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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Instituto de Medicina Social

Renata de Souza Carvalhaes

Entre laços e nós: narrativas de violência nas relações afetivo-


sexuais de adolescentes de uma escola na região Costa Verde (RJ)

Rio de Janeiro
2019

Confidential C
Renata de Souza Carvalhaes

Entre laços e nós: narrativas de violência nas relações afetivo-sexuais


de adolescentes de uma escola na região Costa Verde (RJ)

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Ciências Humanas e
Saúde.

Orientadora: Prof.ª Dra. Claudia Mercedes Mora Cárdenas

Rio de Janeiro
2019

Confidential C
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CB/C

C331 Carvalhaes, Renata de Souza


Entre laços e nós: narrativas de violência nas relações afetivo-sexuais
de adolescentes de uma escola na região Costa Verde (RJ) / Renata de
Souza Carvalhaes – 2019.
141 f.

Orientadora: Claudia Mercedes Mora Cárdenas

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,


Instituto de Medicina Social.

1. Sexualidade – Teses. 2. Adolescente – Teses. 3. Violência – Teses.


4. Corte – Teses. 5. Comportamento do adolescente – Teses. 6.
Comportamento sexual – Teses. 7. Pesquisa qualitativa – Teses. 8. Costa
Verde (RJ). I. Cárdenas, Claudia Mercedes Mora. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social. III. Título.

CDU 392.6(815.3)

Bibliotecária: Joice Soltosky Cunha – CRB 7 5946

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

_____________________________________ _____________________
Assinatura Data

Confidential C
Renata de Souza Carvalhaes

Entre laços e nós: narrativas de violência nas relações afetivo-sexuais de


adolescentes de uma escola na região Costa Verde (RJ)

Dissertação apresentada como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Ciências Humanas e
Saúde.

Aprovada em 25 de abril de 2019.


Orientadora: Profª. Dra. Claudia Mercedes Mora Cárdenas
Instituto de Medicina Social - UERJ

Banca Examinadora:

Prof.ª Dra. Maria Luiza Heilborn


Instituto de Medicina Social – UERJ

Prof.ª Dra. Vanessa Leite


Instituto de Medicina Social – UERJ

Prof.ª Dra. Carolina Parreiras Silva


Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Marcos Antônio Ferreira do Nascimento


Fundação Oswaldo Cruz

Rio de Janeiro
2019

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DEDICATÓRIA

Às meninas da minha vida que irão adolescer, Mariana, Sabrina e Isabella.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Claudia Mora, pela oportunidade, dedicação,


pela troca, conhecimento compartilhado, sensibilidade, acolhimento em momentos
difíceis, encorajamentos e chás compartilhados.
À professora Maria Luiza Heilborn e ao professor Marcos Nascimento pelas
valiosas contribuições que ofereceram para o desenvolvimento deste trabalho, em
particular, no momento da qualificação.
Às professoras e professores do CHS/IMS, que, por meio de aulas e
conversas, contribuíram para minha formação acadêmica e para o desenvolvimento
desta dissertação.
Sou grata às professoras Carolina Parreiras, Maria Luiza Heilborn, Vanessa
Leite e ao professor Marcos Nascimento, que aceitaram o convite para compor a
banca, e aos professores que a compõem: Horacio Sívori, Adriana Pinho e Corina
Mendes.
Às funcionárias do IMS, por todo o apoio institucional, sempre dado com
muito carinho e respeito, em especial à Aline Santos, à Eliete Ester, e à Silvia
Constâncio.
Aos professores Corina Mendes e Marcos Nascimento, do Instituto Fernandes
Figueira, por dividirem seus conhecimentos através da disciplina cursada.
Ao professor Andrés del Rio, por possibilitar o estágio docente em sua
disciplina, pelas discussões e aprendizado sobre Direitos Sociais e o cuidadoso
retorno sobre o ato de lecionar.
Agradeço aos colegas do mestrado por ter podido desfrutar da companhia,
conversas, trocas, risadas, angústias divididas e por todo apoio durante este
percurso – Vitor Lobato, Paula Colodetti, Iolanda Salles, Carolina Marcondes,
Alexandre Costa, Nádia Fagundes. Em especial à Viviane Mattar, à Julianna
Coutinho e à Alessandra Brigo.
Agradeço à escola, a todos funcionários que me acolheram e contribuíram
durante a pesquisa.
Em especial, aos adolescentes por toda alegria, atenção, pelos aprendizados,
conversas, por compartilharem seus sonhos, entusiasmos, suas dores, sensibilidade

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e força. Por me afetarem e me fazerem continuar acreditando na potência de
encontros.
Ao projeto Florescer, e a toda equipe com quem atuei, que direcionou meu
olhar para a psicologia de outro modo, de forma mais possível e bonita. Dora Lorch,
merece meu reconhecimento pela generosidade, por compartilhar conhecimento e
pela condução sensível do grupo.
Agradeço à Adriana Lorêdo, à Alana Calado e à Vanessa Farias pela
compreensão dos momentos de ausência no trabalho, por dividirem as reflexões e
as angústias geradas na escuta de violências, e por todo apoio nesta trajetória.
Agradeço às amigas e aos amigos pelo companheirismo, apoio, carinho,
cuidado, inspiração e por compreenderem meus momentos de reclusão, em
especial: Nadine Paixão, Adriana Hoffgen, Marina Pampuri, Célia Galdino, Fernanda
Ranieri, Marisa Volcian, Pedro Souza, Valdenir Silva, Alciana Paulino, Ricardo
Borges, Priscilla Gomes, Cleber Macedo, Marina Ramos, Carolina Guedes, Rodrigo
Santana e Lígia Xavier.
À Simone Lisboa e Matheus Prevot, meus agradecimentos pelos momentos
divididos, e principalmente por terem feito de seu lar meu lar, recebendo-me com
tanto carinho durante a jornada do mestrado.
À Marta Coser, por compartilhar o mesmo lar e mesmo pouco desfrutando de
minha presença não deixou de ter paciência e me incentivar.
À minha família pelo amor, por serem meu alicerce e os meus maiores
incentivadores, por me ensinarem que a educação é transformadora, por toda
compreensão diante da minha ausência. Às minhas sobrinhas, Mariana, Sabrina e
Isabella; aos meus irmãos, Robinson e Ronaldo; às minhas cunhadas, Cristiane e
Fernanda e aos meus pais, Elza e João, que são meu exemplo de vida e
persistência.

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Será

(Legião Urbana)

Tire suas mãos de mim


Eu não pertenço a você
Não é me dominando assim
Que você vai me entender
Eu posso estar sozinho
Mas eu sei muito bem aonde estou
Você pode até duvidar
Acho que isso não é amor

Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?
Oh, oh, oh, oh, oh, oh

Nos perderemos entre monstros


Da nossa própria criação
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Pra que esse nosso egoísmo
Não destrua o nosso coração

Será só imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?
Oh, oh, oh, oh, oh, oh

Brigar pra quê se é sem querer?


Quem é que vai nos proteger?
Será que vamos ter de responder
Pelos erros a mais, eu e você?

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RESUMO

CARVALHAES, Renata de Souza. Entre laços e nós: narrativas de violência nas


relações afetivo-sexuais de adolescentes de uma escola na região Costa Verde
(RJ). 2019. 141.f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina
Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Esta dissertação objetivou compreender como as violências nas relações


afetivo-sexuais são significadas por alunas e alunos adolescentes de uma escola
estadual da região Costa Verde do estado do Rio de Janeiro. Foi desenvolvida uma
pesquisa de cunho etnográfico, que incluiu observação participante de sete meses e
seis entrevistas em profundidade com moças e rapazes entre 18 e 24 anos, sem
distinção de orientação sexual. Os eixos de análise privilegiados foram: as trajetórias
afetivo-sexuais, as experiências que envolvem algum tipo de ação violenta no
relacionamento e as agências realizadas diante dos conflitos. Os resultados da
pesquisa revelam que as agressões entre casais se naturalizam no cotidiano e
reforçam a dicotomia vítima e agressor. Múltiplos relatos que envolvem algum tipo
de agressão não foram classificados como violentos, mas sim como experiências
adjetivadas negativamente. Os adolescentes pesquisados não costumam procurar
ajuda perante tais situações, pois, além de não significarem certas vivências como
violência, o receio de julgamentos morais produz uma seleção do que pode ou não
ser dito aos pares ou à família, sendo assim, há uma tendência em agenciar
sozinhos os conflitos vividos. A reprodução de padrões sociais de gênero,
especialmente nas experiências de namoro e “ficar”, contribui para a manutenção de
hierarquias e desigualdades que atingem a moças e a rapazes de diferentes formas.
O silenciamento a respeito do tema contribui para a invisibilidade da violência no
namoro e no “ficar”. Em contexto de acirramento do controle e homogeneização da
sexualidade e do gênero no âmbito escolar, a visibilização da violência no namoro
pode vir a ser considerada como mais um “problema” a tutelar em vez de contribuir
para o reconhecimento do adolescente como sujeito de direitos. Em outras palavras,
tais observações trazem à tona a relevância da problematização em torno da
dicotomia entre autonomia e tutela, em função da lógica de intervenção do Estado
em relação às políticas públicas sobre sexualidade e gênero dos adolescentes, e em
torno de um cenário político particular que tenta minar o diálogo sobre sexualidade
no âmbito escolar. Em suma, apresenta-se como desafio a ampliação desse diálogo,
de forma que contemple a reflexão sobre violência nas relações afetivo-sexuais, e a
expansão de estudos qualitativos que possibilitem melhor compreender este
fenômeno.

Palavras-chave: Adolescência. Sexualidade. Gênero. Relações afetivo-sexuais.


Violência.

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ABSTRACT

CARVALHAES, Renata de Souza. Between tiés and knots: narratives of violence in


the affective – sexual relationships of adolescents in a school in the Costa Verde
(RJ). 2019. 141.f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina
Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

This thesis aimed to understand how adolescent students of a state school


from the Costa Verde region of the State of Rio de Janeiro signify different types of
violence in affective-sexual relationships. An ethnographic research was developed,
which included participant observation of seven months and in-depth interviews with
six girls and boys between 18 and 24 years, regardless of sexual orientation. The
privileged axes of the analysis were: the affective-sexual paths, experiences, which
involve some kind of violent action in the relationship and the measures taken toward
conflicts. The results of the research unveil that aggressions between couples are
naturalized in daily life and reinforce the victim and aggressor dichotomy; that is,
multiple statements involving some type of aggression were not classified as violent,
but rather as negative experiences. The adolescents who were surveyed do not
usually seek help towards such situations, as well as they do not signify certain
experiences as violence, the fear of moral judgments produces a selection of what
may or may not be told to peers or the family, therefore, they tend to deal with these
conflicts by their own. The reproduction of gender social standards, especially in
dating and "seeing someone" experiences, contributes to the maintenance of
hierarchies and inequalities, which affect girls and boys in different ways. The
silencing on the subject contributes to the violence’s invisibility in dating and "seeing
someone". In a context of aggravating homogenization and control of sexuality and
gender within the school environment, making the violence visible in dating might be
considered as one more "problem" to be watched over, rather than contributing to the
recognition of the adolescent as a person entitled to have rights. In other words,
these observations bring to light the relevance of the problematization regarding the
dichotomy between autonomy and tutelage, according to the state's logic of
intervention regarding teenage sexuality and gender public policies, and regarding a
particular political scenario, which attempts to undermine the dialogue on sexuality in
the school environment. In short, the expansion of this dialogue arises as a
challenge, in a sense that it contemplates reflections on violence in the affective-
sexual relationships; and to expand qualitative studies, which make it possible to
better understand this phenomenon.

Keywords: Adolescence. Sexuality. Gender. Affective-sexual relationships.


Violence.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

BNCC Base Nacional Curricular Comum


CEPAL Comissão Econômica para América Latina e o Caribe
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DST Doença Sexualmente Transmissível
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
IST Infecções Sexualmente Transmissíveis
MEC Ministério da Educação
MMIRD Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos
MMFDH Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
ONU Organização das Nações Unidas
PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNAISAJ Política Nacional de Atenção Integral a Saúde de Adolescentes e
Jovens
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
STF Supremo Tribunal Federal
UBS Unidade Básica de Saúde
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................... 11
1 ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE: PROBLEMATIZANDO AS
CATEGORIAS DE CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA E SUA FUNÇÃO
SOCIAL .......................................................................................... 22
1.1 Adolescência e juventude ........................................................... 22
1.2 A construção de direitos ............................................................. 26
1.3 Sujeitos de direitos ou sujeitos tutelados: tensões no
reconhecimento dos direitos dos adolescentes ....................... 32
2 ESTABELECENDO RELAÇÕES: PESQUISADORA, ESCOLA E
OS DESAFIOS NO CAMPO .......................................................... 38
2.1 Mapeando o espaço escolar ........................................................ 38
2.2 Estratégias metodológicas .......................................................... 39
2.2.1 Trabalho de campo e as “saias justas” ........................................... 42
2.2.2 Entrevistas e seus múltiplos processos de afetamento .................. 46
3 SEXUALIDADE E AFETO NA ESCOLA ....................................... 57
3.1 Sociabilidade, afetos e espaço escolar ...................................... 57
3.2 Os roteiros do “ficar” e namorar ................................................ 61
3.3 As interações afetivas .................................................................. 67
3.4 A reputação das meninas em jogo ............................................. 71
3.5 “Namoro é um problema”: sexualidade e escola ...................... 73
3.5.1 A sexualidade nos espaços formais de aprendizagem .................. 80
4 VIOLÊNCIA AFETIVO-SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA ................ 86
4.1 Expressões da violência nos relacionamentos afetivo-
sexuais dentro do espaço escolar .............................................. 96
4.2 Os enredos da violência nas interações afetivo-sexuais 101
4.2.1 A dor silenciada .............................................................................. 110
4.2.2 As fronteiras entre o dito e o não dito: agenciando conflitos .......... 114
4.3 Os significados da violência no “ficar” e no namoro ............... 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................... 124
REFERÊNCIAS .............................................................................. 129
ANEXO – Roteiro de Observação Participante............................ 137
ANEXO B – Roteiro de entrevistas................................................. 138

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INTRODUÇÃO

Eu namorava escondida da minha mãe, era o melhor amigo do meu irmão,


ele tem 18 e eu 14. Ele é muito bonito e tem um monte de menina atrás
dele, fiquei com medo de não ter relação e ele procurar outra. Foi a minha
primeira vez, doía muito, ele perguntou se eu queria parar, eu disse para
continuar, não podia parar. Quando cheguei em casa sangrava muito, minha
irmã quando viu correu comigo para o hospital. Aí, mandaram pro Conselho
Tutelar, minha mãe vai denunciar na polícia, não queria, amo ele e agora ele
nem olha mais na minha cara, tá com raiva.

Tia, tá acontecendo um negócio diferente na minha vida. Gosto de menino,


sabe? Mas ando com um monte de menina sapatão. Uma delas veio me
dizer que gosta de mim e quer namorar comigo e se eu não quiser ela vai se
matar. Fiquei apavorada, sem saber o que fazer, gosto dela, ela é minha
amiga, não quero que se mate. Falei pra ela que namoro, mas não beijo na
boca. Eu gosto de menino!

Essas duas histórias me inquietaram por anos em minha trajetória


profissional, sinto que ainda inquietam e por essa sensação fui movida a
desenvolver a presente pesquisa. Tais narrativas aconteceram em momentos bem
distintos: a primeira, quando atuava em um equipamento da Secretaria de
Assistência Social e recebi o encaminhamento via Conselho Tutelar devido a
“estupro de vulnerável”; a segunda, trabalhando na Secretaria de Educação, ocasião
em que fui convocada a intervir junto à aluna devido ao seu comportamento
indisciplinar e não em razão de seu relacionamento.
Questionava-me como os adolescentes vêm se relacionando, o que esperam
de um relacionamento, sobre os limites em uma relação, o cuidado com o outro e
consigo próprio, dentre tantas outras perguntas. Minha atenção foi despertada, ao
longo do percurso profissional, sobre como o exercício sexual de adolescentes é
alvo de controle e julgamento em diversas instituições que lidam com esse público,
ao mesmo tempo em que existe uma estratégia de silenciamento frente à questão,
que vem à tona apenas quando algum acontecimento é considerado negativo.
Atuo há 12 anos como psicóloga e atendendo pessoas que vivenciam
violência. No decorrer desse tempo, atendi crianças, adolescentes, mulheres, idosos
e passei por diversos locais de trabalho: Delegacia de Defesa da Mulher, Projeto
Florescer da Fábrica1, Centro de Referência Especializado em Assistência Social

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1Florescer da Fábrica era um projeto sem fins lucrativos, contava com a participação voluntária de
um grupo de psicólogos e estagiários de psicologia e funcionava apenas aos sábados em salas
cedidas pelo Educandário Dom Duarte na cidade de São Paulo. O objetivo do projeto era atender

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(CREAS) e atualmente trabalho em uma Secretaria de Educação.


Com o passar dos anos, tenho percebido que a sexualidade de adolescentes
é um desafio às instituições, estas têm uma dificuldade enorme em se abrir para um
diálogo franco que reflita e reconheça o direito ao exercício da sexualidade. Ao tratar
das vivências de violência no relacionamento afetivo-sexual, os casos que
chegavam para atendimento sempre estavam interligados à Lei de Estupro de
Vulnerável2, logo, relações com rapazes com mais de 18 anos. As outras narrativas
de violência surgem ao decorrer do diálogo, mas as demandas que as levam ao
atendimento sempre são outras, como: indisciplina, briga com colegas,
comportamento agressivo, etc.
Ficam as perguntas: por que as instituições não encaminham os casos de
violência no relacionamento afetivo-sexual de adolescentes? Esses assuntos não
ganham visibilidade? Caso ganhem, por que não são encaminhados? Os serviços
entendem que a questão trata de uma responsabilidade do adolescente ou se veem
como atores importantes na prevenção de violências e na garantia de direitos?
Parte considerável dos relacionamentos afetivo-sexuais de adolescentes
acontece escondida da família, e, quando não é, poucos adolescentes têm uma
conversa aberta com seus pais. É difícil um diálogo que extrapole as orientações
sobre prevenção, proibições e imposição de regras. Muitas vezes, a descoberta de
que os filhos estão envolvidos afetivamente acontece porque algo fugiu do controle
do adolescente, como a situação da primeira história narrada; uma gravidez, algum
tipo de violência física, ameaças graves, ou outras situações entendidas como
problemáticas para os adultos, como por exemplo, a adolescente estar envolvida
afetiva e/ou sexualmente com um homem mais velho com grande diferença de
idade.
Ao longo dos anos, tive acesso a diversas histórias que envolvem algum tipo
de abuso nas relações de adolescentes, como: controle e ciúmes excessivos,
violência física, sexual e psicológica, automutilação e tentativa de suicídio devido a
desilusões amorosas, ameaças, perseguições e cárcere privado.
Geralmente os casos que chegam são de meninas. O que faz com que os

___________________________________________________
crianças e adolescentes encaminhados pelas unidades escolares devido à vivência de violência
intrafamiliar. Era realizado atendimento individual às crianças e aos adolescentes e atendimento em
grupo com os familiares. O projeto iniciou em 2002 e parou de funcionar no ano de 2011.

2 Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009.

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rapazes não sejam encaminhados aos serviços? Eles não sofrem violência nos
relacionamentos? O que faz com que as violências sofridas pelos meninos sejam
invisibilizadas?
Chama a atenção que muitas narrativas dos adolescentes sobre suas
relações afetivo-sexuais, que eu classificaria como violência, na maioria das vezes
não têm a mesma leitura por parte deles, fato que intriga, pois, o que faz com que
essas situações ganhem diferentes significados?
Diante da baixa visibilidade da temática, é imprescindível compreender a
importância de alargar os conceitos de violência. Uma vez que estes nem sempre
são apreendidos pelos adolescentes nos relacionamentos. Isso posto, questiono: o
que os adolescentes interpretam e entendem como violência nas suas relações
afetivo-sexuais?
Esta pesquisa objetiva, portanto, analisar os modos como a violência se
constrói nas trajetórias afetivo-sexuais ao decorrer da adolescência e como são
interpretadas por alunas e por alunos de uma escola estadual da região Costa Verde
do estado do Rio de Janeiro.
A pesquisa é de cunho etnográfico, cujo material empírico resulta dos diálogos
desenvolvidos em observação participante no pátio da escola e por meio de
entrevistas que resgatam a trajetória de vida. Busquei compreender, a partir do olhar
dos adolescentes, as diversas formas de entendimento sobre violência nas relações
afetivo-sexuais; analisar quais aspectos das normas de gênero e sexualidade podem
aparecer como influência para o estabelecimento de conexões entre os pares (desde
o interesse, a aproximação, a paquera até a relação afetivo-sexual) e a constituição
de relacionamentos e ações violentas; investigar as agências realizadas pelos
adolescentes frente à violência em suas relações afetivo-sexuais.
Levanto como hipótese que a maneira como os adolescentes interpretam e
agenciam a violência nos relacionamentos afetivo-sexuais pode contribuir para que a
problemática continue “invisibilizada”, assim como creio não ser possível falar em
violências simétricas, pois a roteirização sexual, a organização social e as
moralidades em torno do gênero acontecem de formas desiguais,
consequentemente, as manifestações da violência também.
Para abordar a violência nas relações afetivo-sexuais é importante
compreender como os adolescentes concebem a sexualidade, os valores, as
moralidades que atravessam suas experiências, e como se constituem as

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desigualdades de gênero. É importante refletir sobre como acontecem as trocas de


informações, quem são seus informantes principais e as normas vigentes nessas
referências.
Ao analisar essas questões, faz-se necessário considerar e situar alguns
contextos sociais e políticos em torno da discussão sobre sexualidade e direitos
sexuais. No âmbito familiar, escolar e de saúde, são deficitários os espaços de
conversas que abordem as relações, os afetos, as negociações, as violências, o
respeito, os limites individuais e das parceiras e dos parceiros, e, quando existe
diálogo, é em torno da saúde sexual e reprodutiva.
Ainda que as políticas focalizem na saúde sexual e reprodutiva, as leis que
respaldam os direitos de crianças e adolescentes não são explícitas ao tratar dos
direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes. Segundo Pirotta e Pirotta
(2005), os setores mais conservadores da sociedade apoiam-se em tal omissão e no
caráter de negação da sexualidade presente na legislação para limitar o acesso de
adolescentes à educação sexual, e à orientação e distribuição gratuita de métodos
anticoncepcionais.
O país passa atualmente por grandes retrocessos de direitos adquiridos pela
população. Grupos conservadores e religiosos têm atacado fortemente as
discussões que envolvem sexualidade e gênero com adolescentes. Há um intenso
movimento contrário ao que chamam de “ideologia de gênero”, em que os críticos
contestam o gênero como uma construção social e acreditam que essa “ideologia”
induz à destruição da família “tradicional”, das relações de gênero e da “ordem
natural” (biológica) (MATTOS e VELOSO, 2017).
Facchini e Sívori (2017) sintetizam que as implicações sociais desse
empreendimento conservador servem para bloquear avanços legislativos referentes
à diversidade sexual e de gênero, por meio da criminalização de comportamentos,
do manuseio de pânicos morais3 e da distorção de argumentos científicos. Uma das
tentativas de minar esse debate de gênero e sexualidade se dá com a criação do

___________________________________________________
3 Os pânicos morais emergem de medo social, de temor coletivo diante de uma ideia de um suposto
perigo e ameaça aos valores e interesses da sociedade. Segundo Miskolci (2007) e Miskolci e
Campana (2017), baseado no conceito de Cohen (ano), o pânico moral surgiu para caracterizar a
maneira como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem perante alguns
rompimentos de padrões normativos. Sendo assim, a noção de “ideologia de gênero” opera na lógica
do pânico moral, que tem por função alarmar para poder controlar o que os grupos conservadores e
religiosos acreditam ser uma ameaça.

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projeto de lei nº 867/2015 conhecido como “Programa Escola Sem Partido”4.


Esse projeto tem como objetivo alcançar uma “neutralidade” política e
ideológica. Seus formuladores acreditam que o aluno é vulnerável no processo de
aprendizagem, com isso estaria em uma posição frágil e suscetível a “doutrinações”
feitas por professores, portanto esses temas deveriam pertencer ao âmbito familiar.
Essa resistência contrária a debates que envolvem gênero e diversidade
sexual vem ganhando cada vez mais força. Já é possível ver seus reflexos, com a
supressão das palavras “gênero” e “orientação sexual” de documentos emitidos pelo
Ministério da Educação (MEC), como em 2014 com o Plano Nacional de Educação 5
(PNE) e em de 2017 na Base Nacional Curricular Comum6 (BNCC).
Há alguns anos, o pânico moral, principalmente, em torno da “ideologia de
gênero” vem crescendo na sociedade com auxílio dos mais diversos tipos de
(des)informações espalhadas através das mídias e das redes sociais. Esse
movimento tomou grandes proporções no período eleitoral em 2018. Momento em
que o candidato a presidência e atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, defensor
do projeto de lei do “Programa Escola Sem Partido”, teve sua campanha endossada
pelo discurso de doutrinação realizada por professores nas escolas e a excessiva
divulgação de “Fake News”7 sobre a distribuição do “kit Gay”8 e do que ficou

___________________________________________________
4 Segundo Algebaile (2017), o Escola sem Partido foi criado em 2004 a partir de um “movimento” e
iniciativa de estudantes e pais preocupados com o grau de “contaminação político-ideológica das
escolas brasileiras”. Têm por intuito dar “visibilidade a esses acontecimentos dentro da escola”. A
atuação é feita principalmente por um site que funciona como um meio de veicular ideias,
instrumentalizar denúncias e dissipar maneiras de vigilância, controle e criminalização que os
organizadores entendem como “práticas de doutrinação”, estas identificadas em aulas, livros
didáticos, outras atividades e materiais escolares. O Projeto de Lei compõe o programa de ação do
Escola sem Partido “como um instrumento estratégico de mobilização e propaganda, quanto como
um instrumento jurídico- político de controle da escola que, no entanto, não precisa de sua plena
vigência jurídica, propriamente dita, para produzir os efeitos desejados” (p.70).
5O Plano Nacional de Educação (PNE) foi criado para determinar diretrizes, metas e estratégias para
a política educacional no período de 2014 a 2024.
6A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o
conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham
assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que
preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2017).
7 O termo em inglês, “Fake News”, é utilizado para fazer menção a notícias falsas que são publicadas
na internet, nas redes sociais, no WhatsApp como se fossem reais e seu conteúdo é comumente
ligado a questões políticas.
8Nome atribuído por opositores ao kit de materiais educativos do “Projeto Escola sem Homofobia”.
Esse projeto visava implementar o Programa Brasil sem Homofobia pelo Ministério da Educação e
desenvolver ações que promovessem a garantia de direitos humanos e a respeitabilidade das

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popularmente conhecido como “mamadeira de piroca9”.


Passada a eleição, surgiram diversos vídeos e postagens que denunciavam
professores “doutrinadores”, esses vídeos foram comentados nas redes sociais do
candidato eleito à presidência. Em dezembro de 2018, o Congresso Nacional tentou
votar o projeto de lei do “Programa Escola sem Partido”, porém, após muitas
resistências de opositores do projeto, ele foi arquivado.
Os discursos propagados em defesa do “Escola sem Partido”, de que
crianças e adolescentes devem se proteger do que é dito e propiciado pela escola,
repercutiram no imaginário de uma parcela da população, ideias que também
atingiram os adolescentes. Exemplifico essa situação com um caso, ocorrido no
campo, em que uma aluna pede à bibliotecária indicação de livros livres de
“ideologias”.
A escola que sempre foi um local privilegiado para fornecer informações e
promover debates, no âmbito da sexualidade, tem um papel relevante para alunas e
para alunos pertencentes às camada populares (HEILBORN et. al., 2006), agora,
perante ao “Escola sem Partido”, a instituição escolar é significada como possível
“inimiga”, que deve ser vigiada e controlada. Tal situação traz um quadro que
aumenta o medo e a insegurança de profissionais ao abordar temas sobre
sexualidade e gênero. Esse cenário reforça preconceitos, exclusões e dificulta, ainda
mais, o surgimento de debates sobre violência nos relacionamentos de
adolescentes.
Exponho a seguir uma breve apresentação da literatura que norteou este
trabalho e que integra a construção do objeto da pesquisa. Inicio com algumas
problematizações sobre a violência, esta entendida como uma das possíveis
expressões do ser humano e, por ser atravessada e influenciada por fatores
históricos e culturais, pode manifestar-se nas sociedades de maneiras distintas,

___________________________________________________
orientações sexuais e identidade de gênero no ambiente escolar (LEITE, 2014). O projeto originou de
uma emenda parlamentar proposta, em 2007, pela Deputada Fátima Bezerra (PT-RN), a partir de
articulações da AGBLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais no Congresso Nacional. Na época o Ministro de Educação era Fernando Haddad. Na
fase final de aprovação no MEC, o projeto foi suspenso e a distribuição foi vetada pela presidente
Dilma Rousseff em maio de 2011. O deputado Jair Bolsonaro foi um dos primeiros a manifestar
contrariedade ao material do “Projeto Escola sem Homofobia” e, em 2018, ao concorrer como
candidato a presidente da república da divulgação de Fake News sobre o “Kit gay” com o intuito de
atingir o, também candidato, Fernando Haddad, que ficou conhecido como o idealizador do Kit.
9“Mamadeira de piroca” refere-se à suposta distribuição em creches e pré-escolas de mamadeiras
em que o bico era em formato de pênis.

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cada uma com suas peculiaridades.


Existem características e tipologias da violência. De acordo com o Relatório
Mundial de Violência e Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS) (KRUG et.
al., 2002, p. 5), a violência é definida como:

O uso intencional de força física ou do poder real ou em ameaça, contra si


próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que
resulte em qualquer possibilidade de lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação.

Violência juvenil é um tema associado às violências praticadas por


adolescentes e por jovens, como as violências de gangues, nas escolas e nas ruas.
Ela está entre os tipos de violência mais visíveis da sociedade (KRUG et al, 2002).
Já as violências sofridas nos relacionamentos de adolescentes dificilmente são
citadas, elas podem ser manifestadas através de abusos físicos, sexuais e
psicológicos.
A violência é fundamentalmente um problema social, que acompanha a
história e as transformações da humanidade, logo afeta a saúde (MINAYO, 2013).
Segundo Dahlberg e Krug (2007), a Organização Mundial de Saúde reconhece a
violência como um problema de saúde pública, sendo passível de ações preventivas,
entretanto há grupos que defendem que as ações devem ocorrer na área da justiça
criminal.
No entanto, as autoras ponderam que o judiciário concentra sua atenção nas
violências visíveis, principalmente a violência juvenil, deixando de lado outras
modalidades, como as violências praticadas entre parceiros íntimos. O foco destas
são as que ocorrem entre parceiros adultos, os casos que afetam relacionamentos
adolescentes permanecem invisibilizados.
Há pouca referência à violência nas relações afetivo-sexuais de adolescentes
em documentos como o Relatório Mundial de Violência e Saúde (KRUG et al, 2002),
que inclui um capítulo específico sobre a violência por parceiros íntimos. Os dados e
reflexões trazidos mencionam a mulher adulta como vítima. A violência no
relacionamento de adolescentes é citada rapidamente em dois momentos: um para
assinalar a existência de programas de prevenção primária; outro para elucidar os
escassos programas escolares que pretendem debater a violência nos
relacionamentos íntimos. O referido relatório pondera que esses programas tendem

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a ser iniciativas de órgãos que visam prevenir a violência contra a mulher.


Caridade e Machado (2006) destacam três pontos frágeis para pesquisar
relações violentas nos relacionamentos entre adolescentes: a própria definição de
violência; a dificuldade de acessar a população adolescente e jovem e a escassa
produção acadêmica sobre o tema.
Os primeiros estudos sobre violência em relacionamento afetivo-sexuais são
norte-americanos e canadenses, que surgem na década de 80. A temática foi
ganhando seu espaço em outros países como Portugal, México, Espanha, Brasil,
entre outros. De modo geral, a literatura sobre a temática é pequena e, no Brasil, os
trabalhos vêm crescendo a partir da última década, sendo as publicações mais
relevantes de meados de 2010.
Na pesquisa realizada por Oliveira et al. (2011) em 10 estados brasileiros,
identificou-se que 86,9% dos jovens foram vítimas e 86,8% já praticaram algum tipo
de violência no namoro10. As violências podem ocorrer de diversas formas e
acontecer simultaneamente, tanto meninos quanto meninas podem ser
perpetradores e vítimas da violência, e as taxas das agressões praticadas por
ambos são similares (Oliveira et al., 2011 e CARIDADE & MACHADO, 2006).
Os dados sobre a violência em relações de adolescentes trazem um novo
prisma ao conceber as violências vividas pelos rapazes. Esse fato nos instiga a
problematizar o modo como as questões de gênero se manifestam nesse contexto
etário e admitir que moças e mulheres também são agentes nas cenas de violência.
A perspectiva de gênero que orienta as análises do campo de pesquisa é da
filósofa Judith Butler (2016). Piscitelli (2002; 2008), ao fazer um resgate sobre a
construção da teoria de gênero, assinala que Butler é uma das maiores críticas do
conceito de gênero, pois aponta a necessidade de discussão em torno dos
pressupostos que se assumem a partir do sexo/gênero. Butler “pensa gênero como
o mecanismo segundo o qual se produzem e naturalizam noções do masculino e

___________________________________________________
10
A estatística geral dessa pesquisa destoa de outras na área que apresentam números menores.
Acredito que a grande diferença epidemiológica se dê em função das diferentes metodologias
utilizadas nas pesquisas. Foi aplicado pelo Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e
Saúde Jorge Careli da Fundação Oswaldo Cruz o questionário Conflict in Adolescent Dating
Relationships Inventory (CADRI). A CADRI é uma escala com 70 itens, os quais 25 aferem violência
sofrida, 25 violência praticada e 20 que distraem o jovem da ênfase no tema da violência, esses não
constam na análise. (MINAYO, ASSIS e NJAINE [org.], 2011).

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feminino, mas também como o mecanismo mediante o qual esses termos são
desconstruídos e desnaturalizados” (PISCITELLI, p. 266, 2002)
Segundo Butler (2016), o gênero é relacional e performado, não é possível
universalizarmos os sujeitos e separá-los entre homens e mulheres como se cada
categoria carregasse em si um único modo de ser e de agir. Os sujeitos são plurais e
cada um é atravessado, constituído e socializado de diferentes formas e por distintas
culturas. Essa construção é feita a partir de um processo de produção
discursiva/cultural.
Gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos
diferentes contextos históricos, pois o gênero estabelece interseções com raça,
classe, sexualidade e identidades discursivamente constituídas. O resultado é que
se tornou impossível separar a noção de “gênero” das interseções políticas e
culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.
Para pensar as interações afetivo-sexuais, parto da noção de roteiros sexuais
(Gagnon, 2006), onde se entende que o desejo, o processo de paquera e os
comportamentos sexuais são aprendidos por via de interações sociais, culturais e
por processos subjetivos.
Para problematizar a violência, tomarei como respaldo o conceito de
“violência relacional” proposto por Gregori (1993). Parte-se da ideia de que as
relações violentas se constituem como uma linguagem na dinâmica da relação,
sendo assim, ambos os parceiros participam da cena de violência. Rompendo com o
lugar engessado de vítima atribuído à mulher. Reconhecer que mulheres também
praticam violência não representa desconsiderar as assimetrias e desigualdades de
gênero, pois, como é bem sabido, histórica e estatisticamente são as mulheres as
maiores vítimas de agressões físicas graves e do homicídio praticado por parceiros e
ex-parceiros.
As análises das ações das moças e rapazes diante dos conflitos e violências
serão realizadas pela ótica do conceito de agência apresentado por Ortner (2006),
em que considera que todos os sujeitos possuem agência, mesmo estando em
situações de desigualdades e subordinação. A agência se desenrola de forma
interativa e negociada nas relações.
A análise das interações na escola apoia-se no conceito de sociabilidade de
Simmel (2006), que aborda sobre a forma da vida societária, ou seja, o modo de
estar com o outro, para o outro, contra um outro, são interações transparentes,

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lúdicas e autônomas, que “ganham vida própria”, são livres de laços e conteúdos e
existem por si mesmas. As interações no ambiente escolar são importantes por se
tratar de um espaço significativo para as descobertas e vivências da sexualidade.
Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos, considerações finais e
uma seção de anexos, a qual contém: Anexo A – Roteiro de observação
participante; Anexo B - Roteiro de entrevista e Tabela 2 – Perfil sócio educacional
das/os entrevistadas/os. Saliento que as músicas referenciadas nas epígrafes foram
mencionadas pelos adolescentes ao decorrer da pesquisa11.
O capítulo um discute a noção de adolescência como uma construção sócio-
histórica, cultural e diversa. É abordada a construção do adolescente como sujeito
de direito a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em
seguida, são elencados os marcos legais que possibilitaram o reconhecimento dos
direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes. Por fim, apresento os
tensionamentos gerados entre autonomia e tutela adolescente.
O capítulo dois trata da metodologia da pesquisa e aborda informações sobre
o locus da pesquisa, o aporte teórico que respalda as estratégias metodológicas
escolhidas. Traz ainda uma descrição sobre a observação participante e as
entrevistas, discutindo os desafios encontrados ao longo do processo de pesquisa e
contém um breve perfil dos entrevistados e uma tabela de identificação de todos
interlocutores presentes nesta pesquisa.
O capítulo três inicia-se com uma descrição do campo de pesquisa e com o
enfoque na sociabilidade no pátio escolar. Em seguida, é abordada a aprendizagem
dos roteiros sexuais e sua influência na sexualidade dos adolescentes, como
acontecem as interações afetivo-sexuais, o processo de aproximação e conquista e
tomada de iniciativa diante do interesse de uma moça ou de um rapaz. Logo em
seguida, trago reflexões sobre as desigualdades de gênero e os diferentes pesos de

___________________________________________________
11 Desde o início do trabalho de campo percebi que a música era algo muito presente no contexto
escolar, fosse pelos fones de ouvido ou pelas rodas de música, em que estudantes tocavam violão e
cantavam. Em uma tarde, um rapaz narra a cena que havia acabado de acontecer: ele, os amigos e
um professor fizeram uma roda, tocaram violão e cantaram a música “Será” do Legião Urbana. Ele
relata esse momento com muita empolgação e abraçado a um amigo novamente canta a música, a
qual é a epígrafe desta dissertação. Após esse episódio, decidi por fazer um diário de campo de
música. Nele contém as músicas que os estudantes diziam ouvir quando estavam tristes em função
de uma garota ou de um garoto. Ao me falarem sobre as músicas, repetiam a letra, às vezes
cantavam ou me emprestavam o fone de ouvido para que eu escutasse.

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julgamentos e valores morais para rapazes e moças diante do exercício da


sexualidade. Também discuto sobre o controle exercido pela escola em relação ao
namoro dos adolescentes, as diferentes cobranças e restrições com parceiros
heterossexuais e homossexuais e sobre a homossexualidade dentro do espaço
escolar. Finalizo com reflexões a respeito dos debates sobre sexualidade realizados
nos espaços formais de aprendizagem.
O capítulo quatro parte da discussão dos principais aportes teóricos para
análise das situações de violência narrados na pesquisa, são eles: a violência nos
relacionamentos afetivo-sexuais de adolescentes; a categoria de “relacionamento
abusivo”; a teoria de “violência relacional”; a construção da “vítima” e teoria de
agenciamento. Em seguida, discorro sobre narrativas de violência vividas e
praticadas nos relacionamentos afetivo-sexuais entre adolescentes e três casos em
que surge a figura do adulto como violador. Termino com problematizações acerca
do significado da violência, a rede de apoio e as formas de agenciamentos
acionadas diante dos conflitos e da violência.
Após o panorama descrito, reforço ser necessário ir além dos conceitos
preestabelecidos da violência e das definições a priori da adolescência e
sexualidade como um “problema social” (LENOIR, 1996). Contextualizo que esta
pesquisa não tem por objetivo refletir a violência a partir de categorias fixas.
Compreendo, assim como Minayo (2013, p. 22), que: “por ser um fenômeno
complexo e multicausal que atinge todas as pessoas e as afeta emocionalmente, a
violência foge a qualquer conceituação precisa e causal”. Assim sendo, analisei os
dados do campo etnográfico e das entrevistas pela ótica sócio histórica, a partir do
conceito de gênero e suas intersecções com classe, raça e sexualidade e baseada
na perspectiva de “violência relacional”, que entende mulheres e homens como
autores e receptores de violência.

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1 ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE: PROBLEMATIZANDO AS CATEGORIAS DE


CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Este capítulo visa problematizar a adolescência como uma categoria


homogênea e atrelada ao desenvolvimento físico e psicológico e considerar como
uma etapa heterogênea e construída histórica e socialmente. Porém, a cronologia
exerce uma função social e, a partir dela, são construídas as políticas públicas para
as fases da vida. Com isso, apresento políticas importantes para o surgimento dos
adolescentes como sujeitos de direitos e detentores de direitos sexuais. O
surgimento das políticas representa um grande avanço, mas ainda colocam grandes
desafios frente a adolescentes tutelados e adolescentes com autonomia para
exercerem seus direitos. Saliento que parte dos autores utilizados na análise traz
para o cerne da discussão as questões que envolvem a juventude, contudo, entendo
que os sujeitos que nomeio nesta pesquisa como adolescentes também transitam
pelo debate e políticas de juventude.

1.1 Adolescência e Juventude

A valorização da idade enquanto balizadora das denominadas etapas da vida


surge no século XIX, Ariès (1986), em estudo sobre a infância, vai reconstruindo o
aparecimento das fases de vida. Ele desvela que a infância foi construída
lentamente a partir do século XIII, as crianças foram distanciando-se do universo do
adulto e ganhando suas representações próprias como suas roupas, brincadeiras, o
período da escola, entre outras.
O autor assinala que foi por meio da família, da igreja e dos representantes da
lei que foi produzido o sentimento de infância, sendo umas das preocupações
ensinar a disciplina e os costumes sociais. A instituição escolar despontou nesse
período para preparar as crianças para a vida adulta.
Segundo Ariès, até o século XVIII não havia distinção entre infância e
adolescência, e, juventude era associada a uma ideia de força e a uma “idade
média”. O adolescente ganha uma notoriedade no século XX e surge com novos
valores.
Os adolescentes tiveram sua visibilidade principalmente no pós-guerra de

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1914, em que se opuseram às gerações mais velhas e distanciaram-se dos infantes


e dos adultos, marcando um lugar particular. O surgimento da figura do adolescente
o aproximou ao que, na época, era visto como juventude.
Nos dias atuais, as terminologias “adolescência” e “juventude” são utilizadas
como sinônimos, no entanto, há características que podem distanciá-los e aproximá-
los, como por exemplo: idade e os diferentes campos de estudos que os definem. A
psicologia e a medicina dialogam com o conceito de adolescência, abordam
questões da ordem do desenvolvimento biológico, físico e psíquico, e a sociologia,
antropologia, entre outras áreas de estudo, com o conceito de juventude ligado a um
processo social.
A respeito da organização cronológica da adolescência e juventude, é
importante entender que as categorias etárias funcionam como um determinante de
características e funções sociais a serem estimuladas ou reprimidas (KNAUTH,
2012), como por exemplo, a idade considerada mais apropriada para a iniciação
sexual, para estudar e deixar a escola, para casar e etc. Não há um consenso sobre
o marcador etário, as demarcações de faixas de idade variam de acordo com
concepções sociais e com relações intergeracionais de um momento histórico
(HEILBORN, 2012).
Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adolescência é situada
dos 12 aos 17 anos, 11 meses e 29 dias de idade; já o Estatuto da Juventude
demarca que jovem é o sujeito dos 15 aos 29 anos, considerando os de idade de 15
a 18 anos como adolescentes e a rigor da lei serão respaldados pelo ECA; e a
Organização Mundial de Saúde (OMS) delimita adolescência como a fase entre os
10 e 19 anos, 11 meses e 29 dias de idade, e a juventude como o período entre 15 e
24 anos.
Observa–se que, mesmo que haja definições de idade distintas e com uma
amplitude diferente, parte do período etário da adolescência e juventude se
justapõem. Embora sejam sujeitos que, em parte, compartilham um processo
biopsicossocial semelhante, o termo utilizado para referenciar esses indivíduos traz
imaginários e expectativas diferentes.
As fases da vida, por serem construções socio-históricas, transformam – se
ao longo do tempo e estão sujeitas a formações discursivas relacionadas aos
momentos históricos em que circulam (CAMPOS, 2008). Portanto, é preciso não
perder de vista que as idades por si só não definem os modos de ser e de estar no

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mundo, mas através da cultura nos são designados padrões referentes a cada etapa
de vida.
A ideia de adolescência é atrelada à etapa de transição da infância para a
vida adulta, fase de mudanças corporais, da puberdade, da rebeldia, da contestação,
da vivência de prazeres. Ao passo que a juventude, segundo Pais (1990), quando
referida a uma fase de vida, é socialmente contextualizada e formulada a partir de
condições econômicas, sociais ou políticas.
Heilborn (2012, p. 58) exemplifica as visões sobre adolescência e juventude
da seguinte forma:

Em nossa sociedade, as representações correntes sobre a adolescência


carregam estereótipos como “fase problemática da vida”, cuja principal
leitura é a noção de “crise”. Juventude encerra uma acepção de tempo
ideal, no qual a incerteza de projetos é admissível e o futuro ainda aguarda
definição. Nessa mirada, a juventude funciona como um termômetro de
possíveis mudanças sociais, pois é percebida como a geração responsável
pela transmissão de valores ou pela ruptura de determinados padrões.

Por um lado, a juventude é uma fase valorizada pelo dinamismo, criatividade,


por um estilo de vida e marcada por um mercado de consumo (Debert, 2010). Por
outro lado, a juventude pode ser vista como um período de instabilidade ligado a
“problemas sociais” - como violência, drogas, abandono escolar, desemprego, etc. -
e os que não tentam mudar esse quadro são nomeados como ‘irresponsáveis’ (Pais,
1990).
De acordo com Debert (2010), a juventude perde uma conexão com um grupo
etário e passa a expressar um valor a ser conquistado e mantido em qualquer fase
da vida, como vem ocorrendo com a terceira idade, por exemplo, em que há um
crescente estímulo para ser um período favorável à satisfação pessoal, realização
de sonhos e exploração de novas formas de auto expressão, a idade do lazer.
É possível notar um movimento do que a autora chama de “adolescentização”
de adultos, o que indica que a ideia de ciclo da vida parece perder o significado.
Esse processo é marcado pelo alongamento do tempo de estudo, a permanência
dos filhos mesmo adultos a morar com os pais, ou a demora daqueles para sair de
casa, seja para morarem sozinhos ou para constituírem uma família, o interesse no
mercado de consumo associado aos mais jovens, etc.
Esse trânsito faz com que as idades cronológicas percam relevância e haja
um processo que Debert (1999; 2010) chama de “descronologização”, questionando

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a homogeneidade das etapas de vida. Dessa forma, entende-se que as fases da


vida são plurais e heterogêneas, é possível falarmos de várias “adolescências”, para
tal, Pais (1990) reflete que o principal não é explorar as similaridades entre jovens ou
grupos sociais de jovens, mas também as diferenças sociais que existem entre eles.
As fases constituem – se a partir de uma trajetória biográfica (HEILBORN,
2012; PAIS, 1990), assim é necessário considerar o percurso feito, os diferentes
espaços sociais e culturais transitados, os acontecimentos históricos e individuais
que distinguem o caminho de cada um. Ao comparar diferentes etapas da vida,
serão exemplificadas por generalizações que a compõem, parecendo haver
homogeneidade, porém, ao serem analisadas entre si, observa-se um conjunto
social variado, marcado por gênero, sexualidade, cor/raça, classe, questões
geográficas que permitem experienciar a adolescência de diferentes formas.
Diante de todo o exposto, é importante problematizar esse local da
adolescência como padronizada, atrelada ao desenvolvimento psicológico e físico,
ao “problema social”, entendê-los e percebê-los em todas suas dimensões, como
sujeitos que constroem sonhos, projetos, expectativas, que assumem
responsabilidades familiares e financeiras.
É importante demarcar que os sujeitos da pesquisa se autonominavam
adolescentes. E embora tivessem idades aproximadas, residissem em sua maioria
na mesma cidade, estudassem na mesma escola, apresentavam características que
ora os aproximavam, ora os diferenciavam.
Em termos de sociabilidade, havia os que gostavam de festa, balada, de baile
funk, os que preferiam eventos mais caseiros, como frequentar a casa dos amigos, ir
à igreja, ou se dedicavam a práticas esportivas. A localidade de suas residências era
um fator determinante na sociabilidade, pois bairros com alto índice de violência, em
decorrência do tráfico, inibiam a saída dos adolescentes de casa, limitação não
vivida com adolescentes residentes em bairros de classe média.
Muitos adolescentes assumiam o papel de aconselhadores dos pais,
responsabilizavam-se pelo cuidado dos irmãos mais novos, e da saúde de avós.
Alguns também se ocupavam pelo gerenciamento das despesas da casa como
contas a pagar, lista de compras; alguns começaram a trabalhar cedo pela
necessidade de ajudar com as despesas da casa, o que fez com que uma parte
ficasse anos fora da escola. Dessa forma, há um ofuscamento entre as fronteiras da

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adolescência e a vida adulta, no qual os mais novos demonstram responsabilidades,


habilidades e maturidade atribuídas aos adultos.
Do mesmo modo que exprimiam dúvidas e incertezas frente ao futuro,
também falavam dos sonhos, vontade de ingressar na universidade, de construir
uma carreira militar, de se inserir no mercado de trabalho, ter destaque na profissão
e ajudar outras pessoas. Falavam sobre o desejo de constituir família e ter filhos,
mas tal objetivo, em geral, foi apresentado em segundo plano, sendo o primeiro, a
constituição da carreira profissional.
Mesmo questionando o caráter universal das periodizações etárias, não há
como não considerar que a cronologização da vida exerce uma função de
organização da vida social. Através da idade, além de definirem-se os mercados de
consumo, norteia-se o campo dos direitos, deveres e políticas públicas para cada
etapa, pois as idades constituem um elemento para que o Estado moderno regule o
corpo social produzindo classificações e hierarquizações da população. (DEBERT,
2010). Portanto, o Estado interfere diretamente, principalmente nas questões que
são tidas como “problemas” sociais e de saúde, como veremos a seguir.

1.2 A construção de direitos.

A adolescência e a juventude atreladas a “problemas sociais” são uma


questão histórica, que “se torna objeto de atenção enquanto representa uma ameaça
de ruptura com a continuidade social: ameaça para si própria ou para a sociedade”
(ABRAMO 1997, p.29). Essa visão fez e ainda faz com que o Estado deposite
atenção e crie políticas voltadas para esse público. As políticas nacionais também
são construídas historicamente e muitas vezes a partir de intensos processos de
luta.
As políticas públicas para a adolescência e a juventude nos países de língua
espanhola da América Latina foram ganhando corpo após a década de 1980
estimulados pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL),
pela Organização das Nações Unidas (ONU) e governo da Espanha. Contudo, a
engrenagem para políticas públicas de adolescência e juventude, no Brasil,
aconteceu de forma mais lenta (ABRAMO, 1997).

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Influenciada pelo contexto internacional de direitos humanos, a sociedade


brasileira teve significativas mudanças nos marcos legais com a Constituição
Federal de 1988. No campo da discussão sobre crianças e adolescentes, houve um
grande avanço ao considerar crianças e adolescentes “sujeitos de direitos” com a
criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 - este sofreu
influências da Convenção Universal dos Direitos da Criança em 1989, da ONU. Com
o surgimento do ECA, foi revogado o Código de Menores12, que, até então, era o
que norteava questões específicas da infância e adolescência, porém, tendia a ser
estigmatizante e excludente, principalmente, com pobres.
Segundo Leite (2012), o aparecimento do paradigma das crianças e
adolescentes como sujeitos de direito, com o ECA, serviu de base para um debate
acerca da possibilidade de adolescentes serem detentores de direitos sexuais. Foi a
partir da consolidação dessa lei que começaram a crescer as políticas públicas
voltadas para a adolescência e juventude no país.
Somente em 2013 foi criado o Estatuto da Juventude, que aborda os direitos
sexuais e reprodutivos, sexualidade, gênero e todas as diversidades individuais e
coletivas, bem como o enfrentamento às violências vivenciadas pelos jovens, sejam
elas domésticas, sexuais ou outras formas.
Parte considerável dos projetos criados para o público jovem era voltado para
capacitação profissional, inserção no mercado de trabalho, educação e assistência
social para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica e
em risco social (exploração sexual, trabalho infantil, consumo de drogas ou
envolvidos em atos infracionais). Realidade com a qual nos deparamos ainda nos
dias atuais.
Ao fazer um recorte político espacial, é preciso destacar que as políticas
públicas governamentais e o desenvolvimento de projetos geridos por órgãos não
governamentais ocorrem de modo muito diferente em grandes centros e cidades de

___________________________________________________
12 O Código de Menores foi promulgado em 1927, e tinha como foco a intervenção com crianças e
adolescentes que carregavam estigmas negativos, como: “infratores”, “abandonados”, etc. Desde a
década de 1940, mas principalmente na década de 1970, são feitos críticas e esforços de mudanças.
Em 1979 foi promulgado um novo Código de Menores que renovou as concepções que norteavam o
código de 1927 por meio da doutrinação da situação irregular. No entanto, as críticas continuaram a
aumentar, inclusive através de pesquisas sobre infância e “infância de rua” e sobre os modelos de
internação desses sujeitos. A primeira mudança do código ocorreu legalmente através da
Constituição Federal que, por meio do art. 227, institui o que viria a ser a nova legislação sobre a
infância. Mas é por meio do ECA que a mudança é de fato consolidada (VIANNA, 2002).

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interior. Nestas últimas, costuma acontecer de forma mais tímida e por vezes são
poucos ou até mesmo inexistentes os projetos específicos para adolescentes e
jovens, a situação se agrava ainda mais quando falamos de áreas rurais e ilhas.
Vale ressaltar que os primeiros programas específicos para jovens e
adolescentes foram na área da saúde, com foco na prevenção (IST/AIDS),
drogadição, acidentes de trânsito e “gravidez precoce” (SPÓSITO e CARRANO,
2003). O que denota uma preocupação singular por comportamentos tidos como
desviantes e de risco.
Os direitos sexuais e reprodutivos ganharam corpo inicialmente a partir das
lutas pela garantia de direitos das mulheres, que posteriormente se estenderam para
adolescentes. Tiveram como marco legal na esfera internacional: a Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 e a IV
Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim em 1995. As conferências
progrediram nas discussões de igualdade de gênero como fator importante para a
saúde.
No Brasil, os marcos foram: o Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM) em 1984; Constituição Federal de 1988; a Lei nº 9.263/1996, que
regulamenta o planejamento familiar; a Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher de 2004; Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos
Reprodutivos de 2005.
É importante lembrar que um programa de saúde específico para a
adolescência foi o último a ser implementado, o que reflete uma demora em
reconhecer particularidades dessa fase da vida. No final do século XX e início século
XXI, houve um crescimento de políticas nacionais voltadas para saúde integral da
mulher, do homem e da pessoa idosa. Uma Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde de Adolescentes e Jovens ocorreu por um processo de lutas e reivindicações
no âmbito da saúde pública e coletiva e através dos debates sobre direitos humanos
na esfera internacional e nacional (LOPES e MOREIRA, 2011).
Antes da implantação das Diretrizes Nacionais para Atenção Integral à Saúde
de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação de Saúde, que se
deu apenas em 2010, diversos documentos nortearam o atendimento à saúde do
adolescente e as questões que envolvem a sexualidade.
Em 1989, o Ministério da Saúde lançou o Programa Saúde do Adolescente
(PROSAD) voltado para pessoas entre 10 e 19 anos, porém o programa estava

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interligado com a área materno-infantil, o que demonstra que ainda não havia um
olhar direcionado para especificidades do referido grupo.
A área voltada à saúde do adolescente e jovem, em 1999, apresenta, com
base no ECA, um documento “Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira:
construindo uma agenda nacional”, e traz temas como: saúde sexual e reprodutiva,
tabagismo, homicídio, suicídio, drogas, participação dos jovens. Tal documento foi
desenvolvido em parceria com a UNICEF – Fundação das Nações Unidas para a
Infância e a OPAS – Organização Pan Americana de Saúde.
O Ministério da Saúde, por via da Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, publica Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos: uma prioridade do governo, em 2005. O manual, que traz
propostas e diretrizes com meta de vigorar entre 2005 e 2007, apresentou alguns
pontos específicos aos adolescentes e jovens: Ampliação do Programa Saúde e
Prevenção nas Escolas, que inicialmente foi implementado em 6 municípios com
parceria do Ministério da saúde e Ministério da Educação; Atenção à saúde sexual e
à saúde reprodutiva de adolescentes e jovens e Implantação e implementação de
serviços para atenção às mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual e
doméstica e para atenção humanizada às mulheres em situação de abortamento.
Novas normas e manuais técnicos foram lançados em 2005, especificamente,
para o período da adolescência e juventude – “saúde Integral de Adolescentes e
Jovens: orientações para a organização de serviços de saúde” – e tinha por objetivo
nortear a implantação e implementações de ações e serviços voltados ao público
alvo que visava um atendimento integral, resolutivo e participativo. Entre os diversos
temas propostos para ser trabalhado estava: direitos sexuais e direitos reprodutivos;
sexualidade e saúde reprodutiva, relações de gênero.
Através da parceria do Ministério da Saúde, Ministério da Educação e apoio
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), foram
lançadas as Diretrizes para implantação do “Projeto Saúde e Prevenção nas
Escolas”. Com tópicos específicos para vulnerabilidades, violências associadas à
juventude e às relações de gênero, vivência da sexualidade, gravidez, impacto da
AIDS entre adolescentes e jovens.
Em 2007, foi emitida a série, Normas e Manuais Técnicos, “O Documento
Marco legal: Saúde, um direito de adolescentes” (BRASIL, 2007). Um instrumento

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que visava subsidiar profissionais e gestores de instituições de saúde para o


processo de tomada de decisões, elaboração de políticas públicas e para o
atendimento, de modo a garantir os direitos à saúde dos adolescentes.
Ainda em 2007, houve uma proposta preliminar para uma Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens (PNAISAJ) que visava ampliar e
revisar programas de saúde anteriores, contudo, não chegou a ser implementada.
Somente em 2010 foi submetida e aprovada Diretrizes Nacionais para Atenção
Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação
de Saúde.
As diretrizes dessa política apresentam três eixos fundamentais para a
atenção integral à saúde do adolescente: a) acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento; b) atenção integral à saúde sexual e saúde reprodutiva e; c)
atenção integral no uso abusivo de álcool e outras drogas por pessoas jovens
(BRASIL, 2010).
Especificamente a Diretriz Nacional de Saúde compreende a sexualidade
como um “componente intrínseco da pessoa e fundamental na saúde de
adolescentes e jovens”, considera que ultrapassa o aspecto biológico reconhecendo
como um fenômeno psicológico e social, influenciado pela cultura, por crenças e
valores morais pessoais, familiares e sociais (BRASIL, 2010, p.32).
Após diversos documentos que trata da sexualidade, a Diretriz, mesmo
procurando abranger a sexualidade não apenas como biológica, mas em seu
contexto sociocultural e histórico, não rompe com a lógica biologizante e de
“problema”, pois exprime como a maior preocupação da política a tentativa de
controle da gravidez, das possíveis consequências decorrentes dela e de Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST) e HIV/Aids.
Dessa forma, associando a sexualidade a aspectos negativos, as abordagens
dos serviços de saúde pela lógica do “risco” e da “vulnerabilidade” vão ao encontro
da ideia de que adolescentes são inconsequentes, com uma vida sexual desregrada
e irresponsável com seus comportamentos (KNAUTH, 2012).
Na Diretriz, também é evidenciada a atenção frente às vulnerabilidades, às
diferentes formas de violências e à mortalidade por causas externas; o documento
aponta principalmente para violências por causas externas, às violências
intrafamiliares, abusos sexuais. Nota-se que, no âmbito da sexualidade, são
mencionados apenas os abusos sexuais, mas não outros tipos de violência

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ocorridos a partir do exercício da sexualidade, por exemplo, a violência no


relacionamento afetivo-sexual, o foco desta pesquisa.
No campo da educação, a discussão sobre sexualidade acontecia de forma
isolada nas unidades escolares ou entre alguns profissionais. Só ganhou caráter de
diretriz educacional em 1997. Através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
foi introduzida a educação sexual na escola, nomeada no documento como
“orientação sexual” (ALTMANN, 2005).
O texto da PCN engloba os termos “direitos sexuais e reprodutivos” e
“diversidade sexual na adolescência”. O documento orientava trabalhar o assunto
em todas as disciplinas partindo dos temas transversais. Contudo, essas discussões
acabaram sendo vinculadas às disciplinas biológicas e, geralmente, é restrita à
discussão de saúde sexual e reprodutiva. Mesmo o PCN abordando questões
referentes à sexualidade de adolescentes e orientando que seja trabalhado com os
estudantes, isso não foi garantia para que os documentos posteriores abrangessem
a temática.
Em 1998, o Ministério da Educação (MEC) emitiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental, em que não continha o tema da sexualidade.
Já em 2000, foi aprovado no Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação,
que vigoraria entre 2000 a 2010. Tal documento menciona, apenas uma vez, o tema
da sexualidade ao tratar objetivos e metas.
No ano de 2010, o MEC direciona ao Congresso Nacional um projeto para a
criação do Plano Nacional de Educação (PNE), contudo só foi aprovado em 2012 e
passou a viger em 2014. Novamente não menciona temáticas de gênero e
sexualidade.
Ainda em 2012, foi lançada pelo MEC uma resolução que foi aprovada pelo
Conselho Nacional de Educação e que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio. O projeto político-pedagógico e os sistemas de ensino previam
a valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas como gênero,
identidade de gênero, raça, orientação sexual, práticas para igualdade e
enfrentamento de preconceitos, discriminação e violência e promoção da saúde
física e mental, saúde sexual e saúde reprodutiva.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, em 2013, seguem a
mesma direção das diretrizes do ensino médio e orientam a abordagem de “Temas
abrangentes e contemporâneos, que afetam a vida humana em escala global,

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regional e local, bem como na esfera individual. Temas como saúde, sexualidade e
gênero, vida familiar e social”, (BRASIL, 2013, p. 115).
Nos anos subsequentes, houve o lançamento, em 2014, do Plano Nacional de
Educação (PNE) que vigora entre os anos de 2014-2024 e aponta os termos gênero
e diversidade sexual atrelados apenas à meta que corresponde a formação
continuada de professores. E, em 2017, o documento que reformula o currículo
escolar, a Base Nacional Comum Curricular, não faz menção à sexualidade e ao
gênero.
Mesmo tendo críticas sobre como a abordagem da sexualidade é realizada no
campo da saúde e educação, ser reconhecida a partir de documentos significa um
grande avanço. Apesar disso, a sexualidade adolescente está em um campo de
tensionamentos e contradições. Socialmente o recorte etário também é determinante
para os comportamentos e práticas sexuais aceitos. Qual seria a idade aceitável? O
que é “autorizado” aos adolescentes? Qual a idade ideal para dialogar sobre
sexualidade? Quais os espaços ideais para isso?
A sexualidade e reprodução sempre foram foco das morais e, no último
século, são pautas de debate de direitos humanos e direitos individuais. No entanto,
ao tratar-se de adolescentes, essas temáticas apresentam maiores desafios e
apontam para fragilidades (BUGLIONE, 2005). Uma implicação importante da visão
biologizante da sexualidade adolescente é a desconsideração de pluralidades e
prazeres somada ao olhar sobre a adolescência como irresponsável, ou seja, às
morais e às normas, que são redobradas nesse período.

1.3 Sujeito de direitos ou sujeitos tutelados: tensões no reconhecimento dos


direitos dos adolescentes

Para problematizar os adolescentes como sujeitos de direitos e de direitos


sexuais, relembro que são distintos os momentos em que o Estado reconhece e
incorpora a noção de infância e de adolescência e o que concebe esses sujeitos
como sujeitos de direitos, independentes dos direitos de suas famílias. A concepção
de atores do espaço público e de direito foi sendo constituída no decorrer da história
ocidental moderna e contemporânea e da formação de um Estado democrático
(PIROTTA e PIROTTA, 2005).

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De acordo com Vianna (2002), uma legislação voltada para crianças e


adolescentes depende de uma compreensão acerca dos danos que podem atingir
esses sujeitos assim como os danos que eles podem causar. As legislações, de
modo geral, trazem em seu bojo um cunho tutelar.
É importante refletir que a ideia de tutela é atravessada “não apenas através
da construção de mecanismos de controle sobre indivíduos submetidos a essa
condição legal, mas também da produção de responsáveis” (VIANNA, 2002, p. 31).
A partir dessa lógica, os adultos devem ser detentores de maturidade, sabedoria e
capazes de responder ou falar pelos mais jovens e “construí-los efetivamente
enquanto sujeitos sociais plenos” (p.31). Em contrapartida, espera-se que os
adolescentes demonstrem uma adequação às regras e ao que lhes é exigido
socialmente.
Ainda que o ECA reconheça os adolescentes como sujeitos de direitos
próprios e autônomos, não significa um entendimento imediato por parte da
sociedade, o que acarreta em controvérsias legais e políticas (LEITE, 2013). A ideia
de sujeitos de direitos deveria ter por intuito visar os interesses dos adolescentes,
mas socialmente observam–se tensões entre controle, cuidado e tutela de adultos,
estes tidos como responsáveis.
A dificuldade de extrapolar a visão de sujeitos que devem sempre ser
tutelados é perceptível nos próprios documentos, por exemplo, o ECA não faz
menções de práticas afirmativas da sexualidade, enfatizam o aspecto negativo como
abuso e exploração sexual e apresentam uma certa neutralidade quanto às
questões de gênero (LEITE, 2013). Pirotta e Pirotta (2005) assinalam que essa
ausência não representa um mero “esquecimento do legislador”, mas mostra “a
persistência de padrões moralistas na legislação e na sociedade” (p.88).
Essas questões refletem nas políticas públicas e intervenções direcionadas
aos adolescentes. Sobre esse processo Vianna ressalta:

É importante manter em mente que, se faz parte tanto dos atributos da


soberania, quanto da mecânica da disciplina a obrigação de intervir, tais
intervenções não devem ser por princípio compreendidas a partir de sua
representação exemplar. Antes disso, é preciso pensar nas formas
específicas que tal intervenção assume, ou seja, nos acordos que são
feitos, nos limites que são tolerados, nos silêncios que são produzidos.
Pensar sobre a capilaridade das ações disciplinares é, nesse sentido,
pensar em que estratégias efetivas estão sendo construídas a partir e
através de tais ações. Não se trata, portanto, de avaliar se há “pouca” ou

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“muita” intervenção, mas sim de pensar sobre a forma assumida pelos


expedientes administrativos da gestão de menores (2002. p. 37).

Nesse sentido, é importante também problematizar de que modo as


instituições vêm atuando e quais papéis vêm assumindo frente aos adolescentes.
Constantemente os programas de saúde e educação, ao tratar da sexualidade,
persistem no paradigma de possíveis “danos” provocados pelas práticas sexuais e
pela reprodução.
A visão negativa sobre o comportamento adolescente fortalece a ideia tutelar
nos programas de prevenção (ADORNO, ALVARENGA e VASCONCELLOS, 2005).
As formas padronizadas de prevenção dificultam abordagens mais amplas e que
contemplem interseccionalidades de gênero, de orientação sexual, de classe e de
raça, as quais dizem muito sobre as interações afetivas e as práticas sexuais.
A “tutela” tem sua marca no acesso aos serviços de saúde, pois esses, em
sua maioria, são condicionados à idade e à presença de um adulto. Isso coloca em
pauta a “prioridade”, garantida em lei, no atendimento à saúde, já que os
adolescentes são deslocados do lugar de sujeitos de direitos, uma vez que não
podem exercer sozinhos e de forma direta os seus direitos (BUGLIONE, 2005). O
que também retira a possibilidade de recorrer ao serviço em situações em que não
gostariam de compartilhar com os responsáveis. Sobre isso, Buglione afirma:

Este dado não apenas conota uma forma de estruturar e definir o sujeito de
direitos (logo de “capacidades” e “responsabilidades”), como também dá
forma a um determinado modelo de organização familiar, cuja ideia
hegemonizada não absorve outras formas de arranjos familiares. Ou seja, a
necessidade de um responsável para o acesso ao serviço de saúde sugere
organizações familiares nas quais as informações sobre saúde, sexualidade
e reprodução são compartilhadas, o que talvez possibilitasse uma
participação saudável dos adultos na vida dos tutelados (2005, p. 56).

Somente em 2017, o Ministério da Saúde orientou, por meio da nota técnica


nº 04, sobre o direito de adolescentes serem atendidos na Unidade Básica de Saúde
(UBS) desacompanhados dos pais ou responsáveis, destacando a importância do
sigilo profissional e as ocasiões em que são necessárias a presença dos
responsáveis.
Embora represente um avanço, essa informação ainda não se popularizou na
sociedade. Por exemplo, em diálogo com um grupo de adolescentes na escola onde
foi realizada esta pesquisa, uma moça relatou sobre seu desejo de fazer

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psicoterapia pela dificuldade de relacionamento com a família, porém, a mãe se


negava a levá-la alegando que ela não precisava. Ao informar que poderia buscar o
atendimento na rede pública de saúde sozinha, todo o grupo demonstrou surpresa e
afirmou ser novidade essa informação.
Na área da educação, os temas sexualidade e gênero, além de encontrar
uma série de desafios para desenvolvimento do debate no cotidiano com
adolescentes, também se deparam com constantes mudanças e retiradas sobre o
assunto nas próprias diretrizes que norteiam as escolas. Tais mudanças são
influenciadas pela pressão de setores políticos e religiosos contrários à discussão de
sexualidade e gênero na escola. Retirar esse debate é desconsiderar que são temas
que atravessam a vida dos adolescentes e fazem parte da sua construção enquanto
sujeitos.
Os quadros apresentados, tanto na saúde quanto na educação, demonstram
um conflito entre um “protagonismo social” responsável e um “protagonismo
tutelado”, que está sob supervisão de adultos, que, na maior parte das vezes, se
colocam como porta-vozes e silenciam os jovens (LOPEZ e MOREIRA, 2011). O
reconhecimento da autonomia do adolescente se apresenta como um grande
desafio à família e às instituições.
A autonomia está diretamente imbricada com a família e é conquistada
gradativamente. Segundo Brandão (2003), essa autonomia é entendida como a
capacidade de autodeterminação e é viabilizada pela concordância com as regras
coletivas dentro do contexto social e das regras que organizam a sociedade.
Contudo, nem sempre esse percurso ocorre de forma tranquila, pois requer
reflexões sobre o papel social do filho na família e o redimensionamento da
autoridade dos pais.
Em outras palavras, reconhecer e assegurar a autonomia é também permitir
transformações na lógica organizacional da família, assim como da escola, dos
equipamentos de saúde e da sociedade. Porém, o que mais se observa é uma
desresponsabilização das instituições por acreditarem ter transmitido as informações
necessárias para que o adolescente fosse consciente em suas práticas, assim
justificando o ocorrido através do argumento da “responsabilidade individual”.
O artigo de Shoveller e Johnson (2006) “Risky groups, risky behaviour, and
risky persons: Dominating discourses on youth sexual health”, ao analisar as
intervenções de saúde relacionadas à saúde sexual de jovens no Canadá,

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problematizaram o discurso do “comportamento de risco” associado às escolhas


individuais e a um estilo de vida.
Os autores pontuam que os programas preventivos tendem a ver os jovens
por uma ótica universal, focam na transmissão de conhecimento com informações
padronizadas dentro de uma lógica heteronormativa, o discurso em torno do sexo é
o do “perigo” e divide os comportamentos entre seguro/inseguro e
responsável/irresponsável. Assim, uma vez recebidas as orientações necessárias,
os comportamentos tidos como de risco são associados a escolhas individuais, sem
análises mais amplas dos contextos que perpassam a vida dos sujeitos.
Sobre isso, em pesquisa sobre juventude e prevenção da Aids em uma favela
carioca, Monteiro (2002) reflete que as campanhas educativas, a partir de seus
planejamentos e da ideia de negociação entre parceiros, tendem a centrar-se em
concepções de igualdade de direitos individuais. Porém, a autora observa que os
eixos simbólicos de proteção estão mais interligados ao valor das relações pessoais
do que a um entendimento de direitos individuais.
Para a autora não existe um padrão que defina o que é interpretado como
práticas seguras ou ameaçadoras. A compreensão do que é um fator de risco
envolve múltiplos fatores, crenças, valores e as condições de vida. Os sujeitos são
orientados por diversas éticas sociais e pelo que Monteiro (2002) chama de universo
protetor, “casa”, e espaço arriscado, “rua”. Sendo assim, os sujeitos se sentem
seguros com pessoas que fazem parte de um contexto familiar, estas não
representariam “risco”. O universo protetor e familiar para um sujeito nem sempre vai
de encontro ao discurso social do que é considerado seguro.
Segundo Shoveller e Johnson (2006), nas práticas preventivas, os discursos
dos adultos não atingem os jovens, pois concentram-se em comportamentos
considerados errados, não abordam ações afirmativas que debatam de forma mais
ampla a sexualidade, não costumam usar um linguajar acessível e articulado com a
realidade dos adolescentes. Para garantir a autonomia e os direitos sexuais dos
adolescentes, é preciso relativizar o discurso da responsabilidade individual,
compreender os diversos fatores sociais e simbólicos que envolvem a sexualidade e
repensar as práticas de orientação e prevenção.
Aceitar a ideia de sujeito sexual é compreender que moças e rapazes são
capazes conduzir sua vida sexual de modo independente. Ao negociar com as
normas sociais e com as relações, “o sujeito sexual incorpora tanto o universo dos

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direitos individuais como os dos direitos sociais”. (BUGLIONE, 2005, p. 65).


Reconhecer o direito do exercício sexual é possibilitar desenhar novas perspectivas
de atuações, “focada[s] no prazer, na autonomia, na possibilidade de liberdade, de
exercício de direitos e, por isso também, em um novo patamar de cidadania desses
sujeitos” (LEITE, 2012, p. 96).
Partilho da concepção de que a sexualidade é uma experiência complexa que
envolve aspectos culturais, sociais, históricos e políticos, além da dimensão
biológica e psicológica. A sexualidade é uma via que corrobora para um maior
conhecimento de si, para uma autonomia e para o estabelecimento de vínculos
afetivo-sexuais, que propiciam processos de singularidades no sujeito.
As tensões entre autonomia/responsabilidade individual e tutela, sujeitos de
direitos e sujeitos sexuais, influenciam no modo como a família e as instituições
lidam com a sexualidade adolescente e, consequentemente, como os próprios
adolescentes vivenciam suas sexualidades. Podendo aqueles ter ou não lugares de
diálogo, informações que os auxiliem com reflexões e com agenciamentos de
conflitos e possíveis violências.
A escola em que foi realizada esta pesquisa tende a reproduzir a lógica
normativa e padronizada sobre saúde sexual e reprodutiva. Mesmo com esforços,
possui dificuldade de pensar a diversidade sexual, o gênero e a sexualidade de
forma mais ampla e possui um comportamento tutelar, de controle e disciplinamento
da sexualidade – fato que gerava uma série de conflitos dentro da instituição, como
será apresentado no próximo capítulo.

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2 ESTABELECENDO RELAÇÕES: PESQUISADORA, ESCOLA E OS DESAFIOS


NO CAMPO.

Este capítulo tem por intuito situar o campo de pesquisa, trazendo o aporte
teórico que orientou e embasou o desenvolvimento metodológico. Em seguida,
discorro sobre a entrada no campo, as estratégias utilizadas para aproximação dos
interlocutores desta pesquisa e os desafios encontrados junto à Direção da escola,
aos alunos e a regras institucionais. Após isso, serão apresentadas a execução das
entrevistas, as intercorrências ocorridas durante o processo, e apresento um perfil
das moças e dos rapazes entrevistados. Ao final, foi adicionada uma tabela dos
interlocutores que serão citados ao longo do trabalho a fim de situar e familiarizar o
leitor com o contexto de cada adolescente.

2.1 Mapeando o espaço escolar

Este trabalho concebe a escola como um local privilegiado para acessar o


universo adolescente, bem como um espaço de socialização e sociabilidade
significativas para observação. A pesquisa foi realizada, em uma escola estadual na
região da Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, com estudantes que cursavam
do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.
Mesmo sendo uma profissional atuante em uma Secretaria Municipal de
Educação, optei pelo afastamento do meu locus cotidiano de atuação para a
realização desta pesquisa, desenvolvendo-a em uma escola da rede estadual. O
intuito foi minimizar as possíveis confusões entre os papéis de profissional e de
pesquisadora e, também, permitir estranhamentos a partir de novas relações e de
um novo espaço de observação.
A unidade escolar contava com 1695 alunos matriculados no ano de 2018,
sendo 935 do sexo feminino e 760 do masculino. As turmas eram distribuídas entre
o segundo segmento (6º a 9º ano) do ensino fundamental, ensino médio regular e
ensino médio com cursos profissionalizantes, ambos de tempo integral. Os cursos
profissionalizantes foram nomeados como curso Ventania e Tempestade e foram
utilizados nomes fictícios para os interlocutores visando assegurar a não
identificação da escola e dos participantes da pesquisa.

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No período da manhã, a escola contava com 10 turmas de ensino médio


regular e 10 profissionalizantes e no período da tarde, com 10 turmas de ensino
fundamental e a continuidade dos 10 cursos profissionalizantes. O horário noturno
comportava turmas de ensino médio, porém, esse período não foi contemplado na
pesquisa. Tal opção ocorreu por se tratar de estudantes que possuem idades mais
avançadas, ritmo de vida e cobranças/expectativas sociais que, em sua maioria, se
assemelhavam ao da vida adulta, pelo fato de muitos trabalharem e já terem
constituído suas famílias.
Optei por observar a sociabilidade dos estudantes durante o período diurno,
pois possibilitava abarcar desde o início da adolescência aos que já estavam em
transição para outras categorizações da vida, com outras exigências sociais e
diversas fases do exercício da sexualidade.
A escola localiza-se na região central da cidade, tem alunas e alunos brancos,
pardos e negros, de várias idades e classes sociais; pelo fato de possuir ensino
profissionalizante, atrai alunos que residem em municípios vizinhos e em diversos
bairros da cidade, desde os mais próximos aos mais distantes. Esse quadro
proporciona, em um mesmo espaço, a possibilidade de interação de alunos com
diferentes realidades culturais e sociais. Há alunos advindos de regiões urbanas,
rurais, de comunidades pesqueiras e de ilhas, assim como, de bairros de classe
média e populares, estes últimos com acentuada presença de situações de
violências e forte influência do tráfico de drogas.
O espaço escolar ocupa grande dimensão territorial, é composta por um pátio
central, que possui bancos e mesas. As salas de aula são divididas por alas, estas
possuem “pátios” menores, local onde os alunos prioritariamente preferem ficar, pois
fogem do controle do olhar das funcionárias do portão. Há ainda um ginásio de
esportes e uma outra área ampla na qual também se encontram uma quadra
esportiva e o refeitório.

2.2 Estratégias Metodológicas

Trata-se de uma pesquisa de cunho etnográfico composta de duas etapas:


observação participante no pátio escolar e seis entrevistas em profundidade.
As entrevistas foram realizadas junto a alunos do ensino médio, com idade

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entre 18 e 24 anos, de ambos os sexos, sem distinção de orientação sexual. A opção


por essa faixa etária teve por intuito evitar a entrevista diretamente com jovens em
idades compreendidas comumente como “adolescentes” para garantir o caráter de
retrospectiva; respeitar a autonomia do jovem em participar da pesquisa e facilitar
com operacionalização da entrevista ao desobrigar a autorização de pais e/ou
responsáveis, conforme obrigatório para os jovens menores de 18 anos de idade.
Objetivou-se a reconstrução das trajetórias de vida com ênfase na iniciação sexual e
nas violências afetivo-sexuais nos relacionamentos na adolescência.
Foi possível localizar alunas e alunos com idade acima de 18 anos em
decorrência da defasagem série-idade, que acomete uma parcela dos estudantes
brasileiros. Isso ocorre devido aos anos de reprovação escolar em função de baixo
rendimento, infrequência ou evasão escolar.
Como apresentado no capítulo anterior, há uma larga discussão sobre
conceitos de adolescência e juventude. No entanto, utilizarei, ao longo da
dissertação, o termo adolescente por trabalhar com narrativas biográficas do período
que pode ser entendido como adolescência e por dialogar com o campo de garantia
de direitos de crianças e de adolescentes e da saúde, que definem legalmente o
período (como o Estatuto da Criança e Adolescente e a Organização Mundial de
Saúde).
Com base em uma perspectiva cultural e contextual acerca do ciclo de vida,
compreendo a adolescência como uma experiência heterogênea e tratarei aqui
adolescentes como sujeitos escolarizados com características de sociabilidade
comum. Farei uso da nomenclatura adolescente com maleabilidade das faixas
etárias abarcando também os jovens com mais de 18 anos.
No que se refere aos procedimentos da pesquisa, valorizei a observação
participante, pois permite a aproximação dos sujeitos da pesquisa e apreender e
interpretar a realidade, contextualizar as falas, os atores sociais e os aspectos não
verbais numa concepção da mobilidade da realidade social (KNAUTH, 2010).
Neste estudo, a observação possibilitou identificar elementos importantes
para a análise do problema da pesquisa e, inclusive, identificar assuntos
considerados como problemáticos pelos próprios adolescentes. As interações foram
norteadas pelas premissas de Becker acerca da atividade do pesquisador:

O observador participante coleta dados através de sua participação na vida


cotidiana do grupo ou organização que estuda. Ele observa as pessoas que

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está estudando para ver as situações com que se deparam normalmente e


como se comportam diante delas. Entabula conversação com alguns ou
com todos os participantes desta situação e descobre as interpretações que
eles têm sobre os acontecimentos que observou (1999, p.47).

Em suma, através de um contato mais próximo com os sujeitos da pesquisa, a


observação participante propiciou a apreensão e análise das interações sociais e
comportamentais, além de contribuir com a obtenção de informações sobre opiniões
e divergências.
A escolha pelas trajetórias afetivo-sexuais parte do pressuposto de que esse
procedimento possui potencialidades no diálogo entre o individual e o sociocultural.
Bourdieu indica que as histórias de vida ajudam a acessar os acontecimentos
individuais em relação a um espaço social, afirmando:

Ela conduz à construção da noção de trajetória como série de posições


sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo)
num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes
transformações (2006, p. 189).

É preciso considerar que as narrativas das trajetórias não necessariamente


apresentam uma ordem lógica e cronológica. Montagner (2007), também sob o olhar
do conhecimento praxiológico, adverte que a suposta ilação lógica e temporal dos
acontecimentos apenas integra o processo interpretativo:

Os eventos biográficos não seguem uma linearidade progressiva e de


causalidade, linearidade de sobrevoo, que ligue e dê sentido a todos os
acontecimentos narrados por uma pessoa. Eles não se concatenam com
um todo coerente, coeso e conectado por uma cadeia de inter-relações:
esta construção é realizada a posteriori pelo indivíduo ou pelo pesquisador
no momento em que produz um relato oral, uma narrativa (p.251/252).

A trajetória de vida reflete um percurso individual e social, permite também


acompanhar o desenrolar de grupos sociais e as tensões que ocorrem em diversos
campos. Com isso, é possível, além de traçar as dinâmicas individuais, entender, a
partir de uma história, como são as dinâmicas de um coletivo em um determinado
espaço social, além de suas crenças, valores, mitos e tradições (VICTORIA et. al.,
2000).
Isso posto, também foi possível analisar as formas com que os jovens vão
(res)significando o exercício da sexualidade atrelado às suas crenças individuais,
aos atravessamentos socioculturais, às normas sociais e à maneira como essas

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aprendizagens e saberes influem na interpretação das violências vividas e/ou


praticadas.

2.2.1 Trabalho de Campo e as “saias justas”

A observação participante foi realizada ao longo de sete meses (março-


outubro/2018), foi registrada em diário de campo e ocorreu no contexto de
sociabilidade no espaço escolar: o pátio – local em que circulavam adolescentes de
diferentes idades, sexos, orientações sexuais e cores/raças.
Foquei nas interações e na dinâmica do ambiente escolar, as relações entre
estudantes e desses com profissionais, as representações e expressões corporais,
de gênero, sexualidade e as interações e relatos de violências nos relacionamentos
afetivo-sexuais.
Ao longo da pesquisa, surgiu a oportunidade de participar de algumas
atividades institucionais, foram elas: projeto da sala de leitura (parceria da biblioteca
com professoras) sobre sexualidade, tema escolhido pelos próprios alunos; aula
conjunta da professora de artes e sociologia, em que fizeram um debate após a
exibição do filme Uma história de amor e fúria; e, a convite de alunos, participei de
uma feira literária cujo foco eram autoras mulheres além de um debate promovido
pelos estudantes sobre violência contra a mulher.
Acrescento, ainda, que fui convidada a desenvolver atividades em parceria
com o projeto da sala de leitura. Porém, foi realizado um único encontro, não houve
prosseguimento da atividade em função de desencontros de horário com a turma e
problemas institucionais.
Nos primeiros contatos com a Direção da escola, emergiram tensões em
torno do tema da sexualidade somadas às expectativas de que eu viesse a ajudar
com essas questões. A diretora mencionou possuir “muitos problemas de namoro na
escola” e citou ter um elevado um número de alunas que engravidam; inclusive
foram sugeridas algumas turmas para o desenvolvimento da pesquisa.
A partir dessas circunstâncias, é possível levantar duas questões chaves: a
postura disciplinar e controladora da sexualidade na escola e o fato de a psicóloga
carregar o estereótipo de “conselheira”. Nesse caso, a ideia do “bom conselho” traz

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em seu bojo a expectativa de um discurso disciplinador, que oriente o “certo” e o


“errado”, pautado pelas normas sociais.
Embora o “namoro” seja proibido nas instituições escolares, o que o fazia ser
visto como um “grande problema” para a unidade? Como a escola lidava com as
tensões ocasionadas no cotidiano acerca do exercício da sexualidade?
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, foi solicitado por uma auxiliar de
Direção intervenção em algumas turmas em decorrência do “mau comportamento” e
desrespeito com professoras e com professores. Contudo, essa justificativa
escondia o intuito do controle da sexualidade, mais especificamente, da
homossexualidade. Essa situação será explorada no capítulo 3.
De modo geral, o contato com professoras e professores restringiu-se a
solicitar autorização para participar das atividades escolares e por parte dos que já
me conheciam. Curiosos questionavam sobre minha presença na escola. Houve um
professor e uma professora que sugeriram que eu fosse à sala de aula para
apresentar a pesquisa. Receosa de como isso repercutiria entre os adolescentes,
optei pela continuidade de aproximação de forma gradual e através do pátio.
As funcionárias do portão e da biblioteca foram fundamentais para o processo
da pesquisa, pois auxiliaram na aproximação com os adolescentes e foram fontes
importantes de informações. O diálogo com essas mulheres foi relevante tanto para
compreender a lógica de funcionamento da escola e suas formas de controle da
sexualidade, como para lançar luz às subversões das regras que, muitas vezes,
contavam com auxílio dessas profissionais.
A entrada no campo foi gradual. Nas primeiras idas à escola tive contatos
pontuais com adolescentes através de investidas de estabelecimento de vínculo em
interação no pátio. Meninas e meninos do período vespertino foram os mais
fechados, portanto, tive maior dificuldade em criar vínculos. Associo isso ao fato de
ser assimilada à funcionária da escola, o que fazia com que adolescentes olhassem
desconfiados a toda investida de conversa que eu tentava estabelecer.
Então, foi utilizada outra estratégia, passar uns dias com as funcionárias do
portão, uma vez que é um local de grande circulação dos estudantes querendo
entrar e sair, pedir favores, informações e conversar com as funcionárias. Os
assuntos eram diversificados e sempre surgiam diálogos sobre relacionamentos,
namoro e as funcionárias davam conselhos e falavam sobre suas experiências.
Depois de estabelecidos alguns contatos, e para não ser associada à “tia do portão”,

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voltei a circular pelo pátio e o tempo de conversa com os alunos foi aumentando.
Essa estratégia não surtiu resultado no período da tarde, mas foi positiva no turno da
manhã, pois participei de conversas conjuntas com as funcionárias, alunas e alunos.
Fiz alguns favores externos à escola, uma vez que os estudantes são proibidos de
sair da unidade, mesmo nos momentos de aula vaga, fato que rendeu aproximações
com algumas alunas.
Muitos adolescentes não se aproximaram por acreditarem que fosse uma
funcionária. Todavia, é importante destacar que moças e rapazes com quem tive
contato, por diversas vezes, ao apresentar-me ao grupo de amigas e amigos, os
alertavam sobre a confiança que poderiam ter comigo. Tal fala demonstra um aviso
que o papel que representava naquele espaço era diferente dos demais adultos e
anunciava uma licença para que conversassem sem medo de repressão. Isso foi
fundamental para estar mais próxima a eles.
Ao anunciar o assunto da pesquisa, tive a preocupação de que elucidar a
temática “violência” pudesse assustá-los ou afastá-los e precisava que se sentissem
à vontade para contar suas histórias. Então, sinalizava que a pesquisa era sobre
namoro, “ficar”, o que fazia com que alguns olhassem cismados e outros
automaticamente começassem a contar alguma situação.
Após um mês, consegui fazer vínculo com um grupo de alunos do período da
tarde e aquele se estabeleceu a partir de um episódio em que fui confundida com
uma professora e então começaram a fazer piadas da circunstância.

Um menino e uma menina se espantam comigo, ao perceberem terem me


confundido com uma professora caíram na gargalhada e não paravam de rir
e comentar: “Ela é igualzinha, é irmã gêmea”. Ao perguntar como era essa
professora, tive a seguinte resposta: “Uma velha, feia, horrorosa, chata”, eu
respondo rindo: “Nossa, acabaram com a minha estima”. Andando pelo
pátio estes alunos estavam com a professora e me chamaram: “tia vem cá,
aqui sua irmã gêmea”, assim, fui apresentada às demais amigas e à
professora (Diário de campo, dia 05.04.2018).

A partir desse episódio, fui inserida ao grupo. Cabe considerar que esse
vínculo talvez só tenha sido possível por ter se estabelecido através de brincadeira e
de descontração, uma vez que, à primeira vista, eu representava algum tipo de
autoridade e controle na escola. Embora seja o único grupo com o qual circulei no
período da tarde, essas alunas e esse aluno foram interlocutores importantes da
pesquisa, falavam sobre episódios de brigas entre meninos ou meninas em

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decorrência de namoro, paqueras e traições de casais da escola, de violências no


relacionamento afetivo-sexual acontecidos na comunidade em que viviam, ou vividas
e praticada por eles próprios.
O campo de pesquisa mostrou-se fértil logo de início, no entanto muitas
histórias foram interrompidas devido à constante troca de assuntos e à chegada de
novos alunos à roda. Quando eles não queriam entrar em detalhes da história,
desconversavam ou respondiam de modo evasivo a algumas perguntas. Uma
preocupação no diálogo com os adolescentes foi como fazer algumas perguntas
sem ser invasiva, o que gerou muita atenção às reações e expressões diante das
perguntas.
A equipe profissional não contava com inspetores de alunos. Havia apenas
funcionárias e um funcionário no portão para o controle do uniforme e da entrada e
saída do colégio. O quadro de professores não estava completo, o que fazia com
que os alunos tivessem muito tempo ocioso pelo pátio (muitos permaneciam fora
das salas de aula despercebidos). Esse trânsito de alunos favoreceu as
observações e tentativas de aproximação.
Entretanto, a grande circulação de alunos no pátio também acarretou em um
desafio, lidar com as regras infringidas na escola. Era difícil saber quando estavam
com o tempo livre ou de fato “matando aula”. Na última situação, enquanto
pesquisadora, como conduzir? Devia continuar a conversar ou tentar não estar
próxima a eles?
Um dia, ao questionar se estavam “matando aula” para conversar comigo um
aluno respondeu: “a gente ia matar aula de qualquer jeito e ficar pelo pátio, só
estamos conversando com você. Fica tranquila que ninguém vai perceber que
estamos matando aula”. Estes acontecimentos desencadeavam a sensação de
também estar violando uma regra da escola, o que me colocava a todo instante em
um dilema ético frente à instituição e ao meu papel “ambíguo” na escola.
Os adolescentes também faziam perguntas pessoais, brincadeiras e
comentários, por vezes, constrangedores e que geraram preocupações,
principalmente no trato com os rapazes. Os meninos questionavam se eu namorava,
se tinha “contatinhos”13, e houve gestos e falas que sinalizaram possível paquera.

___________________________________________________
13“Contatinho” é uma expressão utilizada para se referir a relações ocasionais de ordem afetivo-
sexual.

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Um rapaz, em especial, foi o que exigiu maior cuidado, pois, através de uma
brincadeira maliciosa, pareceu fazer um convite para sair. Semanas após esse
episódio, fui alertada pela bibliotecária que ele estava interessado em mim. Como
essa situação ocorreu no início das entrevistas, consequentemente, diminuiu o
tempo em que ficava no pátio, gerando um distanciamento automático dos alunos e
das alunas.

2.2.2 Entrevistas e seus múltiplos processos de afetamento

Foram realizadas 7 entrevistas em profundidade com 3 moças e 4 rapazes,


com idades entre 18 e 24 anos, de diferentes cores/raças e orientações sexuais. As
entrevistas duraram em média de 1 hora a 1 hora e meia. A entrevista de um rapaz
foi descartada devido à má qualidade da gravação.
A perspectiva de resgatar as trajetórias de vida tendo como ponto de partida a
iniciação afetivo-sexual centrou-se nos seguintes tópicos: trajetória familiar, de
amizade, escolar, percurso de vida, experiências afetivo-sexuais, vivências de
violências e as agências. A realização das entrevistas foi entre agosto e outubro de
2018. O roteiro de entrevista contou com uma ficha com as seguintes informações:
idade, escolaridade, cor/raça (autodeclarada), renda, religião, estado civil, número
de filhos/gravidezes, composição familiar (Ver tabela 1 em anexo) e três perguntas
disparadoras para nortear os objetivos da entrevista:
• Quando somos mais novos e nunca “ficamos” com ninguém, às vezes,
há uma pressão dos amigos ou quando estamos interessados em alguém e não
sabemos o que fazer. Como foi com você?
• “Ficar” e namorar é gostoso, mas pode ter um lado ruim. O que já
aconteceu com você que não repetiria?
• Geralmente quando estamos “ficando”/namorando, dividimos com
alguém as coisas legais, as coisas ruins. Como tem sido com você?
No decorrer das perguntas não foi utilizado o termo violência, com exceção do
final da entrevista, com o intuito de entender o que os adolescentes significavam
como violência em suas histórias. Foi perguntado se já havia praticado ou vivido
alguma violência em seus relacionamentos.

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Durante o trabalho de campo, surgiu o uso do termo “relacionamento


abusivo”, tanto por alunas quanto por profissionais. Tal termo também foi
mencionado nas primeiras entrevistas. Sentindo necessidade de compreender se a
escolha desse termo estava sendo acionado para nomear as violências, foi incluída
na entrevista a pergunta sobre já ter vivido um relacionamento abusivo e/ou ter sido
abusivo.
Foram convidados para as entrevistas uma moça e um rapaz de cada
modalidade do ensino médio, que já tivesse estabelecido algum tipo de contato com
a pesquisadora através da convivência no pátio, com exceção de uma moça, que foi
indicada por um dos entrevistados, devido ao desconhecimento de uma interlocutora
que estivesse dentro do perfil de idade. Embora a maior parte dos rapazes
entrevistados seja negro e das moças, branca (autodeclaração), ressalto que essa
escolha não foi intencional, mas em virtude da não proximidade com outros
adolescentes que tivessem idades entre 18 e 24 anos.
Durante o estabelecimento dos contatos para participação no estudo, foram
explicados seus objetivos, métodos, riscos e benefícios. Foi solicitada autorização
para a gravação da entrevista. Devido à aparente preocupação dos adolescentes
com a escola ter acesso à gravação e/ou aos relatos, foi reforçado diversas vezes o
sigilo e a garantia de confidencialidade das informações e de que maneira elas
seriam utilizadas. Ademais, adverti que poderiam desistir da participação a qualquer
momento.
As entrevistas foram realizadas na própria unidade escolar, em datas
previamente combinadas com os adolescentes conforme a disponibilidade de
horário frente ao quadro de aulas. A Direção concedeu uma sala para realizar as
entrevistas, porém, por ser conjugada com o arquivo da escola, na primeira
entrevista houve diversas interrupções.
Na inviabilidade de prosseguir as próximas entrevistas naquele espaço, foi
agendada a sala de vídeo. Contudo, ainda assim, em uma das entrevistas, fomos
solicitados a nos retirar da sala, no meio do processo, para a realização de uma
reunião. A conclusão da interlocução deu-se em uma sala anexa à biblioteca. Local
acordado diretamente com a bibliotecária e utilizado para as demais entrevistas.
Alguns adolescentes ficaram nervosos e ansiosos; um rapaz solicitou ver as
perguntas antes de iniciar a entrevista. O gravador foi um elemento intimidador, eles
continham as palavras e houve questionamento através de mímicas ou uma voz

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muito baixa sobre o que podia falar, se podia dizer palavrão. Algumas histórias já
tinham sido contadas em outro momento com muito mais riqueza de detalhes, o que
reforça o poder inibidor do gravador. Ao desligá-lo, alguns voltaram a ter uma fala
mais tranquila e descontraída. De modo geral, os rapazes demonstraram maior
tensão durante a entrevista.
A situação da entrevista suscitou diversas reações a partir das narrativas: o
anúncio do choro depois da leitura do termo de consentimento livre; falas e
expressões que transbordavam dor; lágrimas; silêncios e riso nervoso. Algumas
histórias foram difíceis de ser concluídas e procurei deixar os entrevistados à
vontade para prosseguir ou não com seu relato. De modo particular, um adolescente
trouxe um relato de forma descontraída, mas com dúvidas se o que viveu era uma
violência, ele expressava-se de modo como se esperasse uma resposta. Semanas
após a entrevista, duas moças relataram que ficaram “mexidas” ao falar sobre suas
histórias por tratarem de lembranças que ainda lhes causam dor.
Por fim, é preciso levantar mais alguns pontos desafiadores nesse processo
de pesquisa, o campo de tensão e inquietação pessoal que foram gerados através
dos diálogos no pátio e na escuta das histórias durante as entrevistas. Nesses
momentos, pensava ser o lado profissional querendo agir, pois é difícil se
desvencilhar do fazer diário. Mas hoje acredito que os sentimentos gerados ao longo
da pesquisa, fossem no contato com os adolescentes ou os estranhamentos e
reflexões na área profissional, só foram possíveis pelo fato de eu ter sido afetada
como pessoa.
Como afirma Parreiras (2017, p.17), não há como sair intacto da pesquisa de
campo, “especialmente quando as vivências tocam em pontos sensíveis, como por
exemplo, lidar com narrativas de violência, abuso, dor, exploração”. À luz de Fravet-
Saada (2005), ser afetada pelo campo abre uma comunicação com os
interlocutores, que é involuntária, sem intencionalidade, verbal ou não, e permitir
esses afetamentos é possibilitar os estranhamentos no campo e os questionamentos
de nosso conhecimento.
A seguir, um breve histórico dos adolescentes entrevistados e uma tabela de
identificação de todos os interlocutores mencionados nesta dissertação.

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Perfil dos entrevistados

• William: autodeclara-se negro, tem 18 anos, cursa o 3º ano do ensino


médio profissionalizante (curso Ventania). É evangélico, reside com a família (pai,
mãe e dois irmãos) em um bairro de classe baixa e com forte presença do tráfico de
drogas. Namorou algumas vezes. Teve experiência de um beijo com um rapaz, mas
declara não sentir atração ou desejo por pessoas do mesmo sexo. As queixas
principais em seus relacionamentos foram o “excesso” de ciúmes das parceiras, que
desencadeava em discussões com ele e com suas amigas. William relatou ter uma
postura mais passiva diante dos desentendimentos, tendia a se silenciar ou a tentar
acalmar a parceira. O jovem afirma ser tímido e não costuma dividir seus problemas.
Em algumas situações de conflitos com a ex-namorada, recorreu a amigos e ao pai
para solicitar conselhos. Na escola, costumava circular sozinho ou em dupla,
mantinha-se mais quieto nas rodas de conversa.
• Ana: autodeclara-se negra, tem 20 anos e cursa o 2º ano do ensino médio
profissionalizante (curso Ventania). É evangélica e, na ocasião da entrevista, residia
com a família paterna (pai, madrasta, duas irmãs e um irmão) em um bairro de
classe baixa. Até os 16 anos, ela morou com a família materna (mãe, avó e três
irmãs), mas, após desentendimentos com a genitora que levaram a agressões
físicas em espaços públicos, foi morar com o pai. Ana teve uma experiência de
namoro e um noivado. Relatou sentir atração por moças, mas não teve experiências
homoafetivas, e se identifica como heterossexual. Em ambas experiências de
namoro, foi “traída”, viveu conflitos que desencadearam agressões físicas mútuas,
isolamento do grupo de amigos devido a ciúmes, e se queixa de violência
psicológica praticada pelo noivo. Embora ela relate tentar dialogar diante dos
conflitos, em algumas cenas narradas, Ana disse reagir com agressão física contra o
outro ou contra si mesma. A jovem relata ter suporte principalmente de amigas e da
madrasta. Na escola, costumava passar os momentos de aula vaga e de intervalo
dentro da sala de aula, porém, quando estava no pátio, tinha uma postura mais
falante, sempre acompanhada. Interrompeu os estudos por alguns anos devido à
necessidade de trabalhar.
• Guilherme: autodeclara-se negro, tem 18 anos e cursa o 1º ano do ensino
médio profissionalizante (curso Tempestade). É católico não praticante, reside com a
família (pai, mãe e irmão) no centro da cidade. Relata algumas experiências de

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namoro. Menciona sentir atração por rapazes e já teve uma experiência de “ficar”
com um deles, porém suas práticas erótico-afetivas são com moças. Os conflitos
relatados aconteceram com meninas com quem “ficou” e foram em decorrência de
ciúmes, ele teve fotos íntimas exibidas pessoalmente para um grupo de amigas de
uma “ex-ficante”. O rapaz relata perder a paciência com facilidade, brigar e xingar as
moças. Ele identifica essas ações como violência. Guilherme relata resolver suas
questões sozinho, não tem o hábito de procurar os amigos para pedir conselhos e,
quando o faz, se sente mais à vontade com as moças e por vezes recorre à mãe. Na
escola, está sempre rodeado de pessoas, circula em diferentes grupos, tem fama de
“ficar” com muitas garotas da escola e está constantemente pelo pátio. Já reprovou
alguns anos na escola, pois, tinha o hábito de faltar às aulas para namorar.
• Lígia autodeclara-se branca, tem 18 anos e cursa o 1º ano do ensino médio
profissionalizante (curso Tempestade). É espírita não praticante, reside com a
família paterna (pai, madrasta, irmã e genitora da madrasta) em um bairro popular
da cidade. Anteriormente morava com a mãe, mas, devido a conflitos, resolveu
residir com o pai. A moça aponta dificuldade na relação com o pai, que se agravou
quando ele descobriu que ela era lésbica (autodeclaração), o que também não é
bem aceito pela mãe. Na ocasião da entrevista, Lígia tinha terminado um namoro há
poucos dias. A jovem teve experiências de namoro com meninos e com meninas,
mas afirma que, desde que entendeu sua “orientação sexual”, tem-se relacionado
com mulheres. Relata situação de coerção sexual e constantes discussões em
decorrência de ciúmes. Ela se considera tranquila e disse resolver os problemas
através do diálogo, mas também relatou reações com agressão física. Embora relate
resolver seus problemas sozinha, chegou a citar a irmã, que tem como a principal
conselheira, e amigos. Na escola, ela é comunicativa e relaciona-se com diferentes
grupos de alunos.
• Carlos autodeclara-se pardo, tem 19 anos e cursa o 3º ano do ensino
médio. Diz não ter religião, mas a família é evangélica. Reside com a família (pai,
mãe e uma irmã) em um bairro de classe popular. O rapaz não possui bom
relacionamento com a família em decorrência de divergências de opiniões e da alta
cobrança para se adequar aos comportamentos exigidos pela família, como por
exemplo, ser mais reservado. Na ocasião da entrevista, estava namorando pela
primeira vez, relação que durava há dois anos. Menciona já ter tido dúvidas acerca
de sua sexualidade, mas ter compreendido ser heterossexual. Não relatou situações

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de violência no namoro ou em relações de “ficar”, também não menciona episódios


em que foi agressivo com as moças. Carlos disse recorrer à namorada e a um amigo
quando precisa de conselho ou ajuda, sendo o amigo o mais solicitado. Na escola,
ele é comunicativo, fala com muitas pessoas, tem uma postura de liderança e diz ser
o “presidente do grêmio”, o que o fazia ser intermediário dos alunos com a gestão da
escola.
• Ingrid autodeclara-se branca, tem 19 anos e cursa o 3º ano do ensino
médio. É evangélica não praticante e reside com a família materna (mãe, padrasto e
irmã). O pai reside em outro município e aponta ter um relacionamento próximo com
ele, menciona que a relação com a mãe é distante. No momento da entrevista, ela
se relacionava há 1 ano com um rapaz, mas não nomeava de namoro. Ingrid relata
ter experiências afetivo-sexuais com moças. As principais queixas no
relacionamento foram com o atual parceiro, relatou diversas brigas em função de
ciúme, isolamento do grupo de amigos, episódio de agressão física e coerção
sexual. Ingrid reagia às brigas, discutindo, gritando e devolvia as agressões físicas
vividas. Relata ser muito introspectiva com seus problemas pessoais; não tem o
costume de recorrer a amigos por falta de confiança, porém aponta um amigo como
conselheiro de algumas situações. Distinto dos demais entrevistados, não conto com
observações sobre a sociabilidade da moça na escola, pois não a conheci através
do campo, ela foi indicada por um rapaz para participar da entrevista.

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Tabela 1 – Identificação das/os adolescentes da pesquisa (com os quais se estabeleceram interações mais frequentes
durante a observação participante, incluindo alguns que concordaram em participar na entrevista).

Nome Raça* Idade Escolaridade/ 1º Contato e diálogos Experiência afetivo- Prática ou vivência
Turno posteriores sexual de violência no
relacionamento
afetivo-sexual
1 Cora Branca 14 8º ano/ tarde Apresentada pelos Prática de “ficar”. Relatos de violência no
amigos. Nunca namorou. relacionamento
Conversas através da Não há experiências com afetivo-sexual de
circulação no pátio. parceiras do mesmo terceiros.
Relatos em diário de sexo.
campo.
2 Débora Negra 14 7º ano/ tarde Apresentada pelos Prática de “ficar”. Relato de prática de
amigos. Namorava na ocasião da violência no próprio
Conversas através da pesquisa. relacionamento e
circulação no pátio. Não há experiências com sobre relação de
Relatos em diário de parceiras do mesmo terceiros.
campo. sexo.
3 Clara Branca 15 8º ano/ tarde Adolescente fez contato a Práticas de “ficar” e Relato de violência no
partir de uma brincadeira. namorar. próprio relacionamento
Conversas através da Práticas sexuais. afetivo-sexual e de
circulação no pátio. Experiências com terceiros.
Relatos em diário de parceiras do mesmo
campo. sexo.

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4 Fernanda Branca 14 8º ano/ tarde Apresentada pelos Práticas de “ficar” e Relata situações de
amigos. namorar. brigas e términos de
Conversas através da Não há experiências com relacionamento.
circulação no pátio. parceiras do mesmo
Relatos em diário de sexo.
campo.
5 Bruno Pardo 15 8º ano/ tarde Adolescente fez contato a Práticas de “ficar”. Não há relatos sobre o
partir de uma brincadeira. Adolescente pouco falava próprio
Conversas através da sobre suas práticas. relacionamento.
circulação no pátio.
Relatos em diário de
campo.
6 Patrick Negro 17 1º ano/ manhã Contato via diálogo em Práticas de “ficar” e Relatos de vivência de
conjunto com funcionárias namorar. violência no próprio
no portão da escola. Práticas sexuais. relacionamento
Conversas através da Experiências com afetivo-sexual.
circulação no pátio. parceiros do mesmo Amigas e amigos
Relatos em diário de sexo. relataram casos de
campo. violência praticada
pelo adolescente.
7 Roberto Negro 17 3º ano/ manhã Abordagem feita pelo Namorava na ocasião da Relata conflitos no
adolescente na quadra pesquisa. próprio
esportiva. relacionamento.
Conversas através da
circulação no pátio.
Relatos em diário de
campo.

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8 Ingrid Branca 19 3º ano/ manhã Apresentada por um Práticas de “ficar” e Relatos de prática e
rapaz. namorar. vivência de violência
Entrevista gravada. Práticas sexuais. no relacionamento
“Ficava” há 1 ano no afetivo-sexual.
momento da entrevista.
Experiências com
parceiras do mesmo
sexo.
9 Carlos Pardo 19 3º ano/ manhã Abordagem feita pelo Práticas de “ficar” e Não há relato de
rapaz ao se aproximar do namorar. prática e vivência de
grupo. Práticas sexuais. violência no
Conversas através da Namorava há 2 anos no relacionamento
circulação no pátio. momento da entrevista. afetivo-sexual.
Relatos em diário de Experiência de um beijo
campo. com parceiro do mesmo
Entrevista gravada. sexo.

10 Aline Branca 18 3º ano/ manhã Apresentada por amigos Práticas de “ficar” e Relato de vivência de
em rodas de conversa. namorar. violência no
Um único contato. Práticas sexuais. relacionamento
Relatos em diário de afetivo-sexual.
campo.

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11 André Branco 15 1º ano curso Abordagem feita pelo Práticas de “ficar”. Não há relatos de
Ventania/ adolescente. conflitos ou violência.
Integral Conversas através da
circulação no pátio.
Relatos em diário de
campo.
12 Ana Negra 20 2º ano curso Moça apresentada por Práticas de “ficar”, Relatos de prática e
Ventania/ um amigo. namorar e noivado. vivência de violência
Integral Conversas através da Práticas sexuais. no relacionamento
circulação no pátio. Relata atração, mas não afetivo-sexual.
Relatos em diário de há experiências com
campo. parceiras do mesmo
Entrevista gravada. sexo.
13 Nina Negra 17 3º ano curso Contato via diálogo em Práticas de “ficar”, Relato de briga em
Ventania/ conjunto com funcionárias namorar. que tenta agredir o
Integral no portão da escola. Namorava há 5 anos na namorado.
Conversas através da ocasião da pesquisa.
circulação no pátio.
Relatos em diário de
campo.
14 William Negro 18 3º ano curso Apresentado por uma Práticas de “ficar”, Relatos de prática e
Ventania/ amiga. namorar. vivência de violência
Integral Conversas através da Práticas sexuais. no relacionamento
circulação no pátio. Experiência de um beijo afetivo-sexual.
Relatos em diário de com parceiro do mesmo
campo. sexo.
Entrevista gravada.

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15 Guilherme Negro 18 3º ano curso Abordagem feita pelo Práticas de “ficar”, Relatos de prática e
Tempestade/ rapaz quando namorar. vivência de violência
Integral assistíamos um ensaio de Práticas sexuais. no relacionamento
dança (trabalho escolar). Atração e uma afetivo-sexual.
Conversas através da experiência com parceiro
circulação no pátio. do mesmo sexo.
Relatos em diário de
campo.
Entrevista gravada.

16 Lígia Branca 18 3º ano curso Apresentada por amigos Práticas de “ficar”, Relatos de prática e
Tempestade/ em rodas de conversa. namorar ambos os sexos. vivência de violência
Integral Conversas através da Práticas sexuais. no relacionamento
circulação no pátio. Identifica-se como afetivo-sexual.
Relatos em diário de homossexual.
campo.
Entrevista gravada.

*Hétero classificação

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3 SEXUALIDADE E AFETO NA ESCOLA

Este capítulo visa à compreensão da sociabilidade dentro do ambiente


escolar, da iniciação sexual e afetiva e das experiências ao longo das trajetórias da
sexualidade na adolescência. Desse modo, descrevo a sociabilidade dos
adolescentes sob o prisma de gênero abordando os aprendizados da sexualidade e
as interações como a paquera e a conquista. Por último, por ser a escola um espaço
de informação e de controle da sexualidade, também analiso como esse assunto é
tratado pelos diversos profissionais nos diferentes espaços institucionais, como o
pátio e os espaços formais de aprendizagem, e as formas como a instituição lida
com as questões que envolvem o namoro e o “ficar” dentro da escola.

3.1 Sociabilidade, afetos e espaço escolar

Ao chegar à escola no primeiro dia de campo, direcionara-me à Direção e, em


seguida, sem ser acompanhada, fui até o portão de acesso ao pátio. Apresentara-
me às funcionárias responsáveis pelo controle do portão, que, sem nenhum
questionamento, abriram o cadeado para eu entrar. Como em cada turno,
funcionárias diferentes controlavam o portão, no dia seguinte, pela manhã, fui
interpelada por um funcionário, o único homem na portaria, que pediu que eu
conversasse com a Direção e, ao retornar, ele foi pessoalmente se certificar da
autorização. A diferença de conduta entre os funcionários suscitou uma ambiguidade
nas regras da instituição ou no cumprimento dessas, fato que foi reforçado ao longo
dos meses.
Na calçada, formavam-se grupos homogêneos de meninos, de meninas,
grupos mistos, e havia presença de rapazes sem uniforme conversando com moças,
ambos, geralmente, com expressões corporais que sugeriam uma possível paquera.
Enquanto aguardavam a hora da entrada, na área anterior ao portão de acesso ao
pátio, casais sentavam debaixo das árvores para namorar e, ao lado do portão,
havia uma aglomeração de adolescentes conversando e rindo. A entrada no colégio
era sempre seguida de alguma discussão com as funcionárias, por estarem fora do
horário ou por estarem sem alguma peça do uniforme.

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As grades do portão permitiam que qualquer pessoa visualizasse e fizesse


algum tipo de contato com os alunos, assim, da mesma forma que facilitava pais,
mães, avós irem vigiar seus filhos e netos, também colaborava para o acesso dos
namorados, namoradas, “ficantes”14 e “crushes”15, que comumente levavam lanches,
doces, conversavam e trocavam beijos pelas grades.
O déficit de professores nos horários observados fazia com que o pátio
tivesse grande movimentação de alunos e alunas, o que dava a sensação contínua
de recreio. O barulho era uma constante, conversas, gritos e risadas e, entre as
diversas vozes que ecoavam, era possível notar as mãos que gesticulavam libras e
colegas que, mesmo não sabendo essa linguagem, achavam formas de dialogar e
brincar. Reuniam-se para jogar uno, baralho, dançar, cantar, tocar violão, brincar de
bola, ora com bolas de verdade, ora com “bolas” improvisadas. Também havia
provocações, fofocas, xingamentos, empurrões e escutava-se falar de brigas que às
vezes eram mostradas através de vídeos que circulavam nas redes sociais.
O fone de ouvido era um acessório unânime, sempre plugado aos celulares,
que, além de ser o meio para ouvir as músicas, eram usados para troca de
mensagens, ligações, fotos e vídeos. O uso de celulares era tão frequente, que
parecia não ser algo proibido na escola. Foi utilizado inclusive no momento de
apresentação de trabalhos orais, durante a atividade em sala de aula que participei.
A música era algo forte no cotidiano. O som do violão era muito presente
tanto no pátio quanto em salas de aula, o instrumento tocado por moças, por
rapazes e por professores durante a aula. Ainda que raro, também ouvia o som de
pandeiro e violino, o que atraia mais adolescentes às rodas. As músicas eram dos
mais variados estilos, funk, sertanejo, rock, música popular brasileira e gospel. Nos
dias em que o assunto era a tristeza, o pesar por um relacionamento findado ou uma
paquera não correspondida, moças e rapazes compartilhavam comigo as músicas
de quando se está na “merda”, declamavam trechos, cantavam ou tocavam nos
celulares para que eu escutasse.

___________________________________________________
14O “ficar” pode ser compreendido como um encontro ocasional, é um relacionamento despertado
por uma atração ou interesse que resulta a troca de carícias, beijos podendo ter ou não relações
sexuais (JUSTO, 2006).

15“Crush” é um termo usado pelos adolescentes para definir a pessoa por quem está interessado,
paquerando.

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Alunas e alunos transitavam pelos diferentes espaços, alguns ficavam


sozinhos, outros em duplas, outros em pequenos ou grandes grupos. Sentavam-se e
deitavam-se um no colo do outro, geralmente as meninas entre elas, alguns meninos
usufruíam do colo das garotas, o que não ocorria entre os próprios garotos. Os
toques corporais entre os meninos eram mais frequentes nas brincadeiras ou nos
jogos esportivos.
A ausência de uma figura de autoridade que supervisionasse o pátio o
tornava um ambiente mais permissivo e, devido a sua grande extensão territorial,
era fácil se esconder dos olhos dos adultos. O namoro era frequente na escola,
havia casais heterossexuais e, em menor frequência, homossexuais, os quais eram
principalmente casais de meninas, já os casais de meninos não circulavam pelo
pátio. As manifestações públicas de afeto eram diferentes conforme a orientação
sexual, as meninas andavam de mãos dadas e raramente se abraçavam. Entretanto,
casais heterossexuais se abraçavam, beijavam, sentavam no colo e as mãos
passavam pelo corpo um do outro.
Inicialmente apostei que os banheiros e as paredes, através dos escritos em
torno da sexualidade - como declarações amorosas, xingamentos, rivalidades e
conflitos - fossem dar pistas de um “modo de funcionar” das relações afetivo-
sexuais, por via de um provável controle exercido pelos próprios adolescentes.
Assim, eu poderia ter indícios de como possíveis violências e humilhações se
revelavam no contexto do campo etnográfico, mas, para minha surpresa, havia
poucos escritos e a Direção pintava a escola de tempos em tempos no intuito dessa
ação desestimular as pichações.
O refeitório também podia ser um local em que eles teriam oportunidades de
paquera e aproximações, mas eles não se detinham no local por muito tempo,
comiam rapidamente e saiam. A merenda era distribuída em horários diferentes,
conforme o ano de escolaridade, assim, enquanto um grupo formava fila para a
entrada no refeitório, alunas e alunos que não participariam daquele momento da
refeição transitavam pelo local, às vezes para falar com colegas, outras vezes para
paquerar.
A quadra esportiva se apresentou como um local que favorecia as paqueras,
pois, além de ficar distante dos olhos das funcionárias, permitia que adolescentes
exibissem seus corpos de outras formas. Garotas e garotos paravam do lado
externo e observavam aqueles que estavam jogando, faziam gestos, apontavam,

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comentavam e riam. Do lado de dentro da quadra, alunas e alunos que não estavam
participando da atividade, iam até as grades para conversar ou saiam da quadra
para cumprimentar, muitas vezes com abraços de modo sedutor.
Existia uma diferença comportamental clara entres os turnos, os adolescentes
que estudavam à tarde eram tidos como mais problemáticos, comportamento que
era associado à imaturidade decorrente da pouca idade. As funcionárias
recorrentemente se queixavam deles, como demonstra a fala a seguir: “eles são
tudo mais estranhos, mais bagunceiros e mais brigões”. Esta visão também era
generalizada entre os alunos mais velhos, fato que interferia nas interações sociais
entre alunos do ensino médio e fundamental.
Em uma conversa sobre o convívio com alunos de ensino médio, Cora (14
anos, branca, 8º ano) relatou que alunas e alunos do ensino fundamental eram tidos
como crianças o que os tornavam alvo de deboches e provocações, circunstância
que a deixava irritada: “eles são muito chatos, se acham os adultos, superiores e
que a gente é criança”. Serem interpretadas como crianças, além de soar como uma
inferiorização, era compreendido como um aspecto negativo para a paquera com os
meninos do ensino médio.
Parecia existir uma espécie de hierarquia entre o curso Ventania e os demais
segmentos de ensino. O curso Tempestade era novo na escola e, também por ser
profissionalizante, começou a ser inserido em eventos que antes, tradicionalmente,
contavam apenas com a participação do curso Ventania, como a quadrilha na festa
junina, o desfile de 7 de setembro e a Feira das Nações. O que atribuía às alunas do
curso Ventania um lugar de destaque e constantemente havia reclamações de que
elas eram muito “metidas” e se achavam “poderosas” na escola, queixas realizadas
principalmente por meninas. Além disso, elas eram frequentemente procuradas
pelos meninos, o que ocasionava ciúme nas moças e brigas entre casais em que os
namorados eram vistos conversando com essas alunas.
Quanto às professoras e professores, eventualmente usavam o pátio para
desenvolver atividades de aula, como por exemplo, exercícios lúdicos. No intervalo
de uma aula e outra, esses profissionais cruzavam o pátio para troca de sala ou
retornar à sala dos professores. Nesse trânsito, poucos estabeleciam contatos com
os estudantes e alguns sempre eram abordados por alunas e alunos.
A respeito da minha inserção naquele espaço de sociabilidade, após me
tornar familiar, os diálogos se ampliavam cada vez mais: moças e rapazes gostavam

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de contar sobre os acontecimentos da semana; conversar sobre livros, filmes, séries,


projetos e sobre os “crushes”, etc. Curiosamente quando entrávamos no assunto de
relacionamentos afetivos, as histórias que surgiam era em torno das desilusões:
“essa aqui tem muita coisa pra te contar, só decepção, aquela ali é ‘sete’ tá nem aí,
essa é ‘catorze16’”; “Vixi, tá vendo aqui, tudo chifruda, tudo já levou chifre. Essa aqui
terminou porque o namorado traiu, mas já voltou, mó otária”.
As observações do espaço, aliadas aos diálogos e histórias ouvidas,
auxiliaram na compreensão acerca das interações afetivo-sexuais dos adolescentes;
a relação entre estudantes e funcionárias, professoras e professores e o modo como
a escola lidava e controlava a sexualidade.

3.2 Os roteiros do “ficar” e namorar

Garotas querem mais amor de verdade


Mais sinceridade
Garotos são todos iguais
Têm necessidade, não passam vontade.
(Garotas Não Merecem Chorar – Luan Santana)

A iniciação sexual costuma ter início na adolescência, mas para alguns


acontece ainda na infância, assim essas experiências acabam por marcar
justamente a distinção entre infância e adolescência. A sexualidade é tecida a partir
das experimentações, pelas trocas de afeto, o desejo e a busca por prazeres, que
independem da duração da relação ou do contato estabelecido. Sendo assim,
entendo iniciação sexual como um processo gradativo, que pode se dar desde
flertes, carícias, beijos, à exploração do próprio corpo e do corpo do outro.
O exercício da sexualidade estimula os adolescentes progressivamente a
uma autonomia individual, permitindo ir além das relações com a família, amigos e
escola, ampliando com isso as relações interpessoais através dos relacionamentos
amorosos (BRANDÃO, 2003; BOZON, 2004; HEILBORN, 2006). Esses autores
assinalam que as aproximações afetivo-sexuais são permeadas por aprendizagens
e pela exploração de regras sociais que são incorporadas não como uma imposição,
mas como interiorização de valores, convenções, falas e modos de funcionamento

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16 “Sete” é expressão nativa usada para “pega e não se apega”, e “catorze” para “pega e se apega”.

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de instituições, como o meio social, familiar, de amigos, de religião, mídia e


atualmente com forte influência das redes sociais. Tais aprendizados são
especialmente importantes na adolescência, pois é quando se inicia a vida sexual
com um parceiro (HEILBORN et. al., 2006).
As aprendizagens, experiências e regras sociais são pautadas pelo que
Gagnon (2006) chama de roteiros sexuais. Estes são habilidades interativas
aprendidas nos mais diversos contextos sociais e são utilizadas para organizar os
pensamentos e comportamentos sexuais e as escolhas de parceiras e parceiros.
Para Gagnon (2006), os roteiros se dividem em três níveis, que interagem entre si
de forma dinâmica, são eles: os interpessoais, intrapsíquicos e culturais.
Os roteiros interpessoais auxiliam a organização, a autorrepresentação e a
representação de terceiros na atividade sexual; os roteiros intrapsíquicos são
articulados internamente por via de imagens e características que despertam o
desejo, e, por meio da cultura, o indivíduo molda os roteiros interpessoais e
intrapsíquicos somados aos símbolos culturais e papéis sociais baseados na raça,
gênero e classe (GAGNON, 2006).
Os roteiros não são fixos e podem ser combinados, recombinados e
ressignificados ao longo do tempo; sofrem influência das morais sociais e normas de
gênero, com isso, diferenciando e estabelecendo as atitudes que meninas e
meninos devem ter. Eles moldam as atividades verbais e não verbais de condutas
sexuais, assim interferem diretamente nas características que nos desperta atenção,
desejo e no comportamento no processo de conquista. Os valores morais e os
padrões hegemônicos de gênero que atravessam e orientam os roteiros sexuais
também podem produzir e reforçar desigualdades e propiciar episódios de violência.
No intuito de melhor compreender os roteiros sexuais e as produções do
desejo entre o grupo pesquisado, durante as entrevistas, foi questionado sobre “o
que fazia despertar a atenção pela moça ou pelo rapaz”. Das respostas fornecidas,
apenas um menino e uma menina trouxeram de imediato atributos relacionados às
características físicas. De modo geral, foi apontado o sorriso, o olhar, a cor da pele
ou traços físicos que remeteriam a uma raça/cor, não houve uma predileção
hegemônica por pessoas brancas ou negras.
Os aspectos que tiveram mais destaque foram personalidade, valores e
atitudes morais, como nos exemplos a seguir: “eu gosto de pessoas que tenham um
bom caráter, uma boa identidade, sabe? Que sabe se expressar bem, que sabe falar

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e, tipo assim, e que fazem bem aos outros”; “nunca tive um tipo de beleza
específica, se você não tiver personalidade emendando na sua beleza, você não é
nada” e “pra mim não é questão de beleza, mas é o jeito da pessoa agir com você.
Tipo, se a pessoa é engraçada, mostra que se importa com você, te distrai, a pessoa
que faz um lance ser interessante”.
Os relacionamentos são inicialmente estabelecidos por um conjunto de
técnicas sexuais que podem promover ansiedade e insegurança (Gagnon, 2006).
Esses elementos atrelados à inexperiência e à vergonha eram, muitas vezes,
inibidores de paquera, a maior parte dos interlocutores, nas entrevistas, relatou não
se sentir à vontade para conversar e pedir dicas de conquistas para amigos ou
familiares. Essa atitude também converge com as observações de Louro (2000) no
âmbito escolar, em que dúvidas, fantasias, experimentações do prazer são
associadas ao segredo e à vida privada, e através das diversas formas de
disciplinamento, os jovens aprendem essas atitudes de vergonha.
Em campo também identifiquei que, para os rapazes, existia uma maior
cobrança no processo de conquista, que se dava em termos da necessidade em se
“dar bem”, ou seja, eles precisavam ser bem sucedidos no processo de conquista
das garotas, pois, para eles, isso significa uma forma de reforçar sua masculinidade
(NASCIMENTO, 2017).
Diante da inexperiência, a Internet apareceu na pesquisa como uma maneira
de se instruir e procurar respostas de como se aproximar da pessoa desejada, como
foi o caso de Willian de 18 anos. Ele contou que, aos 15 anos, já havia iniciado sua
vida afetivo-sexual, mas, cansado de não saber “nada sobre pegar mulheres”,
resolveu fazer uma busca no Google, “como chegar em uma garota” e localizou
diversos sites e vídeos no Youtube, alguns gratuitos e outros pagos, que dão dicas
sobre o assunto. Segundo Willian, as dicas foram preciosas, pois o ajudaram com a
timidez e a notar sinais corporais que as moças emitiam, como o olhar fixo, a
dilatação da pupila dos olhos, o sorriso.
Para além das atitudes, Gagnon (2006) assinala que as vestimentas fazem
parte de uma sequência roteirizada e são utilizadas para atrair o olhar do outro. O
investimento na aparência física despontava na fala dos adolescentes pesquisados
como um cuidado necessário no processo de sedução, como retratado pelo relato
de Guilherme sobre a festa que daria ao completar 18 anos: “no dia vou fazer a

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sobrancelha, a barba, limpeza de pele, e cortar o cabelo, na festa vai ter muita mina,
tenho que ficar bonitão”.
Sobre a importância da aparência para a produção de desejo, Petrossilo
(2016), em uma pesquisa sobre “pornografia de humilhação involuntária” em uma
escola do Rio de Janeiro, define uma tríade de capitais: o corporal, o estético e o de
estilo. Esses capitais estão diretamente ligados a padrões impostos socialmente,
como possuir um corpo magro, malhado para rapazes e voluptuosos para moças, ter
cuidados com o cabelo, com a pele e com as roupas utilizadas, obtendo um maior
destaque os que desfilam conforme a moda e com peças de marca.
No que se refere às diferenças teóricas entre Gagnon e Petrossilo, há
convergência entre a teoria dos capitais, que tem por base a noção de capital
simbólico de Bourdieu (1989). Compreende-se assim que possibilidades de relação,
produção do desejo e comunicação com outras pessoas são atravessadas pelas
marcas culturais, de classe, etc., que são corporificadas e entram em jogo nos
roteiros sexuais.
A preocupação com a estética era notória entre os adolescentes da escola
pesquisada. Havia a obrigatoriedade do uso de uniformes que, a princípio,
universalizaria um padrão estético. Era determinado que alunas e alunos usassem
calça jeans e a camiseta da escola, os meninos ainda podiam usar bermudas de
cores lisas (preta ou azul). O curso Ventania possuía um uniforme diferenciado com
saia e camisa de botão. Contudo, os adolescentes encontravam formas de subverter
e/ou readaptar as exigências e regras e incorporavam elementos advindos dos seus
espaços de vivências e da cultura fora da escola para tornar sua aparência mais
atraente e potencializar seu capital de produção do desejo.
Desse modo, os rapazes, após entrarem na escola, trocavam a camiseta do
uniforme por camisetas “descoladas” e/ou bermudas estampadas. As moças
mudavam as camisetas por blusinhas, as do curso Ventania abriam os botões das
camisas e deixavam parte das blusinhas e do colo à mostra. Algumas garotas do
ensino fundamental tinham por costume dobrar a camiseta e exibirem a barriga.
Desfilavam pela escola corpos tatuados, com piercings e variados tipos de
adereços. Os meninos com relógios, bonés, correntes, diversos cortes e pinturas de
cabelos, sobrancelhas feitas, alguns deixavam barbas e bigodes crescerem. As
meninas colocavam brincos, colares, pulseiras, anéis, maquiagens, diferentes
penteados, cortes e tinturas de cabelos, das cores mais diversas, verde, azul, roxo e

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rosa. Moças e rapazes negros valorizavam seus cabelos cacheados e crespos,


usavam tranças e turbantes. As mochilas desde as discretas, de cores lisas, às
coloridas, estampadas, brilhantes e em formatos de animais.
A paquera e a sedução era algo frequente no pátio e perceptível pelas falas,
olhares, gestos, abraços mais maliciosos e brincadeiras. Segundo Almeida (2006),
essas expressões corporais também despontam como uma forma do corpo
estabelecer diálogos e favorecer o contato tátil.
Em alguns momentos, tive a impressão que os meninos se aproximavam de
mim para facilitar o acesso às minhas interlocutoras. Houve um episódio em que eu
estava sentada com o grupo de meninas do ensino fundamental e o André, do curso
Ventania, aproximou-se para me cumprimentar, no breve espaço de tempo entre me
dar um oi e continuar o seu destino ele olha fixamente para Fernanda, que o
corresponde. Quando ele sai, ela comenta “bonitinho” e se vira para trás, André
olhava em sua direção, os olhares novamente se cruzam, ela solta um sorriso e diz:
“eu ficava”.
A percepção das expressões de interesse emitidas no momento da paquera é
um ponto crucial, pois permite notar se as perspectivas são positivas ou negativas, o
que irá influenciar diretamente no momento de ter a iniciativa de pedir, dar ou
“roubar” um beijo. Tais possibilidades podem ser notadas a partir de expressões
corporais e verbais, como exemplificado a seguir: “aí, do nada a pessoa chegava
mais perto, aí quando você via a pessoa estava encostando na sua mão, aí quando
você via a pessoa tava bem mais perto de você” (Ana, 18 anos) e “ah! Se ele
pergunta se você namora, se tá ficando com alguém e fala que você é muito bonita
pra ficar sozinha” (Fernanda, 14 anos).
Os encontros afetivos podem ocorrer de modo estruturado como o “ficar”,
“pegar” e o namorar. Por mais que o “ficar”17 corresponda a encontros ocasionais, é
possível que as pessoas envolvidas deem continuidade aos encontros sem
caracterizar um compromisso, assim, usam o termo “ficando”.
Estar “ficando” com alguém não caracteriza acordo de fidelidade, a não ser
que seja negociado entre os pares, ou seja, significa que as pessoas podem vir a

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17 O “ficar” pode ou não envolver ato sexual. Nesta pesquisa, ao decorrer das conversas com os
interlocutores, nem sempre ficava claro que as experiências relatadas envolviam a relação sexual.
Optei por não perguntar para não parecer invasiva e não arriscar perder o vínculo que estava
construindo junto aos adolescentes.

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“ficar” com outras. O “ficar” pode ainda, ser um precedente do namoro, como
ilustrado por Nina: “Estou com meu namorado faz 5 anos, no início a gente só ficava,
a gente não ficava com outras pessoas [faz uma expressão pensativa], eu não
ficava, ele eu já não sei [e ri]. Aí há uns 3 anos ele me pediu em namoro”.
O “pegar” é algo mais descompromissado que o “ficar”; ele é centrado no
interesse físico, na beleza e na sensualidade (RIBEIRO et al., 2011) e trata-se de
encontros pontuais. No cotidiano da escola, esse termo é muito utilizado e tido como
similar ao ficar, como sendo a mesma coisa, contudo às vezes ele é controverso,
podendo ser interpretado de forma pejorativa, “não gosto de falar pegar, parece que
objetifica a pessoa”.
O “namoro” é concebido como uma relação em que se espera fidelidade e
não necessariamente é precedido pelo ficar, existe um sentimento e expectativa de
maior solidez (fazer planos conjuntos, etc.) e, geralmente, é marcado pela inclusão
do relacionamento no âmbito familiar (GOMES et. al., 2011).
Quanto à reprodução de comportamentos demarcados pelo gênero, surgiram
falas estereotipadas de que meninos só pensam em sexo e meninas são mais
românticas. Em oposição a essas afirmações, o campo revelou meninas
desprendidas da ideia de apego emocional e de namoro, comportamento
inicialmente esperado dos meninos: “eu tô lá ficando com o cara, tá legal, tô
empolgadona. Aí eles falam de namorar, eu desinteresso e não quero mais”. Assim
como rapazes que idealizavam o namoro, mesmo sem nunca ter namorado, ou
diziam ver as relações de modo romântico: “eu sempre achei que tinha que ser
aquele negócio bem Disney. Que eu vou conhecer no momento certo, vou salvar a
vida dela e tenho que pedi-la em casamento repentinamente”.
Alguns meninos relataram sofrer pressão dos amigos ao anunciarem o desejo
por namorar, pois valorizam o “ficar” pela possibilidade de se relacionarem com
várias garotas e não estarem vinculados a uma só, o que parece que os tornariam
mais suscetíveis a elas. Dessa maneira, estariam se afastando da ideia de “amor
romântico” descrita por Giddens (1993) como aquele que tem como expectativa o
estabelecimento de vínculo emocional duradouro, “para sempre”, e se assemelha ao
“amor confluente”, que à medida que vai se consolidando, se distancia da ideia de
uma pessoa especial e valoriza uma relação especial, ou seja, o encontro, mesmo
que isto aconteça uma única vez.

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Essas narrativas vão ao encontro das observações de Abramovay et al.


(2004) na medida em que as relações afetivo-sexuais entre adolescentes ficam à
frente das novas e das antigas perspectivas das relações de gênero. Os
relacionamentos estão mais flexíveis, há diversas possibilidades de se relacionar, de
vivenciar os afetos e os prazeres. No que se refere a essas possibilidades de
desestabilização das tradicionais relações hierárquicas de gênero, para Louro, as
performances de gênero também são “renovadamente, reguladas, condenadas ou
negadas” (LOURO, 2000, p.7). Assim, embora adolescentes apresentem mudanças
nas práticas e expectativas afetivo-sexuais, eles continuam sendo alvo de
julgamentos conforme o gênero, onde continua um maior peso e controle do
comportamento de meninas e homossexuais.
As análises sobre os relacionamentos afetivo-sexuais desta pesquisa se
darão sobre as relações heterossexuais, pois foram as experiências
predominantemente narradas pelos interlocutores. Durante as entrevistas, foram
narradas experiências de interações afetivas com pessoas do mesmo sexo. No
entanto, os relatos tratavam de situações pontuais de um beijo, e os que
mencionaram alguma relação para além de um único beijo se inibiram diante das
perguntas. Mesmo observando algumas dinâmicas das relações homossexuais no
pátio, essas foram insuficientes no tocante às interações afetivo-sexuais para que
fossem consideradas nesta pesquisa.

3.3 As interações afetivas.

Pedir pra ficar é arte, tomar um toco faz parte!


(Moça, 20 anos)

A hora da tomada de atitude poderia gerar tensão até para aqueles que se
diziam “mais cara de pau”, os rapazes de quem predominantemente ainda se espera
a iniciativa, apontavam que, mesmo com o passar dos anos e o ganho de
experiências, ainda aconteciam entraves como gaguejar, sentir vergonha e medo.
Havia rapazes e moças que diziam preferir se tornar amigos antes de “ficar”, pois
acreditavam que facilitaria no momento de falar do interesse.

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As meninas ainda hesitavam em ter a iniciativa pelo medo do julgamento


moral, pela timidez ou por não acreditarem na possibilidade de reciprocidade do
desejo, assim, as moças tendiam a se reservar e aguardar que os meninos
pedissem para “ficar”. Mas há aquelas que não esperam por uma atitude masculina
e expressam seus interesses, como relatado pelas moças: “então assim, ou você
pede e vai à luta ou você fica chupando dedo querendo” e “quando eu quero, eu
chego, vou lá e digo oi, pergunto o nome, puxo assunto e começo a conversar”.
Os espaços de sociabilidade afetiva eram variados ao passo que, para
alguns, a escola representava o principal lugar de paquera e para “ficar”, já outros
preferiam o bairro, a praia, festas e bailes funk, local que muitos frequentavam
escondido da família. A Internet despontou como um espaço significativo de novas
possibilidades e formas de interações afetivas.
Como assinala Parreiras (2015), a internet tem uma grande capacidade de
conectar as pessoas e permitir o estabelecimento de relações interpessoais, assim,
o meio digital tem um potencial que permite acessibilidade e comunicação sem
precedentes.
O surgimento de aplicativos e redes sociais, ferramentas utilizadas através de
tecnologias móveis, como celulares, têm relevância para os adolescentes, pois é por
meio desses aplicativos que se possibilita a interação na Internet. O WhatsApp e as
redes sociais como o Facebook, Instagram, Twitter surgem como facilitadores para a
paquera no universo pesquisado, bem como para diversas formas violência.
Ao surgir interesse por alguém fora da rede de amizade, garotas e garotos
tentavam descobrir o Facebook ou o WhatsApp para estabelecer uma comunicação.
Procuravam o número por meio de listas de contatos de grupos do WhatsApp, ou
solicitavam a ajuda de amigas e amigos. Os mais desinibidos pediam o contato das
redes sociais pessoalmente e o recebimento deste às vezes era interpretado como
indício de que seria correspondido, como demonstra a fala a seguir: “por que me
passou o contato? Se ela não tivesse afim, por que passou?”.
Principiar as conversas via Internet pode apresentar uma maior segurança
aos adolescentes, pois é como se mascarasse a vergonha e ajudasse na
aproximação, depois de terem a certeza da reciprocidade, partiam para um encontro
pessoal, como ilustrado por Guilherme: “se for uma pessoa que eu já conheço, vou
na lábia. Se for uma pessoa que eu não conheço, eu crio uma intimidade mais na
Internet, pra, quando conhecer ela, já ter um pouquinho de intimidade, sabe?”.

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Estabelecer o contato via o Facebook pode ser considerada uma estratégia


dada a possibilidade de “stalkear”, ou seja, fazer uma investigação sobre o perfil da
pessoa a partir das fotos, das páginas que segue, os comentários que faz e que
recebe. Também propicia uma maior interação através das conversas e das
“curtidas18”. Essas ferramentas podem ser utilizadas de forma que a pessoa note
que você está atenta ao que ela faz e posta, como foi elucidado pela adolescente: “a
maioria das vezes é tudo por rede social, vem assim, aí eu posto alguma foto, a
pessoa vai lá comenta e me chama no chat, começa a conversar e tal”.
O quanto a pessoa se expõe nas redes e o tipo de informações que fornece
podem lhe atribuir maior ou menor credibilidade e influenciar na decisão sobre o
“ficar”. Ana, em entrevista, retratou a participação das amigas em suas relações
afetivo-sexuais. Ela narrou um episódio em que foi alertada que o rapaz não devia
ser confiável porque, na rede social dele, haviam poucas informações, a menina não
dava credibilidade às amigas, que insistiam para que ela desconfiasse. Quando Ana
descobriu que o jovem namorava, a amiga reforçou: “viu, eu te avisei que não era
pra você ficar com esse menino, te falei que era muito estranho isso, o Facebook
dele não ter foto, não ter coisa direito”.
Algumas moças e rapazes sinalizaram já terem feito uso do Tinder, um
aplicativo de relacionamento. A primeira vez que ouvi o relato foi por uma garota de
15 anos, questionei como fazia, já que, em tese, o aplicativo é para usuários com
idade acima de 18 anos. Fui informada que eles fazem o cadastro sem nenhuma
dificuldade, afirmação confirmada por outra moça. Esse aplicativo não possui um
controle sobre seus usuários, não solicita documentos comprobatórios de idade, o
que facilita que adolescentes façam uso dessa rede. Retomarei adiante as
implicações do uso desse aplicativo por adolescentes, não mais em função de
relacionamentos consensuais, mas das possíveis exposições a situações de
vulnerabilidade e a relações tidas como violentas.
Amigas e amigos auxiliavam tramando encontros que aconteciam dentro e/ou
fora da escola. Essas tentativas nem sempre eram a pedido de uma das partes
interessadas e podia ser motivada com o intuito de revidar uma traição sofrida. Certa
tarde, o assunto entre as alunas do ensino fundamental era a traição do namorado

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18“Curtir” é uma ferramenta do Facebook em que sinaliza uma espécie de opinião a partir de vários
ícones chamados de emojis, como uma mão em sinal de “joia”, que representa o “curtir”, um coração,
o “amei” e os emojis que simbolizam emoções como tristeza, raiva, risada e surpresa.

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de Débora, uma das meninas que integravam esse grupo. As amigas lhe diziam:
“você taí com esse moleque feio que te traiu e o João, maior gatinho, e você não
quer”. Bruno, inconformado por ela ter reatado o namoro, buscou João na sala de
aula com intuito de fazer com que ele e Débora “ficassem”. O rapaz sentou-se ao
lado de Débora. Em seguida, Bruno falou: “vocês não vão se beijar?”. Cora, Clara e
Fernanda riam, também perguntavam sobre o beijo. Débora, com uma postura rígida
e com o riso sem graça, repetia ter namorado. João envergonhado pedia para
pararem de “explanar”. Os amigos ficaram por algum tempo insistindo, mas nada
aconteceu. Semanas depois, Débora contou ter “ficado” com João.
Ao se tratar dos relacionamentos afetivo-sexuais na escola pesquisada,
geralmente os pares têm interferência maior que a família com as experiências
vividas ao longo da adolescência. Uma parte dos adolescentes sinalizou que os pais
não conversavam com os filhos ou se colocavam de maneira rígida e/ou
proibicionista, o que fazia com que muitos mantivessem relacionamentos
escondidos.
Os adolescentes que apontaram conversar com os pais sobre suas práticas
afetivo-sexuais informavam à família sobre seus relacionamentos e, geralmente,
eram aconselhados sobre prevenção para que fosse evitada uma gravidez, os
argumentos utilizados por pais e mães eram que tal acontecimento acarretaria na
interrupção dos estudos e a falta de preparo das filhas e filhos para assumirem a
responsabilidade de uma maternidade ou paternidade. Algumas mães pediam para
serem informadas da perda da virgindade das filhas para que viabilizassem
consultas médicas a fim de “tomar” providências para que a gravidez fosse evitada,
ou seja, o uso de anticoncepcionais. Preocupações relativas a eventuais situações
de violência ou coação, ou prevenção de IST’s não foram expressas.
As famílias exercem influência nos relacionamentos na medida em que
controlam e, muitas vezes, proíbem a continuidade de namoros. Alguns rapazes de
classe média mencionaram terem sidos obrigados a terminar seus relacionamentos
devido a julgamento de valor e preconceito da família, o que ocasionou o
afastamento dos filhos e o rompimento do diálogo sobre suas vivências afetivas. A
exemplo disso, Patrick (17 anos, negro) contou que namorou uma moça por quem
era completamente apaixonado, quando a família a conheceu e souberam o bairro
em que ela residia, obrigaram-no a terminar. Pois, por ser um bairro considerado
favela e dominado por traficantes, deduziram que a moça era de origem pobre,

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“piranha” e tinha uma índole duvidosa, assim, era incompatível com a realidade
socioeconômica do rapaz.

3.4 A reputação das meninas em jogo.

— Eu não gosto de ficar aqui na escola porque


depois a gente fica falada, os meninos e o pessoal
sempre falam.
— Eu fico e não falam de mim.
— Fala sim! Eu mesma já ouvi um monte de gente
falar que você é rodada.
— Nem ligo.
(Diário de campo, conversa entre Cora e
Fernanda, 09.05.2018).

Os distintos valores morais impostos para meninas e meninos são muito


presentes nas falas, há diferenças entre o que as garotas gostariam de fazer e o que
fazem, devido ao receio de julgamentos. Scott (1990) analisa que o lugar que a
mulher ganha na vida social não é diretamente o produto do que ela faz, mas o
sentido que suas atitudes ganham na interação social concreta. Assim sendo, para
compreender as desigualdades nas relações de gênero, é necessário examinar a
interrelação do sujeito com a organização social onde ele se insere. A autora
concebe a ideia no sentido Foucaultiano de que as noções de poder envolvidas
nessas relações não são únicas e coerentes, mas são como relações desiguais
constituídas pelo discurso em “campos de força”.
Com as mudanças ocorridas ao longo dos anos em torno dos
comportamentos da sexualidade, e no intuito de entender quem tomava a iniciativa e
se houve mudanças nos valores morais existentes nessa prática, em conversa com
um grupo misto de alunos do ensino fundamental questionei:

Pesquisadora – Bruno, o que você acha de as meninas chegarem em você?


As amigas riem.
Clara – Iiiih, ele não pega ninguém, ninguém quer ele.
Bruno – Não faço nada, se quiser eu fico, mas mulher não tem que chegar,
é o homem que tem que chegar, esse é o papel do homem.
Cora – Eu espero os meninos chegarem, eles que tem que vir.
Fernanda – Também acho que é o homem que tem que chegar.
Pesquisadora – Mas e quando eles não chegam?

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Fernanda – Se eu tô muito a fim e o cara não toma atitude, aí eu chego.


Clara – Eu acho que mulher tem que chegar também.
Bruno – Lógico que não.
Clara – Deixa de ser machista Bruno.

Após ser taxado de machista, o rapaz permaneceu quieto e as meninas


passaram a falar de outros assuntos. Para situações como essa, não foi assinalado
que as meninas ficavam com má fama, embora ainda seja expressiva a ideia de que
a atitude deva partir dos rapazes, diferente de quando as garotas “ficam” com muitos
garotos. O exercício da sexualidade das meninas está em constante julgamento,
elas podem ser adjetivadas pejorativamente como “piranhas”, “rodadas”, assim,
existia uma preocupação com a reputação para não ficarem “mal faladas”.
A fama negativa circulava rapidamente pela escola e se tornava assunto de
fofoca. Uma vez com fama, as meninas diziam que os garotos não teriam interesses
sérios, como o namoro, eles iriam querer apenas se “aproveitar” da menina, ou seja,
ter relações sexuais. Em contrapartida, quando um rapaz fosse chamado de
“safado”, “pegador”, era atribuído a ele um status de “poderoso” e reforçava o
imaginário de homem viril e muitas vezes atraía as garotas.
A menina estigmatizada carregava marcas sociais que evidenciava algo ruim
sobre seu status moral (GOFFMAN, 1988), a depender das condutas tidas pelas
meninas, estas podiam inclusive ser penalizadas pelo grupo. Observei que existia
uma rivalidade entre as meninas, elas também eram alvo de provocações e
xingamentos advindos de outras garotas, o que, em diversos momentos, resultava
em discussões e agressões físicas entre elas.
Na escola, soube de um episódio em que uma moça estava sendo punida
por rapazes. Em uma manhã, eu havia combinado de fazer uma atividade junto à
bibliotecária Cleide, porém, ela estava sem a chave do local. Enquanto
aguardávamos a resolução do problema, unimo-nos a um grupo de alunos no pátio.
Um garoto ficou cochichando no ouvido de Cleide e apontando para um rapaz, ela
fazia várias expressões que remetia estar escutando algo ruim.
No momento em que ficamos a sós, ela expôs que o garoto contava que
Patrick, após ficar com uma menina da escola, saiu espalhando que ela havia feito
um “boquete”. Um rapaz que gostava da menina perguntou diretamente a ela a
veracidade do fato, ela confirmou a história e então ele e seus amigos cortaram
relações com a moça.

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No ambiente escolar, os discursos morais também transpareciam nas falas


das funcionárias e do funcionário da portaria, no entanto, as moralidades apareciam
apenas em torno do feminino, os rapazes não eram mencionados nas críticas: “eles
vivem se agarrando por aí, as aulas dessas meninas acabam e, ao invés de irem
embora, ficam aí na pouca vergonha, é cada coisa que a gente vê”.
Como apontado no início do capítulo, o funcionário, além de demonstrar
atitudes de controle sobre a circulação pelo espaço, tinha falas mais expressivas
quanto aos valores morais do que as funcionárias: “acaba a aula dessas meninas,
ao invés de irem pra casa fazer alguma coisa útil, lavar uma louça, arrumar uma
casa. Ficam aqui de agarração com os meninos”, “essas meninas é igual manga na
mão, quando você vai comprar, é um aperta aqui, aperta ali, de mão em mão, aí
quando casa já não tem mais gosto, não tem mais graça”19. Essas falas, além do
sexismo, reforçam as condutas esperadas das meninas, como aquelas associadas
às responsabilidades pelos afazeres domésticos e a necessidade de se preservarem
diante das experiências afetivo-sexuais.
A prática discursiva do gênero é contínua e condicionada pela lógica
hegemônica (BUTLER, 2016), logo, o controle e os julgamentos das atitudes das
moças serão demarcados por expressões que se diferenciarão ao longo do tempo,
deixando marcas geracionais. Nesse sentido, as narrativas apresentadas que
exercem um controle sobre a reputação das moças fazem uso de vocábulos
distintos, mas semanticamente equivalentes, como por exemplo: “manga” e
“rodada”. Ambas palavras se referem a moças que se relacionam com vários
rapazes.

3.5 “Namoro é um problema”: sexualidade e escola.

Nossa, foi por pouco que não fui eu, um pouco


antes eu estava com a minha namorada (Menina,
14 anos).

Dizeres como esse eram repetidamente pronunciados no cotidiano escolar,


ser flagrado era uma ameaça constante às parcerias, bastava andar de mãos dadas,

___________________________________________________
19 Ao finalizar a fala, o funcionário me olha, faz gesto de silêncio com o dedo na boca e diz: “não vai
falar pra ninguém que eu disse isso”.

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se beijar ou dar uns “amassos” em algum canto mais escondido, o risco de serem
levados à Direção era iminente, afinal a regra era clara e de conhecimento de todas
e todos: “não pode namorar na escola”.
A escola representa tempos da juventude, pois é um espaço que propicia aos
adolescentes uma convivência cotidiana, relações de sociabilidade próprias dessa
etapa da vida que farão parte de aprendizagens e da constituição do sujeito
(PEREIRA, 2010). Esse processo acontece de forma participativa e ativa, assim, a
escola é constantemente desafiada, uma vez que influencia alunas e alunos e é
influenciada por eles e pela forma como se relacionam entre si e com a instituição.
Desse modo, adolescentes criam demandas e arranjos que anseiam
reconfigurações do espaço e das dinâmicas escolares, o que se depara com as
funções disciplinadoras e as regras rígidas impostas pela instituição.
As regras e a rigidez se apresentam de forma homogênea e normatizadora,
com isso “acaba promovendo o apagamento sistemático da espessura e da textura
das vidas das escolas” (RANNIERY, 2017, p. 216), desconsiderando as pluralidades
e heterogeneidades sejam elas de gênero, classe, raça, culturas regionais ou etnia.
Alguns estudantes não aceitam de forma passiva a imposição de regras, subvertem–
nas, assim estabelecendo um jogo de força com a escola, esta por sua vez tende a
enrijecer a disciplina exigida e a cobrar que seus funcionários exerçam uma maior
vigilância.
A frequência com que observava as interações afetivo-sexuais pelo pátio
trazia a sensação de que elas não representavam uma transgressão na instituição.
Mas a queixa dos alunos quanto a possibilidade de ir para a Direção era frequente.
Esse cenário me intrigava, por que as funcionárias viam os casais e não falavam
nada? Quais os motivos que levavam alunas e alunos à direção? Com o tempo fui
recebendo diversas explicações, uma delas será demonstrada pelo diálogo ocorrido
no portão uma funcionária, algumas alunas e mim que falavam sobre o namoro na
escola:

Aluna: pegaram um casal esses dias.


Pesquisadora: eu sempre vejo o pessoal por aí, não pode?
Aluna: eles ficam, mas quando vem alguém, se soltam rapidinho.
Pesquisadora: e por que levaram o casal?
Aluna: pegaram eles naquele jeito. [Aluna faz gesto de que o casal estava
em ato sexual].

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As funcionárias explicaram que só levavam para direção quando os casais


estavam trancados em salas de aula ou quando eram vistos se tocando de formas
mais ousadas: “eles ficam, não pode. A gente faz vista grossa, mas tem horas que
fica demais, aí precisa chamar a atenção”. Em oposição a essa fala, algumas alunas
se queixavam que a escola repreendia qualquer atitude, como por exemplo, quando
estavam abraçadas com amigos. Alguns relatos sugeriam que havia uma seleção
das pessoas que eram interpeladas, como transpareceu na fala de Ana: “sei lá, um
monte de gente beija no portão, beija lá fora, na frente da direção e ninguém fala
nada, aí a gente tá abraçada com um amigo e vem alguém e chama atenção”.
Não parecia ser coerente que obtivessem as mesmas consequências, como
ter mãe e pai convocados na escola para distintas conjunturas ou práticas como
abraços, mãos dadas, beijos e “amassos” mais ousados. Quais as expectativas da
escola em relação às posturas que viriam a ser tomadas pela família com filhos e
filhas? O único caso que se destacava quanto à penalidade era a descoberta de
atos sexuais na escola, o que segundo uma aluna levava à “expulsão”. Entretanto,
legalmente, a escola não pode desvincular um aluno sem a anuência da família,
geralmente é sugerida uma transferência de unidade.
Mesmo que proibidos e correndo risco de serem descobertos e delatados aos
pais, os adolescentes não deixavam de namorar, criavam estratégias de não serem
achados pela escola, amigas e amigos acobertavam e vigiavam corredores e pátio
para comunicar caso alguém aparecesse. Para além da parceria com amigos, em
menor grau, os estudantes tinham a possibilidade de contar com a colaboração de
duas funcionárias da escola, uma zeladora e uma das bibliotecárias.
A zeladora auxiliava encontros afetivo-sexuais na escola, através da
negociação do uso da sala de aula em troca da organização das carteiras e cadeiras
do espaço. A depender de qual funcionária da biblioteca estivesse presente no dia e
do fluxo de pessoas no local, o espaço discretamente podia ser utilizado como um
ponto de encontro, onde casais heterossexuais e homossexuais se abraçavam,
trocavam carícias e quiçá se beijavam.
Com o passar dos meses ficava mais claro que as regras não funcionavam
igualmente para todas e todos, dependia do profissional que flagrasse a cena de
namoro, da relação que a moça ou o rapaz tivessem com a funcionária ou professor
e professora e da orientação sexual do casal, tendo pesos diferentes entre
heterossexuais e homossexuais.

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Se o namoro entre casais heterossexuais era fiscalizado na instituição, as


relações homossexuais possuíam uma maior vigilância e controle. Pelo pátio
presenciava casais de meninas, mas não de meninos. Por parte dos rapazes os
únicos contatos que notei foram muito sutis e que deixaram dúvidas se correspondia
a um flerte ou atitudes carinhosas, como ocorreu com André, de 15 anos. Estava
sentada ao lado do garoto e passou um grupo de rapazes, um deles trocou olhares e
fez uma gesticulação afetuosa, o menino retribuiu e o rapaz, então, disse:

— Você é lindo!
— Você também é lindo.
Assim que o grupo continuou seu caminho, André automaticamente vira e
fala.
— Eu não sou gay.

Culturalmente as demonstrações de afeto entre rapazes são mais vigiadas do


que entre as moças (LOURO, 2000), essas manifestações trariam incertezas quanto
à masculinidade e, consequentemente, à orientação sexual dos rapazes. Segundo
Caetano (2015), tornar-se homem é um processo em que as regras da
masculinidade necessitam ser construídas, conquistadas e comprovadas. Nessa
mesma linha de pensamento, Nascimento (2017) sinaliza que o processo de
aprendizagem da masculinidade é pautado na heteronormatividade, sendo a
heterossexualidade a “única forma” socialmente reconhecida e valorizada, logo, para
ser homem, é preciso negar características associadas ao universo feminino e
homossexual. O autor acrescenta que os discursos homofóbicos são integrantes do
processo de aquisição de referências de conduta para homens e rapazes.
A homofobia é definida como desprezo, ódio, medo, aversão a lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais. Em acordo com Junqueira, é necessário pensar
a homofobia como um fenômeno social complexo,

Parece-me mais adequado entender a homofobia como um fenômeno social


relacionado a preconceitos, discriminação e violência voltados contra
quaisquer sujeitos, expressões e estilos de vida que indiquem transgressão
ou dissintonia em relação às normas de gênero, à matriz heterossexual
(JUNQUEIRA, 2011, p.77).

Embora apenas uma interlocutora tenha se definido como homossexual,


durante as entrevistas, outros rapazes e moças relataram atração e/ou experiências
afetivo-sexuais com pessoas do mesmo sexo. Alguns narram que tiveram dúvidas

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quanto à orientação sexual, o que fez com que alguns buscassem a experiência e
outros a inibissem, como demonstra a fala seguinte: “nunca fui adiante disso, foi algo
que eu olhei e tipo, não é algo que eu quero pra mim”. Um dos rapazes buscou
auxílio junto a sua psicóloga para entender as suas dúvidas quanto a sua orientação
sexual. A partir dos contatos no campo de pesquisa, alguns adolescentes relatam
atrações por pessoas do mesmo sexo, algumas experiências e curiosidades,
contudo, a religião, a opinião da família e a homofobia aparecem como fortes
inibidoras para a efetivação dessas relações.
Observar casais de meninas pela escola e não ver casais de meninos era
algo que despertava minha atenção. O que intimidava os rapazes? Estariam eles
mais suscetíveis às violências na escola que as meninas? Como o preconceito se
expressava e quais as diferenças das manifestações entre os gêneros? Por não ter
estabelecido proximidade com rapazes que se identificavam como homossexuais,
esta pesquisa apresenta um limite relativo às análises das interações afetivo-sexuais
da homossexualidade masculina e das homofobias vivenciadas no ambiente
investigado.
O mais próximo que cheguei sobre os relacionamentos entre rapazes dentro
da escola foi a experiência compartilhada por Patrick (17 anos, negro, 1º ano ensino
médio), que cria a própria nomenclatura da sua orientação sexual: “não sou homo
nem bi, minha orientação é universal”. Embora ele deixe claro não ter desejo por
homens, se o rapaz for “gente boa” não vê problema em beijar. Aproveitei o assunto
e comentei sobre minha inquietação em ver apenas casais de meninas na escola,
então ele contou que no ano anterior ficava com um menino dentro da instituição e
perambulavam de mãos dadas. Descreveu que, na época, ouviu uma série de
provocações, como: “bichinha”, “viado”, “você dá o cu?”.
Quanto às relações homossexuais femininas, Lígia (18 anos, branca, 1º ano
curso Tempestade) se nomeia como lésbica e foi a única moça autodeclarada
homossexual com quem tive contato e quem auxiliou a elucidar algumas formas das
manifestações lesbofóbicas20 dentro da escola. Ao longo do ano, não presenciei
nenhuma cena de hostilidade direta com ela ou com outras meninas. Mas observei

___________________________________________________
20Distingo o uso dos termos Homofobia e Lesbofobia pela importância de considerar as assimetrias
de gênero e as peculiaridades desse tipo de violência para o universo feminino como o sexismo e a
misoginia interligados à homofobia (LEONEL, 2011 e BRAGA; RIBEIRO; CAETANO, 2017).

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grupos de moças apontando para casais de lésbicas e/ou meninas bissexuais,


fazendo comentários seguidos de risos de deboche.
Lígia, ao contar sobre suas relações afetivas, relatou sofrer uma série de
preconceitos e violências, desde os comentários lesbofóbicos até agressões físicas.
Na entrevista, ela fala sobre o processo de se assumir lésbica na escola e a
homofobia (expressão usada pela jovem) sofrida.

É que, na cabeça das pessoas, homofobia é uma pessoa que chega,


persegue ele e bate até a morte. Mas não entende que não é só isso. É tipo,
como você trata uma pessoa só porque ele é homossexual. Porque a gente
sente isso muito na pele, aconteceu isso muito na minha vida. Tipo, eu
conseguir me assumir na minha sala. Todo mundo começou a perceber,
eles não tocavam em mim porque eu sou lésbica. Ninguém me abraçava
porque tinha nojo de mim.

Segundo Louro (2000), a escola é um dos espaços mais complicados para


que se assuma a homossexualidade ou bissexualidade, visto que é um local que
habitualmente silencia, nega e ignora essas orientações sexuais e quando são
“aceitas” espera-se que sejam vividas na intimidade, de forma privada. Por
conseguinte, a escola se faz um local de opressão, discriminação e preconceitos.
Alunas e alunos homossexuais vivem desde cedo às voltas com uma “pedagogia do
insulto” (JUNQUEIRA, 2009), sofrem ameaças e agressões físicas e/ou verbais.
Em relação às diversas formas de discriminação e violências sofridas, Lígia
esclarece que as meninas não falam ou insultam diretamente, mas expressam-se
nos círculos de amigas, como eu havia notado. Realidade diferente ao se tratar do
comportamento dos meninos, a adolescente avalia que eles eram os piores,
provocavam, chamavam de “caminhoneira” e pediam para fazer parte do casal. Os
meninos iam além dos insultos e provocações, jogavam pedras, chutavam bola em
sua direção ou de suas parceiras e tentavam agredir fisicamente, conforme a cena
narrada a seguir:

Esse ano eu quase apanhei de uns meninos daqui da escola, eles pegaram
uma madeira pra me bater, tipo, porque eu gosto de menina. Aqui na escola
as pessoas ficam xingando. Nesse dia aí, eu só não apanhei porque dois
amigos entraram na frente e me defenderam. Eu tenho defesa pessoal, mas
tipo, eram cinco meninos, eu ia fazer como?

Perante as diversas formas de violência, Lígia não costumava se silenciar, ela


reagia, reclamava, xingava e já chegou a agredir fisicamente um rapaz, pois

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acreditava precisar se defender, como demonstrou em sua fala: “então eu tenho


que botar um limite, tipo, pra dizer que se vim, vai rolar porrada mesmo. Eu não
deixo barato, eu não vou levar desaforo pra casa, se a pessoa vim, eu vou me
defender”. O comportamento defensivo da moça não é uma realidade entre todas as
garotas, muitas meninas perante ofensas e provocações optam por não reagir. As
reações de Lígia acabavam gerando medo nas garotas com quem estava
acompanhada e acarretava em discussões entre elas.
Diante dos inúmeros acontecimentos relatados pela adolescente, a escola
não era informada acerca de nenhum, pois havia uma descrença de que a direção
viesse a ajudá-la. Logo, ela precisaria encontrar estratégias para resistir naquele
ambiente. Esse relato, pois, converge com a visão de Caetano, que aponta que para
alunas e alunos homossexuais que desejam estudar, os “anos de escolaridades
serão atravessados pela capacidade de driblar, ocultar ou mesmo vivenciar as
agressões sofridas em detrimento da orientação sexual diferenciada” (CAETANO,
2006, p. 92).
A escola exerce uma pedagogia da sexualidade, em que legitima algumas
identidades e práticas sexuais e reprime outras, exigindo um silenciamento (LOURO,
2000). Essa pedagogia aplicada pela escola pode ser exemplificada pela
reclamação de Lígia que aponta postura diferenciada para com casais
homossexuais e heterossexuais:

Eles já me chamaram muito a atenção quando eu tava ficando com alguma


pessoa. Eu gosto de andar de mão dada. Sempre gostei. Eu andava de
mão dada e vinha a diretora “pode separar aí”. Enquanto isso, lá atrás tinha
gente quase transando no meio da sala. Tudo bem, é errado namorar na
escola? É errado namorar na escola. É uma regra? É uma regra. Por que
essa regra só se aplica à pessoa que é homossexual e não a que não é?
“Ah, porque você não vê”. Então eu não vejo nunca. As pessoas
heterossexuais praticamente se comem no meio do pátio, quase na frente
da professora e a professora não faz nada. “Ó, continuando o dever”.

O desconforto do relacionamento homossexual dentro da instituição também


é evidenciado por falas de professores e da direção. A primeira situação que
presenciei foi quando um professor chamou a atenção de um casal heterossexual
que se beijava do lado externo do portão de acesso ao pátio.

Rapaz – Desculpa, desculpa.

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Professor – Não, é porque as meninas ficam aí se beijando e a direção tá


pegando no pé.
Rapaz – Tem mais é que beijar, menina e menina, menino e menino,
menina e menino. Todo mundo tem que beijar.
Pesquisadora – Nunca vi as meninas se beijando no pátio.
Professor – Você entra na sala de aula e elas tão lá se agarrando, têm
umas que dependendo do jeito que você fala elas vêm pra cima de você e
começam a xingar. Essa escola tem de tudo!

Semanas após esse episódio, fui convidada por uma das auxiliares de direção
para fazer uma palestra sobre “disciplina e respeito” para as turmas do curso
Ventania, quando pedi que explicassem o que desejavam, o exemplo dado foi: “tem
meninas que ficam se beijando na frente da professora e ficam bravas quando elas
pedem para parar”. Embora ela também tenha se queixado de atitudes
indisciplinares, a principal questão trazida foi a manifestação pública da
homossexualidade, o que reforça o discurso heteronormativo presente nas escolas
(JUNQUEIRA 2011; LOURO, 2000).
Tal convite representou mais uma “saia justa” em que a escola demonstrava
expectativas de que eu auxiliaria na resolução de “problemas” relacionados à
sexualidade. Acordei de retornar à escola para conversar acerca da solicitação e
assim conseguir pensar em uma contraproposta ao que me pediram. No entanto,
devido à agitada dinâmica escolar e dificuldade em coincidir um horário na minha
agenda com a da auxiliar, não foi possível realizar a reunião e consequentemente
executar o pedido.

3.5.1 A sexualidade nos espaços formais de aprendizagem

Em função de a sexualidade adolescente ser considerada um problema


social, de acordo com Altmann (2003, p. 285), a escola foi vista como um local
privilegiado, um “dispositivo político de intervenção”, em que o intuito da discussão
da temática emergiu na expectativa de que houvesse mudanças no comportamento
sexual, assim evitando a gravidez precoce, fornecendo informações sobre práticas
preventivas, e saúde sexual auxiliando a prevenção de Infecções Sexualmente
Transmissíveis (IST’s). As discussões sobre educação sexual foram inicialmente
orientadas por documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e

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tinham como proposta envolver todas as disciplinas e idealizar a busca de


conteúdos de “relevância sociocultural”. (BRASIL, 1997).
Por conhecer algumas professoras que trabalhavam na escola, eu sabia que
havia cobrança da direção para que fosse desenvolvida atividade em sala de aula
com a temática da sexualidade. Procurei a diretora, para compreender como eram
realizadas essas discussões, ela afirmou que eram através de projetos conforme
consta no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Ela pediu que eu
conversasse com a pedagoga que era responsável em articular ações juntamente
com professoras e professores. A pedagoga por sua vez não soube falar muito
sobre a questão, argumentando que não havia se reunido com os profissionais para
debater o sobre o assunto.
Marta, professora da escola, ao longo do ano, apresentou-me a uma
professora de artes que tem por costume debater gênero em suas aulas e comentou
sobre o projeto desenvolvido anualmente pela biblioteca em parceria com algumas
professoras e professores, o tema escolhido pelos adolescentes tinha sido
sexualidade. Assim, fui tentando me aproximar desses atores.
Cabe salientar que o acompanhamento das atividades que debatem gênero e
sexualidade não é o objetivo principal dessa pesquisa, mas com o intuito de melhor
compreender como esse discurso acontecia no espaço de aprendizagem e de que
modo era levado aos estudantes. Entendendo que a escola é responsável por fazer
circular o “conhecimento científico” e as professoras e professores possuem o peso
do lugar do saber e do discurso “autorizado” (ALTMAN, 2005), com isso, possuem
relevância na construção de conhecimento e opinião dos estudantes.
Na escola, os projetos sobre sexualidade não tinham o foco apenas nas
disciplinas de biologia, as atividades nas quais participei foram promovidas por
professor e professoras de português, artes e sociologia. A primeira atividade em
que estive foi após conversa e pedido prévio para as bibliotecárias e para a
professora de português, Eunice.
A aula foi realizada no espaço da biblioteca e aconteceu em dois momentos
com duas turmas do ensino médio, inicialmente com uma do primeiro ano e depois
com o terceiro ano. Eunice tinha por objetivo que a partir de diferentes possibilidades

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de produções textuais, alunas e alunos divididos em grupos falassem sobre a


importância da prevenção e DST’s21.
Os estudantes não pareciam empenhados com a atividade, leram textos do
Google aberto em seus celulares, com expressões médicas e com nomes científicos,
não foi usada uma linguagem acessível à realidade deles. O único grupo que se
propôs a inovar tentou cantar uma música, dizendo ser uma paródia. Em meio às
risadas cantavam o Rap DST do humorista Murilo Couto. A letra falava das DST’s de
modo cômico e abordava a não necessidade da busca de um profissional de saúde,
como no trecho abaixo:

[...] Falaram pra eu ir no médico,


não é um problema estético,
falei que isso é muito patético,
eu sei que eu posso aguentar,
dois meses sem reclamar,
não preciso de ajuda de um profissional,
eu conheço meu pau [...].

Enquanto o grupo cantava os demais alunos riam, os risos se intensificavam


com os usos dos nomes relacionados ao órgão sexual. Ao final da apresentação,
Eunice explica que a música não é uma paródia e não faz nenhuma menção à
mensagem trazida na letra, que ia na contramão do objetivo da atividade. Ela
concluiu a aula apenas reforçando que se prevenissem usando camisinha.
Após essa atividade, a pedido das bibliotecárias, foi acordado de fazermos
juntas rodas de conversas ou oficinas com alunas e alunos para debater a
sexualidade a partir das demandas levadas por eles. Esta atividade foi iniciada e
suscitou temas de alta relevância para essa pesquisa, no entanto, não foi concluída
devido aos empecilhos apresentados pela dinâmica da escola, como: a ausência
das alunas ou da bibliotecária, o sumiço da chave da biblioteca.
No dia acordado para dar início à atividade com a bibliotecária, ela convidou
uma turma que estava em aula vaga, compareceram apenas alunas do 1º ano do
curso Ventania. Cleide iniciou a fala retomando o projeto da biblioteca sobre
sexualidade, explicando que a participação era voluntária e pediu para que fizessem

___________________________________________________
21Utilizo no texto DST’s, pois é o termo utilizado pela professora e conforme informações obtidas com
as profissionais a nomenclatura não foi atualizada de DST (Doença Sexualmente Transmissível) para
IST (Infecção Sexualmente Transmissível) nos livros didáticos recebidos pela escola. Essa mudança
aconteceu via estrutura regimental do Ministério da Saúde por meio do Decreto nº 8901/2016.

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perguntas em papéis sem identificação. Ao dar exemplo das temáticas para os


questionamentos, Cleide começou com as DST’s e prevenção, então, acrescentei
que podíamos falar também sobre relacionamentos, o “ficar”, o namorar, as
negociações e, em seguida, a bibliotecária apontou sobre a dificuldade em lidar com
experiências como de ciúme e controle dos namorados. Para minha surpresa,
predominantemente as perguntas foram sobre o que é, como identificar e evitar um
“relacionamento abusivo”.
No momento em que li as perguntas, questionei-me: o que estas questões
representavam sobre o cotidiano dessas moças? O que essas meninas têm vivido
em suas relações? Que significados elas acionavam ao falar de relacionamento
abusivo? Por que o uso do termo “abusivo” e não o de violência?
A temática de violência apareceu em mais dois momentos: em uma feira
literária organizada por uma professora e um professor de português do 3º ano do
ensino médio e em uma aula com as alunas do 1º ano do curso Ventania. O evento
literário homenageava autoras mulheres, fizeram uma exposição no saguão ao lado
do auditório com imagens de obras, cartazes com notas explicativas sobre elas e
trechos de frases contidos em seus trabalhos. No auditório, que se encontrava
lotado, foi realizado um debate sobre violência contra a mulher, liderado por um
grupo de alunas e alunos, e o evento foi finalizado com uma apresentação musical
de estudantes.
O grupo relembrou casos de agressão física que levaram à morte e foram
amplamente noticiados pela mídia e apresentaram estatísticas acerca do feminicídio.
Por fim exibiram slides com imagens de mulheres fisicamente agredidas e uma
aluna citou a violência sexual e verbal e salientou que não existe apenas a violência
física, embora seja a que ganhou maior destaque na apresentação. Saliento que
mesmo com a tentativa de fazer a plateia participar, estudantes faziam piadas, mas
nenhum comentário sobre o tema. A professora e o professor que organizaram o
evento não fizeram nenhum tipo de pontuação, complementação ou
problematização sobre a discussão realizada.
O outro momento em que surgiu a discussão relacionada à violência foi na
aula realizada em parceria da professora de artes e de sociologia com duas turmas

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de 1º ano do curso Ventania. Elas exibiram o filme Uma história de amor e fúria22 e
depois abriram para debate. Abordaram temas como resistência, luta, raça/etnia e
relacionamentos afetivos. A atividade foi realizada no auditório da escola e a turma
era composta majoritariamente por meninas, contendo apenas dois meninos.
Na discussão realizada sobre relacionamentos as professoras direcionaram a
conversa para “relacionamento abusivo” e, ao levantar problemáticas, utilizavam
exemplificações de situações de casais heterossexuais e o rapaz como o agressor,
mesmo sendo de conhecimento que havia meninas homossexuais e bissexuais na
turma, o que também traria outra perspectiva para pensar a violência.
Os meninos permaneceram em silêncio durante toda a atividade, já as
meninas foram participativas e trouxeram exemplos de ciúmes e controle praticado
pelos parceiros e por elas, reconheceram que também exercem essas atitudes: “não
deixo meu namorado falar com ninguém”; “eu já fiz isso, eu assumo mesmo, já
controlei, mas pouca gente assume” e “eu controlo mesmo, é direitos iguais, se ele
pode controlar eu também posso, se eu não posso fazer, ele também não pode”.
O modo de abordar os exemplos trouxe duas questões importantes: a
reprodução de uma heterossexualidade presumida e o binarismo agressor/vítima
nas violências em relacionamentos afetivo-sexuais em que o sexo feminino ocupa o
lugar da vítima. Esse discurso se manteve mesmo com as narrativas em que as
meninas praticavam ações equivalentes ao que estavam sendo exemplificadas
como “abusivas”.
A participação nas atividades promovidas na escola possibilitou perceber que
mesmo havendo um esforço em problematizar questões da sexualidade e da
violência, ainda eram reproduzidos estereótipos de gênero a partir de discursos
hegemônicos e heteronormativos, e havia um silenciamento dos profissionais em
momentos possivelmente cruciais para uma intervenção. O que levaria a esse
silêncio dos profissionais? Compreendem a importância de sua colocação e
intervenção? Estão eles preparados para debater de modo crítico as questões que
envolvem sexualidade, gênero e violências?

___________________________________________________
22 Animação brasileira de 2013.“A trama situa-se em quatro datas na história do Brasil: 1500, quando
o país foi descoberto pelos exploradores portugueses, 1800, em eventos durante a escravidão; 1970,
durante o ponto alto da ditadura e no futuro em 2096, quando haverá uma guerra sobre a água. O
filme narra o amor entre Janaína e guerreiro nativo que, quando morrer, terá a forma de um pássaro.
Durante seis séculos, a história do casal sobrevive através desses quatro estágios na história do
Brasil”. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Uma_História_de_Amor_e_Fúria).

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Este capítulo abordou a sexualidade de adolescentes, suas experiências


dentro do universo escolar e o como a instituição regula e, inclusive, silencia
determinados desejos e práticas. Foi explicitado que moças e rapazes vivenciam
diversas experiências de paquera, “ficar”, namorar, onde se inserem valores e ações
em torno de ciúme, de traição, de controle e de violências. A violência nos
relacionamentos afetivo-sexuais, as peculiaridades que a atravessam e como são
agenciadas essas experiências serão tratadas no próximo capítulo.

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4 VIOLÊNCIA AFETIVO-SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA

A violência no namoro de adolescentes é definida como atos, omissões e


atitudes que produzam ou tenham potencial de gerar dano emocional, físico e sexual
à parceira ou ao parceiro afetivo-sexual na ausência de vínculo marital (CASTRO E
CASIQUE, 2010) e é frequentemente categorizada como violência física, sexual e
psicológica. Embora a violência pareça ser mais expressiva no namoro, também é
verificada em relações como o “ficar”.
Alguns pesquisadores do tema da violência nos relacionamentos amorosos
de adolescentes problematizam as afirmativas, encontradas em suas revisões de
literatura sobre o assunto, acerca da semelhança entre a violência no namoro e
conjugal, e que atos violentos no namoro seriam de “menor gravidade” (CARIDADE
E MACHADO, 2006; NASCIMENTO, 2009; CASTRO E CASIQUE, 2010 e OLIVEIRA
et. al., 2011).
Os autores discutem os dados estatísticos que mensuram “simetrias” nas
violências praticadas e sofridas por moças e rapazes, apontando a necessidade da
ampliação da discussão, pelas especificidades de cada tipo de relacionamento, suas
formas de envolvimento e resolução de conflito, tempo de duração, expectativas, etc.
Sugerem, também repensar as maneiras de analisar a avaliação da “gravidade”.
Ao comparar as relações de namoro e de conjugalidade é importante
perguntarmos quais estatutos estão em jogo. Existe um jeito “universal” de namorar
e viver maritalmente? Ao problematizar a ideia de uma identidade nacional brasileira
como sexualmente desinibida, Heilborn (1999) demonstra que, ao uniformizar
relacionamentos, os contrastes e diferenças existentes nas maneiras de interagir
afetivamente passam despercebidos.
A autora faz comparações dos modos de interação amorosa entre cariocas e
parisienses demonstrando as diferenças nas formas de se relacionar nas duas
cidades. Porém, ao comparar as interações afetivas entre jovens moradores da zona
sul e da zona norte do Rio de Janeiro, de camadas médias e do subúrbio, Heilborn
(1999) analisa que em uma mesma cidade existem diferenças de valores, regras no
namoro e de controle exercido pela família de acordo com o contexto cultural e
sócio-histórico de cada bairro.
Logo, ao falar de lógicas mais amplas, o exame recai nas características
gerais de um namoro, contudo, pode-se observar diferentes valores e modos de

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vivenciar essa relação. Sendo assim, assemelhar as violências do namoro à


conjugalidade é ocultar as diferenças e multiplicidades existentes nessas maneiras
de se relacionar. Os contrastes e singularidades são importantes para compreender
as diferentes formas de a violência operar nos relacionamentos.
A respeito de a violência no namoro ser de “menor gravidade", Nascimento
(2009) assinala que tal afirmação está mais atrelada a uma categoria legal e de
classificação de tipos de violência do que à magnitude do fato em si. Com base nas
análises de sua pesquisa sobre violência no namoro em camadas populares e
médias em Recife, a autora afirma não ser possível falar de violência de “menor
gravidade” e sim “tão graves quanto”.
Quais os critérios utilizados para verificar a gravidade de uma violência?
Como mensurar os efeitos na saúde física e psicológica? Segundo Castro e Casique
(2010), as gravidades da violência geralmente são mensuradas a partir dos danos
físicos, com isso, aferir a magnitude das violências sexuais e psicológicas se torna
um desafio devido à dificuldade instrumental para observar, medir e caracterizar a
violência.
As múltiplas formas de interpretar a violência recebida fazem com que os
efeitos da violência sejam sentidos de formas diferentes por cada um. Alguns
exemplos dos desdobramentos da violência na saúde dos adolescentes são: danos
físicos, estresse pós-traumático, baixa autoestima, raiva, depressão, ansiedade,
reações psicossomáticas, ideação suicida, baixo rendimento escolar, sentimento de
desvalorização, entre outros (CARIDADE e MACHADO, 2010; OLIVEIRA 2011).
Um dos pontos chaves na discussão sobre violência no relacionamento
afetivo-sexual de adolescentes são os dados que mostram não haver diferenças
percentuais significativas da violência perpetrada por rapazes e moças (Caridade e
Machado, 2006, Oliveira et. al. 2011, e Nascimento 2009). Esses dados incitam o
questionamento das relações de gênero envolvidas nas relações afetivas, haja vista
que existem divergências na interpretação das simetrias ou assimetrias nos
relacionamentos de adolescentes.
De acordo com Nascimento (2009), os autores que defendem a simetria da
violência justificam ser a mesma decorrente de um desejo de dominação,
independente do sexo do parceiro. As diferenças estatísticas seriam irrelevantes,
embora haja consenso de que os maiores prejuízos sejam das mulheres. Quanto à
assimetria, os defensores debatem as relações de gênero, mediante uma discussão

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mais ampla da violência e os fatores que a sustentam nas relações sociais.


Conforme Castro e Casique (2010), há vários tipos de violência no namoro e
entre elas, a “violência de gênero”. Os autores argumentam que a violência no
namoro deve ser analisada por uma perspectiva de gênero, que permita diferenciar
as violências relatadas por moças e rapazes. Por exemplo, é possível que entre as
moças ocorra uma naturalização de determinados comportamentos, enquanto que,
para os rapazes, comportamentos violentos dos quais foram alvo tendem a ser
relatados de modo sobredimensionado. Os autores também afirmam que as
manifestações da “violência de gênero” assolam os rapazes, mas é mais provável
que as mulheres sejam mais atingidas por esse tipo de violência.
As pesquisas sobre violência no namoro privilegiam em geral abordagens
epidemiológicas, com o intuito de quantificar prevalências e categorizar as ações.
Dados de diferentes estudos apontam distâncias percentuais dos números absolutos
de adolescentes que sofreram ou praticaram atos violentos. Essa distância pode ser
devido às diferentes realidades socioculturais, às formas como adolescentes
interpretam a violência, bem como à multiplicidade de maneiras de quantificar e
interpretar as informações coletadas.
Para dimensionar o cenário epidemiológico brasileiro, apoio-me na pesquisa
do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde Jorge Careli da
Fundação Oswaldo Cruz, realizada em 10 capitais brasileiras, em escolas públicas e
privadas, com 3.205 jovens entre 15 e 19 anos (MINAYO, ASSIS e NJAINE [org.],
2011). Foi evidenciado que 86,8% dos participantes praticaram algum tipo de
agressão e 86,9% já foram vítimas. Sendo que 76,6% de rapazes e moças foram, ao
mesmo tempo, vítimas e autores de algum tipo de violência. A violência psicológica
ocorreu em 86,8% das meninas e 82,1% dos meninos. A violência física foi relatada
por 64,1% dos adolescentes: 24,9% dos rapazes relataram terem sofrido agressões
e as moças 16,5%. A violência sexual foi sofrida por 43,8% dos adolescentes e
praticada por 38,9%, e não foram constatadas diferenças significativas entre os
sexos. Também foi observada a ocorrência de violências autoinfligidas
(automutilação, comportamentos suicidas e suicídio efetivado) em decorrência dos
relacionamentos em 19,3% dos adolescentes entrevistados e não houve distinção de
prevalência por sexo.
Existe convergência nas pesquisas ao apontar a primazia de violência
psicológica, seguida da violência sexual e posteriormente a violência física

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(CARIDADE E MACHADO, 2006; CASTRO E CASIQUE, 2010 e OLIVEIRA et. al.


2011). Na investigação de Oliveira et. al. (2011), cada tipo de violência costuma se
expressar através de diversas ações, quais sejam:
• Violência física: jogar algo sobre o outro; bater; chutar; dar soco; dar
tapa; puxar o cabelo; empurrar; sacudir e apertar o pescoço.
• Violência sexual: beijo forçado; tocar sexualmente e forçar a fazer sexo;
usar ameaças para tentar fazer sexo e obrigar a fazer sexo sem uso de preservativo.
• Violência psicológica: ameaçar; impor medo; xingar; difamar; humilhar;
perseguir; controlar as amizades; roupas e ações de parceiro e ameaçar e/ou
divulgar fotos íntimas.
As ações descritas em cada tipo de violência precisam ser analisadas a partir
do contexto em que aconteceram, pois as ações podem ser significadas como
violência pelos adolescentes a depender dos recursos simbólicos e culturais que
cada um aciona nas interações vividas na relação. A esse respeito Oliveira et. al.
(2011) fazem algumas considerações como: a banalização de atitudes que
compõem a violência psicológica que podem ser interpretadas como corriqueiras e
aceitáveis em algumas situações; as agressões físicas praticadas pelo fato de as
garotas serem desqualificadas pelos rapazes como de menor potencial ofensivo e
danoso - parte da violência é associada ao revide ou autodefesa da agressão
recebida. As ações violentas são consideradas habituais na relação e se encontram
legitimadas pela impulsividade.
No tocante à esfera sexual, existem estudos que têm utilizado a categoria de
“coerção sexual”, que abarca a complexidade e as diversas relações e contextos
onde há atos contra a liberdade sexual e experiências de sexo forçado (CORDEIRO
et. al., 2009). Predominantemente mulheres e adolescentes são alvo dessa
violência.
Segundo Moraes, Cabral e Heilborn (2006), em artigo derivado da pesquisa
GRAVAD23, realizada em três estados brasileiros, a coerção sexual foi realizada
predominantemente por pessoa do sexo oposto, porém, 1/5 dos episódios ocorridos
com rapazes foram praticados por sujeitos do mesmo sexo ao passo em que, com
as moças, situações com mulheres foi quase nula. Com as moças, os perpetradores

___________________________________________________
23Pesquisa GRAVAD – Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e
Reprodução no Brasil.

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da coerção geralmente são parceiros ou ex-parceiros afetivos e, com os rapazes,


metade dos casos foram amigos ou amigas.
Segundo vários autores, os fatores de risco que facilitam o desencadeamento
de violências são os seguintes: a duração do relacionamento, quanto maior a
duração, aumenta o risco de ocorrer com maior frequência e/ou agravos; idade,
quanto mais novos mais propícios a maiores danos físicos e psicológicos; raça;
baixa escolaridade; condições socioeconômicas; renda familiar; experiência de
violência intrafamiliar; uso abusivo de álcool e drogas; assimetrias de gênero; baixa
autoestima; experiências prévias afetivas e sexuais; grau de envolvimento na
relação; habilidade na comunicação interpessoal; habilidade para resolução de
problemas; isolamento social; banalização da violência entre parceiros e tolerância à
violência (TAYLOR, 2017; OLIVEIRA et. al., 2011; ANTUNES E MACHADO, 2012;
NASCIMENTO, 2009; CARIDADE E MACHADO, 2006).
No que se refere à opinião dos adolescentes sobre a violência, a maior parte
declara ser contra o uso de violência nos relacionamentos, porém há uma parcela
que concorda com certos atos violentos. Em algumas situações, os jovens dizem ser
aceitável e justificável o uso de agressões, como em casos de traição, ciúme e
revide de agressão sofrida (CARIDADE e MACHADO, 2009; OLIVEIRA et.al., 2011).
De modo geral, os motivadores da violência que mais ganham destaque são o
ciúme, o controle do outro, a traição, o término da relação, a dificuldade de resolver
conflitos e lidar com as próprias emoções, como a raiva (GOMES, 2011; MACHADO
e CARIDADE, 2013).
O ciúme aparece como o principal fator que ocasiona brigas entre o casal e
está atrelado a todas as formas de violência. Segundo Gomes (2011), uma parcela
dos adolescentes acredita que sentir ciúmes é uma “prova de amor” e só é
percebido como problema quando o classificam como excessivo. O autor aponta
ainda que o argumento da “prova de amor” também é acionado pelos meninos para
convencerem as parceiras a ter relação sexual e/ou não usar preservativo.
O controle acerca do comportamento, saídas, roupas, amizade e isolamento
do grupo de amigos é demonstrado de modo significativo, e foi relatado com mais
frequência como uma conduta masculina, embora apareça também como atitude de
meninas (GOMES, 2011 e OLIVERA, 2011).
De acordo com Oliveira et. al. (2011), existe o imaginário de que a infidelidade
é algo da natureza masculina. Isso “autorizaria” os jovens a trair e, ao mesmo

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tempo, o fato de sentir a traição como algo grave e humilhante, pode vir a
desencadear ações violentas e impulsivas. A traição é considerada como algo
comum e a violência seria justificada por essa ação tanto para moças quanto para
rapazes.
A exposição de fotos – considerada uma forma de violência psicológica em
estudos específicos sobre o tema – vem sendo compreendida e nomeada como
Cyberviolence ou abusos digitais, e é definida como: ameaças, insultos por via das
mídias sociais e digitais, a propagação de fotos, vídeos íntimos sem a autorização,
cujo objetivo é humilhar e difamar (FLACH, DESLANDES, 2017). Segundo as
autoras, muitos desses acontecimentos têm ganhado proporção com o crescente
uso das tecnologias digitais que corroboram para a hiperexposição da imagem
inicialmente de forma voluntária, mas que pode ser reproduzida por terceiros
inúmeras vezes.
O abuso digital também inclui o controle de postagens e comunicações por via
de computadores e/ou do celular. Com muita frequência, os adolescentes monitoram
mensagens de WhatsApp, conversas nas redes sociais como Facebook e Instagram.
Flach e Deslandes (2017) sinalizam que os abusos digitais nos relacionamentos
afetivo-sexuais entre adolescentes também são comumente interpretados como
“prova de amor” e cuidado, ou ainda uma brincadeira.
De acordo com as autoras, tanto moças quanto rapazes sofrem e praticam o
abuso digital, mas os atos tendem a ser diferentes, sendo as práticas femininas
demarcadas pelo controle/monitoramento de mensagens e celulares, e as
masculinas a exposição de fotos e mensagens íntimas de suas parceiras, o que
comumente acontece após o término de um relacionamento. As exposições de fotos
íntimas também são chamadas de “pornografia de vingança”.
Destaco a importância de problematizar a categoria relacionamento abusivo,
pois, esse tema surgiu ao longo da pesquisa como peça importante para análise
deste trabalho. A construção dessa categoria vem sendo estudada por Souza
(2017), mas ainda não há conclusões fechadas sobre o seu uso no Brasil. A autora
buscou nos ambientes virtual e acadêmico o uso do termo no período de 2000 a
2017, localizou o emprego em sites e blogs como sinônimo de violência física e/ou
emocional e em dissertações de Psicologia com temáticas de violência contra a
mulher, usando as palavras “abusivo” e “violência” como sinônimos.

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Para a autora, o uso do termo é temporal e contextual e se intensifica a partir


de 2014, em que ganha significados e a preocupação em explicar o que é ou não
uma relação abusiva. De acordo com Souza (2017), a expressão ganha corpo e voz
na internet e fora dela, através de: blogs; jornais; revistas; campanhas no Twiter;
Youtube; grupos de Facebook; campanha24 da Secretaria de Políticas Públicas para
as Mulheres25 (SPM) e em eventos realizados na cidade de São Paulo.
As tentativas de sensibilização do que pode ser classificado como violência foi
possibilitado pela disseminação do feminismo e a conexão entre a internet e
ativismo político, “indicando a alteração dos regimes de visibilidade dos feminismos
e da ’violência de gênero’, o que possibilita a criação de novas classificações e/ou
categorias para pensar violência” (SOUZA, 2017, p.1).
Embora as campanhas possam afirmar que o relacionamento abusivo pode
ser vivido por homens e mulheres, o foco central são as mulheres em relações
heterossexuais e homossexuais. Conforme análise de Souza, as definições de
relacionamentos abusivos geralmente estão atreladas às hierarquias de gênero e
desigualdades entre homens e mulheres, usam de noções de machismo e normas
heteronormativas, e, ao se referenciar a casais homoafetivos. usam as noções
feministas.
Na campanha realizada em 2017 pelo site da Secretaria de Políticas Públicas
para as Mulheres, o relacionamento abusivo foi definido conforme a Lei Maria da
Penha, descrevendo ser crime contra a mulher as violências psicológica, moral,
sexual, patrimonial ou física. Essa explicação foi utilizada ainda que a lei não
mencione em seu texto o termo relacionamento abusivo.
No site são exemplificados sinais de comportamento abusivo e violência
psicológica da seguinte forma:

___________________________________________________
24Para acessar a campanha, <https://www.mdh.gov.br/noticias-spm/noticias/spm-lanca-campanha-
de-alerta-aos-sinais-de-relacionamento-abusivo>
25A Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres foi criada em 2003, no governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2015, a Secretaria foi extinta, e foi criado um ministério com a unificação
de três secretarias - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de
Direitos Humanos e a Secretaria de Políticas para as Mulheres - fundando então, o Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH). Em maio de 2016, no governo do
presidente interino Michel Temer, foi extinto o MMIRDH e suas funções foram repassadas ao
Ministério da Justiça, que foi nomeado de Ministério da Justiça e Cidadania. Em 2019, com a posse
do atual do presidente, Jair Bolsonaro, a Secretaria de Mulheres está vinculada ao Ministério da
Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).

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Te humilha e faz piada a seu respeito quando vocês estão entre amigos;
está frequentemente discordando das suas opiniões e desconsidera suas
ideias, sugestões e necessidades; tem a habilidade de fazer com que você
se sinta mal a respeito de si mesma; quando você reclama, diz que você é
“muito sensível”; quer controlar a maneira como você se comporta; você
sente que precisa pedir permissão para sair sozinha; controla seus gastos
financeiros; tenta, e muitas vezes consegue, diminuir seus sonhos, suas
conquistas e esperanças; faz com que você se sinta sempre errada.
(https://www.mdh.gov.br/noticias-spm/noticias/spm-lanca-campanha-de-
alerta-aos-sinais-de-relacionamento-abusivo).

Os exemplos descritos no site apontam situações que poderiam ser


denominadas como violências psicológicas e não fazem menção a comportamentos
que envolvem violências físicas e sexuais. O que os adolescentes estão entendendo
como relacionamento abusivo? Eles diferenciam violências de relacionamento
abusivo?
No que se refere às medidas adotadas pelos adolescentes que experienciam
situações de violência nos relacionamentos afetivo-sexuais, verificou-se que
raramente pedem ajuda independente da classe social (CARIDADE e MACHADO,
2009; NJAINE, 2011). A resistência em buscar ajuda pode se dar pelo medo de
serem culpabilizados; o receio de não serem ajudados e medo de punição por parte
da família, principalmente quando esses adolescentes não têm ciência da relação,
ou quando a violência se dá em contextos tidos como proibidos (ex. situações que
envolvem uso de drogas).
Em pesquisa realizada no cenário nacional (NJAINE, 2011), foi observado
que os meninos são menos propensos em pedir ajuda que as meninas. Ao
solicitarem algum tipo de auxílio para os casos de violência no namoro ou “ficar”, os
adolescentes priorizam os amigos, seguidos da família, depois de membros
religiosos, profissionais de saúde e por último os professores. A autora aponta que
os adolescentes entrevistados veem a família como o local para abordar o tema da
violência no namoro, todavia percebem a escola como o local ideal para desenvolver
ações preventivas.
Segundo Murta e Santos (2016), os programas existentes de prevenção de
violência no namoro não apresentam muita eficácia e efetividade. Cabe salientar
que, no Brasil, inexistem políticas públicas consolidadas para as questões de
violência nos relacionamentos afetivo-sexuais, embora existam ações preventivas
isoladas. Na cidade do Rio de Janeiro, existe o exemplo do Programa “Gentileza no
Namoro”, iniciativa da RAP da Saúde – Rede de Adolescentes e Jovens Promotores

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da Saúde – vinculado à Secretaria Municipal de Saúde, era possível acompanhar o


trabalho através de atualizações via site26 do programa. Todavia, diante da falta de
atualização do site, não há informação sobre a continuidade do projeto.
Seguindo o panorama apresentado sobre a violência no relacionamento
afetivo-sexual de adolescentes, contextualizo que esta pesquisa não tem por
objetivo refletir a violência a partir de categorias fixas. Compreendo assim como
Minayo (2013, p. 22) que: “por ser um fenômeno complexo e multicausal que atinge
todas as pessoas e as afeta emocionalmente, a violência foge a qualquer
conceituação precisa e causal”. Assim sendo, analisei os dados do campo
etnográfico e das entrevistas pela ótica socio-histórica e cultural, a partir do conceito
de gênero e suas intersecções com classe, raça e sexualidade e baseada na
perspectiva de “violência relacional”, que entende mulheres e homens como autores
e receptores de violência.
Tal perspectiva é ilustrada na análise pioneira de Gregori (1983), que retrata
os atendimentos realizados por mulheres feministas no SOS- Mulher de São Paulo
com mulheres que vivenciavam violência. Foi demonstrada a dificuldade das
atendentes em quebrar a lógica binária de gênero em vez de problematizá-la
acabavam por reafirmar o dualismo vítima e algoz.
Para a autora é preciso se desprender das dicotomias, generalizações e
universalizações entre os gêneros para que consiga abarcar as diferenças e
pluralidades das pessoas. Bem como, as ambiguidades e tensões nas relações de
gênero e os diferentes padrões instituídos para homens e mulheres, que por não
serem lineares e fixos são atualizados nas relações interpessoais, ou seja, cada
casal estabelece a sua dinâmica e forma de comunicação.
Como reiterado por Debert e Gregori (2008), problematizar a violência pelo
viés relacional não significa ser determinista com as assimetrias baseadas no
gênero e desconsiderar as hierarquias que constituem desigualdades, mas é
fundamental indagar se o gênero não deveria estar articulado com outros
importantes marcadores como classe, raça, orientação sexual. Sendo assim, para
compreender a violência entre casais é essencial identificar marcadores sociais e os
padrões culturais que interferem diretamente e norteiam as relações, seus
significados e concepções. Sob essa perspectiva, é relativizada a noção de

___________________________________________________
26 https://elosdasaude.wordpress.com/gentileza-no-namoro/

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“violência de gênero”, que pressupõe a lógica do binarismo agressor/vítima - em que


a violência sempre será masculina e a mulher subordinada aos homens, cujos
mecanismos de reprodução são atribuídos ao patriarcado e à dominação masculina.
Para problematizar a construção da vítima, Sarti (2009), em seu artigo “Corpo,
violência e saúde: a produção da vítima”, resgata a trajetória da violência na área da
saúde. Reforça que os dados epidemiológicos ajudaram a visibilizar os casos de
violência, pauta que já era levantada por movimentos sociais que lutavam por
direitos de mulheres, homossexuais, idosos, da criança e do adolescente. Esses
movimentos foram decisivos ao delinear a forma que a violência seria vista e como
foi introduzida no campo da saúde. A forte presença do movimento feminista
demarcou a perspectiva de gênero para pensar a atenção da violência na saúde.
A autora assinala a dificuldade que os profissionais de saúde têm em romper
com a lógica biomédica que fragmenta as dimensões biológicas, psíquicas e sociais,
e, de compreender a complexidade do fenômeno da violência. Os médicos associam
a palavra violência aos casos de violência doméstica e familiar. A tendência é
identificar na figura da vítima alguém frágil e vulnerável a atos violentos, associando
a este lugar: mulheres, crianças e idosos. A violência não é reconhecida pelo ato em
si, mas por uma concepção prévia da vítima, essa noção se deu através de
articulações da esfera do Direito e da Saúde.
A partir da exemplificação de um caso de um homem que buscava
atendimento por ter sofrido uma violência sexual, Sarti (2009) demonstra o
despreparo e a dificuldade da equipe de saúde para prestar o atendimento e
identificar um homem como vítima e não agressor. Essa situação realça a
representação da mulher no lugar de vítima, perdendo a dimensão relacional do
gênero.
O engessamento da ideia de vítima enquanto sujeito passivo subestima a
capacidade dos indivíduos em agenciar os conflitos e violências vividas. Conceituo a
noção de agência a partir de Ortner (2006), que assinala que os sujeitos são agentes
sociais sempre envolvidos nas mais variadas formas de relações sociais em que
estão entrelaçados e agem dentro desses contextos. Ou seja, os sujeitos possuem
uma agência sobre a própria vida, e essa nos possibilita transitar entre dois pontos:
o sujeito sempre está inserido em relações de (pretensa) solidariedade, como a
família, amigos, professores, etc., e, de outro lado, ele é atravessado por relações
de poder e de desigualdade.

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Portanto, a agência não ocorre de modo igualitário entre todos os sujeitos.


Trata-se de algo que é sempre negociado interativamente. Segundo Ortner (2006), a
agência não é simplesmente um processo autônomo, pois o sujeito não controla
completamente as teias sociais em que está inserido, sendo assim, a agência se
constrói e ocorre a partir das interações que o sujeito tem com seu meio
sociocultural.
De acordo com a autora, a noção de agência contempla duas dimensões cuja
distinção é apenas operacional: a agência de poder, que diz respeito aos modos de
resistir e superar situações de inequidades e subordinação, e a agência de projetos,
que se refere à disposição dos sujeitos de levar adiante suas metas e formas
desejáveis de estar no mundo. Ambos os modos de agência não apenas se limitam
à ação individual, mas o âmbito da ação coletiva também é contemplado sob essa
perspectiva.
No que se refere aos avanços na compreensão do fenômeno violência na
relação afetivo-sexual de adolescentes, ainda há vários desafios metodológicos,
lacunas relativas aos relacionamentos não heterossexuais, aos marcadores sociais
da diferença e perspectivas distintas, que ora consideram as relações de poder sob
a lógica do patriarcado, ora relativizam as situações em que se produz a violência
nos relacionamentos. Esta perspectiva, pois, orienta a interpretação das
experiências relatadas no trabalho de campo da pesquisa, que serão sintetizadas no
seguinte item do capítulo.

4.1 Expressões da violência nos relacionamentos afetivo-sexuais dentro do


espaço escolar

Essa menina não facilita pro meu lado


E o que complica é meu ciúme exagerado
(Garota te odeio – Novac)

No espaço escolar, as violências se expressavam de diferentes formas: nas


ações, nas histórias que circulavam entre os estudantes e na forma de comunicação
entre meninas e meninos. Adolescentes conversavam entre si, xingando,
empurrando, batendo e, no minuto seguinte, estavam abraçados e rindo. Atos que
podem ser considerados violentos compunham uma linguagem na interação entre

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adolescentes e, ser interpretada como violência, dependia do contexto em que ela


acontecia.
As formas de comunicação entre os casais, no pátio da escola, por vezes
geravam-me dúvidas se estavam ocorrendo atos violentos, como o episódio ocorrido
entre Roberto (17 anos, negro, 3º ano ensino médio) e Helena (branca, 1º ano do
ensino médio). Em um recreio vi a moça séria e empurrando o namorado, como se
estivesse brava e brigando, ele, por sua vez, continuou a falar e rir, em seguida
caminharam de mãos dadas normalmente. A atitude tratava-se de uma brincadeira
ou de uma briga?
As expressões corporais e faciais podiam manifestar descontentamentos das
atitudes dos colegas com o parceiro ou a parceira. Helena e Roberto não interagiam
muito com outras pessoas, ficavam sempre juntos no pátio, ambos eram ciumentos
e já haviam terminado várias vezes por esse motivo. Uma garota, ao ver que o casal
estava se direcionando para o portão, questionou Roberto se ele estava indo
embora. Depois de o rapaz responder positivamente, a menina se levantou com um
sorriso no rosto, um ar provocativo e deu-lhe um abraço e um beijo. Helena
permaneceu estática. Uma aluna, ao observar, comentou: “nooossa! Olha a
namorada dele, muito brava”.
No ambiente escolar, nada passava desapercebido. As rodas de conversa
eram permeadas pelas fofocas e a escola, por ser um espaço pequeno, colaborava
para as histórias se propagarem com agilidade. As fofocas exerciam, como propõe
Jones (2009), uma função de controle social da sexualidade e, em muitos casos,
tinham um caráter depreciativo das pessoas envolvidas. Muitos enredos viravam
motivo de deboche entre os adolescentes que apelidavam os colegas de “chifrudos”,
“piranhas”, “pegadores”, etc.
Corriqueiramente, descobria-se que as traições aconteciam com amigos ou
que estes se relacionavam com ex-parceiros e ex-parceiras. Havia uma espécie de
código de conduta esperada dos pares, em que não era bem aceito “ficar” ou
namorar com algum “ex”.
Esses códigos funcionavam de forma distinta entre meninas e meninos. Os
rapazes, que mencionaram que era permitido os amigos “ficarem” com meninas que
eles já haviam “ficado”, desde que fosse anunciado e conversado sobre o assunto
previamente, tal possibilidade era descartada se envolvesse algum tipo de
sentimento do rapaz pela moça. Já as meninas demonstraram uma maior rigidez em

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aceitar uma amiga com um ex-namorado ou “ficante”, entre elas, a situação


ocasionava rompimento de relação.
Os relacionamentos na escola eram permeados pelas inúmeras
possibilidades de interações interpessoais, dessa maneira, estudar no mesmo local
que as parceiras ou parceiros era um desafio para vários casais devido aos ciúmes.
William (18 anos, negro, curso Ventania), por estudar em uma turma
majoritariamente composta por meninas, tinha constantes brigas com a namorada,
que acabava por brigar com suas amigas, como ilustrado abaixo.

Eu falava pra ela não ligar porque, apesar de eu tá numa sala cheia de
mulher, eu sei o meu limite, eu sei que eu respeito a pessoa e eu
literalmente respeito a pessoa e, tipo assim, ela ficava com muito ciúme da
minha amiga e, assim, tinha vezes que ela estava com ciúme de mim. Tinha
vez que ela tava com ciúme da outra, tinha vez que ela xingava umas,
queria bater e sei lá o quê.

As histórias de traição e ciúmes eram as mais comuns, o fato de eles


caminharem ao lado de amigos do sexo oposto já se tornava motivo para que
chegasse aos ouvidos de parceiras e parceiros a suposta traição. Quando as
traições eram enunciadas por alguém próximo ao ciclo de convivência, a história
ganhava maior confiabilidade, o que, consequentemente, desencadeava conflitos.
Em uma tarde, os alunos do ensino fundamental estavam alvoroçados com
uma briga ocorrida no dia anterior na porta da unidade escolar. Enquanto
procuravam o vídeo nos status do WhatsApp de algum aluno que havia filmado a
briga, contavam sobre o motivador da confusão. Segundo Bruno, um rapaz de outro
colégio foi tirar satisfação com um garoto da escola por ele ter “dado em cima” de
sua namorada, que também estudava na unidade. Esse encontro acarretou em
agressões físicas entre os meninos. Mas, para o grupo que contava o ocorrido, foi a
moça quem “deu em cima” do rapaz. Eles riam e comemoravam o fato de o
namorado ter apanhado, uma vez que devia parar de ser “trouxa” por ser enganado
pela namorada.
As narrativas de conflitos e brigas por causa da parceira ou do parceiro
tomavam proporções dentro da escola e era pauta no assunto de vários grupos.
Embora o caso descrito acima seja de briga entre os meninos, segundo as histórias
contadas, comumente o palco de discussões era travado entre as meninas. A esse
respeito, Oliveira et. al. (2016) pontuam que existe uma maior aceitação de brigas

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entre meninas por causa do namorado do que entre meninos. Para elas, os ciúmes
e a infidelidade justificariam os seus atos.
Muitas vezes, o alerta para que a menina prestasse atenção em seu
comportamento e parasse de paquerar e/ou se envolver com alguém que já era
comprometido era a partir de linguagens do tráfico, com a expressão “ficar careca”.
Esse termo remete à violência de traficantes com meninas e mulheres que têm seus
cabelos raspados como uma forma de punição.
Para além de empregar a linguagem do tráfico, o relacionamento com
traficantes era algo presente no diálogo entre as adolescentes. Para algumas delas,
estar com eles era algo impensável, fosse pelo medo de “ficar careca” ou pelo valor
moral em não querer ocupar o lugar de “mulher de bandido”. Quando a participação
do namorado no tráfico vinha à tona, ocasionava términos de relacionamentos. Mas,
para outras, o medo ou julgamentos morais não eram um impeditivo para a relação,
como demonstrado por um grupo de meninas do ensino fundamental que
conversava sobre os meninos do “morro” que mexiam com elas no trajeto de casa
para escola:

Cora – Eu nem olho na cara. Acha! Vou pegar bandido?


Clara – Eu pego. Sacanagem, pego não [fala rindo].
Fernanda – Eu não pego [ri como se não fosse verdade]
Bruno – Que não pega? Essa menina vive aí comentando deles.
Clara – Você viu que chegou cara novo no morro? Bonitinho.
Fernanda – Ah eu pego. Se for bonitinho, eu pego.
Clara - Só não pode raspar a cabeça ou levar pro chuchuzeiro 27.

As meninas oscilavam em seus discursos, contavam que as moças que


namoram os rapazes do tráfico não têm a opção de terminar o relacionamento e
relatavam vários episódios de violências físicas, algumas terminadas em morte. Ao
mesmo tempo em que falavam sobre o medo e que não se relacionavam com eles,
o desejo movido pela beleza e a instantaneidade do prazer podiam fazer com que
algumas se envolvessem com os meninos do tráfico.
Ao questionar uma das meninas sobre como faria quando quisesse parar de
“ficar” e o rapaz não, a resposta foi: “não sei, mas se for bonito eu ‘fico’”. A
observação desses contextos torna ainda mais complexa a questão da violência no

___________________________________________________
27Chuchuzeiro é uma árvore que faz referência ao local em que há um buraco onde jogam os corpos
das pessoas mortas pelo tráfico.

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namoro, pois revela que os relacionamentos estão sujeitos a outras convenções e


regulações de sistemas de poder. Nesse caso, o poder do tráfico e suas regras, ao
que parece, tem significativa ingerência nas escolhas das jovens.
Levanto dois pontos para refletir sobre os relacionamentos das moças com os
meninos do tráfico, o lugar de familiaridade que esses rapazes podem ocupar no
convívio com as moças e a afirmação da masculinidade desses rapazes pautada
pelo poder e violência.
O primeiro ponto é que essas meninas residem no mesmo bairro que esses
rapazes, a participação do tráfico, de antemão, não necessariamente faz com eles
sejam associados a um perigo ou à violência. Como apontado por Monteiro (2002),
muitos jovens moradores de favelas identificam fatores positivos em seus bairros,
associam redes de amizade e solidariedade, nas quais o traficante também
participa, eles podem compor um lugar de familiaridade. Muitas vezes, o traficante é
tido como o protetor do local, aquele que organiza e estabelece regras, auxilia os
que precisam e promovem lazer (bailes). Perceber os rapazes a partir de uma rede
de proteção/familiaridade é uma influência ao estabelecer a relação afetivo-sexual
com esses jovens envolvidos no tráfico.
O segundo ponto, baseada no artigo “Mulher de bandido: a crônica de uma
cidade menos musical”, de Zaluar (1993), diz respeito aos rapazes. No tráfico, há
uma disputa grande na relação entre os rapazes, seja pela boca, pela mercadoria ou
pelo poder, sendo uma marca do poder o uso da violência. As moças são mais um
elemento que compõe essa rivalidade e estar acompanhado por elas aumenta o
prestígio do jovem no bairro.
A autora assinala que o tráfico é um ambiente “extremamente sexuado e viril”,
os rapazes tentam impressionar as moças através das exibições de seu poder,
dinheiro e armas, pois acreditam que a presença do revólver faz com que as
meninas se sintam mais seguras. Ao mesmo tempo, os rapazes exercem alto e
rígido controle sobre o comportamento sexual das moças e são “extremamente
violentos” com elas (ZALUAR, 1993).
Segundo Zaluar (1993), o orgulho dos rapazes é exacerbado, “acham que
podem tudo” e “não se conformam com o não ter”. Seguindo essa lógica, se uma
moça faz algo que desagrada ou expõe seu parceiro, ela estaria atingindo
diretamente o orgulho masculino, assim, como citado acima, para manter seu poder

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e/ou honrar sua masculinidade entre os outros rapazes, os jovens traficantes agem
com violência, ficando as moças suscetíveis às mais diversas formas de agressão.

4.2 Os enredos da violência nas interações afetivo-sexuais.

Nas primeiras semanas no campo de pesquisa, tive um contato breve com


uma adolescente que contou sua história, um enredo cheio de complexidades. Aline
(18 anos, branca, 1º ano ensino médio), iniciou seu relacionamento aos 13 anos, na
época o namorado tinha 18 anos e a pressionava para ter relações sexuais. “Eu era
muito nova, não tinha idade pra isso, aí ele ficava cercando um monte de
‘mulézinha’, ficava puxando assunto pelo celular” [faz uma expressão de irritadiça]. A
adolescente engravidou aos 14 anos e em uma briga com o namorado ele a atingiu
com um chute na barriga, o que provocou um aborto.
Entre términos e reconciliações, anos depois, a menina engravidou
novamente, teve a filha, porém, atualmente, não namora mais o rapaz, mas este
ainda investe na moça: “mando logo procurar as ‘mulézinha’ dele. Ele teve é sorte
que eu não dei queixa dele na polícia, se quando eu abortei eu tivesse dado, ele
tinha ido preso, ainda mais com a idade que eu tinha, ele era maior”.
O caso de Aline apresentou um enredo intrincado de diversas situações
violentas e anunciava que a pesquisa com os adolescentes tinha muito a revelar. De
imediato, seu relato suscitou situações de ciúme, possíveis traições, coerções
sexuais, agressões físicas e um recorte geracional que por lei é entendido como
violência ainda que haja o consentimento da adolescente.
Os relacionamentos afetivo-sexuais são permeados pelo ciúme, pela
desconfiança, pelo controle, pela traição, por diversos sentimentos e emoções, e
tudo isso forma um emaranhado de fios de diferentes nós e opressões. Dessa
forma, ao separar as violências em categorias, corremos um grande risco de ocultar
significados importantes para a compreensão dessas violências.
O ciúme aparece como um sentimento unânime das moças e nos rapazes
interlocutores desta pesquisa. Está entre os principais motivadores de discussões,
sendo correlacionado a diferentes manifestações da violência. Estes dados seguem
a mesma direção das análises realizadas por Oliveira et. al. (2016).

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Embora o ciúme surja com bastante expressividade, cabe considerar que


interpreto aqui as emoções não como sentimentos ou experiências universais. Essas
emoções são traçadas e legitimadas por “regras de relacionamento” em que há
expectativas de reciprocidade e exclusividade (REZENDE E BARCELLOS, 2010).
Chama a atenção que a forma como os adolescentes lidam com o ciúme pode ficar
apenas na esfera do sentimento ou ser traduzido em ações; estas pois
desencadeiam-se em discussões, em brigas com terceiros, em controle dos
celulares, das redes sociais, dos amigos, etc. Como exemplificado em alguns casos
a seguir.
Geralmente os adolescentes justificavam o sentimento de ciúme pelo medo
da perda, pela desconfiança, pela traição, pela insegurança ou pela ousadia e pela
intimidade estabelecida com amigos e amigas, como demonstram as falas: “sou
quando eu preciso ser, tipo, a sua namorada pega e senta no colo do amigo, aí não,
aí pra mim é um caso de ser ciumento” e “mesmo você ‘ficando’ com a pessoa,
sempre acaba rolando um ciúmes. Você acaba ficando insegura, sei lá, ainda mais
quando a pessoa acaba tendo também muita amizade com mulher”.
Os relatos de ciúme apareceram, em sua maioria, referentes ao namoro,
segundo Oliveira et. al. (2016), esse fator se deve à convivência mais próxima, à
ideia de compromisso e de fidelidade associada a tal maneira de se relacionar.
Nesta pesquisa, o ciúme também despontou a partir do “ficar”. Os rapazes se
queixaram por serem cobrados constantemente por atenção, por mensagens e eram
questionados sobre as garotas que cumprimentavam e/ou “ficavam” paralelamente.
Eles costumavam ignorar as garotas pelo fato de não possuírem nenhum
compromisso sério. Ao que parece, mesmo que o “ficar” não seja caracterizado pelo
compromisso, na prática muitos criam expectativas e esperam fidelidade, mas esse
acordo tende a não ser conversado e/ou negociado.
Carlos foi o único que expressou incômodo com o ciúme sentido, por atrelar a
um sentimento de posse e concebê-lo como algo “muito desrespeitoso”. Confuso e
receoso de estar faltando com o respeito à sua namorada, com quem estava junto
há 2 anos e tinha planos de casar, procurou a parceira para conversar, pois segundo
ele, resolviam todos os problemas no diálogo. Ao mesmo tempo em que tentava
lidar com o sentimento junto à namorada, não conseguia conter os impulsos ao ver
colegas de Milena a tocarem em “excesso”, fato que o levou a agredir um rapaz com

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um cabo de vassoura: “eu tava com tanta raiva, tanta raiva que ele tava me
provocando”.
As amizades era um fator forte para desencadear ciúmes. Ingrid e Ana
relataram situações que as levaram a se afastar dos pares, fosse pelo convívio
pessoal ou a partir das redes sociais na Internet e conversas no WhatsApp,
provocando um isolamento social. O cerceamento e controle podiam acontecer de
várias maneiras, elucido a questão através do relacionamento de Ingrid (19 anos,
branca, 3º ano Ensino Médio).
Ingrid e Gustavo se relacionavam há quase 1 ano e, embora ambos fossem
ciumentos, ela dizia que ele era pior por ser muito possessivo e desconfiado.
Gustavo implicava com o tempo de demora nas respostas das mensagens, quando
a menina não atendia suas ligações, verificava o celular e mensagens de Ingrid no
WhatsApp e redes sociais, não gostava que ela saísse para festas e que andasse
com os amigos e com as amigas. As cismas do rapaz fizeram com que Ingrid
apagasse vários contatos do celular, evitasse conversar no WhatsApp e sair de casa
para passeios e festas. Essas situações a deixavam estressada, com raiva, faziam-
na chorar e discutir com Gustavo, que tendia a ficar mais irritado e “extrapolar”.
Questiono o que significava “extrapolar” para entender o que ela mobilizava
com tal palavra:

Ingrid: aí ele acaba extrapolando, entendeu? Tem hora que ele acaba
ficando um pouco agressivo.
Pesquisadora: como que é isso?
Ingrid: ai ele meio que vem, tipo assim, ele não vem bater, entendeu? Mas
ele começa a socar parede, começa a vim assim, começa a xingar.
Pesquisadora: e você?
Ingrid: ai, eu também de vez em quando, quando ele começa a ficar assim,
eu não gosto muito de xingar, mas na hora acabo ficando muito nervosa,
assim, eu acabo xingando ele também.

Ingrid sentia medo de Gustavo, pois ele ficava muito agressivo e nervoso e
sempre receava que ele fosse “partir para cima dela”, o que chegou a acontecer.
Ingrid, ao ser empurrada por Gustavo, o empurrou de volta e o casal acabou
trocando tapas.
O abuso digital despontou de forma marcante nesta pesquisa, principalmente
através do controle de celulares de parceiras e de parceiros, também houve
episódios de divulgação de fotos íntimas ou “nudes”, como é popularmente
conhecido no Brasil.

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O controle dos celulares e das redes sociais revela-se como comportamento


habitual no cotidiano dos adolescentes e é motivado pelo ciúme e pela desconfiança
de uma traição. As opiniões dos adolescentes frente ao monitoramento dialogam
com o que foi apontado por Flach e Deslandes (2017). Em suma, as autoras
sinalizam que os adolescentes têm dificuldade de significar os abusos digitais como
violência; quando a situação é incômoda, tendem a qualificá-la como
comportamento “irritante”, e esse tipo de abuso ainda é comumente interpretado
como “prova de amor”, como cuidado ou ainda como uma brincadeira.
A permissão ao acesso do celular um do outro dividia opiniões, as moças não
viam problemas no livre acesso do celular por parte dos namorados ou das
namoradas, justificando não terem o que esconder. No entanto, mexer no celular
significava desconfiança e achavam a atitude desnecessária.
Todas disseram também pedir para olhar, argumentando que a solicitação era
em resposta as requisições recebidas, mas enfrentavam resistências para obter os
celulares, causando desconfiança acerca da fidelidade: “era mil mistérios pra você
mexer no telefone e o meu tava ali sem senha normalmente pra você pegar e
mexer” e “pra que se desesperar tanto? Entendeu? Tipo, tem coisa. E tinha”.
Os rapazes, de modo geral, não gostavam da insistência para mostrarem
seus celulares, entregavam quando não havia nada que os comprometesse, mas,
geralmente, as meninas os pegavam sem autorização. Quando situações eram
descobertas ou deixavam suspeitas, geravam diferentes reações e conflitos.
Patrick (17 anos, negro, 1º ano ensino médio) vivenciou um episódio em que
foi intimidado a fornecer explicações acerca de uma conversa no WhatsApp com
uma faca na mão, “rapaz, a menina pegou uma faca, ela foi muito firme, nunca vi
aquilo”. Talvez ele tenha conseguido tranquilizar a moça com facilidade, porque o
diálogo em questão era com sua irmã. Essa cena foi contada de forma cômica e o
adolescente justificou a atitude da moça como: “coisa de momento, porque ela ficou
com raiva”.
O monitoramento do celular também foi associado ao aumento de segurança
na relação, “porque eu acho que a pessoa vai tá gostando de mim, porque, porra, a
pessoa não ia chegar e ficar mexendo no celular do outro, só por saber, mas por
insegurança dela, fico me sentindo seguro”.
Quanto à exposição de fotos, elas não foram divulgadas em redes sociais ou
Internet, mas foram exibidas pessoalmente. De qualquer modo, as diferentes

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consequências para meninos e para meninas deixam claras as hierarquias de


gênero em torno da sexualidade.
A moça com quem Guilherme (18 anos, negro, 1º ano curso Tempestade)
“ficava”, após ter se chateado com uma atitude do rapaz, mostrou os “nudes” que ele
lhe enviara para seu grupo de amigas. Ele relatou ter reagido tranquilamente, pois
“não tinha por que esquentar cabeça”. Atribuo a “tranquilidade” de Guilherme ao fato
de não ter sido alvo de deboches e xingamentos.
Quando Clara (15 anos, branca, 8º ano) estudava em outra escola, havia
deixado de ficar com um rapaz, então este pegou uma foto sem rosto na internet e a
divulgou na escola dizendo ser Clara. Os estudantes que tiveram conhecimento
passaram a insultar, provocar e inventar terem-na beijado. Furiosa, ela agrediu o
menino que a expôs. A situação necessitou da intervenção da mãe de Clara junto à
escola, o que resultou na transferência de unidade.
As exposições de fotos na Internet costumam ser nomeadas de “Revenge
Porn” e que, no Brasil, é traduzido como “pornografia de vingança”. Para Petrossillo
(2016, p. 10), o “termo oculta importantes disputas classificatórias que possuem a
pretensão de forjar convenções sobre a exposição da sexualidade feminina por meio
de rótulos estigmatizantes”. A autora propõe uma categoria alternativa, a
“humilhação”, pois a “vingança” é um jeito de ocultar a humilhação, e funciona como
uma forma de gerar “a desigualdade simbólica dos lugares sociais ocupados por
meninas frente a outras e aos rapazes” (p.10).
Em ambos os casos exemplificados, a exibição de fotos tem o caráter de
humilhação, mas a repercussão foi diferente. Como assinalado por Petrossillo
(2016), a sexualidade do rapaz é uma forma de mostrar sua virilidade, já o ato da
moça conceder fotos é visto quase como “putaria”. Essas exposições colocam em
evidência as noções culturais dos valores morais em torno da sexualidade feminina.
Segundo OLIVEIRA et. al. (2011), são as mulheres as mais atingidas por essa forma
de violência.
Desde que as imagens ganharam a dimensão da internet, é difícil identificar e
responsabilizar os autores da divulgação. Com os crescentes casos de exposição de
fotos e vídeos íntimos na rede, foram criadas legislações específicas. Em 2012, foi

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promulgada a lei 12.73728 que dispõe sobre os crimes de internet, mas não trata
especificamente sobre a exposição de fotos. Em setembro de 2018, foi aprovada
pelo Congresso a lei 13.718 que, por via do artigo 218-C, criminaliza a exposição e
divulgação de fotos, vídeos ou outros registros audiovisuais que contenham cenas
de estupro, de estupro de vulnerável, que faça apologia ou incentive a prática, cenas
de sexo, nudez ou pornografia (BRASIL, 2018).
Em virtude de a sociabilidade digital ser alta entre adolescentes, de haver
uma exposição de imagens de forma voluntária e sem muita proteção e criticidade,
esses sujeitos ficam muito suscetíveis aos abusos digitais (FLACH e DESLANDES,
2017). Acredito que, depois de expostos, há uma tendência de adolescentes e/ou a
família tentarem resolver sozinhos o problema29.
A traição e a mentira foram mencionadas como inadmissíveis no
relacionamento afetivo-sexual. A suspeita ou certeza desses fatos e o como cada
pessoa lida com eles é decisório para os desdobramentos da notícia e para os
efeitos de ordem psicológica.
Os rapazes não mencionaram descobertas de traição ou consequências por
terem traído, diferentemente das meninas, as quais tiveram diferentes reações como
a indignação, a depressão seguida de autoagressão e a agressão física. A seguir,
relato duas cenas reveladas pelas interlocutoras em entrevista e durante o campo
etnográfico.
Ana (20 anos, negra, 3º ano do curso Ventania) contou sua experiência com
tristeza, ora baixava o tom de voz ora ria de nervoso. Demonstrou inconformidade
por tudo que passou, atribuindo a sua história à sua “inocência”. Aos 16 anos
começara seu primeiro namoro, com Tarcísio. Após um ano, o rapaz terminou o
relacionamento; ela não compreendia o motivo, pois avaliava que estava tudo bem

___________________________________________________
28Esta lei ficou conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, pois, seu projeto foi proposto em
referência à situação vivida pela atriz, que teve seu computador invadido e fotos íntimas publicadas.

29 Embora não tenha sido explicitado no campo de pesquisa sobre o acionamento da Delegacia de
Polícia, por experiência de trabalho com adolescentes em situações semelhantes, levanto alguns
elementos referentes à proteção dos adolescentes. Muitas famílias não sabem que estes atos são
passíveis de denúncia, as que procuram a Delegacia por vezes não conseguem efetuar a denúncia
por não possuírem provas concretas da exposição e/ou da autoria do crime. Muitos receiam não
haver desdobramentos da denúncia por não compreender como são realizadas as investigações no
campo da internet. Outro ponto importante é o julgamento moral e a culpabilização das adolescentes
por terem exposto seus corpos, o que pode acarretar punições da família através de agressões
físicas e/ou serem descreditadas por órgãos de proteção de direitos, que acabam, muitas vezes,
nesses casos, não exercendo sua função na proteção desses sujeitos.

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entre os dois. Alguns dias depois, uma de suas irmãs lhe contou que Tarcísio,
sempre que ia visita-la, “ficava” com Patrícia, sua irmã de 14 anos.
Ana soube que a mãe, a avó e todas as irmãs sabiam e nunca lhe contaram.
Algumas amigas estranhavam a relação entre a irmã e o namorado e tentaram
sinalizar algumas vezes, assim como duas de suas irmãs, com quem morava.
Sempre cantavam “garotas inocentes não merecem chorar”30 quando ela estava
com o namorado, mas ela não captava o recado e ele sem graça sempre pedia para
elas pararem.
Patrícia tentou contar que “ficava” com Tarcísio, dizendo que havia lhe dado
um beijo. Na ocasião, Ana segurava uma faca e sem pensar atirou em direção à
irmã, o que a fez recuar e não mais falar sobre o assunto. Quando toda a história foi
revelada, Ana diz não ter reagido com a irmã ou com o rapaz. Relata ter entrado em
processo depressivo, passou a se automutilar e tentou suicídio.
Nesse caso, as reações da adolescente voltaram contra si própria, ela parece
atribuir a si a culpa, associou a inocência e a falta de relações íntimas aos motivos
para que o namorado procurasse outra parceira: “o que você não dá em casa, a
pessoa vai procurar na rua”. Posteriormente, Ana namorou e noivou com outro
rapaz, que também a traiu e, mesmo sendo uma experiência que ela diz ter sido
“muito ruim”, perdoou o noivo.
A moça queixou-se do modo como o noivo a tratava no dia a dia, “do tipo, de
às vezes me ofender com palavras, de às vezes me botar pra baixo ao invés de me
colocar pra cima”, ele a cobrava para se arrumar, para se maquiar e a comparava
com outras meninas. Ela associava ter aceitado a traição e as “ofensas” ao medo de
ficar sozinha devido à experiência que teve anteriormente. Aponta ainda que ambos
os namorados a fizeram afastar-se de todos os amigos.
O segundo caso é de Débora (14 anos, negra, 7º ano do ensino fundamental),
a menina afirmava que ela e o namorado, João, eram muito ciumentos, o que
potencializava muitas brigas entre o casal. Quando ele lhe contou que a traiu, ela foi
tomada pela raiva e começou a agredi-lo fisicamente. Ele, na tentativa de contê-la, a
segurou pelos braços, mas ela continuou tentando acertá-lo dando chutes. A menina
mostra-me os braços roxos e menciona que não sabe como o namorado não “foi

___________________________________________________
30 Trecho da música “Garotas Não Merecem Chorar” de Luan Santana.

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para cima” dela, em seguida acrescenta: “se viesse, eu chamava a polícia”. Para
entender o contexto, pergunto:

Pesquisadora: e se ele tivesse chamado a polícia pra você?


[Ela silencia, olha e faz uma pausa].
Débora: não sei, não sei o que pensar. Ele não podia fazer isso, mas eu
chamava e metia a Maria da Penha.
Pesquisadora: você bateu nele, qual é a diferença?
[Fica sem reação]
Débora: não sei, ele não pode bater em mim, sou mulher.
Pesquisadora: mas a menina pode bater no menino?
Débora: ah! Eu bato mesmo, tava com raiva.

Como mencionado no início do texto, o argumento fornecido por Débora de


que a traição, consequentemente, a raiva explica sua agressão, converge com um
fator já apontado na literatura como justificativa para as violências (OLIVEIRA et. al.,
2009; CARIDADE e MACHADO, 2006).
A adolescente também apresenta pontos importantes ao mencionar a polícia
e a Lei Maria da Penha em sua fala, pois, ao colocar que em “mulher não se bate” e
sem conseguir refletir sobre as questões colocadas, reproduz um papel fixo atribuído
à mulher: o lugar da vítima. Este caso traz à tona a problematização, feita por Sarti
(2009), de que a violência não é reconhecida propriamente pelo seu ato, mas pelo
que se compreende como vítima. Convém perguntar quais os usos que meninas e
mulheres têm feito da Lei Maria da Penha? A lei seria utilizada, por vezes, como um
mecanismo de responsabilização ou de vingança?
De acordo com Oliveira et. al. (2016), há alguns fatores que podem influenciar
para que agressões físicas praticadas por meninas contra seus namorados não
sejam revidadas, apontam: as críticas sociais, pois, as agressões praticadas por
rapazes contra as namoradas são bastante rejeitadas socialmente; as
representações femininas de fragilidade e fraqueza em comparação aos rapazes e o
receio de penalizações jurídicas por via da Lei Maria da Penha, que é conhecida e
difundida entre os adolescentes.
Outros relatos de agressões físicas foram enunciados tanto em
relacionamento de namoro quanto em relacionamento de “ficar”, e parece não ser
algo incomum no cotidiano das relações. As discussões que antecediam os atos
ocorriam por diversos motivos: “ter falado merda, ter xingado de piranha, tomava um
tapa na cara. Eu era mais novo e era idiota mesmo” (Guilherme, 18 anos); “um
garoto que eu tava ficando. Ele falou uma graça pra mim, que eu não lembro o que

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era, e me deu o tapa. Quando me deu o tapa eu virei a mão de volta. Aí nisso que
ele veio pra cima de mim, eu fui pra cima dele também” (Ana, 20 anos); “às vezes
fico muito brava com meu noivo e vou para cima dele, mas ele é bem maior que eu,
aí só coloca a mão na minha testa pra me segurar e eu fico lá tentando acertar ele.
É uma cena patética, depois fico rindo sozinha” (Nina, 17 anos).
A insistência e as cobranças para ter relações sexuais foram mencionadas
por algumas meninas, que trouxeram os episódios como experiências ruins e
reclamavam por não serem respeitadas diante de suas vontades e desejos. A
seguir, retrato duas situações, de Ingrid e de Lígia, que foram coagidas a ter
relações sexuais com seus parceiros e os diferentes desdobramentos na relação de
cada uma.
Ingrid (19 anos, branca) relata que muitas vezes não queria ter relações
sexuais com o parceiro e tentava resistir, mas diante à insistência e à mudança de
humor do rapaz, por vezes, ela cedia a seus desejos para não chateá-lo, “por ele tá
forçando lá e tal, aí começa a ficar bolado, não sei o que, e eu não gosto de ver ele
assim. Aí acabo eu cedendo por causa disso”. Lidar com o descontentamento do
parceiro pode trazer inseguranças e medos de término na relação, pois há uma
crença de que o homem “não consegue controlar a vontade”, logo se ela não
satisfizesse seus desejos, ele poderia buscar outras mulheres.
O caso ocorrido com Lígia (18 anos, branca) foi aos seus 14 anos, ainda
virgem, considerava-se muito nova para ter relações sexuais e a insistência do
namorado fez com que ela reagisse com agressão física, como demonstra a
narrativa da cena:

Teve um dia, só um dia só. Porque eu nunca deixei ninguém, tipo, tocar em
mim, sem a minha permissão. Teve um dia que ele tentou forçar a barra.
Ele levou um tapa tão dado meu, que eu falei “cê sai da minha casa agora
ou senão eu vou chamar a polícia”. Ele falou “mas eu não vou foder?”. “Olha
só. Saí!”. Porque ele realmente queria forçar a barra. Ele queria realmente,
ele começou a me agarrar, eu falei, eu dei um empurrão nele bravo. Dei na
cara dele. Pra ele entender que eu não queria.

Lígia precisou chamar um amigo para lhe ajudar a tirar o namorado de sua
casa, pois esse se negava a ir embora. Ela terminou o namoro após esse episódio,
mas pouco tempo depois reatou e decidiu ter a relação sexual.
As tentativas de convencimento para uma relação sexual e a recusa podem
não ser compreendidas como coerção sexual ou violência conforme o contexto em

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que ocorrer. As autoras assinalam que as insistências são práticas de negociações


ambíguas e se localizam em um limiar entre o direito da expressão de vontade
individual e o cerceamento da liberdade, essas ambiguidades compõem os roteiros
de interação afetivo-sexual no Brasil. (CORDEIRO et. al.,2009).

4.2.1 A dor silenciada

O que me impede de sorrir


É tudo que eu já perdi
Eu fechei os olhos e pedi
Para, quando abrir, a dor não estar aqui
(Indestrutível, Pabllo Vittar)

Pouco tempo depois da entrada em campo, ouvi o primeiro relato de uma


tentativa de abuso sexual perpetrada pelo tio de uma adolescente. Naquele
momento entendi que outras histórias sobre abuso sexual poderiam surgir e, de fato,
surgiram. Mas diferente do que eu esperava, nas entrevistas, as primeiras histórias
foram contadas por rapazes e a autoria das violências partiu de mulheres. Em
seguida, uma narrativa de uma moça sobre uma possível tentativa de aliciamento
através da internet.
Embora o grupo de entrevistados não tenha qualquer relevância estatística,
considero importante frisar que metade dos interlocutores disseram ter vivido uma
situação de violência perpetrada por uma mulher adulta. Esse dado chama a
atenção haja vista que, estatisticamente, há poucos dados da figura feminina como
abusadora (LOWENKRON, 2016), assim como, na maior parte das denúncias de
abuso sexual, as meninas são as vítimas.
Segundo Moraes, Cabral e Heilborn (2006, p. 1493), a violência sexual incide
principalmente em crianças, adolescentes e mulheres jovens e “por ser um problema
complexo, enraizado em dimensões culturais, possibilita diferentes abordagens e
definições, o que traz dificuldade para estudos comparativos e visões globais sobre
sua magnitude”. Entendendo que essa temática merece maior aprofundamento, é
preciso pesquisas futuras para melhor compreensão da complexidade da questão.
Inicio com o caso que aconteceu, dentro da própria residência, com a pessoa
de quem se esperava cuidado, a babá. Na ocasião, o menino tinha menos de 12
anos de idade e seus pais estavam ausentes. Ele relatou que foi com ela seu

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primeiro beijo e relação sexual, ambos ocorridos no mesmo dia. Seus pais nunca
souberam desse acontecimento. O constrangimento e incômodo em verbalizar essa
história foi nítido pela postura corporal endurecida, a mudança no tom de voz e o
semblante fechado, o que automaticamente fez com que eu não insistisse com
perguntas acerca da história.
A função de cuidado e proteção são social e culturalmente conferidas à
mulher, como por exemplo, quando a família precisa contratar uma babá para seus
filhos, a ela é depositada confiabilidade. Lowenkron (2016), no artigo “As várias
faces do cuidado na cruzada antipedofilia”, contribui com reflexões sobre os riscos
da naturalização da mulher como cuidadora, pois, além de reforçar um modelo
heteronormativo de distribuições de tarefas, de cuidado infantil, gera o apagamento
da violência sexual cometida por mulheres.
O outro rapaz, no decorrer da entrevista, questiona se eu iria perguntar sobre
sua virgindade, diante disso, pergunto se ele quer me contar algo a esse respeito.
Então ele relata sua primeira experiência sexual, também antes dos 12 anos, com
uma moça de mais de 20 anos, ele tinha dúvidas se a relação sexual havia sido de
fato uma violência: “eu não sei nem se é considerado um estupro, né?”. Na época,
ele estava brincando com amigos na praça e a moça teria levado alguns meninos
para sua casa e convenceu o interlocutor a entrar em seu quarto e ter relação
sexual. Ele, por sua vez, disse não ter percebido o que estava acontecendo, “não,
eu não sabia o que era sexo. Não sabia como o meu coiso, não sabia nem que
funcionava [risos]”.
Essa história foi contada com tranquilidade e de forma jocosa. O adolescente,
ao mesmo tempo em que narra a cena como sua primeira relação sexual e momento
em que redescobre seu corpo, sinaliza ter se sentido manipulado e induzido a ter
relações, o que configuraria para ele uma forma de abuso.
Diante da dúvida do rapaz, se viveu um abuso sexual e pela maneira
descontraída em que contou a história, sublinho alguns pontos importantes
levantados por Knauth, Víctora e Leal (2005). Entre os rapazes, há uma pressão
para a iniciação da vida sexual, e o exercício da sexualidade é um dos principais
elementos da construção e afirmação da masculinidade. Iniciadas as experiências é
um costume dividir com os outros meninos, pois eles contribuem para a “validação”
da masculinidade. Ter experiências com mulheres mais velhas pode ser visto como
positivo pelo grupo e garante um status entre os demais.

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Segundo as autoras, iniciar-se sexualmente com uma mulher mais velha


representaria para os meninos aprender as técnicas sexuais, já que eles não
possuem experiência, contudo, a diferença etária e a falta de experiência
representam uma vulnerabilidade aos garotos, pois, em suas primeiras experiências,
apresentam dificuldade de diálogo, de trocas de experiência e de opiniões. Assim,
estão mais propícios a serem influenciados pelas falas das mulheres adultas e,
mediante a crença de um aprendizado sexual, teriam dificuldade de dimensionar os
jogos de poder envolvidos na ação e possíveis violências.
O terceiro caso se dá no ambiente da Internet, a menina que, na época, tinha
15 anos, confusa com sua orientação sexual, entrou em um aplicativo de
relacionamentos e conheceu Samara, uma mulher adulta. A garota se apaixonou por
receber da mulher amparo e compreensão, “só ela me falava essas coisas
carinhosas, pra ela, eu era a pessoa perfeita. E finalmente eu era uma pessoa
suficiente pra alguém”. O pai, que tinha por costume monitorar o celular da filha, viu
a conversa com teor sexual e foi investigar sobre Samara. E então descobriu que
esta se apresentava com uma identidade falsa, era casada e tinha passagem na
polícia por prostituição de menores e pedofilia. A moça teve muita dificuldade para
contar a história, chorou muito, fez longas pausas, mesmo sinalizando que não
precisava dar continuidade, respirava fundo e continuava relatando sua experiência.
O pai quis fazer registro de ocorrência na delegacia de polícia, mas a menina
implorou para que ele não procedesse com a denúncia, embora ela tivesse ciência
da seriedade da situação. A entrevistada disse que não conseguiu fazer algo que
pudesse ser visto como “ruim” com alguém que ela gostava: “eu prefiro cortar tudo
que eu tenho com ela do que ver ela presa. Isso ia me doer mais. Tá, ela pode fazer
isso com outras pessoas? Pode. Mas eu não ia conseguir”. A adolescente acreditava
que era questão de tempo para que elas tivessem um encontro e uma relação e que
“seria usada e descartada” em seguida.
Para os adolescentes, entrar em aplicativo de relacionamento não era algo
incomum no cotidiano, algumas moças e rapazes relataram usar ou já terem usado
o aplicativo para paquerar. Fazer parte de um aplicativo de relacionamento os coloca
em contato com pessoas de diferentes gerações e intenções. Do mesmo modo que
podem viver relações consensuais, também estão expostos a possibilidades de
violências.

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A depender da idade, o Estado regula a conduta sexual e, a partir de aparatos


legais, define uma idade de consentimento ou, usando a definição de Lowenkron
(2007), uma “menoridade sexual”, idade em que o adolescente ganha, em termos de
lei, o direito a consentir uma relação com diferenças geracionais.
Era por via do artigo 224 do Código Penal que presumia ser violência de
estupro ou atentado violento ao pudor caso a vítima fosse menor de 14 anos. Em
2009, houve uma modificação, através do artigo 217-A da lei 12.015, que define
como crime de Estupro de Vulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 anos. Esta alteração amplia o que vai ser entendido
como estupro pela lei e pelos órgãos de proteção de direito da criança e do
adolescente, pois as manipulações eróticas também passam a ser compreendidas
por estupro e não mais apenas a conjunção carnal e sexo forçado.
Não objetivo problematizar aqui as controvérsias em torno da definição de
idade e consentimento, mas pontuo o como a existência da lei é absorvida pelos
jovens é utilizada como um controle de práticas sexuais demarcada por um recorte
de gênero.
Por algumas vezes, a diferença de idade apresentava-se como relevante na
escolha de parceiras. Esse assunto foi pauta em algumas rodas adolescentes de
diferentes grupos. Certo dia, um rapaz contava que iria completar 18 anos e foi
advertido por um amigo: “você não pode mais ficar com as meninas de 14 anos, é
crime”. Entretanto, o menino que preveniu o amigo, tinha 14 anos e namorava uma
moça de 18/19 anos, então lhe perguntei qual seria a diferença entre os dois casos.
A resposta revela como os adolescentes relativizam as leis segundo uma ótica que
reflete a compreensão da figura masculina enquanto hiperssexualizada e a figura
feminina ora como vulnerável, ora como sexualmente responsável:

A mulher sempre é mais madura que o rapaz, mas o cara de 18 nunca vai
estar com a menina de 14 só pra dar uns beijinhos, ele sempre vai querer
coisa a mais. O menino de 14 sempre é mais imaturo, tá, a menina de 18
ela também vai querer fazer, só que a mulher quer mais um relacionamento
sério, quer afeto. Homem tá nem aí, só quer aquilo.

A respeito da visão levantada pelo rapaz em que diferencia as práticas


sexuais autorizadas, não pela idade, mas a partir do gênero, Lowenkron (2007)
promove reflexões no artigo em que discute (menor)idade e consentimento sexual
em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A partir de análises

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discursivas, a autora apresenta as controvérsias acerca da definição de menoridade


sexual.
O magistrado levanta uma série de questões para se posicionar diante do
processo - a idade, maturidade e capacidade de discernimento e escolha,
desarranjos hormonais e psíquicos - porém não problematizava a sexualidade e as
questões psíquicas do rapaz, apenas a da menina, o que demonstra mais uma vez o
engessamento da mulher no lugar da vítima.

4.2.2 As fronteiras entre o dito e o não dito: agenciando os conflitos.

Diante dos conflitos, podem ser realizadas diferentes formas de agência, de


acordo com Ortner (2006, p. 64), as agências ocorrem como “formas de poder que
as pessoas têm à sua disposição, de sua capacidade de agir em seu próprio nome,
de influenciar outras pessoas e acontecimentos e de manter algum tipo de controle
sobre suas próprias vidas”. Desse modo, cada sujeito irá agir, reagir e resistir
conforme os jogos de poder existentes em seu relacionamento, estes também
atravessados pelas questões de gênero e sexualidade.
As narrativas dos adolescentes demonstram as diferentes formas que cada
um tinha para desenrolar os conflitos. Para Guilherme e Ingrid, quanto mais irritados
e com raiva, maior a possibilidade de agirem de forma impulsiva e agressiva: “ajo
por impulso, faço muita merda, eu acabo tomando uma decisão que eu não devia
tomar, [...] foi mais essas coisas de explosão mesmo, de xingar, de falar merda”
(Guilherme, 18 anos, negro) e “eu era, como os outros fala, muito trouxa. Nunca fui
muito de ligar, deixava as coisa quieta ali. Só que de uns tempo pra cá, se eu vejo
que algo tá me incomodando, eu vou lá, vou reagir” (Ingrid, 19 anos, branca).
William e Lígia relatavam outras formas de reação, na expectativa de não
tensionar mais o conflito, eles diziam tentar resolver os problemas na relação
dialogando ou silenciando: “não, eu nunca fui uma pessoa que revidasse, eu sempre
fui uma pessoa calma. [...] Você está falando aqui comigo com o maior estresse e eu
tô aqui, parado assim e você só me falando” (William, negro, 18 anos) e “eu tento
sempre resolver. Mostrar que não era isso. Eu sento, eu converso. Entendeu? Eu
chego gritando? Eu nunca levantei a voz pra ninguém” (Lígia, 18 anos, branca).
A resposta dada sobre o modo como cada um reagia aos conflitos no

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relacionamento, não necessariamente eram os comportamentos narrados diante das


brigas. Um ponto a se considerar é o que cada um entende como um modo ideal
para resolução de conflitos, e outro são os sentimentos que emergem em um
momento de tensão. Segundo Ortner (2006), em meio às relações de poder e
desigualdades, as emoções e as agências são complexas e contraditórias.
Como apontado anteriormente, os pares apareceram como os mais presentes
e os que são acionados para confidências, solicitações de conselhos acerca das
questões que os afligiam e até para ajudar a resolver conflitos, como no caso da
Lígia, que, ao ser coagida para ter relações sexuais, agrediu o namorado e, na
recusa do rapaz em ir embora de sua casa, ela chamou seu “melhor amigo” para
ajudá-la. Porém, na maior parte dos conflitos narrados e que poderiam ser
interpretados como violência no relacionamento afetivo-sexual dos adolescentes,
não houve relato de busca de orientação, ajuda ou intervenção direta.
Por mais que as moças e rapazes tivessem amigos e/ou familiares como
referências, alguns relataram ter dificuldade de conversar e pedir conselhos e ajuda
pela falta de confiança ou pela vergonha de se expor, “eu ultimamente, tipo, não
converso mais com ninguém. Eu perdi, assim, a confiança nas pessoas, assim,
consideração”. Esses achados vão de encontro com a análise, feita por Njaine et. al.
(2011), de que muitos jovens se consideram sozinhos no momento de lidar com os
problemas, não há conversas ou orientações daqueles que têm como referência.
Existem amigos e amigas que, ao perceberem uma tristeza ou presenciarem
conflitos, se aproximam para conversar e aconselhar. De acordo com Murta e
Santos (2016), os adolescentes se sentem mais confortáveis em compartilhar com
amigos suas questões por estarem no mesmo período de vida e vivenciarem
situações similares nos relacionamentos afetivo-sexuais. Tal preferência também diz
respeito à dificuldade de comunicação com os pais e à diferença geracional, à
vergonha ou ao medo.
Poucos expuseram ter a família como apoio, já que parte dos adolescentes
relatou ter dificuldade de relacionamento com os pais ou não se sentirem à vontade
para expor suas questões. Aqueles que buscaram a família para aconselhamentos
relataram que o fizeram em momentos de desilusão, por não ser correspondido ou
em término de namoro. Apenas duas moças contaram com suporte da família em
momento considerado crítico por elas: Ana, quando se deprimiu e se autoagredia,
recebeu suporte emocional da família e de amigos; a outra ocasião foi o caso da

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menina que manteve contato com uma aliciadora, aquela solicitou atendimento
psicológico, que foi viabilizado pelo pai.
Levanto a hipótese que o receio do julgamento estabelece uma fronteira nas
relações dos adolescentes com suas redes de relacionamentos. Tal fronteira
demarca as situações que são passíveis de serem faladas com os pares e/ou família
e as que devem ser mantidas em sigilo. Por exemplo, há enredos que são
socialmente aceitos, como o ciúme, esses são compartilhados. Episódios passados
e superados ou casos que podem gerar comoção - como a história de Aline – são
cenas também sujeitas de serem verbalizadas. Entretanto, situações que podem ser
consideradas como “graves”, como agressões físicas severas, exposições de fotos
íntimas, estão sujeitas a julgamentos, o que faria com que fossem mantidas em
segredo.
A escola representa um local de controle, de moralidades e julgamentos da
sexualidade dos adolescentes, sendo assim, é um local onde as histórias de
violência são mantidas em silêncio. A escola pesquisada é desacreditada como
possibilidade de auxílio na resolutividade de conflitos e violências vividos pelos
adolescentes – como exemplo, retomo das violências vividas por Lígia, na unidade,
em decorrência de sua orientação sexual. A maneira de lidar e de controlar as
interações afetivo-sexuais na unidade exerce influência para a percepção desta
como parceira ou não, mediante a busca de auxílio das violências vividas.
Embora não tenha sido citado por nenhum dos interlocutores da pesquisa, a
partir do diálogo com profissionais, observo que algumas funcionárias eram
consideradas referência para adolescentes. Algumas moças e alguns rapazes
procuravam em especial as funcionárias do portão e da biblioteca para conversar e
pedir conselhos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais, por vezes em função das
brigas com o parceiro ou com a parceira. Tal fato demonstra que, nesse momento,
elas não são vistas como “escola”, mas como pessoas pertencentes a uma rede
familiar e confiável.
Um rapaz levanta um ponto importante referente às questões de gênero, ele
faz uma divisão ao buscar conselhos, diz procurar o pai em situações mais práticas,
pedir dinheiro para sair com uma menina ou para pedir dicas de como agir em
determinadas situações. Segundo o jovem, seu genitor apresentava, em suas falas,
reforços de visões machistas, como ilustra o relato do dia em que estava triste

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devido a um término de namoro: “‘liga não, acontece, mulher é que nem biscoito,
perde uma, vem 18’, tipo, foi pra me animar, né?”.
Esse rapaz procurava as figuras femininas quando queria orientações de
ordem afetiva e emocional por se sentir mais confortável, compreendido e seguro
em tratar esses assuntos com mulheres: “ah, porque eu acho que elas vão entender
mais e os amigos, assim, os que eu tenho, são muito sacanas. Aí cê vai ficar
mostrando choro, ah, aí é sacanagem”. Em casa, ele recorria à sua mãe quando
queria conselhos de ordem emocional referente a suas namoradas. Havia o
imaginário de que as mulheres, por serem mais emotivas, românticas, sensíveis
seriam mais acolhedoras e melhores conselheiras nas demandas sentimentais.
O depoimento de um dos rapazes é relevante para pensar o quanto solicitar
ajuda pode representar fragilidade, o que faz com que, principalmente, os meninos
tendam a resolver os problemas sozinhos e não pedirem ajuda, como ilustra o relato
a seguir:

Eu acho que se ficar demonstrando muita fraqueza, vou acabar parecendo


muito vítima e não sou vítima de nada. Tipo, pode ter questões, mas não
ficar me vitimizando e eu ficar sempre demonstrando fraqueza, vou acabar
me ferrando por conta disso, então prefiro ter mais postura, mostrar mais
confiança do que ficar mostrando fraqueza, ficar lamentando a vida toda.
Prefiro mais ficar na minha, por mais que eu possa estar me corroendo ali
dentro, mas prefiro ficar tranquilo.

Nesse sentido, Ortner (2006) assinala que a agência é construída com


interferência social e cultural, com isso a agência também é atravessada pelos
aprendizados de gênero, logo, também pelas diferenças e desigualdades. Para
exemplificar, a autora faz analogia aos contos de fadas e aponta que a mensagem
transmitida ao rapaz é que ele deve ocupar lugar do “herói”.
Portanto, essa fala do rapaz enuncia a cobrança que os garotos se fazem em
serem fortes para resolver as situações pelas quais passam e não se abalar
emocionalmente. Assumir que vivenciam uma violência pode ser mais uma maneira
de demonstrar fraqueza e mais um quesito para colocar a masculinidade à prova, o
que sugere que possa ser um dos fatores para os rapazes não verbalizarem ou
minimizarem as violências vividas.
A maneira de olhar para a ideia de amor também pode deixá-los suscetíveis a
não interpretar atos violentos como tal. Alguns interlocutores, tanto rapazes como
moças, relatam que o amor “tira todo o defeito”, “você ama pelo defeito”, assim, em

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“nome do amor” se aceitam e superam os problemas conforme a narrativa: “tipo


assim, você aprende a gostar da pessoa dessa forma e o amor independente de
tudo que aconteça na vida, a pessoa vai tá contigo e você vai estar com ela”. Essa
afirmação pode fazer com que minimizem as experiências de violência, pois esse
seria apenas mais um desafio a ultrapassar no relacionamento.
Para interpretar a relação da ideia de amor, lanço mão da autora Miriam
Grossi (1998) – alinhada com o conceito de violência relacional – que aponta uma
contradição no modelo de relações afetivas/conjugais no ocidente, pois este é
alicerçado a partir de um sentimento obrigatório de amor. Contudo, a concepção de
amor se constrói por via de uma ideia universal que maquia os paradigmas
hegemônicos de gênero. Dessa forma, quando as relações de poder estão
articuladas com esses discursos hegemônicos e são colocadas sob tensão,
apresentam como uma das possibilidades a manifestação da violência. Por outro
lado, com a pouca problematização dessas ideias e paradigmas, que corrobora para
a concepção de que o amor supera tudo, que em nome do amor é preciso fazer
renúncias, ficando assim, suscetíveis a violências.

4.3 Os significados da violência no “ficar” e no namoro

Para além da vergonha e falta de confiança nas pessoas, não solicitar ajuda
pode estar interligado à dificuldade de se ver em uma relação com violência. Ao
questionar os adolescentes se haviam vivido alguma violência e/ ou relacionamento
abusivo em suas relações de namoro ou de “ficar”, poucos mencionaram algum
episódio.
Os interlocutores que consideraram não ter vivido alguma forma de violência
em seus relacionamentos expuseram narrativas de suas trajetórias afetivo-sexuais
que, conforme as categorizações teóricas, podiam ser entendidas como violentas.
Embora não citadas como violência, as experiências eram relatadas como um
aspecto negativo na relação, como acontecimentos “ruins”, “chatos”,
“desagradáveis” e “desnecessários”.
Nem Ingrid e nem um dos rapazes mencionaram ter vivido algum tipo de
violência nos relacionamentos afetivo-sexuais ou relacionamento abusivo, diferente

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de Ana e Lígia, que identificam algumas das cenas narradas como violentas,
conforme será descrito a seguir.
O contexto do conflito vivido por Lígia quando o namorado a coagiu para ter
relação sexual, foi nomeado por ela como violência, mas a moça relaciona o fato à
“tentativa de uma agressão” e não aborda a coerção sexual: “ó, só nesse caso do
meu ex-namorado. Que ele tentou me agredir. Mas porque ele perdeu a cabeça, ele
nunca foi tão agressivo comigo durante o relacionamento. Só foi esse dia. Que, sei
lá”. Embora ela tenha significado como violência, a atitude do namorado é justificada
e amenizada por não ser algo habitual.
A respeito da coerção sexual, nem Lígia tampouco Ingrid mencionaram essas
vivências como violência ou abuso, analiso sob o olhar de Cordeiro et. al. (2009) que
a negociação sexual reflete jogos de poder nas relações de gênero e sexualidade e
comporta “consensos” e “dissensos” em torno das interações, o que faz com que a
coerção seja assim entendida ou não.
Ana se referiu à violência psicológica praticada por seu noivo, “só
mentalmente mesmo, mas, fisicamente, de violência, não. Só verbal, aquela coisa
mais psicológica”. A moça reforça não ter vivido agressões físicas, no entanto, ao
contar sua trajetória, ela declara agressões sofridas e revidadas em relações de
namoro e de “ficar”, as quais não foram significadas como violência, talvez pelo
caráter “esporádico” e em brigas que, aparentemente, não envolveram grandes
desgastes emocionais. Nesse tocante, Oliveira et. al. (2016) assinalam que, para as
moças, existe uma certa desvalorização das violências físicas nos relacionamentos,
muitas vezes, a violência psicológica é considerada mais grave do que a física, por
suas consequências para a autoestima e para a confiança no parceiro.
Trago algumas reflexões no que se refere à percepção das violências físicas
tendo por base as análises de Oliveira et. al. (2016). Os rapazes tendem a
representar como violência o ato em que a intenção foi negativa, ao passo que as
meninas tendem a descrever como violência quando o impacto foi negativo. As
agressões praticadas por meninas são tidas como de menor potencial e são
consideradas pelos rapazes como uma forma de humilhação, assim há uma maior
preocupação com a repercussão moral do que com os danos físicos em si.
A problematização trazida difere das análises feitas pelos autores mexicanos
Castro e Casique (2010), estes avaliaram em sua pesquisa que os rapazes
sobredimensionam as agressões recebidas. A partir dos achados da pesquisa aqui

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apresentada, me afino com a argumentação de Oliveira et. al. (2016), uma vez que
os rapazes narraram episódios que poderiam ser entendidos como violência, mas
não foram interpretados por eles como tal.
Eles justificaram as ações das moças retratando-as como algo “de momento”,
impulsivo, em decorrência do ciúme, como revide de alguma ação negativa deles.
Dessa forma, a interpretação dos rapazes tendeu a naturalizar as violências vividas
e não sobredimensionar.
Nas situações em que as autoras foram mulheres adultas, as experiências
foram verbalizadas como violência ou como ato “abusivo”. O rapaz que vivenciou a
história com sua cuidadora nomeou tal experiência como violência. O caso da
mulher que se aproximou da adolescente pela internet foi entendido e nomeado pela
moça como relacionamento abusivo, “ela abusou dos meus sentimentos e ela ia
abusar fisicamente. Ela só não teve a oportunidade”. Já o garoto que foi induzido a
ter relação sexual também considerou ter sido uma relação abusiva, pois,
constantemente colocava em dúvida o seu real consentimento na relação sexual:
“talvez a primeira vez que eu perdi a virgindade. Talvez tenha sido abusivo [...]. Eu
diria não 100% abusivo, mas de alguma forma ela manipulou um pouco minha
cabeça pra fazer”.
Ao indagar se os adolescentes já haviam praticado violência ou foram
abusivos nas relações de namoro e/ou “ficar”, as moças responderam nunca terem
praticado e apenas Guilherme e William responderam positivamente, expondo
respectivamente as seguintes situações: “só verbal assim, que eu te disse, mas, fora
isso, não. Nunca levantei mão nem nada, nem pensei nisso” e “teve uma vez que eu
me excedi porque uma ex-namorada minha não tava deixando eu beijar ela e assim,
eu falei, me beija, e ela falou que não [...] aí acabou que eu fui e beijei ela, eu achei
isso uma coisa abusiva”.
Nessa pesquisa o abuso digital foi destacado a partir do controle dos
celulares e redes sociais, mas essa situação não foi compreendida como violência
por nenhum interlocutor. O monitoramento dos aparelhos era tido como um
comportamento natural, incômodo e “prova de amor”. Flach e Deslandes (2017)
sinalizam que os adolescentes têm dificuldade de significar os abusos digitais como
violência, tendendo a qualificá-los como comportamento “irritante”.
Quando questionado sobre o que é violência no relacionamento de “ficar” e/ou
namoro e “relacionamento abusivo”, a maioria dos interlocutores definiu como

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categorias distintas. Os que correlacionaram violência às agressões físicas a


interligaram com atos que geram danos físicos mais sérios e visíveis. “Quando você
fala de violência, eu já lembro de bater, forçar, gritar. Forçar, forçar mesmo. Pegar e
mandar fazer”. Sinalizaram ainda a violência física relacionada aos casos de
espancamento e morte que ganham repercussão na mídia. As explicações dadas à
violência levantam a hipótese que a maior parte dos adolescentes que praticou e/ou
viveu algum tipo de agressão física não o tenha citado, pois esses atos são
associados a casos “graves”.
Já o termo “relacionamento abusivo” foi aludido às questões de ordem
psicológica e coerções sexuais: “ah, quando a pessoa quer tentar passar dos limites,
eu acho [...] Quer forçar uma coisa que sabe que não se sente bem, mas quer fazer
aquilo porque ele gosta”; “o homem pega, passa a rola em todas as meninas. Mas a
menina não pode porque é dele. [...] A pessoa usar o seu sentimento, sabendo que
você é apaixonada”.
A utilização de “relacionamento abusivo” para falar de violência traz o risco,
como observado, de diferenciar as atitudes violentas e banalizar algumas ações no
cotidiano e não compreender a relevância que está por detrás dessas ações, pois,
ao entender a violência como apenas no âmbito físico, é minimizada a gravidade de
violências de outras esferas. Logo, demandas para solicitação de ajuda de
instituições apenas passam pelo crivo das sequelas físicas ou corporais.
Os adolescentes, ao explicarem o que consideram violências nos
relacionamentos, contaram histórias de amigas e familiares que apanhavam com
constância, eram humilhadas e cerceadas de suas vontades e seus
comportamentos, controlados. Ao falar de terceiros, cobrava-se posturas de
resolução e havia uma certa “culpabilização” das meninas permanecerem nessas
relações, como explicitam as narrativas: “falta de vergonha na cara. O namorado
dela bate nela, bate mesmo” e “tem mulher que aceita ser agredida verbalmente
quanto fisicamente. [...] Acho que a mulher, no mesmo instante que um homem olha
pra ela com falta de respeito e agride, é momento dela repensar a pessoa com quem
ela tá.”
Moças e rapazes apresentaram ainda algumas crenças acerca das violências.
Apontam que existe mais violência no relacionamento de casais heterossexuais do
que de casais homossexuais. Os atos violentos são praticados majoritariamente
pelos homens, seja impondo o que se quer por meio de força ou de constante

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insistência para o ato sexual por a “vontade” ser considerada algo intrínseco do sexo
masculino: “um homem, ele sabe que é mais forte do que a mulher. Ele vai
aproveitar essa força. Pra qualquer coisa” e “ah, porque o homem eu acho que ele
não consegue controlar a vontade. [...] Então acaba passando dos limites, quer agir
daquela forma aí, se tá sentindo vontade já vai e parte pra cima”.
Embora a maioria dos entrevistados tenha afinidade com a ideia de ser o
homem o principal perpetrador de violência, uma moça cita o crescimento do abuso
praticado por mulheres chegando a equiparar ao dos homens. Ela, de certa forma,
responsabiliza a mulher pelos conflitos, como demonstra o trecho da entrevista:

Por mais que tenha índice de violência contra a mulher grande. Hoje eu vejo
que a mulher vem ocupando muito essa questão do abuso com o homem
em si. Porque assim, o homem muitas das vezes é abusivo com a mulher,
porque a mulher muitas das vezes, de uma certa forma, dá uma trela pra ele
ser abusivo ou ela é abusiva demais com ele, aí é uma forma de se
defender ser abusivo com ela também. Então eu acho que hoje em dia a
mulher tá assim num mesmo grau que um homem.

Mesmo tendo mencionando as mulheres como as que mais vivenciam


violência e reconhecendo os atos violentos praticados pelas mulheres, nota-se uma
reprodução de crenças em que a violência exercida por homens é justificada a partir
das atitudes da mulher.
Busquei identificar a quem ou quais instituições eles recorreriam como apoio
se, hipoteticamente, vivenciassem alguma violência; unanimemente indicaram a
Delegacia de Polícia, porém mencionando as violências “sérias”, ao questionar
sobre o que a palavra “séria” representava, a resposta dada foi: “Sério para mim,
seria bater, forçar o ato e tal”.
Poucos apontaram como possibilidade a família, psicólogo e/ ou psiquiatra.
Embora a família tenha sido citada, foi relatada a vergonha em procurá-la: “eu
particularmente, eu iria à delegacia, eu não iria à minha família não. Eu teria
vergonha pra dizer à minha família algo. Depois eu iria tentar recorrer a minha
família de alguma forma”. Não citaram os amigos apesar de eles geralmente serem
os primeiros a saber dos problemas existentes nos relacionamentos.
Associo o fato de a delegacia ser citada como o primeiro lugar a recorrer
devido às campanhas de combate à violência contra a mulher, às divulgações e
incentivos às denúncias junto a esse órgão e ao fato de o termo “violência” ser
interligado a ocorrências “graves”. As situações cotidianas que não ganham

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dimensão de “gravidade” não aparecem nas reflexões dos adolescentes. É relevante


notar que equipamentos de saúde e escolares não foram citados como local de
auxílio em casos de violência.
Em suma, as histórias contadas pelas moças e pelos rapazes demonstram
que ambos vivenciam e praticam uma série de violências nas relações afetivo-
sexuais, sendo as interações afetivas uma rede atravessada por laços e nós,
momentos prazerosos e incômodos e demarcadas por desigualdades de gênero.
Como assinalado por Gregori (1993), as ambiguidades e tensões nas relações de
gênero constituem uma dinâmica de comunicação entre o casal por vezes violenta.
Quanto à percepção das vivências e práticas de violência, cada sujeito possui
inúmeras maneiras de perceber e conceber um evento, esses significados podem
variar de acordo com as construções culturais e socioeconômicas de cada um e, a
partir do momento que ganha um significado, vai sendo incorporado um sentido às
relações (BRAH, 2006).
Dessa maneira, interpretar uma relação vivida como violência depende do
que se compreende como violência e de uma série de fatores e aprendizados, os
quais são atravessados por normativas de gênero e de sexualidade desiguais, que
afetam de diferente forma moças e rapazes. O que me leva a reforçar a importância
de espaços de diálogo sobre sexualidade, gênero e violência para que as interações
afetivo-sexuais sejam problematizadas de forma mais ampla, e para que se abarque
as complexidades e pluralidades vividas pelos adolescentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou compreender como as violências nas relações afetivo-


sexuais são significadas por alunas e alunos adolescentes de uma escola estadual
da região Costa Verde do estado do Rio de Janeiro. Os eixos de análise
privilegiados foram: as trajetórias afetivo-sexuais, as experiências que envolvem
algum tipo de ação violenta no relacionamento e os agenciamentos realizados diante
dos conflitos.
Tomei como ponto de partida um panorama sobre as concepções acerca da
adolescência, apresentando contrapontos ao olhar universalizante sobre essa etapa
da vida, e priorizei a sua compreensão como uma construção sócio-histórica,
heterogênea e plural. No que tange às políticas públicas no campo da sexualidade,
as intervenções realizadas com adolescentes, seja na área da saúde ou na
educação, têm como foco a regulação e controle.
Existe um grande avanço dessas políticas no Brasil, porém, o Estado interfere
em questões que compreende como “problemas” sociais e de saúde (LENOIR,
1996). Há uma tendência de uma repetição de práticas que não problematizam o
protagonismo juvenil e não apresentam muita eficácia quanto aos seus objetivos. A
visão negativa em torno da adolescência e a ideia de “responsabilidade individual”
demonstram a postura tutelar das instituições que abordam assuntos relativos à
sexualidade, o que gera um ofuscamento da autonomia e da possibilidade de
adolescentes exercerem seus próprios direitos.
No que tange o namoro na escola, prevaleceu a visão de que o exercício da
sexualidade adolescente é um “problema” a ser controlado. Foi observado que as
regras não funcionavam igualmente para todos, havia uma maior vigilância das
parcerias homossexuais e dos comportamentos das meninas, demonstrando a
dificuldade da instituição em romper com as normas heterossexuais e de gênero,
reforçando-as através de seu controle e do discurso nos ambientes formais de
aprendizagem. Tais atitudes provocam um afastamento de estudantes perante a
instituição e diminuem a possibilidade de ser percebida como referência de auxílio
mediante situações de violências nos relacionamentos.
Ao que diz respeito às trajetórias afetivo-sexuais e às relações homoafetivas,
principalmente as masculinas, houve uma lacuna. Ou seja, foram escassos os
relatos sobre experiências homoeróticas entre os rapazes.

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Entretanto, também foi constatado que, ainda que hoje as moças exerçam
mais livremente a sexualidade, quando comparado às moças de gerações
anteriores, os aprendizados dos roteiros sexuais ainda reproduzem condutas
tradicionais de gênero associadas ao masculino e feminino no jogo sexual.
Esses roteiros demarcam as assimetrias de poder que vulnerabilizavam as
moças perante os rapazes nas relações. Os diferentes papéis e expectativas de
gênero atribuídos a cada um deles constituíram diferentes noções de moral nas
relações afetivo-sexuais, o que contribui para conflitos na interação do casal, ficando
a moça em desvantagem e havendo uma maior cobrança de seus comportamentos.
O fato de a reputação das meninas continuar em foco constitui um limite para as
moças frente às práticas erótico-afetivas e as deixam suscetíveis a violências.
Ao que se refere à violência, os resultados desta pesquisa apontam ser
inadmissível a traição e a mentira em um relacionamento. Os principais motivadores
dos conflitos são o ciúme, a desconfiança e a traição. Assim como na literatura
sobre o tema, tanto moças quanto rapazes vivenciam e/ou praticam diversas formas
de violências físicas, sexuais e psicológicas, seja nas relações de “ficar” ou de
namoro. Essas violências fazem parte do cotidiano dos relacionamentos e muitas
manifestações parecem constituir uma forma de linguagem entre os adolescentes.
Foram constatadas ainda, violências exercidas por mulheres adultas, práticas que
podem passar despercebidas a depender do jogo de poder envolvido na interação e
da não concepção da mulher enquanto agressora.
Embora a pesquisa elenque as violências a partir das tipificações comuns
como violência física ou psicológica, é importante problematizá-las para além de
categorias, pois uma cena de violência no relacionamento afetivo-sexual é
atravessada por um emaranhado de fios onde estão presentes diferentes opressões
e nós, mas também, prazeres, afetos e variados laços.
A respeito das experiências violentas nos relacionamentos, percebe-se que
as situações identificadas como vivência de ações violentas ou abusivas foram
episódios com algum impacto negativo mais forte para os adolescentes. Todavia,
parte das narrativas de moças e rapazes que contam episódios que podem ser
categorizados como violentos não foram interpretadas como violência e tampouco
como “relacionamento abusivo”. Os rapazes apresentaram maior dificuldade em
perceber a violência vivida, enquanto sujeitos alvo de agressões, e as moças, pelo
contrário, parcamente reconheceram a violência praticada por elas mesmas.

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A diferenciação existente sobre o entendimento do que é da ordem do


relacionamento abusivo e da violência também distingue as situações a que se deve
recorrer à ajuda institucional ou ficar na esfera dos pares e/ ou familiares. O
relacionamento abusivo, por ser associado aos casos mais corriqueiros, não são
interpretados como graves e podem passar despercebidos em virtude de processos
de naturalização e banalização da violência. Tais significados acabam diminuindo o
entendimento da necessidade, também, de recorrer a um suporte institucional
perante as violências.
Chama a atenção a menção, por parte dos adolescentes, da Lei Maria da
Penha e da Lei de Estupro de Vulnerável, como um agente discursivo de controle da
sexualidade e ameaça perante alguns comportamentos. Essas violências foram
percebidas como exclusivas dos rapazes, sendo reforçado o lugar de vítima das
moças. A violência não é reconhecida propriamente pelo seu ato, mas pelo que se
compreende como vítima (SARTI, 2009), o que demonstra um engessamento
quanto aos papéis de gênero que acabam por legitimar muitos dos comportamentos
violentos.
Diante dos conflitos nos relacionamentos, os adolescentes demonstram
diversas formas de ações e reações, fossem elas através de silenciamento, de
diálogo, de revide das agressões, da busca de amigos e/ou familiares para
orientações e aconselhamento. No entanto, a tendência dos adolescentes é resolver
sozinhos suas questões, sem recorrer à rede de apoio; nesse quesito, levanto
alguns pontos.
O primeiro ponto é a existência de uma fronteira do que é possível ser falado
e do que é preciso ser mantido em segredo por serem passíveis de julgamento,
assim os adolescentes tendem ao silenciamento diante casos considerados graves e
que os deixariam expostos aos crivos morais.
Outro ponto refere-se especificamente aos rapazes, para os quais solicitar
ajuda seria uma demonstração de fraqueza. As agências são socialmente
construídas, com isso, permeadas pelas normas de gênero, sendo assim, buscar
algum tipo de auxílio ou reconhecer que vivenciou algum tipo de violência fragilizaria
sua masculinidade, fato que corrobora com o silêncio dos meninos e a não
visibilidade das violências sofridas por eles.
Essa situação é diferente entre as meninas. Embora elas estejam sujeitas a
diversas críticas por viverem e permanecerem em relacionamentos violentos, o lugar

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de “vítima” de uma opressão e violência nas interações afetivas ocasiona um maior


apoio social a elas. Isso se dá em decorrência de toda a luta existente em relação à
violência contra a mulher. O que gera uma maior possibilidade de verbalização e
busca de conselhos e por ajuda.
O conceito de agência auxiliou a responder à pergunta desta pesquisa, pois, a
partir das narrativas das ações e reações tomadas pelos adolescentes frente aos
atos violentos, foi possível traçar um panorama sobre a compreensão do que é
significado como violência. Percebe-se que a violência é associada ao que é
considerado grave, às banalizações de ações cotidianas, à manutenção dos
problemas em silêncio ou dividindo apenas com os pares O entendimento dos casos
em que devem ser e são acionados os adultos ou instituições e o risco de
julgamentos interferem diretamente na visibilidade da violência nos relacionamentos
de adolescentes.
Ressalto a importância de investimentos em pesquisas qualitativas, na
medida em que determinados achados são possibilitados apenas por estas. As
análises qualitativas auxiliam na compreensão das complexidades que atravessam
as violências nas relações nas formas de olhar para os padrões culturais que
atravessam e interferem as interações afetivo-sexuais, seus significados e
concepções.
Há uma necessidade de reflexão sobre as formas de vivenciar as relações
afetivo-sexuais que ultrapasse os tradicionais padrões de gênero e de problematizar
a violência como relacional e de compreender que tanto moças quanto rapazes são
atores na cena de violência. Reconhecer que as moças praticam violências não
significa afirmar que a violência é simétrica, pois as hierarquias e desigualdades de
gênero vulnerabilizam de diferentes formas as moças e rapazes. Em suma, como é
bem sabido, as moças e as mulheres têm maiores desvantagens sociais e tendem a
ser alvo das violências mais graves e com maior recorrência quando comparado
com o universo masculino.
Por fim, aponto o momento político em que a sociedade brasileira se
encontra, em que discursos conservadores e religiosos têm atacado as escolas
alegando a necessidade de proteger os alunos de uma suposta “doutrinação” e
ensino da “ideologia de gênero” realizada por professores. Tal ideia é embasada
pelo projeto de lei “Programa Escola Sem Partido”, que visa minar os diálogos de
gênero e sexualidade proporcionados no espaço escolar, ficando aqueles a cargo da

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família (Junqueira, 2017). Tal estratégia traz em seu bojo a necessidade de tutela a
sujeitos “vulneráveis” e provoca um apagamento da autonomia e protagonismo
adolescente.
O discurso da “ideologia de gênero” vem gerando um pânico moral,
alavancado pelo atual presidente da república, e tem como base uma coalizão
político-religiosa e apoio de uma parcela da população, que endossam o projeto de
lei “Programa Escola Sem Partido”. Na contramão dos embates promovidos pelos
apoiadores desse projeto, entendo a escola como um agente fundamental para o
debate de sexualidade e de gênero. Contudo, a pesquisa mostra que a escola ainda
tem muitos desafios a superar.
Diante do panorama político brasileiro e das dificuldades existentes nas
políticas públicas frente às intervenções referentes à sexualidade adolescente e às
tensões entre autonomia e tutela, são questões que se apresentam como um nó
desta pesquisa.
Por um lado, compreendo a importância de visibilizar as violências nos
relacionamentos afetivo-sexuais de adolescentes para que possa haver abertura de
diálogo sobre essas questões e possibilitar que a pauta seja levada para a
discussão das agendas públicas. Por outro lado, a visibilidade traz à tona essas
violências como um problema, o que pode ser interpretado como um ponto a mais
para justificar a tutela e o controle da sexualidade adolescente por parte do Estado e
da família.
Acredito na potência da informação e do diálogo com adolescentes sobre
questões pertinentes às suas vidas, o que pode contribuir para o fortalecimento das
agências frente às violências e o reconhecimento dos adolescentes como sujeitos de
direitos. O que então nos leva a voltar a problematizar as políticas hoje existentes e
as práticas de instituições que intervém junto a adolescentes sobre sexualidade e os
direitos sexuais é entender que é preciso avançar. Pois, de modo geral, são
reproduzidos a lógica heteronormativa, as normas hegemônicas de gênero e um
discurso de dicotomias de seguro/inseguro, certo/errado, que não alcançam a
multiplicidade da realidade dos adolescentes. Sendo assim, é importante que haja
espaços de escuta, de diálogo que entendam as diferentes demandas de moças e
rapazes e proporcione reflexões.

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ANEXO A - Roteiro de Observação Participante

Para a realização da observação participante, tive como foco principal os


seguintes pontos:

Ambiente

• Dimensões espaciais e estruturais da unidade escolar;


• Organização do espaço;
• A utilização de espaços extra sala de aula para atividades escolares;
• Relação dos adolescentes com o espaço escolar;
• Circulação dos adolescentes pela escola.

Interações/ Relações

• Expressões corporais;
• Contatos visuais e corporais;
• As normas vigentes implícitas e explicitas;
• As linguagens utilizadas para comunicação, sejam elas verbais ou não
verbais;
• Tonalidade de voz ao se expressarem;
• A relação dos adolescentes entre si;
• As interações com funcionários e professores;
• As interações de adolescentes, funcionários e professores com a
pesquisadora;
• A interação com pessoas externas a partir da circulação destas na parte de
fora do portão (ainda espaço escolar, mas sem acesso direto ao pátio e salas
de aula).
• As possíveis mudanças de condutas ao observarem uma figura de autoridade
circular o pátio.

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ANEXO B - Roteiro de entrevista

Idade:_________________ Ano de escolarização:__________


Estado Civil: ____________ Nº de Filhos: _________________
Bairro/Cidade:___________ Religião: ____________________

Renda Familiar:
( ) 0 – 1 SM ( ) 1 – 3 SM ( ) 3 – 5 SM ( ) 5 – 8 SM
( ) Acima de 8 SM: ____________________
*SM – Salário mínimo

Cor (autodeclarada):
Cor de acordo com a definição do IBGE
( ) Branca ( ) Parda ( ) Preta ( ) Amarela ( )Indígena

Com quem reside:


( ) Família ( )Responsáveis Legais ( )Sozinha/o
( )Namorada/o ( )Esposa/Marido ( ) Outros _________________.

Abaixo trata-se de tópicos que nortearam as perguntas para alcançar o


objetivo da entrevista.

Trajetória Familiar

• Dados de com quem morou no período da adolescência, como foi a relação


com os pais e/ou responsáveis, irmãos ou com a família extensa;
• A relação com as pessoas com quem reside no momento;
• As figuras de referência na família para diálogo e para solicitar conselhos;
• O conteúdo das conversas, os ensinamentos acerca da sexualidade e gênero
e qual a figura com maior representatividade nessas instruções;
• A participação da família nas relações afetivas;
• A conduta tomada pela família ao presenciar ou saber de situações de
violência no relacionamento do adolescente.

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Trajetória de amizade

• A relevância dos amigos na vida do adolescente;


• As interações sociais com os amigos dentro e fora do espaço escolar;
• O aprendizado da sexualidade a partir das interações de amizade;
• A interferência dos amigos e grupo para a tomada de atitudes, sendo elas as
ações violentas ou o apaziguamento dos conflitos e abusos.

Trajetória escolar

• A relação com funcionários, professores, amigos nas escolas onde estudou;


• A utilização do espaço escolar para “ficar” e namorar;
• Os conflitos nos relacionamentos a partir das interações com colegas no
ambiente escolar;
• A influência da escola nos aprendizados da sexualidade;
• Conteúdos sobre sexualidade apresentados na escola;
• A referência da escola para busca de apoio às situações de violência.

Percurso de vida

• Atividades desenvolvidas para além das escolares (trabalho, esporte, cultura,


aulas de música, religião, lazer, entre outras) e como essas são
experenciadas, a função e importância de cada uma delas;
• Os sonhos, expectativas de futuro;

Trajetórias afetivo-sexuais

• Trajetória das experiências afetivo-sexuais, desde o momento que começou a


se interessar por uma pessoa (o flerte, o primeiro beijo, o ficar, namorar,
relação sexual) aos dias atuais e como moças e rapazes avaliam esse
percurso;
• As estratégias de aproximação com a moça e/ou o rapaz de interesse;

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• As normas de gênero e sexualidade, valores e expectativas em torno em


torno do “ficar” e namorar, desde as formas como são conduzidas as
aproximações até as relações em si;
• Expectativas nos relacionamentos;
• A visão em torno do amor.

Vivências de Violência

• As características vistas como mais marcantes nas diferentes formas de


relacionamento afetivo-sexual, seja positiva ou negativa e compreender os
motivos;
• As atitudes, valores que são interpretados como positivos;
• As atitudes e valores tidos como negativos e as possíveis diferenças na
interpretação na relação de “ficar” e namorar;
• De que maneira o sentimento e envolvimento com o parceiro ou parceira
interfere na aceitação de condutas violentas.
• Investigar se algum parceiro ou parceira já perdeu o controle alguma vez e
como a situação se desdobrou;
• Em meio ao tensionamento na relação quais atitudes a pessoa entende como
“relevável”, “tolerável” e “inadmissível”;
• Histórias que são consideradas violência, quais os sentidos e valores daquela
situação para a pessoa;
• Quais aspectos das normas da sexualidade e gênero perpassam as situações
de violência;
• As atitudes que fazem a pessoa perder o controle, o que ela entende como
falta ou perda de controle e como age quando isso acontece;
• As reações frente a situações de raiva, conflito e de ações consideradas
violências;
• Como são agenciados os conflitos e qual rede de referência é acessada pelos
adolescentes;
• Investigar se alguma instituição governamental e não governamental é
considerada e/ou procurada como local de apoio e referência para busca de algum
tipo de auxílio frente às relações de violência.

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Tabela 2 – Perfil sócio educacional das/os entrevistadas/os.

Nome Idade Cor/raça Ano de Renda Familiar Religião Composição Familiar*


(autodeclarado) Escolaridade
Willian 18 anos Negro 3º ano curso 3-5 SM Evangélico Pai, mãe, 2 irmãos (mais
Ventania novos).
Ana 20 anos Negra 2º ano curso 0-1 SM Evangélica Pai, madrasta, 3 irmãos (todos
Ventania mais novos).
Guilherme 18 anos Negro 1º ano curso 1-3 SM Católico Pai, mãe, 1 irmão (mais novo).
Tempestade (não praticante)
Lígia 18 anos Branca 1º ano curso Não soube Espírita Pai, madrasta e 1 irmã (mais
Tempestade informar. (não praticante) nova).

Carlos 19 anos Pardo 3º ensino médio 3-5 SM Não possui Pai, mãe, 1 irmã (mais nova).
(Família evangélica)
Ingrid 19 anos Branca 3º ensino médio Não soube Evangélica Mãe, padrasto e 1 irmã (mais
informar. (não praticante) nova).
*Familiares com que a/o adolescente residia na época da entrevista.

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