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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

DANIEL DE ARAUJO BORGES

DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS:


PROTEÇÃO INTEGRAL E RESPONSABILIZAÇÃO

Florianópolis
2021
DANIEL DE ARAUJO BORGES

DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS:


PROTEÇÃO INTEGRAL E RESPONSABILIZAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Profª. Danielle Espezim dos Santos, Dra.

Florianópolis
2021
DANIEL DE ARAUJO BORGES

DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS:


PROTEÇÃO INTEGRAL E RESPONSABILIZAÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi


julgado adequado à obtenção do título de
Bacharel em Direito e aprovado em sua
forma final pelo Curso de Graduação em
Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina.

Florianópolis, (dia) de (mês) de (ano da defesa).

______________________________________________________
Professora e orientadora Danielle Espezim dos Santos, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Prof. Nome do Professor, titulação
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS:


PROTEÇÃO INTEGRAL E RESPONSABILIZAÇÃO

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca
Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em
caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, dia de mês de 2021.

____________________________________
DANIEL DE ARAUJO BORGES
Dedico este trabalho à minha família,
grandes incentivadores dos meus sonhos
e que sempre apoiaram o meu
desenvolvimento. Aos meus amigos que
mantive ao longo da graduação, Eduardo
Coradi, Maria Luiza Serafin e Maria
Eduarda Sagas, no qual, de diferentes
maneiras me inspiraram e fortaleceram
com respeito, apoio e companheirismo.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus, por me mostrar um bom ouvinte em todos os momentos, bem


como os mais difíceis, ajudando a provar a mim mesmo minhas capacidades e força.
Aos meus pais, Maria Lucia e Antônio, e a minha irmã Daniele, que são a minha
base de força e motivação, que sempre fizeram tanto por mim.
Aos meus amigos, pelo apoio dado ao longo desses anos.
Aos meus professores, por todo conhecimento transmitidos.
À minha orientadora Danielle Espezim dos Santos, por toda inspiração,
instrução, atenção e compreensão dadas durante a realização deste trabalho.
“Tudo depende do amor, pois no fim, é segundo o amor que seremos
julgados” (Edith Stein).
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo verificar a responsabilização aplicada aos


adotantes ao realizarem a devolução de crianças e adolescentes na adoção, sob a
perspectiva dos direitos fundamentais e da Proteção Integral, conquistados com a
promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8069/90. Para
tanto, a pesquisa utiliza do método de procedimento monográfico, de natureza
exploratória, com método de abordagem dedutivo. Para chegar à resposta do
questionamento, se fez necessária uma explanação acerca dos aspectos referentes
a adoção e a aplicabilidade da reparação civil no ordenamento jurídico brasileiro, bem
como as aplicações de dano moral e material. Por fim, é apresentado uma breve
incursão acerca de alguns julgados encontrados. A conclusão alcançada com a
presente pesquisa revela a necessidade de ser respeitada a condição de crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, conquistados com o Estatuto, mesmo
sabendo que as questões menoristas ainda estão enraizadas no processo adotivo,
ainda sendo encontrados características de coisificação do infantoadolescente. No
qual a responsabilização foi verificada que ela ocorre, buscando realizar uma
reparação à criança/adolescente adotados.

Palavras-chave: Adoção. Devolução. Danos. Responsabilização.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ............................................................... 12
2.1 OS INSTITUTOS DISCIPLINARES ........................................................................... 12
2.2 DOUTRINAS ANTERIORES À PROTEÇÃO INTEGRAL ...................................... 14
2.3 A PROTEÇÃO INTEGRAL .......................................................................................... 18
3 ADOÇÃO........................................................................................................................... 25
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL ............................................ 25
3.2 ADOTANTES ................................................................................................................. 29
3.3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTANDOS ..................................................... 31
3.4 PROCESSO DA ADOÇÃO .......................................................................................... 33
4 DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS ........................ 38
4.1 MOTIVOS PARA A DEVOLUÇÃO ............................................................................. 39
4.2 AGRAVO DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO .......................................................... 41
4.3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADOTANTES ........................................................... 43
4.3.1 Indenização aos adotandos................................................................................... 44
4.3.1.1 Análise dos julgados ............................................................................................... 49
5 CONCLUSÃO................................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55
9

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto a devolução de crianças e adolescentes


pela família substituta à instituição de acolhimento das quais foram afastados, e a
aplicação de responsabilização civil do adotante.
A importância da pesquisa realizada reside em discorrer sobre os debates
jurídicos e a concepção de tribunais brasileiros. Dissertando sobre a
responsabilização de pessoas pretendentes à adoção que realizam o abandono de
crianças e adolescentes.
A escolha do tema é resultado do interesse pessoal do pesquisador, pelo
anseio em realizar uma adoção, na ciência que muito além de processos burocráticos
há ligações afetivas entre a pessoa adotada e o adotante, fato que levou a aprofundar
sobre o tema.
Com a promulgação da Constituição Federal brasileira, em seu art. 227 e a
criação da Lei Federal nº 8.069 decretada em 13 de julho de 1990 - Estatuto da
Criança e do Adolescente - a sociedade jurídica brasileira tornou-se capaz de produzir
mais políticas voltadas para essa parcela da população, garantindo a proteção de
forma integral.
O número de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento é
expressivo, tendo a incompatibilidade de perfis procurados pelos pretendentes à
adoção como um dos fatores pela não diminuição, no entanto há outra problemática
que faz parte desse cenário, o abandono dos requerentes à adoção de crianças e
adolescentes. Quais as possibilidades de responsabilização em caso de devolução
de Crianças e Adolescentes adotados?
Como objetivos específicos, pretende-se compreender, alicerçado em julgados
e doutrinas, como ocorre a reparação em circunstância do abandono de crianças e
adolescentes no regime de adoção no estágio de convivência. Procurando analisar de
que maneira alguns tribunais estão interpretando, a partir do olhar do direito de
proteção integral do infantoadolescente, como assegurar a responsabilização dos
pretendentes à adoção que desistem do processo no momento de convívio.
Ainda são poucos os estudos sobre a devolução de crianças e adolescentes
adotados, com quanto, é necessário reconsiderar práticas de percepção para desviar
que possíveis devoluções ocorram.
10

O tema é de acentuada relevância, tanto pela lesão enternecedora dessas


crianças e adolescentes ao revisitar a sensação de abandono com o novo
afastamento, afetando princípios como da dignidade e da personalidade, se tratando
de um público em desenvolvimento. Ainda é um tema pouco discutido e por se tratar
de um assunto sensível em virtude da sua complexidade dentro do cenário de adoção,
se tratando de um público em condição de desenvolvimento e desfrutarem de
proteção integral, tem que ter a proteção de seus direitos fundamentais. A sua
implicação não é exclusiva no meio jurídico, mas também como na sociedade
brasileira, desse ponto encontrando a sua importância.
Para alcançar os objetivos delineados, a pesquisa caracteriza-se, quanto ao
objetivo, como de natureza qualitativa, realizando um aprofundamento no estudo da
Doutrina da Proteção Integral em comparação com o tratamento que a Doutrina e a
Jurisprudência respondem à demanda; podendo desse modo verificar se há a
responsabilização civil aos pretendentes à adoção em caso de devolução do
infantoadolescente.
Para elaboração deste trabalho, foi realizada além da pesquisa histórica, à vista
verificar casos no qual houve devolução de infantoadolescente adotado, a fim de
compreender a ocorrência desse fenômeno.
Quanto aos procedimentos técnicos para coleta de dados do estudo de caso,
foi utilizado a bibliográfica e a documental. Assim, a pesquisa será feita com base em
livros e artigos acadêmicos. Ainda de acordo com o autor, utilizar-se-á, também, a
técnica de pesquisa documental, porquanto haverá a pesquisa, citação e a análise de
jurisprudência.
A natureza do trabalho classifica-se como exploratória e dedutiva, buscando
alicerce na Doutrina da Proteção Integral, garantias fundamentais, como também o
tratamento doutrinário e jurisprudencial dado ao revés, para então chegar à ultimação
do presente estudo.
O presente trabalho foi estruturado em cinco seções: introdução, três capítulos
de desenvolvimento e conclusão. O capítulo dois aborda os elementos da Doutrina da
Proteção Integral, trazendo uma breve evolução histórica até a sua aplicação com a
promulgação da Lei 8069/90. O terceiro versa sobre a Adoção, permeando uma
conexão histórica da adoção no Brasil incluindo o sistema adotivo, nesse capítulo
também se levanta acerca da devolução do infantoadolescente adotado. Enquanto no
11

quarto, discorre no que se refere a responsabilização dos adotantes, expondo o


entendimento de julgados até a análise das decisões acolhidas.
12

2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Neste capítulo serão apresentados breves registros e conceitos históricos


sobre a proteção integral, como uma doutrina criada para pensar e propor soluções
acerca do bem coletivo, no qual se prioriza a promoção à criança ou adolescente. Para
que essa proteção seja centrada na perspectiva da criança, uma gama de áreas
precisa ser considerada, tanto social quanto física.
Buscando contextualizar uma linha do tempo que é importante para
fundamentar o problema de pesquisa, para que se chegue até a atualidade,
permeando as doutrinas anteriores à proteção integral.

2.1 OS INSTITUTOS DISCIPLINARES

No decurso do período colonial, o abandono de crianças foi encorajado pela


Roda dos Expostos, a qual era composta de uma caixa cilíndrica que girava sobre um
eixo vertical. Os doadores, geralmente penitentes, colocavam na parte externa
alimentos, remédios e mensagens. Quando a roda era girada, as doações eram
transportadas para o interior da instituição, e, dessa forma, mantinham no anonimato
os piedosos (MOCELIN, 2020, p. 23). Posteriormente, passaram a depor crianças,
essas eram denominadas pelos termos expostos e enjeitados.
No entendimento de Mocelin estes termos expostos e enjeitados
correspondiam ao tipo de abandono mais comum para o período, o de recém-
nascidos, e se consubstanciam nas práticas de enjeitar as crianças expondo-as em
locais onde seriam, muito provavelmente, recolhidas. Os locais mais comuns eram as
igrejas e conventos. Esse momento também conhecido como Caridade e da Religião.
Nesse sentido, ensina Lima e Veronese (2012, p. 20) que eram rompidas as
conexões familiares e dificilmente a criança exposta teria conhecimento da identidade
dos seus verdadeiros pais. A prática do abandono foi comum em famílias que não
queriam transgredir os padrões morais e cristãos da sociedade da época, sobretudo
quando se tratava de uniões ilegítimas e dos filhos concebidos fora do casamento, ou
ainda em casos em que a mãe fosse solteira. Desse modo, evita-se infanticídios ou
abortos, o abandono representava a melhor solução.
Posteriormente, emprega-se indistintamente os termos abandonados,
rejeitados e recolhidos, confundindo-os com órfãos, como também se fez conhecida
13

a confusão no período republicano entre menor carente e menor delinquente. No dizer


de Mocelin (2020, p. 23), nesse período ocorreu a promulgação da primeira
constituição do Império, que não possuía nada referente a crianças ou adolescentes.
Com a criação do primeiro código penal do Império, veio a fixação da imputabilidade
penal aos 14 anos de idade e os menores que cometessem algum crime poderiam ser
enviados às casas de correção.
Devido às mudanças significativas na ordem política brasileira, os modelos
assistenciais emanados da institucionalização nas Rodas dos Expostos e a caridade
da Igreja se mostraram fracassados frente ao projeto de Estado que se pretendeu
construir e emancipar (LIMA e VERONESE, 2012, p. 25). O primórdio do século XX
esculpiu um novo passo no tratamento defeso às crianças e adolescentes.
As instituições de caridade mantidas pela igreja e algumas entidades
filantrópicas de cunho humanista mantidas pela iniciativa privada, correspondida em
especial pelas entidades orfanológicas, não deram conta de resolver questões
específicas como o desdobramento significativo de crianças em situação de
abandono, que transitavam pelas ruas e que ameaçavam perturbar a ordem e a paz
social. Afirma Mocelin (2020, p. 24) iniciando dessa maneira um momento conhecido
como filantrópico científico e higienista, em que a caridade cristã já não era mais
suficiente, distinguindo-se a demanda de investir na educação das crianças e
adolescentes para capacitá-los profissionalmente, evitando assim a delinquência.
Na visão de Lima e Veronese (2012, p. 25) o fomento em pôr fim ao sistema de
rodas veio significar uma nova preocupação estatal: a mão de obra barata e útil que
estava sendo desperdiçada para o Estado, uma vez que todo o investimento que se
fazia nas crianças expostas seria para que usufruíssem de seu trabalho. Segundo
Lima e Veronese era crucial para o Estado reparar a questão social que começava a
perturbar a sociedade: a da adolescência infratora”. Ressalta-se que, muitos juristas
passaram a se posicionar contra esse modelo assistencial e começaram a pensar em
novas leis que fossem mais eficazes em conter a população de crianças e
adolescentes em situação de abandono.
Mesmo por forte influência da medicina higienista e da adesão aos juristas
brasileiros pelo fim desse modelo assistencial, as Rodas dos Expostos só foram
extintas a partir da aprovação do Código de Menores de 1927, mesmo assim se
mantiveram até a segunda metade do século XX.
14

2.2 DOUTRINAS ANTERIORES À PROTEÇÃO INTEGRAL

A doutrina jurídica do direito do menor no Brasil é instaurada a partir da


demanda de reunir num único sistema normativo todas as leis até então existentes
em teor de infância e adolescência.
Em 1927 entra em vigor o primeiro Código de Menores, sistematizado pelo Juiz
de Menores da cidade do Rio de Janeiro, José Cândido de Albuquerque de Mello
Mattos, constituído de ações sociais positivadas em relação a crianças e
adolescentes. Porém, não se pode afirmar que este consolidou uma doutrina jurídica,
apenas uma legislação especial, por sua vez, sobrepujada pelo caráter discriminatório
do contexto histórico e cultural (ESPEZIM DOS SANTOS, 2017, p. 28). Como descrito
por Amin (2018b, l. 39) com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir-lhes o
destino. A família, independentemente da situação econômica, tinha o dever de suprir
adequadamente as necessidades básicas das crianças e dos jovens, de acordo com
o modelo idealizado pelo Estado.
O Código previa a internação como disciplina e correção ao comportamento
inadequado. O anseio das expostas iniciativas legais de natureza social, bem como
direito à educação, à título de exemplo. Ainda de acordo com Espezim dos Santos
(2017, p. 28), para àqueles chamados de “menores”, foi ofuscada pela apreciação de
que interessava ao Estado e à sociedade interceder meramente em relação às
conjunções em que o menor de idade produz “desordem social”.
O Código de Menores de 1927 classificava as crianças e adolescentes com o
rótulo da menoridade, sendo essa normativa legal apenas dirigida aos que eram
considerados em situação de abandono e delinquentes, conforme previa o art. 1: “O
menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos
de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e
proteção contidas neste Código.”
No art. 26 do referido Código estão presentes oito definições distintas
indicadoras do menor em situação de abandono, entre as quais se destacam: não ter
habitação certa, nem formas de subsistência, ter os pais falecidos, desaparecidos ou
desconhecidos, e nem ter pessoa responsável por sua guarda e tutela (inciso I); que
os pais, tutor ou guardião não tenham condições de garantir a subsistência do menor
por condição de pobreza ou que sejam incapazes de cumprir com os deveres do pátrio
poder (incisos II e III); que se encontrem em estado habitual de vadiagem,
15

mendicidade ou libertinagem (inciso V); que sejam vítimas de maus-tratos, violência e


negligência pelos pais ou quem tenha o dever de guarda (inciso VII).
Para Lima e Veronese (2012, p. 32) é possível constatar, que a própria
condição de pobreza das famílias foi motivo para que o Estado excluísse os pais do
pátrio poder e detivesse para si a tutela de crianças e adolescentes. O Estado foi
negligente ao não investir em políticas públicas básicas às famílias empobrecidas e
encontrou nas medidas de internamento a solução perfeita para os chamados filhos
da pobreza. Além disso, culpou a criança, vítima de maus-tratos ou de negligência
dos próprios pais, retirando-as do convívio familiar.
Como alternativa complementar à ineficácia na aplicabilidade do Código de
Menores de 1927, José Sabóia de Souza Lima instaurou um inquérito em 1938 para
investigar os motivos do fracasso das instituições de internamento que estavam sob
o controle do Juizado de Menores. Nessa direção Lima e Veronese (2012, p. 35)
relatam que constada as falhas, propôs a criação de um Patronato Nacional de
Menores, a exemplo do que já havia sido instalado na Argentina, no qual se trava de
uma política centralizadora para a infância com a finalidade de instituir uma autarquia
que ficasse responsável pelas questões administrativas e econômicas dos institutos
disciplinares. Porém, a proposta não saiu do papel e três anos mais tarde, foi criado o
Serviço de Assistência a Menores (SAM).
O SAM estava vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores e tinha
a finalidade de prestar atendimento assistencial em todo território nacional aos
menores considerados desvalidos e infratores. O Serviço de Assistência aos Menores
continuou a resolver o problema do abandono e da delinquência infantil sob a ótica da
internação introduzindo métodos pedagógicos extremamente repressivos que
visavam apenas transformar o “menor” no adulto disciplinado e trabalhador (LIMA e
VERONESE, 2012, p. 35).
A partir do ano de 1954 iniciou no país um processo de construção de um novo
modelo jurídico-assistencial à infância brasileira, consubstanciado dez anos mais
tarde, na aprovação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). De acordo
com Lima e Veronese (2012, p. 37) a PNBEM nasceu a partir da aprovação da Lei n.
4.513, de 1º de dezembro de 1964, que extinguiu o SAM definitivamente e autorizou
o Poder Executivo a criar uma Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM), que deveria trocar a lógica repressiva do SAM para uma perspectiva
16

educacional. A FUNABEM teve como correspondente estadual as Fundações


Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEMs).
O Código de Menores de 1979 – Lei nº 6697, de 10 de outubro de 1979 – tinha
como alvo uma certa categoria de crianças e adolescentes, que se encontravam em
Situação Irregular, justificava-se como uma legislação tutelar. Assim, deveria se
ocupar de tutelar apenas os menores emergenciais, ou seja, não se deveria ampliar a
proteção e assistência àqueles que não necessitavam, pois estariam numa situação
regular e criou uma categoria para os menores em seis situações distintas, quais
sejam aqueles que se encontravam em situação de abandono, vítimas de maus-tratos,
em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e autor de
infração penal (LIMA e VERONESE, 2012, p. 42).
Não obstante, essa tutela enfatizava um entendimento discriminador,
legitimando uma suposta “cultura” inferiorizadora, pois implica no resguardo da
superioridade de alguns, ou mesmo de grupos, sobre outros, como a história registrou
ter ocorrido e ainda ocorrer com mulheres, negros, índios, homossexuais e outros
(VERONESE, 2013, p. 48). Afirma Espezim dos Santos (2017, p. 28) que o
entendimento amparado pelo Código de Menores de 1979, ao qual a Proteção Integral
e o Estatuto viriam se opor de modo direto, principiava da conjectura da parcialidade
- em termos de atenção estatal - no qual o alvo seriam as pessoas com idade entre
zero e dezoito anos que aferissem com deliberadas características previstas no
Código:

[...] I. privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução


obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta ou omissão dos
pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável
para provê-las. II. vítima de mais tratos ou castigos imoderados impostos
pelos pais ou responsável; III. em perigo moral, devido a: a encontrar-se, de
modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em
atividade contrária aos bons costumes; IV. privado de representação ou
assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V. Com desvio
de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI. autor
de infração penal. (Código, art. 2°).

O Código de Menores sem pretender surpreender ou verdadeiramente inovar,


consolidou a Doutrina da Situação Irregular, que se constituía em um conjunto de
regras jurídicas se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente específico, aquele
que estava inserido num quadro de exclusão social, elencado no art. 2º do referido
17

Código. Nessa direção, para Amin, a doutrina da situação irregular que ocupou o
cenário jurídico infantoadolescente por quase um século era restrita.
Segundo Amin (2018ª, l. 46) compreendia o “menor”, aquele privado de
condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, em razão da
falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; as vítimas de maus-tratos; os que
estavam em perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrárias
aos bons costumes; o autor de infração penal e ainda todos os menores que
apresentassem desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária.
Para a Doutrina da Situação Irregular, os menores apenas são sujeitos de
direito ou merecem a consideração judicial quando se encontrarem em uma
determinada situação, caracterizada como “irregular”, e assim definida em lei. Havia
uma discriminação legal quanto à situação do menor, somente recebendo respaldo
jurídico aquele que se encontrava em situação irregular; os demais, não eram sujeitos
ao tratamento legal.
Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei de 37
para regularizar a situação dos menores, a prática era de uma atuação segregatória
na qual, normalmente, estes eram levados para internatos ou, no caso de infratores,
institutos de detenção mantidos pela Febem. Inexistia preocupação em manter
vínculos familiares, até porque a família ou a falta dela era considerada a causa da
situação irregular (AMIN, 2018ª, l. 46). Antes da Situação Irregular, quando um menor
executava um crime, era penalizado pelo modelo retribucionista, ou seja, havia uma
proporcionalidade de um terço da pena aplicada para um adulto.
Na doutrina menorista os pais perdiam a tutela sobre seus filhos quando um
menor cometia um crime. Para (ZANELLA, 2019, p. 1754) não era necessário praticá-
lo para ser institucionalizado, já que o fato ocorria para promover o bem-estar do
menor. À vista disso, quanto mais tempo ficasse institucionalizado melhor seria para
ele, o que contribuiu para que não houvesse um limite temporal e ficava a cargo do
juiz de menores determinar esse período temporal.
Menorismo conceitua uma derivação das práticas condensadas nos Códigos
de Menores, principalmente no último, por meio de práticas, normas e conhecimentos
negacionistas da condição de sujeito de direitos para os ditos menores - hoje
denominados crianças e adolescentes - na linha daquilo que se tem resumido nos
termos 'coisificação' de alguns e 'invisibilidade' de outros (ESPEZIM DOS SANTOS,
18

2020, p. 6). O Código de Menores uniu a interpretação de justiça e assistência que se


fazia à época, dando a sustentação necessária para que Juízes de Menores
exercessem toda sua autoridade centralizadora e controladora.
Segundo Liz (2019, p. 9) essas ações tomadas pelos magistrados, apesar de
ensejar consequências drásticas ao adolescente, atendiam a tortos anseios de
redução da criminalidade e de higienização social. Dessa maneira, mascarado pela
ideia de que a atuação do magistrado supria à vontade e interesse do menor – que
desprovida de entendimento e que necessitava de sua intervenção – pelo seu próprio
“bem-estar”. Nesse âmbito, observa Lima:

[...] até o final dos anos 70, as crianças e adolescentes em situação irregular,
comparados com as crianças e adolescentes da classe média, adotados
como paradigmas para se pensar a população infantojuvenil brasileira, eram
vistos, não como sujeitos de direitos, mas como “feixe de carências”. Atendê-
los era mais uma questão de providência estatal e misericórdia social do que
de dever jurídico propriamente dito. Neste caso, pode-se falar que havia
preocupações com a cidadania dos menores irregulares, com a seguinte
ressalva: essa cidadania era o resultado de uma outorga, de uma concessão
por parte das agências de atendimento. Os menores irregulares não eram
reconhecidos como titulares de direitos, mas como portadores de
necessidades, clientes e não propriamente cidadãos [...] (LIMA, 2001, p. 58).

O período menorista no Brasil, construído nas primeiras décadas do século XX


sob os moldes dos Códigos de Menores de 1927 e 1979 serviu apenas para
normatizar a pobreza e institucionalizar crianças e adolescentes utilizando como
doutrina a pedagogia do trabalho (LIMA e VERONESE, 2012, p. 43). Evidencia-se,
que há uma adversidade na absorção na questão do menorismo, no qual não
interpretam à uma mera questão terminológica, mas de incapacidade de transposição
inscrita no Código de Menores de 1979 e sua Doutrina da Situação Irregular e
energicamente aferida para uma doutrina jurídica cujo centro são crianças e
adolescentes e suas garantias, agora como sujeitos de direitos.

2.3 A PROTEÇÃO INTEGRAL

A Proteção Integral foi uma expressão acolhida pelo legislador ao positivar a lei
8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (Estatuto): “Esta
Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.” Alterando de maneira
radical a maneira como as crianças e adolescentes eram vistos pela sociedade e pelo
19

Estado, modificando todo o sistema jurídico da época e todo seu conteúdo está
baseado na convenção da ONU sobre os direitos da criança de 1989.
O Estatuto, por conseguinte, vem em resposta à nova orientação constitucional
e à normativa internacional relativa à matéria, deixando claro, desde logo, seu objetivo
fundamental: a proteção integral de crianças e adolescentes (DIGIÁCOMO, 2013, p.
3). O Estatuto divide-se em dois livros: o primeiro trata da proteção dos direitos
fundamentais à pessoa em desenvolvimento e o segundo trata dos órgãos e dos
procedimentos protetivos. Nele encontram-se os procedimentos de adoção, a
aplicação de medidas socioeducativas, do Conselho Tutelar e dos crimes cometidos
contra crianças e adolescentes.
Basicamente, a doutrina jurídica da proteção integral adotada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente estabelece três princípios, a saber: Criança e adolescente
como sujeitos de direito (deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de
direitos), destinatários de absoluta prioridade e respeitando a condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (FERREIRA e DOI, 200?, p. 2). O princípio da proteção
integral se desdobra em três vertentes principais: prioridade absoluta, melhor
interesse e municipalização. Com relação ao primeiro, vemos o art. 4º do ECA:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude.

Na visão de Veronese (2013, p. 46) a Convenção sobre os Direitos da Criança,


em seu preâmbulo, lembra os princípios básicos, tais como a liberdade, a justiça e a
paz, os quais reconhecem que toda criatura humana é possuidora de dignidade e de
direitos humanos iguais e inalienáveis, de modo que os povos das Nações Unidas,
consoante esse entendimento, decidiram priorizar o progresso social, o que implica
elevação do nível de vida deles. Nesse contexto, Espezim dos Santos (2017, p. 31)
traz que a Proteção Integral nomeada pelo primeiro artigo do Estatuto é a mais
20

especial em termos do sujeito criança/adolescente e mais ampla no sentido de


abrangência de aspectos da vida integral do sujeito.
Uma apreciação similar já se encontrava inscrita na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) por intermédio de seu art. 227,
diretamente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

Apesar de o art. 227 da Constituição da República definir, em seu caput, de


direitos fundamentais e, portanto, ser de aplicação imediata, coube ao Estatuto da
Criança e do Adolescente a construção sistêmica da doutrina da proteção integral.
Neste artigo da Constituição os princípios elementares, basilares da doutrina da
proteção integral estavam incorporados, sendo um período em que se ganha o
reconhecimento da condição de sujeito de direitos.
No dizer de Veronese (2013, p. 49) com a Doutrina da Proteção Integral toda
criança e adolescente passam a ser merecedores de direitos próprios e especiais que,
em razão de sua condição específica de pessoas em desenvolvimento, estão a
necessitar de uma proteção especializada, diferenciada e integral. Ademais, ainda de
acordo com Veronese “a construção de um novo ordenamento jurídico que se
ocupasse seriamente dos direitos da infância e da adolescência era de caráter
imprescindível, pois havia uma necessidade fundamental de que estes passassem da
condição de menores, de semicidadãos, para a de cidadãos (...)”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente significou uma absoluta
descontinuidade com a legislação anterior que tratava da questão menorista. Na
opinião de (SILVA, 1999, n.p) o Estatuto, tendo por fonte material o fenômeno da
violência contra crianças e adolescentes e a chamada “questão do menor”, aparece
como uma resposta humanitária à injustiça vivida por milhões de seres em situações
de vulnerabilidade.
Para Lima (2001, p. 93) através da universalização, ao se referir à criança e ao
adolescente como seus destinatários diretos, o Direito da Criança e do Adolescente
estabelece uma verdadeira ruptura com a simbologia básica e com a semântica do
menorismo, que tinha como seu sujeito fundamental, mais objeto que sujeito, o "menor
21

irregular", ou "menor em situação irregular", ou, simplesmente, "menor", no sentido de


carente, abandonado, inadaptado e infrator.
Por isso é tão importante abolir o uso do termo “menor”, que além de extremo
distanciamento com o que se vive hoje no ECA, vincula a um conteúdo pejorativo,
ligado à ideia de pessoa inferior, desprovida de direitos. Para Ferreira e Doi (200?, p.
3) com a nova doutrina crianças e adolescentes vítimas, abandonados, autores de ato
infracional ou não devem receber o mesmo tratamento legal, vedada qualquer
discriminação.
Segundo Zanella (2019, p. 1756) o modelo, denominado tutelar, trouxe, para o
Estado, a tutela da criança, que se refere ao poder de política pública do Estado de
intervir contra um pai ou guardião legal, retirando o pátrio poder dos genitores,
especialmente quando pobres. No modelo tutelar, o termo “menor” deixou de ser
utilizado apenas para marcar a diferença em relação à idade do adulto, ou uma
contraposição matemática de oposição ao termo maior, mas passou a significar um
conceito que segrega e diferenciava as crianças e os adolescentes pertencentes a
uma determinada condição social e a um modelo de família nuclear burguês; o menor
se tornou a criança pobre, pertencente às famílias que também foram estigmatizadas
como desestruturadas, porque não obedeciam ao modelo estabelecido pela
burguesia.
No entendimento de Lima (2001, p. 93) a atitude inovadora do Estatuto
demonstra, desde suas estruturas simbólicas e linguísticas, o seu compromisso com
a proteção integral de crianças e adolescentes e propicia a negação da cultura jurídica
de discriminação e de estigmatização dos "menores irregulares", própria do
Menorismo. A partir da construção e do uso teórico-dogmático do termo "menor",
funcionava como um programa de controle repressivo da parcela da população
infantoadolescente originária dos setores pobres da sociedade, vistos por segmentos
das elites como sinônimo de "sociedade marginal".
O ECA surge diante de uma conjuntura pertencente à normatização e
mobilização das classes sociais, das organizações não governamentais e da
sociedade geral em torno da infância. De acordo com Ferreira e Doi [200?, p. 3] “[...]
com a nova doutrina crianças e adolescentes ganham um novo “status”, como sujeitos
de direitos e não mais como menores objetos de compaixão e repressão, em situação
irregular, abandonados ou delinquentes. Atendendo políticas de atendimento à
criança e ao adolescente, priorizando a sua dignidade e a sua cidadania”.
22

Urge esclarecer que com a promulgação do Estatuto antigos Juízes de


Menores (que muitas possuíam poderes legislativos); diversos Promotores de Justiça,
tidos como defensores, Curadores de Menores e muitos Delegados de Polícia, que
“sempre procuram o bem-estar e o melhor para o menor”, passam a se submeter à
estrita legalidade e com formalidades processuais (SILVA, 1999, n.p). No qual
Entidades Públicas e Privadas de “Proteção ao Menor”, agora sujeitas à orientação,
acompanhamento e fiscalização das comunidades através dos Conselhos e do
Ministério Público, acostumadas ao autoritarismo, criticavam as novas normas e
resistiram com práticas da antiga Doutrina da Situação Irregular.
A distinção cumprida outrora não mais subsiste na Doutrina da proteção
integral, como relata Machado (2003, p. 146) a seguir:

Em suma, o ordenamento jurídico cindia a coletividade de crianças e


adolescentes em dois grupos distintos, os menores em situação regular e os
menores em situação irregular, para usar a terminologia empregada no
Código de Menores brasileiro de 1979. E ao fazê-lo não reconhecia a
incidência do princípio da igualdade à esfera das relações jurídicas
envolvendo crianças e adolescentes. Hoje não. Se o Direito se funda num
sistema de garantias dos direitos fundamentais das pessoas, e no tocante a
crianças e adolescentes um sistema especial de proteção, às pessoas (entre
elas crianças e adolescentes) necessariamente têm um mesmo status
jurídico: aquele que decorre dos artigos 227, 228, e 226 da CF e se cristalizou,
na lei ordinária, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há mais uma
dualidade no ordenamento jurídico envolvendo a coletividade crianças e
adolescentes ou a categoria crianças e adolescentes: a categoria é uma e
detentora do mesmo conjunto de direitos fundamentais; o que não impede,
nem impediu, o ordenamento de reconhecer situações jurídicas específicas e
criar instrumentos para o tratamento delas, como aliás, ocorre em qualquer
ramo do direito.

A construção de um novo ordenamento jurídico que se ocupasse seriamente


dos direitos da infância e da adolescência era de caráter imprescindível. Como
descrito por Veronese (2013, p. 50) havia uma necessidade fundamental de que estes
passassem da condição de menores, de semicidadãos, para a de cidadãos, e mais,
trouxe a grande possibilidade de construirmos o paradigma de sujeitos, em oposição
à ideologia e de toda uma práxis que coisificava a infância. Na medida em que
reconhece a criança e ao adolescente como sujeitos de direitos, e não meros “objetos”
da intervenção estatal.
A condição de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos torna ainda
obrigatória sua oitiva sempre que em jogo estiver a necessidade de salvaguarda de
seus direitos, seja por parte dos pais ou responsável, seja por parte do Estado (lato
23

sensu) (DIGIÁCOMO, 2013, p. 5). Essa categoria encontra sua expressão mais
significativa na própria concepção de direitos humanos de Lefort: “o direito a ter
direitos”, ou seja, da dinâmica dos novos direitos que surge a partir do exercício dos
direitos já conquistados (LEFORT, p. 58, apud VERONESE, 2013, p. 49). Desse ponto
de partida, o sujeito de direitos seria o indivíduo apreendido do ordenamento jurídico
com possibilidades de, efetivamente, ser um sujeito-cidadão. Segundo Lima,

Ao se constituir no Direito destinado à criança e ao adolescente em geral,


independentemente de raça, cor, situação social, econômica, ou qualquer
outra forma de discriminação, o Direito da Criança e do Adolescente constitui
uma autêntica “Carta de liberdade” da criança e do adolescente brasileiro,
tardiamente identificados como sujeitos de direitos fundamentais gerais e
especiais, na sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento (LIMA,
2001, p. 93).

Como caracteriza Lima e Veronese, a Doutrina da Proteção Integral reconhece


que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, compreendidos como pessoas
em processo de desenvolvimento e que, em razão disto, gozam de absoluta prioridade
na consolidação de seus direitos fundamentais, principalmente no campo das políticas
públicas (LIMA e VERONESE, 2012, p. 9). O Estatuto ao conceder ao infanto-
adolescente a titularidade de direitos fundamentais, e por esse motivo, o
reconhecimento da condição de sujeito de direitos, o fez desvencilhado de velhas
doutrinas e velhas concepções.
Ressalta-se que se impulsione sobre os grandes eixos norteadores da Lei nº
8.069/90: o da descentralização e o da participação. Segundo Veronese (2013, p. 50)
a implementação desse primeiro princípio – descentralização – deve resultar numa
melhor divisão de tarefas, de empenhos, entre a União, os Estados e os Municípios,
no cumprimento dos direitos sociais. No que tange à participação, esta importa na
atuação sempre progressiva e constante da sociedade em todos os campos de ação.
Segundo Bosch García (1999, p. 95) com a aprovação da Lei federal n° 8.069,
de 13 de julho de 1990, tivemos a consagração de um direito que, além de explicitar
os direitos gerais e específicos de crianças e adolescentes, propõe uma nova gestão
desses direitos, através da explicitação de um sistema de garantia de direitos que
atende ao cumprimento do art. 86 do Estatuto, “através de um conjunto articulado de
ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.”
24

O Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu um novo paradigma na


legislação brasileira, definindo novos papéis para os vários atores sociais: juízes,
polícias, representantes do Ministério Público, governantes, e, sobretudo, a sociedade
civil organizada. Através dos Conselhos de Direitos é chamada a participar na
elaboração, controle e avaliação das políticas públicas relacionadas à criança e ao
adolescente. E através dos Conselhos Tutelares é encarregada de fazer valer os
direitos dessa categoria social de cidadãos: as crianças e os adolescentes (PORTO,
1999, p. 18). Dentre as inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
podemos destacar, justamente, a possibilidade de cobrar do Estado o cumprimento
de determinados direitos previstos na Constituição Federal e regulamentados pela Lei
nº 8.069/90.
Na visão de Veronese (2013, p. 52) diante das colocações acerca da
interposição de demandas que visam tornar mais explícitos os direitos da criança e do
adolescente, possibilitam à sociedade uma maior conscientização no que tange ao
seu papel de contínua reivindicação dos citados direitos e interesses; também, o
próprio Poder Judiciário passa ser encarado como um instrumento de expansão dessa
cidadania, pois suas sentenças, se definidoras dos direitos pleiteados, irão ensejar
determinadas realizações por parte do Poder Executivo, notadamente no campo
social.
O acesso à Justiça, o qual não pode ser entendido como mera capacidade de
ingressar em juízo, tem em seu fundamento a necessidade de uma maior politização
por parte das camadas populares. Nesse sentido, o entendimento de que toda pessoa
humana é sujeito de direitos faz-se imprescindível na formulação do conceito de
cidadania, isto é, como a condição que identifica os direitos e garantias dos indivíduos,
os quais já satisfeitos em suas necessidades humanas básicas, tenham condições,
quer enquanto indivíduos singularmente considerados, quer enquanto organizados
em grupos, de participarem efetivamente nos destinos da sociedade e da vida política
do país.
Para que possamos ter uma melhor compreensão acerca da adoção de
crianças e adolescentes ao longo do tempo, no próximo capítulo faremos um breve
resgate histórico acerca do tema chegando até a atualidade.
25

3 ADOÇÃO

Ao contrário do que se imagina, a filiação adotiva não é um instituto tão recente.


A adoção foi reconhecida primeiramente pelo Código de Hamurabi (1728-1686 a.c),
expandindo-se no Egito, Caldéia e na Palestina. Como apontam Silva, Mesquita e
Carvalho (2010, p. 192), nesta mesma época (Antiguidade), a adoção atendia às
pregações religiosas, sendo vista como o último recurso de uma família sem filhos a
dar continuidade à sua crença, seu culto.
Ainda de acordo com Silva, Mesquita e Carvalho, na Idade Média a adoção caiu
em declínio por um longo tempo devido à preocupação dos feudos com a
consanguinidade e a falta de preocupação com as crianças na época. Após a
Revolução Francesa (1789), Napoleão Bonaparte resolveu incluir a adoção no Código
Civil ao descobrir que sua esposa era estéril. Porém, as leis eram rígidas e não se
preocupava primeiramente com o bem-estar do adotado.
De acordo com Santoucy e Conceição (2016, p.186, MOTA et al., 2011;
COSTA, 2006; SILVA et al., 2012) a adoção trata da modalidade que confere a
condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, até mesmo os
sucessórios, sendo a forma mais plena de família substituta. É uma filiação
exclusivamente jurídica que se sustenta sobre uma relação afetiva, independente da
relação de parentesco de consanguinidade ou de afinidade. Extingue o poder familiar
dos genitores e qualquer vínculo com parentes consanguíneos. Estabelece relação
de parentesco do adotando com os adotantes (relação paterno-filial) e com seus
descendentes e todos os seus parentes.
Neste capítulo será apresentado a adoção de crianças teve diferentes sentidos
ao longo da história do Brasil, chegando até as últimas décadas, no qual a adoção do
infantoadolescente passou a ser objeto recorrente de projetos de alterações
legislativas brasileiras que, procuram acompanhar mudanças das famílias, mas
também no conjunto de deveres, direitos e responsabilidades que atravessam essa
mesma sociedade e suas relações com o Estado.

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL

A primeira lei direcionada à adoção, no Brasil, foi datada de 1828, mas somente
o Código Civil de 1916 (CC/16) sistematizou o assunto, impondo que qualquer pessoa
26

sem filhos biológicos e com idade superior a 50 anos podia adotar uma criança através
de um contrato com os pais legítimos. Porém, o adotando deveria ser dezoito anos
mais velho que o adotado (SILVA, MESQUITA e CARVALHO, 2010, p. 192). Enquanto
o CC/16 esteve em vigência, a filiação adotiva tinha caráter assistencial, sendo
considerada um meio de salvação para o adotado, pois entendia-se que haveria uma
melhora na sua condição econômica e moral (FALCÃO, 2017, p. 18).
A partir da metade do século XIX tivemos importantes mudanças no que tange
à proteção da infância e da adolescência no Brasil e especificamente em relação aos
processos de adoção, principalmente a partir da criação de legislações e de políticas
sociais. Todavia os textos normativos que tratavam da adoção ao longo dos séculos
preservavam um modelo de adoção que servia mais para famílias sem prole gerar
descendentes do que propriamente para se encontrar família a quem se acha privado
desse tipo de relação (NAKAMURA, 2019, p. 179). A adoção sob um ideal de família
centrado no interesse adulto influenciou leis brasileiras e persistiu por gerações.
Antes do século XX, como não havia regulamentação por lei quanto às
adoções, os futuros pais buscavam junto a Roda dos Expostos, o filho desejado. As
adoções realizadas de modo informal fazem parte da história do Brasil, diferentemente
de outros países em que já existia o acolhimento institucional de crianças em
situação de abandono (GOES, 2014, p. 46). Ainda de acordo com Goes, no Brasil o
ato de adotar sempre existiu como forma de diminuir as situações de abandono de
crianças, principalmente para os casais que não conseguiam ter filhos de modo
biológico. De modo geral, até pouco tempo atrás, eram feitas em segredo, com o
objetivo de atender aos anseios dos adultos em detrimento das necessidades das
crianças.
Nesse sentido Goes (2014, p. 47) ressalta ainda que havia também situações
em que as crianças recebiam com frequência a denominação de filhos de criação, já
que eram advindas de outros pais, sendo criadas por terceiros e de modo informal.
Essa forma de ‘adoção’ ocorria sem qualquer documentação legal. Esse método
baseado na informalidade foi bastante empregado e estimulado pela igreja. Por um
lado, se incentivava a caridade, e por outro, havia a perspectiva de inclusão futura da
criança no ambiente da criadagem, ou seja, os agregados poderiam vir a ser uma
mão-de-obra gratuita para as famílias.
Enquanto antes era requisito para ser adotante, era necessário ser maior de 50
anos, não ter filhos e ser 18 anos mais velho que o adotando, com a Lei nº 3.133/1957,
27

houve mudanças, das quais a idade mínima para ser adotante foi alterada para 30
anos, pessoas que já tivessem filhos poderiam adotar e a diferença entre adotante e
adotado deveria ser de 16 anos, no mínimo.
Segundo Silva, Mesquita e Carvalho (2010, p. 192) em 1965, foi criada a
"legitimação adotiva" em que era permitida a adoção somente quando a guarda do
menor fosse estabelecida antes de ele completar sete anos de idade, os pais
biológicos terem destituído o poder ou no caso de criança órfã sem reclamação de um
parente há mais de ano. De acordo com Falcão (2017, p. 19) era aplicada aos
menores em estado irregular por infração, maus tratos ou abandono, tendo como o
objetivo igualar os direitos do adotado aos dos demais filhos do adotante.
No fim do século XX, sob a vigência do Código de Menores de 1979, o sistema
legal ainda tratava a adoção com subtipos que espelhavam uma visão de crianças e
adolescentes como objetos tutelados pelo interesse adulto: crianças “em situação
irregular” poderiam ser adotadas de uma forma “simples”, ou em sua forma “plena”,
com maior legitimação. Admitia-se ainda a adoção civil, por escritura pública em
cartório, similar a contratos de compra e venda (NAKAMURA, 2019, p. 180). Esse
modelo de objetificação só rompeu pelas indagações e denúncias de movimentos
sociais que floresceram com a redemocratização após o fim do regime militar e que
conduziram o país a sua atual Constituição.
Em 1979, entrou em vigor a Lei nº 6.697 (Código de Menores), o qual
determinou a divisão do instituto da adoção em duas espécies. A adoção simples, em
que consistia quando o infantoadolescente menor de 18 anos em situação irregular
convivia com a família adotiva, mas não perdia o contato com a família biológica, além
disso, não tinha os mesmos direitos dos filhos legítimos e podia ser anulada; e, a
adoção plena, em que se tinha o afastamento do adotado da sua família de origem,
tendo caráter irrevogável. Segundo Silva, Mesquita e Carvalho (2010, p. 193) dentre
os requisitos dos adotantes, a idade mínima era de 30 anos para um dos cônjuges,
exigia ter cinco anos de matrimônio sem filhos, que poderia ser dispensada na
hipótese de esterilidade de um dos cônjuges, desde que provada a estabilidade
conjugal.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o tratamento passou a
ser igualitário entre os filhos, independentemente da sua origem, admitiu também a
ideia do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, como os principais
interessados no processo de adoção.
28

O princípio do melhor interesse deve orientar tanto o legislador quanto o


aplicador das leis, determinando a prioridade das necessidades da criança e do
adolescente como critério interpretativo da lei, de solução de litígios e de elaboração
de novos regramentos. Dessa forma, deve orientar tanto o legislador quanto o
aplicador das leis, determinando a prioridade das necessidades do infantoadolescente
como critério interpretativo da lei, de solução de litígios e de elaboração de novos
regramentos.
Com o surgimento da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
os procedimentos necessários para a adoção, criando a fase de habilitação para
pretendentes à adoção e a lista de adotantes e de crianças disponíveis (FALCÃO,
2017, p. 19). De acordo com Espezim dos Santos (2020, p. 318) ao lado da Guarda e
da Tutela, a Adoção tem como principal norte, o Direito Fundamental à Convivência
Familiar e Comunitária preconizado para pessoas com idade entre zero e dezoito
anos. Outra marca do instituto em estudo, é sua irrevogabilidade: adotados e adotadas
passam à condição de filhos e filhas e esse reconhecimento é definitivo, gerando
registro de nascimento novo sem alusão ao fato da adoção.
Ressalta-se que a guarda, conforme traz o Estatuto, em seu Art. 33, obriga a
prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente,
conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Ou seja,
ela destina-se à regularização da posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou
incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por
estrangeiros, como complementa o §1º, do referido artigo.
Agora, homens e mulheres maiores de 18 anos passam a ter o direito de adotar
(desde que sejam, no mínimo, 16 anos mais velhos que o adotado); independente do
seu estado civil, desde que ofereçam um ambiente adequado à criança/adolescente
e que não sejam ascendentes ou irmãos do adotando ou que causem algum prejuízo
ao adotando. Também foi definido que a adoção se tornará irrevogável. Com uma
visão de sociedade e de cidadão trazida pela Constituição Federal e pelo ECA eram
incompatíveis com as normas menoristas que por séculos determinaram as adoções
no país.
Adiante, surge a Lei nº 12.010/2009, conhecida como a Lei Nacional de Adoção
(LNA), a qual determinou expressamente que o ECA regulariza os casos de adoção
envolvendo crianças e adolescentes, porém, seus princípios também seriam aplicados
à adoção dos maiores de idades, ordenado pelo Código Civil.
29

Para Calado, Ribeiro e Aurino (2016, p. 64) a Nova Lei de Adoção foi um marco
na consolidação de direitos sociais dos diversos sujeitos envolvidos no que concerne
à expressão social do abandono e semiabandono na nossa sociedade, pois modificou
o Estatuto da Criança e do Adolescente no que diz respeito ao funcionamento dos
acolhimentos institucionais (abrigos), aos processos de destituição do poder familiar
e às medidas pertinentes à inclusão de crianças e adolescentes em famílias
substitutas.
De acordo com a LNA, diante da impossibilidade da permanência da criança e
do adolescente com a família natural, esses serão colocados sob adoção, tutela ou
guarda, observadas as regras e princípios contidos no Estatuto, e no §2, Art. 1º da
Constituição Federal.

3.2 ADOTANTES

O desejo de ter filhos surge, em geral, quando as pessoas iniciam um


relacionamento conjugal mais sério, através de uma união estável ou um casamento,
até mesmo quando namoram ou estão noivos podem estar pensando nisso, uma vez
que tal situação está ligada à própria natureza do ser humano na busca de dar
continuidade da sua família ou mesmo constituir uma. Conforme dispõe o art. 226, §7º
da CF/88, fundamentado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é percebido como uma livre decisão
do casal. Segundo Falcão (2017, p. 21) os pais têm a liberdade para escolher como
se dará a organização da sua família, não podendo o Estado estabelecer limites. No
caso da adoção, para que se exerça o direito à paternidade ou maternidade, não basta
apenas a manifestação de vontade. É preciso também que sejam preenchidos os
requisitos dispostos na lei, bem como ter condições de estabelecer uma entidade
familiar.
O processo de adoção no Brasil apresenta dificuldades, facilidades e diferenças
no perfil dos adotantes. Estudar o perfil dos adotantes e o processo de preparação
para adotar é uma questão que poderá evitar a devolução, ou o insucesso da adoção.
Segundo Riede e Sartori (2013, p. 149) se a decisão de adotar ocorre por impulso,
foge à verdadeira relação adotiva. Essa consciência implica a incorporação da criança
30

ou do adolescente como expressão da internalização do desejo e da decisão de tê-lo,


pois filho é uma realidade irreversível.
Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) – em
novembro deste ano, existem quase 30 mil crianças e adolescentes abrigadas em
casas de acolhimento e instituições públicas por todo país. Destas, 4.258 estão
totalmente prontas para a adoção (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021).
Ainda de acordo com o SNA, cerca de 25,4% dos candidatos a adotantes desejam
crianças brancas; 33% almejam crianças até 4 anos de idade.
A análise dos perfis do SNA indica que é falsa a crença comum de que os
maiores obstáculos às adoções no Brasil são apenas quanto às questões raciais,
regionais e as tantas variações culturais. O que se nota é que a incompatibilidade
difícil de ser suplantada é, na verdade, o fato de que menos de um quinto dos
pretendentes (17,56%) admitir adotar crianças com oito anos ou mais, enquanto
apenas 34,38% dos que estão no cadastro do CNJ à espera de uma família têm
menos de 9 anos (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021). Em 10 de novembro
deste ano, eram apenas 1.464 de até 9 anos em um universo de 4.258. Por isso, cada
dia que passam nos abrigos afasta as crianças ainda mais da chance de encontrar
um novo lar. Tanto que é inferior a 4% o índice de pessoas prontas a adotar
adolescentes (acima de 12 anos), que por sua vez respondem a quase 45% do total
de cadastrados pelo CNJ.
Porquanto, como apontam Riede e Sartori (2013, p. 147) é preciso que os
adotantes tenham consciência de que para o Judiciário, o processo termina com a
sentença, mas na vida dos envolvidos está apenas começando. Afinal A adoção é um
ato jurídico gerador da relação de parentesco socioafetivo, é um procedimento que
possui inúmeros passos e que se reveste de situações emotivas e racionais,
verificando-se que a adaptação entre a criança e/ou adolescente e a família adotiva é
complexa e delicada.
Na visão de Nakamura (2019, p. 182) há tempos a comunidade jurídica e alguns
segmentos da sociedade brasileira manifestam desconforto diante de uma realidade
inerente à adoção no Brasil, de um expressivo número de crianças e adolescentes
que, separados definitivamente de seus pais e familiares biológicos por intervenção
do Poder Judiciário, não conseguem ser colocados em famílias substitutas. Os fatores
para tal são diversos como idade, pertencimento a grupos de irmãos, etnia e
problemas de saúde, ao passo que os pretendentes habilitados nos cadastros de
31

adoção informam, na maioria dos casos, aceitação de perfil diverso, desencontro que,
ano após ano, faz gerar um acúmulo de crianças, adolescentes e pretendentes à
adoção nesses cadastros, proporcionando longas esperas ou mesmo a inviabilidade
da medida para muitos.
Assim, nota-se que, quanto mais restrições se faça e a maioria dos
pretendentes opte pelo mesmo perfil, o processo de adoção acabará tornando-se mais
duradouro, porém, se as escolhas forem mais abrangentes, mais rapidamente se dará
a adoção.

3.3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTANDOS

A adoção, como hoje é entendida, não consiste em ter pena de uma criança,
ou resolver a situação de casais em conflito, remédio para a esterilidade, ou, ainda,
conforto para a solidão, mas sim atender às reais necessidades da criança, dando-lhe
uma família onde se sinta acolhida, protegida, segura e amada. Para Falcão (2017, p.
22) quando uma criança é abandonada pela família biológica ou sofre ameaça ou
violação a qualquer um de seus direitos fundamentais, tais como: pobreza extrema,
violência física ou sexual e uso de álcool e drogas, a medida protetiva a ser tomada
pelo Poder Público será o seu encaminhamento a uma instituição de acolhimento.
Toda criança tem direito a um lar e uma família e quando a família não tem condições
de criá-la, não possui recursos materiais e muito menos psicológicos, o Estado
intervém e encaminha a criança a uma Instituição para posterior adoção.
Deve-se frisar aqui que a falta ou a carência de recursos materiais não
constituem motivos suficientes para a perda ou a suspensão do poder familiar. Essa
perda do poder familiar ocorre nos seguintes casos, conforme determina o Código
Civil de 2002:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente;
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
32

Isso significa que, ao observarmos o fenômeno de circulação de crianças,


devemos circunscrever qual seu contexto social de recorrência e de visibilidade não
como um determinante, mas como um dos elementos que permitem compreender as
lógicas envolvidas que não estão de acordo com o modelo dominante. De acordo com
Santoucy e Conceição (2016, p. 180 apud Fonseca, 2006)) ainda que a privação
econômica seja em muitos casos um fator chave, devemos entender que somente a
miséria familiar não pode explicar o fenômeno, sendo, portanto, necessária uma
avaliação adequada dos fatores sociais e culturais que medeiam essa prática.
O termo circulação de crianças foi usado primeiramente por etnólogos para
designar práticas em sociedades não ocidentais que se assemelham à adoção; refere-
se a toda transação pela qual a responsabilidade de uma criança é transferida de um
adulto para outro, e se contrapõe à adoção legal, que implica a transferência
permanente e total dos direitos e deveres parentais conforme a legislação
contemporânea (SANTOUCY e CONCEIÇÃO, 2016, p. 178). Nesse formato, pode-se
dizer que a adoção e até o abandono podem ser consideradas modalidades desse
fenômeno geral. Ainda de acordo com Santoucy e Conceição, isto é, situação em
certas culturas em que a criança deixa a família natural para ser criada por outros
adultos, podendo até contar com colaboração dos pais biológicos nesse processo em
que a transferência é parcial e revogável.
O art. 24 do ECA prevê que: “a perda e a suspensão do poder familiar serão
decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na
legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres
e obrigações a que alude o art. 22”.
A depender da situação jurídica da criança a ser decidida, as possibilidades
são: o retorno à família biológica ou a inserção em uma família substituta. Conforme
a Nova Lei de Adoção, a prioridade para a reintegração da criança à uma família será
para a família biológica (FALCÃO, 2017, p. 22). Caso seja concluído que as chances
de retorno para aquela família são mínimas, ocorrerá a destituição do poder familiar
e, posteriormente, será feita a inscrição da criança no Cadastro Nacional de Adoção.
Ainda segundo Falcão (2017, p. 22 apud DIAS, 2016, p. 499) a preferência dada aos
pais biológicos só veio a dificultar o processo de adoção, pois contraria um dos
principais objetivos da Nova Lei, que é reduzir o tempo de permanência das crianças
e adolescentes em instituições.
33

O Cadastro Nacional de Adoção é uma nova ferramenta forense, o processo


de adoção é exclusivamente mediado pelo poder judiciário de forma unificada, sendo
a adoção legalizada em juízo, o que garante os mesmos direitos dos filhos biológicos
aos filhos adotivos (CALADO, RIBEIRO e AURINO, 2016, p. 62). O CNA foi criado
para melhor atender esse público alvo, levando em consideração a longa permanência
de crianças e adolescentes abandonadas ou semiabandonadas em instituições de
acolhimento, sem quaisquer perspectivas de mudanças de vida.
Após adotados, essas crianças e adolescentes passam a ser filhos de fato,
inseridos na dinâmica da família substituta, e filhos de direito, levando em
consideração que os genitores foram destituídos do poder familiar e substituídos pelos
requerentes. Após o processo ser concluído, são expedidos novos documentos do
adotado, incluindo os nomes dos novos pais.

3.4 PROCESSO DA ADOÇÃO

O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e


Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção
é 18 anos, respeitando a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança
a ser acolhida. Respeitando os critérios etários, todos podem adotar: pessoas
solteiras, viúvas ou que vivem em união estável, além de casais homoafetivos.
Ademais, não há renda familiar mínima. Não podem adotar avós ou irmãos da
criança/do adolescente em condições de ser adotada.
Como caracteriza Falcão (2017, p. 24) ao analisar o processo de adoção,
verifica-se que este se divide em duas fases: a de habilitação dos que pretendem
adotar e a do acolhimento da criança ou adolescente pela guarda provisória, para
tornar-se definitiva após o deferimento da adoção por meio de sentença judicial.
De acordo com o art. 197-f do Estatuto o prazo máximo para conclusão da
habilitação à adoção será de 120 dias, prorrogável por igual período, mediante
decisão fundamentada da autoridade judiciária. Acompanhando a apostila do Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento disponibilizada no site do CNJ, segue o primeiro
passo da adoção:
34

1ª) O pretendente deve acessar o site www.cnj.jus.br/sna e realizar pré-


cadastro com a qualificação completa, dados familiares e perfil da criança ou
do adolescente desejado. A seguir, deve procurar o Fórum ou a Vara da
Infância e da Juventude da sua cidade ou região, com seus dados de sua
qualificação completa e dados familiares, portando os seguintes documentos
[...] (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 22).

Uma das fases mais importantes e esperadas pelos adotantes, é a Avaliação


da equipe interprofissional. Nessa etapa, serão avaliados por uma equipe técnica
multidisciplinar do Poder Judiciário. Na qual tem por objetivo conhecer as motivações
e expectativas; analisar a realidade sociofamiliar; avaliar, por meio de uma criteriosa
análise, se o postulante à adoção pode vir a receber criança/adolescente na condição
de filho; identificar qual lugar ela irá ocupar na dinâmica familiar, bem como orientar
os postulantes sobre o processo adotivo. Nesse contexto, Espezim dos Santos (2020,
p. 341) esclarece que:

No que pertine ao continuum do Processo de Habilitação de Pretendentes à


Adoção, assim que certificada a conclusão da participação desses, a
autoridade judiciária deve decidir em 48 horas sobre eventuais diligências do
Ministério Público, determinará a juntada de estudo psicossocial - pela equipe
interprofissional judicial - e designará audiência de instrução e julgamento, se
for o caso. Em caso de não serem 25 requeridas ou de serem indeferidas as
diligências, segue-se a juntada do estudo psicossocial, vistas ao Ministério
Público e a decisão sobre a Habilitação, os dois atos no prazo de cinco dias
cada um (Estatuto, Art. 197-D, caput e parágrafo único).

Para Riede e Sartori (2013, p. 149) a equipe interprofissional assume papel de


relevante importância para o sucesso nas adoções. Ter boa formação, embasamento
psicológico que lhes permita compreender profundamente as emoções complicadas
e conflitantes, valorizando o sentimento de gosto e de desgosto, bem como a angústia
dos adotantes, tende a favorecer a abertura de manifestações íntimas ligadas à
verdadeira motivação de adotar.
Outra etapa desse processo adotivo é a Participação em programa de
preparação para adoção. Esse é outro requisito legal, previsto no ECA, para quem
busca habilitação no cadastro de adoção. Atuando no oferecimento do efetivo
conhecimento sobre a adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial,
fornecendo informações que possam ajudar os postulantes a decidirem com mais
segurança sobre a adoção, preparando e orientando os pretendentes a superar
possíveis dificuldades que possam existir durante a convivência inicial com a
criança/adolescente.
35

Para Espezim dos Santos (2020, p. 345) a previsão de atuação da equipe


interprofissional a produzir estudo psicossocial, além de encampar e garantir a
frequência dos pretendentes no Programa de Preparação, completa uma gama de
medidas e práticas institucionais interligadas suficientes, desde que concebidas por
dentro da concepção protetiva e não adultocêntrico. No dizer de Rezende (2014, p.89)
além da obrigatoriedade de apresentação de todos os documentos previstos na
legislação de regência, é obrigatória a participação dos postulantes em programa
oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude que inclua preparação psicológica,
orientação e estímulo.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2019, p. 23) sempre que possível e
recomendável, a etapa obrigatória da preparação incluirá o contato com crianças e
adolescentes em acolhimento familiar ou institucional, a ser realizado sob orientação,
supervisão e avaliação da equipe técnica.
Seguindo o processo de adoção, ocorre uma análise do requerimento pela
autoridade judiciária. É a partir do estudo psicossocial, da certificação de participação
em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, que o
juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.
Encerrada a etapa de frequência a curso e avaliação por equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, ouvido o Ministério
Público, o magistrado delibera a inclusão do requerente no Cadastro Nacional de
Adoção (REZENDE, 2014, p. 89). A habilitação do postulante à adoção é válida por
três anos, podendo ser renovada pelo mesmo período. É muito importante que o
pretendente mantenha sua habilitação válida, para evitar inativação do cadastro no
sistema.
Assim, quando faltarem 120 dias para a expiração do prazo de validade, é
recomendável que o habilitado procure a Vara de Infância e Juventude responsável
pelo seu processo e solicite a renovação (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2019, p. 26). Com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados do
postulante devem ser inseridos no sistema nacional, observando-se a ordem
cronológica da decisão judicial.
Passa-se agora para a busca de uma família para a criança/adolescente, cujo
perfil corresponda ao definido pelo postulante, este deve ser contatado pelo Poder
Judiciário, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro. Será apresentado o
36

histórico de vida do infantoadolescente ao postulante e, se houver interesse, será


permitida aproximação com ele.
Durante esse estágio de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe
técnica, é permitido visitar o abrigo onde ela/ele mora; dar pequenos passeios para
que vocês se aproximem e se conheçam melhor. Caso a aproximação tenha sido bem-
sucedida, o postulante iniciará o estágio de convivência. Nesse momento, a criança
ou o adolescente passa a morar com a família, sendo acompanhados e orientados
pela equipe técnica do Poder Judiciário. Esse período tem prazo máximo de 90 dias,
prorrogável por igual período.
A apostila do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 28) explica que:

Contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência, os


pretendentes terão 15 dias para propor a ação de adoção. Caberá ao juiz
verificar as condições de adaptação e vinculação socioafetiva da
criança/adolescente e de toda a família. Sendo as condições favoráveis, o
magistrado profere a sentença de adoção e determina a confecção do novo
registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Nesse
momento, a criança/adolescente passa a ter todos os direitos de um filho.

Essa é a finalidade da adoção: oferecer um ambiente favorável ao


desenvolvimento de uma criança que, por algum motivo, ficou privada de sua família
biológica. De acordo com a Agência Senado (2020) há no Congresso um Projeto de
Lei do Senado (PLS) 31/2017, da senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), que
estipula o prazo máximo de um ano para a conclusão do procedimento de adoção,
depois de iniciado o estágio de convivência. A convivência começa quando os pais
levam o filho que pretendem adotar para casa e os profissionais da equipe
multidisciplinar da Justiça passam a avaliar a adaptação da nova família em formação.
O Estatuto não estabelece um período específico, apontando apenas que a
adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo
prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. Com o
projeto, o processo terá de ser concluído em até 12 meses.
Também com a ideia de acelerar procedimentos, o PL 5.449/2019, da senadora
Mailza Gomes (PP-AC), procura liberar as crianças o mais rapidamente possível para
a convivência com suas novas famílias. O texto estabelece que as decisões que
deferiram a adoção ou a destituição de poder familiar e estejam pendentes de recurso
perante tribunais superiores deverão produzir efeitos imediatos, caso os detentores
37

originais do poder não estejam presentes no processo, ou seja, com decisões à revelia
dos pais biológicos e com recursos apresentados pela Defensoria Pública.
É fundamental considerar, que o êxito de uma adoção não está somente na
agilidade nos trâmites legais, mas, principalmente, na efetivação do vínculo afetivo
que se estabelece entre as partes. Para a criança ser acolhida e se tornar parte do
imaginário parental, ela deve ser aceita em sua singularidade. O acolhimento deve vir
dos pais adotivos, a partir da identificação da sua própria capacidade procriadora e
pró-cuidadora, tornando-se capazes de gestar psiquicamente o filho, a fim de assumi-
lo como seu.
Quando o êxito da adoção não ocorre e o adotante realiza a devolução do
adotando, muitas das vezes esse infanto adolescente retorna à instituição de
acolhimento abalado psicologicamente. Identificar se há reparo à esse dano é o que
veremos no capitulo à seguir.
38

4 DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ADOTADOS

Devoluções ocorrem em três situações, seja durante o estágio de convivência,


em que a adoção definitiva ainda não foi efetivada, depois da adoção formalizada ou
quando a família tem a guarda da criança. Identificar as possíveis causas de perigo
para a inclusão da criança na condição de filho deve ser requisito essencial e
obrigatório ao momento que antecede a adoção, ou seja, no pedido de habilitação dos
candidatos.
A desistência do adotante em relação à guarda para fins de adoção ou a
devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença
de adoção importará na sua exclusão do sistema de adoção e na vedação de
renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das
demais sanções previstas na legislação vigente (RIEDE e SARTORI, 2013, p. 149). O
Estatuto prevê nesse mesmo formato aqui adotado, no §5° Art. 197-e, ao criar a
exclusão do cadastro de adotantes e a vedação de renovação da habilitação para o
mesmo fim em casos de ocorrência de um desses dois fenômenos.
Para Espezim dos Santos (2020, p. 328) a desistência tem sido utilizada como
o ato de mudar de ideia em meio ao processo de adoção, ainda antes da sentença
transitada em julgado. A lei acolhe essa possibilidade, já que a irrevogabilidade surge
apenas do trânsito em julgado da sentença.
A fim de aprofundar o exposto, na próxima seção serão apresentados alguns
aspectos destacados referentes à desistência ou devolução do infantoadolescente
adotado e à análise particular dos efeitos causados às crianças e adolescentes.
Será também apresentado o resultado da problematização da presente
pesquisa e consolidado o objetivo geral deste trabalho monográfico. Pretende-se fazer
uma breve incursão sobre o entendimento presentes em dois julgados aptos a análise
qualitativa da responsabilização de adotantes que devolvem crianças e adolescentes
adotados, assinalando circunstâncias de sua estrutura, bem como, as punições
aplicadas aos adotantes.
.
39

4.1 MOTIVOS PARA A DEVOLUÇÃO

Um dos principais problemas é que há pessoas que sonham com o “filho ideal”
e, quando confrontados com os desafios de educar uma “criança real”, não dão conta
de lidar com “imperfeições que, em filhos biológicos, seriam toleradas. São casos
como quando a criança é adotada mais velha, no qual traz consigo componentes que
devem ser trabalhados. A adoção tardia é bastante comum, mas complicada, pois a
maioria dos casais habilitados prefere bebês por julgar mais fácil a adaptação, o que
efetivamente acontece, uma vez que com crianças acima de três anos de vida, o
estabelecimento do vínculo familiar é mais difícil.
No entendimento de Calado, Ribeiro e Aurino (2016, p. 91) o preconceito está
entre as principais barreiras no que concerne à adoção, pois os adotantes são
motivados a adotar um filho já idealizado anteriormente, ou seja, de preferência
menina, saudável, branca, com até um ano de idade. Na realidade brasileira, as
crianças não correspondem ao perfil de preferência dos adotantes. Ainda de acordo
com Calado, Ribeiro e Aurino enquanto muitas pessoas falam que essa característica
já foi superada, outras pessoas sentem na pele as consequências de ser negro. Essas
escolhas feitas pelos requerentes em relação aos adotandos dificultam a inserção de
muitas crianças institucionalizadas que, neste momento, esperam por uma família.
Partindo desse pressuposto, Carnaúba e Famelli Ferret (2018, p. 124-125)
muitas pessoas não têm conhecimento a respeito de casos de devolução de crianças
adotadas, isso porque na maioria das vezes os casos de adoção dão certo, não
ocasionando grande número de devoluções, mas mesmo diante de diversos casos
que dão certo, existem casos de crianças que são rejeitadas. As devoluções ocorrem
por dificuldades de adaptação de ambas as partes e por conflitos que se revelam na
formação de um novo vínculo. Ainda de acordo com Carnauba e Famelli Ferret, o
processo de abandono pelos pais biológicos, a passagem pela instituição de abrigo,
o processo de decisão de adoção no qual vem como consequência da solução da
esterilidade entre outros, trazem consequências no que diz respeito ao sucesso da
adoção. Tais questões influenciam diretamente na relação entre adotados e
adotantes.
Destaca-se que os pretendentes têm a possibilidade de conhecer a história
pregressa da criança, o acesso a fotografias e até conhecê-la pessoalmente, sem que
ela saiba de suas intenções.
40

Outro ensinamento, Nakamura (2019, p. 185) traz sobre a variedade de


literatura técnica de referência sobre adoção advertindo sobre a inconveniência de
pretensões altruístas, benevolentes, benfazejas, caritativas, religiosas e
assistencialistas nas adoções. Essa característica é presente em nossa cultura
quando se trata de adoção, competindo aos técnicos do Judiciário observar o quão
determinante tal aspecto é em meio a um projeto adotivo.
As adoções motivadas por boa ação é outra questão de risco para o sucesso
ou não da adoção, pois, nesses casos, a criança pode sentir-se no dever de retribuir
a boa ação dos pais adotivos, e esses pais adotivos podem ter dificuldades em impor
limites nessa criança o que, podem intensificar as dificuldades da relação
(CARNAUBA e FAMELLI FERRET, 2018, p. 125). A adoção está presente de forma
marcante no imaginário social como um ato de bondade humana. Mas como um ato
complexo que é, exige muito mais do que essa dimensão.
As devoluções são resultado de um processo de adoção mal estruturado desde
o início, e por isso se aponta para a importância de acompanhamentos adequados
tanto no que diz antes, durante, e após efetivação da adoção, como modo de evitar
possíveis desistências (CARNAÚBA e FAMELLI FERRET, 2018, p. 125). Nesse
contexto, cabe ressaltar que as crianças aptas para adoção, que vivem em instituições
de acolhimento ou que estão em estágio de convivência, encontram-se em um estado
de vulnerabilidade maior, uma vez que já passaram por uma vivência anterior de
abandono.
Para Rezende (2014, p. 94) a desistência de uma adoção, iniciado o estágio de
convivência, é ato que indubitavelmente causa prejuízos nefastos ao adotando, que
alimenta em si a esperança de que o ato será levado a cabo. O infanto-adolescente,
com a sua pureza, inocência e tranquilidade, não pode esperar algo diverso,
sobretudo tendo um histórico de conflitos por conta de uma paternidade
absolutamente irresponsável. Não seria capaz de exercer uma reserva mental acerca
de seus sentimentos.
Nesse sentido, o mais importante deve ser que os desejos dos adotantes sejam
de integração familiar, esse é o fator que tem mais força para o sucesso da adoção,
ao contrário dos fatores como: infertilidade, boa ação, dentre outros fatores subjetivos,
podem intensificar os conflitos das relações e resultar em consequentes devoluções.
41

4.2 AGRAVO DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO

Quando não ocorre o estabelecimento de um vínculo afetivo familiar de fato


entre adotantes e adotado, poderá ocorrer um duplo abandono, ou a devolução da
criança, que passa a ser vista como problema porque nasce de outra barriga, de
maneira que os adotantes não a sentem como pertencente à família. As marcas
deixadas pelo o que antecede a adoção, influenciarão no relacionamento da criança,
tanto com os adotantes como com o meio social em geral (CARNAUBA e FAMELLI
FERRET, 2018, p. 126). O novo abandono pode interferir diretamente nas relações
da criança com o meio social, pois a criança devolvida pode adquirir comportamentos
como a agressividade, a dificuldade de expressar sentimentos, o medo de confiar
novamente ou até mesmo a negação a uma nova adoção por medo de serem
devolvidas novamente.
Crianças de tenra idade são mais facilmente adotadas, devido a adaptação na
família adotante se dá com maior naturalidade, uma vez que a criança é educada
dentro daquela estrutura, passando a compartilhar os valores passados pelos pais
adotivos. Todavia, a drástica interrupção do vínculo afetivo, por fato exclusivo dos pais
adotivos, acarreta a perda da chance da criança de desenvolver-se material e
emocionalmente no seio familiar. Nesse sentido, o reabandono pode trazer
consequências muito profundas na vida do indivíduo, como constata Carnauba e
Famelli Ferreti (2018, p. 126 apud CRUZ, 2014, p. 20) em sua citação:

Os danos psíquicos a criança e ao adolescente que derivam do reabandono


são, ainda mais, catastróficos que aqueles originados pelo abandono dos pais
biológicos, uma vez que sedimentam uma imagem já construída de rejeição,
inadequação e de infelicidade e não podem passar despercebidos pelo Poder
Judiciário, que vem solidificando entendimento no sentido de não haver
responsabilidade civil do adotante pela devolução do adotando durante o
período de convivência.

De acordo com Falcão (2017, p. 30) a desistência da adoção, após a conclusão


do processo, provoca diversos danos. Tais danos atingem principalmente as crianças,
acarretando desde consequências psicológicas e sociais. No entendimento de Falcão,
em se tratando da criança, ocorre mais um trauma causado pelo abandono.
Ao ser colocado para adoção, o infante tem consigo a decepção de ter sido
rejeitado pela família biológica. No momento em que é adotado, expectativas são
criadas em torno da nova família. Contudo, quando esta decide por devolvê-lo, o
42

sentimento de rejeição volta à tona novamente e, pode-se dizer, de forma mais


acentuada, pois se concerne à rejeição somada à uma rejeição anterior (FALCÃO,
2017, p. 30). Assim, cria-se na criança a ideia de que deve haver algo de errado com
ela, por não ser aceita por nenhuma família. É como se funcionasse como uma bomba
para a sua autoestima, sendo melhor que ela nunca seja adotada a ser adotada e
devolvida.
Há casos em que, após ser devolvido, o infantoadolescente permanece na
instituição de acolhimento até completar a maioridade. No entanto,
independentemente de ser adotado novamente ou não, o trauma se mantém e pode
se manifestar de diversas formas. No dizer de Rezende (2014, p.82) agrava-se, a
“devolução” do adotando, com a consequente desistência da medida de adoção
inicialmente pretendida, pois se provoca no adotando uma ideia de rejeição, que
certamente será gravada em sua alma.
Além do incalculável sofrimento causado pelo fato do reabandono, existe
grande probabilidade de que a criança desenvolva condutas antissociais, prejuízos na
autoestima, no autoconceito e, ainda, pode desenvolver dificuldades nas relações
sociais por conta de sentir que não é merecedora de confiança e amor.
Partindo desse pressuposto, a matéria de Fernandes e Ferreira (2015), pais
adotivos relatam que sua filha, que foi abandonada pelos pais biológicos e por uma
outra família substituta, logo depois de chegar ao novo lar, criou uma rotina de levantar
de madrugada para ver se os pais estavam no quarto, ficando sentada ao lado da
cama, para ter certeza que eles não iriam sair dali, pois, tinha medo de ser
abandonada. Além de certificar se os pais estão no quarto, a pequena também não
gostava de ficar sozinha e sempre buscava a companhia dos pais, na hora de dormir.
Verifica-se que, por mais que a família adotiva tente repassar segurança à
criança quanto à relação de paternidade e maternidade, o trauma causado pelo
abandono é tão intenso, que pode demonstrar resquícios por um longo tempo. Nesse
sentido Falcão (2017, p. 31) expõe que outra consequência causada pelo abandono
é a dificuldade das crianças em estabelecer relações afetivas e se tornarem
agressivas, pois, além de haver o receio de ser rejeitada e sofrer novamente, o seu
crescimento tem ocorrido em situação irregular, ou seja, afastada da família. Em razão
disso, a sua base de segurança tende a desaparecer, prejudicando as suas relações
com os outros e, portanto, o seu desenvolvimento.
43

No entendimento de Riede e Sartori (2013, p. 149) a devolução oficializada é


uma experiência que reproduz o estado de duplo abandono, com consequência de
difícil reparação, por isso a necessidade da mais total transparência em todo o trâmite
do processo.
O perfil dos adotantes, sua concepção acerca do ato de adotar, a condução
institucional, a coisificação de crianças e adolescentes como pano de fundo. Esses
elementos ilustram as desistências em meio a processos de adoção e a possibilidade
de não serem consideradas razoáveis e agasalhadas pelo Direito brasileiro, como
também sinalizam detalhes das práticas e das concepções envolvidas nesses
mesmos processos (ESPEZIM DOS SANTOS, 2020, p. 16). Nota-se com isso,
permanências do Menorismo nas práticas e conhecimentos relativos ao afastamento
do lar e institucionalização encontra a necessidade de vigilância quanto à concepção
protetiva do instituto da Adoção, pois são essas crianças e adolescentes que acabam
por integrar os cadastros de adotáveis a serem cruzados com os cadastros de
habilitados a adotar.
Nesse sentido, os casos de devoluções devem ser avaliados e estudados a fim
de se encontrar soluções além das apresentadas até o momento. Pais que se dispõem
a adotar uma criança já devolvida anteriormente precisarão de um apoio profissional
maior ainda, devem estar cientes também que nesse sentido, a aproximação pode ser
mais difícil e turbulenta.

4.3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADOTANTES

No entendimento de Bordallo (2018a, p. l. 169) a natureza ou origem da filiação


não possui qualquer relevância para a configuração da responsabilidade civil dos pais
pela ausência de afeto, conforme preceitua o §6º do art. 227 da Constituição Federal
de 1988, no qual está esculpido o princípio da isonomia filial. A adoção é um ato de
amor que gera, através de decisão judicial, liame de parentalidade e de filiação civil.
A posição de filho adotivo é definitiva e irrevogável, para todos os efeitos legais.
Ainda de acordo com Bordallo (2018a, p. l. 169 apud GAMA, 2003) a
irrevogabilidade gera duas consequências que atendem aos interesses das pessoas
envolvidas em relação à segurança jurídica especialmente relacionada aos vínculos
jurídico familiares, como a impossibilidade de o adotante desfazer, por vontade e
44

iniciativa próprias, a adoção que ele mesmo desejou que fosse constituída, e também
a mesma impossibilidade de o adotado também revogar a adoção, ainda que tenha
sido adotado quando era criança ou adolescente, o que também preserva os
interesses do adotante.
Sendo a criança/adolescente vítima de um ato irresponsável dos postulantes,
que, assumindo o risco e as dificuldades da adoção, a levaram à sua companhia, é
que se cogita da possibilidade de responsabilização dos adotantes na esfera civil
(REZENDE, 2014, p. 95). torna-se mais evidente se se lembrar que a criança ou
adolescente candidata à adoção já foi vítima de uma ação ou omissão da família, da
sociedade, e/ou do Estado, que falharam em lhe proporcionar um ambiente
adequando ao exercício de seus direitos mais elementares no seio da família natural.
Segundo Espezim dos Santos (2020, p. 13) embora as responsabilizações
judiciais dependam de provas de lesão à integridade e de autoria do ato ou da série
de atos pertencerem aos pretensos adotantes, o que em Direito se denomina de
responsabilidade subjetiva, é certo que há maior necessidade de cuidado e atenção a
esses tipos de relações que se estabelecem em meio a processos de adoções.
Tais reparações possuem efeito pedagógico e preventivo, pois, tendem a
desestimular a prática de futuras omissões, como também fazer cessar as atitudes
que importem prejuízo para o direito dos adotados (FALCÃO, 2017, p. 40). A
indenização também é uma forma de reafirmar o direito ao respeito, à dignidade e à
integridade moral dos adotandos, que devem ser tratados como sujeito de direitos e
não como um simples objeto.

4.3.1 Indenização aos adotandos

Diante do pressuposto exposto anteriormente, observa-se que, no caso de


devolução de crianças adotadas, é cabível a indenização tanto por danos morais como
danos materiais. Para Falcão (2017, p. 38) a indenização por danos morais se dá em
razão de a desistência da adoção causar nos infantes violência psicológica a partir de
frustrações, problemas de autoestima e dificuldades em se relacionar com as
pessoas, dentre outros, posto que os pais se demonstram omissos em cumprir os
encargos decorrentes do poder familiar, não os prestando o merecido amor, carinho,
afeto, atenção, dedicação e convívio.
45

Sobre a indenização por danos materiais, estes também são admissíveis, pois,
quando a criança é devolvida, os pais interrompem os cuidados sobre a sua
sobrevivência, tornando apropriado a prestação de alimentos para que os infantes
possam se manter até completar a maioridade.
Assim, foi realizada uma pesquisa jurisprudencial nos Tribunais de Justiça
Brasileiro, no mês de novembro de 2021, no qual foram encontrados 787 julgados,
com as seguintes palavras-chave: “processo de adoção”, “desistência do pedido”,
“dano moral à criança” e “desistência do processo de adoção”. Assim, foram
selecionados dois por conterem elementos mais relacionados com a forma de
responsabilização.
Ao julgar que é devida a responsabilização por absoluto dos danos gerados
quando os pais decidem devolver os filhos, após o processo de adoção ter sido
concluído. Feitas as considerações preliminares quanto à pesquisa dos julgados e os
resultados obtidos, passa-se para a apresentação e análise dos dois acórdãos.
Analisemos a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. ADOÇÃO DE DUAS IRMÃS, DE 03 (TRÊS) E 06 (SEIS) ANOS DE
IDADE. DESISTÊNCIA DA GUARDA PROVISÓRIA DE FORMA
IMPRUDENTE PELOS PAIS ADOTIVOS. CONVIVÊNCIA DURANTE 03
(TRÊS) ANOS. CRIAÇÃO DE VÍNCULO AFETIVO. PREJUÍZO PSÍQUICO
COMPROVADO POR LAUDO JUDICIAL EMITIDO POR PSICÓLOGA
DESTA CORTE. SENSAÇÃO DE ABANDONO, ANGÚSTIA, ANSIEDADE E
TRISTEZA POR PARTE DAS INFANTES. ABALO MORAL CONFIGURADO.
PRECEDENTES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS.
INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 186 E 927 DA LEI SUBSTANTIVA CIVIL.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. 100 (CEM) SALÁRIOS MÍNIMOS. FIXAÇÃO
PELO MAGISTRADO EM VALOR RAZOÁVEL. OFENSORES QUE GOZAM
DE EXCELENTE SITUAÇÃO FINANCEIRA. MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA. RECURSO APELATÓRIO DESPROVIDO.
- A adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se
dispõem a tal ato, devendo estas ter consciência e atitude de verdadeiros
“pais”, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições
adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma
incondicional como filho, a fim de que seja construído e fortalecido o vínculo
filial. - Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção
quando estiverem com a guarda da criança. Contudo, cada caso deverá ser
analisado com as suas particularidades, com vistas a não se promover a
“coisificação” do processo de guarda. (TJPB – ACÓRDÃO/DECISÃO do
Processo n° 00013783720188150011 - 1ª Câmara Especializada Cível -
Relatora: DES. JOSÉ RICARDO PORTO, j. em 03-03-2020).

O Acórdão apresentado, trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério


Público do Estado da Paraíba no afã de obter a condenação de J. G. de S. N. e de M.
de F. V. G. de S., na obrigação de indenizar os danos morais causados as infantes S.
46

M. S. de O. e S. G. Silva de O., irmãs, cuja guarda detiveram por aproximadamente


03 (três) anos, por intermédio de processo de adoção não concluído, em razão de
ação de revogação de guarda provisória ajuizada pelo casal promovido, condenando
os requeridos na obrigação de indenizar em danos morais causados às crianças, no
montante de 100 (cem) salários-mínimos para ambas, com juros demora de 1% ao
mês e correção monetária.
Neste caso, conforme os fatos narrados no acórdão, o casal de adotantes com
a intenção de adotarem criança ainda bebê, cadastraram-se no CNA - Cadastro
Nacional de Adoção, tendo, posteriormente, retificado o perfil cadastrado para
menores de até 07 (sete) anos de idade, sob a justificativa de que aceleraria o
processo adotivo. Tal mudança, de fato, agilizou o procedimento de adoção, tendo o
casal sido contactado pela equipe do juízo de primeira instância acerca da existência
de duas irmãs, de 03 (três) anos e de 06 (seis) anos, abrigadas em Casa Lar, em
razão da mãe biológica submetê-las à mendicância e a outras situações de risco,
como trabalho infantil e incentivo ao furto.
Após um período de visitação, as crianças foram colocadas sob os cuidados do
casal recorrente na data de 25/03/2014, em razão de ter sido constatada a presença
de vínculos de afinidade e afetividade. Seis meses depois, em 10/09/2014, foi deferida
a guarda provisória das crianças. Em março de 2017, após 03 (três) anos de
convivência familiar, o casal ingressou com Ação de Revogação de Guarda Provisória
(Processo nº 0035597-13.2017.815.0011), argumentando que as crianças, tinham
comportamento agressivo, praticavam pequenos furtos, não respeitavam limites e
mentiam compulsivamente.
De acordo com o estudo social realizado pela Psicóloga, Analista Jurídica do
TJPB, através do Parecer Psicológico confeccionado nos autos do Processo nº
0035597-13.2017.815.0011 (Ação de Revogação de Guarda Provisória), cópia às fls.
27/28, constatou:

A partir do discurso das crianças, bem como através dos testes projetivos aos
quais as irmãs foram submetidas, foi possível constatar que S. e S. possuem
vínculo de filiação com o casal M. de F. e J. G. e experienciam atualmente
intensa angústia e sensação de culpa diante do desejo dos guardiões em
devolver as meninas que os consideram como pai e mãe.

Apesar de o casal não reconhecer a legitimidade do afeto de S. e S., alegando


que as meninas se interessam apenas pelos benefícios materiais, foi observado
47

grande ansiedade e tristeza por parte das crianças, diante da expectativa da perda do
lar que haviam conquistado. Na visão de Rezende (2014, p. 92), é legítimo acionar o
Poder Judiciário para exercer a pretensão de se inscrever para a adoção, buscando,
a formação da conhecida família eudemonista. No entanto, que o exercício deste
direito não lesione terceiro, e, ainda, seja exercido de acordo com os limites impostos
pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé e pelos bons costumes.
É muito importante mencionar ainda que a interrupção dos vínculos
provavelmente ocasionará dificuldades emocionais importantes em ambas as
crianças, que já possuem histórico de abandono, necessitarão de acompanhamento
psicólogo prologado. Além disso cumpre mencionar que as crianças tiveram seus
nomes trocados, o que pode ocasionar distúrbios psicológicos relacionados à
identidade.
Uma vez iniciado o estágio de convivência, já se acende na criança/
adolescente uma expectativa de que o ato será ultimado. Expectativa esta
posteriormente frustrada, com a desistência da medida, que gera o odioso abandono
afetivo, perfeitamente compensável pelo dano moral (REZENDE, 2014, p. 92). Para
Bordallo (2018b, p. l. 282) quanto mais tempo se passa, o adotando vai criando o
sentimento de amor e carinho e a sensação de estar sendo aceito em um núcleo
familiar, sentindo a segurança de ter uma família. Quando ocorre a devolução do
adotando, após longo decurso do tempo, sem motivo justo, está sendo cometida
grande violência contra aquele, que está sendo rejeitado.
O segundo caso a ser analisado é uma Apelação Cível n° 1.0702.09.568648-
2/002, julgado pela Comarca de Uberlândia, em 10/11/2011. Trata-se também de uma
Apelação Cível, interposta pelos adotantes M. P. S. e R. A. S., contra a sentença que
lhes condenou ao pagamento de indenização por danos morais no valor de
R$15.000,00 em favor do adotando, mais 15% (quinze por cento) do salário mínimo à
título de pensão alimentícia, até a idade de 18 (dezoito) anos, ou 24 (vinte quatro)
anos, se estudante, ou até ser adotado. Com o seguinte teor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS -


ADOÇÃO - DEVOLUÇÃO DO MENOR - RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PAIS ADOTIVOS CONFIGURADA - Tendo os pais adotivos abandonado o
menor, devolvendo-o ao abrigo, não tendo demonstrado sequer um mínimo
de esforço para se reaproximarem da criança, patente o dever de indenizar,
não só porque o filho foi privado do convívio de seus pais, mas,
primordialmente, de sua irmã de sangue, de quem sente muita saudade. -
Negligenciando os requeridos na criação e educação do adotado, mormente
48

por terem ciência de que a adoção somente foi concedida para possibilitar o
convívio com irmãos, ferindo, assim, o princípio constitucionalmente
assegurado da dignidade da pessoa humana, cabelhes indenizar a criança
pelos danos sofridos. (TJMG - Apelação Cível n° 1.0702.09.568648-2/002 -
Comarca de Uberlândia - Apelante: M.P.S. e outro - Apelado: Ministério
Público do Estado de Minas Gerais - Relatora: Des.ª Teresa Cristina da
Cunha Peixoto).

Conforme o caso narrado, trata-se de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo
Ministério Público de Minas Gerais em face de M. P. S. e R. A. S., em favor de V. H.
C. S., alegando que a criança, em 09 de março de 1999 foi entregue aos adotantes,
sob a forma de guarda, tendo sido ajuizado o pedido de adoção no mês de outubro
de 1999, com o deferimento em 26 de setembro de 2000. Afirma que, no dia 06 de
julho de 2001, a criança foi devolvida à Instituição de Acolhimento.
Segundo relatos de psicólogos e assistentes sociais, o menino era rejeitado,
agredido e humilhado, por seus pais além de ter sido abandonado física, material e
moralmente, o que ensejou o ajuizamento da ação de destituição do poder familiar,
sem interposição de qualquer recurso, postulando a condenação dos suplicados ao
pagamento de indenização por dano moral e material visto que agiram de forma
negligente, ao criar expectativa no adotando de que o mesmo seria aceito e respeitado
como filho.
Por fim, o relator enfatizou que o ato ilícito perpetrado pelos apelantes, causou
profunda dor moral ao adolescente, acarretando-lhe abalo psicológico que,
certamente, não será apagado de sua vida. e assim, manteve a condenação não
somente a indenização por danos morais arbitrado em R$15.000,00 (quinze mil reais)
mas, também, por danos materiais, na forma de alimentos, como meio de propiciar o
tratamento psicológico necessário para o desenvolvimento sadio do adolescente.
Apesar de ser curto o lapso temporal de convivência entre os adotantes e o
adotando, ele já é suficiente para a formação de vínculos de afeto e afinidade, de tal
sorte que a desistência será responsável por uma ideia de abandono, ou no mínimo,
uma forma de violência psicológica contra a criança.
Nesse contexto Falcão (2017, p.37) descreve que para que um dano seja
indenizável, exige-se o preenchimento de três requisitos mínimos: a violação de um
interesse jurídico; a certeza do dano; e, a subsistência do dano. Depois de constatado
o dano, se não houver a possibilidade de restituir o status quo ante do bem ou direito,
a reparação poderá ser convertida em fixação de uma importância pecuniária, a título
de compensação.
49

No entendimento de Rezende (2014, p. 93) Ainda que não se admita a


ocorrência de “abandono afetivo” por ausência de laços afetivos entre adotante e
adotando, é certo que a famigerada conduta causa abalos no adotando, que
ultrapassam o mero dissabor ou aborrecimento, merecendo a devida reparação.
No apontamento de Riede e Sartori (2013, p. 152) a devolução num processo
de adoção malsucedido representa para a criança a vivência de um estado de duplo
abandono: por um lado se repetem sentimentos já vivenciados com a perda da família
de origem; por outro significa o fracasso da promessa da existência de uma nova
família, à volta para uma instituição de acolhimento, a espera pelo surgimento de uma
nova possibilidade de adoção e a desconfiança de que não exista ninguém capaz de
realmente ama-la.
Se por um lado a responsabilização desestimular a prática da adoção, por outro
reafirma o direito ao respeito, à dignidade, e à integridade moral dos adotandos,
doravante tratados como sujeito de direitos e não como um simples objeto.

4.3.1.1 Análise dos julgados

Ante os julgados apresentados, nota-se a tendência dos tribunais em


condenarem os pais adotivos à indenização por danos morais e materiais, por se
entender que estes são os responsáveis pelos danos causados às crianças que foram
abandonadas, após terem sido adotadas. O processo de adoção requer observância
a uma série de requisitos e constitui-se através de um procedimento especial, o qual
possui várias fases, tais como a habilitação no Cadastro Nacional de Adotantes, visitas
domiciliares, entrevistas, preparação psicossocial e jurídica, estágio de convivência,
guarda provisória e por fim, a adoção propriamente dita.
Segundo Conrad (2019, p. 214) ocorrem casos, após a guarda provisória do
adotando e levá-lo para seus lares, os adotantes de forma imotivada desistem do
processo de adoção e acabam devolvendo as crianças para as instituições de
acolhimento, frustrando as legítimas expectativas de ser adotado e constituir uma
nova família.
Neste contexto, surge a reflexão acerca do cabimento da responsabilização
civil dos pretendentes à adoção que praticam este odioso ato potestativo de
devolução. Os tribunais de Justiça brasileiros já estão avançando no sentido da
reparação civil, condenando os pais a pagarem um valor pelo abandono, por dano
50

moral às crianças nos casos de desistência do processo de adoção. A


responsabilidade civil consiste na obrigação de sanar, recompor ou ressarcir os danos
e prejuízos causados a outrem, decorrentes de atos ilícitos que afrontem a ordem
jurídica ou que desrespeitem o que está previsto em lei.
De acordo com Conrad (2019, p. 235 apud CAVALIERI FILHO, 2010, p. 18) o
Art. 186 do Código Civil apresenta os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva,
quais sejam: a conduta dolosa ou culposa do agente, o nexo causal e o dano
experimentado pela vítima, desse modo, Por violação de direito deve-se entender todo
e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no
campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos,
reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à
honra, à intimidade, ao nome e à imagem.
O dano moral é a violação do direito à dignidade, no qual estão inseridos os
direitos de personalidade. Reputa-se como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-
estar. Nesse sentido Conrad (2010, p. 236) o dano moral constitui um prejuízo de
ordem emocional, que afeta o indivíduo como ser humano, violando sua dignidade e
seus direitos de personalidade, como a vida, a honra e a imagem, não possuindo
repercussão direta em seu patrimônio.
Nesse sentido, a criança/adolescente é vítima de dano moral e que através de
seus representantes, podem pleitear a reparação civil, pois, o dano moral não exige
qualquer requisito ou condição pessoal, sendo direito de todas as pessoas naturais,
capazes ou incapazes. O autor ainda refere que apesar da criança de tenra idade não
poder sentir ou compreender o significado do mal que lhe está sendo feito, não se
pode deixar o ofensor sem a devida sanção (CONRAD, 2019, p. 237 apud
GONÇALVES 2016, p. 393). Nesse âmbito, as crianças e os adolescentes devolvidos
às instituições de acolhimento durante o processo de adoção, em consequência da
desistência do processo, também são partes legítimas para buscar a reparação civil
em razão do forte abalo emocional suportado ao verem frustradas suas expectativas
de serem adotadas.
Entende-se que os adotantes ultrapassam os limites da boa-fé ao devolverem
as crianças para as instituições de acolhimento, visto que os adotandos depositaram
neles a confiança de que formariam uma nova família, criaram expectativas que
51

restaram frustradas, causando-lhes assim enorme prejuízo moral, e que portanto,


devem ser reparados. Nesse trilhar a Doutrina da Proteção Integral, fundamentada no
artigo 227 da Constituição Federal, se baseia na concepção de que crianças e
adolescentes são sujeitos de direitos universais, comuns aos adultos, e de direitos
especiais, decorrentes da sua condição peculiar de desenvolvimento, os quais devem
ser respeitados. Por isso, qualquer decisão a ser tomada que envolva os direitos da
criança, deverá sempre levar em consideração o seu estado de desenvolvimento,
como forma de promover sua proteção e garantir seus interesses.
Devoluções de crianças às instituições de acolhimento configuram uma forma
de violência e crueldade praticadas contra elas, uma vez que representam uma
violação à sua dignidade como ser humano e também uma afronta ao direito
fundamental de serem respeitadas como sujeitos de direito, devendo portanto, que os
ofensores sejam punidos pela sua conduta (CONRAD, 2019, p. 240). Não é humano,
olhar uma criança como se fosse um produto visto numa vitrine de troca, procurando
por defeitos, pelo simples fato, de não haver ninguém perfeito.
De outra forma, não há como precisar, de que forma será a relação que ali está
se avizinhando começar, explicando, quem deseja adotar tem que se despir de todos
os preconceitos concebidos e ir além da lei para sentir-se humano e assim, aceitar
outro ser humano, já fragilizado pelas intempéries da vida.
Ante os julgados apresentados, nota-se a tendência dos tribunais em
condenarem os pais adotivos à indenização por danos morais e a materiais, por se
entender que estes são os responsáveis pelos danos causados às crianças que foram
abandonadas, após terem sido adotadas.
Para Falcão (2017, p. 40) tais reparações possuem efeito pedagógico e
preventivo, tendendo a desestimular a prática de futuras omissões, como também
fazer cessar as atitudes que importem prejuízo para o direito dos adotados. Para mais,
neste caso, a indenização também é uma forma de reafirmar o direito ao respeito, à
dignidade e à integridade moral dos adotandos, que devem ser tratados como sujeito
de direitos e não como um simples objeto.
Em contraposição, há entendimentos doutrinários em que defendem que a
reparação dos danos causados à criança ou adolescente pode não ser a melhor
medida a ser tomada. Segundo Schereiber (2015, p. 45) nos casos em que envolvem
relações familiares, o pagamento em dinheiro pode dificultar ainda mais o
relacionamento entre pais e filhos. Como forma de tornar a reparação mais eficaz,
52

deveria se estabelecer como prioridade a tutela específica dos direitos inerentes à


relação familiar, de modo a impor ao réu para que adote específica conduta, que possa
ser um caminho para se chegar à reconstrução da relação familiar, ao invés buscar a
solução do caso com a exclusiva entrega de dinheiro.
Na opinião de Rezende (2014, p. 84) surge a questão sobre se as punições não
poderiam acarretar o efeito colateral de inibir os que se encontram na situação de
querer devolver a criança que tenham adotado, fazendo-os recuar da decisão de abrir
mão do filho, que pode se tornar uma vítima de maus-tratos dentro de casa. Ainda
pode ocorrer também o desestímulo da prática de adoção, pois as pessoas poderiam
ficar com receio, caso ocorre algum problema durante o processo.
Segundo Rezende (2014, p. 97), não parece ser o caso de banalizar o instituto
da reparação pelos danos morais, afinal os interesses em conflito tratam de vidas
humanas, sentimentos, e, notadamente uma bagagem que será carregada por toda a
vida do adotando rejeitado/“devolvido”, que ganha colorido distinto se lido sob a lente
daquele que é dos mais importantes princípios fundantes da República Federativa
Brasileira: a dignidade humana.
Com tudo isso, verificou-se que nos julgados do TJMG os interesses dos
adotantes sobressaíram aos direitos e interesses do adotando. Já no julgado do TJPB,
o relator reconheceu a configuração do dano moral e material ao adolescente e
fundamentou sua decisão nas cláusulas gerais da responsabilidade civil e no respeito
a condição peculiar de desenvolvimento do adotando. Logo, ambos os tribunais
demonstraram uma melhor apropriação do Direito da Criança e do adolescente,
constituindo-se em exemplo que, quiçá, possa ser seguido por outros tribunais.
53

5 CONCLUSÃO

O Brasil tem evoluído bastante quanto à adoção nos últimos anos e o


lançamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento foi o mais importante
passo no desenvolvimento da doutrina da proteção integral. Dentre as mudanças,
pode-se destacar a fixação da afetividade como critério básico para se constituir uma
família e o tratamento igualitário dos filhos, independentemente de sua origem.
Através de estudos, percebe-se que, dentre as facilidades e dificuldades no
processo adotivo, o período de estágio de convivência é uma das mais importantes
condições, principalmente para romper falsas expectativas das partes. A adoção é um
assunto que não se esgota, e, ao desenvolvê-la, notamos o grande número de
conexões com variadas expressões da questão social, tornando a abordagem ainda
mais desafiadora.
O sistema jurídico se preparou para realizar um processo adotivo, e não para
referendar espaço de devolução de pessoas. A norma hipotética que valida todo o
bloco de constitucionalidade busca, em primeira análise o bom senso, a justiça, a boa-
fé para prestigiar aqueles que imbuídos do desejo de adotar, salvem a si próprios
como as crianças para aceitarem-se como humanos já fragilizados pelas intempéries
da vida.
Em contexto nacional a devolução de crianças após a adoção é um fenômeno
que legalmente não existe, considerando o caráter irrevogável da adoção na lei. No
entanto, tem-se observado casos em que os pais adotivos têm desistido da filiação
estabelecida e devolvendo as crianças à instituição de acolhimento. Segundo alegam
os adotantes, o motivo para esta prática ocorrer, na maioria das vezes, está ligado ao
mau comportamento da criança.
A devolução de crianças adotadas, demonstram tamanha violação ao direito
fundamental à convivência familiar, pois, quando às crianças retornam ao acolhimento
institucional, é retirado delas o direito de viver em um seio familiar.
As situações de devolução de crianças e de adolescentes ao judiciário, causam
graves impactos para a criança e ao adolescente no que tange aos aspectos
emocionais, na construção de sua identidade, na sua relação com o mundo, em suas
futuras relações interpessoais. Essa ruptura do laço efetivo, a devolução significa uma
experiência que reedita para criança a sua história de abandono.
54

Os danos causados às crianças nesta situação ocorrem principalmente pela


falta de afeto e pelo abandono dos pais com elas. Assim, o mais aplicável ao caso
seria buscar a reaproximação entre o adotante e o adotado. No entanto, se realmente
for constatado que não há chances da relação se restabelecer, deve-se determinar a
indenização por danos morais e a prestação de alimentos como soluções subsidiárias.
A adoção é uma medida protetiva e deve ser uma preocupação de toda a
sociedade, visto que a proteção social deverá existir sem entraves, segundo preceitua
o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Evidencia-se que a regra legal existe e deve ser cumprida e não descumprida,
porém os casos que estão acontecendo, mesmo em desacordo com o que está
prescrito em lei, não poderão ficar sem a tutela jurídica, uma vez que as crianças e
adolescentes devem ser protegidos integralmente, neste sentido as decisões de
indenização e condenação ao pagamento de alimentos devem ser um dos caminhos
utilizados para coibir situações de devolução. Seguindo os princípios esculpidos no
artigo 6º, do Estatuto, ainda que não enseje a reparação dos danos experimentados
pelo adotando, é clara a lesão aos direitos da personalidade, diante da inconteste
frustração das expectativas legítimas de que a adoção seria ultimada.
Cabendo ressaltar que enquanto não houver uma mudança cultural para uma
adoção que efetive o encontro de uma família para a criança e adolescente numa
condição excepcional, o sistema continua sob o prisma adultocêntrico da adoção, na
qual não adianta retirar a criança do abrigo e, a qualquer custo, entregá-la a quem
aparentemente declare ter condições psicológicas para assumi-la.. A criança e
adolescente devem ser vistos e respeitados enquanto sujeitos da adoção, não como
um objeto.
Nesta medida, é cabível a reparação dos danos, para reparar o prejuízo
experimentado pelo adotando e para desestimular condutas desta natureza, alertando
os adotantes para a seriedade do ato de inscrição para adoção. Devendo-se
considerar que o infanto-adolescente tem direito de crescer a partir de uma
constituição familiar, e a questão das devoluções deve ser sempre repensada e
reavaliada, pois a partir do artigo exposto, as consequências podem ser mais
catastróficas do que o primeiro abandono realizado.
55

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