados
pelo autor colocam em dúvida a manutenção da liberdade, democracia e cidadania.
Entende o mencionado autor, segundo pesquisa por si realizada com membros da
classe do Ministério Público, que a sociedade civil é incapaz de defender autonomamente seus
interesses e direitos e as instituições políticas mostram-se insatisfatórias no cumprimento do
seu papel representativo. Por tal fato a sociedade brasileira é hipossuficiente e o Ministério
Público ante aos poderes concedidos pela Constituição Federal de 1988, nomina-se como
140

agente do interesse social, portanto, defensor da sociedade, deixando de ser agente do


interesse estatal.
O entendimento expressado pelo autor ao titular o Ministério Púiblico como
instituição tutelar da sociedade brasileira, por entendê-la hipossuficiente, afronta os princípios
da democracia e liberdade e demonstra um retorno à condenada posição de autoritarismo e
paternalismo, mesmo que justifique o papel pedagógico e ativo que vem exercendo na
promoção dos direitos humanos.
O Brasil está diante de uma espécie de revolução procedimental na qual a classe
jurídica tem defendido e aplicado uma espécie de soberania complexa que considera duas
dimensões da representação: a política (exercida pelos representantes políticos) e a funcional
(exercida pelos membros do poder judiciário e forças auxiliares), e duas dimensões da
cidadania: a política (exercida pelos representantes eleitos) e a social (exercida pelos agentes
judiciais).
Nota-se que as opções teóricas ou formações estratégicas como designa Foucault
(2000), aqui mencionadas, materializam um “campo minado” por artimanhas tituladas
protecionistas dos direitos coletivos, mas que se arma de poderes que destroem as próprias
perspectivas da conquista da cidadania pelo sujeito.
Há séculos a construção teórica da judicialização vem recebendo os enunciados dos
discursos dos direitos individuais e coletivos como alicerces de sua edificação, contributos
fundamentais para a suplantação do positivismo normativista, que demonstrou ser insuficiente
para solução das novas questões sociais. É certo que no passado o positivismo e o
jusnaturalismo foram considerados concepções que apresentaram fundamentações opostas na
teoria do direito, porém, hoje vige uma espécie de ação conjunta dessas duas concepções na
linha substancialista.
O ordenamento jurídico brasileiro, decorrente da Constituição de 1988 manteve a
estrutura positivista a par das fortes manifestações baseadas no neo-constitucionalismo,
ditando a adesão total à judicialização com vestígios do jusnaturalismo, do direito para a
democracia e do direito social, como se pode ver dos pronunciamentos da Corte Superior do
País:

[…] o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas


governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma
da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do
Conselho Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos
limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como
141

quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na


investigação criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de
expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de
regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar,
ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em
caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor
privado àquelas que ocorram no serviço público. (BARROSO, 2009, p.05).

Tais referências, comenta Barroso (2009), demonstram a convicção do Poder


Judiciário na adoção do ativismo que vem sendo aplicado sob diversas formas, tais como:

ATIVISMO

JUDICIAL

a) a aplicação direta da
Constituição a situações
não expressamente
contempladas em seu
texto e
independentemente de
manifestação do
b) a declaração de legislador ordinário;
inconstitucionalidade de c) a imposição de
atos normativos condutas ou de
emanados do legislador, abstenções ao Poder
com base em critérios Público, notadamente em
menos rígidos que os de matéria de políticas
patente e ostensiva públicas.
violação da Constituição;

GRAFICO 2 - Formas de aplicação do Ativismo Judicial


(LOBO FILHO, Silvio 2010 - UFMS/ UFMS/PROP/Programa de Pós-
Graduação em Educação)

As posições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal e por todos os espaços de juízo
do Poder Judiciário Brasileiro estão alinhadas ao substancialismo. A teoria que dá
fundamentação à Judicialização da educação firma-se no neo-constitucionalismo, dentro do
princípio do ativismo judicial, na linha substancialista. A identificação das opções teóricas do
142

discurso indica os caminhos da formação dos objetos do discurso, das formas de compor os
enunciados, de manipular conceitos, ou seja, maneiras de uso das possibilidades do discurso.
Mas, as opções teóricas do discurso da judicialização também sofrem(ram) relações
com outras linhas ou abordagens que se mostram presentes no jogo da formação discursiva,
não com a mesma força de influência que a linha substancialista possui na determinação das
regras do jogo das intervenções, mas, com consideráveis ingerências.
Trata-se das linhas procedimentalista e pragmatista, que se posicionam mais
especialmente no espaço das interpretações e comentários do discurso.
A história doxológica classifica a judicialização em três opções teóricas já
mencionadas: a primeira, a teoria procedimentalista, a segunda, a teoria substancialista e, a
terceira, a teoria pragmatista. Para a arqueologia no contexto desta investigação não importa
tais correntes em seus conteúdos significantes e significados, em sua estrutura interna de
teoria, senão para servir de apoio à análise do pré-discurso (fase pré-discursiva), (formação de
enunciados), (formação discursiva), isto é, como base necessária para verificação das
condições a partir das quais foi possível pensar tais saberes em seus componentes teóricos
(opções teóricas).
Isto explica a identificação da judicialização da educação como um componente
conceitual que se agrega diretamente aos fundamentos do direito constitucional em suas
concepções de lei, justiça, Estado e poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Percorrendo a linha do tempo da criação do Estado Liberal seguindo a imposição da
condição de intervenção mínima no mercado e nas relações negociais da sociedade, resultou
no desenvolvimento de dois fenômenos jurídicos:
1º - O Constitucionalismo, preconizando a indispensabilidade da feitura da Carta
Maior na qual foi contemplada a limitação do Estado e do poder político;
2º - A Codificação como forma necessária para assegurar a própria autonomia do
indivíduo no campo econômico.
Ambos forneceram a estrutura conceptiva ao Estado Moderno. Notadamente, a
codificação liberal lastreou-se com dispositivos de proteção voltados detidamente ao cidadão
detentor de patrimônio, livre do controle público (Estado Mínimo), fato considerado
historicamente como uma verdadeira inversão de prioridades, pois, a grande massa
populacional, desprovida de patrimônio, capital e bens, foi colocada à margem do próprio
ordenamento jurídico. Isso fortaleceu ainda mais o capitalismo, consumando uma posição
hegemônica da mais forte repercussão social, negando abertamente a justiça social.
143

Essa inversão provocou intensas lutas persistidas nos diversos segmentos da


sociedade até se chegar ao advento do Estado Social com a finalidade de regulamentar a
ordem econômica e social, a tutelar os direitos no campo do trabalho, da educação, da cultura,
da saúde, da seguridade social e do meio ambiente.
De maneira especial, no curto espaço em que ocorreu a fortificação do Estado no
plano social foi permitido promover, especialmente no mundo europeu, reformas que
processaram ganhos interessantes no plano previdenciário, da saúde, educação e cultura, mas,
esses benefícios não foram alcançados pelos países em desenvolvimento.
Tanto é fato que um interessante paradoxo pode ser constatado no momento da
transição entre o Estado Social para o Estado Neoliberal nos países desenvolvidos. Ante as
imposições capitalistas, surgiram confrontos representados por lutas sociais por direitos: trata-
se da explosão dos movimentos populares surgidos no pós-guerra em busca da criação de
novos direitos baseados essencialmente nos aspectos humanos e sociais, no interesse do
consumidor, meio ambiente, criança e adolescente.
Os movimentos que se seguiram capitaneados pelos organismos internacionais foram
alimentados pela luta por igualdade e liberdade nos embates contra as conseqüências advindas
das sociedades submetidas à revolução pós-industrial, tecnológica, científica, com seus
“lixos” desenvolvimentistas. Esse movimento legou a produção de legislações
multidisciplinares que viessem atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, como de
fato ocorreu na Constituição de 1988.
No final do século XX ocorreu um deslocamento do sistema de interpretação das
normas que formam o ordenamento jurídico. Dantes o direcionamento interpretativo era
determinado pelas codificações protetoras do patrimônio, baseado no positivismo tecnicista
dogmático; agora a sustentação do modo interpretativo segue o pensamento neopositivista. A
alteração operacionalizada pela transição da codificação para o neo-constitucionalismo foi
marcado pela primazia da pessoa humana, o cidadão de todas as classes, sem restrições,
direito escrito no Brasil pela Carta Constitucional de 1988, como princípio de valorização do
homem comum.
Com isso, foi implantada uma nova hermenêutica constitucional, valorizando os
princípios constitucionais como lentes de interpretação do fato real, abrindo caminhos para a
judicialização em questão, embora esse instituto venha sofrendo em seu percurso forte
oposição e questionamentos.
144

Há uma hierarquia relacional enunciativa entre o direito e a educação que é


demonstrada pelo próprio emprego do ativismo, em seu viés interpretativo, nos julgamentos
dos processos judiciais, no sentido de que seguem os mesmos procedimentos e a mesma linha
de entendimento aplicados aos demais processos relacionados a outros domínios, sendo,
portanto, a judicialização da educação, um fenômeno do campo jurídico que processa
intervenção direta no campo educacional, segundo a perspectiva do ativismo judicial .
As considerações aqui expostas, possuem fundamentos estritamente jurídicos, que
com o advento da judicialização, passam a fazer parte das questões educacionais, por suas
instituições e organizações, razão porque esta investigação, não pode distanciar-se de tais
explicações. A compreensão do fenômeno da judicialização da educação exige a absorção dos
conhecimentos já produzidos no meio jurídico sobre a judicialização da política da qual a
judicialização da educação é apenas uma espécie.
Dessa forma, os dados coletados (enunciados compreendidos no corpo das sentenças
judiciais e das ementas jurisprudenciais) dão o significado dos variados fatos representativos
das discursividades locais que estão dispostos em ordem de simultaneidade arqueológica,
evidenciada nos domínios do Jurídico e da Educação, formando um campo de saber
emoldurado em um quadro bidimensional.
Há um discurso da Judicialização da Educação em Mato Grosso do Sul, que se
caracteriza pelos enunciados retro relacionados, referentes aos processos judiciais tramitados
no Poder Judiciário do Estado. O que se busca nesta análise são as condições de aparecimento
desse discurso na superfície do Poder Judiciário local, portanto que se alimentam em
enunciados específicos da revolução procedimental da Justiça.
Para compreender a possibilidade de aparecimento da judicialização da educação é
preciso identificar as regras de relações e articulações dos enunciados coletados atinentes ao
direito à educação, e, aos enunciados identificadores do fenômeno da judicialização.
Seguindo esse mecanismo investigativo, a judicialização da educação, sintetizada nos
enunciados colhidos nas ações relacionadas pode ser explicitada pela sua arvore formativa em
um sistema de dispersão, isto é, nos enunciados componentes de produções discursivas
anteriores que foram reportadas nas sentenças colacionadas como sendo: O Estatuto da
Criança e do Adolescente; A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; e a
Constituição Federal de 1988.
Mas, a percepção das regras relacionais, da formação discursiva da judicialização, ou
seja, as condições históricas para a edificação do discurso da judicialização no Estado de
145

Mato Grosso do Sul dão indicações que os componentes do campo enunciativo das decisões
jurisprudenciais das Cortes de Justiça do Brasil são partes integrantes dos processos
investigados, pois foram e têm sido utilizados como fundamentos de julgamento por
representar a linha de atuação jurisprudencial brasileira.
Tal constatação demonstra que o Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, ao decidir
em matéria de natureza educacional nos processos indicados nesta pesquisa, atendeu ao
entendimento jurisprudencial nacional, sendo possível afirmar que os enunciados reitores já
expostos decorreram de relações e interveniências segundo regras determinadas pelos planos:
social; econômico; político e também jurisprudencial, segundo as estratégias teóricas da
judicialização da política.
A judicialização da educação abrange um corpo enunciativo que se mostra presente
em alguns documentos legais que dão corpo ao direito à educação e oferecem suportes para a
postulação e declaração de direitos voltados à área da educação e das relações escolares.
Mencionados documentos são em princípio: a Constituição Federal de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9.394 de 20 de setembro de 1996), o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.429 de 13 de julho de 1990) com a
utilização dos recursos processuais da “Ação Civil Pública” (Lei Federal nº 7.347, de 24 de
julho de 1985), da Lei da “Probidade Administrativa” (Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho
de 1992), da Lei da Responsabilidade (Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 1950 e do
Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967).
Referidos dispositivos legais, notadamente a Constituição Federal de 1988,
consagraram princípios, valores, direitos e deveres, a partir de diretrizes que sedimentaram os
direitos fundamentais, sociais, individuais e coletivos, como marcas de um novo tempo na
história da sociedade brasileira, comandando uma nova visão do Direito e da Justiça. O direito
à educação, integrante do rol desses direitos, está pontuado nas sentenças constantes dos
processos analisados como suporte e fundamento para concessão das tutelas requeridas,
confirmando o discurso da judicialização no contexto das relações escolares e das principais
questões da educação.
Os enunciados coletados nesta pesquisa, distribuídos nos processos ajuizados contra
o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul e nas Jurisprudências colacionadas
em diversos julgados dos Tribunais Judiciais Brasileiros, como um recorte visualizativo da
Judicialização da Educação, contidos na relação já exposta, estão identificados como
146

dispositivos dos textos legais e carta constitucional mencionados, demonstrando em premissa


uma inter-relação discursiva entre tais normas.
Por outro lado, apresenta-se patente a ligação discursiva entre as normas legais
especificadas, especialmente em razão de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente são preceitos regulamentadores dos
direitos consignados na Carta Constitucional de 1988 no que se reporta à educação, ao menor
e ao adolescente.
No entanto, a ligação enunciativa entre as normas pode ter ocorrido não de forma
simples, mas por dependências das tramas discursivas que se manifestam nos entrechoques de
idéias, ideologias, dogmas, valores e princípios, pela ação contundente das lideranças
comunitárias educacionais, agentes públicos, representantes políticos e movimentos
populares, no jogo democrático dos embates políticos, no qual devem ser consideradas as
relações de poder representadas pelas transformações institucionais ocorridas no Ministério
Público e no Poder Judiciário, também no contexto da Constituição Federal de 1988.
A opção de se colher enunciados do texto sentencial dos processos judiciais se
justifica por ser a Judicialização da Educação considerada pelo direito como um instrumento
de efetivação do direito à educação, porém, o enunciado em sua significação e significado, de
forma isolada, não indica por si só o processo de sua emergência. Acontece que o
amoldamento dos enunciados adotados no conjunto normativo do direito à educação expressa
o jogo discursivo dinamizado pelas relações de poder no espaço dos embates realizados na
edificação dos discursos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Estatuto da
Criança e do Adolescente, indicando existir sempre, historicamente, na produção dos saberes,
fatores, circunstâncias e regras que possibilitam a emergência do discurso moldado sob
aquela forma, com aquelas características e não outras, segundo ditames imperativos das
relações discursivas.
Esse a priori histórico do discurso da judicialização expressa a condição de realidade
para a edição desses enunciados e seu encarte no seio das normas legais da C.F. 1988, LDB e
ECA, interditando outros enunciados vencidos pelo jogo do poder.
Os dados empíricos colhidos confirmam a incidência da judicialização da educação
em várias situações fáticas ocorridas no Estado de Mato Grosso do Sul como também em
outras unidades da Federação, pois os pedidos efetuados em Juízo e os julgados dos Tribunais
de Justiça cotejados compõem um quadro jurídico inovador em matéria de execução do
direito público subjetivo, retratando a ampla abrangência de ação do Poder Judiciário que vem
147

ostentando, em suas decisões, força e coerção no campo da educação, ditando obrigações e


deveres com a têmpera interpretativa dos ditames constitucionais.
A inovação está no fato de que as matérias que tem sido objeto das ações existentes
sempre foram de exclusiva competência e atribuição administrativa dos setores escolares e
educacionais, casos deliberados no âmbito do Poder Executivo, na conformidade com
prescrições estabelecidas em políticas públicas, diretrizes, parâmetros, planos e ações.
Os objetos de que a Judicialização da educação se tem ocupado já são bastante
numerosos; no entanto, alguns demonstram características que permitem fácil solução em
seus contornos problemáticos e serão por certo bem assimilados e resolvidos pela
administração escolar, enquanto que outros requererão uma demanda maior de reflexão e
mesmo uma determinação de maior envergadura para enfrentamento e por certo a
impossibilidade de atendimento.
Questões como merenda escolar, transporte escolar, falta de professores, condições
para o desenvolvimento do aluno com deficiência, adequação de prédio escolar, vaga em pré-
escola, transferência compulsória de alunos, problemas disciplinares, criação de cursos,
fechamento de salas de aulas, cancelamento de matrículas, licença gestante, progressão
continuada, ato infracional da criança e do adolescente relacionados ao ambiente escolar, vêm
sendo matéria de decisão do Poder Judiciário, anulando em parte o status quo anterior, pois,
tais assuntos estavam restritos, com exclusividade, ao âmbito administrativo educacional e
escolar, razão do impacto causado pela ingerência judicial inovadora em sede da educação,
fato ainda não bem assimilado pelos diversos atores do campo educacional.
Essas questões listadas pelas decisões jurisprudenciais se identificam como formação
de objetos da judicialização da educação e estão distribuídas por várias superfícies de
emergência. A merenda escolar possui uma composição referencial voltada às necessidades
sociais da criança e da família, sendo matéria de projetos e recursos específicos de suporte e
como objeto da judicialização surge em superfícies várias como (a escola, a família e a
comunidade). Outros objetos são inscritos em outros espaços, em outras superfícies, e se
caracterizam como questões ainda não definidas em planejamentos, recursos e dinâmica
operativa, mas que estão presentes nas superfícies do campo jurídico-político.
A formação dos Objetos do discurso nomeados como transporte escolar, falta de
professores, condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência, adequação de
prédio escolar, vaga em pré-escola, ato infracional da criança e do adolescente relacionados
ao ambiente escolar, dentre outros, são decorrentes de controvérsias existentes em outros
148

domínios, em setores como a criminalidade, os núcleos de violência, a delinqüência da


criança e do adolescente, que nem sempre ou quase nunca se pode atribuir responsabilidade à
educação.
Muito menos é admissível auferir à educação qualquer tipo de culpabilidade em tais
circunstâncias, pois os liames de tais objetos do discurso da judicialização são tênues na
medida em que emergem no âmbito educacional em consequêcia de uma sociedade carcomida
em suas entranhas políticas burocráticas, marcadas por antagonismos e paradoxos.
A rêde de enunciados que compõe a(s) formação(ões) discursiva(s) da judicialização
da educação ao tecer limites configurativos nos processos simbolizantes do poder,
respeitantes aos objetos acima relacionados e outros que surgem a cada dia nos domínios da
justiça, e que culminam no processo de emergência discursiva, tem outorgado a atribuição e
responsabilidade à educação para a solução dessas questões.
Essa artimanha tecidual edificativa do discurso da judicialização representa uma das
formas de controle do discurso que se manifesta pela dinâmica da interpretação projetada na
determinação contida nas decisões judiciais prolatadas pelos Juizes e Tribunais, ações visando
soluções a questões que se configuram como graves problemas sociais herdados inclusive do
próprio delineamento das figuras de estado, governo e da própria estatização da justiça,
convalidadas pelas orientações políticas e econômicas.
Podem ser percebidos que essas simbolizações e seus efeitos são figuras
condicionadoras da emergência, inserção e do funcionamento do discurso da judicialização da
educação. São características, nesses casos, de estratégias que não se coadunam com a
solução dos problemas apresentados, mas se qualificam como transferências de
responsabilidades para adiamento da solução, em mais um movimento de apaziguamento
social, sem substância operacional de solução para esses objetos que se apresentam no bojo
dos grandes problemas da sociedade brasileira.
Esse artifício discursivo de apresentar proposições que escondem as verdadeiras
causas das ocorrências a exemplo da falta de professores, da exclusão, da ausência de vagas,
dos atos infracionais dos estudantes, enfim, de tantas outras questões que preenchem um
grande quadro de problemas nas relações sociais e educativas, mostra-se como um jogo
político-econômico alimentador da construção do discurso da judicialização da educação, para
apresenta-lo como verdade solucionadora da efetivação do direito à educação e,
consequentemente alimentar mais uma vez a sede de justiça dos cidadãos, alongando o tempo
para as soluções necessárias a educação e ao Brasil.
149

A atuação do Poder Judiciário nos assuntos pertinentes à educação foi expandida de


forma substancial ante ao advento do fenômeno da judicialização respaldada principalmente
na teoria do ativismo judicial. Nota-se que o processo edificador desse discurso, se por um
lado guarda pertinências diretas com as criações, modificações e transformações dos institutos
jurídicos constituídos em práticas judiciárias assentadas em fatores medrados pelo
neoconstitucionalismo, por outro, representa resultados de lutas contra a exclusão social, pois
a judicialização da educação se afigura como um lócus ancoradouro da classe desassistida,
marginalizada e desprotegida, apresentando-se como meio útil para se transpor o “vale da
ignorância” e acessar a ponte da inclusão sócio-educacional, sob a proteção das decisões do
Poder Judiciário.
Os enunciados abarcados no corpo das sentenças processuais exaradas contra o
Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, nas ações aqui analisadas, estão
diretamente relacionados aos dispositivos contidos na Constituição Federal de 1988, na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que
significa dizer que a Judicialização da educação contempla um conjunto enunciativo de uma
grande representação prática social, mas que não representam o discurso da judicialização por
si só. É parte de um composto enunciativo mais complexo, no qual se deve inserir enunciados
já comentados comoos adiante relacionados:

GRUPO 1
ENUNCIADOS

Revolução Procedimental Representação


Soberania Complexa Política e funcional
150

GRUPO 2
ENUNCIADOS

Visão tutelar da sociedade


Dinâmica política e social Hipossuficiência da brasileira pelo Poder
da cidadania sociedade brasileira Judiciário e Ministério
Público

GRAFICO 3 – Enunciados Reitores - Judicialização da Política


(LOBO FILHO, Silvio. 2010. UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação)

Mencionados enunciados formam uma cadeia discursiva incrementada por


ratificações, projeções, enfim, por adoções de enunciados constantes em variados documentos
escritos e transcritos por várias mãos, sujeitos e instituições, distribuídos ao largo de longos
anos e notabilizados muito antes, desde a ocorrência dos movimentos internacionais sobre
direitos humanos articulados e geridos por organismos representativos dos povos e países.
A composição desses enunciados constitui a estrutura da formação discursiva que
interessa a esta investigação, (a judicialização pelo direito à educação). Os enunciados
coletados e os de outras formações discursivas dispersos no tempo e no espaço instituem uma
regularidade e ordem, possíveis de serem notados pela sucessão enunciativa com identidades
formais, por continuidades temáticas, pela translação de conceitos e pela formação de objetos
do discurso.
O desencadeamento desse fluxo discursivo está atrelado a um conjunto de regras
determinantes da concepção contemporânea do ordenamento jurídico, da partição dos
poderes, da figura da soberania, do Estado Democrático de Direito e da geração e concessão
de direitos. Se por um lado essa cadeia discursiva representa a luta e o desejo da sociedade
pelos segmentos sociais periféricos, compreendido como a projeção do degrau primeiro da
escala da emancipação pretendida pelos indivíduos, por outro, paradoxalmente, desenha o
interesse dos meios de produção, que tem no sujeito dotado dos recursos cognitivos básicos o
instrumento necessário à manutenção e desenvolvimento da sociedade capitalista.
151

O discurso da judicialização representa ainda uma outra vertente de significação o da


figura do Estado Democrático de Direito, de relevância prática pois tem se revelado como
paradoxo na medida em que o Ministério Público tem sustentado a anulação da cidadania
plena, violação da ordem democrática, e a supreção da hierarquia dos poderes da república.
Zaffaroni (1995, p. 95), afirma que:

[…] a gradual aproximação entre o político e o judicial, salientando que, para


alguns, essa proximidade significa arbitrariedade, porque o juiz se afasta,
decididamente, da solução normativa e decide conforme sua própria solução
política. Neste ponto, o autor chama a atenção para o fato de que não é possível
politizar o exercício de um poder público que já é essencialmente político, mas que
será possível “partidarizá-lo” ou, o que dá no mesmo, “parcializá-lo”, com o que se
lhe subtrai a jurisdição porque se lhe priva do pressuposto da imparcialidade, pois
submeter os juízes às diretrizes de um partido político, de uma corporação
econômica, de qualquer grupo de poder, importa, definitivamente, cancelar sua
“jurisdição”.

Citadino (2003, p. 37), com mais contundencia diz:

[...] autorizar os tribunais, especialmente as cortes supremas, a atuar como profetas


ou deuses do direito, consolidando aquilo que já é designado de “teologia
constitucional” e imunizando a “atividade jurisprudencial perante a crítica à qual
originariamente deveria estar sujeita [...], pois quando a justiça ascende ela própria à
condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer
mecanismo de controle social.

O apontado paradoxo do contexto discursivo da judicialização da educação foi/é a


condição sine qua non da emergência desse discurso em diversas superfícies segundo uma lei
de coexistência de enunciados que se mostram dispersos no campo do jurídico e da educação,
mas que integram uma mesma formação discursiva por interessar à ordem posta no cenário
político-econômico nacional.
O jogo estratégico do discurso da Judicialização da educação funciona com acenos
aos despossuídos apresentando decisões judiciais como solução para as minorias desassistidas
via concessão dos direitos à educação, ordenando ações que historicamente a escola não foi
preparada, nem subsidiada para tal, basta verificar o seu histórico como instituição disciplinar
. Por isso, os enunciados que se repetem na maioria das ações relacionadas na empiria
devem ser observados sob a perspectiva da escola como maquinaria de reprodução da
sociedade que aí está desenvolvendo múltiplas formas de sujeição do homem, objeto da
estigmatização, discriminação, marginalização e patologização, seguindo processos de
152

exclusão operados nos espaços sociais, nas instituições, no aparelho judiciário e no Estado,
segundo saberes engendrados pelas relações de poder.
Não se pode olvidar que os dispositivos racionais existentes no quadro social
espelham uma contradição fundamental aninhada de um lado no contexto democrático das
instituições (participação nas decisões) e de outro, na dinâmica dos processos políticos
(sistema de representação) que só apresentam essas características (democracia e
representatividade) na medida em que o papel desenvolvido pelo sujeito, no âmbito da sua
cidadania, seja de passividade.
A judicialização da educação não modifica essa racionalidade indutiva da
passividade do sujeito, mesmo porque a amplia na medida em que fere princípios básicos da
democracia ao estender ao Poder Judiciário atribuições e decisões de caráter político furtando
à própria finalidade da conjuntura do sistema político que é a atuação popular. É o cidadão
quem deve exercitar a indispensável soberania, sem tutelas de instituições judiciais, pois essa
é a base do pensamento fundante do Estado Democrático, somente possível pelo sistema de
representação o que, no âmbito das instituições judiciais, não é possível.
Por ser contraditória em sua essência, a Judicialização pode consolidar uma nova
face e modus operacional do autoritarismo em razão de que a toga da magistratura não está
revestida sob qualquer forma ou espécie com o selo de validade representacional política,
possível apenas pelo voto popular. Isso demonstra, ab initius, que a judicialização pode vir a
ferir o principal ditame constitucional que é o Estado Democrático de Direito.
Se o panorama que se desenha no visor da janela da democracia deixa patente que a
judicialização da educação pode abrir fissuras na estrutura e alicerces nos quais foi edificada a
Carta Constitucional de 1988 a teoria do ativismo judicial sintetizada no julgamento
processual segundo os princípios constitucionais se mostra incongruente, por conseguinte,
merecedora de reavaliação.
Nota-se, destarte, pelo olhar reflexivo da genealogia do poder, que o dispositivo
“instituição escola” produz a ocorrência sistemática de submissão do sujeito a táticas cada vez
mais sutis de intervenção na sua constituição, por intermédio da aplicação de mecanismos de
objetivação explicitados de um lado no interesse do capitalismo pelo sujeito produtivo,
portanto, útil ao modo de produção, de outro, no empenho pela naturalização do processo
político representacional vigente, e agora pela anulação da cidadania do sujeito em projetos de
ações paternalistas, que esconde no fundo falso institucional o autoritarismo.
153

Silva Junior; Ferretti (2004, p. 108) dizem que: “[...] a instituição escolar emerge na
história como necessidade da formação do ser social construtor do pacto social burguês”, pois
os artefatos escolares foram criados pelas religiões cristãs em competição, mas foram
apropriados pelo Estado Educador, especialmente a partir do século XIX.
Uma incursão no percurso histórico da educação permite mostrar que a escola como
instituição de seqüestro22 e dispositivo disciplinador tem servido, na perspectiva da economia,
à constituição do sujeito útil ao processo de produção e, na perspectiva da política, à
constituição do sujeito dócil, dotado de uma atuação resignada, passiva e disciplinada.
Essa constatação é confirmada por Linhares (1997, p. 67-68), ao tecer considerações
a respeito da escola que tem aumentado as possibilidades de acesso ao mesmo tempo em que
vem se afirmando como instrumento de exclusão social:

(...) fazer do saber escolar algo vivo, para ser refeito, que lhes ajude a entender mais
de si mesmos, entendendo mais os movimentos que o Brasil vem produzindo; um
saber escolar que contribua na ampliação de escolhas, um saber aberto a virar
ferramenta em suas mãos. (...) Uma escola que construa a cidadania e não aquela
que através da (...) força da hegemonia vai confirmando medrosos, fracassados e
revoltados: uns e outros marcados por um espelho que os reflete no que eles têm de
possibilidades, as mais negativas, devolvendo-lhes assim uma imagem
autodesprezível. (LINHARES,1997, p. 67-68).

Os direitos postulados em busca do acesso e permanência e demais tutelas requeridas


não representam indicadores de enunciados textuais da Constituição Federal de 1988 como
novos paradigmas educacionais, pois, a razão ocidental vem, permanentemente, criando e
recriando, transformando e adequando dispositivos de normalização como instituições, regras
e comportamentos, sendo a escolarização um dos meios mais efetivos para o adestramento
que é incrementado pelas práticas educacionais, resultando em um processo de inclusão por
exclusão.23

______________
22
A fábrica, a escola, a prisão ou os hospitais têm por objetivo ligar o indivíduo a um processo da produção, de
formação ou de correção dos produtores. Trata-se de garantir a produção ou os produtores em função de uma
determinada norma. [...] Para que servem essa rede e essas instituições? Podemos caracterizar a função destas
instituições da seguinte maneira. Primeiramente, estas instituições pedagógicas, médicas, penais ou industriais –
têm a propriedade muito curiosa de implicarem o controle, a responsabilidade sobre a totalidade, ou a quase
totalidade do tempo dos indivíduos; são, portanto, instituições que, de certa forma, se encarregam de toda a
dimensão temporal da vida dos indivíduos. (FOUCAULT, 2005B, p. 115-116).
23
A segunda função das instituições de seqüestro é não mais a de controlar o tempo dos indivíduos, mas a de
controlar simplesmente seus corpos. [...], mas, se analisarmos de perto as razões pelas quais toda a existência dos
indivíduos se encontra controlada por estas instituições, vemos que se trata, no fundo, não somente de
apropriação, de extração da quantidade máxima de tempo, mas, também, de controlar, de formar, de valorizar,
segundo um determinado sistema, o corpo do indivíduo. (FOUCAULT, 2005, p. 118-119).
154

[...] a escola é, depois da família, (mas, muitas vezes, antes dessa), a instituição de
seqüestro pelo qual todos passam (ou deveriam passar) o maior tempo de suas vidas,
no período da infância e da juventude. Na medida em que a permanência da escola é
diária e se estende ao longo de vários anos, os efeitos desse processo disciplinar de
subjetivação são notáveis. (VEIGA NETO, 2003, p. 85).

Bruni (1989) em seu artigo, “Foucault: o silêncio dos sujeitos”, detalha o exercício
dos poderes disciplinares como comando do lançamento do sujeito ao fundo do espaço da
exclusão produzindo o silenciamento do sujeito, questionando:

Pois como conciliar a produção ininterrupta de inúmeros mecanismos de exclusão


gerados pela sociedadedisciplinar com a representação enquanto modo de
“participação” política? Como dar voz aos sujeitos silenciados pela exclusão, a não
ser, fingindo, cinicamente, que ela é inexistente, desconhecendo a alteridade radical
para onde foram empurrados os excluídos? (BRUNI, 1989, p.3)

Busca a resposta em Foucault (1979, p.176)

[...] podemos ver como se vão constituindo pouco a pouco, dos pequenos detalhes
até as grandes formas institucionais, os poderes disciplinares a que estamos presos
de mil maneiras. Dos olhares às normas, da repreensão à punição, da discriminação
à exclusão, da ordenação à instituição, o social se dispõe como imensa malha
cerrada que o discurso de Foucault possibilita ver por dentro na sua construção
minuciosa, exata, eficiente, científica — e detestável, em que o ‘sentido’ é apenas
obra da racionalização. ‘Poder’ é força social múltipla que assimila ou exclui, ou
melhor, é confronto belicoso das forças: é esta ‘hipótese de Nietzsche.

Dos dados coletados nesta investigação é interessante verificar que o elevado numero
de pedidos de matrícula para crianças menores de 6 (seis) anos no ensino fundamental,
objetos dos requerimentos contidos nos processos analisados, expressam uma situação real de
necessidade de acesso, fato que preocupa a família levando-a a buscar a tutela jurisdicional
para assegurar o direito à educação para seus filhos.
Ocorre que o sistema político-econômico vigente provocou a situação de
necessidades sociais criando empecilhos para solução (institui dificuldades), e, agora,
apresenta a judicialização da educação como solução (distribui facilidades). Não há lógica em
tal situação pois as questões que impediram a solução dos problemas sociais, dentre elas, a
educação, continuam existindo e não será a simples determinação judicial que modificará o
status quo.
O Ministério da Educação (MEC) em trabalho por si realizado e publicado,
denominado “Ensino Fundamental de nove anos, orientações para inclusão de crianças de 6
anos de idade (2007)” em referência inicial ao projeto, informa que 81,7% das crianças de seis
155

anos estão na escola, sendo que 38,9 % freqüentam a educação infantil, 13,6 % das crianças
pertencem às classes de alfabetização e 29,6 % estão no ensino fundamental (dados IBGE,
Censo Demográfico 2000), demonstrando com esses dados o quadro de interesse da
população pelo aumento da escolarização obrigatória.
No mesmo sentido, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB,
2003), em pesquisa realizada com crianças em idade escolar demonstrou que quando as
crianças ingressam na instituição escolar antes dos sete anos de idade, apresentam, em sua
maioria, resultados superiores em relação àquelas que ingressam somente aos sete anos.
Como dedução primeira, a partir da verificação de tais dados, é que as postulações
para ingresso com 6 (seis) anos incompletos ajuizadas contra o Conselho Estadual de
Educação de Mato Grosso do Sul possuem suportes nas próprias conclusões contidas nas
investigações realizadas pelos órgãos governamentais e expressam a realidade da luta por
direitos.
Uma apressada análise da aplicação da judicialização nos casos mencionados pode
levar a uma conclusão simplista de que a efetividade do direito à educação está garantida pela
atuação do Poder Judiciário, mesmo nas grandes questões educacionais não solucionadas há
decênios.
Na verdade, o que ocorre no universo da aplicação do discurso da judicialização da
educação é que ele se restringe a esses pequenos fatos relatados, pois, embora guardem
importância social para os postulantes, no contexto do discurso judicializante não representam
o complexo campo educacional em suas amplas relações, o que faz por exigir uma análise
mais apurada dos resultados apresentados no plano real, quanto as determinações judiciais.
As pesquisadoras Araujo; Peres (2005, p. 2) trazem dados estatísticos que em seus
enunciados desarticulam todo discurso da universalização da educação:

Hoje, embora os dados do MEC apontem a quase universalização da educação


básica na sociedade brasileira, os altos índices de fracasso escolar, continuam
revelando a face perversa do um sistema educativo que recebe a quase todos, mas
não é capaz de ensiná-los. A democratização do acesso à escola – são cerca de 55
milhões de matrículas nas quase 218 mil escolas, distribuídas em 5.560 municípios
brasileiros, segundo dados do censo escolar de 2001 - não representou uma real
democratização do acesso ao saber e a cultura letrada (ARAÚJO; MORAES, 2004).
A entrada da quase totalidade dos alunos nas classes de alfabetização não significa,
ainda, a permanência deste contingente na escola. Segundo dados do estudo
‘Geografia da Educação Brasileira 2001’, divulgado somente em 2003 pelo INEP,
do total de alunos que ingressam nos primeiros anos do ensino fundamental, 60%
não concluem o ensino médio.
156

De cada 100 crianças que entram no 1º ciclo do ensino fundamental, 41 não


terminam o 4º ciclo. Outro importante dado diz respeito à distorção série idade. O
mesmo estudo do INEP mostra que 39% dos alunos têm idade superior à regular da
série que está cursando.
Em relação às habilidades de leitura e escrita das crianças e jovens brasileiros os
resultados também não são nada satisfatórios. De acordo com o SAEB (BRASIL,
2003), sobre a avaliação realizada em 2001, apenas 4,48% dos estudantes de 4ª série
apresentam um nível adequado ou superior ao necessário para continuar seus
estudos no segundo segmento do Ensino Fundamental. Uma parcela um pouco
maior: 36,2% situa-se num nível intermediário, ou seja, começam a desenvolver as
habilidades de leitura, porém ainda abaixo do nível esperado para a 4ª série.
Nos estágios mais elementares de compreensão da leitura e da escrita encontra-se a
grande maioria dos alunos: 59%. Ainda segundo o SAEB, cerca de 37% desse total,
estão no estágio crítico de construção de habilidades de leitura, o que significa que
‘lêem de forma truncada apenas frases simples’. Os outros 22% representam os que
não sabem ler e, por se encontrarem num estágio muito crítico, não desenvolveram
habilidades de leitura e de escrita, embora estejam na escola.
O diagnóstico de tal situação demonstra com clareza: um grande contingente de
crianças não aprende a ler e a escrever na escola brasileira. (ARAUJO; PERES,
2005, p. 2).

A leitura foucaultiana desse quadro é a de que as práticas educativas demonstraram


que o discurso do direito não deve ser lido na esteira da hegemonia do pensamento político
concebido sob o primado da lei, mas, como exercício das práticas explicitadas nas relações de
poder, sempre como dispositivos criados em caráter apaziguador dos conflitos sociais, que
não dão solução plena aos problemas existentes.
Os dados apresentados por Araujo; Peres (2005), são importantes porque
representam uma posição recente do Brasil, um quadro histórico da realidade educacional, um
demonstrativo de problemas congênitos na educação.
Vale a pena rever a promulgação da LDB 9394/96 que incluiu na sua exposição de
motivos e nos seus objetivos gerais a preocupação com a adequação do sistema educacional
aos novos requisitos de escolaridade e formação técnico-científica, mas que dez anos depois,
o desempenho do sistema educacional brasileiro e, particularmente, das redes públicas, está
longe de ser adequado aos objetivos a que a lei se propõe.
A questão da avaliação escolar apresenta posições contraditórias pois os dados
informativos para reforma e a reorganização planejativa são “alimentados” pela mesma
estrutura político-econômica causadora das deficiências demonstradas estatisticamente, o que
se pode pressupor e o que se tem verificado é a produção de novas políticas, novos planos,
novos projetos, nada mais, nada menos que novas leituras para uma mesma situação que se
repete, sem solução.
157

O ano de 2010 é o ano em que a sociedade, mobilizada em seus segmentos


educacionais e políticos trabalha a Conferencia Nacional de Educação (CONAE).
Desenvolveu propostas para compor um documento destinado a discussão e a ser enviado ao
Congresso Nacional para a aprovação do novo Plano Nacional da Educação. Essa proposta
compõe-se de desafios, pois a relação temática é entendida como os dez maiores obstáculos
da Educação Nacional.
Segundo o Conselho Nacional de Educação, os desafios a serem enfrentados e
superados no próximo decênio, como compromisso do Estado e de toda sociedade são:
1. Extinguir o analfabetismo, inclusive o analfabetismo funcional, do cenário
nacional;
2. Universalizar o atendimento público, gratuito, obrigatório e de qualidade da pré-
escola, Ensino Fundamental de nove anos e Ensino Médio, além de ampliar
significativamente esse atendimento nas creches;
3. Democratizar e expandir a oferta de Educação Superior, sobretudo da educação
pública, sem descurar dos parâmetros de qualidade acadêmica;
4. Expandir a Educação Profissional de modo a atender as demandas produtivas e
sociais locais, regionais e nacionais, em consonância com o desenvolvimento
sustentável e com a inclusão social;
5. Garantir oportunidades, respeito e atenção educacional às demandas específicas
de: estudantes com deficiência, jovens e adultos defasados na relação idade-
escolaridade, indígenas, afro-descendentes, quilombolas e povos do campo;
6. Implantar a Escola de Tempo Integral na Educação Básica, com projeto político-
pedagógico que melhore a prática educativa, com reflexos na qualidade da
aprendizagem e da convivência social;
7. Implantar o Sistema Nacional de Educação, integrando, por meio da gestão
democrática, os Planos de Educação dos diversos entes federados e das
instituições de ensino, em regime de colaboração entre a União, Estados, DF e
municípios, regulamentando o artigo 211 da Constituição Federal;
8. Ampliar o investimento em educação pública em relação ao PIB, de forma a
atingir 10% do PIB até 2014;
9. Estabelecer padrões de qualidade para cada etapa e modalidade da educação,
com definição dos insumos necessários à qualidade do ensino, delineando o
custo-aluno-qualidade como parâmetro para seu financiamento; e,
158

10. Valorizar os profissionais da educação, garantindo formação inicial e


continuada, além de salário e carreira compatíveis com sua importância social e
com os dos profissionais.
A prática político-econômica determinando a forma do discurso da educação,
contemplada nas políticas, planos, metas e projetos, promove a elaboração de documentos,
mesmo com a participação da comunidade educacional,mas, produzidos e reproduzidos, em
repetições planejativas sem efetividades práticas.
Fonseca (2009, p.21), destaca que a educação nas ultimas décadas esteve a mercê de
múltiplas influências, sendo que o substrato econômico polarizou os projetos nacionais,
embora tenha sido possível incluir propostas relevantes originadas da mobilização dos
educadores. Esclarece que:

Essa ambivalência expressou-se nos enunciados humanistas dos planos e do corpus


legislativo, ressaltando a igualdade de oportunidades para todos, a gestão
democrática do sistema e o compromisso ético com a qualidade educacional,
conforme requeriam os educadores. Na prática, a ação educativa deu ênfase a
programas e projetos orientados pela lógica do campo econômico, dirigindo a ação
escolar para as atividades instrumentais do fazer pedagógico e para a administração
de meios ou insumos. A qualidade, por sua vez, foi sendo legitimada pelo horizonte
restrito da competitividade, cuja medida é a boa colocação no ranking das avaliações
externas. […] Se esse enfoque utilitarista serve à excelência empresarial, não é
suficiente para orientar a qualidade da ação educativa.

Compreendendo-se os jogos de poder que influenciam a produção conceitual


enunciativa dos discursos e formam objetos, é necesssário, na dispersão dos discursos
precedentes, buscar a regularidade da formação discursiva da judicialização da educação.
Moraes (2009), em seu artigo “Propostas alternativas de construção de políticas
públicas em educação: novas esperanças de soluções para velhos problemas?” trabalha com
propostas de construção de políticas alternativas estabelecidas de forma opostas à
verticalização das relações entre o Estado e a sociedade civil, esperando estabelecer novos
paradigmas em políticas educacionais, relata a existência de projetos em várias cidades do
Brasil que vêm adotando novas formas de construir políticas públicas em educação, tendo
como conepção a democratização das relações entre Estado e Sociedade.
Afirma Moraes (2009, p. 168), comentando as propostas sobre “Cidades Educativas”
ou “Cidades Educadoras”, que:

[…] No início dos anos 90, recupera-se a força desta expressão. Ou, mais
exatamente, surge a ‘cidade educadora’. Substitui-se o termo ‘educativa’, que sugere
159

que a cidade é um mero fator de educação, por ‘educadora’, que indica seu caráter
de agente, ou seja, a mudança é feita para ressaltar o caráter formador que as cidades
devem assumir. Essa recuperação se produz, sobretudo, a partir do Congresso
Internacional de Cidades Educadoras, que aconteceu em Barcelona, em 1990, no
qual foi aprovada a ‘Carta das Cidades Educadoras’.

Historia ainda Moraes (2009) que a década de 1980 se dá o início da


redemocratização do Brasil, momentom em que novas políticas em educação como a sere
implementds, com objetivo de proceder uma reorganização na escola
Chiarello (2001, p.1) faz referencias a que processos de uma escola democrática
popular se deram especilamente nas capitais, como em Belo Horizonte, com a criação da
“Escola Plural”. Relembra:
a “Escola Cidadã”, em Porto Alegre e a “Escola Candanga”, no Distrito Federal. O
debate que se abriu sobre tais propostas, entre os docentes, evidenciou a existência
de diferentes diretrizes políticas e pedagógicas, muitas vezes contraditórias entre si.
Mostrou também grandes lacunas na fundamentação de seus princípios políticos e
filosóficos, o que MORAES, S. C. Propostas alternativas de construção de políticas
públicas em educação...170 Educar, Curitiba, n. 35, p. 165-179, 2009. Editora
UFPR tornava difícil identificar, dentre outros aspectos, o tipo de projeto social e
político para o qual aquelas propostas pretendiam educar: Qual o papel da instituição
escolar no processo de transformação da sociedade? Qual o lugar da cultura e das
ideologias nessas mudanças? Quais as estratégias de lutas mais adequadas para o
efetivo alcance dos seus objetivos? (CHIARELLO, 2001, p. 1).

As ações grupais dos educadores em suas bases refletem a instabilidade de uma


política governamental atrelada ao financiamento internacional e aos interesses do capital,
processando a desvirtuação dos principais caminhos de uma educação para a cidadania da
liberdade. A produção do direito à educação por meio de sentenças, está sendo desenvolvida à
margen do proprio sistema jurídico estatal fundado no ideario da justiça, das próprias políticas
de governo mesmo que de cunho verticalizante, desprovidas em suas explicitações jurídicas
de planos e metas representativos das necessidades regionais do governo local, razão total do
seu fracasso.
A inefetividade do direito à educação não está na ausencia de políticas públicas, pois
elas têm sido construídas ao longo dos governos da República, mas o que se constanta é a
considerável distancia entre o que está previsto na Constituição da República e nas leis
ordinárias e o que está refletido na prática escolar como direito à educação no Brasil.
As práticas discursivas e não discursivas permearam com suas regras e ditames todo
espaço de articulações enunciativas seguindo os meandros determinantes dos conflitos
políticos, econômicos e sociais, constituindo a lei de existência das formações discursivas
160

geradoras dos discursos representativos do teor das Constituições do Brasil, do Estatuto da


Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Com a identificação dos enunciados contidos na base empírica desta pesquisa,
descrita e analisada a rede enunciativa do discurso da Judicialização; comprendidos os fatores
identificadores da construção discursiva da Judicialização, interessa ainda a esta investigação
analisar os acontecimentos da história das normas legais concedentes de enunciados
formadores do discurso (a lei dos ditos e escritos) representados pelas estratégias articuladas
como meios possibilitadores da formação do saber compreendido pelo corpo enunciativo da
judicialização da educação.

A - As Constituições Brasileiras

Os enunciados que dão corpo à C. F. de 1988, ao Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) atenderam a
leis e regras de existência compondo um domínio de possibilidades como elementos do
discurso político-jurídico. Essa construção discursiva provém de uma sedimentação
enunciativa emaranhada em relações processadas inicialmente no movimento internacional
pela implementação de direitos fundamentais, individuais e sociais, tanto que os direitos
sociais precedem historicamente o direito à educação, sendo este decorrente daqueles.
Bobbio (1992, p. 76), analisando os direitos sociais frente à transformação da
sociedade, diz:

A relação entre o nascimento e o crescimento dos direitos sociais, por um lado e a


transformação da sociedade por outro é inteiramente evidente. Prova disso é que as
exigências de direitos sociais tornaram-se tanto mais numerosas quanto mais rápida
e profunda foi a transformação da sociedade. Cabe considerar, de resto, que as
exigências que concretizaram na demanda de uma intervenção pública e de uma
prestação de serviços por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado
nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com relação à própria
teoria são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas que
fazem surgir novas exigências imprevisíveis e inexeqüíveis antes que essas
transformações e inovações tivessem ocorrido.

As transformações ocorridas nas sociedades em razão do rápido desenvolvimento da


ciência e tecnologia provocaram outros tipos de necessidades sociais com maior grau de
intensidade na medida o modo de produção capitalista desperta diferenciadas necessidades
161

pelas inovações tecnológicas alcançadas, o que acentua ainda mais o desequilíbrio econômico
e social, ante ao poder de exploração do sistema que domina as modernas tecnologias, fatores
cada vez mais críticos pois as inovações apresentadas criam e recriam mecanismos de
subjugação.
Os direitos sociais caracterizados como políticas estatais de apoio para melhoria das
condições de vida aos hipossuficientes são meios destinados a reduzir o extraordinário
desnivelamento provocado pelo sistema capitalista que fortalece a máquina de apropriação e
expropriação, concedendo altos benefícios aos donos do capital, vilipendiando o trabalhador;
justamente, aquele que gera o lucro e a mais valia pela sua força de trabalho e que é levado a
alienar-se pela estratégia do próprio trabalho que o subjuga à lógica capitalista.
Cesarino Junior e Cardone (1993) analisando o direito social brasileiro estabelecem
uma periodização:
162

DIREITO SOCIAL
BRASILEIRO

De 1500 a 1888
(pré-histórico)
Inexistência de uma
legislação social

De 1888 a 1930 De 1930 a 1934


(capitalista) (socialista) Grande
Inexistência de uma desenvolvimento das
legislação social leis sociais

GRAFICO 4 – Periodização do Direito Social Brasileiro


(LOBO FILHO, Silvio - UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em
Educação, 2010)

, 2010)

Registra-se, nesta pesquisa, a periodização acima descrita, a guisa de mera menção


da cronologia largamente utilizada na construção da história que segue uma continuidade.
Compreende-se, pela história nova que os discursos jurídicos não seguem ordem contínua, na
medida em que as alterações, transformações, modificações e supressões enunciativas
transcorrem na conformidade com os embates políticos, com jogos de força e contra-força,
poder e contra-poder, que se dão por rupturas e não em um processo de continuidade.
A classificação apontada pelos autores foi estabelecida na perspectiva da inserção
dos direitos sociais no elenco normativo constitucional brasileiro, razão porque apontaram a
importância do período revisionista como potencial viabilizador da inclusão, via direitos
163

fundamentais e sociais, ressaltando que as edições das normas constitucionais após 1964
foram marcadas pelos princípios incorporados ao Estado Social de Direito em decorrência das
novas exigências da sociedade.
Nas últimas décadas a sociedade civil no Brasil vem se organizando em diversos
segmentos e promovendo movimentos sociais na luta por novos direitos, na defesa dos
cuidados com as diferenças, na batalha pela superação das desigualdades, dentre outras
frentes formadas com a intenção de alcançar conquistas necessárias ao enfrentamento das
graves conseqüências provocadas pelos grandes avanços tecnológicos e econômicos.
A C. F. de 1988 é um dos resultados dos grandes esforços da sociedade brasileira que
conseguiu a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana como norma imperativa
inserida na Carta Soberana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,
consolidado com a edificação do Estado Democrático de Direito.
O Estatuto Constitucional aprovado concedeu à nação brasileira a figura do mínimo
existencial ou o piso mínimo normativo, no qual a educação é encravada como fonte de
concessão de uma vida digna, o que a coloca como questão central no processo de resolução
dos conflitos desta sociedade complexa, pluralista, multicultural e mecanicista. Presencia-se a
formação de novos dispositivos jurídico-normativos entrelaçados em jogos de relações entre a
estrutura política de governo, as determinações econômicas e as forças operativas dos
segmentos sociais, tendo como um dos resultados a composição do conjunto normativo
denominado “direito à educação”.
As práticas discursivas compreendem jogos de relações desenvolvidos segundo
regras variadas e anônimas, determinadas nas lutas entre vários segmentos públicos e privados
que não estão presentes somente nos domínios da educação, pois é possível encontrá-las nos
meios políticos, nas decisões legislativas, nas maquinarias de pressão social, como elementos
que impulsionam a criação de mecanismos favoráveis ou não favoráveis à educação e à sua
efetividade.
O recuo no tempo permite visualizar os vários deslocamentos temáticos dos direitos
humanos, direitos fundamentais, direitos sociais e direito à educação, impelidos pelas
diligências expendidas por organismos internacionais e movimentos sociais enquanto
elementos questionadores de direitos.
A educação obteve significativa importância ao ser incluída no rol constitucional
como direito social conforme descreve o art. 6º da C. F. 1988: “[...] são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
164

proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta


Constituição”. (grifo meu).
O alcance dessa posição normativa constitucional é resultante de uma massiva
participação democrática da nação brasileira no processo constituinte, reveladamente de uma
grandeza inusitada, representada por números como: 61.020 emendas apresentadas; 122
emendas populares; 15 milhões de eleitores subscrevendo emendas.24
Toda essa movimentação na edificação da Carta Constituinte foi instigada pelo
confronto de teorias, ideologias, regras e princípios, ou seja, com a inclusão de diferentes
enunciados decorrentes dos grandes debates legitimadores da constituinte.
A força de edificação do discurso da educação no momento constituinte foi
conseguida mediante o aprofundamento da discussão sobre as questões e problemas sócio-
econômicos que permitiram impulsionar a fixação de princípios e diretrizes constitucionais
que viessem balizar a ação governamental como uma verdadeira política de Estado. Nessa
esteira de compreensão do processo constituinte contra-argumenta Leher, (1998) em sua Tese
de Doutorado “Da Ideologia do Desenvolvimento à Ideologia da Globalização: a educação
como estratégia do Banco Mundial para ‘Alivio’ da Pobreza”:

[...] a política inscrita na Carta Soberana foi abortada por imposição do Banco
Mundial que, para atender as exigências do capital em crise, infundiu ditames de
uma educação voltada aos interesses do mercado, à estabilização econômica e ao
princípio de governabilidade, indispensáveis ao processo de ampliação do
capitalismo financeiro. (LEHER, 1998, p. 120).

A desestimulante constatação é a de que logo após a promulgação da Carta


Constitucional de 1988, lavrada pela força da vontade popular, foi orquestrado o maior
combate ao seu teor normativo. O movimento conservador diligenciou rapidamente em
promover constantes interpretações contrárias ao conteúdo da nova Constituição, dando
destaque a dados demonstrativos construídos sob a versão da impossibilidade real da
aplicação concreta da norma soberana.
Destarte, foi realizada a cerimônia de lançando da agenda da revisão constitucional,
causando impactos regressivos, na medida em que grande parte dos direitos sociais
consignados na Constituição de 1988, embora continuem sendo reconhecidos como
teoricamente vigentes, pois permanecem como direitos escritos, em sua maioria, continuam
em vigor tão só em decorrência da impossibilidade formal de supressão, alteração ou revisão,
______________
24
Dados colhidos nos anais da constituinte – Senado Federal.
165

mas, padecem de políticas públicas concretas a dar-lhes a efetividade necessária para a


promoção das transformações da realidade brasileira.
Trata-se da interdição dos discursos do direito à educação, engendrada e aplicada
como resposta à ação emanada do povo brasileiro. O objetivo dos detratores do
desenvolvimento social foi a neutralização da força do discurso social constante do teor
constitucional aprovado. O momento pós-constituinte foi conspurcado com o “véu negro”
representativo das táticas de manipulação dos conteúdos normativos constitucionais
aprovados e que eram favoráveis aos interesses e vontades populares.
Para a interdição do discurso social constitucional foi arquitetado e propagado o
discurso da necessidade da revisão constitucional defendida pelas estruturas do poder central
e grupos representativos do sistema capitalista alimentados pelos novos ares internacionais de
reingresso no aparato do Estado Mínimo.
Os direitos contidos no texto da Magna Carta são frutos não apenas de 2 (dois) anos
de luta constituinte, mas de toda uma história de ações voltadas para inclusão dos direitos
humanos e sociais nos quais se inserem o direito à educação.
A C. F. de 1988 em seu art. 208 instituiu enunciados do direito à educação ao
estabelecer o dever do Estado, da família e da sociedade, a ser efetivado mediante a garantia
de: ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para
todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria; progressiva extensão da
obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio; atendimento educacional especializado aos
indivíduos com necessidades educativas especiais, preferencialmente na rede regular de
ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um; oferta do ensino noturno regular, adequada às condições do educando;
atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Esses enunciados marcaram a ruptura com o sistema repressivo que vigeu no Brasil
desde 1964 e deu partida à abertura de possibilidades de construção de todo um domínio de
conceitos possíveis de serem teorizados e que vieram a aparecer em leis, decretos, políticas
públicas, normas, regras e instituições, como uma espécie de complementos em uma
continuidade da narrativa discursiva, apesar de algumas ações reacionárias de parte dos
membros do congresso nacional.
166

O dever imposto ao Estado por força da constituição deriva da luta pela


transformação da sociedade que teve no labor das forças populares a conquista dos direitos
sociais, marcados em aparecimentos de objetos do discurso do direito à educação em
superfícies instauradas muito anteriores a 1988, datando na legislação brasileira da
constituição do império.
As superfícies de emergência do discurso do direito à educação são notadas na
Constituição do Império (1824), trilhada pelo liberalismo e constitucionalismo que
comandavam o ideário econômico, político e jurídico. Estabeleceu na carta soberana a criação
de colégios e universidades e em seu art. 179, XXXII:

[...] a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem
por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida na
Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...]. A instrução primária é
garantida a todos os cidadãos.

Na Constituição republicana (1891), o direito à educação aparece nos arts. 35 e 72 §


6º, que dispõem sobre a obrigação do Congresso em “[...] animar no país o desenvolvimento
das letras, artes e ciências [...]” em “[...] criar instituições de ensino superior e secundário nos
Estados [...]” e em “[...] prover a instrução secundária no Distrito Federal [...]”,
subentendendo que aos Estados caberia legislar sobre a educação.
Merece registro que até a década de 1930 as questões ligadas à educação eram
tratadas pelo Departamento Nacional do Ensino ligado ao Ministério da Justiça.
A Constituição de 1934, três anos depois de ter sido criado o Ministério da Educação
e Saúde (1930), teve um capítulo completo dedicado à educação e à cultura, nos artigos 148
aos 158. Ao Ministério da Educação e Saúde coube a reforma do ensino superior e secundário
segundo ditames dos pioneiros da escola nova (1932).
Essa Constituição tratou sobre a organização da educação nacional pela adoção de
um plano nacional de educação com a outorga de competência ao Conselho Nacional de
Educação para dispor sobre a matéria quanto à criação de sistemas educacionais nos Estados.
A Constituição de 1937 ofertou os capítulos 128 aos 134 à educação e à cultura,
mantendo a obrigação e gratuidade do ensino primário, porém, vinculando a educação a
valores cívicos e econômicos.
A Constituição de 1946 promulgada pelo presidente general Eurico Gaspar Dutra,
reconstituiu os ditames das Constituições de 1891 e 1934, consagrou a educação como direito
de todos e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino primário. Foi na vigência da Constituição
167

de 1946 que foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024 de 20
de dezembro de 1961.
A Carta de 1946 estabeleceu princípios do ensino obrigatório e gratuito, da liberdade
de cátedra, instituiu concursos para o seu provimento e definiu a vinculação de recursos para a
manutenção e desenvolvimento da educação prevendo a criação de institutos de pesquisa.
Por decretos-leis várias áreas foram regulamentadas: Lei Orgânica do Ensino
Industrial (Decreto-Lei nº 4.073/42); Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei
4.2144/42); criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) (Decreto-Lei
nº 4.048/42); Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto-Lei nº 8.529/46); Lei Orgânica do
Ensino Normal (Decreto-Lei nº 8.530/46); Lei Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto-Lei nº
9.613/46); a instituição do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) (Decreto-
Lei nº 8.621/46 e 8.622/46).
Esses decretos-leis são instrumentos normativos reguladores que em suas
construções tiveram seus enunciados submetidos a múltiplas regras formadoras de objetos do
discurso como o ensino industrial, as especificações do ensino primário e ensino secundário, o
ensino comercial, o ensino agrícola. São objetos tecidos nas malhas dos jogos de conceitos,
representando um momento histórico expresso em discursos voiltados para o mundo do
trabalho.
A Constituição de 1967 nos capítulos 167 a 172 possuiu um capítulo denominado
“Da família, da educação e da cultura”, sendo que, em uma ponta fortaleceu o ensino
particular mediante a criação de bolsas de estudo e em outra limitou a liberdade acadêmica e
diminuiu o percentual de receitas vinculadas para manutenção e desenvolvimento do ensino.
A Emenda Constitucional nº 1/69 manteve o conteúdo da C.F. de 1967 incluindo a
possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios nos casos da não aplicação anual, no
ensino primário, de 20% da receita tributária municipal.
O regime de exceção criado pela Revolução de 1964 impôs ao Brasil restrições aos
direitos políticos, fechamento do congresso nacional, controle do Poder Judiciário, enfim,
todas as principais características dos sistemas autoritários. Em que pese o determinismo
coercitivo governamental, muitos grupos ocuparam espaços para constituição de trincheiras
de defesa nos campos das lutas, às vezes ofuscadas pela repressão, mas, enaltecidas pelo
brilho dos que arrostaram contra o cerceamento de direitos e dedicaram suas vidas por uma
pátria livre e plena de justiça.
168

Todo esse período pode ser considerado como um extraordinário território


arqueológico que permite perceber o crescimento do saber popular, mesmo sob severo
controle. Destacam-se as manifestações dos estudantes, da juventude, do povo mais humilde
que deram propulsão à estratégia democrática para a reconquista do Estado Democrático de
Direito.
Nesse espaço de ação e articulação a participação da nação brasileira foi decisiva na
construção do discurso político em uma verdadeira movimentação do contra-poder, momento
do encontro da intelectualidade com a classe mais humilde numa simbiose proporcionadora
da mobilização ativa e criativa, impulsionada pelas classes acadêmicas em reflexões
filosóficas, científicas e doutrinárias.
O discurso do direito à educação foi construído nesse atravessar dos tempos, nas
experiências do cotidiano da vida das variadas classes sociais, que se escancararam aos olhos
do mundo, expondo as contradições que representavam e ainda representam nos dias de hoje,
retratadas pela disparidade entre os que muito têm e os que nada possuem.
As constituições do Brasil refletem avanços e retrocessos na inserção dos direitos
sociais, refletindo os processos políticos e sociais, a democracia e o cerceamento dos direitos,
a representatividade popular e o autoritarismo que constituem relações de poder
influenciadoras da produção de discursos, saberes e verdades.
Essa trajetória de lutas despertou a sociedade para os seus males: a violência, a
marginalidade, os bolsões de miséria, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a exclusão, o
racismo, a não aceitação das diferenças, a manipulação da consciência, o desvio moral-ético
nas questões político e político-partidárias, a educação a serviço do controle e domínio, o
trabalho, o desemprego e a exploração do trabalhador, a má distribuição da renda, a miséria e
a extorsão tributária.
A mobilização vivenciada pelos cidadãos brasileiros é representativa das práticas
discursivas produtoras de enunciados que em suas regularidades deram corpo às formações
discursivas. O discurso do direito à educação no Brasil foi alimentado nessa espécie de
amálgama social e tem como fonte mais importante a C. F. de 1988, que absorveu os
principais conteúdos das Cartas, Declarações e Tratados Internacionais.
A construção de novos enunciados em conexão reforçadora aos princípios
constitucionais inseridos na Carta de 1988, como o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), criado pela Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), (Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), reafirmaram
169

deveres para com a educação como: ensino fundamental obrigatório e gratuito; ensino médio
gratuito; atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento gratuito em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos; programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência saúde; acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Nessa derivação enunciativa supra referida cada um dos documentos legais
apontados foi edificado sob contendas, contestações, debates, altercações, diferenças,
disputas, representativos dos embates da política e dos determinismos regulamentadores da
economia nacional e mundial.
A educação no Brasil tem sido matéria de uma enorme produção legislativa
caracterizada por batalhas de longa duração no campo do legislativo, com resultados nem
sempre coerentes com as perspectivas da classe educacional.

B – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

A Lei 4024/61, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


anteprojeto apresentado em 1948 por Clemente Mariani, produto de 13 (treze) anos de
debates, somente recebeu aprovação em 20 de dezembro de 1961, mas, foi gerada sob severas
críticas que indicavam a necessidade da sua reforma.
O campo enunciativo das normas educacionais é de grande complexidade por sofrer
constantes influências do campo político-econômico, provocador de insurgências ideológicas
e conflitos motivadores de embates no campo das idéias, que se arrastam ao tempo presente.
O Ministério da Educação e Saúde criado no ano de 1930 já registrava anteriormente
a essa data várias reformas, dentre as quais podemos citar em 1923, a Reforma Lourenço
Filho no Ceará e em 1925, a Reforma Anísio Teixeira na Bahia.
O Ministério da Educação e Saúde, sob a titularidade de Francisco Campos
promoveu a edição dos Decretos 1931 e 1932, compondo a reforma Francisco Campos. Em
outro momento a reforma Gustavo Capanema foi lançada mediante a edição de vários
decretos entre 1942 a 1946, no período do Estado Novo, tomando a denominação de Leis
Orgânicas do Ensino.
No campo das reformas o contexto histórico da educação brasileira no período de
1946 guarda um grande repertório de produção normativa, conforme menção já referida neste
170

texto, aqui repetida para acompanhar os inúmeros dispositivos precedentes e atuais da


organização da educação no Brasil.
Sob a titularidade do Ministro Raul Leitão da Cunha vários Decretos-Leis foram
baixados:
− Decreto-Lei 8.529, de 2 de janeiro – regulamenta o ensino primário;
− Decreto-Lei 8.530 de 2 de janeiro – regulamenta o ensino normal;
− Os Decretos-Leis 8621 e 8.622 de 10 de janeiro – Criam o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC); e,
− O Decreto-Lei 9.613 de 20 de agosto – regulamenta o ensino agrícola.
Algumas instituições foram criadas em decorrência da crescente importância dada à
educação: Em 1948 foi criada a Organização Mundial de Educação Pré-Escolar (OMEP)
tendo sido instituído em 1953 o Comitê Brasileiro da Organização Mundial de Educação Pré-
Escolar (OMEP).
Em 1953 o Ministério da Educação e Saúde Pública foi desmembrado tomando a
denominação de Ministério da Educação e Cultura com a criação do Ministério da Saúde.
A classe dos educadores manteve-se sempre presente no cenário dos debates e foi
destacada historicamente com o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em 1932, tendo
como redator Fernando Azevedo, que também redigiu o manifesto de 1959 que recebeu o
título “Mais uma vez convocados”.
Em todo o processo histórico brasileiro, a educação se vê submetida em sua
estrutura, organização e funcionamento à ordem político-econômica, causadora de impactos
motivadores de constantes mobilizações da sociedade, por seus segmentos representativos.
As controvérsias referentes à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
aprovada em 1996 foram constantes ao longo de seis anos de realização de congressos,
encontros, audiências, seminários, reunindo os segmentos organizados da sociedade como
partícipes da construção normativa no cenário externo e interno das casas legislativas.
Lutas foram travadas no campo das relações de poder identificando-se nesse painel
discursivo uma verdadeira rede conceitual na qual emergiram compatibilidades e
incompatibilidades conceituais, regularidades e coações discursivas, heterogeneidade de
idéias de origens diversas, teorias, concepções, posições temáticas, ligadas a uma constelação
discursiva por jogos de relações.
171

O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, bem como outras instâncias de


representação popular tiveram um importante papel na formulação do projeto de Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, PL 1258/88, barrado nas tribunas do Congresso
Nacional pelo substitutivo Darcy Ribeiro, com a justificativa de existência de dispositivos
eivados de inconstitucionalidades.
Mesmo não atendendo ao trabalho contributivo das representações das instâncias
educacionais em suas propugnações, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
tornou-se um importante instrumento legal que contempla enunciados determinantes na
composição das políticas públicas educacionais e na orientação das práticas pedagógicas.
Exemplo disso pode ser verificado em seu art. 34 e 87 ao estabelecer previsão de aumento
progressivo da jornada escolar para regime de tempo integral e o art. 3º, inciso 10 valorizando
experiências extra-escolares com a participação de instituições parceiras, o que indica a
necessidade de ações educativas articuladas em conjunto com a sociedade civil.
A conceituação da educação abre o texto da Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996
(LDB) expressando

[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida


familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais. Tal conceito representa uma compreensão da cidadania pautada no direito
à educação, nos múltiplos planos de sua abrangência como a família, o trabalho, os
movimentos sociais, os segmentos organizados da sociedade, a cultura e a educação
escolar.

Todos esses componentes são destinados a ocupar o formato curricular entendido


como todo processo de experiência a ser vivida pelos sujeitos, como direito assegurado,
portanto, com manifesta legitimação para buscar junto ao Poder Judiciário a exigibilidade
desse direito.
Os instrumentos normativos legais, enquanto discursos produzidos em jogos de
força, deixam de traduzir a realidade nacional e atender as verdadeiras necessidades
educacionais, pois sofre a restrição e interdição enunciativa, no processo de sua produção,
especialmente em decorrência da cadeia de interferências dos setores econômicos nacionais e
internacionais, somados aos interesses políticos governamentais na produção e aprovação da
Lei Orçamentária anual e na fixação das regras de distribuição dos recursos, agravados pelos
processos de contingenciamento financeiro.
172

A Plataforma DhESCA e Ação Educativa (2009) desenvolveu um documento


denominado “Direito Humano à Educação”, com um grande acervo de dados representativos
da situação nacional da educação, demonstrando o crescimento da escolarização no Brasil,
que registrou no ano de 2008 cerca de 53 milhões de matrículas na educação básica, com
interessante dado: 87% desse total se refere a matrículas na rede pública de ensino.
A taxa de analfabetismo é representada pela comparação do percentual de 1996 (14,7
%) com 2007 (10%), sobressaindo ainda a preocupante marca de 10% de analfabetismo.
O alerta do trabalho publicado é com relação aos referenciais das desigualdades na
educação brasileira, Plataforma DhESCA e Ação Educativa (2009, p. 7):

◼ Apenas metade dos jovens entre 15 e 17 anos freqüentam o ensino médio.


(PNAD, 2007)
◼ Mais de 70% dos 300 mil presos do País não concluíram o ensino fundamental,
e apenas 17% estão estudando. (Ministério da Justiça)
◼ Estima-se que 15 milhões de brasileiros (as) possuem algum tipo de deficiência.
Entretanto, em 2006, apenas 700.624 pessoas portadoras de deficiência estavam ma-
triculadas na escola. (Censo Escolar, 2006)
◼ A população negra, com média de 6,3 anos de estudo, tem praticamente 2 anos
de estudo a menos que a branca (8,1 anos). (PNAD, 2007)
◼ O número médio de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade no
Brasil é de 7,3; no Nordeste o número médio é de somente 6 anos de estudo,
enquanto no Sudeste é de 7,9 anos de estudo. (PNAD, 2007)
◼ Praticamente 1 entre cada 3 brasileiros com idade entre 15 e 64 anos é
analfabeto funcional. Na Região Sul esse índice é de 28%, enquanto no Nordeste
alcança 46%, quase a metade da população na idade referida. (INAF, 2007)
◼ Enquanto o valor anual por aluno do Fundeb para cada estudante matriculado no
ensino fundamental é de R$ 1.132,34 nos nove estados de menor arrecadação (AL,
AM, BA, CE, MA, PA, PB, PE e PI), alcança R$ 2.569,05 em Roraima e R$
2.233,36 no Espírito Santo. (FNDE, 2008).

As informações dos dados estatísticos compilados dão mostras do grande atraso


brasileiro e das intensas dificuldades políticas e econômicas para o estabelecimento de
políticas públicas que possibilitem o atendimento ao quadro ainda trágico da educação
brasileira.
As restrições impostas na edição dos planos, programas e ações são escamoteadas
com o permanente discurso da prioridade da educação no plano político nacional, e a
constante renovação dos documentos planejativos intencionados a estender no tempo as metas
e objetivos propostos e não alcançados.
O levantamento de dados da Plataforma DhESCA e Ação Educativa (2009) indicam
também a deficiência na projeção e aplicação de uma política de inclusão de alunos com
173

deficiência. O Censo Escolar 2006 aponta que apenas 28,6% das escolas públicas e 18,5% das
escolas privadas incluíam alunos com deficiência.
Quanto a infra-estrutura dos estabelecimentos escolares do ensino fundamental os
dados representam grande frustração pois em 2006, mais da metade dos alunos (53,9%)
estudaram em escolas que não possuem biblioteca e cerca de 45% deles não contavam com
quadra de esportes em suas escolas.

TABELA 3 – Número e porcentagem de matrículas nas redes pública e privada de ensino (2008)
PUBLICA PRIVADA
Creches 1.143.430 (65,3%) 608.306 (34,7%)
Pré-escola 3.849.829 (77,7%) 1.117.696 (22,5%)
Ensino Fundamental 28.468.696 (88,7%) 3.618.004 (11,3%)
Ensino Médio 7.395.577 (88,4%) 970.523 (11,6%)
Educação de jovens e adultos 4.796.036 (97 %) 149.388 (3%)
FONTE: Censo Escolar 2008 (BRASIL/MEC/INEP, 2008).

As referências apontadas, por si só, dão mostras da fragilidade da Judicialização da


Educação. Embora seja importante o impacto das determinações judiciais nos planos da
vontade política, das prioridades planejativas e orçamentárias, das e da liberação de recursos,
fatores outros muitos, como já afirmado, impossibilitarão a efetivação do direito à educação
em sua plenitude.

C – Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente criado pela Lei 8.069, de13 de julho de


1990, norma regulamentadora do art. 227 da C. F. de 1988, foi editado em consonância com a
Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, aprovada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.
Em seu Art. 3º dispôs:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à


pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando
por lei ou por outros meios, todas oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar
o desenvolvimento físico, mental, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade. (ECA, 1990).
174

Há nesse dispositivo uma reafirmação e ampliação do direito à educação inscrito no


art. 208 da Constituição da República de 1988.
Marcílio (1998, p. 08) aponta a grande significação do conteúdo do Estatuto da
Criança e do Adolescente ao mencionar que:

A homologação dos dispositivos da Carta Magna em favor da infância, fundados na


Declaração dos Direitos Humanos e na Declaração dos Direitos da Criança, foi
estabelecida primorosamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA,
assinado em 1990. Este documento legal representa uma verdadeira revolução em
termos de doutrina, idéias, práxis, atitudes nacionais ante a criança. Em sua
formulação contou, igualmente, com intensa e ampla participação do governo e,
sobretudo, da sociedade, expressa em organizações como a Pastoral do Menor, a
Unicef, a OAB, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua,
movimentos de igrejas e universidades, dentre tantos outros organismos. O ECA
revogou o Código de Menores de 1979, discriminatório, bem como a lei que criou a
Funabem. Adotou a doutrina de proteção integral, que reconhece a criança e o
adolescente como cidadãos e sujeitos de Direito.

Os Conselhos Tutelares vêm sendo criados com uma intensa participação popular na
discussão dos projetos de leis, ladeados pelas Instituições que representam segmentos da
sociedade organizada, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Pastoral do
Menor, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e do próprio Ministério Público
Estadual. Essa experiência tem sido marcada como a definição de uma política popular de
atendimento ao menor e ao adolescente e de criação e funcionamento dos órgãos colegiados.
As instalações dos Conselhos têm obedecido aos princípios da autonomia na
aplicação das medidas contidas nas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
referentes à independência funcional e a inexistência de subordinação. O funcionamento tem
primado pela ação parceira com o Ministério Público, com a Justiça da Infância e da
Adolescência, com a Defensoria Pública e com as unidades de reeducação e ressocialização
do menor e do adolescente.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 277, § 7º estabeleceu diretrizes para as
ações governamentais para a área da criança e do adolescente determinando uma
descentralização político-administrativa e a participação popular na fixação das políticas e no
controle das ações. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 88, incisos I e II prevê
expressamente a municipalização do atendimento da criança e do adolescente e a criação de
Conselhos Municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente como
órgãos deliberativos e controladores das ações de governo.
175

Essa descentralização e participação popular representam a “Democracia


Participativa” contida no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal.
A tarefa do Ministério Público prevista no Estatuto do Menor e do Adolescente está
explicitada com a criação de dois procedimentos específicos e um genérico, sendo previsto no
art. 201, VI, o procedimento administrativo e no art. 201, V e VII o inquérito civil e a
sindicância.
Muitos autores têm construído a doutrina menorista em comentários ao Estatuto,
dentre eles: Labanca (1991) Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado, Albergaria (1991)
Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Liberati (1991) O Estatuto da Criança
e do Adolescente: comentários e Siqueira (1991) Comentários ao Estatuto da Criança e do
Adolescente.
A tutela dos direitos individuais cabe ao Ministério Público, conforme preceitua a
C.F. de 1988, no art. 127: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Por outro lado, a Carta Soberana, definiu em seu art. 227, que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,
1988, p.59).

A justiça como canal de exigibilidade do direito à educação, conta com ações


judiciais como:
− a ação civil pública25;
− o mandado de injunção26;
− o mandado de segurança coletivo27; e,

______________
25
Ação Civil Pública – prevista no artigo 129, III da C.F. (1988) “São funções institucionais do Ministério
Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
26 Mandado de Injunção – é um instituto processual civil, outorgado ao legítimo interessado como remédio

constitucional para a obtenção, mediante decisão judicial de equidade, a imediata e concreta aplicação do direito,
liberdade ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania popular ou à cidadania, quando a falta de norma
reguladora torne inviável o seu regular exercício (SILVA, 1989, p. 51-52).
27
Mandado de segurança – Pelo mandado de segurança, podem ser defendidos os chamados direitos líquidos e
certos, distintos da liberdade de locomoção, contra atos e omissões abusivas do Poder Público. São considerados
176

− a ação popular28.
Referidos instrumentos processuais abrem possibilidades de atendimento às
pretensões individuais e coletivas, conferidas pela proteção constitucional, mediante a
exigibilidade de criação de políticas públicas.
O Brasil pelo Decreto n 99.710, de 21 de novembro de 1990, promulgou a
Convenção sobre os Direitos da Criança, que afirma em seu preâmbulo:

Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial


foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na
Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de
novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e
24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em
particular no Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências
Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar
da criança; Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da
Criança, ‘a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita
proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto
após seu nascimento’;

A doutrina menorista tem patenteado a importância das convenções internacionais


das quais o Brasil tem sido signatário, como:

líquidos e certos os direitos cujo reconhecimento independe de uma instrução probatória no processo
(COMPARATO, 1989b, p. 96).
28
Ação Popular – é o meio processual a quem tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente
a validade de atos que considera lesivo ao patrimônio público, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural.
177

Convenção sobre os
Direitos da Criança
adotada pela
Assembléia Geral
da ONU

Convenção
Interamericana à
Restituição de
menores celebrada
em Montevideu

Convenção sobre Convenção


Cooperação Interamericana de
Internacional e Conflitos de Leis
Proteção de crianças e
em matéria de
adolescentes em
matéria de Adoção Adoção de Menores
Internacional

GRAFICO 5 – Grupo 1 – Convenções Internacionais – Brasil Signatário


(LOBO FILHO, Silvio. – UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em
Educação)
178

Convenção
Interamericana
sobre Tráfico
Internacional de
Menores

Convenção sobre
os Aspectos Civis
do Sequestro
Inteernacional de
Crianças
Ato Internacional Convenção 138,
sobre Direitos sobre Abolição do
Humanos, abolindo a Trabalho Infantil –
pena de morte para
assinada em
menores de 18 anos
02/02/2000

GRAFICO 6 – Grapo 2 – Convenções Internacionais – Brasil Signatário


(LOBO FILHO, Silvio. – UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação-2010)

A legislação brasileira de proteção a criança e ao adolescente precede a própria


Convenção sobre os Direitos da Criança acima citada, acompanhando o pacto social
democrático no qual se construiu a Constituição de 1988.
Silva e Motti (2001, p. 75) apresentam um quadro comparativo da legislação de
amparo ao menor na saúde, assistência e educação, relacionando dispositivos do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8069 de 13/07/90, Sistema Único de Saúde (SUS) –
Lei 8080 de 19/09/90, Lei de Organização da Assistência Social (LOAS) – Lei 8742 de
07/12/93 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) – Lei 9394 de
20/12/1996.
A normatização constante da legislação relacionada em sua dispersão forma uma
regularidade discursiva em domínios diferentes (educação, assistência social, saúde e proteção
à criança e ao adolescente). Embora recente, a questão da proteção à criança e ao adolescente
tem surgido em diversas superfícies de emergência e em campos diferenciados formando
objetos relacionados à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, a
profissionalização, à cultura e a convivência familiar e comunitária.
179

Mencionadas superfícies de emergência como as escolas, os hospitais, os aparelhos


de segurança, os centros de assistência social, os centros esportivos e culturais representam
espaços de aplicação enunciativa da normalização.
As instâncias de delimitação discursiva são representadas pelas Instituições como
Conselho de Direitos da Criança, Conselhos Tutelares, Ministério Público, Defensoria
Pública, Segurança Pública, Poder Judicial, em suas ações que têm como objeto de estudos e
aplicações a criança e o adolescente, portanto, dando definições, estabelecendo competências,
obrigações, restrições, punições, segregações, orientações e intervenções.
Silva e Motti (2001, p. 26), analisando o código de menores de 1979 (Lei 6.697, de
10 de outubro de 1979) como continuidade ao Código de 1927 I (Decreto 17.943 – A de
12/10/1927) apontam as características dessa norma como: visão autoritária da política; poder
centralizador do Poder Executivo pelos seus agentes e do Poder Judiciário pelo Juiz; repressão
aos marginais, como anti-sociais; internamento e tratamento dos marginalizados ou
periferizados, não integrados; visão da família e da criança como responsáveis pelas
irregularidades; controle do comportamento anti-social; controle da assistência pela
tecnocracia e pelos convênios; arbítrio e arbitrariedade do juiz; ausência de direitos do menor
em sua defesa; prisão cautelar de menores (art. 99 § 4º) para apurar infração de natureza
grave; internamento por condições de pobreza; abrigamento de crianças e centralização
executiva.
Os enunciados discursivos do ECA (Lei 8.069 – 13/07/90), do SUS (Lei 8.080 de
19/09/90), da LOAS (Lei 8.742 de 07/12/93) e da LDBN (Lei 9394 de 20/12/96), constituem
um significativo aparato legislativo construídos por um feixe de relações discursivas entre
essas áreas determinando o tratamento da questão do menor em novas perspectivas em
oposição aos enunciados encontrados no Código de Menores de 1979.
As práticas discursivas desenvolvidas ao longo da vigência do código de menores de
1979 provocaram uma movimentação enunciativa no período de 1979 até 1990, quando da
edição do ECA, que retratam acontecimentos condutores à ruptura com a ordem repressora
característica dessa norma e das Instituições integrantes desse sistema, portanto, abolindo
enunciados autoritários contidos no ordenamento jurídico e dispostos nas relações de poder
visualizadas a partir do próprio Poder Executivo e Judiciário e refletidas nas práticas não
discursivas (vivência, determinações, regulamentos, tratamentos, formas e espécies que
constituíram as Instituições: Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e
Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor (FEBEM).
180

Essa transição enunciativa denota a existência de articulações nas relações voltadas à


ideologia, à política e ao jurídico, procedendo ao rompimento com a ordem repressora e
criando novos conjuntos de regras discursivas em uma institucionalização democrática, o que
faz por aparecer novos status dos sujeitos dos discursos que se situam em planos variados,
lugares distintos e que se ligam por sistemas de relações (sujeitos do jurídico, do político, da
sociologia, da psicologia, da representação comunitária e da participação da sociedade na
gestão pública) construindo novas práticas sob novas regras de relações.
Silva e Motti (2001, p. 29) descrevendo os dez anos do Estatuto do Menor e do
Adolescente, cita as mudanças nas relações econômicas e de poder nos anos 90, com a
globalização econômico-financeira, analisando a repercussão política no plano social:

Passa-se a reduzir direitos sociais (por direitos sociais entendemos o conjunto das
garantias ou obrigações do Estado para com a satisfação das necessidades básicas do
cidadão no contexto em que vive, traduzidas no direito fundamental à vida em
sociedade), em nome dessa redução, justificando-se com o discurso da falência do
Estado e isto implica um passo na direção de reformas orientadas para o mercado e
coordenadas pelo Estado e pelo mercado (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 49). O
mercado é que passa a ser um eixo central do processo de sobrevivência, em vez do
Estado de Direito, levando à privatização de fundos públicos, como os da
Previdência Social, e de serviços, como os de saúde e de educação, desde as creches
até a universidade, e mudando o foco das políticas assistenciais para os mais pobres
e excluídos, reduzindo-se o acesso universal ou até substituindo-o por formas
transitórias e precárias de políticas focalizadas. (SILVA E MOTTI, 2001, p. 29).

A reforma do Estado provocou novas relações de poder, com a imposição de outros


tipos de correlações dos enunciados, retomando-se enunciados já existentes anteriormente e
desconsiderados no campo discursivo, formando novos campos de validades do discurso. A
redução dos direitos sociais com a implementação de política de desregulamentação fez por
desvalidar a impulsão dos enunciados que compõe o corpo discursivo, como a democracia e a
cidadania na forma e interpretação dadas ao conjunto de dispositivos da Carta de 1988,
compondo outras formas de apropriação. Todo processo judicializante obedece a esse contexto
enunciativo discursivo, que é componente edificador da judicialização, tanto que o avanço das
decisões judiciais nos campos da criança e do adolescente e da educação, mesmo utilizando a
interpretação segundo a constituição é obstaculizada no plano do Poder Executivo que ao
cumprir a sentença ou decisão judicial o faz com base na reserva do possível.29

______________
29
Reserva do Possível – Previsão orçamentária reservando o possível segundo a disponibilidade existente.
181

3.1.3.2 Documentos Internacionais: a inter-relação dos enunciados sobre o direito à


educação.

Verificada a construção enunciativa dos documentos legais referentes às


Constituições Brasileiras, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e à Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e a partir dessas constatações, demonstra-se a apropriação e
utilização de enunciados que aparecem nesses discursos e em discursos construídos no plano
jurídico mediante lutas políticas que produziram a formação de domínios enunciativos por
relações, transformações, agrupamentos e filiações.
A articulação entre a série de acontecimentos discursivos, representados pela
produção enunciativa das Constituições Federais, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e do Estatuto da Criança e do Adolescente com os enunciados dispostos nos
documentos internacionais compostos por tratados, declarações e convenções que
representam outras séries de acontecimentos, formaram modalidades enunciativas
concorrentes na formação discursiva da judicialização e do direito à educação, na medida em
que são conjugados tais referenciais enunciativos nas decisões judicializantes que determinam
a obrigação de fazer.
Observa-se que, seguindo as leis da edificação dos discursos, novos objetos foram
sendo formados nos espaços das legislações, tais como recomendações, declarações, tratados
internacionais, instituições e técnicas, dinamizados em processos de apropriação, modificação
e transformação que atendem as regras de relações seguindo dispositivos determinantes nesses
momentos e espaços em que se processam novas formações discursivas e novos edifícios
teóricos.
As práticas discursivas (regras anônimas que estabeleceram as condições de
exercício das funções enunciativas) geraram efeitos não apenas nos domínios próprios da
educação, mas, se estenderam a outros domínios com os quais se articularam (domínios
jurídico, econômico e político). São campos de interpositividades que estabelecem canais de
comunicação e determinam o aparecimento de objetos do discurso.
Esta reflexão se ateve aos enunciados que compõem os discursos; portanto, por
intermédio da identificação das redes enunciativas objetivou-se apreender a filiação,
atribuição, articulação, designação ou derivação entre o conjunto de enunciados. Trata-se
metodologicamente de compreender a presença de elementos enunciativos em um e outro
182

documento discursivo; não como um retorno enunciativo, mas como um processo de


articulação gerador de novas formações discursivas.
Esta análise do discurso da judicialização da educação envolve dois outros discursos
que se entrelaçam entre si, a judicilização da política e o direito à educação, pois alcançam
formações discursivas que se relacionam, e se correlacionam por seus enunciados nos três
campos discursivos.
Cumpre explicitar que a formação discursiva da judicialização da educação
determinou-se nas mesmas “chamas” das relações da judicilização da política, na medida em
que é um discurso composto de enunciados jurídicos de aplicação na área da educação,
segundo dispositivos constitucionais titulados “direito à educação”, o que leva a compreender
as comparações e contradições que se apresentam no campo dos acontecimentos.
As regras obedecidas na formação discursiva da judicialização da política provieram
de vários domínios e por vários fatores já mencionados, mas que, no espaço destas análises,
serão melhor pontuados.
A judicialização da política, utilizando a terminologia foucaultiana, é um
acontecimento de grande projeção nas sociedades contemporâneas, que marca um tempo, que
representa rupturas, que processa transformações, que opera mobilizações setoriais, mesmo
porque é uma manifestação de caráter mundial, derivada de uma nova caracterização para os
conflitos sociais que se transferem em seus questionamentos e soluções para o seio do
Judiciário.
Essa transmutação do papel do Estado origina-se da concepção da democracia
contemporânea, do Estado Democrático de Direito, do primado dos princípios constitucionais,
da nova dinâmica tripartida dos poderers da república, fatores que se somam a todas as
repercussões e novas configurações interpretativas teóricas-práticas, provocando um
desaguamento de tais figuras, princípios, normas, na cadeia burocrática administrativa e
jurídica estatal.
A ciência política absorveu o advento do neo-constitucionalismo, especialmente no
Brasil ao adotar, na Constituição Federal de 1988, princípios, valores e diretrizes dotados da
característica de norma jurídica, aderindo a uma nova agenda política para a reforma do
Estado, gerando posições conflitantes e concepções múltiplas no entendimento desse novo
estágio burocrático funcional estatal.
183

A educação, como a maioria das áreas sociais, sofre as consequências desse novo
momento histórico institucional do País, sendo por certo esse jogo de regras o mais decisivo
na produção do discurso da judicialização da educação.
Reforça a aplicação da judicilização na área da educação justamente a existência dos
direitos educacionais de natureza principiológica alcançados na promulgação da Constituição
Federal de 1988 e que se tornaram os fundamentos para decisões, inclusive em assuntos de
políticas públicas educacionais.
Embora já se tenha passado mais de 20 anos do início da vigência da C.F. 1988, sua
repercussão no campo da ciência política é hoje causa de profundas reflexões, embora
inúmeras áreas já estejam alcançadas pela conseqüências da judicilização.
Neste novo século renovam-se as lutas pela efetivação dos direitos humanos e
sociais, individuais e coletivos, mesmo após tantas décadas de movimentos, de mudanças, de
rupturas, de crises, sem que pelo menos feixes tênus de luz pudessem ser festejados como
pequenas vitórias do século passado.
É tempo de incertezas, indignações e frustrações, eis que paulatinamente, sub-
repticiamente, armadilhas foram armadas objetivando extinguir as trincheiras das batalhas
sociais; emudecer as frentes dos movimentos trabalhistas; reduzir os agrupamentos de
intelectuais que acreditavam nas mudanças, nas transformações, na utopia; fazer cessar os
gritos frenéticos dos estudantes nas praças, nas ruas, nas universidades; fazer calar as vozes;
corromper as representações políticas, cooptar as lideranças e rasgar a carta ética escrita na
história da humanidade.
Se a luta pelo direito à educação pugna por mudanças, será preciso rever as novas
astúcias promovidas nas instâncias do poder disfarçadas pelos discursos da judicilização da
educação impregnados de promessas de cumprimento dos direitos constitucionais, como
redenção aos excluídos.
A população, historicamente expropriada dos bens que deveriam lhe pertencer por
justiça na partilha natural da riqueza da nataureza e pela promessa da igualdade social,
vivendo a margens dos bens sociais, excluída das oportunidades de acesso a educação e
cultura, é agora chamada aos tribunais judiciais na condição de hipossuficientes, para receber
decisões judiciais como vitória concedida por arautos da justiça.
O direito à educação é questão mundial e foi conquistado como direito escrito nas
Cartas Constitucionais da maioria dos Países do Mundo, deixando marcado nas estradas dos
tempos o sacrifício da própria vida dos que lutaram por essa causa, razão de ser imcompatível
184

com a própria origem das lutas o uso de tais direitos como engodo para o fortalecimento de
poderes institucionais, como tem ocorrido com o Ministério Público e o Poder Judiciário.
A organização EDUCAREDE (2003), em texto intitulado “O direito de ter direitos”,
relata a sequência das conquistas dos direitos, conclamando à luta pela concretização desses
direitos.
A primeira geração de direitos civis e políticos, apresentava a promessa do
fortalecimento da sociedade civil e dos indivíduos na relação com os poderes do Estado,
retratada na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” proclamada na França em
1789, garantindo a liberdade e a igualdade dos direitos de todos os indivíduos.
A revolução industrial do século XIX fez por surgir novos problemas e novas lutas
sociais. Os direitos garantidos na Declaração de 1789 não refletiam a difícil realidade em
que vivia a população (exploração do trabalho, baixos salários, falta de moradia, saúde e
educação).
Os direitos da primeira geração pugnavam pela liberdade enquanto o movimento
trabalhista exigia a efetividade desse direito e a conquista dos direitos de igualdade.
Surgem os direitos de segunda geração - direitos sociais, econômicos e culturais,
representados pelo direito à organização sindical, à segurança e estabilidade no trabalho, à
greve, à previdência social, à saúde, à educação gratuita, à cultura e à moradia, cabendo ao
Estado o dever de garantir os direitos conquistados.
As grandes guerras mundiais e suas conseqüências demonstraram a violação total aos
direitos do homem e é nesse momento que os governos e as entidades se unem aos
movimentos populares na luta por direitos, finalmente inseridos na “Declaração Universal
de Direitos Humanos” aprovada em 10 de dezembro de 1948.
Sem efetividade os direitos de primeira e segunda gerações, a Declaração de 1948
passou a incorporar os direitos civis e políticos formulados nas lutas contra o Absolutismo,
nos séculos XVII e XVIII, e os direitos sociais, econômicos e culturais, propostos pelos
movimentos sindicais e populares durante os séculos XIX e XX.
Na metade do século XX novos movimentos gritam pelas desigualdades sociais, pela
destruição do meio ambiente, pela desigualdade nas relações de gênero, dentre outros,
conseguindo a criação de uma terceira geração de direitos: os direitos de solidariedade, à
paz, ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, a um meio ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado e à utilização do patrimônio comum da humanidade. Nesse
mesmo tempo são gerados documentos internacionais em favor da mulher, da criança, do
185

adolescente, do idoso, dos indivíduos com necessidades especiais, crescendo reivindicações


de classes e grupos.

Não se pode aceitar que os direitos fiquem restritos aos textos em que são expressos,
pois formam um patrimônio coletivo da humanidade que deve ser garantido a todos
os cidadãos do mundo. A sua violação deve nos encorajar a transformar as
condições que impedem a sua efetivação.
Novos desafios, conflitos e necessidades certamente colocam em pauta os direitos: a
garantia dos direitos já expressos; a conquista de novos direitos. Os direitos são
efetivados e conquistados se estivermos atentos às transformações sociais e
dispostos a enfrentar as situações que podem impedir ou limitar a sua existência.
(ERNICA; ISAAC; MACHADO, 2003, p. 1).

A judicialização da educação é mais uma esperança fundada em aparências. Se


dantes as promessas se detinham na criação dos direitos, agora fala-se em efetividade de
direitos pela via judicial que apropriando-se estratégicamente das lutas seculares pela
conquista e garantía de direitos, utiliza-as como farol a iluminar o discurso de uma
concretização duvidosa.
A Constituição Federal de 1988 ao consagrar o princípio da dignidade humana
universalizou os direitos humanos e incluiu os direitos internacionais no elen co dos direitos
garantidos pela soberania constitucional, conforme Emenda Constitucional nº 45 de 08 de
dezembro de 2004, que acrescentou parágrafos ao artigo 5º. Da Constituição Federal.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou os enunciados previstos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, no que se refere a “sujeitos de direitos”, tanto que
em seu artigo 5º estabeleceu a igualdade entre as pessoas, condição já consignada no art. 1º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade”.
Tendo como tema central a educação, o relatório da UNICEF (1999, p. 9-10) sobre a
“Situação Mundial da Infância”, afirma que,

[...] a proclamação do direito à educação expressa na Declaração Universal dos


Direitos Humanos constituiu o início de um amplo esforço empreendido pela
Organização das Nações Unidas no sentido de promover direitos sociais,
econômicos e culturais atrelados a direitos civis e políticos.

O conteúdo e objetivos da Declaração Universal das Nações Unidas firmados em


contraposição às atrocidades vivenciadas nas duas grandes guerras mundiais, como
186

manifestação do pensamento universal voltados para os direitos do homem, encontraram


recepção e possibilidades de avanço nos países mais desenvolvidos por conta do período
denominado por Hobsbawm (1995, p. 289-290) de idade de ouro.

[...] A educação primária, isto é, a alfabetização básica, era na verdade a aspiração


de todos os governos, tanto assim que no fim da década de 1980 só os Estados mais
honestos e desvalidos admitiam ter até metade de sua população analfabeta, e só dez
– todos, com exceção do Afeganistão, na África – estavam dispostos a admitir que
menos de 20% de sua população sabia ler e escrever. E a alfabetização fez um
progresso sensacional, não menos nos países revolucionários sob governo
comunista, cujas realizações neste aspecto foram de fato as mais impressionantes,
mesmo quando as afirmações de ter ‘liquidado’ o analfabetismo num período
implausivelmente curto eram às vezes otimistas. Contudo, se a alfabetização em
massa era geral ou não, a demanda de vagas na educação secundária e sobretudo
superior multiplicou-se em ritmo extraordinário. E o mesmo se deu com o número
de pessoas que tinham tido ou estavam tendo.

Com a crise econômica da década de 1980 (a década perdida da economia), os


investimentos na área social foram drasticamente reduzidos sob a determinação da política
neoliberal, reduzindo a intervenção do Estado no campo social, causando novos
descompassos na educação com o acelerado crescimento do analfabetismo no mundo.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia da ONU em
1989, elegeu a educação como um dos direitos a ser garantido. A importância da educação foi
ratificada ao ser o direito à educação transformado em lei internacional a partir do dia 2 de
setembro de 1990 (UNICEF, 1999).
Estes foram os precedentes para criação da Conferência Mundial sobre Educação
para Todos realizada entre os dias 5 e 9 de março de 1990, em Jomtiem, Tailandia, dando
origem a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem” e ao “Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de
Aprendizagem”.
As Entidades Internacionais ao trabalhar por declarações, pactos, tratados, estabelece
princípios a serem seguidos pelos Países membros, sendo que a edificação dos enunciados
sofre a gestão de inúmeros componentes na cadeia de relações vindo a compor formações
discursivas que sedimentam discursos como: direitos individuais, direitos humanos, direitos
coletivos, direitos da mulher, direitos da criança e do adolescente, dentre outros.
As ações desenvolvidas por tais Entidades Internacionais são práticas políticas e a
arqueogenealógia quer mostrar porque essas práticas fazem parte da emergência desses
discursos.
187

A relação dos documentos internacionais voltados direta ou indiretamente à


educação demonstram a ação desenvolvida pelas Entidades, pelos movimentos sociais e o
envolvimento mundial no tema.
Em cada documento a menção à educação vem determinada de forma explícita em
artigos conforme relação abaixo:

TABELA 4 - Normas Internacionais – Direito à Educação (2010)


Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948, artigo 26)
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 13 e 14) –
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (artigo 29)
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (artigo 10)
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(artigo 7)
Declaração e Programa de Ação da Conferência sobre a Mulher, realizada em Beijing (China),
em 1995 (parágrafo 24)
Declaração e Programa de Ação da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em
Viena (Áustria), em 1993 (Parte I, parágrafos 33 e 34; Parte II, parágrafos 78 a 82)
Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância , realizada em Durban (África do Sul),
em 2001 (Declaração, parágrafos 95 a 97, e Programa de Ação, parágrafos 129 a 139)
Diretrizes para a Formulação de Planos Nacionais de Ação para a Educação em Direitos
Humanos (ONU, AG, A/52/469/Supl. 1, de 20/10/1997)
Projeto Revisado de Plano de Ação para a Primeira Etapa (2005-2007) do Programa Mundial
para a Educação em Direitos Humanos (ONU, AG, A/59/525/Rev.1, de 02/03/2005)
Declaração do México sobre Educação em Direitos Humanos na América Latina e Caribe
(UNESCO, 2001
FONTE – LOBO FILHO, Silvio - UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação 2010)

O princípio da dignidade humana tem seu registro na Declaração Universal dos


Direitos Humanos, em seu art. 25 que estabelece o direito a um padrão de vida que assegure a
si e a família saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, dentre
outras necessidades da humanidade. A Carta Constitucional de 1988 funda-se no princípio da
dignidade humana e estabelece em seu art.3º objetivos determinados para uma sociedade
livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, a
marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, comprometendo-se com a
promoção do bem de todos.
A Universalização dos direitos à educação obteve sua inclusão na Declaração
Universal dos Direitos Humanos em seu Art. 26 - § 1 – no sentido de que toda pessoa tem
direito à instrução gratuita nos graus elementares e fundamentais. Tal enunciado foi adotado
pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 205 ao estabelecer a educação como direito de
todos e dever do Estado e da família.
188

A presença de enunciados do dicurso do direito à educação nascidos no leito dos


documentos internacionais é constante, como se pode notar no demonstrativo abaixo:

Educação para
Todos.

Registro na
Declaração de
Jomtiem (1990): -
Plano de Ação – Item
26 – Item 33

Registro na Emenda
Registro na LDB Constitucional nº 19,
(1996) de 1998 –
Constituição Federal
Art. 1º e 2º (1988)

GRAFICO 7 – Relações enunciativas – Educação para Todos


(LOBO FILHO, Silvio. – UFMS/PROPEDUC 2010)
189

Universalização
do Ensino

Registro na
Declaração de
Jomtiem (1990)
Art. 3º

Registro na Registro na
Emenda Declaração de
Constitucional n º Salamanca (1994)
14, 12/09/1986: Art. 2º
LDB 1996
Art. 3º

GRAFICO 8 - Relações enunciativas – Universalização do Ensino


(LOBO FILHO, Silvio – UFMS/PROPEDUC 2010)
190

Educação como
dever do
Estado.

Registro na
Declaração dos
Direitos da
Criança (1959)
Princípio7º

Registro na Registro no
Declaração de Estatuto da
Jomtiem (1990): Criança e do
art. 3º Adolescente
(1990)- Art. 54

GRAFICO 9 - Relações enunciativas – Não discriminação


(LOBO FILHO, Silvio. – UFMS/PROPEDUC 2010)
191

Obrigatoriedade
e Gratuidade do
ensino básico

Registro na
Declaração de
Jontiem (1990):
Aert. 3º

Registro na Lei de
Diretrizes e Bases Registro na
da Educação Declaração de
Nacional (1996): Salamanca (1994):
Art. 4º 3

GRAFICO 10 – Relações Enunciativas – Obrigatoriedade e Gratuidade do Ensino Básico


(LOBO FILHO, Silvio. – UFMS/PROP/Programa de Pós-Graduação em Educação 2010)

A demonstração do processo de articulação, derivação, transformação, correlação


entre enunciados, não se opera apenas na vertente da identificação conceitual, mesmo porque,
a essência da arqueogenealogia não são os significados textuais, mas as regras que
movimentaram as relações enunciativas. Por tal razão optou-se por um recorte dos
documentos internacionais apresentando um demonstrativo dos dados enunciativos
submetidos a encadeamentos, mediante o processamento de engrenagens correlativas que se
mostram presentes em diversas formações discursivas (conjunto de enunciados) projetados
como documentos/discursos que se derivam uns dos outros compondo uma árvore
enunciativa.
A produção discursiva, a história do já-dito, advém de rupturas que são momentos de
extrema movimentação social desencadeadora de acontecimentos discursivos. A Declaração
de 1789, fruto de guerras e lutas, de submissões e independências, demonstram a implicação
de toda uma mudança nas sociedades, nos processos culturais, econômicos, políticos e sociais,
enfim, de uma história que se escreveu não por um sujeito, mas por circunstâncias provocadas
por sujeitos históricos identificados ou não, líderes ou anônimos.
192

A referência à Declaração de 1789 se justifica por ser uma data referencial


emblemática a partir da qual há incidências que conduziram a criações e re-criações de outros
momentos, processando novos comportamentos, estabelecendo novas configurações de
direitos, novas organizações em sociedades, movimentando-se de tempos em tempos como
placas tectônicas que se aproximam ou se distanciam.
São demandas naturais dos povos nos fluxos das civilizações, adequando-se
socialmente nas divergências e convergências de interessses, sendo representados na maneira
como foram sendo sedimentados os interesses por episódios sucessivos e representativos
determinados pela mobilização popular, das elites, isto é, dos estratos sociais como jogo de
controvérsias, provocando e promovendo significativos fatos para mediações e
enfrentamentos como a Revolução Francesa, Revolução Industrial, a imposição da hegemonia
capitalista, o movimento comunista socialista, as manifestações operárias trabalhistas, as
súplicas, requerimentos e exigências das minorias, enfim, o aparecimento e desaparecimento,
a transformação e adequação de saberes gestados no jogo do poder.
É certo que os enunciados aqui relacionados: Educação para Todos; Universalização
do Ensino; Não discriminação; Educação Dever do Estado; Obrigatoriedade e Gratuidade do
Ensino Básico, que se perfilam nas políticas públicas atuais no Brasil e que se tornaram
dispositivos legais correntes em várias Leis e na Constituição da República, foram
consolidados em mais de dois centenários de constantes mobilizações para se alcançar a
construção de idéias plantadas em ideais. São leis que historicamente foram sendo construídas
- ou conquistadas – em permanentes lutas no emprego da força do verbo, das verbas e das
armas., nas lutas dos povos, das classes e dos indivíduos..
Paralelo à mobilização das comunidades atingidas mais diretamente pelas
consequências dos atos de governo, dos fatos privados, das imposições do capital, das
ingerências econômicas, regras foram sendo construídas no mundo político, social, econômico
e cultural, mediante o crivo das relações de poder, implementadas em um processo constante
de institucionalização.
São regras que nascem dos litígios, composições, antagonismos, enfrentamentos, e
que influenciam os enunciados mediante articulações, relações, transformações, enfim,
processando correlações com os enunciados anunciados nos documentos legais que dão
suporte de fundamento à Judicialização.
As contradições que se pontuam entre um e outro documento é que alimentam a
própria existência do discurso fazendo-o variar no tempo, como resultado de jogos instalados
193

nas relações de poder, dos quais pode-se destacar os conflitos econômicos e políticos que
dinamizam em suas hegemonias contrapostas pelos movimentos sociais, a própria formação
de conceitos.
A periodização utilizada pela história tradicional tenta agrupar e dar um sentido de
continuidade, razão porque definem períodos na história da educação brasileira como espaços
de acontecimentos político-econômicos. Como exemplo podemos citar: No Brasil Colônia, o
Período Jesuítico (1500-1759), ainda no Brasil Colônia o Período Pombalino (1759-1822), no
Brasil Império (1822-1889), Na Primeira República (1889-1930), Na Era Vargas (1930-
1945), No Nacional Desenvolvimentismo (1945-1964), no período militar (1964-1984), na
transição democrática (1984 em diante).
Esses momentos históricos apontam para uma serie de embates que se refletem em
variadas legislações, muitas em decorrência de ações reformistas presenciando a inserção de
novos enunciados no plano educacional a demonstrar um percurso político institucional
governamental no qual a educação tem seu tratamento inicial como “instrução”, não sendo
questão prioritária nos programas de governo.
Evoluindo a cada período e retrocedendo em outros, a educação foi submetida a
alternâncias entre momentos de exercício democráticos e outros de cunho autoritário, até
alcançar sua inscrição como direito social na Carta de 1988.
A Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, Jomtiem (1990), em seu
preâmbulo, trás uma análise da realidade de quarenta anos de luta internacional pela educação
destacando a persistência de problemas de grande gravidade como a falta de acesso ao ensino
primário para mais de 100 milhões de criança:

Há mais de quarenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal


dos Direitos Humanos que ‘toda pessoa tem direito à educação’ [...] Ao mesmo
tempo, o mundo tem que enfrentar um quadro sombrio de problemas, entre os quais:
o aumento da dívida de muitos países, a ameaça de estagnação e decadência
econômicas, o rápido aumento da população, as diferenças econômicas crescentes
entre as nações e dentro delas, a guerra, a ocupação, as lutas civis, a violência: a
morte de milhões de crianças que poderia ser evitada e a degradação generalizada do
meio ambiente. Esses problemas atropelam os esforços envidados no sentido de
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, enquanto a falta de educação
básica para significativas parcelas da população impede que a sociedade enfrente
esses problemas com vigor e determinação. (DECLARAÇÃO.DE JOMTIEM,
1990). […] A mobilização das representações das nações conduziu a transformação
da educação em prioridade política nos mais diversos países seguindo a via traçada
por constituições como: a Constituição Francesa de 1848 contendo um programa de
direitos sociais, entre os quais o direito à educação; a dos Estados Unidos Mexicanos
(1917) ‘[...] art. 3º - a educação primária será obrigatória’; a primeira Constituição
da URSS (1918) ‘[...] propõe-se dar instrução completa, universal e gratuita aos
194

operários e camponeses mais pobres’; A Constituição alemã de Weimar (1919) ‘[...]


a educação das jovens gerações, com vista a fazer-lhes adquirir as qualidades físicas,
intelectuais e sociais, é o primeiro dever e direito natural dos pais; a sociedade
política vigia o modo como eles o cumprem [...]’; na Constituição Italiana de 1947,
art. 38 ‘[...] aos inaptos e aqueles que sofrem de uma inferioridade [...]’ o ‘[...]
direito à educação e à preparação profissional [...]’.

Toda preocupação, propostas e objetivos contidos na Declaração de Jontiem (1990)


foram objetos de avaliação pela Cúpula Mundial de Educação em Dakar, Senegal (2000),
verificando que o mundo ainda contava com 113 milhões de crianças fora da escola primária e
880 milhões de adultos analfabetos.30
Isto demonstra que o conjunto enunciativo do direito à educação vem sendo tecido há
mais de um século, notabilizando-se como um discurso universal proposto como caminho
único para emancipação e autonomia do ser humano.
Postulados encartados nos múltiplos discursos sobre desenvolvimento conflitam-se
com a realidade impondo a elaboração de novas concepções dentro de uma visão humanista.
Diz-nos Monteiro (2003, p. 776):

A 8 de setembro de 2000, os chefes de Estado e de governo dos Estados-membros


da Organização das Nações Unidas, reunidos em Nova York, proclamaram a
Declaração do Milênio. É uma histórica reafirmação dos ‘propósitos e princípios da
Carta das Nações Unidas, que mostraram ser intemporais e universais’ (par. 3), e da
conseqüente obrigação de ‘promover a democracia e fortalecer o império do direito
e o respeito de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
internacionalmente reconhecidos, incluindo o direito ao desenvolvimento, (par. 24).
Para realizar o direito ao desenvolvimento, foram adotados oito objetivos
internacionais que os Estados - Membros das Nações Unidas se comprometeram a
concretizar até ao ano 2015. O primeiro é a redução da pobreza extrema e da fome.
O segundo é a garantia da educação primária a todos.

Toda discussão respeitante ao desenvolvimento tem como primado a figura do


homem como centro de todo os processos indo contrapor-se à concepção economicista injusta
de desenvolvimento como crescimento econômico, motivadora inclusive da criação de um
ramo do direito internacional denominado “Direito Internacional do Desenvolvimento”.
Argumentação contraposta se apresenta como sendo o direito ao desenvolvimento antes de
mais nada um direito para a educação do homem.
Os marcos conceituais da educação, antes da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) 1996, podem ser identificados nas legislações precedentes e

______________
30
Dados da Declaração de Dakar (2000).
195

esparsas, que são a Lei 4024/61, a Lei 5540/68, a Lei 5692/71 e a Lei 7044/82, desprovidas de
uma centralidade e sistemacidade.
Como já afirmado, o projeto de lei destinado a estabelecer as diretrizes e bases da
educação nacional como competência privativa da União, obteve já em dezembro de 1988 o
início da sua tramitação, sendo vivenciado um rico momento de discussão que alcançou os
principais segmentos da educação em todo o Brasil sob a liderança do Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública.
Entre as discussões que antecederam a aprovação da LDB/96 resultando em um
projeto bastante abrangente e o texto aprovado de autoria do Senador Darci Ribeiro, podem
ser identificados alguns enunciados não validados e a inserção de outros enunciados não
contemplados na redação fruto do debate nacional.
Dentre os enunciados não validados é possível citar a ausência de uma clara
normatização a respeito do funcionamento das instituições privadas de ensino que pudesse
contemplar a participação direta do corpo docente na estrutura de definição pedagógica na
qual fosse incluída a questão da qualidade e de forma expressa a liberdade de manifestação e
associação dos professores.
Outro ponto enunciativo que no projeto participativo que antecedeu ao substitutivo
Darci Ribeiro foi inserido como consenso e não foi convalidado no processo de aprovação da
LDB/96 foi a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais através da proibição
de cobrança de taxas dos alunos.
A luta desenvolvida pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública tinha
também por objetivo a participação da comunidade brasileira representada pelo Fórum
juntamente com o Conselho Nacional de Educação e Ministério da Educação, nas ações
voltadas a proposições e avaliações da educação nacional, criando-se um processo de maior
democratização.
A não validação desse conjunto enunciativo revela-se como uma estratégia de
interdição do discurso democrático da gestão nacional da educação na medida em que, ao
excluir o Fórum como uma das vertentes representativas da nação brasileira na fixação de
políticas e controle da educação nacional, optou-se por persistir no retrocesso político
educacional mantendo-se a visão parcial da burocracia estatal.
Na trama da formação do discurso das diretrizes e bases da educação nacional
identificam-se também condições de possibilidades históricas do discurso estabelecidas por
196

correlações arqueológicas, que são relações de subordinação ou de complementaridade do


discurso (FOUCAULT, 2000)
Essas relações podem ser identificadas com os documentos internacionais retro
relacionados: Declaração de Jomtiem, Declaração de Nova Delhi e Declaração de Salamanca,
destacando-se ainda as determinações do Banco Mundial como regras para financiamento da
educação.
Fonseca (1996, p. 232-233) enfatiza as determinações do Banco Mundial, ao fixar
suas prioridades nos documentos de analise da educação mundial:

No final da década de 70, o interesse do Banco direcionou-se para a educação


primária (quatro primeiras séries), doravante considerada como a mais apropriada
para assegurar às massas um ensaio mínimo e de baixo custo, para a consecução das
novas diretrizes de estabilização econômica. [...] essas diretrizes constituem
condição indispensável para o alcance do desenvolvimento sustentável, pelo fato de
que a intensificação do crescimento demográfico agride a integridade dos recursos
naturais e, portanto, interfere na qualidade de vida do mundo ocidental. [...] A
política do Banco Mundial para a educação primária tem sido fundamentada por
estudos populacionais [...]. Os resultados atribuem ao nível primário maior
capacidade de preparação da população feminina para a aceitação das políticas de
planejamento familiar e também para o estímulo à intensificação de sua participação
na vida produtiva, especialmente no setor agrícola. [...] De acordo com o documento
setorial do BIRD (Banco Mundial, 1980) a distribuição dos recursos do Banco para
os diversos níveis de ensino confirma a importância do nível primário: se até a
metade dos anos 70, esse nível beneficia-se com apenas 1% dos créditos do Banco,
na década de 80 essa taxa cresceu para 43%.

Durante a construção discursiva da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


nos momentos de elaboração dos seus enunciados conceituais, a manifestação das relações de
poder são expressadas pelas imposições e determinações do Banco Mundial a que o País teve
que subordinar-se, visto ser entidade financiadora da educação nacional, subsidiária do
discurso do Planejamento Político-Estratégico do MEC, determinante na normatização do
ensino fundamental.
Essas inter-relações enunciativas entre Declarações Internacionais (Nova Delhi,
Salamanca, Jomtiem) e Banco Mundial, como um recorte na analise do discurso do direito à
educação e sua judicialização, dão mostras claras do jogo das correlações existentes na fase
pré-discursiva, constituindo-se o a priori histórico do discurso.
No jogo das relações de poder podemos afirmar que o modelo arqueológico do
discurso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional atende ao modelo determinante
das Instituições Internacionais, dando feição a uma restrição de expectativas no campo
educacional na medida em que o planejamento estratégico nacional, voltado para a educação
197

básica e ensino superior, pauta-se pela restrição de recursos financeiros, fazendo desaparecer
sem perceber a questão dos suportes financeiros na entoação do discurso da necessidade de
novos contornos teóricos funcionais da gestão da educação.
A produção do direito à educação, enquanto subsídio da judicialização da educação,
foi permeada pelas relações de poder geradas por regras, imposições, determinações, jogos de
composição e antagonismos, na fase de edificação dos discursos, revelando-se como jogos de
forças na gestão das sociedades, capitaneadas pelo sistema capitalista, no qual as insurgências
de oposição por maiores que sejam suas capacidades de insurreição, ainda se curvam à
dominação que tem um ritual próprio com procedimentos que naturalizam o domínio, o
controle, a sujeição, estimulado pelos processos de produção.
Há um combate permanente travado pelos múltiplos setores da sociedade no espaço
público e privado frente a composição de enunciados formadores de discursos, emergidos nas
superfícies do conhecimento como verdades postas (emergência), razão da afirmação de que
os discursos sofrem influencias dos sujeitos históricos, os mais variados que se notabilizam
nas práticas sociais.
A genealogia nada mais é que a pesquisa da proveniência e da emergência (Herkunft
e Entstehung) objetivada a mostrar as relações de força e o confronto que se processa na
produção dos saberes ao longo da construção enunciativa dos discursos.
A emergência inicial do discurso do direito à educação foi o seu aparecimento
acoplado ao discurso dos direitos humanos, formado descontinuadamente em um longo
período, mas que não se materializa como verdade universal ante a inexistência de um saber
absoluto, pois, o saber emerge em meio à violência que caracteriza a regra discursiva que
impõem condições de domínio.
Já o discurso da judicialização da política e da judicilização da educação polarizam
atenções pela grande abrangência aplicativa, somada a interferência ideológica de
Instituições, o estabelecimento de um novo paradigma na ação de Estado comandada pelo
neo-constitucionalismo, as novas competências do Judiciário e do Ministério Público, das
Polícias e dos Conselhos Tutelares, tornando o espaço do discurso um amplo campo que estão
sendo delimitados pela subjetividade dos sujeitos (Julgadores) na visão discricionária dos
princípios e valores constitucionais.
As técnicas de reescrita dos enunciados do direito à educação, forjados nos
movimentos sociais mundiais e entidades internacionais, em documentos e leis culminaram
198

por ceder enunciados importantes ao movimento constituinte de 1987/88, passando a integrar


a Constituição Federal de 1988.
A função do discurso da judicialização no campo das práticas educativas ainda se
mostram como incógnitas frente aos conflitos institucionais (Legislativo, Executivo,
Judiciário), no que respeita a recursos públicos e políticas públicas.
Aos educadores, o interesse maior na compreensão do discurso da judicialização,
ante a expectativa da efetivação do direito à educação, porém, o entendimento primeiro de
euforia, tem se contraposto à realidade das determinações judiciais que se esbarram em suas
execuções aos impedimentos financeiros, orçamentários, instrumentais, materiais, físicos,
humanos, enfim, de toda sorte.
O ajuste e entendimento dos fenômenos políticos, econômicos, sociais, frente às
estruturas institucionais, às técnicas jurídicas, às jurisprudências, às doutrinas e grupos
doutrinários, as práticas jurídicas, educativas e sociais, estão presos a uma tecnologia de
poder, formam uma rede de relações a que os discursos estão submetidos e que impõe regras
do seu aparecimento, apropriação e utilização.
199

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo buscou em todos os momentos exercitar estratégias de produção do


conhecimento que descem conta de lidar com o campo do discurso da “Judicialização da
Educação” por meio de suas regras (práticas discursivas e domínios não-discursivos), segundo
as quais, são formados objetos, enunciações, conceitos e verdades, fabricados por práticas
culturais que ganham diferentes significados e responsabilidades nas instituições
representativas qualificadas como detentoras de saberes/poderes, atribuídos por diferentes
segmentos sociais.
Constatou-se que essas possibilidades ocorrem em redes distributivas, não
necessariamente localizadas, mas sempre demarcadas por tramas discursivas, ponto em pauta
as intervenções dos jogos políticos, dos processos econômico-financeiros e das articulações
institucionais possíveis, permitindo gerar outras superfícies de emergências.
Neste exercício identificaram-se, as grades de especificações tendo a finalidade de
compreender a formação das modalidades enunciativas e dos conceitos e, de entender como
foram operacionalizados seus processos de intervenção, em tentativas de estabelecer
regularidades de enunciados, pela delimitação do domínio de validade e pelas restrições
impostas ao próprio discurso funcionalizadas por relações de poder.
Desconstruir os discursos da Judicialização da Educação exigiu percorrer suas fases
de elaboração e re-elaboração enunciativas, seguindo a linha de aproximação das práticas
sociais pinçando os fatores que permitiram o seu aparecimento, circulação, apropriação e
interpretação, remetendo para isso à dispersão dos seus enunciados e suas descontinuidades,
procedimentos necessários para registrar suas possíveis regularidades enunciativas capazes de
compor uma nova formação discursiva.
Partindo das formações estratégicas que são as opções teóricas formadoras do
discurso, foi possível verificar os temas/teorias que comandam a judicialização da política e o
direito à educação, aos quais a judicialização da educação é integrada. A judicialização é um
discurso que vem sendo construído na maioria dos países, em decorrência de um rearranjo da
compreensão da política de globalização mundial, em relação aos planos políticos, jurídicos e
200

econômicos, acompanhados por reformas dos Estados, decorrentes da readequação dos modos
de produção, conduzindo por essa trilha todos os setores da sociedade sob as influências das
relações determinadas pelo atual modelo imposto pelo sistema capitalista.
Isso nos posssibilitou localizar onde se alojam e fundam-se os discursos da
Judicialização na Educação. Enquanto pilares podemos afirmar que seu lastro se alinha ao
neo-constitucionalismo, responsável pela conformação dada a um novo ordenamento jurídico,
melhor expressado com a aprovação da Constituição Federal de 1988, no caso do Brasil.
Isso impôs o surgimento de novas tipologias no campo dos direitos (individuais,
fundamentais, coletivos, humanos, sociais, difusos, ambientais) e as relações deles
decorrentes provocou outras espécies de demandas às quais o positivismo normativista não
mais conseguiu responder, embora ainda seja as bases das relações jurídicas hoje.
Nessa composição dos direitos de terceira e quarta gerações, somados aos de
primeira e segunda, o direito à educação ocupou lugar de importância ante seu histórico de
mais de dois séculos de conquistas sedimentadas por embates e lutas alimentadas pelos
movimentos sociais e entidades internacionais, além do interesse maior despertado pelas
profundas transformações no modelo econômico mundial, exigindo a produção de mão-de-
obra com novas capacidades ante os requisitos de competências, criatividades e
competitividades.
Sob mencionado panorama mundial, novas configurações jurídicas foram dadas aos
Poderes da República, ocorrendo a cedência de certa supremacia ao Poder Judiciário em
relação ao Executivo e Legislativo, sustentada pela implantação da teoria do ativismo judicial,
tendo no primado do império da constituição por seus princípios, valores e diretrizes o
alicerce das ações de intervenção nos mais diversos domínios da vida.
A teoria da judicialização na concepção do ativismo judicial constitui o centro neural
teórico conceitual do discurso em análise por ser o nexo causal da reconstituição das relações
de poder na sociedade contemporânea, via de conseqüência, numa total reestruturação da
agenda estatal determinada a pautar todos os domínios do conhecimento. A judicialização da
educação seguiu esse modelo teórico marcado por pontos de ligação de uma sistematização,
sendo determinante no processo de formação de objetos, enunciações e modalidades
enunciativas, exercendo uma reprodução estratégica em outros espaços, mas tendo as mesmas
conseqüências.
Como artefato para rápida apreensão e aceitação pública da judicilização da
educação pela sociedade, o discurso emergiu nas mais diversas superfícies de sua inscrição,
201

sob a moldura jurídica da efetivação do direito à educação, a ser implementado, em um


primeiro plano pela atuação do Ministério Público (M.P.), institucionalmente reformulado e
assegurado por novas atribuições, competências e poderes concedidos pelos diferentes
dispositivos reguladores, macros como a Constituição Federal (1988) e a Lei Orgânica do
Ministério Público e os regulamentos específicos como programas de governo.
Com a utilização de novos instrumentos normativos processuais e poder de ação o
M.P. passou a deter força operacional agregada ao apoio das estruturas policiais como
coadjuvantes das suas intervenções. Além da possibilidade mobilizadora do Ministério
Público a ordem jurídica autorizou a provocação do Poder Judiciário, por intermédio da
interposição de ação judicial de autoria de qualquer cidadão que sentir-se lesado em seus
direitos protegidos pelas normas constitucionais consagradas em princípios.
Todo aparato processual construído pelo discurso da Judicializaçao da Educação
apresenta finalidades claras de implantação de novos sistemas de controle da sociedade, sob a
estratégia consolidada na concessão de vitórias processuais como importantes ganhos
judiciais no campo da educação, favoráveis aos autores das ações judiciais.
O aceno protecionista e paternalista da judicialização da educação emprestou vigor
ao discurso implantado na turbulência dos questionamentos sobre os novos momentos da
sociedade brasileira vividos sob a custódia do Poder Judiciário, ao império das decisões
judiciais construídas sob princípios constitucionais subjetivos mapeados em proposições
normativas.
Entre os dados levantados neste estudo ficou explicitado que o discurso da
judicialização da educação aplicado no Estado de Mato Grosso do Sul está representado pelos
processos judiciais ajuizados contra o Conselho Estadual de Educação, Secretário de Estado
de Educação e Dirigentes de Estabelecimentos particulares de ensino, estando composto por
diversos enunciados, dentre os quais: o ensino fundamental obrigatório e gratuito inclusive
aos que não tiveram acesso na idade escolar; o acesso aos níveis mais elevados de ensino,
segundo a capacidade de cada um; a igualdade de acesso e permanência na escola e a teoria
do fato consumado.
No que tange às decisões jurisprudenciais no Brasil foram apontados vários objetos
do discurso da judicialização da educação, dentre eles: merenda escolar, transporte escolar,
falta de professores, condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência, adequação
do prédio escolar, vaga em pré-escola, transferência compulsória de alunos, criação de cursos,
problemas disciplinares, fechamento de salas de aulas, caancelamento de matrículas, licença
202

gestante, progressão continuada, ato infracional da criança e do adolescente relacionados ao


ambiente escolar.
A análise do discurso da judicialização foi desenvolvida em conjunto com o discurso
do direito à educação e da judicialização da política, por serem componentes de um mesmo
discurso operacionalizados em conjunto, razão de se buscar os enunciados da judicialização
da política pontuados como: a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente
contempladas em seu texto e independente de manifestação do legislador ordinário; a
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de
políticas públicas; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do
legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
Constituição.
Em sendo o Ministério Público a principal instituição responsável pela provocação
do Poder Judiciário em matéria de judicialização da educação, o discurso correspondente aos
seus poderes, competências e atribuições somado a concepção institucional sobre a
judicialização mostrou-se como dados qualitativos importantes para a investigação, razão de
se pontuar os seus enunciados: revolução procedimental; soberania complexa; representação
política e funcional, dinâmica política e social da cidadania; hipossuficiência da sociedade
brasileira e visão tutelar da sociedade brasileira pelo Ministério Público e Poder Judiciário.
Todos os enunciados mencionados e outros componentes dos discursos não
relacionados nestes levantamentos, mas integrantes do teor dos discursos, são decorrentes de
diversas regras determinadas pelas relações de poder, dentre as quais estes estudos puderam
identificar as seguintes:
1. A interferência dos setores institucionais econômicos e financeiros constituídos
pelo sistema capitalista na produção das políticas públicas educacionais,
operando restrições às posições defendidas pelos educadores, pelos movimentos
sociais e por outros segmentos partícipes das discussões produzidas pelas
conferências, audiências públicas, encontros, congressos e grupos de trabalho,
que significavam cláusulas importantes para o desenvolvimento da educação. O
Banco Mundial como instituição que lidera outras agências financiadoras da
educação no plano internacional, veio meter-se a permeio na produção das
políticas públicas educacionais no Brasil por assessoramento eivado de
exigências e delimitações;
203

2. Priorização da universalização da educação básica e do ensino profissionalizante


como práticas discursivas de inclusão pelo viés da exclusão, em razão de se levar
em consideração a objetivação pretendida da formação de mão de obra e a não
priorização da educação para a consciência crítica;
3. A verticalização e centralização dos processos de gestão da educação,
representada nas avaliações, produção dos livros didáticos, currículos,
programas, conteúdos e formação dos professores, como pontos determinantes de
controle;
4. Limitação dos investimentos sociais pelo Estado e estabelecimento conseqüente de
medidas de contenção orçamentária produzindo redução no volume de recursos
orçados somados a não aplicação de recursos programados;
5. Alteração da linguagem simbólica utilizada nas políticas públicas de educação,
com retoques nos conceitos dos objetos da educação, como estratégias de desvios
das finalidades, consequência dos ditames da nova ordem econômica mundial.
(alteração de igualdade para equidade, etc);
6. Determinações jurisdicionalização das questões educacionais segundo novos
parâmetros da prestação jurisdicional;
7. O discurso do Ministério Público contendo afirmações de ser a sociedade
hipossuficiente base da criação de princípios como a soberania complexa e a
representação funcional que representam a negação da soberania plena e a
liberdade do cidadão, ferindo o sistema democrático instituído pela Constituição
Federal de 1988.
Mencionadas regras aqui apontadas compuseram o jogo das leis de formação dos
enunciados estabelecendo o que se denomina de trama discursiva, das múltiplas ingerências
produzidas e que são correlacionadas com às inter-relações enunciativas produzidas entre os
discursos da Constituição de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que em suas composições temáticas enunciativas
cederam enunciados que passaram a integrar a formação discursiva da judicialização da
educação, como direitos possíveis de serem buscados via prestação jurisdicional.
A interveniência do Poder Judiciário na educação demonstra a intensidade dada no
último decênio ao controle do indivíduo, ampliando os pilares de sustentação da
disciplinarização, aumentando a tecnologia de poder e a determinação de verdades.
204

O discurso do direito à educação acoplado aos direitos humanos teve seus primeiros
marcos enunciativos na passagem da modernidade para a contemporaneidade, servindo como
pano de fundo para a ruptura com o absolutismo e a ascenção da burguesia ao poder.
Sob fortes embates e decisões, sua principal e primeira escritura documental a
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), tornou-se referência temática mundial
proporcionando à educação espaço institucional e grande mobilização das sociedades e
entidades internacionais razão da sua inscrição posterior nos mais diversos tratados, pactos e
declarações internacionais e nas mais diversas Constituições dos países do mundo.
A educação consolidou-se como questão política e dever governamental difundida
como área de vital importância ao desenvolvimento do ser humano e dos Países, demandando
constantes produções de estudos, levantamentos, análises e pesquisas, objetivando-se
conhecer o quadro situacional mundial.
Os dados quantitativos e qualitativos obtidos, retratados em documentos produzidos
por organizações congregadoras dos mais importantes países foram difundidos e seqüenciados
por recomendações que se seguiram à intensa mobilidade institucional em ações de caráter
planejativo e de financiamento mundial.
Essa e outras exigências do setor econômico tornaram os embates políticos mais
acirrados ante a determinante posição de adoção de novas configurações do papel do Estado,
construídas sob o paradigma do capitalismo mundializado firmado pelos nós das correntes
que guarnecem os interesses do capital resumidos ao consumo e lucro.
O despontar de diferentes exigências do mercado proporcionou a destruição das
políticas de investimentos sociais e alimentou composições entre os setores privados de
produção e o público estatal objetivadas ao estabelecimento de políticas de preparo da mão de
obra competente e de qualidade indispensável à economia.
A educação, preleccionada como direito de todos, e, já inserida na grande maioria
das constituições dos países do mundo torna-se objeto da produção discursiva mundial
capeada pelas necessidades de desenvolvimento do homem. O Brasil, vindo de mais de vinte
anos de regime autoritário recepcionou no processo constituinte de 1987/88 os principais
documentos internacionais, tratados, declarações, acordos e pactos vindo a inserir o direito à
educação como um dos pontos mais importantes da Constituição Federal de 1988, festejados
com uma espécie de agradecimento popular à classe política ao atendimento das necessidades
sociais e à concretização dos ideais da cidadania.
205

Construído sob o caráter principiológico o direito à educação foi qualificado na C.F.


de 1988 como direito público subjetivo, portanto, não dependendo de qualquer norma
regulamentadora para sua aplicação. No entanto, mereceu dos Governos seguintes à
promulgação da Constituição de 1988 a criação de uma serie de dispositivos normatizadores
editados por Leis, Decretos, e atos administrativos, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (96), do Estatuto da Criança e do Adolescente (90), do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF/2001), do Fundo de Manutenção Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (FUNDEB/2007), da Emenda Constitucional nº 53 (2006), do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação (2007), do Plano Nacional de Educação (PNE/2001), do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/2007), do Indice de Desenvolvimento da
Educação (IDEB), a par de numerosos outros documentos produtores de políticas públicas em
educação.
As normas, planos, diretrizes e metas, documentos compostos em políticas públicas
educacionais foram sempre, de forma direta ou indireta, subsidiados internacionalmente em
sua elaboração teórica e definição orçamentária financeira, constatando-se em várias
oportunidades artimanhas políticas aplicadas no bojo das tramitações legislativas, objetivadas
a suprimir as pré-inserções elaboradas por projetos ou por emendas efetuadas pelos
educadores e movimentos sociais que as consideravam como pontos de avanço.
Atrelada a financiamentos internacionais a educação jamais pode desprender-se das
amarras dos interesses capitalistas e submeteu-se ao estabelecimento de delimitações e
contenções, com propensões a manter as estruturas hierarquizadas, centralizadas e
verticalizadas, características mostradas indispensáveis para o pleno exercício do controle dos
sujeitos e da sociedade.
A convocação política da educação para a mesa central da instância governamental
jamais representou atendimento democrático aos interesses da nação brasileira, ou a
renovação das linhas condutoras das concepções administrativas educacionais visando a
necessária transformação da sociedade. A veemência convocatória se ligou(a) às imposições
dos processos de produção que comandam a elaboração de políticas públicas, delimitadas do
teto ao piso por medidas fixadas pelos parâmetros econômicos como suportes indispensáveis
a suprir a voracidade do parque de acúmulo do capital
Todo esse amálgama em que se sustenta o direito à educação não oferece qualquer
respaldo de legitimição aos discursos da sua efetivação. A judicialização da educação atrelada
206

à mesma dinâmica do discurso da judicialização da política tem induzido, nas correntezas do


leito das suas ações, à novas formas de organização da sociedade de controle objetivadora da
construção de subjetividades, tendo como acontecimento a criação de uma aristocracia
judiciária protagonizadora da invasão do direito em todos os segmentos sociais operando a
remodelação do processo de emancipação em processo de regulação.
A resistência no mundo das idéias e das práticas ainda se mostra tímida conforme o
registro do reduzido número de investigações nesse campo e as posições pautadas na teoria da
efetividade do direito à educação pela judicialização.
A ingerência do sistema político-econômico em todos os campos do conhecimento
formou um imbróglio provocado pelos agentes econômicos e políticos, entre si pactuados. Foi
possível constatar a engenhosa artimanha executada com objetivo de deslocar o foco da
atenção da comunidade educacional, nos embates das políticas públicas de educação, da
interferência da economia nas políticas públicas para o discurso da judicialização da
educação, sob o argumento de respaldo da Constituição da República destinado a dar
efetividade ao direito à educação
O discurso da judicialização da educação que se molda à judicialização da política e
se completa com o discurso do direito à educação, tem sua formação discursiva imposta
também por determinações tais como:
1. A convocação da educação para atender a formação do sujeito para as novas
competências exigidas pelo mercado de trabalho - Ajuste para o
desenvolvimento econômico;
2. A reforma do Estado com a implantação do neo-constitucionalismo, neo-
positivismo e Estado democrático de direito - A força normativa constitucional
na concessão do poder discricionário à justiça em julgamentos subjetivos
fundados em valores e princípios;
3. A supremacia do poder judiciário perante os demais poderes da república. A
submissão do poder governamental e legislativo às decisões judiciais- A teoria
da superação do modelo de separação dos poderes do Estado.
4. As novas competências e posições assumidas pelo Ministério Público. A
consideração da sociedade como hipossuficiente, em posição autoritária e
paternalista, anulando a cidadania dos excluídos dos bens sociais – A
reconstrução da Instituição do Ministério Público sob nova identidade
institucional.
207

Se de um lado, o império do poder econômico quer e domina as políticas


educacionais aos seus interesses e vantagens, do outro, a hipertrofia das competências do
Poder Judiciário sob a argumentação do cumprimento dos princípios constitucionais
interferem diretamente em todos os segmentos da educação, estabelecendo, com a prepotência
da coerção, ordens judiciais a serem cumpridas em assuntos políticos, a despeito dos
operadores judiciais não estarem investidos das funções representativas da soberania popular,
portanto, afrontando o princípio primordial que norteia a Constituição Federal de 1988.
Não bastassem os conflitos causados por tais domínios e controles, a mitigação dos
poderes do governo refreiam a participação democrática da população na produção das
políticas públicas, na gestão da educação e nas principais decisões administrativas funcionais
da escola.
A argumentação sustentada pelo Ministério Público como protagonista da efetividade
do direito à educação, na obsessão pelo poder de gerir a Pátria, chega a cair no absurdo do
anacronismo ao afirmar ser a sociedade civil brasileira hipossuficiente (incapaz de defender
autônomamente seus interesses e direitos). Afirmação essa que representa uma visão tutelar e
paternalista, mas, sobretudo autoritária por expressar entendimento de que o desenvolvimento
da cidadania dos despossuídos só será possível via instituição (intervenção do Ministério
Público nos conflitos sociais e políticos – ativismo voluntarista).
Eis a abordagem do processo de substitucionismo da sociedade civil pela atuação do
Ministério Público, na gerência, cuidados e defesa dos seus direitos. A afirmação de que tal
processo está garantido pela posição do M.P. como guardião da democracia, assegurando o
respeito aos princípios e normas que garantem a participação popular, aponta a exasperação
das suas competências e projetam ações para além do circulo delimitativo da sua atuação,
exercendo uma soberania e poder que não possui.
Mencionadas práticas discursivas, regras a que os enunciados do discurso da
judicialização da educação foram e estão submetidos, deram os contornos à sua formação
discursiva possibilitando sua emergência no campo das políticas.
Toda argumentação da judicialização da educação baseada na efetivação do direito à
educação como caminho para o desenvolvimento social sustentável e a abertura do judiciário
aos tradicionalmente desprovidos de acesso, se verga ante as práticas jurídicas formadoras
desse discurso, mostradas opostas a essas afirmações.
A posição do discurso da judicialização da educação sustentada pelas práticas
discursivas e não discursivas relacionadas, tão logo quanto possível, está a exigir dos atores
208

da educação um agir diferenciado e determinado pela insurreição frente aos regimes de


verdades apresentadas, com a marca reflexiva de um novo formato libertário da educação, da
escola e dos próprios atores de todo esse processo.
A inefetividade de políticas públicas de educação e a não concretização dos direitos à
educação determinam a procura por renovadas ou novas opções que atendam aos princípios
constitucionais, garanta a promoção da justiça social e educacional, sem a anulação da
cidadania, como propõe alguns segmentos do judiciário.
Observa-se que as correlações enunciativas processadas na formação do discurso da
judicialização da educação resultaram em formações teóricas, fórmulas conceituais
apresentadas como verdades no sentido de que a judicialização representa práticas de
liberdades, instrumento de caráter produtivo na concepção estético-moral, mas, esconde a sua
face oculta do recrudescimento da dominação, opressão, coerção e controle.
Em parte, a habilidade operativa dos domínios influenciadores das relações
enunciativas do discurso da judicialização da educação conseguiu dar condições de
emergência aos objetos do discurso da judicialização da educação à superfície do campo
jurídico-processual proporcionando imediatamente no plano cognitivo-prático dos sujeitos
uma visão de atendimento aos seus interesses.
Mencionada tática discursiva tem sido muito bem aplicada, pois caracteriza,
aparentemente, um acontecimento inusitado para o autor da ação judicial proposta, pois, ao
receber o teor da sentença judicializante, com decisão a si favorável, enxerga nos resultados
alcançados a vitória que soa como gritos de desassombro e transforma o atendimento judicial
(prestação jurisidicional) como um medicamento material e psicológico sagrado surgido da
fonte estatal para curar a ferida produzida pela não concessão dos direitos constitucionais
legítimos, negados ano após ano nos planos políticos institucionais governamentais.
Eis a realidade contemporânea que se tem apresentado com muita clareza no
cotidiano do cidadão. São fatos vivenciados na práxis do cidadão comum e dos muitos
sujeitos excluídos do acesso aos bens sociais, mais uma vez objetos da manipulação política,
econômica e institucional. São fatores marcantes que motivam reflexões no sentido de se
repensar a promessa da educação emancipadora, redentora, capaz de varrer do quintal da
miséria todas as maldades sociais, antiga promessa iluminista, bravamente perseguida e não
alcançada, pois que pautada nos interesses do capitalismo.
Mais que isso, a atual situação criada com a judicialização da política educacional
manifesta-se como um rearranjo do sistema de produção capitalista para a educação,
209

substituindo a promessa da emancipação pela promessa da judicialização da educação como


um novo caminho que tem por único objetivo a obtenção da adesão plena dos sujeitos aos
direitos à educação, como caminho para sua projeção e inclusão.
Sabe-se que as concessões judiciais só ocorrerão na medida e grau que
interessem(arem) ao funcionamento da economia e aos interesses institucionais do Ministério
Público e Poder Judiciário. Todo procedimento de acionamento judicial está prestes a servir
como mecanismo de grande eficácia para inserção de mudanças sem rupturas moldada
estrategicamente como maneira proveitosa de atender ao sistema ocupacional dos postos de
trabalho, substituindo as antigas formas de recrutamento.
O surgimento da discursividade da judicialização da educação nada mais representa
que uma nova forma de organização da sociedade de controle, da construção de
subjetividades, como acontecimento que se desloca de um poder ao outro para que sejam
perdidos os referenciais das lutas sociais passadas.
Foi possível constatar que os discursos da judicialização, mesmo em tempos e
espaços diferentes e formas múltiplas de apropriação, compõem o mesmo campo conceitual,
podendo falar da mesma coisa, pois pertencem a uma mesma formação discursiva. Procedeu-
se então ao recolhimento das identidades e continuidades temáticas e das correlações
conceituais para poder compreender essa formação discursiva.
Os enunciados ligam-se uns aos outros, sempre em redes, inclusive no sentido de
uma reescrita, de um reaparecimento, de uma recomposição, às vezes com novos conteúdos,
representando um campo pré-conceitual. São redes de conceitos na qual se verificaram
compatibilidades e incompatibilidades que seguem regras de práticas discursivas. Isto permite
visualizar as regras de formação do discurso pelas quais são operadas coações discursivas.
Foi necessário demarcar as superfícies de emergência nos diferentes espaços da
sociedade, (Poder Judiciário, Ministério Público, Escolas, Instituições Policiais, Conselhos
tutelares) nas diferentes épocas e nas diferentes formas de discurso. É impositiva a
determinação em descobrir as distintas e novas superfícies (família, trabalho, escola, direito,
cultura), tema para novas investigações.que premiem a descrição das instâncias de
delimitação, como o governo, a justiça, a escola, dentre outras que influenciaram as formas de
nomeação e de instauração das práticas judiciárias e educativas.
A análise das grades de especificação indicou os sistemas que permitiram separar,
opor, associar, agrupar, classificar os diferentes objetos do discurso, produzidos
especialmente pelos meios jurídicos, educacionais, econômicos, culturais e sociais.
210

A compreensão do regime dos objetos e dos sistemas de relações discursivas


possibilitaram compreender a forma em que foi sendo edificado o discurso da judicilização da
educação no Brasil, nascido no ventre da Constituição de 1988, mas, alimentado por
substâncias estranhas aos próprios objetivos democráticos constitucionais.
Este estudo revela as configurações enunciativas que possibilitaram os
acontecimentos compreendidos pela aprovação das normas de direito substantivo e de direito
adjetivo e a definição de políticas públicas em educação dentre outras.
É impossível afirmar que o direito à educação enfim encontrou sua efetivação, pois,
inúmeras variáveis influenciadoras relacionadas impedem essa efetividade, além das
mencionadas à questão da não implementação de políticas públicas concretas e pertinentes
aos objetivos maiores da educação nacional.
A produção de políticas públicas no Brasil tem seguido caminhos que não
possibilitam avanço e desenvolvimento necessários à educação. É necessário a revisão da
atuação dos educadores para que temas que interessem à renovação da educação seja inserida
nas cartas políticas, tais como: a vinculação e liberação de recursos públicos; a valorização
dos professores; a gestão democrática da educação; o alcance de padrões de qualidade de
ensino; a autonomia e competência administrativo-pedagógica; a democratização da
distribuição do conhecimento e o trabalho para elevação do conhecimento e cultura das
massas.
É necessário aprofundar a compreensão e participação do contexto político e sócio-
econômico como módulo influenciador e de contenção de medidas que atentem contra a
liberdade e a democracia; trabalhar no sentido de ampliar as práticas discursivas favoráveis à
educação no contexto das relações enunciativas; compreender o campo econômico, político e
social e as estruturas de formação das políticas públicas; compreender e atuar junto às forças
políticas e as redes de influencias que dinamizam a pré-produção de políticas públicas; buscar
ocupar espaços de influência junto aos grupos responsáveis pelas tomadas de decisões, abrir
caminhos de composição dos interesses da economia mundial pela educação com as
necessidades prioritárias da educação para a cidadania, compreendendo e processando
influencias nas regras das práticas não discursivas (instituições, processos sociais e
econômicas); e por fim, re-discutir e construir novas referencias teórico metodológicas da
análise das políticas educacionais.
211

O alcance parcial da universalização do acesso ao sistema escolar embora alardeado


como de muita importância, nada significará se não forem atingidas as outras fases do
percurso necessário à evolução da educação.
A judicialização como comando para criação e execução de políticas públicas,
mesmo com toda força interpretativa do judiciário no fundamento liminar ou sentencial “de
acordo com a constituição”, não possuirá poder determinante que imponha a priorização de
recursos públicos para a educação em montante possível para a solução das necessidades já
identificadas.
As decisões judiciais que apontamos em nossos levantamentos indicam a presença do
Estado, via Poder Judiciário, concedendo a tutela jurisdicional de direitos pontuais como
matrícula, transferência, validade de progressão, vagas, que por si só representam alguns
poucos ganhos no campo do direito à educação. Isto é muito aquém do mínimo necessário à
inclusão discutida e pretendida, pois há sempre um novo universo de novas contradições e
desigualdades, que geram a não superação da exclusão.
Se analisarmos apenas o aspecto da universalização do ensino fundamental é possível
certificar que o alcance dessa meta, mesmo que parcial, provocou novas demandas que se
refletem em princípio, na necessidade de expansão do ensino médio e superior impondo a re-
discussão e decisão sobre a qualidade de todo sistema e dos componentes do aparato
educacional.
Um resultado interessante desta pesquisa refere-se ao uso dos tribunais pelos grupos
de interesse e pela oposição frente à inefetividade das instituições majoritárias, justificando
que a judicialização é diretamente proporcional aos interesses econômicos e sociais, como
fatores estruturantes do sistema político, a impor ações que possam enfrentar tais posições
frente à falta de efetividade nas ações políticas dos Poderes Legislativo e Executivo, por suas
Instituições.
A judicialização da educação é um saber em constantes transformações processadas
por relações de força, mediante desenvolvimento estratégico permeado por táticas de poder, a
exigir uma aproximação das redes que permeiam as práticas sociais e que se convalidam no
espaço das táticas de controle social.
As condições de possibilidade de emergência do discurso da judicialização da
educação puderam ser desveladas na identificação das relações de poder que gestionaram o
percurso relacional e formativo dos seus enunciados a dar-lhe a moldura de instrumento de
sujeição e controle da sociedade.
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