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Florianópolis
2021
DANIEL DE ARAUJO BORGES
Florianópolis
2021
DANIEL DE ARAUJO BORGES
______________________________________________________
Professora e orientadora Danielle Espezim dos Santos, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca
Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
____________________________________
DANIEL DE ARAUJO BORGES
Dedico este trabalho à minha família,
grandes incentivadores dos meus sonhos
e que sempre apoiaram o meu
desenvolvimento. Aos meus amigos que
mantive ao longo da graduação, Eduardo
Coradi, Maria Luiza Serafin e Maria
Eduarda Sagas, no qual, de diferentes
maneiras me inspiraram e fortaleceram
com respeito, apoio e companheirismo.
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ............................................................... 12
2.1 OS INSTITUTOS DISCIPLINARES ........................................................................... 12
2.2 DOUTRINAS ANTERIORES À PROTEÇÃO INTEGRAL ...................................... 14
2.3 A PROTEÇÃO INTEGRAL .......................................................................................... 18
3 ADOÇÃO........................................................................................................................... 25
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL ............................................ 25
3.2 ADOTANTES ................................................................................................................. 29
3.3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTANDOS ..................................................... 31
3.4 PROCESSO DA ADOÇÃO .......................................................................................... 33
4 DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS ........................ 38
4.1 MOTIVOS PARA A DEVOLUÇÃO ............................................................................. 39
4.2 AGRAVO DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO .......................................................... 41
4.3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADOTANTES ........................................................... 43
4.3.1 Indenização aos adotandos................................................................................... 44
4.3.1.1 Análise dos julgados ............................................................................................... 49
5 CONCLUSÃO................................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55
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1 INTRODUÇÃO
Código. Nessa direção, para Amin, a doutrina da situação irregular que ocupou o
cenário jurídico infantoadolescente por quase um século era restrita.
Segundo Amin (2018ª, l. 46) compreendia o “menor”, aquele privado de
condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, em razão da
falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; as vítimas de maus-tratos; os que
estavam em perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrárias
aos bons costumes; o autor de infração penal e ainda todos os menores que
apresentassem desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária.
Para a Doutrina da Situação Irregular, os menores apenas são sujeitos de
direito ou merecem a consideração judicial quando se encontrarem em uma
determinada situação, caracterizada como “irregular”, e assim definida em lei. Havia
uma discriminação legal quanto à situação do menor, somente recebendo respaldo
jurídico aquele que se encontrava em situação irregular; os demais, não eram sujeitos
ao tratamento legal.
Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei de 37
para regularizar a situação dos menores, a prática era de uma atuação segregatória
na qual, normalmente, estes eram levados para internatos ou, no caso de infratores,
institutos de detenção mantidos pela Febem. Inexistia preocupação em manter
vínculos familiares, até porque a família ou a falta dela era considerada a causa da
situação irregular (AMIN, 2018ª, l. 46). Antes da Situação Irregular, quando um menor
executava um crime, era penalizado pelo modelo retribucionista, ou seja, havia uma
proporcionalidade de um terço da pena aplicada para um adulto.
Na doutrina menorista os pais perdiam a tutela sobre seus filhos quando um
menor cometia um crime. Para (ZANELLA, 2019, p. 1754) não era necessário praticá-
lo para ser institucionalizado, já que o fato ocorria para promover o bem-estar do
menor. À vista disso, quanto mais tempo ficasse institucionalizado melhor seria para
ele, o que contribuiu para que não houvesse um limite temporal e ficava a cargo do
juiz de menores determinar esse período temporal.
Menorismo conceitua uma derivação das práticas condensadas nos Códigos
de Menores, principalmente no último, por meio de práticas, normas e conhecimentos
negacionistas da condição de sujeito de direitos para os ditos menores - hoje
denominados crianças e adolescentes - na linha daquilo que se tem resumido nos
termos 'coisificação' de alguns e 'invisibilidade' de outros (ESPEZIM DOS SANTOS,
18
[...] até o final dos anos 70, as crianças e adolescentes em situação irregular,
comparados com as crianças e adolescentes da classe média, adotados
como paradigmas para se pensar a população infantojuvenil brasileira, eram
vistos, não como sujeitos de direitos, mas como “feixe de carências”. Atendê-
los era mais uma questão de providência estatal e misericórdia social do que
de dever jurídico propriamente dito. Neste caso, pode-se falar que havia
preocupações com a cidadania dos menores irregulares, com a seguinte
ressalva: essa cidadania era o resultado de uma outorga, de uma concessão
por parte das agências de atendimento. Os menores irregulares não eram
reconhecidos como titulares de direitos, mas como portadores de
necessidades, clientes e não propriamente cidadãos [...] (LIMA, 2001, p. 58).
A Proteção Integral foi uma expressão acolhida pelo legislador ao positivar a lei
8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (Estatuto): “Esta
Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.” Alterando de maneira
radical a maneira como as crianças e adolescentes eram vistos pela sociedade e pelo
19
Estado, modificando todo o sistema jurídico da época e todo seu conteúdo está
baseado na convenção da ONU sobre os direitos da criança de 1989.
O Estatuto, por conseguinte, vem em resposta à nova orientação constitucional
e à normativa internacional relativa à matéria, deixando claro, desde logo, seu objetivo
fundamental: a proteção integral de crianças e adolescentes (DIGIÁCOMO, 2013, p.
3). O Estatuto divide-se em dois livros: o primeiro trata da proteção dos direitos
fundamentais à pessoa em desenvolvimento e o segundo trata dos órgãos e dos
procedimentos protetivos. Nele encontram-se os procedimentos de adoção, a
aplicação de medidas socioeducativas, do Conselho Tutelar e dos crimes cometidos
contra crianças e adolescentes.
Basicamente, a doutrina jurídica da proteção integral adotada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente estabelece três princípios, a saber: Criança e adolescente
como sujeitos de direito (deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de
direitos), destinatários de absoluta prioridade e respeitando a condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (FERREIRA e DOI, 200?, p. 2). O princípio da proteção
integral se desdobra em três vertentes principais: prioridade absoluta, melhor
interesse e municipalização. Com relação ao primeiro, vemos o art. 4º do ECA:
sensu) (DIGIÁCOMO, 2013, p. 5). Essa categoria encontra sua expressão mais
significativa na própria concepção de direitos humanos de Lefort: “o direito a ter
direitos”, ou seja, da dinâmica dos novos direitos que surge a partir do exercício dos
direitos já conquistados (LEFORT, p. 58, apud VERONESE, 2013, p. 49). Desse ponto
de partida, o sujeito de direitos seria o indivíduo apreendido do ordenamento jurídico
com possibilidades de, efetivamente, ser um sujeito-cidadão. Segundo Lima,
3 ADOÇÃO
A primeira lei direcionada à adoção, no Brasil, foi datada de 1828, mas somente
o Código Civil de 1916 (CC/16) sistematizou o assunto, impondo que qualquer pessoa
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sem filhos biológicos e com idade superior a 50 anos podia adotar uma criança através
de um contrato com os pais legítimos. Porém, o adotando deveria ser dezoito anos
mais velho que o adotado (SILVA, MESQUITA e CARVALHO, 2010, p. 192). Enquanto
o CC/16 esteve em vigência, a filiação adotiva tinha caráter assistencial, sendo
considerada um meio de salvação para o adotado, pois entendia-se que haveria uma
melhora na sua condição econômica e moral (FALCÃO, 2017, p. 18).
A partir da metade do século XIX tivemos importantes mudanças no que tange
à proteção da infância e da adolescência no Brasil e especificamente em relação aos
processos de adoção, principalmente a partir da criação de legislações e de políticas
sociais. Todavia os textos normativos que tratavam da adoção ao longo dos séculos
preservavam um modelo de adoção que servia mais para famílias sem prole gerar
descendentes do que propriamente para se encontrar família a quem se acha privado
desse tipo de relação (NAKAMURA, 2019, p. 179). A adoção sob um ideal de família
centrado no interesse adulto influenciou leis brasileiras e persistiu por gerações.
Antes do século XX, como não havia regulamentação por lei quanto às
adoções, os futuros pais buscavam junto a Roda dos Expostos, o filho desejado. As
adoções realizadas de modo informal fazem parte da história do Brasil, diferentemente
de outros países em que já existia o acolhimento institucional de crianças em
situação de abandono (GOES, 2014, p. 46). Ainda de acordo com Goes, no Brasil o
ato de adotar sempre existiu como forma de diminuir as situações de abandono de
crianças, principalmente para os casais que não conseguiam ter filhos de modo
biológico. De modo geral, até pouco tempo atrás, eram feitas em segredo, com o
objetivo de atender aos anseios dos adultos em detrimento das necessidades das
crianças.
Nesse sentido Goes (2014, p. 47) ressalta ainda que havia também situações
em que as crianças recebiam com frequência a denominação de filhos de criação, já
que eram advindas de outros pais, sendo criadas por terceiros e de modo informal.
Essa forma de ‘adoção’ ocorria sem qualquer documentação legal. Esse método
baseado na informalidade foi bastante empregado e estimulado pela igreja. Por um
lado, se incentivava a caridade, e por outro, havia a perspectiva de inclusão futura da
criança no ambiente da criadagem, ou seja, os agregados poderiam vir a ser uma
mão-de-obra gratuita para as famílias.
Enquanto antes era requisito para ser adotante, era necessário ser maior de 50
anos, não ter filhos e ser 18 anos mais velho que o adotando, com a Lei nº 3.133/1957,
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houve mudanças, das quais a idade mínima para ser adotante foi alterada para 30
anos, pessoas que já tivessem filhos poderiam adotar e a diferença entre adotante e
adotado deveria ser de 16 anos, no mínimo.
Segundo Silva, Mesquita e Carvalho (2010, p. 192) em 1965, foi criada a
"legitimação adotiva" em que era permitida a adoção somente quando a guarda do
menor fosse estabelecida antes de ele completar sete anos de idade, os pais
biológicos terem destituído o poder ou no caso de criança órfã sem reclamação de um
parente há mais de ano. De acordo com Falcão (2017, p. 19) era aplicada aos
menores em estado irregular por infração, maus tratos ou abandono, tendo como o
objetivo igualar os direitos do adotado aos dos demais filhos do adotante.
No fim do século XX, sob a vigência do Código de Menores de 1979, o sistema
legal ainda tratava a adoção com subtipos que espelhavam uma visão de crianças e
adolescentes como objetos tutelados pelo interesse adulto: crianças “em situação
irregular” poderiam ser adotadas de uma forma “simples”, ou em sua forma “plena”,
com maior legitimação. Admitia-se ainda a adoção civil, por escritura pública em
cartório, similar a contratos de compra e venda (NAKAMURA, 2019, p. 180). Esse
modelo de objetificação só rompeu pelas indagações e denúncias de movimentos
sociais que floresceram com a redemocratização após o fim do regime militar e que
conduziram o país a sua atual Constituição.
Em 1979, entrou em vigor a Lei nº 6.697 (Código de Menores), o qual
determinou a divisão do instituto da adoção em duas espécies. A adoção simples, em
que consistia quando o infantoadolescente menor de 18 anos em situação irregular
convivia com a família adotiva, mas não perdia o contato com a família biológica, além
disso, não tinha os mesmos direitos dos filhos legítimos e podia ser anulada; e, a
adoção plena, em que se tinha o afastamento do adotado da sua família de origem,
tendo caráter irrevogável. Segundo Silva, Mesquita e Carvalho (2010, p. 193) dentre
os requisitos dos adotantes, a idade mínima era de 30 anos para um dos cônjuges,
exigia ter cinco anos de matrimônio sem filhos, que poderia ser dispensada na
hipótese de esterilidade de um dos cônjuges, desde que provada a estabilidade
conjugal.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o tratamento passou a
ser igualitário entre os filhos, independentemente da sua origem, admitiu também a
ideia do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, como os principais
interessados no processo de adoção.
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Para Calado, Ribeiro e Aurino (2016, p. 64) a Nova Lei de Adoção foi um marco
na consolidação de direitos sociais dos diversos sujeitos envolvidos no que concerne
à expressão social do abandono e semiabandono na nossa sociedade, pois modificou
o Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito ao funcionamento dos
acolhimentos institucionais (abrigos), aos processos de destituição do poder familiar
e às medidas pertinentes à inclusão de crianças e adolescentes em famílias
substitutas.
De acordo com a LNA, diante da impossibilidade da permanência da criança e
do adolescente com a família natural, esses serão colocados sob adoção, tutela ou
guarda, observadas as regras e princípios contidos no Estatuto, e no §2, Art. 1º da
Constituição Federal.
3.2 ADOTANTES
adoção informam, na maioria dos casos, aceitação de perfil diverso, desencontro que,
ano após ano, faz gerar um acúmulo de crianças, adolescentes e pretendentes à
adoção nesses cadastros, proporcionando longas esperas ou mesmo a inviabilidade
da medida para muitos.
Assim, nota-se que, quanto mais restrições se faça e a maioria dos
pretendentes opte pelo mesmo perfil, o processo de adoção acabará tornando-se mais
duradouro, porém, se as escolhas forem mais abrangentes, mais rapidamente se dará
a adoção.
A adoção, como hoje é entendida, não consiste em ter pena de uma criança,
ou resolver a situação de casais em conflito, remédio para a esterilidade, ou, ainda,
conforto para a solidão, mas sim atender às reais necessidades da criança, dando-lhe
uma família onde se sinta acolhida, protegida, segura e amada. Para Falcão (2017, p.
22) quando uma criança é abandonada pela família biológica ou sofre ameaça ou
violação a qualquer um de seus direitos fundamentais, tais como: pobreza extrema,
violência física ou sexual e uso de álcool e drogas, a medida protetiva a ser tomada
pelo Poder Público será o seu encaminhamento a uma instituição de acolhimento.
Toda criança tem direito a um lar e uma família e quando a família não tem condições
de criá-la, não possui recursos materiais e muito menos psicológicos, o Estado
intervém e encaminha a criança a uma Instituição para posterior adoção.
Deve-se frisar aqui que a falta ou a carência de recursos materiais não
constituem motivos suficientes para a perda ou a suspensão do poder familiar. Essa
perda do poder familiar ocorre nos seguintes casos, conforme determina o Código
Civil de 2002:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente;
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
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originais do poder não estejam presentes no processo, ou seja, com decisões à revelia
dos pais biológicos e com recursos apresentados pela Defensoria Pública.
É fundamental considerar, que o êxito de uma adoção não está somente na
agilidade nos trâmites legais, mas, principalmente, na efetivação do vínculo afetivo
que se estabelece entre as partes. Para a criança ser acolhida e se tornar parte do
imaginário parental, ela deve ser aceita em sua singularidade. O acolhimento deve vir
dos pais adotivos, a partir da identificação da sua própria capacidade procriadora e
pró-cuidadora, tornando-se capazes de gestar psiquicamente o filho, a fim de assumi-
lo como seu.
Quando o êxito da adoção não ocorre e o adotante realiza a devolução do
adotando, muitas das vezes esse infanto adolescente retorna à instituição de
acolhimento abalado psicologicamente. Identificar se há reparo à esse dano é o que
veremos no capitulo à seguir.
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Um dos principais problemas é que há pessoas que sonham com o “filho ideal”
e, quando confrontados com os desafios de educar uma “criança real”, não dão conta
de lidar com “imperfeições que, em filhos biológicos, seriam toleradas. São casos
como quando a criança é adotada mais velha, no qual traz consigo componentes que
devem ser trabalhados. A adoção tardia é bastante comum, mas complicada, pois a
maioria dos casais habilitados prefere bebês por julgar mais fácil a adaptação, o que
efetivamente acontece, uma vez que com crianças acima de três anos de vida, o
estabelecimento do vínculo familiar é mais difícil.
No entendimento de Calado, Ribeiro e Aurino (2016, p. 91) o preconceito está
entre as principais barreiras no que concerne à adoção, pois os adotantes são
motivados a adotar um filho já idealizado anteriormente, ou seja, de preferência
menina, saudável, branca, com até um ano de idade. Na realidade brasileira, as
crianças não correspondem ao perfil de preferência dos adotantes. Ainda de acordo
com Calado, Ribeiro e Aurino enquanto muitas pessoas falam que essa característica
já foi superada, outras pessoas sentem na pele as consequências de ser negro. Essas
escolhas feitas pelos requerentes em relação aos adotandos dificultam a inserção de
muitas crianças institucionalizadas que, neste momento, esperam por uma família.
Partindo desse pressuposto, Carnaúba e Famelli Ferret (2018, p. 124-125)
muitas pessoas não têm conhecimento a respeito de casos de devolução de crianças
adotadas, isso porque na maioria das vezes os casos de adoção dão certo, não
ocasionando grande número de devoluções, mas mesmo diante de diversos casos
que dão certo, existem casos de crianças que são rejeitadas. As devoluções ocorrem
por dificuldades de adaptação de ambas as partes e por conflitos que se revelam na
formação de um novo vínculo. Ainda de acordo com Carnauba e Famelli Ferret, o
processo de abandono pelos pais biológicos, a passagem pela instituição de abrigo,
o processo de decisão de adoção no qual vem como consequência da solução da
esterilidade entre outros, trazem consequências no que diz respeito ao sucesso da
adoção. Tais questões influenciam diretamente na relação entre adotados e
adotantes.
Destaca-se que os pretendentes têm a possibilidade de conhecer a história
pregressa da criança, o acesso a fotografias e até conhecê-la pessoalmente, sem que
ela saiba de suas intenções.
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iniciativa próprias, a adoção que ele mesmo desejou que fosse constituída, e também
a mesma impossibilidade de o adotado também revogar a adoção, ainda que tenha
sido adotado quando era criança ou adolescente, o que também preserva os
interesses do adotante.
Sendo a criança/adolescente vítima de um ato irresponsável dos postulantes,
que, assumindo o risco e as dificuldades da adoção, a levaram à sua companhia, é
que se cogita da possibilidade de responsabilização dos adotantes na esfera civil
(REZENDE, 2014, p. 95). torna-se mais evidente se se lembrar que a criança ou
adolescente candidata à adoção já foi vítima de uma ação ou omissão da família, da
sociedade, e/ou do Estado, que falharam em lhe proporcionar um ambiente
adequando ao exercício de seus direitos mais elementares no seio da família natural.
Segundo Espezim dos Santos (2020, p. 13) embora as responsabilizações
judiciais dependam de provas de lesão à integridade e de autoria do ato ou da série
de atos pertencerem aos pretensos adotantes, o que em Direito se denomina de
responsabilidade subjetiva, é certo que há maior necessidade de cuidado e atenção a
esses tipos de relações que se estabelecem em meio a processos de adoções.
Tais reparações possuem efeito pedagógico e preventivo, pois, tendem a
desestimular a prática de futuras omissões, como também fazer cessar as atitudes
que importem prejuízo para o direito dos adotados (FALCÃO, 2017, p. 40). A
indenização também é uma forma de reafirmar o direito ao respeito, à dignidade e à
integridade moral dos adotandos, que devem ser tratados como sujeito de direitos e
não como um simples objeto.
Sobre a indenização por danos materiais, estes também são admissíveis, pois,
quando a criança é devolvida, os pais interrompem os cuidados sobre a sua
sobrevivência, tornando apropriado a prestação de alimentos para que os infantes
possam se manter até completar a maioridade.
Assim, foi realizada uma pesquisa jurisprudencial nos Tribunais de Justiça
Brasileiro, no mês de novembro de 2021, no qual foram encontrados 787 julgados,
com as seguintes palavras-chave: “processo de adoção”, “desistência do pedido”,
“dano moral à criança” e “desistência do processo de adoção”. Assim, foram
selecionados dois por conterem elementos mais relacionados com a forma de
responsabilização.
Ao julgar que é devida a responsabilização por absoluto dos danos gerados
quando os pais decidem devolver os filhos, após o processo de adoção ter sido
concluído. Feitas as considerações preliminares quanto à pesquisa dos julgados e os
resultados obtidos, passa-se para a apresentação e análise dos dois acórdãos.
Analisemos a seguir:
A partir do discurso das crianças, bem como através dos testes projetivos aos
quais as irmãs foram submetidas, foi possível constatar que S. e S. possuem
vínculo de filiação com o casal M. de F. e J. G. e experienciam atualmente
intensa angústia e sensação de culpa diante do desejo dos guardiões em
devolver as meninas que os consideram como pai e mãe.
grande ansiedade e tristeza por parte das crianças, diante da expectativa da perda do
lar que haviam conquistado. Na visão de Rezende (2014, p. 92), é legítimo acionar o
Poder Judiciário para exercer a pretensão de se inscrever para a adoção, buscando,
a formação da conhecida família eudemonista. No entanto, que o exercício deste
direito não lesione terceiro, e, ainda, seja exercido de acordo com os limites impostos
pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé e pelos bons costumes.
É muito importante mencionar ainda que a interrupção dos vínculos
provavelmente ocasionará dificuldades emocionais importantes em ambas as
crianças, que já possuem histórico de abandono, necessitarão de acompanhamento
psicólogo prologado. Além disso cumpre mencionar que as crianças tiveram seus
nomes trocados, o que pode ocasionar distúrbios psicológicos relacionados à
identidade.
Uma vez iniciado o estágio de convivência, já se acende na criança/
adolescente uma expectativa de que o ato será ultimado. Expectativa esta
posteriormente frustrada, com a desistência da medida, que gera o odioso abandono
afetivo, perfeitamente compensável pelo dano moral (REZENDE, 2014, p. 92). Para
Bordallo (2018b, p. l. 282) quanto mais tempo se passa, o adotando vai criando o
sentimento de amor e carinho e a sensação de estar sendo aceito em um núcleo
familiar, sentindo a segurança de ter uma família. Quando ocorre a devolução do
adotando, após longo decurso do tempo, sem motivo justo, está sendo cometida
grande violência contra aquele, que está sendo rejeitado.
O segundo caso a ser analisado é uma Apelação Cível n° 1.0702.09.568648-
2/002, julgado pela Comarca de Uberlândia, em 10/11/2011. Trata-se também de uma
Apelação Cível, interposta pelos adotantes M. P. S. e R. A. S., contra a sentença que
lhes condenou ao pagamento de indenização por danos morais no valor de
R$15.000,00 em favor do adotando, mais 15% (quinze por cento) do salário mínimo à
título de pensão alimentícia, até a idade de 18 (dezoito) anos, ou 24 (vinte quatro)
anos, se estudante, ou até ser adotado. Com o seguinte teor:
por terem ciência de que a adoção somente foi concedida para possibilitar o
convívio com irmãos, ferindo, assim, o princípio constitucionalmente
assegurado da dignidade da pessoa humana, cabelhes indenizar a criança
pelos danos sofridos. (TJMG - Apelação Cível n° 1.0702.09.568648-2/002 -
Comarca de Uberlândia - Apelante: M.P.S. e outro - Apelado: Ministério
Público do Estado de Minas Gerais - Relatora: Des.ª Teresa Cristina da
Cunha Peixoto).
Conforme o caso narrado, trata-se de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo
Ministério Público de Minas Gerais em face de M. P. S. e R. A. S., em favor de V. H.
C. S., alegando que a criança, em 09 de março de 1999 foi entregue aos adotantes,
sob a forma de guarda, tendo sido ajuizado o pedido de adoção no mês de outubro
de 1999, com o deferimento em 26 de setembro de 2000. Afirma que, no dia 06 de
julho de 2001, a criança foi devolvida à Instituição de Acolhimento.
Segundo relatos de psicólogos e assistentes sociais, o menino era rejeitado,
agredido e humilhado, por seus pais além de ter sido abandonado física, material e
moralmente, o que ensejou o ajuizamento da ação de destituição do poder familiar,
sem interposição de qualquer recurso, postulando a condenação dos suplicados ao
pagamento de indenização por dano moral e material visto que agiram de forma
negligente, ao criar expectativa no adotando de que o mesmo seria aceito e respeitado
como filho.
Por fim, o relator enfatizou que o ato ilícito perpetrado pelos apelantes, causou
profunda dor moral ao adolescente, acarretando-lhe abalo psicológico que,
certamente, não será apagado de sua vida. e assim, manteve a condenação não
somente a indenização por danos morais arbitrado em R$15.000,00 (quinze mil reais)
mas, também, por danos materiais, na forma de alimentos, como meio de propiciar o
tratamento psicológico necessário para o desenvolvimento sadio do adolescente.
Apesar de ser curto o lapso temporal de convivência entre os adotantes e o
adotando, ele já é suficiente para a formação de vínculos de afeto e afinidade, de tal
sorte que a desistência será responsável por uma ideia de abandono, ou no mínimo,
uma forma de violência psicológica contra a criança.
Nesse contexto Falcão (2017, p.37) descreve que para que um dano seja
indenizável, exige-se o preenchimento de três requisitos mínimos: a violação de um
interesse jurídico; a certeza do dano; e, a subsistência do dano. Depois de constatado
o dano, se não houver a possibilidade de restituir o status quo ante do bem ou direito,
a reparação poderá ser convertida em fixação de uma importância pecuniária, a título
de compensação.
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5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf.
Acesso em: 23 out. 2021.
FERREIRA, Luiz A. M.; DOI, Cristina T. A proteção integral das crianças e dos
adolescentes vítimas - Comentários ao Art. 143 do ECA, 200? Disponível em:
https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/protecao_integral_ferreira.pdf.
Acesso em: 23 out. 2021.
PATIAS, Naiana D.; SIQUEIRA, Aline C.; DELL'AGLIO, Débora D. Imagens sociais
de crianças e adolescentes institucionalizados e suas famílias. Psicologia &
Sociedade, n. 29, 2017. 11. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-
0310/2017v29131636. Acesso em: 19 out. 2021.
paradoxo do estado (des) protetor. João Pessoa: Editora da UFPB, 2016. p. 177-
199.