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ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS

CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS POLICIAIS


ESPECIALIDADE EM SEGURANÇA PÚBLICA

DESAFIOS À SEGURANÇA INTERNA NO CONTEXTO DA


MIGRAÇÃO INTERNACIONAL EM MOÇAMBIQUE: ESTUDO DE
CASO DA CIDADE DE MAPUTO (2014 – 2018)

SALÉSIO ELÍSIO MAXAIEIE

2020

MICHAFUTENE
ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS

CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS POLICIAIS


ESPECIALIDADE EM SEGURANÇA PÚBLICA

DESAFIOS À SEGURANÇA INTERNA NO CONTEXTO DA


MIGRAÇÃO INTERNACIONAL EM MOÇAMBIQUE: ESTUDO DE
CASO DA CIDADE DE MAPUTO (2014 – 2018)

Dissertação apresentada à ACIPOL


como parte dos requisitos para a
obtenção do grau académico de Mestre
em Ciências Policiais na especialidade
de Segurança Pública.

Salésio Elísio Maxaieie

Orientadora: Inês Macamo Raimundo, Ph. D.

______________________________________

2020

MICHAFUTENE
DECLARAÇÃO DE HONRA

Declaro por minha honra que este trabalho de dissertação de Mestrado nunca foi apresentado,
em parte ou na totalidade, para a obtenção de qualquer grau e que ele constitui o resultado da
minha investigação pessoal, estando no texto e na bibliografia as fontes utilizadas.

___________________________________________

Salésio Elísio Maxaieie


Ficha de Avaliação

Autor do Trabalho: Salésio Elísio Maxaieie

Membros do Júri

PRESIDENTE: PROF. DOUTOR FERNANDO NIQUICE


______________________________________
ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS
EXAMINADOR: PROF. DOUTOR RODRIGUES NHIUANE CUMBANE
_________________________________________________
ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS
SUPERVISORA: PROF. DOUTORA INÊS MACAMO RAIMUNDO
_____________________________________________
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

i
AGRADECIMENTOS

À Deus, em primeiro lugar, fonte de vida, que me proporcionou saúde, forças e, acima de tudo,
despertou vontade em mim para engrenar nesta busca de conhecimentos para alimentar cada
vez mais a curiosidade sobre questões de segurança e de mobilidade humana no mundo.

À Professora Inês Macamo Raimundo, minha professora no Módulo de Controlo de Fronteiras


e Migrações e posteriormente orientadora na produção deste trabalho. Seus ensinamentos foram
determinantes para o despertamento desta paixão sobre movimentos migratórios. A sua
paciência, coragem e humildade para transmitir os conhecimentos, decisivamente moldaram o
meu pensamento, conduzindo-me a perceber que nem tudo o que se pensa pode ser válido em
ciência. Trabalhar consigo, ajudou-me a refinar o meu filtro sobre o que pode constituir assunto
de interesse da ciência e como pode ser abordado. A si minha professora, o meu Khanimambo!

Aos meus pais, Elísio Armando Maxaieie (in memorium) e Verónica Jossefa Uqueio que, por
meio deles, Deus me fez ver o raiar do sol e proporcionou-lhes conhecimentos, coragem e força
de vontade que serviu de mote para a minha educação e instrução ao longo dos anos.

À minha querida esposa, Mércia Cátia Alberto, pelos sacrifícios suportados durante o tempo
que engrenei nesta aventura. Mesmo em meio a dificuldades, ela insistiu sempre em parar tudo
até que este sonho se tornasse real. A si minha “Bebé”, palavras e gestos não poderiam
descrever a gratidão que tenho para consigo, apenas dizer: o meu muito obrigado.

A minha família, meus filhos Elisérson Fabiano, Salesley Marlieth, Kairos Verony e Christel
Nomsa, vai o meu obrigado pelo suporte que deram, mesmo que isso significasse o afastamento
pelas ausências constantes de casa para atender os assuntos da academia. “Kanimambo
vananga”

À ACIPOL que me abriu as portas para, mais uma vez, moldar o meu pensamento crítico sobre
aspectos de segurança em Moçambique, deixo palavras de apreço e desejar um crescimento
cada vez qualitativo, firmando-se como instituição de referência, a nível nacional e
internacional em estudos de segurança.

Aos meus professores do curso de Mestrado, em especial aos professores José Cossa, Santa
Mónica Mogime, José Magode, Fulgêncio Seda, Fernando Tsucana, Rodrigues Nyiuane,
Viriato Caetano, Alicénia Pensar, Madalena Chiconela, palavras me faltam para caracterizar o
apreço que sinto por vós, pelos ensinamentos e pela paixão com que o fazem, constituiu

ii
motivação para mim e me ajudou a perceber criticamente o sentido da profissão Professor. A
vós, o meu muito obrigado e desejos de sucessos e persistência nesta carreira que isso, ajudará
a tornar a instituição ACIPOL como uma referência neste campo de saber e a este nível de
ensino.

Aos meus colegas de turma, a consciência não deixa citar nomes, pois seria destacar alguns e
menosprezar o contributo de outros para aquilo que hoje sou. A todos eles vão as minhas
palavras de agradecimento. Foi impactante pertencer a este grupo de estudantes.

À PRM e ao Ministério do Interior, instituições que me empregam, em especial à sua excelência


Comandante-Geral da PRM, Bernardino Rafael, Inspector Geral da Polícia e as senhoras Dora
Daniel Manjate e Madalena Kundema, antiga Directora e a actual Directora de Doutrina e Ética
Policial do Comando-Geral da PRM, ao senhor Fernando Virgílio Mondlane e ao General na
Situação de Reserva, Alfiado Julai Sitóe, Comissário da Polícia, pelo apoio incondicional
mesmo que isso implicasse interromper as jornadas laborais para atender assuntos da escola,
sempre se mostraram disponíveis e incentivadores para que concluísse com êxito esta jornada.

Ao Serviço Nacional de Migração, na pessoa da Directora Geral, Arcénia Massingue,


Comissária-Chefe de Migração, por me abrir as portas para que pudesse realizar o trabalho de
campo e ao senhor Nataniel Mondlane, funcionário notável desta, o homem que iluminou os
meus pensamentos e ajudou a esclarecer muitos dos conceitos que pareciam impossíveis para
mim. Este trabalho é, em parte, fruto de sua paciência e aconselhamento, mesmo em meio a
minha teimosia. O meu muito Kanimambo.

Á todos os meus colegas de serviço, amigos nesta jornada académica, os quais serviram de
exemplo para mim, principalmente ao Professor André Joaquim Gonçalves Xavier, exímio
motivador meu para continuar com os estudos, vão meus agradecimentos e votos que, este
incentivo aqui prestado, seja replicado por muitos outros.

A todos os que directa e indirectamente contribuíram para o meu sucesso nesta jornada, vão os
meus agradecimentos e desejos de um sucesso inigualável e inimaginável.

O meu muito Kanimambo.

iii
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os profissionais das Forças de Defesa e Segurança (PRM e
SEANMI) que dia-a-dia, se desdobram ao longo da linha de fronteira e nos Postos de Travessia,
gerindo os fluxos migratórios e garantindo, desta forma, a inviolabilidade da fronteira estatal.

iv
RESUMO

A abordagem da migração internacional sob ponto de vista do paradigma securitário resulta do


processo do alargamento do conceito de segurança nacional e da associação daquela às novas
ameaças de segurança que os Estados vêm enfrentando na actualidade. Sendo Moçambique um
país de migrações, não está alheio a estas ameaças, o que pressupõe o alinhamento dos modelos
de gestão destes fenómenos com as práticas securitárias recomendadas e adoptadas nos vários
países do mundo. O estudo analisa os desafios de segurança interna no contexto da migração
internacional em Moçambique, tendo como estudo de caso a Cidade de Maputo entre 2014 e
2018. Tendo como base de abordagem o método qualitativo, assente nas pesquisas
bibliográfica, documental e no uso da entrevista, auxiliada pela observação, o estudo sustenta
as suas conclusões numa amostra de 20 entrevistados, onde apurou que o fenómeno migratório
em Moçambique constitui em si um desafio para as FDS. Esta situação é motivada, em parte,
pela ausência de uma Política de Migração que deveria orientar a gestão destes processos.
Outrossim, é a falta de integridade dos sistemas de registo de identidade e de produção dos
documentos de identificação e de viagem, o que pressupõe a falta de certificação nos modelos
em que a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) recomenda. Essas situações
fragilizam o Estado moçambicano, na gestão de ameaças e riscos a estes fenómenos associados,
tais os casos de imigração ilegal, subversão, terrorismo, criminalidade organizada
transnacional, tráfico de armas, tráfico de drogas, tráfico de pessoas e de órgãos humanos.

Palavras-Chaves: Migração Internacional; Gestão; Desafios à Segurança Interna; Política de


Migração; Documentos de Viagem.

iv
ABSTRACT

The international migration approach under security paradigm derived from the process of
broadening the concept of national safety and security as well as associating them with the new
safety and security threats that States are currently facing. As Mozambique is a country from
there is much immigration flow, it is not exempted from fore-mentioned threats, situation which
presupposes the management models alignment for these phenomena with the security practices
recommended and adopted in the several countries world widely. The study analyses the
internal security challenges in a view of international migration in Mozambique, Maputo on the
period under review from 2014 to 2018 as a case study. Based on a qualitative approach,
bibliographic, documentary research and through interviews sustained by the observation, the
study supports its conclusions in 20 interviewee samples, whereby the immigration
phenomenon in Mozambique, itself, remains as challenge for the Defence and Security Forces.
As part from that, this circumstances is impelled by the non-existence of a Migration Policy
that should direct the management of these processes. Furthermore, it is due the lack of integrity
of the identity registration systems and the production of identification and travel documents,
which presupposes the non-certification of the models because of not matching with those
which are recommended by the International Civil Aviation Organization (ICAO). These
situations weaken the Mozambican state in managing threats and risks to these associated
phenomena, such as cases of illegal immigration, subversion, terrorism, transnational organized
crime, arms trafficking, drug trafficking, trafficking in persons and human organs.

Keywords: International Migration; Management; Internal Security Challenges; Migration


Policy; Travel Documents.

v
Índice de Tabelas, Figuras e Gráficos

Índice de Tabelas

Tabela 1: Quadro resumo das teorias de migração internacional --------------------------- Pág. 31


Tabela 2: Distribuição dos respondentes pelos sectores de actividade --------------------- Pág. 40
Tabela 3: Codificação dos Respondentes às entrevistas da pesquisa------------------------ Pág. 42
Tabela 4: Movimento Migratório na Cidade de Maputo no período 2015 – 2018 ------- Pág. 44
Tabela 5: Cidadãos estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 – 2018------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------- Pág. 45
Tabela 6: Quadro analítico das tipologias dos violadores de fronteiras-------------------- Pág. 80

Índice de Figuras

Figura 1 – Rotas Migratórias dos Países do Corno de África e da Região dos Grandes lagos para
Moçambique ----------------------------------------------------------------------------------------Pág. 48
Figura 2 – Movimentos de cidadãos estrangeiros em Moçambique, dos pontos de entrada até à
Cidade de Maputo ----------------------------------------------------------------------------------Pág. 49

Índice de Gráficos

Gráfico 1: Estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 – 2018 ----------------


-------------------------------------------------------------------------------------------------------- Pág. 46
Gráfico 2 – Variação da população estrangeira em Moçambique desde o CENSO de 1997 ao
CENSO de 2017 ----------------------------------------------------------------------------------- Pág. 51

vi
ACRÓNIMOS, SIGLAS E ABREVIATURAS

AC Autoridade de Certificação
API Advance Passenger Information
(Informação Prévia de Passageiro)
API System Advance Passenger Information System
(Sistema de Informação Prévia de Passageiros)
BI Bilhete de Identidade
BM Banco Mundial
CGPRM Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique
CIPNIP Código Internacional para a Protecção de Navios e Instalações Portuárias
CISVHM Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar
CRM Constituição da República de Moçambique
CSCA Country Signing Certification Authority
(Autoridade de Certificação de Assinatura do País)
DNYRM Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes
DOM Direcção de Operações Migratórias – Serviço Nacional de Migração
eMRTD Electronic Machine Readable Travel Documents
Documentos de Viagem Electrónicos de Leitura Automático
FADM Forças Armadas de Defesa de Moçambique
FDS Forças de Defesa e Segurança
GM Glossário de Migrações da Organização Internacional de Migrações
GMA - REM Glossário de Migração e Asilo da Rede Europeia de Migrações
ICAO International Civil Aviation Organization
(Organização da Aviação Civil Internacional)
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IMAF Instituto do Mar e Fronteiras
INAMAR Instituto Nacional da Marinha
INAR Instituto Nacional de Apoio ao Refugiado
INE Instituto Nacional de Estatística
LDS Logical Data Stracture
(Estrutura de Dados Lógicos)
MRTD Machine Readable Travel Documents

vii
(Documentos de Viagem de Leitura Automática)
OIM Organização Internacional para as Migrações
ONU Organização das Nações Unidas
PALOP´s Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PCLF Ramo da Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial
PF Ramo da Polícia de Fronteiras
PGM Pacto Global das Migrações
PKD Public Key Directory
(Directório de Chave Pública)
PKI Public Key Infrastructure
(Infra-estrutura de Chave Pública)
POSP Ramo da Polícia de Ordem e Segurança Pública
PRM Polícia da República de Moçambique
RDH Relatório do Desenvolvimento Humano
REM Rede Europeia de Migrações
SADC South African Development Community
(Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral)
SENAMI Serviço Nacional de Migração
SERNIC Serviço Nacional de Investigação Criminal
SISE Serviços de Informação e Segurança do Estado
TAG/MRTD Technical Advisory Group on Machine Readable Travel Documents
(Grupo Técnico Consultivo para os Documentos de Viagem de Leitura
Automática)
TAG/TRIP Technical Advisory Group on Travel Identification Program
(Grupo Técnico Consultivo do Programa de Identificação de Viajantes)
UN United Nations
(Organização das Nações Unidas)
UNDESA United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population
Division
(Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais –
Divisão da População)
UNDP United Nations Development Program
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)

viii
Índice de conteúdos

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO ............................................................................................. 1


1.1 Contextualização .......................................................................................................... 2
1.2 Problema ...................................................................................................................... 5
1.3 Objectivos .................................................................................................................... 8
1.3.1 Geral ..................................................................................................................... 8
1.3.2 Específicos ............................................................................................................ 8
1.4 Perguntas de Pesquisa .................................................................................................. 8
1.5 Justificativa .................................................................................................................. 9
1.6 Delimitação do Estudo ............................................................................................... 10
1.6.1 Temporal............................................................................................................. 11
1.6.2 Espacial............................................................................................................... 13
CAPÍTULO II – MARCO TEÓRICO ................................................................................. 14
2.1 Conceitos ................................................................................................................... 14
2.1.1 Migração ............................................................................................................. 14
2.1.2 Segurança ........................................................................................................... 17
2.2 Teoria da Securitização das Migrações...................................................................... 22
2.2.1 Didier Bigo e o Ban-Opticom ............................................................................. 25
2.3 Teorias da Migração Internacional ............................................................................ 26
CAPÍTULO III – METODOLOGIA .................................................................................... 32
3.1 Caracterização da Pesquisa ........................................................................................ 32
3.2 Método de Abordagem e de Procedimento ................................................................ 33
3.3 Técnicas de Recolha de Dados .................................................................................. 35
3.3.1 Instrumentos de Recolha de Dados .................................................................... 37
3.4 Técnica de análise e interpretação de dados .............................................................. 38
3.5 População e Amostra ................................................................................................. 39
3.5.1 População-alvo ................................................................................................... 39
3.5.2 Amostra .............................................................................................................. 40
CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS . 41
4.1 Enquadramento da abordagem do estudo .................................................................. 42
4.2 Caracterização dos fluxos migratórios em Moçambique ........................................... 44
4.2.1 Rotas Migratórias ............................................................................................... 47
4.2.2 Gestão de fluxos migratórios em Moçambique .................................................. 50
4.2.3 Por uma Política de Migração para a gestão de fluxos migratórios em
Moçambique.................................................................................................................... 55
4.3 Mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo e aéreo... 57
4.3.1 Porto de Maputo (Meios Marítimos) .................................................................. 57
4.3.2 Aeroporto Internacional de Mavalane – Maputo................................................ 61
4.4 Gestão e controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional .. 63
4.4.1 Procedimentos seguidos em caso de verificação de irregularidades na
documentação do cidadão estrangeiro ............................................................................ 68
4.4.2 A Cadeia de Identidade como Instrumento de Controlo Migratório .................. 70
4.5 Mecanismos de controlo e vigilância das fronteiras .................................................. 76
4.5.1 Tipologias de violadores de Fronteiras ............................................................... 80
4.5.2 Sistemas de controlo migratório nos Postos de Travessia de Fronteira ............. 80
4.6 Riscos e ameaças de segurança associadas à imigração em Moçambique ................ 81
CAPÍTULO V – CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES DO
ESTUDO .................................................................................................................................. 87
5.1 Conclusões ................................................................................................................. 87
5.2 Recomendações.......................................................................................................... 95
5.2.1 Recomendações ao Estado moçambicano, responsável pela definição de políticas
públicas de segurança e de gestão migratória ................................................................. 95
5.2.2 Recomendações para o SENAMI ....................................................................... 96
5.2.3 Recomendações para a PRM .............................................................................. 97
5.2.4 Recomendações para o IMAF ............................................................................ 97
5.2.5 Recomendações para o SENAMI e PRM no âmbito da capacitação e formação
dos recursos humanos ..................................................................................................... 98
5.3 Perspectivas para futuros estudos .............................................................................. 98
5.4 Contributos do estudo .............................................................................................. 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 101
APÊNDICES ......................................................................................................................... 111
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO

A abordagem das Migrações sob ponto de vista do paradigma securitário tem suscitado debates
no campo das ciências sociais e humanas em especial na área de estudos estratégicos e de
segurança. Esta perspectiva discursiva emerge no âmbito do alargamento do conceito de
segurança nacional e da associação desta, às novas ameaças de segurança que os Estados vão
enfrentado hodiernamente, como são os casos de imigração clandestina, terrorismo, crime
organizado transnacional, tráfico de pessoas e de órgãos humanos e crimes ambientais.

No âmbito do conceito alargado de segurança, o foco sobre o objectivo e objecto da segurança


desloca-se da centralidade do Estado e passa a contemplar o indivíduo e às sociedades (Ferreira
e Rodrigues, 2013). Por outro, como atesta Bigo (2002), esta associação das migrações,
principalmente na sua vertente da migração internacional, resulta da criação de um nexo de
ameaça, onde diferentes autores partilham os seus medos no processo de criação de uma
sociedade perigosa.

Assim, a presente dissertação de Mestrado analisa os desafios de segurança interna no contexto


da migração internacional em Moçambique, tendo como estudo de caso a Cidade de Maputo
entre 2014 e 2018. O objecto de estudo nesta é a imigração internacional, vista na perspectiva
securitária, através da sua associação às ameaças e riscos de segurança para o Estado
moçambicano.

Como afirma Seda (2017), a constituição do conceito de estranho – imigrante que resida num
determinado espaço territorial – como criminoso tem o seu fundamento na teoria da
securitização das migrações. Ainda de acordo com aquele, este facto leva a que, as autoridades
administrativas dos Estados, responsáveis pela gestão das migrações, entendidas as funções
governamentais de gestão ordenada e humana de entrada e presença de estrangeiros no interior
das fronteiras de um Estado e a protecção de refugiados (Organização Internacional para as
Migrações – OIM, 2009), categorizem os imigrantes e os riscos que eles representam em função
da sua nacionalidade e situação financeira.

No caso específico de Moçambique, as autoridades administrativas de gestão de fronteiras


consideram haver maior preocupação com os cidadãos de nacionalidades somali, maliana e
paquistanesa, pela crença do seu envolvimento na criminalidade transnacional (Seda, 2017).

1
Destarte, mostra-se necessária a abordagem deste fenómeno sob ponto de vista do paradigma
securitário, procurando mostrar os desafios à segurança interna que este acarreta para o Estado
moçambicano, visto que, não raras vezes, têm sido reportadas situações, tanto na comunicação
social como em estudos já realizados (Seda, 2015, 2017; Patrício, 2015, 2016), de associação
de imigrantes com violações da ordem pública e normativa que constituem temas de estudo no
campo de Segurança.

Em termos estruturais, a dissertação compreende cinco capítulos. O primeiro CAPÍTULO trata


da introdução. Nesta, é abordada a contextualização, descrito o problema, os objectivos, a
justificativa e a delimitação temporal e espacial do estudo. O segundo CAPÍTULO corresponde
ao marco teórico. Neste capítulo, o pesquisador discute os conceitos de Migração e Segurança
a partir das várias perspectivas teóricas, bem assim as teorias da securitização das migrações e
da migração internacional. O terceiro CAPÍTULO destina-se á discussão dos aspectos
metodológicos que orientaram a elaboração da presente dissertação. O quarto CAPÍTULO,
reserva-se à apresentação, análise e interpretação de dados. Neste capítulo, o estudo apresenta
os resultados do trabalho de recolha e análise de dados no que concerne aos fluxos migratórios
em Moçambique, aos mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo
e aéreo, à gestão e controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional, aos
mecanismos de controlo e vigilância das fronteiras e aos riscos e ameaças de segurança
associadas à imigração em Moçambique. O quinto e o último CAPÍTULO, apresenta as
conclusões da pesquisa, avançando as recomendações e as possíveis contribuições do estudo.
Para além dos cinco capítulos que compõem a dissertação, esta completa-se com as referências
bibliográficas e um conjunto de dois (2) apêndices.

1.1 Contextualização

No contexto actual, as migrações internacionais são deveras associadas a questões de segurança,


vistas como resultado da resposta às novas tipologias de ameaças com que as sociedades se
deparam dia-após-dia, tais os casos de terrorismo, do crime organizado, de tráfico de pessoas e
de órgãos humanos, crimes ambientais, etc., o que leva a que o paradigma securitário das nações
se transforme do foco baseado no Estado como única entidade política a proteger, e coloca o
homem e as sociedades como elementos essenciais a serem protegidos.

2
Autores como Werner (1990), Kephart (2006), Adamson (2006), Ferreira e Rodrigues (2013) e
Seda (2017) abordam a associação das migrações internacionais com ameaças de segurança, no
argumento da construção das desconfianças, por parte das sociedades e dos Estados de
acolhimento, em relação aos imigrantes, vistos como estranhos e não pertencentes a um todo
comum.

É desta forma que Ferreira e Rodrigues (2013) afirmam que as migrações, no seu todo, geram
receios na relação entre o indivíduo, as organizações e os Estados, pois, geralmente, elas são
vistas com desconfiança e associadas a riscos de segurança.

Por sua vez, Kephart (2006), já defendia que a associação do imigrante com ameaças a actos
terroristas e demais, deve-se à propensão que o mesmo tem em integrar-se nas sociedades de
acolhimento, através do processo denominado embedding – significando o forte grau de relação
que os imigrantes estabelecem entre si num determinado país de acolhimento (Peixoto, 2004)
–, onde em alguns casos chega a adquirir a nacionalidade ou cidadania. Sob este ponto de vista,
pode-se afirmar que, mesmo existindo diferenças da língua, cultura e dos hábitos, não
constituem barreiras significativas para a adaptação dos migrantes às sociedades de
acolhimento, no que refere aos padrões e normas de comportamento social.

Da mesma forma, Adamson (2006) defende que as migrações internacionais desafiam a


autonomia dos Estados ao nível da sua soberania ou capacidade de autonomia de seus actores,
no equilíbrio de poder entre Estados e, na natureza da violência e dos conflitos no sistema
internacional. Resulta disto que, a sua gestão deve ser feita considerando duas perspectivas:
uma questão de defesa de soberania do Estado contra violações das fronteiras estatais ou
integridade territorial e a questão de ordem interna, no que respeita à segurança pública.

Na mesma perspectiva, Seda (2017) atenta que as categorias de migrantes como requerentes de
asilo e refugiados têm sido interpretadas como ameaças à segurança dos Estados, facto que leva
ao fortalecimento de medidas de controlo de fronteiras de forma a conter esses fluxos. É por
esta razão que Werner (1990), já identificava cinco (5) categorias que deviam ser tidas em conta
na relação entre os Estados receptores e emissores dos migrantes, incluindo os refugiados, e
que fazem com que estes sejam percebidos como ameaças: i) situação em que os migrantes e/ou
refugiados se opõem ao regime do país de origem; ii) situação em que os migrantes e/ou
refugiados são percebidos como ameaça política ou risco de segurança ao regime do país
receptor; ii) os migrantes ou refugiados são vistos como ameaça à cultura; iv) como um

3
problema social e económico das sociedades receptoras; e, v) quando as sociedades receptoras
usam os migrantes como instrumentos de ameaça contra os seus países de origem.

Assim, o paradigma securitário traduz-se em novas respostas que os Estados devem estar aptos
a integrar, passando do tradicional sistema de defesa do território e garantia da independência
política, ao paradigma de defesa da “identidade cultural, independência económica e a
estabilidade social” (Rodrigues, 2010, p.16). A estes conceitos, Ferreira e Rodrigues (2013)
associam o conceito do paradigma de segurança humana, o qual coloca o indivíduo no centro
de análise.

A ideia do medo de ameaças ligadas a cultura das sociedades dominantes, ou seja, a cultura das
sociedades dos países receptores dos migrantes, é corroborada por Ferreira (2013), defendendo
que estas resultam da associação da imigração a situações de ameaça e insegurança que podem
ser percebidos por parte da política como um risco à segurança.

Moçambique não está imune a estes fenómenos migratórios, sendo estes característicos da
humanidade e fazendo parte dos direitos humanos. As crises humanitárias e económicas que
assolam grande parte dos países africanos – a exemplo de Burundi, República Democrática de
Congo, Somália, Ruanda –, a expectativa crescente, no âmbito interno e internacional, de um
desenvolvimento económico fundado nos grandes projectos de petróleo e gás, a disponibilidade
de recursos naturais, o clima de paz e estabilidade, se tornam factores impulsionadores da
imigração para Moçambique (Patrício, 2015, 2016; Raimundo e Raimundo, 2017; Patrício e
Peixoto, 2018).

Na percepção de Patrício (2016), a migração internacional em Moçambique conheceu o seu


boom devido aos factores repulsivos que alguns países africanos vêm registando nas suas
conjunturas político-económicas, aliados aos conflitos armados e, sendo visto Moçambique
como um país estável ao nível da África Austral.

Ainda que estudos realizados por Wetimane (2012), Patrício (2015, 2016), ambos fazendo
referência à Raimundo (2009), concordem na inexistência de uma base de dados sobre migração
internacional em Moçambique, Patrício (2016) identifica os fluxos migratórios internacionais
em Moçambique, como provenientes na sua maioria dos países dos Grandes Lagos e do Corno
de África e, em números mais modestos da África Ocidental, do Médio Oriente e Ásia. São
também referenciados imigrantes provenientes dos Países da Língua Oficial Portuguesa
(PALOP) e da Região Austral da África.

4
Portanto, olhando a dinâmica das migrações internacionais em Moçambique e, sustentado no
pensamento de Warner (1990), Rodrigues (2010), Ferreira (2013), Ferreira e Rodrigues (2013)
e Seda (2017) importa, analisar-se a imigração em Moçambique no contexto do paradigma
securitário.

Outrossim, são as considerações de Patrício (2016), o qual observa que a “rápida prosperidade”
que os imigrantes em Moçambique apresentam “é por vezes questionada, por se considerar que
o fazem por meios ilícitos” (p. 97), isto por um lado, e por outro, a imputação de desvios sociais
condenáveis tais como o tráfico de albinos e assassinato de pessoas portadoras de calvície,
fazendo com que estes sejam odiados.

Mais ainda, Seda (op. cit.) observa em seu estudo, citando um interlocutor da Polícia de
Fronteiras [PF], que constitui dado crucial o país de origem dos imigrantes, pois através deste
pode-se determinar de forma correcta as motivações por trás da sua imigração para
Moçambique, defendendo a premissa segundo qual, muitos dos envolvidos no tráfico e
exploração ilegal de recursos naturais não são oriundos de Estados vizinhos.

Sendo assim, é importante que o tema da imigração em Moçambique possa ser abordado num
contexto do paradigma securitário, atentando aos fundamentos acima arrolados.

1.2 Problema

Moçambique caracteriza-se por ser um país de migrações, recebendo migrantes de países, tanto
do continente africano, como de outros continentes. É, também, emissário de migrantes para
outros países. Parte considerável dos imigrantes que chegam a Moçambique procura refúgio,
outra parte, por razões económicas, como emprego, negócios, com vista a melhorar as suas
condições de vida (Muanamoha, 2008; Patrício, 2016; Feijó, 2018).

Informações disponíveis dos órgãos de gestão de migrações em Moçambique mostram fluxos


cada vez crescentes de entrada e fixação de imigrantes no território moçambicano, dos quais
alguns, sem a observância dos requisitos formais exigidos para o efeito, e outros, associados
com fenómenos de desvios sociais condenáveis (Patrício, ibid.).

5
Sobre este aspecto, Seda (2017) assegura que os estrangeiros são suspeitos de serem criminosos
porque o recurso à violação de fronteiras é um indicador crucial de que a pessoa está a realizar
um movimento ilegal.

Na sequência, o Serviço Nacional de Migração [SENAMI] (2018), através do Chefe das


Relações Públicas, em entrevista realizada a 20 de Junho de 2018, informou sobre a importação
de novas tipologias criminais para Moçambique, associadas aos migrantes internacionais, tais
os casos de: i) crimes cibernéticos, caracterizados pela clonagem de cartões de crédito; ii)
práticas hediondas, como o tráfico de pessoas portadoras do albinismo e de ossadas humanas;
iii) crimes de rapto e sequestro nas grandes cidades do país.

Por sua vez, a Revista Polícia (Comando-Geral da PRM, Abril de 2019) relata sobre a expulsão,
do país, de um grupo de 24 refugiados alojados no Centro de Refugiados de Maratane,
porquanto indiciados de perpetrar ataques contra outros abrigados e fomentava a desordem
pública nas áreas circunvizinhas ao Centro.

Estas práticas, per si, representam objectos de interesse no campo de segurança. O controlo das
fronteiras estatais, a defesa da soberania, da integridade e inviolabilidade do território nacional,
a preservação da ordem e segurança pública, a defesa do património e dos interesses vitais e
estratégicos do Estado, o combate a todas as formas criminais, o policiamento do cumprimento
da legislação, o controlo dos movimentos migratórios, são por excelência mandatos outorgados
pela Política de Defesa e Segurança às Forças de Defesa e Segurança, acarretando desta forma
que a sua desestruturação, desafia o poder público no exercício da soberania sobre o seu
território e na regulação do “modus vivendi” da sociedade.

A desestruturação das regras reguladoras de garante da soberania territorial e de convivência


social, sob este prisma das migrações internacionais em Moçambique, pode ser vista nos relatos
sobre violações sistemáticas das fronteiras estatais, fragilidades das instituições de controlo na
produção dos documentos de identificação e de viagem, de controlo da criminalidade, na
fixação dos imigrantes no território nacional e a sua integração no contexto socioeconómico
nacional.

As fronteiras nacionais, principalmente a terrestre, foram e continuam a ser vistas como mal
vigiadas, motivado pela sua extensão e pela falta de demarcação clara dos seus limites, em
algumas partes (Raimundo, 2009; Wetimane, 2012; Patrício, 2015, 2016; Seda, 2015, 2017;
Patrício e Peixoto, 2018; Francisco, 2018).

6
Bila (2011)1, em análise ao fenómeno da imigração ilegal em Moçambique e, fazendo
referência às explicações do então Ministro do Interior no Parlamento, formulou suas teses
sobre as causas que alimentam o fenómeno da imigração no país, sendo de destacar: i) as
fragilidades internas do sector de Ordem e Segurança Públicas pois, segundo ele, alguns dos
imigrantes adquirem com relativa facilidade os documentos de viagem e de identidade
nacionais; ii) a vulnerabilidade das fronteiras do país, mostrando-se as Forças de Guarda
Fronteira (actual Polícia de Fronteiras) incapazes de as controlar, e por isso, recomendando o
reforço da capacidade institucional com vista a responder aos desafios que este fenómeno
impõe.

Decorrente destes postulados e pela necessidade de prover melhores mecanismos de gestão,


tanto dos processos migratórios como das fronteiras estatais, o Estado moçambicano iniciou,
em 2013, o processo de reformas na PRM e, em 2014 no SENAMI, instituições com mandatos
específicos para actuar nestas matérias.

É desta forma que, através da Lei 16/2013, de 12 de Agosto, são reformuladas as funções da
PRM no âmbito da guarda da fronteira estatal, no combate à imigração ilegal, ao tráfico de
pessoas e de órgãos humanos, ao tráfico de drogas e de mercadoria diversa ao longo da fronteira
estatal (Cfr. n.º 1 do art.º 23 da Lei 16/2013, de 12 de Agosto). No mesmo sentido, através da
lei n.º 4/2014, de 5 de Fevereiro, foi criado o SENAMI que, dentre outras funções, é o órgão
responsável pelo controlo do movimento migratório através das fronteiras nacionais,
fiscalização da permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional e emissão de
documentos de viagem para cidadãos nacionais e estrangeiros e de residência para estrangeiros
(Cfr. art.º 4 da Lei 4/2014, de 5 de Fevereiro).

A reforma destas Leis veio fundamentar a revisão da Política de Defesa e Segurança, aprovada
pela Lei n.º 12/2019, de 23 de Setembro. Na nova Lei foram redefinidos os princípios,
objectivos e directrizes que visam “defender a independência nacional, preservar a soberania e
integridade do país, a paz e o estado de direito democrático, assim como garantir o
funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos, possibilitando a consecução
dos interesses do Estado”.

1
Disponível em https://alombroso.blogspot.com/2011/03/imigracao-ilegal-em-mocambique.html. Consultado em
28 de Abril de 2019.

7
À vista disso, a defesa da integridade territorial, da soberania do Estado, a garantia de ordem e
segurança públicas, contra ameaças, sejam elas latentes ou manifestas, a prevenção da
criminalidade, são aspectos a ter em conta quando se aborda o fenómeno da imigração em
Moçambique sob ponto de vista do paradigma securitário.

Por conseguinte, e tendo em vista as dinâmicas deste fenómeno em Moçambique, olhando-se


para as formas de entrada, as aparentes razões por trás da imigração e a forma como os
imigrantes se apresentam, uns sem a devida documentação legal e outros, tentando ludibriar as
autoridades de gestão das migrações em Moçambique, impõe-se uma discussão dos desafios de
segurança que estes acarretam à segurança interna do país.

Assim, torna-se necessário questionar: que desafios a migração internacional coloca à


segurança interna em Moçambique?

1.3 Objectivos

1.3.1 Geral

Analisar os desafios à segurança interna no contexto da migração internacional em


Moçambique.

1.3.2 Específicos

a) Caracterizar os fluxos migratórios em Moçambique;


b) Descrever os mecanismos de controlo das fronteiras estatais;
c) Examinar os mecanismos de gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique; e
d) Discutir os desafios de segurança que a migração internacional acarreta à segurança
interna em Moçambique.

1.4 Perguntas de Pesquisa

a) Como se caracterizam os fluxos migratórios para Moçambique?


b) Como é feito controlo das fronteiras estatais em Moçambique?

8
c) Como é feita a gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique?
d) Que desafios, a migração internacional, impõe à segurança interna em Moçambique?

1.5 Justificativa

A abordagem da migração internacional em Moçambique é de suma importância, à medida que


a sua deficiente gestão pode trazer consequências graves à segurança do país.

A opção por esta temática justifica-se pela necessidade de aprofundamento dos conhecimentos
sobre os processos de gestão das migrações em Moçambique, no contexto dos desafios de
segurança que estes fenómenos acarretam ao país. Como membro das FDS em Moçambique, o
pesquisador analisa a migração internacional neste contexto do paradigma securitário, visto esta
desafiar a soberania do Estado em relação ao controlo de suas fronteiras e na garantia da ordem
e segurança públicas.

As informações veiculadas pela comunicação social sobre as detenções de funcionários do


SENAMI, por alegado envolvimento em actos de falsificação e facilitação na emissão de
documentos de viagem para cidadãos estrangeiros2, colocam de alguma forma, em causa, a
soberania do Estado na gestão de cidadãos estrangeiros na entrada e permanência no território
nacional. Não somente este aspecto, as sistemáticas violações das fronteiras nacionais por parte
destes, a associação de alguns dos imigrantes a práticas criminais, constituem ameaça e um
desafio ao Estado moçambicano no que refere à gestão das suas fronteiras e da ordem pública,
sendo por isso, que o estudo faz análise a esses problemas e traz contribuições que possam
concorrer no debate em voga sobre políticas públicas de segurança na gestão destes fenómenos.

Como referem Rodrigues (2010) e Ferreira e Rodrigues (2013), o paradigma securitário traduz-
se em novas respostas dos Estados na defesa da independência política e do território, da
independência económica e a estabilidade social, com vista a garantia do bem-estar social dos
indivíduos, objectos da segurança humana. É neste sentido que se desenvolve a presente

2
Sobre esta matéria, a SAPONOTÍCIAS (Jornal electrónico do dia 06 de Setembro de 2018) informou sobre a
detenção de cerca de 43 cidadãos nigerianos na China ostentando o Passaporte moçambicano. Estes cidadãos
nigerianos são acusados da prática de vários crimes, sendo de destacar os crimes de tráfico de droga e de pessoas.
Informação disponível em: https://noticias.sapo.mz/actualidade/artigos/quarenta-e-tres-nigerianos-com-
passaporte-mocambicano-detidos-na-china. (consultado em 09 de Abril de 2019).

9
pesquisa. O fim último que os Estados prosseguem é o de garantir o bem-estar das suas
sociedades em todas as vertentes.

Assim, a abordagem securitária da gestão da imigração em Moçambique espelha a importância


do exercício da soberania do Estado perante situações anómalas, que vezes sem conta, são
associadas aos imigrantes, caso de terrorismo, tráfico de drogas, imigração ilegal, crimes
ambientais, tráfico de pessoas e de órgãos humanos e outros que possam perigar a soberania do
Estado, a ordem e segurança dos cidadãos e permitir, assim, a realização normal de suas
actividades.

Embora existam alguns estudos sobre dinâmicas migratórias em Moçambique, sendo de


destacar os estudos de Muanamoha (2008), Raimundo (2009, 2011), Sarmento et al. (2009),
Wetimane (2012), Patrício (2015, 2016), Patrício e Peixoto (2018) e Cebola (2018), verifica-se
um défice de estudos das migrações vistas num contexto securitário.

Os estudos acima têm em comum uma abordagem das migrações em Moçambique no contexto
das dinâmicas populacionais, preocupando-se com os fluxos, suas causas e efeitos
socioeconómicos no processo de desenvolvimento, tendências actuais, etc. Sobre a perspectiva
securitária, o estudo identifica as abordagens de Seda (2015, 2017), as quais há que se lhes
creditar a sua importância, embora focando apenas aspectos de segurança no contexto da
governação e gestão das fronteiras e não abordando a fundo, questões que intentam contra a
soberania do Estado, segurança interna e ordem e segurança públicas. Este, é um fundamento
que motivou a presente abordagem, à medida que esta procura contribuir na produção do
conhecimento sobre migrações e segurança em Moçambique.

Foi, também, factor motivador deste estudo o anseio de produzir resultados que possam servir
de base para estudos futuros, no que à relação entre migração internacional em Moçambique e
segurança respeita, no contexto de exploração dos desafios que este fenómeno coloca à
segurança interna do país e na elaboração de políticas públicas visando a gestão do mesmo.

1.6 Delimitação do Estudo

O tema em estudo na presente pesquisa, “Desafios à Segurança Interna no contexto da Migração


Internacional em Moçambique”, é abordado sob argumento do processo de associação de
imigrantes aos riscos e ameaças de segurança, na medida em que, de acordo com o exposto no

10
problema, situações de violações de fronteiras, aquisição de documentos oficiais de
identificação e de viagem por parte de cidadãos estrangeiros, prática de crimes ambientais e
contra a ordem pública, colocam em causa a segurança interna e a soberania do Estado
moçambicano no controlo territorial e na garantia da ordem e segurança pública.

Nos termos da Política de Defesa e Segurança, revista e aprovada pela Lei n.º 12/2019 de 23 de
Setembro, as questões de garantia da ordem e segurança públicas, a prevenção e repressão da
criminalidade, a identificação de cidadãos nacionais e estrangeiros, a protecção e segurança das
fronteiras bem como o controlo do movimento migratório nas fronteiras e em todo o território
nacional, garantia do funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos são
tarefas incumbidas à PRM, como a outros órgãos que, por lei são criadas e regidas com
mandatos específicos nesta temática.

Ainda na Política de Defesa e Segurança, é possível identificar as outras autoridades que fazem
parte das FDS, nomeadamente: Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e o
Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).

Para o presente estudo, o campo de enquadramento do problema será o do Sistema de Segurança


Interna, ou seja, as entidades e instituições criadas por Lei com mandatos específicos para
actuarem no campo da preservação da ordem e segurança públicas, na protecção e segurança
das fronteiras, bem como no controlo do movimento migratório nas fronteiras e em todo o
território nacional. Especificamente, o estudo irá incidir sobre a PRM e o SENAMI.

O mesmo, desenvolve-se numa perspectiva social, ou seja, serão analisados os contextos da


evolução das dinâmicas dos movimentos populacionais, suas influências no processo de
transformação das sociedades e sua associação a ameaças de segurança.

1.6.1 Temporal

A pesquisa abarca o período de 4 anos, isto é, são tidos em conta dados situados no horizonte
temporal que vai desde 2014 a 2018.

A escolha deste período temporal prende-se com as reformas introduzidas a nível das estruturas
de gestão directa do fenómeno migratório em Moçambique. Estas reformas institucionais

11
tiveram seu início no ano de 2013, com a aprovação da nova Lei da PRM (Lei n.º 16/2013, de
12 de Agosto), que organiza a PRM em Ramos de Polícia.

A reforma legal em referência, resultou na reformulação da designação da Força de Guarda


Fronteira [FGF], tendo passado a designar-se Ramo da Polícia de Fronteiras [PF] que, dentre
outras funções, tem na sua responsabilidade a protecção e guarda da fronteira estatal, o combate
à imigração ilegal, o contrabando, o tráfico de pessoas e de órgãos humanos, o tráfico de drogas
e de mercadoria diversa. O exercício destas funções é com base na coordenação com outras
forças de defesa e segurança (Alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 23, da Lei 16/2013, de 12
de Agosto).

Parte das funções em discussão acima, resultam da reformulação da missão deste novo Ramo
de Polícia. Enquanto Forças de Guarda Fronteira [FGF] constituía uma unidade operacional
que, embora não se limitando a guarda e protecção da fronteira nacional, as suas funções
encontravam-se diluídas e podia ser aplicada na protecção de instalações e na segurança de altas
entidades, funções estas cominadas às Forças de Protecção de Altas Individualidades (Artigo
28 do Decreto n.º 27/99, de 24 de Maio). Apenas com a lei 16/2013, de 12 de Agosto, as funções
da PF ficam claras nos termos acima definidos.

Na sequência, através da Lei n.º 4/2014, de 5 de Fevereiro, foi criado o Serviço Nacional de
Migração [SENAMI], perspectivando-se uma melhor adequação e organização do
funcionamento dos serviços responsáveis pela emissão de documentos de viagem e a gestão do
movimento migratório. Estes novos serviços, têm como competências: i) controlar o
movimento migratório através das fronteiras nacionais; ii) fiscalizar a permanência de cidadãos
estrangeiros no território nacional; iii) emitir documentos de viagem para cidadãos nacionais e
estrangeiros; e, iv) emitir documentos de residência para cidadãos estrangeiros.

É de notar que estas reformas introduzidas nestas instituições trouxeram novas


responsabilidades e novos procedimentos na gestão dos processos migratórios, o que conjectura
interesse na contextualização do estudo a partir deste horizonte temporal. Partindo desta base
de reformas, importa analisar sua influência na gestão das migrações, sob ponto de vista do
paradigma securitário, por forma a descortinar-se os desafios que estes fenómenos acarretam à
segurança interna do país.

12
1.6.2 Espacial

O espaço de estudo circunscreve-se na Cidade de Maputo, considerando os pontos de entrada


através das fronteiras marítima (Porto de Maputo) e aérea (Aeroporto Internacional de
Mavalane).

A escolha geográfica deste espaço prende-se, por um lado, com as questões de limitação de
mobilidade, visto o pesquisador estar a trabalhar e residir nesta cidade e, por outro, ser nesta
cidade que, de acordo com Patrício e Peixoto (2018) encontram-se espalhados os mais de 7.898
refugiados e requerentes de asilo, assim considerados na sua totalidade, bem como a maior
disponibilidade das oportunidades de negócio e da proximidade geográfica desta cidade com a
República da África do Sul (Raimundo & Raimundo, 2016; Raimundo & Raimundo, 2017)

Nos pontos de entrada na Cidade de Maputo, o estudo procurou responder às seguintes


questões: i) de que forma é feita a vigilância das fronteiras? ii) de que forma são geridas as
entradas de estrangeiros em Moçambique? iii) que procedimentos são seguidos em caso de
verificação de irregularidades na documentação apresentada por estrangeiros? e, iv) que
mecanismos são usados na fiscalização de embarcações marítimas e aeronaves que provenham
do estrangeiro?

13
CAPÍTULO II – MARCO TEÓRICO

2.1 Conceitos

2.1.1 Migração

O conceito de migração internacional não pode ser entendido sem que antes se aborde o
conceito de Migração no geral. No quadro da Declaração de Nova York sobre Refugiados e
Migrantes [DNYRM] (ONU, 2016), aprovada pela Assembleia Geral na reunião de alto nível
sobre a resposta para os grandes movimentos de refugiados e migrantes, os movimentos
populacionais são registados desde os primórdios da humanidade.

É consensual, a nível da história, considerar-se que as primeiras sociedades se caracterizavam


por ser nómades, buscando o que se esgotava por onde passavam. O advento de fronteiras para
representar, organizar, controlar ou dominar determinado espaço territorial (Ferrari, 2014),
concebidas no contexto do Tratado de Vestefália3, transformou o significado dos movimentos
populacionais, antes vistos como simples deslocações de pessoas pela busca de recursos que se
esgotavam no lugar onde se estabeleciam e migravam para outros em busca de sobrevivência.

Neste sentido, as migrações passaram a ser vistas, não apenas como movimentos circunscritos
dentro do mesmo espaço sob domínio da mesma soberania, mas também como movimentos
que transpunham territórios sobre domínio de outras soberanias com jurisdição sobre um
território e relacionados segundo princípio do equilíbrio de poder (Moita, 2012). É desta forma
que, passaram a ser impostas restrições a estes movimentos.

Atendendo a estes pressupostos, o Glossário de Migração e Asilo da Rede Europeia de


Migrações [GMA - REM] (REM, 2012), conceitualiza Migração no contexto global, ao
processo de deslocação de uma pessoa, ou grupo de pessoas, com passagem de uma fronteira
internacional (migração internacional) ou dentro de um Estado (migração interna). Nestes
movimentos, generalizam-se os tipos, independentemente de sua duração, composição ou
motivos e, inclui-se, também, a movimentação de refugiados4, de pessoas deslocadas, de
migrantes económicos e pessoas que se deslocam por outros motivos.

3
Tratado que pôs fim a guerra dos 30 anos (1618 – 1648) na Europa, consensualmente entendido como o marco
decisivo na história das relações internacionais e na origem do moderno Estado-Nações (Moita, 2012).
4
Nos termos das Convenções de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e da Organização da
Unidade Africana relativa a aspectos específicos dos problemas dos refugiados em África, de 1969 (ratificada pela
Resolução nº 11/88, de 25 de Agosto) e do Protocolo Adicional à Convenção de Genebra sobre o Estatuto do

14
Importa aclarar que esta definição se inspira no Glossário de Migrações da Organização
Internacional para as Migrações (OIM, 2019), que define Migração como um processo de
cruzamento de uma fronteira internacional ou de um Estado. Neste, entendem-se os
movimentos populacionais como quaisquer deslocações de pessoas, independentemente da
extensão, da composição ou das causas por trás dessas deslocações. E, inclui-se, também, a
migração de refugiados, pessoas deslocadas, pessoas desenraizadas e migrantes económicas
(OIM, 2009, 2019).

Anota-se nesta definição, o sentido específico que o termo Migração representa. Aponta-se para
o cruzamento de fronteiras internacionais de um Estado soberano, o que pressupõe a migração
internacional ignorando-se, desta forma, o sentido interno das deslocações populacionais, ou
seja, aquelas que não impliquem o cruzamento das fronteiras dos Estados.

O instrumento acima justifica a ocorrência das migrações pela busca de novas oportunidades
económicas e novos horizontes. Paralelamente a estes, encontram-se os que são impelidos pela
necessidade de escapar dos conflitos armados, da pobreza, da insegurança alimentar, da
perseguição, do terrorismo ou das violações e abusos dos direitos humanos e os que se movem
devido aos efeitos adversos de mudanças climáticas ou de desastres naturais ou outros factores
ambientais. Outros, pela combinação desses factores.

Assim, os motivos para estes movimentos, agrupam-se em dois grandes grupos: i) migrantes
voluntários5, aqueles que o fazem voluntariamente; e, ii) os migrantes forçados, os que são
forçados a enfrentar esses movimentos, dos quais pode-se encontrar refugiados, solicitantes de
asilo e deslocados internos (ONU, 2016).

Como espelhado nos conceitos acima, as Migrações são movimentos populacionais,


independentemente da distância percorrida, dos motivos que levam as pessoas a moverem-se
de um dado espaço territorial para o outro, da composição desses movimentos, etc. Importa

Refugiado, de 1967 (ratificado pela Resolução nº 12/88, de 25 de Agosto), considera-se refugiado a “qualquer
pessoa que receando com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo
grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontra fora do país da sua nacionalidade e não possa, ou em
virtude daquele receio, não queira requerer a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver
fora do país da sua anterior residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude desse
receio, não queira lá voltar”. É, também, aplicável “a qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação
externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na
totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência
habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade.”
5
Há que considerar que deste grupo de migrações, pode-se encontrar a migração regular e a migração irregular.

15
para este estudo a análise dos movimentos que atravessam as fronteiras internacionais de um
determinado Estado, os quais constituem migrações internacionais.

Estes movimentos, nos termos do Glossário de Migrações, são definidos como movimentos de
pessoas que deixam seus países de origem ou de residência habitual para se fixarem,
permanente ou temporariamente, noutro país (OIM, 2009, 2019). Há que se verificar, para este
efeito, a transposição de fronteiras estatais sob domínio de uma determinada soberania.

Da mesma forma e, porque valorizam-se os factores que concorrem para estes movimentos,
podem ser encontradas diversas modalidades de Migrações, num quadro que se estrutura em
migrações forçadas6 e migrações voluntárias7.

Há que não perder de vista a diferenciação operada no Pacto Global das Migrações [PGM]
(United Nations – UN, 2018) e na Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes,
respeitante a refugiados e migrantes. De acordo com estes instrumentos orientadores, não
obstante os termos “Refugiado” e “Migrante” constituírem movimentos populacionais
assistidos pelos mesmos direitos humanos universais e liberdades fundamentais que se devem
respeitar, proteger e cumprir (UN, 2018; ONU, 2016), são regidos por marcos jurídicos
diferenciados e específicos.

Portanto, ainda que, respeitando os direitos e deveres que o Estado moçambicano deve garantir
aos refugiados, em especial, fruto dos compromissos internacionalmente assumidos nesta
matéria, o estudo trata os Migrantes e Refugiados de forma indiscriminada pois, visa abordar
os possíveis efeitos destes movimentos populacionais na segurança do país.

Tem-se, para este trabalho, o conceito de migração internacional como o movimento de pessoas
com nacionalidade estrangeira que transponham as fronteiras nacionais e se fixam no território
nacional, independentemente das causas que as movem.

6
São movimentos migratórios impulsionados por factores de coacção, nomeadamente ameaças à vida ou à
integridade, quer tenham origem em causas naturais ou humanas. Resultam destes factores os refugiados, os
deslocados por desastres naturais ou ambientais, químicos ou nucleares, fome ou projectos de desenvolvimento
(OIM, 2019, 2009; REM, 2012).
7
Do quadro das migrações voluntárias podemos encontrar a i) migração laboral, aquela em que ocorre quando
pessoas de um estado se movimentam para outro Estado, para fins laborais; ii) Migração familiar que, no contexto
da União Europeia, representa o reagrupamento familiar, ou seja, a reunificação familiar; e, iii) a Migração
Económica, que se refere ao movimento essencialmente motivado por razões económicas ou visando a melhoria
de condições materiais de vida (REM, 2012).

16
É evidente que a migração internacional, vista sob ponto de vista dos países receptores, pode
configurar-se de diversas formas. Por conseguinte, e atendendo as recomendações corporizadas
na Resolução 1509 (2006) da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu, são tratados os
migrantes internacionais em Moçambique, para os casos dos que não possuem documentação
exigida para o efeito, como indocumentados ou irregulares. O não uso da expressão “imigrante
ilegal” fundamenta-se, na óptica desta instituição, por ser estigmatizante e trazer consigo
conotações negativas.

Outrossim, de entre várias razões, apontam-se as seguintes, como estando na origem da repulsa
ao uso da expressão “imigrantes ilegais”: i) ignora as obrigações legais internacionais, no
sentido de que os Estados têm assumido a nível internacional, obrigações para com todas as
pessoas sob sua jurisdição nos domínios de direitos humanos, independentemente do seu
estatuto de migração; ii) viola o direito ao reconhecimento da pessoa como detentor de direitos
perante a lei; iii) nega a sua dignidade e direitos humanos intrínsecos, o que os transforma em
alvos de desprezo e até o seu direito à vida chega a ser ameaçado; iv) descreve os imigrantes
como desonestos, indignos e criminosos, que são uma ameaça para o bem público; e, v) aumenta
as divisões sociais e dá origem a perfis raciais, xenofobia e crimes de ódio.

Já na legislação moçambicana – Lei n.º 5/93, de 28 de Dezembro, que estabelece o regime


jurídico do cidadão estrangeiro – o termo adoptado é o de “migrante clandestino”, definido
como todo aquele que saia do território nacional ou nele entre, por qualquer ponto habilitado
sem passaporte ou documento equivalente falso, incompleto ou caduco, bem assim os que o
façam por pontos não habilitados, ainda que com a documentação necessária.

2.1.2 Segurança

O conceito de segurança é ambíguo, polissémico e, por isso, exigindo a clarificação do âmbito


em que é abordado. Para Fiães Fernandes (2005), destacando os pensamentos de Michael C.
Williams e Keith Krause, “o conceito 'segurança' é um conceito derivado, sem significado em
si, dependente de um objecto e significado que lhe é atribuído” (p. 141).

A discussão do conceito de segurança por parte dos seus cultores, mostra que o consenso do
real significado é um aspecto inalcançável, visto as abordagens tenderem a distanciar-se de
acordo com as escolas interpretativas, que vão desde a teoria realista ou abordagem tradicional,

17
passando pela teoria crítica (escola de Frankfurt) até a abrangente, representada pela escola de
Copenhaga. Estas escolas de pensamento, debruçam-se, cada uma, focalizando aspectos que
considera deverem ser abarcadas por este.

Assumindo que o conceito de segurança sofreu influência dos realistas, no início esteve
limitado, por muito tempo, às questões político-militares, tendo sido alargado, muito por culpa
da queda do muro de Berlim, que simbolizou o fim da guerra fria, da bipolarização do sistema
mundo e do início da globalização económica e cultural. A partir deste período, as questões de
segurança foram sendo repensadas numa vertente em que não mais se limitavam a questões
político-militares, mas devendo integrar ainda, questões económicas, ambientais, da
propagação transnacional de doenças, do desenvolvimento e dos movimentos migratórios
internacionais em grande escala (Brancante & Reis, 2009; Garcia, 2010; Dias, Mota & Ranito,
2011; Buzan & Hansen, 2012; Brandão, 2016; Thudium et. al., 2016).

É a partir deste período que se intensificam as discussões sobre o objecto e o sujeito de


segurança, isto é, “segurança para quem?” e “segurança feita por quem?”. Os defensores
destas abordagens socorrem-se do construtivismo. Por meio desta, apontam que as ameaças e
os objectos de segurança são construções sociais que objectivam a emancipação humana. Por
isso, a segurança deve objectivar o homem e não o Estado, pois este último existe para proteger
o homem. Este pensamento, encontra uma forte objecção nas teorias abrangentes, na medida
em que se afirma que este, ignora a tese de que a segurança do Estado é condição necessária
para a realização dos valores individuais da sociedade que a compõe (Brancante & Reis, Ibid;
Dias et al., 2011; Thudium et. al., Ibid).

Fruto destas abordagens, impetra o alargamento do conceito de segurança para outros campos
de interesse. Para além das questões de defesa do território e da soberania, trespassa-se para as
questões que visem o bem-estar do indivíduo, tais como o económico, a saúde, o meio ambiente,
o desenvolvimento, o crescimento populacional e as migrações (Garcia, 2010; Buzan &
Hansen, op. cit.).

Os defensores do alargamento do conceito de segurança, sustentam sua posição afiançando que,


“um conceito baseado unicamente na ameaça militar não reconhece que as maiores ameaças à
sobrevivência do Estado podem não ser militares, mas ambientais, sociais e económicos” (Fiães
Fernandes, 2005, p.139). Desta forma, a abordagem dos problemas económicos, ambientais,
sociais no âmbito do conceito de segurança, mostra que “as ameaças não são apenas aquelas

18
que incidem sobre a sobrevivência do Estado, mas também, e sobretudo, aquelas que se fazem
sentir sobre os indivíduos” (idem).

Fernandes (2015), debruçando-se sobre o conceito de segurança, discute várias ambiguidades


lexicais de que esta é associada, uns completamente a ela alheias e outras que, mesmo
relacionadas, não carregam consigo o sentido que lhe é dado na perspectiva estratégica.

Por isso, alheio às discussões em torno destas ambiguidades, visto não constituir objecto desta
pesquisa trazer uma discussão exaustiva a respeito, o estudo foca-se na discussão de segurança
no contexto em que é abordado no âmbito da Estratégia. É esta discussão que interessa por ora,
visto preencher os objectivos em voga no presente estudo.

Alinhados com o pressuposto dos construtivistas, Buzan e Hansen (2009) defendem que o
conceito de segurança é uma construção que depende de cada país, de cada contexto, de cada
cultura e dos objectivos que se pretendem. Por isso, uma construção do conceito de segurança
ocidental é dificilmente aplicável aos contextos de segurança nos países do terceiro mundo.
Nesta perspectiva, cada Estado constrói, no seu contexto e de acordo com os objectivos a
atingir, o conceito de segurança que melhor responde e garante o alcance desses objectivos.

Com esta acepção, fica claro que os Estados têm a liberdade de definir os seus valores internos
a serem protegidos e determinar a melhor forma de os proteger contra qualquer ameaça, quer
surja a nível interno quer provenha do exterior, o que se consubstancia na estratégia a adoptar.

Dos trabalhos realizados no campo dos estudos de segurança internacional por autores como
Nordlinger (1995), Buzan (2016) e outros, se pode descortinar que as várias definições de
segurança reportam às questões de habilidades para proteger os valores ou interesses internos
contra ameaças, sejam elas internas ou externas.

Destarte, torna-se relevante elucidar as abordagens do conceito de segurança em duas


dimensões, a saber: a segurança interna (nacional) e a segurança internacional.

Embora para Fiães Fernandes (2005), as duas dimensões não sejam de fácil distinção, quando
afirma que

actualmente, o sistema internacional encontra-se sujeito a forças diametralmente


opostas (por um lado a globalização económica, por outro a fragmentação política) que
revelam uma crescente importância do factor externo na política interna. A
internacionalização das sociedades e a natureza cada vez mais transnacional das

19
ameaças e dos riscos tornam difícil a demarcação entre o interno e o externo, confundido
as duas dimensões. Esta realidade determina que a segurança interna não possa ser
separada da segurança externa (Fiães Fernandes, 2005, p. 146)

Sá Costa (2015) defende que a segurança nacional (interna) deve abarcar

a) a estabilidade e inviolabilidade dos limites fronteiriços do Estado; b) a capacidade de


se traduzir a soberania nacional, bem como a capacidade nacional de projectar poder no
exterior, em um conjunto de medidas que proporcione ganhos sociais e económicos para
a população nacional; c) a solidez e impessoalidade do sistema constitucional, assim
como sua impermeabilidade em relação a pressões externas; e d) a garantia da
previsibilidade legal das relações político-eleitorais e económicas (Sá Costa, 2015, pp.
124 – 125).

Nesta acepção, importa aclarar que o autor, considera os contextos externo e interno do domínio
da segurança, conglomerando as acepções da segurança no âmbito da defesa nacional –
responsabilidade das forças armadas – e segurança no âmbito da ordem interna –
responsabilidade das forças de segurança interna e da defesa civil. O contexto externo traduz-
se na capacidade do Estado em projectar-se no exterior através do poderio militar, concepção
muito difundida pelos realistas, objectivando debelar ameaças externas e impor-se militarmente
no exterior. Há também a questão da impermeabilidade e solidez do sistema constitucional em
relação a pressões externas.

No contexto interno são considerados os aspectos de estabilidade e inviolabilidade dos limites


fronteiriços do Estado, da capacidade de garantir a soberania nacional contra ameaças internas.

Em síntese, Escorrega (2009) apresenta três parâmetros a considerar em qualquer tentativa de


conceitualizar “segurança”, a saber: “i) a segurança implica para toda a comunidade a
preservação dos seus valores centrais; ii) a ausência de ameaças contra a comunidade; e, iii)
formulação de objectivos políticos pela comunidade” (Idem, p. 5).

Por sua vez, Garcia, fazendo referência às teses de Waever et. al. (2010), aponta para os
aspectos amplos do conceito de segurança, salientando que deve ser considerada “a busca da
libertação relativamente a ameaças, sendo resultante da inserção entre as vulnerabilidades de
uma unidade política e as ameaças que a mesma enfrenta” (Garcia, 2010, p.226).

Já Fernandes (2015), num conceito mais estratégico, apresenta a segurança como “um
acontecer ou fazer que permite realizar efectivamente a manobra estratégica de um dado actor
ou entidade política, vencendo as constrições do ambiente estratégico (ameaças e riscos)” (Idem
p.143).

20
É interessante observar que nestes conceitos, os autores enfatizam a função da segurança, isto
é, a sua utilidade. Ela não constitui objectivo em si, mas uma ferramenta para o alcance de um
objectivo definido. Parafraseando Fernandes (2015), a segurança serve como um elemento que
contribui para a realização de objectivos político-estratégicos e não como estratégia em si.

É o que se pode inferir da Lei n.º 12/2019, de 23 de Setembro. A Política de Defesa e Segurança,
define a segurança no contexto de medidas que contribuem para o alcance de objectivos macro
e micro políticos, económicos e sociais. Neste instrumento legal, a segurança visa “defender a
independência nacional, preservar a soberania e integridade do país, a paz e o estado de direito
democrático, assim como garantir o funcionamento normal das instituições e a segurança dos
cidadãos, possibilitando a consecução dos interesses do Estado” (Cfr. Lei 12/2019, de 23 de
Setembro).

O mesmo instrumento legal, no contexto da segurança interna, prescreve tratar-se da actividade


exercida pelo Estado para, de entre outras funções, garantir a ordem e segurança públicas,
proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade, identificar os cidadãos nacionais
e estrangeiros, controlar o movimento migratório (Cfr. art.º 11 da Lei 12/2019, de 23 de
Setembro).

Deste modo, a segurança é vista como um estado que permite a realização dos valores político-
estratégicos do Estado, preservando a existência do mesmo e das comunidades contra riscos e
ameaças, sejam elas internas ou externas.

Ressaltam desta concepção dois conceitos a considerar: Riscos e Ameaças. O risco projecta-se
a partir de uma probabilidade, uma incerteza de um acontecimento que venha a efectivar-se.
Trata-se de uma ameaça difusa com probabilidade baixa de sua ocorrência e que acarrete
consequências prejudiciais (Escorrega 2009; Fernandes, op. cit.).

É ainda de relevar que esta projecção de consequências pode resultar da interacção entre os
perigos, sejam naturais ou artificiais, isto é, humanamente induzidos (Fernandes, Ibid.).

Em contraposição, a ameaça representa uma acção ou força com grau considerável de se


efectivar e que atenta contra objectivos pré-estabelecidos.

Um dado importante a ter em conta, e que separa o risco de ameaça, é que a ameaça pressupõe
capacidade ou possibilidade comprovada ou assumível e uma intenção de um determinado
agente para a sua efectivação (Fiães Fernandes, 2005; Fernandes, op. cit.). Para que se considere

21
haver ameaça, é necessário um agente intencional, racional, com capacidade para efectivar a
sua intenção de alterar o status quo a seu favor. No risco, pressupõe-se o acaso ou um fenómeno
natural.

É interessante reparar que este conceito é limitado no contexto da estratégia militar.


Actualmente, e no seguimento dos debates no âmbito do alargamento do conceito de segurança,
são incluídas ameaças não consideradas tradicionais à segurança, mas que resultem em
consequências catastróficas à segurança humana, sobrevivência e ao bem-estar do indivíduo e
das comunidades, tais os casos de desastres naturais, alterações climáticas, fome, pobreza,
conflitos étnicos, terrorismo, migrações, etc.

Fiães Fernandes (op. cit.), assume que o conceito de ameaça deve ser visto sob duas
perspectivas: i) a objectiva, representando um atentado à integridade do Estado (sentido directo)
ou caracterizada por um conjunto de factores como a natureza e origem, incidência, intensidade,
efeitos, entre outros (sentido indirecto); ii) a subjectiva, onde pontua que as ameaças são
resultados de construções sociais.

Em sua dissertação, o autor defende que o público identifica, interpreta e associa determinados
sinais a uma ameaça e esta construção ganha ampliação nos discursos políticos (Idem).

Este pensamento, alinha-se às perspectivas críticas e abrangentes do conceito de segurança. É


neste campo de estudos de segurança internacional onde se adopta o construtivismo, onde se
defende que a segurança é uma construção social e, propondo-se temas como securitização,
visto como o Processo subjectivo e dinâmico pelo qual se define subjectivamente uma ameaça
à sobrevivência, a necessidade de tomar medidas urgentes e a aceitação pela audiência visada
da mensagem veiculada da definição de ameaça (Fiães Fernandes, Ibid.) e dessecuritização8.

2.2 Teoria da Securitização das Migrações

O discurso da securitização das migrações no campo de estudos de segurança internacional


emergiu nos finais dos anos 80, intensificou-se nos anos 90 e reforçou-se após os ataques de 11
de Setembro de 2001 nos Estados Unidos de América (Bigo, 2002; Karyotis, 2007).

8
Processo inverso de Securitização.

22
Este processo, fundamentou-se nos temores manifestados em discursos políticos que
consideravam os movimentos populacionais como constituintes de perigos para a segurança
dos Estados (Werner, 1990; Karyotis, Ibid.) e, opera-se através do movimento de securitização,
o que em inglês designa-se securitizing move (Buzan, Waever & Wilde, 1998).

De acordo com a expressão apresentada no parágrafo anterior, determinados objectos são


apresentados às populações como constituindo ameaças existenciais através de discursos
políticos e, a securitização se torna efectiva, isto é, o objecto se torna securitizado se e quando
a audiência o assume como tal (Buzan et al., 1998). Assim, ocorre a securitização da migração
se um número significativo dos membros da comunidade, encarar a entrada de imigrantes ou a
crescente influência destes ou de outra cultura como uma ameaça existencial (Brancante & Reis,
2009).

Deste modo, os discursos políticos, os profissionais de segurança, através de práticas


administrativas como as de criação de perfis de população, avaliação de risco, cálculos
estatísticos, criação de categorias, preparação proactiva (Bigo, 2002) tornam as migrações em
objecto ameaçador à segurança dos Estados através da sua associação com o terrorismo,
imigração ilegal, tráfico de pessoas e de órgãos humanos, tráfico de drogas e criminalidade em
geral.

Neste quadro, Buzan et al. (op. cit.), fundamentam que uma securitização bem-sucedida possui
três componentes: a) ameaças existenciais; b) acções emergenciais; e, c) o uso de meios
alternativos aos habitualmente usados em situações comuns (ou quebra de regras). Este
processo ocorre numa variação entre i) não-politizado, significando que a questão não faz parte
do debate político e, por isso, o Estado não lida directamente com ele; ii) politizado,
significando que a questão ganhou preponderância a nível da Política e é tratado nas políticas
públicas, exigindo decisão do governo e alocação de recursos ou, mais raramente, algumas
outras formas de governança comunitária; iii) a securitizada, referindo-se a questões que são
apresentadas como uma ameaça existencial. Assim, exige-se a tomada de medidas de
emergência e justifica-se a tomada de acções fora dos limites normais do procedimento político.
É desta forma que a securitização é vista como uma versão mais extrema da politização (Idem,
p. 23-24).

23
Pelo termo securitização, Brancante e Reis (2009, p. 77) afirmam tratar-se do “processo político
e intelectual de identificação de um objecto como ameaça, concluindo, assim, que o assunto
deve passar a constar no domínio (e na agenda) da segurança.”

Esta forma de análise baseia-se no construtivismo. Como apresentado anteriormente, o conceito


de segurança é uma construção de cada Estado, definindo o que constitui valor central do
Estado-nação e a melhor maneira de o proteger (Buzan & Hansen, 2009). Portanto, no contexto
das migrações internacionais, os Estados definem os valores centrais, tais como a identidade
nacional ou cultural, independência económica, estabilidade social, (Bigo, 2002; Karyotis,
2007; Rodrigues, 2010) e os relacionam com a questão Migrações, definindo as ameaças e os
riscos possíveis pela intensificação destes fenómenos nos Estados receptores.

É, por este paradigma que Bigo (2002) desenvolveu o seu pensamento de securitização das
Migrações. Para este autor, a securitização destas resulta da criação de um nexo continuo de
ameaças e riscos no geral, no qual diferentes autores trocam seus medos e crenças no processo
de construção de uma sociedade de risco e perigosa. Portanto, os profissionais responsáveis
pela gestão de segurança e do risco, transferem a legitimidade de sua acção contra os terroristas,
os criminosos, espiões, etc. para outros alvos tais como pessoas que atravessam as fronteiras ou
pessoas nascidas dentro das fronteiras do país, mas com pais estrangeiros.

No quadro da presente análise, a teoria da securitização das migrações serve de base para a
identificação e interpretação dos desafios de segurança interna conexos a migração
internacional em Moçambique. Apoiado no pensamento construtivista, define-se neste a
segurança interna, consubstanciada nos domínios da integridade territorial, soberania nacional
e ordem pública como valores centrais a serem protegidos pelas FDS e, por isso, olhando-se
para as migrações internacionais em Moçambique como factores de ameaça ao status quo
estabelecido.

Por isso que, uma gestão deficiente destes fenómenos migratórios em Moçambique pode
conferir perigos à segurança interna e obstar a realização de interesses nacionais visando
proporcionar o bem-estar social das comunidades.

24
2.2.1 Didier Bigo e o Ban-Opticom

Didier Bigo, proeminente estudioso dos sistemas de controlo e vigilância migratórios no espaço
europeu, desenvolveu a sua análise às políticas adoptadas na União Europeia sobre o que
chamou de globalização da (in)segurança. Para este autor, não se deve creditar ao 11 de
Setembro de 2001 o início do discurso político da necessidade de securitizar as migrações.
Porém, é a partir destes acontecimentos que se reconfigura o discurso da necessidade de guerra
contra o terrorismo e suspeitas contra estrangeiros, minorias étnicas e religiosas (Bigo, 2005).

Trata-se, nestes termos, da adopção do Ban-opticon9 (Bigo, 2006; Lebbe, 2011), que constitui
o campo de gestão do “indesejado”, o qual se caracteriza por “adopção de práticas do
excepcionalismo, actos de contenção e criação de perfis de estrangeiros e normas imperativas
de mobilidade” (Bigo, 2005, p. 6).

O dispositivo descrito por Didier Bigo, estabelece um tipo de inspecção que afecta mais a
imaginação do que os sentidos do vigiado (Lebbe, op. cit.) e se desenvolve de forma proactiva
através de rotinas e tecnologias de controlo e vigilância envolvendo políticos, profissionais de
segurança, juízes e o estado constitucional (Bigo, 2005). É, ainda, usado um banco de dados
para criar e armazenar perfis de pessoas e, através destes, determinar de antemão pessoas que
constituem ameaça à segurança, sob o argumento de que o melhor é “agir antes que seja tarde
demais” (Idem, 2005, 2006).

Para Bigo (2005), a introdução do excepcionalismo não está apenas adjacente a medidas
depreciativas e leis especiais contra o terrorismo presumido, mas também como uma forma
específica de governabilidade baseada no aumento da excepção. Esta, fundamenta-se no
estabelecimento dos sistemas de vigilância de dados e do incremento de medidas de verificação
da identidade dos imigrantes por meios tecnológicos diferenciados, sob pretexto de luta contra
a imigração ilegal, islamismo radical, crime organizado e organizações clandestinas (Idem).

Destarte, o controlo das fronteiras opera-se através da criação de vínculos entre as forças de
segurança e as agências de inteligência, compartilhando informações dos mesmos Bancos de
Dados. São, também, usados os oficiais de ligação da polícia, os quais constituem a peça-chave
para a troca de informações entre as agências, visando controlar os fluxos migratórios a

9
De acordo com Bigo (2005) o termo surge pela combinação dos Ban (proibição) de Jean-Luc Nancy, como
reconfigurado por Giorgio Agamben e o Opticon, usado por Foucault. Conforme apresentado por Lebbe (2011),
no sentido exposto por Agamben o termo “Proibição” refere-se tanto à exclusão da sociedade quanto ao poder do
soberano para suspender a lei (Lebbe, 2011, p. 34).

25
montante, para impedir ou bloquear os suspeitos em seus países de origem. Essas informações
visam projectar a vigilância além-fronteiras contra pessoas vistas como perigo e ameaça à
segurança nacional e ordem Pública (Bigo, 2005).

Outrossim, ocorre através de bloqueios e movimentos de exclusão, tais como vistos, controlos
implementados pelas companhias aéreas, deportações e readmissões (Idem, 2006).

2.3 Teorias da Migração Internacional

Vive-se a “era da mobilidade, onde um número cada vez maior de pessoas atravessa as suas
fronteiras nacionais, em busca de uma nova vida”10. Deste modo, faz-se necessário perceber
que nem sempre os factores por trás das migrações se limitam apenas à busca de melhores
condições de vida, o que de certo modo constitui migração voluntária, mas sim, que parte
significativa destes se relaciona com as forças de repulsão, as quais constituem base das
migrações forçadas. São parte destes fenómenos, os conflitos étnicos e religiosos, as guerras, a
insegurança ou os factores ambientais (alterações climáticas), a pobreza, as doenças, a escassez
de recursos, etc. (Figueiredo, 2015; Seda, 2017).

Alguns estudos mostram que desde os tempos pré-coloniais, os povos, especificamente os


africanos, viveram de forma dinâmica. Avança-se a ideia geral de que sempre existiram
mobilidades populacionais, seja pela procura de terras propícias para a prática de agricultura,
seja pelas guerras entre as tribos e etnias pelo domínio (Raimundo, 2009; Feijó e Raimundo,
2018).

Contudo, é importante salientar que o capitalismo transformou o significado dos movimentos


migratórios em África que, visando antes a busca de melhores terras para a prática da
agricultura, tornaram-se, à posterior, em movimentos pela busca de trabalho (Feijó e Raimundo,
Ibid.). Ademais, para os autores clássicos, como Malthus, Durkheim, Marx e Weber, as
migrações resultavam do processo de desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da
urbanização (Sasaki e Assis, 2000).

10
Pressuposto avançado pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, Cfr. Figueiredo, L. (2015).
Migrações e Demografia. O nosso mundo, a nossa dignidade, o nosso futuro. Recuperado em:
http://www.instituto-camoes.pt/images/cooperacao/aed_ficha_migrdemogrf.pdf consultado em 09/07/2019.

26
Em tempos, Moçambique caracterizou-se por ser um país de emigração, principalmente para a
África do Sul, Zâmbia e Zimbabwe, através dos acordos de mão de obra para trabalhar nas
plantações e minas de ouro e diamantes (Covane, 1996; Neves, 1998; Raimundo, 2010;
Raimundo & Raimundo, 2016, 2017; Feijó e Raimundo, 2018). Actualmente, o país caracteriza-
se por ser receptor de imigrantes que queiram se fixar neste e, outros que o usem como país de
trânsito para alcançar outros destinos, como é o caso da África do Sul, Europa ou China.

Este fenómeno é, em parte, motivado pelos factores de atracção que se caracterizam pela
expectativa crescente, no âmbito interno e internacional de um desenvolvimento económico
fundado nos grandes projectos de petróleo e gás, a disponibilidade de recursos naturais, o clima
de paz e estabilidade e, também, pelos factores de repulsão que alguns países africanos,
principalmente da região dos Grandes Lagos e do Corno de África, apresentam (a exemplo de
Burundi, República Democrática de Congo, Somália, Ruanda, Sudão). Esses factores são
exemplificados pelas crises humanitárias e económicas, as guerras étnicas, secas, etc. (Patrício,
2015, 2016; Patrício & Peixoto, 2018).

A história de estudos das migrações é, por autores como Sasaki e Assis (2000), Peixoto (2004)
e Castles, Haas e Miller (2009, 2014), creditada ao autor Britânico Ernest Raveinstein, que nos
anos 1885 e 1889 publicou, pela primeira vez, trabalhos sobre as “Leis das Migrações”.

Nestas publicações, segundo Peixoto (op. cit.), o autor apresenta uma análise empírica
pormenorizada dos fenómenos migratórios e os conceitos que servem de base de estudo dos
fenómenos migratórios (classificação dos migrantes – temporários, de curta e média distância,
entre outros), migrações por etapas, regiões de atracção e de repulsão, efeito da distância,
contracorrentes, acção de estímulos económicos, etc.

É, por esta via, atribuída a Ravenstein a base dos modelos de análise das migrações do tipo
“atracção e repulsão” (push – pull). São os modelos que consideram o uso das vantagens
comparativas que o individuo obtém, a partir do conhecimento das características relativas de
determinadas regiões, e que influenciam no processo de tomada de decisão pela imigração ou
pela permanência. Nestes modelos, os factores e as “variáveis intervenientes” apenas actuam
como precursores da decisão de um agente racionalmente motivado (Peixoto, Ibid.).

À vista disto, a explicação para os movimentos migratórios, insere-se na escolha racional do


indivíduo (proposição neoclássica da economia) e nos contextos da sociologia do tipo Micro e
Macro. Micro olhando para a atitude racional de tomada de decisão e Macro, no sentido da

27
existência de forças que impulsionam as migrações. Daí que se afirma não ser possível entender
os fenómenos migratórios sem que se recorra à interdisciplinaridade, destacando-se para o
efeito, as disciplinas de economia, sociologia, ciência política, história, geografia, demografia,
psicologia, estudos culturais e direito (Peixoto, 2004; Castle Haas & Miller, 2014).

Na nova abordagem económica das migrações, o foco desloca-se da racionalidade individual


influenciada pela necessidade de maximizar os ganhos e passa a evidenciar aspectos da decisão
colectiva influenciada pela maior variedade de factores como segurança no emprego,
disponibilidade do capital de investimento e a necessidade de avaliação do risco por períodos
longos (Castles, Haas & Miller, Ibid.).

Esta abordagem sintetiza-se em alguns aspectos considerados críticos para um melhor


entendimento da estrutura das migrações internacionais, resumidos em Sasaki e Assis (2000) a
partir da abordagem da Massey (1997). De acordo com estes autores,

a unidade de análise não seria o indivíduo autónomo mas sim, as famílias, domicílios
ou outras unidades de produção e consumo culturalmente definidas; o diferencial de
renda não é uma condição necessária para ocorrer a migração internacional, uma vez
que podem contar com incentivos para diversificar os riscos através das redes sociais; a
migração internacional, emprego e produção local não são mutuamente possibilidades
exclusivas; as políticas governamentais ocasionam mudanças económicas que afectam
a distribuição de renda podendo influenciar a migração internacional independente de
seus efeitos sobre a renda (Sasaki & Assis, Ibid., p. 7).

Como defendido em Sasaki e Assis (Ibid.), no modelo neoclássico das migrações, faz-se
necessário que o migrante invista em si mesmo, através da “educação, experiência de trabalho,
domínio da língua da sociedade hospedeira, tempo de permanência no destino e outros
elementos do capital humano” (p. 6), como factores de sucesso no país de acolhimento.

Este modelo explicativo encontra fortes críticas no contexto actual de pesquisas sobre esta
temática. Como demonstram Castles, Haas e Miller (2009), não se pode creditar apenas ao
poder e domínio de informações que o indivíduo tem sobre as opções e liberdades para fazer
uma escolha racional. Normalmente, os imigrantes possuem informações contraditórias e
sujeitas a várias restrições a respeito de um determinado país (Idem), o que pode dificultar,
sobremaneira, os processos da racionalidade na tomada de decisão por imigrar ou por
permanecer no seu país de origem.

28
Com o avançar das pesquisas no campo das migrações, várias são as correntes que se foram
destacando, procurando explicar os fenómenos migratórios a partir de vários prismas que, em
certa medida, se mostram críticos à perspectiva dos neoclássicos.

Pela corrente das redes migratórias, as migrações são analisadas do ponto de vista das relações
sociais. Consequentemente, os fluxos migratórios são determinados, não pelo cálculo individual
com base em desigualdades económicas, mas pelas relações sociais estabelecidas e enraizadas
por membros de uma determinada comunidade e, por isso, desencadearem-se diversas
tipologias de formas de integração dos migrantes de acordo com a recepção e a classe social a
que os membros pertencem (Peixoto, 2004).

Este processo é chamado, como afirmado em Portes e Sensenbrenner (1993, citados em Peixoto,
op. cit.) de social embeddedness11. Para estes autores, as relações sociais constituem-se de um
capital acumulado de expectativas para acção ou de fecho de relações numa comunidade,
cravado em redes étnicas e outras redes que constituem o sustentáculo das migrações.

Decorrente da análise acima, Peixoto escreve que

a presença deste factor social embeddedness nas comunidades imigrantes é elevada, por
isso, desenvolvem-se com relativa facilidade os laços de solidariedade (bounded
solidarity) e confiança (como a enforceable trust), indispensáveis na subsistência dos
fluxos migratórios e na integração dos migrantes nas comunidades de acolhimento
(Idem, p. 10).

Por essa via, os fluxos migratórios são sustentados pelas relações solidárias que se desenvolvem
nos grupos migrantes, mas também são desencadeadas e mantidas entre as comunidades
receptoras e as da origem, facto este que leva a uma outra abordagem analítica das migrações.

Sob este novo prisma de análise, a imigração é vista no contexto da transnacionalidade, na qual
se enfatiza a emergência de um processo social que cruza as fronteiras geográficas, culturais e
políticas (Sasaki & Assis, 2000; Castles, Haas e Miller, 2009).

É deste quadro de análise onde se explicam as relações que os migrantes internacionais mantêm
com as sociedades de origem e como elas são conjugadas com as relações mantidas com as
sociedades de acolhimento. Essas relações pressupõem a alteração dos contextos sociais, tanto

11
Termo elaborado e utilizado por Granovetter (1985), para explicar a forte relação que se estabelece entre a acção
económica e a estrutura social (Peixoto, 2004).

29
das sociedades acolhedoras como das sociedades de origem dos migrantes, através das
influências culturais, antropológicas e históricas dos mesmos.

Como destacado na problemática em análise nesta pesquisa, para além dos factores atractivos
e repulsivos que possam influenciar a decisão racional do indivíduo, num contexto grupal, acha-
se pertinente que a abordagem possa configurar este pensamento das relações transnacionais
estabelecidas entre os imigrantes em Moçambique e os seus países de origem.

É visto que, os imigrantes neste se organizam em comunidades específicas, nas quais integram,
não apenas os indivíduos originários do mesmo país, mas também os que se aproximam através
das práticas culturais, religiosas, étnicas, etc. Esta conjuntura, pressupõe a existência de redes
migratórias, que sustentam os fluxos migratórios para Moçambique.

Posto isto, o contexto de análise feita neste estudo interpreta o fenómeno de forma holística,
não se cingindo apenas na análise de acordo com um referencial teórico específico, mas olhar-
se para o fenómeno da imigração em Moçambique como um todo, pois apenas desta forma, se
pode chegar a um entendimento concreto sobre suas influências no contexto securitário
nacional.

Na tabela 1, apresenta-se o quadro resumo das Teorias da Migração internacional em discussão


no presente estudo.

30
Tabela 1
Quadro resumo das Teorias da Migração Internacional
Factor
Teoria Caracterização
determinante

agente racionalmente motivado considera as


vantagens comparativas a partir do conhecimento das
características relativas de determinadas regiões;
Escolha racional
Push – Pull Sociologia Micro: atitude racional na tomada de
do indivíduo
decisão;
Sociologia Macro: forças impulsionadoras das
migrações;

Escolha Racional;

Capital Humano investir na educação experiência de trabalho, Decisão colectiva


domínio da língua da sociedade hospedeira, tempo de
permanência no destino e outros elementos;

Relações sociais
as migrações não ocorrem pelo cálculo individual
(social
com base em desigualdades económicas, mas pelas
Redes migratórias embeddedness);
relações sociais estabelecidas e enraizadas por
bounded solidarty;
membros de uma determinada comunidade
enforceable trust;

Manutenção das
relações sociais
processo social que cruza as fronteiras geográficas,
Transnacionalidade com as
culturais e políticas
comunidades de
origem

Nota: Tabela resumo das teorias de migração internacional. Adaptado do autor a partir da síntese da discussão
da secção 2.3 – Teorias da Migração Internacional.

31
CAPÍTULO III – METODOLOGIA

3.1 Caracterização da Pesquisa

O método de pesquisa é geralmente entendido como as operações disciplinadas ou


procedimentos intelectuais e técnicos que possibilitam o alcance de um resultado, que seja um
conhecimento válido e verdadeiro e proporcionar a sua verificação por outros pesquisadores,
na adopção das mesmas técnicas e procedimentos que propiciaram o seu alcance (Lakatos &
Marconi, 2003; Gil, 2008).

A migração internacional é um fenómeno social e para a percepção significativa das suas


dimensões, fez-se necessário recorrer ao método qualitativo. No contexto da presente pesquisa,
permitiu explorar as particularidades constitutivas da migração internacional em Moçambique
e suas influências na componente securitária. Como defendido em Alami, Desjeux e Garabuau-
Moussaoui (2010), procurou-se juntar pequenas partes numa totalidade do quadro social, do
sistema de acção ou da dinâmica social.

A opção por este tipo de método justificou-se, pela necessidade de se estudar o fenómeno
concreto da imigração em Moçambique e obter uma compreensão detalhada, de modo a apurar
as possíveis relações que se podem estabelecer com as questões de segurança. Este processo,
foi estabelecido através da interacção com as pessoas que, no dia-a-dia, trabalham nos processos
de gestão migratória.

Quanto ao objecto, a pesquisa é do tipo descritivo. No entendimento de Triviños (2007, p. 110),


este tipo de pesquisa permite “descrever com exactidão os factos e fenómenos de uma
determinada realidade”. No mesmo sentido, Danton (2002), defende que a pesquisa descritiva
dá a possibilidade ao pesquisador para observar os fenómenos sociais, registá-los e analisá-los,
sem manipulá-los, de modo a determinar a sua natureza, suas características e sua relação com
outros fenómenos.

Com base em estudos descritivos, pode-se desenhar o quadro de uma situação, pessoa ou
evento, ou mostrar como as coisas estão relacionadas entre si (Gray, 2012). Daí que, a
abordagem do fenómeno da imigração em Moçambique sob ponto de vista do paradigma
securitário, busca não somente a descrição e interpretação do fenómeno, mas, principalmente,
os factores pelos quais o mesmo é associado, seja de forma directa ou indirecta, às questões de

32
segurança interna em Moçambique, tendo como base de análise os fundamentos arrolados na
problemática em estudo.

3.2 Método de Abordagem e de Procedimento

Moçambique é um país de Migrações (Muanamoha, 2008; Patrício, 2016; Feijó, 2018). Assim,
a análise realizada neste estudo ocorreu num quadro comparativo das medidas
internacionalmente observadas no contexto de gestão das migrações.

Os países com fluxos migratórios altos tendem a securitizar as migrações (Buzan et al., 1998;
Bigo, 2002; Karyotis, 2007). Neste contexto, a International Civil Aviation Organazation
(ICAO, Organização da Aviação Civil Internacional) adoptou e padronizou medidas de
segurança de cumprimento obrigatório para os Estados-membros, havendo espaço para, através
do acto de Derrogação, os mesmos pronunciarem-se sobre as diferenças existentes nas suas
legislações, relativamente às práticas recomendadas.

Destaca-se, porém, que Moçambique não comunicou à ICAO sobre quaisquer diferenças em
seus regulamentos e práticas nacionais em relação às práticas e recomendações contidas no
Anexo 9 à Convenção da ICAO12. Todavia, por se saber que o país está sob interacção diária
com as regras e recomendações da ICAO, através dos sistemas de controlo migratório,
navegação aérea e controlo dos passageiros que viagem de voo, mostrou-se importante fazer
esta análise com base nestas normas.

Em vista disso, a pesquisa segue uma abordagem dedutiva, pois parte das análises do tratamento
dos fenómenos migratórios nos contextos das recomendações da ICAO, das práticas da União
Europeia e dos EUA, medidas adoptadas principalmente após os ataques de 11 de Setembro de
2001 às torres gémeos, nos EUA.

Como procedimento de pesquisa, foi realizado um estudo de caso, que segundo Triviños (2007)
trata-se de uma variante do tipo descritivo da pesquisa. Para Gil (2008, p. 58), o estudo de caso,

12
De acordo com a 12ª Edição do Suplemento ao Anexo 9 – Facilitação, Moçambique consta dos países-membros
da ICAO que não notificaram a ICAO sobre diferenças e conformidades sobre as regras e práticas aplicadas em
seus territórios em relação às regras e práticas internacionais padronizadas e recomendadas através do Anexo 9 da
ICAO.

33
permite o “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objectos, de maneira a permitir o
seu conhecimento amplo e detalhado”.

Yin (2001, p. 32) define estudo de caso como uma “investigação empírica que investiga um
fenómeno dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenómeno e o contexto não estão claramente definidos.” O fenómeno deve ser contemporâneo,
ou seja, actual, no qual o pesquisador tenta revelar uma relação entre um fenómeno e o contexto
no qual ele ocorre (Gray, 2012).

À vista destes argumentos, o presente estudo, recorreu a esta estratégia de pesquisa com vista
o tratamento do fenómeno da imigração em Moçambique tendo em conta os desafios que o
mesmo acarreta à segurança interna.

Gray (Ibid.) afirma que os estudos de caso exploram temas e questões nos quais as relações
podem ser ambíguas e incertas e procuram atribuir relações causais e não somente descrever a
situação. Sob este aspecto, saliente-se que nos estudos demográficos e da população, as relações
entre Migrações e Segurança são vistas como ambíguas e com incertezas de haver uma relação
directa, mas do ponto de vista securitário, isto é, no que aos estudos de segurança internacional
respeita, este tema tem merecido destaque.

Destarte, no respeito destes fundamentos, a presente pesquisa não somente buscou descrever as
rotas habitualmente usadas pelos imigrantes em Moçambique, como procurou discutir os
factores deste, que possam constituir riscos e ameaças, sejam elas latentes ou manifestas, à
segurança em Moçambique.

Embora muitos autores defendam que resultados obtidos a partir de estudos de caso não sejam
generalizáveis por se tratar de situações com características e ambientes próprios de casos
estudados e podem diferir de caso para caso (Gerhargt & Silveira, 2009; Alami et al., 2010;
Gray, op. cit.; Creswell, 2014), Triviños (2007) afirma que estes, fornecem o “conhecimento
aprofundado de uma realidade delimitada e os resultados atingidos podem permitir a
formulação de hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas” (p. 110).

Assim, os resultados desta pesquisa podem contribuir no debate académico sobre a relação entre
o fenómeno da imigração em Moçambique e a segurança, num contexto de exploração dos
desafios que este fenómeno coloca à segurança interna e na elaboração de políticas públicas
visando a sua gestão.

34
Outrossim, o recurso ao procedimento de estudo de caso justificou-se pela necessidade de trazer
um contributo válido para a Política em geral, no desenho de Políticas Públicas de Segurança e
de Controlo Migratório e, em especial para as Forças de Defesa e Segurança, no aprimoramento
das medidas de segurança e Planos de Segurança, tanto das fronteiras estatais bem como no
monitoramento da situação de ordem e segurança públicas no país.

Tendo em vista os objectivos do estudo, questões de relevo para a percepção destes fenómenos
foram colocadas, que respeitam i) às formas de controlo das entradas de estrangeiros em
Moçambique; ii) aos procedimentos seguidos em caso de verificação de irregularidades na
documentação apresentada por estrangeiros; iii) aos mecanismos usados na fiscalização de
embarcações marítimas e aeronaves que provenham do estrangeiro; iv) aos procedimentos de
vigilância das fronteiras; v) as rotas migratórias habitualmente usadas, etc. Os resultados destes
questionamentos, serviram de base para o pesquisador interpretar o fenómeno da imigração em
Moçambique com foco no paradigma securitário, visto que a maior preocupação desta pesquisa
é perceber os desafios que este fenómeno impõe à segurança interna em Moçambique.

3.3 Técnicas de Recolha de Dados

No entendimento de muitos autores, para se realizar um estudo de caso é preciso recorrer a


múltiplas fontes de evidência, o que de certo modo contribui de forma significativa para
assegurar a qualidade dos resultados (Yin, 2001; Gil, 2008; Gerardt & Silveira, 2009; Gray,
2012; Creswell, 2014). Deste modo, foram usadas como técnicas de recolha de dados: a
pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a entrevista e a observação.

A pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2008), é “constituída principalmente de livros e artigos


científicos” e é vantajosa porque permite ao pesquisador cobrir “uma gama de fenómenos muito
mais ampla do que aquela que poderia pesquisar directamente” (p. 50). Com esta técnica foram
analisados manuais e artigos científicos que abordam teorias sobre migrações e segurança,
visando construir o referencial teórico que sustente o presente vector de pesquisa.

Com a pesquisa documental foram analisadas a legislação relativa ao Sistema de Segurança


Interna em Moçambique e relatórios das forças de segurança fronteiriça (SENAMI, PRM,
através da PF e PCLF). Com estas análises, buscou-se perceber factos sobre a Política
Migratória em Moçambique, Políticas de Segurança Pública e outros aspectos que possam

35
permitir melhor interpretação dos fenómenos da imigração em Moçambique e como esta se
relaciona com questões de segurança.

Ademais, com os relatórios destas forças de segurança das fronteiras, buscou-se entender como
se caracterizaram os fluxos migratórios no período em estudo, quantos imigrantes entraram no
território nacional e quantos foram interpelados em situações irregulares que atentam contra a
segurança interna do país.

Ainda que a pesquisa documental seja considerada valiosa para corroborar e valorizar as
evidências oriundas de outras fontes e possibilitar a realização de inferências sobre
determinados fenómenos, um alerta aos pesquisadores é feito, para que sejam criteriosos ao
interpretar o conteúdo dessas evidências documentais. Atendendo a este alerta, na revisão dos
documentos, foram tidos em conta os contextos e os objectivos para os quais foram escritos,
pois, em algumas situações, divergem com o contexto e os objectivos desta pesquisa (Yin,
2001).

O uso da entrevista nas pesquisas sociais é considerado vantajoso pois é “bastante adequada
para a obtenção de informações a respeito” das atitudes “das pessoas” (Selltiz et al.,1967, citado
em Gil, 2008, p. 110). Mais ainda, o pesquisador reduz o seu distanciamento do pesquisado
(Creswell, 2014).

Nesta pesquisa, foram adoptadas entrevistas semiestruturadas. Estas, permitiram o


“aprofundamento das visões e das opiniões dos respondentes” (Gray, 2012, p. 302).

As respostas às perguntas colocadas aos entrevistados forneceram dados que facultaram ao


pesquisador, aferir os processos de associação do fenómeno da imigração em Moçambique aos
factores de segurança interna.

A observação decorreu no Posto de Travessia do Aeroporto Internacional de Mavalane, em


ambiente de chegada de voos internacionais. A mesma foi directa e oculta (Gray, Ibid.), pois
tratando-se de estudar as relações que se podem estabelecer entre imigração em Moçambique e
a segurança, entendeu-se que não se podia fazer saber os observados sobre o trabalho do estudo,
isto porque, poderiam tentar alterar os seus comportamentos colocando em risco a validade dos
resultados da pesquisa.

A observação, foi conduzida pelo pesquisador para a observação de aspectos sobre: i) as formas
de tratamento dos imigrantes no acto da chegada ao Posto de Travessia do Aeroporto

36
Internacional de Maputo; ii) o trabalho das autoridades de gestão das migrações; iii) as formas
de controlo das entradas de estrangeiros em Moçambique; iv) os procedimentos seguidos em
caso de verificação de irregularidades na documentação apresentada por estrangeiros, etc.

3.3.1 Instrumentos de Recolha de Dados

Para a recolha de dados, a pesquisa socorreu-se do Guião de Entrevista (Apêndice A) e da


Grelha de Observação (Apêndice B), para além do uso da análise bibliográfica e documental,
feita através das fichas de leitura.

O Guião de Entrevista (Apêndice A) é constituído por perguntas abertas centradas em temas


pré-determinados – dimensões de pesquisa –, que forneceu uma amplitude considerável e a
oportunidade de o entrevistado moldar o seu conteúdo sempre que achasse pertinente explicar
e esclarecer algum aspecto em concreto, sobre o tema em estudo nesta pesquisa.

Os dados descritivos sobre imigração em Moçambique, obtidos através deste instrumento


permitiram ao pesquisador desenvolver uma ideia geral sobre a forma como este fenómeno é
interpretado por parte das autoridades de gestão das migrações em Moçambique.

Assim como o Guião de Entrevista, a Grelha de Observação (Apêndice B) visou anotar aspectos
observáveis sobre as práticas dos agentes de gestão de fronteiras no seu trabalho diário, o que,
de acordo com Quivy e Campenhoudt (1998), constitui uma observação visual directa dos
comportamentos dos sujeitos da investigação no momento em que eles se produzem.

Pela análise bibliográfica, foram examinados criticamente os conteúdos contidos na vasta


literatura que embasa o presente estudo, com vista a obter os fundamentos científicos sob ponto
de vista de outros investigadores nas temáticas sobre migrações internacionais e segurança. Esta
acção, foi feita através do “fichamento” das ideias achadas pertinentes para o estudo, num
processo que se caracterizou pela localização e organização de informações que, posteriormente
foram classificadas para a elaboração de anotações.

Igualmente, os documentos estudados, que se constituem de informações primárias, forneceram


dados que, a sua sistematização, permitiu a compreensão dos processos de gestão migratória
adoptados pelo Estado moçambicano e como este, através das FDS, percebe criticamente as
migrações internacionais.

37
3.4 Técnica de análise e interpretação de dados

A actividade de análise e interpretação de dados constitui a parte mais significativa de qualquer


estudo, como forma de dar significado e sentido aos dados recolhidos no contexto dos
objectivos prosseguidos pela pesquisa.

Em estudos de caso existem métodos específicos de análise e interpretação de dados (Creswell,


2014). Yin (2001) define esta actividade como aquela que “consiste em examinar, categorizar,
classificar em tabelas ou, do contrário, recombinar as evidências tendo em vista proposições
iniciais de um estudo” (Idem, p. 131).

O presente estudo, adoptou uma base de análise holística (Yin, Ibid.; Gray, 2012; Creswell,
2014), a qual considera o exame aprofundado das partes que compõem o fenómeno da
imigração em Moçambique.

Neste contexto, o estudo priorizou a técnica de análise de conteúdo. Como proposto por Bardin
(2016), esta técnica organiza-se em três fases, a saber: pré-análise, exploração do material, e
tratamento dos dados, inferência e interpretação.

Alami et al. (2010) destacam que esta técnica de análise de dados decorre em três níveis: análise
temática transversal; a análise descritiva; e, a análise explicativa.

A análise temática transversal visou estabelecer as grades de temas comuns ao estudo da


imigração em Moçambique, permitindo, deste modo, a criação de códigos e classificação dos
dados recolhidos sobre assuntos que remetem ao mesmo tema (Triviños, 2007; Alami et al.
Ibid.; Creswell, op. cit.).

Na análise descritiva, fase central da análise de dados em estudos de caso (Creswell, Ibid.),
realizou-se uma descrição detalhada (idem) ou descrição analítica (Triviños, op. cit.), daquilo
que se pôde visualizar a partir da leitura dos dados recolhidos, através de temas ou dimensões
que forneceram interpretações pela inferência ou perspectivas da literatura.

É neste nível que se desenvolveram os temas, os quais constituem “unidades amplas de


informação que consistem em diversos códigos agregados para formarem uma ideia comum”
(Creswell, op. cit., p. 151). Para o efeito, seleccionaram-se os dados e foram reduzidos a um
grupo de temas pequenos e manejáveis para a redacção da narrativa final.

38
A construção de temas neste estudo assentou nas informações achadas chaves para a
compreensão do fenómeno imigratório em Moçambique e os aspectos que interessam à
segurança interna, tais como: i) caracterização dos fluxos migratórias em Moçambique; ii)
mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo e aéreo; iii) gestão e
controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional; iv) mecanismos de
controlo e vigilância das fronteiras; v) riscos e ameaças associadas à imigração em
Moçambique.

No contexto da análise explicativa foram desenvolvidas generalizações sobre o fenómeno em


estudo, numa abstracção maior dos códigos e temas desenvolvidos de modo a dá-los
significado. Este processo, conforme ilustrado por Alami et al. (2010) e Creswell (2014), pôde
ser feito através de impressões, insights e intuição, como também por meio de constructos ou
teorias das ciências sociais, onde se vinculou a interpretação à literatura mais vasta que embasa
o estudo em referência.

Foi assim que se fez a inferência e interpretação referencial, onde os dados foram tornados
válidos e significativos, através da confrontação dos mesmos com os materiais empíricos já
existentes.

3.5 População e Amostra

3.5.1 População-alvo

Para a efectivação deste estudo, tomou-se como população alvo, os órgãos de gestão das
migrações em Moçambique, concretamente na Cidade de Maputo, no período de 2014 a 2018.

A pesquisa visou os agentes da Polícia de Fronteiras e da Polícia de Protecção Costeira,


Lacustre e Fluvial [PCLF] (membros da PRM), visto serem estas, as entidades responsáveis
pela guarda da fronteira estatal e pelo combate à imigração ilegal. Igualmente, foram objecto
de estudo os efectivos do SENAMI, por ser este o órgão responsável pelo controlo do
movimento migratório, fiscalização da permanência de cidadãos estrangeiros no território
nacional, emissão de documentos de viagem e de documentos de residência para estrangeiros.

39
3.5.2 Amostra

O recurso à amostra, é tido como a melhor forma de trabalhar com dados de grande escala à
medida em que, permite melhor racionalização de recursos no quesito tempo e, oferece,
também, melhor garantia de controlo e precisão (Rudio, 2007).

Tendo em conta o universo extenso da população em estudo, a pesquisa adoptou a amostra não-
probabilística (Lakatos & Marconi, 2003; Gil, 2008; Kauark, Manhães & Medeiros, 2010).
Fundamenta-se a opção pelas razões das técnicas de pesquisa eleitas para a recolha de dados.
As entrevistas foram orientadas falando-se directamente com as pessoas (Creswell, 2014).

Por outro lado, a observação directa e oculta visou detectar aspectos que ocorrem normalmente
no contexto de gestão da imigração nos postos de travessia internacional do Porto de Maputo e
do Aeroporto Internacional de Mavalane, por isso, ter sido difícil estabelecer, através do uso de
métodos estatísticos, o número de ocorrências a observar que representariam o total das
situações que se verificam nestes processos.

Esta perspectiva, conduziu-nos à eleição do tipo de amostragem por quotas. Esta, de acordo
com Gil (op. cit.), apresenta maior rigor e confere vantagens na estratificação da amostra, para
além da melhor racionalização do tempo e dos custos. E, porque pretendia-se responder a
objectivos específicos definidos à priori neste estudo, a mesma amostra obedeceu ao critério de
intencionalidade (Kauark et. al., 2010).

Desta feita, foram submetidas à entrevista, um total de 20 Oficiais da PRM e do SENAMI,


distribuídos em quotas, de acordo com o grau de significância para o entendimento do
fenómeno em estudo.

Tabela 2
Distribuição dos respondentes pelos sectores de actividade
Nº DE
SECTORES DE PESQUISA
RESPONDENTES
ROSP 2
PRM PF 7
PCLF 3
DOM - Nação 2
Cidade de Maputo 4
SENAMI
Posto de Travessia - Aeroporto de Mavalane 1
Posto de Travessia - Porto de Maputo 1
TOTAL 20
Nota: Tabela elaborada pelo autor. Mostra a distribuição da amostra pelos diferentes sectores
de actividade das FDS.

40
CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE
DADOS

Neste capítulo são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa efectuada no seguimento


dos instrumentos e métodos de pesquisa previamente definidos.

Como exposto no ponto 3.4, esta actividade consiste no exame, definição de categorias,
classificação e recombinação das evidências colectadas, num quadro de análise baseada nos
objectivos iniciais de estudo (Bardin, 2016).

E, porque o estudo se propôs a perceber as dimensões do fenómeno da migração internacional


em Moçambique e os desafios que esta acarreta à segurança interna, sendo este um fenómeno
social, seguiu-se o método qualitativo, considerado o mais adequado para a percepção de
fenómenos sociais (Richardson et al., 2010).

Assim, com recurso a entrevista (Apêndice A) como técnica principal de recolha de dados,
foram entrevistados um total de 20 oficiais das FDS (Tabela 2: Distribuição dos respondentes
pelos sectores de actividade), distribuídos em oito (08) do SENAMI, sete (07) da PF, três (03)
da PCLF e dois (02) efectivos da POSP.

As entrevistas foram transcritas completamente, o que resultou em 8 textos, visto que, em


algumas ocasiões, os respondentes preferiram trabalhar em grupos. E, como forma de codificar
as respostas, os respondentes são tratados nesta pesquisa pelos seguintes códigos:

a) Grupo de oficiais X, para os que responderam em grupo, sendo X, a sigla do órgão a


que estes pertencem;
b) Oficial do XYN, para os que responderam de forma individual. O X, representa a sigla
do órgão a que pertence; o Y, uma letra do alfabeto, representa o sector a que o
entrevistado pertence; e, o N, corresponde a ordem numérica da Entrevista, como
ilustrado na tabela que se segue:

41
Tabela 3
Codificação dos Respondentes às entrevistas da pesquisa

SECTORES DE PESQUISA CÓDIGO

ROSP Oficial do ROSP E…


PRM PF Oficial do PF F…
PCLF Oficial da PCLF G…
DOM - Nação Oficial do SENAMI A...
Cidade de Maputo Oficial do SENAMI B...
SENAMI
Posto de Travessia - Aeroporto de Mavalane Oficial do SENAMI C...
Posto de Travessia - Porto de Maputo Oficial do SENAMI D...

Nota: Tabela elaborada pelo autor mostrando a codificação dos respondentes de acordo com os
sectores de actividade das FDS.

Para a melhor organização das evidências e seu exame e, depois da leitura das transcrições das
entrevistas, para a organização do relatório final, foram definidas cinco (05) categorias de
análise, a saber:

a) Caracterização dos fluxos migratórias em Moçambique;


b) Mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo e aéreo;
c) Gestão e controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional;
d) Mecanismos de controlo e vigilância das fronteiras;
e) Riscos e ameaças associadas à imigração em Moçambique.

4.1 Enquadramento da abordagem do estudo

O estudo desenvolve-se na Cidade de Maputo e aborda a imigração de cidadãos dos países da


região dos Grandes Lagos e dos de Corno de África para Moçambique. Trata-se de uma
modalidade migratória do tipo “Sul-Sul”, aquela que ocorre entre países em vias de
desenvolvimento (Ratha & Shaw, 2007; Castles & Wise, 2008; Bakewell, 2009; Campilo-
Carrete, 2013).

Não existe consenso sobre o que realmente significa países em vias de desenvolvimento e, por
isso pertencentes ao conceito de países do “Sul”. Baseado em três sistemas de análise [United
Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (UNDESA); Banco
Mundial (BM); e, United Nations Development Program (UNDP)], que divergem nos seus

42
critérios de categorização, é que se chega a um conceito “discutível”, mas admissível, sobre o
que se pode considerar países do “Sul”.

Os três sistemas diferem na medida em que não existem critérios universais para a categorização
desses países. Para a UNDESA, critérios como o de baixa renda, nível do capital humano e
vulnerabilidade da economia, são tomados em conta para análise e divisão das regiões de
desenvolvimento. Por seu turno, o Banco Mundial considera países com baixo e médio
rendimento, como sendo países em vias de desenvolvimento, dos quais exclui a Singapura,
Hong Kong, Coreia do Sul e muitos dos países do Golfo Pérsico que, para a classificação da
UNDESA, fazem parte dos países em vias de desenvolvimento e, por isso, do “Sul”. Para a
UNDP, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o critério chave para a classificação dos
países em vias de desenvolvimento e desenvolvidos. Para este organismo, países com IDH <
0,9 são considerados países do “Sul” e os que estão acima deste índice, considerados do “Norte”
(Bakewell, 2009; Campilo-Carrete, 2013).

Assim, países do continente africano, da América (com a excepção dos da América do Norte),
do Caribe, da Asia (com a excepção do Japão) e os da Oceânia (com a excepção da Austrália e
da Nova Zelândia) são, nos critérios da UNDESA, Países em Vias de Desenvolvimento e,
portanto, países do “Sul” (Bakewell, Ibid.).

Seguindo o pensamento de Bakewell (Ibid.), uma categorização baseada no IDH é o que mais
se adequa às pretensões do presente estudo. Esta categorização, não só considera os países
situados no Sul pelos limites geográficos, mas também agrega geograficamente os países
situados no Norte, como países do leste europeu e da Ásia, que tenham um IDH abaixo de 0,9.

O escopo do presente estudo é abordar a migração de cidadãos africanos dos países dos Grandes
Lagos e do Corno de África para Moçambique. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento
Humano (UNDP, 2019), Moçambique é parte da região de desenvolvimento da África
Subsaariana, uma das 6 regiões de desenvolvimento a nível do mundo. Esta região é constituída
por 46 países, incluindo países da região dos Grandes Lagos e do Corno de África.

Por estes países apresentarem um IDH abaixo de 0,9, conforme definido no Relatório de
Desenvolvimento Humano (UNDP, 2009)13, são considerados países do Sul. Desta maneira, a

13
Cfr. Bakewell, O. (2009). South-South Migration and Human Development: Reflections on African Experineces
(07). In International Migrations Institute, University of Oxford – MPRA Paper. Acessado em 03 de Fevereiro de
2020, disponível em https://mpra.ub.uni-muenchen.de/19185/

43
discussão em voga, insere-se nesta conjuntura de estudos das migrações que ocorrem entre os
países do Sul, isto é, migrações do tipo “Sul-Sul”.

4.2 Caracterização dos fluxos migratórios em Moçambique

Como se espelhou no Capítulo I, ponto 1.2 – Problema, Moçambique caracteriza-se por ser um
país de Migrações. Hodiernamente, devido a questões de paz e estabilidade, disponibilidade de
recursos naturais, expectativa crescente de um desenvolvimento fundando nos grandes
projectos de petróleo e gás e também pelos factores de repulsão que assolam alguns países
africanos, principalmente da região dos Grandes Lagos e do Corno de África (Patrício, 2015,
2016; Patrício & Peixoto, 2018), Moçambique tem atraído imigrantes de diferentes quadrantes,
uns que usam o país em trânsito para outros destinos como África do Sul e Europa e outros que
o têm como destino final.

Dados do SENAMI indicam que, desde 2015 a 2018, o país registou, através dos Postos de
Travessia do Aeroporto Internacional de Mavalane e do Porto de Maputo, um movimento
migratório de cerca de 2.252.078 passageiros, sendo que cerca de 1.264.287 foram entradas e
1.081.656 saídas, perfazendo um saldo migratório de cerca de 182.631 pessoas. Destes dados,
saliente-se que cerca de 1.522.733 foram cidadãos estrangeiros e 729.343 cidadãos nacionais
(vide a tabela 4). Os números em referência são de cidadãos estrangeiros residentes e não
residentes em Moçambique. E, nesta tabela 4, é importante referir que o movimento migratório
referido é apenas das pessoas que atravessaram as fronteiras moçambicanas através da cidade
de Maputo.

Tabela 4
Movimento Migratório na Cidade de Maputo no período 2015 - 2018
Saldo
Ano Entradas Saídas Total Estrangeiros Nacionais
Migratório

2015 235 677 221 051 14 626 456 728 336 613 120 115
2016 399 645 280 482 119 163 586 262 122 297 463 965
2017 171 046 128 012 43 034 299 058 239 306 59 752
2018 457 919 452 111 5 808 910 030 824 513 85 517
Total 1 264 287 1 081 656 182 631 2 252 078 1 522 729 729 349

Nota: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados recolhidos dos relatórios do SENAMI na Cidade
Maputo

44
Conforme evidencia a Tabela 4, os dados referentes ao movimento migratório de 2014 não são
reflectidos. Dados deste ano não foram sistematizados pela fonte, justificando-se pela mudança
e adopção de novos sistemas de registo que só foram consolidados a partir de 2015.

Como se pode compreender, os movimentos migratórios nestes postos de travessia foram


tendencialmente crescentes, tendo registado uma abrupta quebra em 2017, mas voltando a subir,
quase que o triplo em 2018.

Necessário faz-se aclarar que estes números apenas fazem referência às entradas registadas nos
Postos de Travessia Internacional da Cidade de Maputo, não representando, deste modo, o total
de cidadãos estrangeiros que chegaram à Cidade de Maputo. Para isso, urge olhar-se também
para os números dos que chegam a esta, por meio do transporte terrestre e que entram em
Moçambique através de outros Postos de Travessia.

De acordo com os dados do INAR (2019), até 31 de Agosto de 2018, Moçambique albergava
cerca de 27.458 requerentes de asilo e refugiados (RAR´s). Maior parte deste número (16.517)
encontrava-se no Centro de Refugiados de Maratane, Província de Nampula a norte do país e o
restante distribuído pelos centros urbanos do país.

Desta forma, a estes fluxos migratórios na cidade de Maputo devem ser adicionados e
analisados num contexto da globalidade das migrações em Moçambique e a sua redistribuição
e movimentação pelos diferentes pontos do país até à fixação na Cidade de Maputo. Para tanto,
foram compulsados os dados do SENAMI, com resultados reflectidos na Tabela 5.

Tabela 5
Cidadãos estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 - 2018

ANO RESIDENTES

2014 43.933
2015 43.361
2016 44.848
2017 20.247
2018 25.042

Nota: Tabela elaborada pelo autor a partir dos dados colhidos nos Relatórios Anuais do
SENAMI – Cidade de Maputo

45
A Tabela 5, mostra os números de estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período em
estudo. De 2014 a 2016 a tabela mostra valores numéricos na ordem dos 40.000, sofrendo uma
queda para cerca de metade em 2017, voltando a mostrar sinais de subida em 2018 (Vide o
Gráfico 1).

Gráfico 1
Estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 - 2018

Estrangeiros Residentes na Cidade de


Maputo
60000

50000 43933 43361 44848

40000

30000 25042
20247
20000

10000

0
2014 2015 2016 2017 2018

Nota: Gráfico elaborado pelo autor a partir dos dados colhidos nos Relatórios Anuais do SENAMI – Cidade
de Maputo

Como mostra o gráfico 1, regista-se uma queda acentuada do número de estrangeiros residentes
na Cidade de Maputo em 2017. Esta redução resulta da actualização dos sistemas de controlo
no registo de cidadãos estrangeiros nesta. No período anterior a este, as renovações e
prorrogações dos Documentos de Identificação e Residência de Estrangeiros (DIRE´s) eram
contabilizados como novos registos. Como resultado, havia duplicação de registos na Base de
Dados.

É de suma importância referenciar que estes números dizem respeito aos estrangeiros com
DIRE, que estão sob gestão do SENAMI e não espelham o total de cidadãos estrangeiros
exilados e com estatuto de refugiado, pois estes são de gestão do Instituto Nacional de Apoio
ao Refugiado [INAR]. Pelo que, os números aqui reflectidos não correspondem à totalidade dos
cidadãos estrangeiros que vivem na Cidade de Maputo. Para isso, deve-se somar os números de
estrangeiros exilados e com estatuto de refugiado que, mesmo não o tendo obtido na Cidade de
Maputo, vivem e praticam suas actividades nesta cidade.

46
Contudo, os números em discussão no parágrafo anterior revelam-se inexequíveis o seu alcance,
visto que os órgãos de gestão das migrações em Moçambique, evidenciam fragilidades no
registo dos mesmos, a considerar pelas declarações dos respondentes da pesquisa ao nível da
Direcção Provincial de Migração da Cidade de Maputo, quando afirmam não ser fácil o registo,
tanto no momento da entrada através das fronteiras nacionais, como já dentro do país, pois
maior parte dos migrantes opta pela violação das fronteiras terrestres, através dos pontos
verdes14.

4.2.1 Rotas Migratórias

De acordo com dados apurados junto do SENAMI – Direcção de Operações Migratórias


[DOM], os fluxos migratórios para Moçambique têm características diversas.

Frequentemente, as rotas migratórias para o país são identificadas partindo dos países do Corno
de África (Sudão, Sudão do Sul, Djubuti, Somália e Etiópia) e da Região dos Grandes Lagos
(República Democrática do Congo, Uganda, Burundi, Tanzânia e Malawi).

Os países de trânsito têm sido a Etiópia, o Quénia, a Tanzânia e Malawi através dos meios de
transporte terrestres. Da Etiópia e do Quénia, através dos meios de transporte aéreo, operados
pelas companhias aéreas Ethiopian Arlines, Qatar Airways, Quénia Airways e Linhas Aéreas
de Moçambique, os imigrantes seguem para Moçambique, podendo desembarcar nos
Aeroportos de Pemba (Cabo Delgado), da Beira (Sofala) e de Mavalane (Cidade de Maputo).

Por sua vez, para os que escolhem a rota de Tanzânia, seguem através do oceano índico para
Cabo Delgado (Distritos de Mocímboa da Praia, Macomia e Pemba) e Nampula (Memba e
Nacala Porto) e por via terrestre, entrando pela fronteira a norte de Moçambique, através das
Províncias de Niassa e Cabo Delgado.

Do mesmo modo, para os imigrantes que escolhem a rota de Malawi, seguem via terrestre para
as províncias de Tete e Zambézia, conforme ilustrado na Figura 1. Destes destinos, seguem
depois, via terrestre até alcançar a Cidade de Maputo, conforme mostrado na Figura 2 (Grupo
de Oficias do SENAMI. Entrevistada realizada em 06 de Janeiro de 2020).

14
Ou fronteira verde, considera-se a parte da linha de fronteira estatal que não é protegida em termos físicos pelas
FDS.

47
Figura 1
Rotas Migratórias dos Países do Corno de África e da Região dos Grandes lagos para
Moçambique.

Nota: Mapa construído pelo autor com base nas respostas das entrevistas realizadas com os oficias do SENAMI
no Posto de Travessia Internacional do Aeroporto Internacional de Mavalane e na Direcção de Operações
Migratórias, 2019-2020.

48
Figura 2
Movimentos de cidadãos estrangeiros em Moçambique, dos pontos de entrada até à
Cidade de Maputo.

Nota: Mapa construído pelo autor com base nas respostas das entrevistas realizadas com os oficias do
SENAMI, 2019-2020.

49
A Figura 2 mostra o sentido da movimentação de cidadãos estrangeiros desde os pontos de
entrada no território nacional até atingirem a Cidade de Maputo. É importante elucidar que nem
todos os cidadãos estrangeiros que chegam a esta, a tem como seu destino final. Cidadãos dos
países como a Somália e Etiópia usam Moçambique como país de trânsito para alcançar a África
do Sul ou a Europa, como destino final. Diferente daquelas nacionalidades, cidadãos Sudaneses,
Ugandeses, Ruandeses, Burundineses, Congoleses, etc. tem Moçambique como destino final.
Neste país, envolvem-se na sua maioria em actividades de garimpo ilegal e comércio informal,
sendo os que mais dominam este sector de actividade informal no país.

Os resultados acima apresentados alinham-se, em parte, com as conclusões de Patrício (2015)


e Francisco (2018). Em seus estudos apontam como rotas mais destacadas de imigração para
Moçambique, no contexto dos cidadãos dos países dos Grandes Lagos e do Corno de África, os
países como Quénia, Tanzânia e Malawi, seguindo através das fronteiras terrestres, marítimas
e aéreas. Ainda, de acordo com estes autores, os pontos de entrada no território moçambicano
são os Distritos de Palma e de Mocímboa da Praia em Cabo Delgado, para os que seguem de
Tanzânia via terrestre e, Pemba e Nampula para os que seguem via marítima. E, para os que
seguem a rota de Malawi, entram no país através da província de Tete (Patrício, Ibid.).

Dificuldades notadas a nível do registo estatístico do SENAMI reportam a ausência de dados


de estrangeiros, discriminados por nacionalidades. Apenas é aplicável o critério de
discriminação por nacionalidades nos casos em que se registam infracções que obrigam o
SENAMI a proceder à recusa de entrada, reembarcação ou deportação dos imigrantes. Deste
modo, pelos dados apurados, tornou-se difícil obter o número real dos imigrantes destas regiões
em estudo neste trabalho.

4.2.2 Gestão de fluxos migratórios em Moçambique

A lei base de gestão das migrações em Moçambique é a Lei nº 5/93, de 28 de Dezembro, que
estabelece o regime jurídico do cidadão estrangeiro em Moçambique. Como se pode
depreender, trata-se de uma lei antiga e de certo modo desajustada à realidade das dinâmicas
actuais. Em época da produção desta lei, Moçambique saía de uma guerra civil, terminada a 4
de Outubro de 1992, através dos Acordos de Roma, com níveis de desenvolvimento baixos e
pouco atractivo para a imigração.

50
Dados oficiais de referência a números de cidadãos estrangeiros em Moçambique são
encontrados no Censo de 1997. Neste ano, Moçambique registava cerca de 131,226 cidadãos
estrangeiros, do total de 15,278,334 da população Moçambicana (Instituto Nacional de
Estatística – INE, 1999).

O Censo populacional de 2017, registou cerca de 142,315 cidadãos estrangeiros do total de 27,
909,798 de habitantes em Moçambique (INE, 2019), dos quais 27, 458 são requerentes de asilo
e refugiados (Abreu, 2019). Estes números mostram uma subida de cerca de 11,089
estrangeiros, o que corresponde a um incremento de 8,4 % em relação ao nº de estrangeiros
registados em 1997.

Gráfico 2
Variação da população estrangeira em Moçambique desde o CENSO de 1997 ao
CENSO de 2017.

População Estrangeira em
Moçambique
144000 142315
142000
140000
138000
136000
134000
131226
132000
130000
128000
126000
124000
Censo de 1997 Censo de 2017

Nota: Gráfico elaborado pelo autor a partir dos dados dos Censos populacionais de 1997 e 2017 do INE.

Os dados reflectidos no Gráfico 2, mostram a variação da população estrangeira em


Moçambique desde o Censo de 1997 ao Censo de 2017. Estes dados, mostram que em 20 anos
a população estrangeira em Moçambique aumentou, em termos oficiais, em 11,089 pessoas.
Saliente-se que estes dados são contestados por parte dos órgãos de gestão de Migrações em
Moçambique, visto que muitos são os cidadãos estrangeiros que a cada dia entram em
Moçambique e solicitam a documentação oficial que lhes permita permanecer neste.

51
Estes factos são comprovados pelos inúmeros casos de cidadãos estrangeiros que dominam a
actividade comercial informal nas cidades do país e, em especial, na Cidade de Maputo, objecto
de estudo desta pesquisa. Ademais, o Oficial do SENAMI B2, defende haver omissão nos dados
apresentados pelo INE, demostrando estes que muitos dos cidadãos estrangeiros em
Moçambique estão em situação clandestina e, por isso, procurarem formas dissimuladas de
escapulirem-se dos registos das autoridades do Estado (Entrevista concedida a 02 de Março de
2020).

O contexto actual do país é caracterizado por índices de desenvolvimento acelerados,


impulsionados em parte por grandes projectos de petróleo e gás, o clima de paz e de estabilidade
social. E igualmente, os índices de imigração têm registado alterações em volume e qualidade,
o que pressupõe a adopção de um novo quadro legislativo capaz de garantir uma melhor gestão
de fluxos migratórios em contexto de um “mundo em movimento.”15

Em algumas partes do mundo, a gestão de fluxos migratórios opera-se além-fronteiras


nacionais, feita através de acções realizadas por oficiais de ligação (Bigo, 2005). O oficial de
ligação é instituído nos termos do Anexo 9 da ICAO e projecta-se o seu posicionamento nos
aeroportos de terceiros Estados considerados de risco para o fomento da imigração, por forma
a auxiliar os operadores de aeronaves na fiscalização dos documentos de viagem das pessoas
que embarcam (ICAO, 2017a).

A análise em debate acima constitui uma prática recomendada pela ICAO a ser seguida por
Estados-membros e deve passar pelo estabelecimento de acordos bilaterais como medida de
avaliação dos documentos de viagem apresentados pelos passageiros e dos requisitos
necessários para a admissibilidade no país de destino. É uma medida que visa dissuadir
possíveis fraudes e contrafacção de documentos oficiais de viagem emitidos pelos Estados-
membros (Idem).

Bigo (2006) assume-se opositor desta estratégia de gestão de fluxos migratórios por considerar
que visa manter os estrangeiros mais pobres à distância, como consequência da intensa retórica
que criou, nas sociedades políticas, uma crença de que a pobreza, o crime e a mobilidade

15
Do inglês “Worlds in Motion”, expressão retirada da obra Worlds in Motion: Understanding International
Migration at the End of the Millennium, dos autores Douglas S. Massey, Joaquin Arango, Graeme Hugo, Ali
Kouaouci, Adela Pellegrino e J. Edward Taylor (1998). Nesta obra, os autores procuram explicar, através das
várias teorias, os processos da migração internacional fundamentados na predominância de circunstâncias
regionais e nacionais de cada Estado, fornecendo uma síntese teórica que possa servir de guia para a elaboração
de Políticas Públicas sobre Migrações neste século.

52
populacional estão indissoluvelmente relacionados. Para os gestores de segurança, a prevenção
e pró-actividade devem justificar a adopção desta estratégia de oficiais de ligação, porque não
apenas se cinge a populações pobres, mas a todos os utilizadores dos meios de viagem aéreos,
em especial àqueles que não reúnem requisitos para a sua admissibilidade no país do destino.

A pró-actividade aqui destacada visa gerir ilícitos antes do seu cometimento, através da colecta
de informações que definam ou não a instalação do estado de emergência e acção repressiva
contra comportamentos de indivíduos ou grupos considerados perigosos (Bigo, 2005).

Assim, conhecidos os aeroportos que maiores fluxos de imigração geram para Moçambique,
faz-se necessário estabelecer acordos bilaterais com estes Estados, sob a égide deste
instrumento normativo da ICAO, como forma de controlar os movimentos migratórios a partir
da origem. Esta acção, ainda que Bigo (ibid.) a considere um desvio de controlo dos
movimentos populacionais e de acções ilícitas para a polícia de terceiro Estado, a lógica das
FDS moçambicanas assume que esta, serve interesses nacionais de Estados com capacidade
limitada para realizar o controlo de fluxos em seu território. É o que se pode compreender dos
argumentos do Oficial do SENAMI A1, quando afirma que

“a figura de oficial de ligação, posicionada nos aeroportos dos países que geram
maiores movimentos de imigração, serve para resolver problemas migratórios a
montante, quando Estados, como o moçambicano, tem capacidade limitada de
controlar os fluxos migratórios no seu território” (Entrevista concedida em 01 de
Novembro de 2019).

Este é um dos desafios para o Conselho Nacional de Defesa e Segurança em Moçambique:


“definir os aspectos legais para o estabelecimento desta estratégia”. A definição desta estratégia
passa pela adopção de uma Política de Migração, facto que ainda não se verificou em
Moçambique. Estados a nível internacional adoptam Políticas de Migração como forma de
melhor gerir os fluxos migratórios. A ausência deste instrumento, como se vê das declarações
dos oficiais do SENAMI, periga em certa medida o Estado, pois

“não existem restrições de imigrantes, facto que poderia ser feito através do sistema
de gestão de interdições agregado a INTERPOL. Por isso, Moçambique recebe todo
o tipo de imigrante, desde os menos qualificados até aos mais qualificados. Outros
que em seus países podem ter pertencido a grupos rebeldes e de subversão,
traficantes de drogas, criminosos. Se o país tivesse uma Política de Migração,

53
poderia saber que tipo de imigrante estaria preparado para receber e como deveria
geri-lo” (Oficial do SENAMI A1. Entrevista concedida em 01 de Novembro de
2019).

É neste quadro de análise dos tipos de migrantes que se subsumem os pressupostos da


securitização das Migrações. Bigo (2006) afirma que o estado de emergência criado pelos
Estados, após os ataques de 11 de Setembro de 2001, permitiu o desenvolvimento de actividades
que visam criar perfis de imigrantes, importantes por permitir prever comportamentos de grupos
e indivíduos potencialmente infractores e bloqueá-los, recusando sua entrada em seus
territórios.

A par disto, através da ICAO, a ONU introduziu um conjunto de Normas e Práticas


Internacionais a serem adoptadas pelos Estados-membros nos seus ordenamentos jurídicos
internos com vista a reforçar as medidas de segurança dos seus Documentos Oficiais de Viagem
Electrónicos e os Sistemas de Produção e Leitura destes contra a falsificação, contrafacção ou
emissão fraudulenta e, assim, reduzir a mobilidade internacional de cidadãos associados aos
crimes conexos a migração internacional.

Embora o Estado moçambicano tenha introduzido os Documentos Biométricos16, ainda


prevalece a emissão fraudulenta destes documentos – o BI, o Passaporte, o Visto e DIRE –, os
quais são detectados em mãos de cidadãos estrangeiros em situação irregular, dentro e fora do
país.

Desta feita, a existência de uma Política de Migração permitiria ao Estado moçambicano


realizar o controlo preventivo e proactivo dos movimentos populacionais que chegam ou
passem do seu território. Tornaria o sistema de segurança e vigilância mais refinado e preciso,
fundado na reconstrução das trajectórias individuais ou sociais dos potenciais migrantes (Bigo,
2005, 2006).

16
Decreto nº 11/2008, de 29 de Abril, que introduz o Bilhete de Identidade (BI) para o cidadão nacional na base
dos elementos biométricos; Decreto nº 12/2008, de 29 de Abril, que aprova os novos modelos de Vistos e de
Autorização de Residência para o cidadão estrangeiro, baseados em elementos biométricos e electrónicos; e, o
Decreto nº 13/2008, de 29 de Abril, que cria o novo modelo de Passaporte para Cidadãos nacionais, baseado em
elementos biométricos e electrónicos.

54
4.2.3 Por uma Política de Migração para a gestão de fluxos migratórios em Moçambique

Embora não se possam estabelecer critérios universais de gestão de fluxos migratórios, existem
aspectos que, em prol de segurança, devem ser considerados quando se desenha uma Política
de Migração que seja eficaz.

Os problemas relacionados à migração internacional contemporânea se situam em dois níveis:


o do controlo de fronteiras e o dos impactos internos (políticos, económicos e culturais)
(Brancante & Reis, 2009). Resulta disso que a abertura de fronteiras deve seguir um processo
de fortalecimento de medidas para uma efectiva fiscalização sobre a sua extensão, isto por um
lado, e o desenvolvimento de medidas de aprimoramento dos processos investigativos sobre
pessoas que desejam entrar no país, sobretudo para a prevenção dos crimes conexos à migração
internacional.

Não se trata aqui de considerar uma discussão da imigração no mesmo pacote com o
narcotráfico, o crime organizado e o terrorismo, sob a rubrica genérica de ameaça transnacional,
situação em voga no espaço europeu (Brancante & Reis, Ibid.). Antes sim, a preocupação deve
estar na ordem de gestão das pessoas que entram, permaneçam e saiam do território nacional.
Por isso, Cierco (2017) defende que “qualquer política de imigração deve ser construída com
base no respeito pelas liberdades fundamentais dos cidadãos, tendo em conta a relação entre
segurança interna e direitos humanos” (p. 23).

É no respeito, também, dos requisitos propostos por Baganha (2005) que deve assentar a
estratégia do Estado moçambicano no desenho da Política de Migração em Moçambique. Para
esta autora, no desenho deste tipo de Política, devem ser considerados dois aspectos essenciais:
o primeiro, de ordem quantitativa, uma vez que se torna essencial determinar o número de
imigrantes que o país deve receber e, o segundo, de ordem qualitativa, no sentido de determinar
o perfil dessas pessoas.

O argumento relativo a determinação do perfil dos imigrantes que o país deve receber alinha-
se á tese defendida por Bigo (2005, 2006) sobre a instituição do estado de emergência no
controlo dos fluxos migratórios ao nível das fronteiras da União Europeia. Trata-se na essência
do pressuposto da vigilância e gestão do “indesejado”, ou seja, determinação dos perfis dos
imigrantes através dos bancos de dados computacionais que permitam rastrear e prever
comportamentos de indivíduos ou grupos e antecipar a acção dos profissionais de segurança
(Idem, 2006).

55
Estes pressupostos poderiam ajudar o Estado moçambicano, na gestão de cidadãos estrangeiros
que entram e permanecem no território nacional de forma irregular ou clandestina e são achados
a desenvolver actividades informais que em alguns casos, estimulam o desenvolvimento de
crimes conexos à migração internacional, conforme descritos no protocolo de Palermo.

O livrete de dados da UNDESA (2017), assegura que muitos países a nível do mundo não
dispõem de políticas explícitas sobre Migração. Os mesmos, procuram regular questões
migratórias pela conjugação de leis avulsas e dispersas de variados sectores de actividade, dada
a transversalidade característica das Migrações. Portanto, a aplicação de multas, as detenções e
deportações de migrantes em situação irregular ou clandestina, a penalização de empresas que
contratam trabalhadores em situação irregular são, de entre outras medidas, adoptadas pelos
Estados na regulação dos fluxos migratórios em seus territórios.

É o que se conclui do Estado moçambicano. Da conjugação da Lei nº 23/2007, de 1 de Agosto


– Lei de Trabalho; da Política de Emprego de 2016; da Lei 5/93, de 31 de Dezembro; e dos
Decretos nºs 55/2003, de 28 de Dezembro; 3/2017, de 24 de Março; 108/2014, de 31 de
Dezembro; e 62/2014, de 24 de Março, compreendem-se as medidas que o Estado
moçambicano adopta no âmbito da regulação dos fluxos migratórios em Moçambique.

Neste contexto, de entre outras medidas, são aplicadas multas aos estrangeiros em situação
irregular, definidas no Decreto nº 62/2014, de 24 de Março; estabelecidas cotas de contratação
de trabalhadores estrangeiros em empresas nacionais (Cfr. alíneas a), b) e c) do nº 5, art.º 31 da
Lei nº 23/2007, de 1 de Agosto). A par destes dispositivos, encontrámos também os Decretos
nºs 43/2009, de 21 de Agosto e 2/2014, de 4 de Dezembro. O Primeiro aprova o Regulamento
da Lei nº 3/93, de 24 de Junho – a Lei de Investimentos –, e o segundo, estabelece o regime
jurídico e contratual especial aplicável aos projectos de gás natural liquefeito das áreas 1 e 4 da
Bacia do Rovuma.

Significa, nestes termos, que a regulamentação de aspectos da gestão da imigração encontra-se


em documentos dispersos, urgindo desta forma a criação de um documento único que
conglomera todos os aspectos relativos à gestão de fluxos migratórios em Moçambique. Este
documento deve, de entre outros aspectos, prever o seguinte: aspectos relativos a economia do
país, taxas de emprego, segurança do país contra situações de terrorismo, criminalidade
organizada transnacional e identidade nacional. A atenção pelo terrorismo, resulta da

56
associação destes ataques a estrangeiros nos países que já registaram ataques terroristas, tal é o
caso dos Estados Unidos de América, da França, da Espanha ou do Reino Unido.

4.3 Mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo e aéreo

4.3.1 Porto de Maputo (Meios Marítimos)

Conforme estabelecido no Código Internacional para a Protecção de Navios e Instalações


Portuárias [CIPNIP] que adoptou novas disposições na Convenção Internacional para a
Salvaguarda da Vida Humana no Mar [CISVHM], de 1974, os Estados contratantes não são
privados de exercer o direito de fiscalização sobre os navios, quando estes se encontrem em
seus Portos, ainda que estes possam levar pessoas em um número superior ao permitido, em
situações de evacuação de pessoas com o propósito de evitar uma ameaça à segurança de suas
vidas.17

É, por via disto, que o Estado moçambicano, através do SENAMI e da PCLF, exerce o controlo
das embarcações que chegam e partem do Porto de Maputo. Importa ressaltar que este Porto é
um terminal de carga, o que pressupõe que o Posto de Travessia de Migração aqui instalado,
não tenha registo de fluxos migratórios consideráveis. Este Posto, como se pode coligir das
palavras do Oficial do SENAMI D1,

“por estar situado num Porto com características comerciais, a maioria de suas
embarcações são de carga. Desta forma, os sistemas de controlo migratório neste,
limitam-se à fiscalização de tripulantes, na sua maioria e, em épocas de cruzeiros, aos
passageiros que chegam a Moçambique em passeios” (Entrevista realizada em 09 de
Janeiro de 2020).

No seguimento das regras estabelecidas pela CISVHM, com as inovações introduzidas pelo
CIPNIP, o Estado moçambicano, através da Resolução nº 9/2012, de 15 de Março, aprovou o
novo Estatuto do Instituto Nacional da Marinha (INAMAR). Esta instituição é, dentre outras
actividades, a autoridade nacional reguladora nos domínios da jurisdição marítima, lacustre e
fluvial, bem como no domínio público marítimo; no estabelecimento e manutenção das
condições de segurança marítima para a realização de actividades da marinha; na aplicação das

17
Conforme o Artigo V da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974.

57
normas de segurança sobre as embarcações nacionais e estrangeiras afectas ao comércio
marítimo, à pesca, ao recreio, prospecção e pesquisas científicas e sobre quaisquer outras
construções flutuantes.

O controlo das embarcações afectas ao comércio marítimo é feito através de oficiais de


navegação marítima, os quais informam às autoridades migratórias sobre a chegada de
embarcações, suas características, nacionalidade e o número de tripulantes.

Conforme se pode compreender das declarações dos oficias do SENAMI entrevistados, estes
processos de controlo das embarcações nas responsabilidades a eles acometidas, processam-se
nos termos regulamentados, embora algumas situações relatadas possam evidenciar algumas
falhas na implementação destes procedimentos.

A este propósito, o Oficial do SENAMI A1 cita um exemplo de dois cidadãos de nacionalidade


Malgaxe, que ao serem interpelados, afirmaram ter chegado a Moçambique de barco e tendo
aportado na Província de Inhambane, no Distrito de Vilanculos. Para este respondente,

“esta situação deve constituir motivo de preocupação, não somente para os


funcionários do SENAMI, mas para todas as FDS, pois mostra a vulnerabilidade do
país. Há fragilidades no controlo da fronteira marítima. Qualquer pessoa entra pelo
ponto que achar conveniente e vai para onde quer” (Entrevista realizada em 22 de
Novembro de 2019).

O controlo de embarcações é feito através da colecta e troca de informações entre governos,


órgãos governamentais, administrações locais e as indústrias portuárias e de navegação
(CIPNIP, 2002). Neste processo, as embarcações aquando da saída dos seus países de origem,
as autoridades marítimas desses países enviam informações ao país de destino sobre as
características da embarcação, incluindo informações sobre os tripulantes, que é a informação
de interesse dos órgãos de gestão migratória.

Assim, as autoridades migratórias e afins, recebem informações prévias que lhes permitem
planificar as operações de controlo migratório no Porto de Maputo. É neste sentido que, quando
as embarcações chegam a Moçambique, os agentes da Migração mesmo não realizando o
movimento migratório dos tripulantes, procuram informar-se sobre a regularidade dos seus
passaportes e das suas cédulas marítimas. E, ao longo da estadia do navio no Porto de Maputo,

58
os agentes de migração têm feito raides de fiscalização dentro das embarcações por forma a
garantir-se da não entrada para o navio, de pessoas sem autorização para o efeito.

Situações de pessoas que se introduzem de forma fraudulenta nas embarcações de cargas,


embora não sendo em grande número, constituem grandes preocupações das autoridades de
gestão, tanto dos Portos como da Migração. Como se deduz da explanação tanto do Oficial do
SENAMI D1 como do Oficial da PCLF G1, a segurança da costa moçambicana representa um
grande desafio para o Estado, na medida em que esta, vem se tornando num corredor de
imigração ilegal, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, pesca ilegal, não declarada e não
regulamentada (INN).

O espaço marítimo moçambicano é referido como uma das portas de entrada de imigrantes
ilegais (Patrício, 2015; Fernando, 2018). Não somente este aspecto, é por este espaço que se
considera exporem-se as operações do crime organizado nas suas diferentes facetas, desde o
tráfico de drogas, o tráfico de pessoas e de órgãos humanos, o tráfico de armas e o terrorismo
(Buvana e Ventura, 2011; Magode et al., 2014; Fernando, 2018).

A este respeito, pode ser citado o caso da intercepção de uma embarcação na região costeira de
Cabo Delgado, que transportava uma quantidade considerável de drogas que, após visualizar
os elementos das FDS (Marinha de Guerra das Forças Armadas de Defesa de Moçambique –
FADM e do Serviço Nacional de Investigação Criminal – SERNIC) os ocupantes da mesma
incendiaram-na e, lançando-se ao mar, na tentativa de fuga, foram detidos.18

Estas manifestações da criminalidade organizada que ocorrem principalmente ao longo da costa


moçambicana, mostram as fragilidades de segurança neste domínio de fronteira. Vale destacar
que a protecção desta componente da fronteira estatal, está sob responsabilidade da PRM,
através da PCLF em coordenação com a Marinha de Guerra das Forças Armadas de Defesa de
Moçambique e o INAMAR, através dos sistemas de vigilância e controlo. Estes sistemas são
operados pela Marinha de Guerra e pelo INAMAR, sendo que a PCLF, apenas recebe os dados
disponibilizados por estas duas entidades (Oficial de PCLF G1. Entrevista realizada em 22 de
Fevereiro de 2020).

18
RFI, (16, Dezembro de 2019). Moçambique interceptou barco com droga. Recuperado de:
http://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/20191216-mo%C3%A7ambique-interceptou-barco-com-droga, em 24
de Janeiro de 2020, às 09:43 horas.

59
Assim, a segurança do mar deve constituir uma das prioridades no âmbito da segurança do
Estado moçambicano, haja visto que nos dias que correm, têm sido frequentes os protestos por
parte da comunidade internacional sobre a deficiente protecção que o Estado moçambicano
exerce sobre a sua costa, o que facilita as redes de criminalidade organizada transfronteiriça em
atingir os seus intentos.

Pode-se dizer que este caso é um dos que se evidenciam e não são passíveis de detecção pelas
FDS, daí existir preocupação, comprovada pelas palavras do Oficial do SENAMI D1, de
situações de pessoas estrangeiras que, aproveitando-se dos pontos verdes19 da fronteira
marítima, possam entrar no país e levar a cabo suas actividades que, advinha-se, sejam
contrárias à ordem e segurança pública no país. Esta ideia, é corroborada pelo Oficial da PCLF
G2 que alerta para a tentativa de desembarque de estrangeiros clandestinos em navios em
trânsito no Porto de Maputo, tendo sido chamada a intervir para a contenção desta acção ilícita,
a força da PCLF (Oficial de PCLF G2. Entrevista realizada em 24 de Fevereiro de 2020).

Uma outra faceta desta problemática, refere-se a práticas corruptas de alguns elementos das
FDS que, nos Postos de Travessia, em conivência com os imigrantes, deixam-nos passar em
troca de favores, não se consciencializando sobre o perigo que estas atitudes possam representar
para a segurança interna. Relativamente a este aspecto, a Organização das Nações Unidas [UN],
na procura de mecanismos de prevenção e combate à criminalidade organizada, atribui aos
Estados, através da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e
do Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças) a responsabilidade de adoptar as
medidas legislativas e outras que considere necessárias para estabelecer penalizações a estas
infracções, sempre que se prove serem praticadas intencionalmente (Cfr. o nº 1 do art.º 5º do
Protocolo de Palermo).

Referente às embarcações de passageiros, os procedimentos são semelhantes aos das


embarcações comerciais de carga. O controlo é feito de acordo com as normas estabelecidas na
Convenção e no CIPNIP. Uma ligeira diferença a respeito, prende-se com a atenção que os
agentes da Migração prestam para esses passageiros. Os cruzeiros, são embarcações de
passageiros que levam passageiros especiais. À partida do país de origem, as agências procuram

19
Vide nota 14.

60
organizar e regularizar os procedimentos documentais exigidos em cada Estado, pelo que, com
este tipo de embarcações não há registo de casos de relevo.

Como aferido junto das estruturas do SENAMI a nível do Posto de Travessia do Porto de
Maputo, os cruzeiros que chegam a Cidade de Maputo, podem atracar neste Porto, como
também atracar directamente na Ilha dos Portugueses. À sua chegada, os agentes de Migração
realizam junto do navio, o movimento migratório dos passageiros que queiram desembarcar,
emitindo os respectivos vistos de entrada no território nacional. Saliente-se que, apenas os
passageiros que queiram desembarcar é que lhes são concedidos vistos de entrada, não sendo
obrigatório para todos. O mesmo procedimento se verifica quando o navio vai directo à ilha dos
Portugueses. Neste caso, os agentes da Migração deslocam-se à esta Ilha, de modo a efectuar o
movimento migratório dos passageiros, emitindo vistos de entrada no território nacional.

4.3.2 Aeroporto Internacional de Mavalane – Maputo

O transporte aéreo rege-se com base na Convenção da Aviação Civil Internacional, de 1944 –
Convenção de Chicago. No seu artigo 37, a Convenção determina que a ICAO deverá adoptar
e emendar, sempre que necessário, normas no domínio das formalidades aduaneiras e
migratórias. Este compromisso é assumido pelos Estados-membros, ao se comprometerem na
colaboração com vista a alcançar os mais altos graus de uniformidade possível na
regulamentação, normas, procedimentos e organização em todas as questões nas quais esta
uniformidade facilite e melhore a navegação aérea (ICAO, 2006).

Deste modo, através dos anexos 9 e 17 à Convenção de Aviação Civil Internacional, a ICAO
prevê como objectivo principal da aplicação dos padrões de segurança, a segurança dos
passageiros, tripulação e público em geral contra actos de interferência ilegal na aviação civil
(ICAO, 2017a). E, para o cumprimento deste objectivo, os Estados deverão desenvolver
procedimentos de controlo de passageiros e tripulantes nas fronteiras, através da aplicação dos
padrões de segurança da aviação, da integridade de fronteiras, o controlo de narcotráfico e da
imigração (Idem., 2017b).

A ICAO, prevendo a ocorrência de desenvolvimento de práticas e procedimentos diferenciados


nas legislações nacionais de cada Estado-membro com as práticas e recomendações contidas
no Anexo 9 à Convenção, obriga os Estados-membros a que, através do acto de Derrogação,

61
notifiquem-na sobre a conformidade ou diferenças existentes nas suas legislações (art.º 38 da
Convenção da Aviação Civil Internacional). Para esse caso, nota-se que, por via do disposto na
12ª Edição do Suplemento do Anexo 9 – Facilitação, Moçambique não notificou a ICAO sobre
quaisquer diferenças e nem conformidades em seus regulamentos e práticas nacionais em
relação às práticas e recomendações contidas naquele documento, embora Estado-membro e
implementador dos padrões e recomendações contidos nos documentos desenvolvidos pela
ICAO (ICAO, 2011).

À parte desta inobservância do recomendado pela ICAO por parte do Estado moçambicano, o
desenvolvimento das normas de controlo da integridade das fronteiras permitiu à ICAO, adoptar
os MRTD´s (Machine Readable Travel Documents – Documentos de Viagem de Leitura
Automática) nos anos 1980. Inicialmente, o documento incluía caracteres de leitura óptica e
visava acelerar o atendimento de passageiros nos controlos de passaportes (Idem, 2015a).

Já em 1998, com o aprimoramento das técnicas de inspecção e controlo de fronteiras, o Grupo


Técnico Consultivo dos MRTD´s (TAG/MRTD) desenvolveu o sistema de identificação
biométrica e os meios associados de armazenamento de dados para uso em aplicativos MRTD´s,
considerado o mais eficaz, particularmente em relação à emissão e inspecção de documentos e
informações sobre imigração (Idem).

A eficácia dos MRTD´s no controlo das fronteiras aéreas dos Estados complementa-se com a
aplicação do sistema API. Este, é um sistema de gestão de informações sobre passageiros. Com
este sistema, os Estados-membros podem fazer a verificação prévia de cada passageiro, através
da informação prestada no acto da aquisição do bilhete do voo e no check in (Idem, 2017a), e
que é transmitida conforme os padrões reconhecidos internacionalmente (Idem, 2017b).

Fruto da implementação desta ferramenta, foram desenvolvidos, a nível do SENAMI, conceitos


de risco associado à origem e característica de cada passageiro. Assim, embora não significa
concordar com este posicionamento, é importante que se considere para análise, visto que, no
contexto da gestão de segurança, todo o risco deve ser ponderado, seja ele manifesto ou latente.
Desta forma, conceitos como o de nacionalidade de risco, passaporte de risco, rota de risco, voo
de risco, aeroportos de risco, visto de risco, são conceitos observados no dia-a-dia da gestão das
migrações no Posto de Travessia do Aeroporto Internacional de Mavalane.

O desenvolvimento destes conceitos, como se pode inferir das palavras dos respondentes do
SENAMI, fundamenta-se com base nos antecedentes históricos dos passageiros dessas

62
nacionalidades. Como defendido pelo Oficial do SENAMI A1, “os níveis de segurança nos
postos de travessia são determinados em função de antecedentes dos viajantes” (Entrevista
realizada em 22 de Novembro de 2019). Desta maneira, e como afirmado em Bigo (2005, 2006,
2012), criam-se perfis, através da avaliação do risco, que pode ser efectivo ou presumível, que
culmina com a criação das categorias que demandam a assunção de acções proactivas.

Destarte, o controlo das fronteiras aéreas em Moçambique, e em especial no Posto de Travessia


do Aeroporto Internacional de Mavalane é feito através da inspecção e confrontação dos dados
dos passageiros em lista de voo em conjugação com estes conceitos (Oficial do SENAMI A1.
Entrevista concedida a 01 de Novembro de 2019).

Uma das exigências à capacidade técnica dos órgãos de gestão das migrações em Moçambique
reporta à sua formação em fraude documental e fraude de identidade. O curso de fraude
documental permite ao agente conhecer a autenticidade dos documentos de viagem. Por sua
vez, o curso de fraude de identidade reporta a questões que perpassam a adulteração da cadeia
de identidade dos indivíduos.

4.4 Gestão e controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional

O controlo do Movimento Migratório em Moçambique assenta em três pilares: o controlo de


entradas no território nacional; o controlo e fiscalização da legalidade da permanência e estadia
de cidadãos estrangeiros no território nacional; e, o controlo de saídas do território nacional.

Para o controlo e fiscalização da permanência de cidadãos estrangeiros na Cidade de Maputo,


a Direcção Provincial de Migração realiza, com apoio do Comando da PRM – Cidade de
Maputo e das Direcções Provinciais de Trabalho e de Comercio, operações diárias que incidem
sobre estabelecimentos comerciais, mercados, hotéis20, centros de lazer, instâncias turísticas,
para a verificação dos documentos oficiais de autorização da permanência em território nacional
(Passaporte válido e com o visto dentro do prazo, DIRE´s, ou Cartão do Refugiado) (Oficial do
SENAMI B1. Entrevista realizada em de 02 de Março de 2020).

A Cidade de Maputo está dividida em 7 Distritos Municipais: KaMpfumo; KaNhlamankulu;


KaMaxakeni; KaMavota; KaMubukwana; Ka Tembe; e, KaNyaka. Destes, o Controlo

20
Os hotéis enviam diariamente informação sobre hóspedes nestes para efeitos de controlo de cidadãos
estrangeiros por parte do SENAMI.

63
Migratório realiza a fiscalização em 5, não alcançando os Distritos de KaTembe e KaNyaka,
justificando-se pela exiguidade de meios humanos e materiais para o efeito (Oficial do
SENAMI B1. Entrevista realizada em 02 de Março de 2020).

Esta acção é demonstrativa de que o controlo funciona, apenas, baseado em sistemas de


policiamento físico efectuado por agentes do SENAMI. Não obstante, podem ser adoptados
sistemas electrónicos de fiscalização baseados em biometria. Estes sistemas, devem ser capazes
de fornecer a informação de todo o cidadão estrangeiro que se encontra no território nacional,
através da captura de seus dados e inseridos em uma base de dados sob gestão do SENAMI,
que permita a que os membros em serviço durante as operações de fiscalização sejam capazes
de confirmar a legalidade da permanência dos cidadãos estrangeiros através de sistemas
informáticas de gestão de fluxos migratórios (Grupo de Oficias do SEANAMI, entrevistados
em 06 de Janeiro de 2020).

Este sistema pode permitir a certificação da identidade do imigrante, na medida em que

“a confrontação dos dados a recolher com as informações constantes na Base de


Dados, possibilitaria confirmar que o cidadão que solicitou visto e entrou em
Moçambique através do posto de travessia X, e forneceu determinadas informações, é
o mesmo interpelado” (Oficial do SENAMI A1. Entrevista concedida em 29 de
Novembro de 2019).

São vários os desafios enfrentados no processo de fiscalização e controlo da permanência de


cidadãos estrangeiros na Cidade de Maputo. Em parte, estes processos caracterizam-se por uma
fraca capacidade operativa dos membros envolvidos nas operações de fiscalização, os quais
denotam um défice de conhecimento consentâneo com os processos de gestão de fluxos
migratórios internacionais. Por outro, o quadro jurídico apresenta lacunas que dificultam a
percepção e execução dos trabalhos operativos de fiscalização e controlo da legalidade da
permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional. Sobre este último aspecto, refira-
se que o Visto de Fronteira é normalmente equiparado ao Visto Turístico, o qual é emitido a
favor de cidadãos estrangeiros que chegam ao país em viagens turísticas.

Igualmente, o mesmo Visto é emitido a favor de cidadãos estrangeiros que chegam ao país em
viagens de visita familiar, negócios, trabalho, entre outras categorias, facto que, para além de
criar embaraços nos agentes operativos em missões de fiscalização, também embaraça os
respectivos beneficiários (Oficial do SENAMI B1. Entrevista realizada em 02 de Março de

64
2020). Nos termos da lei, o Visto de Fronteira concede o direito de permanência em
Moçambique ao cidadão estrangeiro por um período de trinta (30) dias21 e não é prorrogável.
Todavia, “se se for ao sistema para verificar se aqueles estrangeiros que entraram com este
Visto, após 30 dias, saem, na maioria das vezes, descobre-se que muitos deles não saíram”
(Oficial do SENAMI D1. Entrevista concedida em 29 de Novembro de 2019).

Com esta explanação, é seguro afirmar que as fragilidades do sistema de gestão de fluxos
migratórios para além de afectar negativamente as operações de fiscalização da permanência
de cidadãos estrangeiros na Cidade de Maputo, estimulam a ocorrência de actos de corrupção
entre os agentes envolvidos na cadeia de valor da gestão de fluxos migratórios internacionais
(sistema de produção de Documentos Oficiais de Viagem e de Identidade, Controlo de
Fronteiras e operações de fiscalização) e de outras unidades orgânicas do Ministério do Interior,
que directa ou indirectamente lidam com estes processos, como defende o Oficial do SENAMI
D1, quando afirma: “o sistema actual é, também, debilitado pelo factor corrupção, pois alguns
membros fazem vista grossa a situações de irregularidades e ilegalidades cometidas por
estrangeiros em troca de favores monetários” (Entrevista concedida em 08 de Janeiro de 2020).

Os sistemas de controlo e fiscalização física envolvem actividades de inteligência, visando a


busca de informações sobre estrangeiros nos Mercados de Zimpeto e na Praça de Touros.
Porém, os trabalhos de inteligência não surtem resultados satisfatórios para os níveis desejados,
devido aos sistemas de alerta instalados junto dos imigrantes em situação irregular e clandestina
nestes mercados. Reportam-se inúmeras situações em que as equipas de fiscalização
depararam-se com mercearias fechadas e outras, mesmo abertas, os donos não se faziam
presentes no local, deixando as lojas à supervisão de seus funcionários moçambicanos (Oficial
do SENAMI B2. Entrevista realizada em de 02 de Março de 2020).

Assim, descortinam-se perigos decorrentes desta deficiente gestão dos cidadãos estrangeiros
em Moçambique. Como se pode coligir das respostas de um oficial sénior da PF, as fragilidades
denotadas neste âmbito, quer a nível dos Postos de Travessia, quer a nível interno, “podem,
num futuro breve fomentar situações de conflitos xenófobos, como os que têm acontecido na
República da África do Sul ou, mais grave ainda, situações de conflitos étnicos, como os que
ocorreram no Ruanda entre Hutos e Tutsis” (Oficial da Polícia de Fronteiras F1. Entrevista
concedida em 17 de Janeiro de 2020).

21
Cfr. o número 4, art.º 21 do Decreto nº 3/2017, de 24 de Março.

65
Por isso, acrescenta, afirmando que

“é necessário que o estrangeiro que entra no território nacional esteja sob o domínio
das FDS, saber-se dos seus objectivos e das actividades que cada um desenvolve.
Exercer-se um controlo eficaz, através do registo de movimentos de entrada e de saída,
bem como a fiscalização da permanência e da estadia de todos os cidadãos estrangeiros
que estejam no território nacional e, coarctar a entrada dos ilegais e clandestinos,
através do controlo efectivo das fronteiras” (Idem).

Para o efeito, o SENAMI procura, em coordenação com a PRM ao nível da Cidade Maputo,
instituir figuras de Chefes de Sectores, em alguns pontos de maior concentração de estrangeiros,
como nos mercados de Zimpeto e o da Praça de Touros, para o registo dos imigrantes. Os
registos servirão de base para o conhecimento da situação real dos imigrantes nesta cidade, os
que possuem e os que não possuem a documentação oficial exigida para a permanência em
Moçambique, pois acredita-se na existência de muitos em situação clandestina (Oficial do
SENAMI B1. Entrevista realizada em de 02 de Março de 2020).

Necessário faz-se e urge o desenvolvimento de mecanismos de poder disciplinar sobre os


imigrantes no território nacional. A instituição de figuras de chefes de sectores com vista o
registo dos imigrantes revela, no contexto das relações de poder de soberania, uma disfunção
que mais se aproxima aos esquemas das cidades pestilentas narradas em Michel Foucault na
obra Vigiar e Punir (1999). Nestas relações, o controlo funcionava através do exercício intenso,
multiplicado, articulado e ramificado do poder, com vista o controlo e vigilância aprofundada
dos homens baseada na excepção a um mal extraordinário (Foucault, 1999), tal como pode se
considerar o fenómeno de imigração em Moçambique.

O contraste neste dispositivo disciplinar está na agregação do binómio ver – ser visto por parte
dos que exercem a vigilância e o controlo e dos vigiados. Os chefes de sectores, figuras que no
entender do SENAMI devem exercer a vigilância e o controlo dos imigrantes nestes mercados,
na posição de ver, tornam-se visíveis e conhecidos dos imigrantes, sendo por isso que o
exercício do poder se dilui.

O dispositivo panóptico, em contraposição, “uma maneira de definir as relações do poder com


a vida cotidiana dos homens” (Foucault, Ibid., p. 194), permite essa dissociação, numa relação
de disciplina entre os vigilantes e os vigiados. O exercício deste poder opera-se com base em

66
instrumentos de vigilância permanente, exaustivos, com habilidade omnipresente e capazes de
tornar tudo visível sem que eles se façam visíveis (Idem).

É neste âmbito que se propõe a adopção de sistemas electrónicos baseados em biometria para a
vigilância de imigrantes no território nacional. Estes sistemas devem ter a capacidade de
dissociar o par ver – ser visto, na medida em que devem ser capazes de exercer uma vigilância
omnipresente, contínua e permanente, mas sem que eles mesmos se façam conhecidos por parte
dos vigiados (os imigrantes). Esta situação tornará a relação de poder entre o soberano (Estado
moçambicano) e a comunidade (imigrante) numa relação de disciplina.

Outra das fragilidades denotadas no âmbito do controlo e fiscalização de cidadãos estrangeiros


na Cidade de Maputo reporta a cidadãos com Estatuto de Asilo e Refugiados. Do que foi
possível apurar do trabalho de campo, não existem mecanismos claros de triagem nos Postos
de Travessia, facto que permite que muitos dos cidadãos estrangeiros que entram no país
obtenham com relativas facilidades, estes Estatutos.

Observa-se que, em tempos, funcionou a nível do Ministério do Interior uma Comissão


Consultiva (dissolvida em 2011) que lidava com aspectos de triagem de estrangeiros
requerentes de Estatuto de Asilo e de Refugiados. Actualmente, quer o INAR quer o SENAMI
não possuem mecanismos eficientes e eficazes de controlo e fiscalização da permanência deste
grupo de imigrantes o qual, vêm dominando o comércio informal na cidade de Maputo, sem a
observância dos mecanismos formais de remessas ou contribuir para o sistema fiscal do país
(Oficial do SENAMI B4. Entrevista realizada em de 06 de Março de 2020).

Refira-se que, para além das situações acima descritas, parte deste grupo de imigrantes envolve-
se, habitualmente, em actos de garimpo ilegal e tráfico de pessoas. Sobre este último aspecto,
o Oficial do SENAMI B4 cita dois casos por eles tramitados, em que cidadãos com Estatuto de
Refugiado traficaram pessoas que posteriormente, num dos casos, viria a se tornar em esposa e
outros que trabalharam mais de 9 meses sem salário em suas lojas (Entrevista realizada em de
06 de Março de 2020).

Nos termos do Decreto nº 12/2018, de 12 de Março, o INAR é o órgão responsável pela


coordenação de acções de apoio e assistência aos refugiados e requerentes de Asilo em
Moçambique.

67
4.4.1 Procedimentos seguidos em caso de verificação de irregularidades na
documentação do cidadão estrangeiro

O tratamento de imigrantes na Cidade de Maputo difere da situação específica de cada um. Nos
termos da lei 5/93, de 31 de Dezembro, considera-se imigrante clandestino “todo aquele que
entra no território nacional por qualquer ponto habilitado sem passaporte ou documento
equivalente falso, incompleto ou caduco, bem assim os que o façam por pontos não habilitados,
ainda que com a documentação necessária”.

Há a salientar neste conceito alguns aspectos importantes, que marcam a destrinça entre um
imigrante que entra no território nacional sem a devida documentação e outro que entra com a
documentação exigida, mas que o faça em pontos não habilitados. A acrescer a isto, pode-se
estar, também, perante uma situação de imigrantes que entram no território nacional com a
documentação exigida, através dos pontos habilitados, mas que permaneçam para além do
tempo permitido.

Assim, torna-se necessário, partindo destes conceitos, distinguir imigrantes irregulares dos
imigrantes indocumentados ou clandestinos propriamente ditos.

Embora no Glossário de Migração e Asilo da Rede Europeia das Migrações (REM, 2012)22 e
no Glossário de Migrações da Organização Internacional de Migrações (OIM, 2019), o termo
imigrante irregular é tratado como sinónimo dos termos imigrante clandestino e imigrante
ilegal, na prática, como se pode comprovar pela ilustração de Cierco, existem diferenças entre
estes termos. Para esta autora,

imigração irregular compreende todos os imigrantes que entraram de forma legal num
território e cuja permanência no território se tornou irregular quando deixaram passar a
validade dos seus documentos. Por sua vez, a imigração ilegal refere-se àqueles
imigrantes que entraram num determinado território sem qualquer tipo de documento
legal (visto) (Cierco, 2017, p. 21).

É o mesmo entendimento que as autoridades migratórias moçambicanas aferem destes termos.


Segundo se pôde apurar, a irregularidade neste contexto das migrações resulta, por um lado, da
negligência do imigrante em não renovar a validade de seus documentos de residência e de

22
Ainda que se possa ter em atenção a ressalva introduzida pela Resolução 1509 (2006), da Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa, que orienta para a utilização da expressão “ilegal” quando se tratar de um
estatuto ou processo, e “irregular” quando se tratar de um indivíduo (REM, 2012).

68
viagem que lhe permitem permanecer no território nacional e, por outro, da prática de
actividades comerciais diferentes das declaradas no Visto de entrada. A ilegalidade ou
clandestinidade, resulta da entrada no território nacional sem a devida documentação e por
pontos não habilitados para o efeito. Outrossim, são situações de fraude documental e de
identidade que colocam o imigrante na situação de ilegalidade (Grupo de Oficiais do SENAMI,
entrevista concedida em 17 de Dezembro de 2019).

Desta forma, para casos de verificação de irregularidades na documentação do imigrante, as


autoridades migratórias nacionais socorrem-se de várias alternativas de forma a saná-las. As
irregularidades, de uma forma geral, são consideradas sanáveis, quer seja através de aplicação
de multas ou emissão de novos documentos. Diferente destas, está a situação de ilegalidade.
Estas, consideram-se insanáveis. Pelo que, na maioria das situações resultam em retenções para
averiguações e posterior repatriamento para os países de origem23.

Para os casos em discussão no parágrafo anterior, impõe-se a aplicação de medidas radicais


porque, como defendido por oficiais do SENAMI, “um cidadão em situação ilegal não é de
confiança. Há que coarctar as suas liberdades. Diferente de um irregular, pois esta pode ser
sanada através da notificação do infractor” (Grupo de Oficiais do SENAMI, entrevista
concedida em 17 de Dezembro de 2019).

A verificação de situações de irregularidades e ilegalidades nos viajantes ocorre no processo


denominado profiling24, onde os agentes de Migração verificam a autenticidade e a legalidade
da pertença dos Documentos Oficiais de Viagem do portador. Estas, podem ser constatadas i)
a nível documental; ii) na falta de motivos que justifiquem a autorização de entrada; iii) na falta
de meios de subsistência; ou iv) nas evidências comportamentais dos viajantes, associadas aos
riscos ou ameaças de segurança (casos de imigração ilegal, tráfico de seres humanos, tráfico de
drogas, terrorismo, entre outros crimes associados à migração internacional) (Oficial do
SENAMI C2. Entrevista realizada em 14 de Janeiro de 2020).

Quando são identificadas evidências, os viajantes são orientados pelo Inspector do Controlo da
1ª Linha para o Inspector do Controlo da 2ª Linha, o qual é dotado de recursos e meios para,

23
De acordo com o oficial do SENAMI C1, considera-se país de origem o último país de trânsito do imigrante.
Desta forma, o repatriamento é feito para esse país (Entrevista concedida em 13 de Janeiro de 2020).
24
Processo de análise comportamental que se destina a auxiliar os agentes de Migração a conhecer, detectar e
determinar o perfil de suspeitos de práticas criminais ou de ilícitos, através das características apresentadas pelos
sujeitos de análise. Sobre esta matéria, consulte-se Konvalina-Simas, T. (2012). Profiling Criminal: Introdução à
Análise Comportamental no Contexto Investigativo. Lisboa: Rei dos Livros.

69
através da peritagem documental, investigar e instruir Processos que determinem a aceitação
ou recusa de entrada, quando se tratar de processos de entradas, ou de interdição de saída,
quando se tratar de processos de saída do território nacional (Oficial do SENAMI C2. Entrevista
realizada em 14 de Janeiro de 2020).

4.4.2 A Cadeia de Identidade como Instrumento de Controlo Migratório

Em 1984, a ICAO, no uso das competências atribuídas pela Convenção de Chicago de 1944,
estabeleceu o Grupo de Consultoria Técnica para Documentos de Viagem de Leitura
Automática (TAG/MRTD - Technical Advisory Group on Machine Readable Travel
Documents) conhecido actualmente como TAG/TRIP (Technical Advisory Group on Travel
Identification Program – Grupo Técnico Consultivo do Programa de Identificação de
Viajantes).

O TAG/TRIP é constituído por especialistas de Estados-membros da ICAO e também integra


a Organização Internacional de Padronização (ISO), a Associação Internacional de Transporte
Aéreo (IATA), o Conselho Internacional dos Aeroportos (ACI) e a Organização Internacional
da Polícia Criminal (INTERPOL), e tem como objectivo assessorar na elaboração e adopção de
especificações para os documentos de viagem de leitura automática (ICAO, 2015a).

Com vista a incrementar os sistemas de controlo, especialmente no quesito da imigração, o


grupo de trabalho de Novas Tecnologias da TAG/MRTD desenvolveu, em 1998, um sistema
com base em identificação biométrica e meios associados de armazenamento de dados (chip)
para uso em aplicações MRTD. Estas acções, perspectivavam o aumento da segurança e
integridade dos documentos de identificação e de viagem contra acções de falsificação,
contrafacção e fraude, como também facilitar a inspecção e controlo migratório por
funcionários das companhias aéreas e dos Governos (Idem).

Por essa via, e como recomendado pelos consultores do TAG/TRIP, para os Estados que os
seus documentos de identificação são reconhecidos por outros Estados como documentos de
viagem válidos, devem ser concebidos segundo as especificações e padrões determinados pelo
Doc 9303, parte 3; Doc 9303, parte 4; Doc 9303, parte 5 ou Doc 9303, parte 6 (Idem).

Como forma de gerar e garantir o controlo das identidades, principalmente dos viajantes, a
ICAO criou o sistema de interoperabilidade global. Este sistema permite a obtenção e troca de

70
informações entre os Estados-membros e a sua utilização em operações de inspecção e
fiscalização em seus respectivos Estados (ICAO, 2015a). Funciona assim, assente em uma
Logical Data Structure (LDS) que permite a identificação de todos os elementos de dados
obrigatórios e opcionais e gravação em um circuito integrado sem contacto (Chip) e incluídos
nos MRTD´s.

O funcionamento deste sistema apoia-se em uma Base de Dados denominada Public Key
Directory (PKD), um instrumento vital para o controlo de fronteiras e que permite a leitura e
verificação eficientes e seguras dos eMRTD25. É uma componente essencial para aplicação do
Public Key Infrastructure (PKI), que é um conjunto de políticas, processos e tecnologias
utilizadas para inscrever, verificar e certificar os usuários de um aplicativo de segurança.

O PKD é um repositório central de registo e troca de informações requeridas para a


autentificação de passaportes electrónicos, a qual compreende os processos de validação da
autenticidade e integridade de qualquer eMRTD, através da verificação da assinatura digital do
chip. Por via disto, a ICAO recomenda que os Estados-membros que pretendam aderir aos
eMRTD devem integrar-se no PKD e partilhar suas informações com esta Base de Dados, como
forma de tornar suas informações, especialmente dos viajantes, disponíveis para todos os
Estados-membros da ICAO (Idem, 2017b).

Com estas inovações, fica claro que os documentos de viagem, em especial o passaporte e o
visto, tornaram-se em elementos essenciais de controlo de mobilidade de pessoas a nível
mundial. Como defendido em Seda (2017), fazendo referência à tese de Salter (2004), o
passaporte constitui o documento de identificação pelo qual os funcionários de controlo de
fronteiras classificam o estatuto internacional do seu portador e decidem se ele é (in)desejado
no país de destino.

Assim, tendo em vista os padrões e recomendações da ICAO, os Estados devem adoptar uma
Cadeia de Identidade em seus sistemas de controlo populacional. Para isso, impera, antes de
mais, a identificação e interligação de todas as instituições nacionais que têm e trabalham com
a identidade dos indivíduos (Oficial do SENAMI A1. Entrevista concedida em 01 de Novembro
de 2019).

25
Documento de Viagem Electrónico de Leitura Automática. É um documento (passaporte, visto ou cartão de
viagem) que possui um circuito integrado sem contacto, embutido e a capacidade de ser usado para a identificação
biométrica do detentor dos documentos MRTD, de acordo com os padrões especificados no Doc 9303, Parte 3.

71
A cadeia de identidade, segundo o que se pôde apurar dos órgãos de gestão das Migrações, deve
iniciar no momento do nascimento do indivíduo, no acto do seu registo oficial que é o
reconhecimento legal do seu nascimento. No seguimento das recomendações da ICAO, estas
informações devem ser criptografadas26 com base no PKI (ICAO, 2015b), o que deverá obstar
quaisquer alterações ou adulterações em outras instâncias da mesma cadeia de identidade.

Com este sistema de gestão de identidade, como atesta o Oficial do SENAMI A1,

“tornar-se-ia possível realizar o controlo efectivo do cidadão em tempo real, sempre


que for solicitado a usar, ou o seu BI ou o seu Passaporte, na medida em que, a
interligação das entidades com evidência de identidade, iria permitir que os gestores
das migrações tivessem conhecimento de onde os documentos teriam sido usados”
(Entrevista realizada em 01 de Novembro de 2019).

Nos actuais sistemas de gestão da cadeia de identidade, isto de acordo com a mesma fonte, os
indicadores de identidade em evidência são: o nome, as impressões digitais, a fotografia e o nº
do Bilhete de Identidade [BI]. E, como se evidencia nas palavras deste oficial, o mesmo sistema
assinala rupturas pois, “permite que um qualquer funcionário, num sector qualquer, dentro da
cadeia mexa com a identidade”, o que acarreta riscos de desconfiguração dos padrões de
confidencialidade, integridade e autenticidade da mesma.

Ainda nas palavras do mesmo interlocutor, “estas situações mostram que a informação
introduzida no acto de registo de nascimento não está criptografada. É por isso que, quando
alguém chega onde se trata passaportes existe um sector para a correcção de erros” (Oficial
do SENAMI A1. Entrevista realizada em 01 de Novembro de 2019).

É, portanto, via desta ausência de integridade dos sistemas de gestão da cadeia de identidade
em uso, que se processam as múltiplas situações que se reportam, de falsificação dos
documentos oficiais de viagem e de residência para estrangeiros, pois as fragilidades
assinaladas naqueles, expõem a informação para manipulação de pessoas não autorizadas
dentro da cadeia de identidade, permitindo alterações não aprovadas e fora do controlo das
autoridades competentes para o efeito.

26
A ICAO (2015a, p.10) define este como o acto de disfarçar informações através do uso de uma chave de modo
que não possa ser entendida por uma pessoa não autorizada.

72
Estas evidências adversam com as recomendações da ICAO. A aplicação do PKI permite aos
Estados criptografarem suas informações através de chaves e certificações para comunicações
seguras e, funciona através de um par de chaves, uma privada e outra pública. A chave pública
permite a criptografia das informações e a privada, a decifração ou descriptogração27 (ICAO,
2015a). Assim, sem o seguimento dos padrões de certificação do PKI e sem a integração do
Banco de Dados nacional no PKD, mesmo que o Estado invista no desenvolvimento de
documentos de identificação e de viagem de leitura automática (MRTD) tem pouco ou nenhum
valor acrescentado.28

A este respeito, o Relatório da Central Intelligence Agency (CIA, 2011), tornado público em
Dezembro de 2014 pelo Wikileaks, afirma que,

embora os passaportes electrónicos (eMRTD, grifo nosso) falsificados não tenham a


assinatura digital correcta, os inspectores, podem não detectar a fraude se os passaportes
forem de países que não participam do Directório de Chaves Públicas da Organização
da Aviação Civil Internacional (ICAO PKD) (Idem, p.7).

E, segundo dados da ICAO, até 20 de Novembro de 2019, apenas 71 países participavam do


PKD da ICAO, sendo que Moçambique não fazia parte desta lista, embora parte dos Estados
que emitem os passaportes electrónicos (eMRTD) (ICAO, 2020).29 Esta situação é
demonstrativa do quão fulcral e necessário se torna a integração da base de dados de
Moçambique no PKD pois, a detecção de irregularidades neste tipo de documento electrónico
não se afigura fácil, sem a troca de informações com os países emissores destes documentos,
tornando-se deste modo, desafiante os processos de controle de fronteiras pelos inspectores da
migração, principalmente as aéreas, nas questões de identificação das pessoas que possam
constituir perigo à segurança interna, por estarem associadas a crimes como os de imigração
clandestina, tráfico de drogas e de estupefacientes, terroristas, tráfico de pessoas e de órgãos
humanos e outras situações que possam perigar a segurança do Estado, como são os casos de
oficiais de inteligência de outros países (CIA, 2011).

As várias situações de fraude de identidade e contrafacção de documentos oficiais de identidade


e de viagem que se registam em Moçambique são consequências da ausência de integridade

27
ICAO (2015a, p. 9) é o acto inverso de criptografia, e consiste na restauração de um arquivo criptografado ao
seu estado original através do uso de uma chave (Doc 9303, parte 1).
28
Recomendações da Conferência Ministerial sobre Segurança da Aviação Civil e facilitação em África, realizada
em WINDHOEK, NAMIBIA, de 4 a 8 de Abril de 2016.
29
Informação disponível em: https://www.icao.int/security/FAL/PKD/Pages/ICAO-PKDParticipants.aspx
(consultado em 21 de Junho de 2020).

73
dos sistemas de gestão da cadeia de identidade, no contexto dos padrões da ICAO. Como
apurado, os gestores da cadeia de identidade ao nível da produção dos documentos, invadem o
sistema e apropriam-se dos dados das pessoas, produzindo documentos oficiais com dados dos
titulares adulterados, criando desta forma, situações de fraude de identidade e/ou documental.

A cadeia de identidade, gerida nos termos do sistema da Base de Dados desenvolvido pela
ICAO, baseia-se no PKD, LDS30 (Estrutura de Dados Lógicos) e o PKI. O PKI (Infra-estrutura
de Chave Pública) é o mecanismo que permite a criação e verificação subsequente de
assinaturas digitais em objectos eMRTD, incluindo o DSO (Document Security Object) para
garantir que os dados assinados sejam autênticos e não modificáveis (ICAO, 2015b, p. 1).

Neste sistema, cada Estado deve estabelecer uma Autoridade de Certificação (AC) chamada de
Autoridade de Certificação de Assinatura do País (CSCA), que emite os certificados para os
usuários finais incluindo os assinantes dos documentos. São a única entidade de certificação na
infra-estrutura que, dentre outras actividades define as responsabilidades de cada entidade na
infra-estrutura e os algoritmos criptográficos de gerenciamento de chaves que protegem os
sistemas e instalações associados ao PKI de qualquer acesso externo ou não autorizado (Idem,
loc. cit. e ss.).

Portanto, a CSCA estabelecida a nível do país será responsável pela garantia da integridade e
autenticidade da cadeia de identidade, o que irá inibir acessos não autorizados para a
modificação de dados e, consequentemente produção de documentos contrafeitos.

Com o funcionamento pleno deste sistema e o Banco de Dados da cadeia de identidade em


Moçambique integrada no Banco de Dados da ICAO (PKD), como se demonstra nas respostas
obtidas junto dos Oficiais do SENAMI, Moçambique passaria a ter uma gestão dos processos
migratórios eficientes. Segundo estes,

“toda a informação pertinente sobre o migrante seria incorporada no chip.


Informações sobre o pedido de vistos e outras de interesse sobre onde vai, como vai,
quanto tempo irá levar no local, o que vai fazer, etc. Isso possibilitaria o melhor
controlo e gestão dele por parte das autoridades migratórias” (Grupo de Oficiais do
SENAMI, entrevista concedida em 17 de Dezembro de 2019).

30
Logical Data Struture, que serve para armazenar dados biométricos e outros dados no circuito integrado sem
contacto [(IC - Contactless Integrated Circuit (IC)], ICAO (2015b, p. 1).

74
Por esta via, quando o migrante chega nos postos de travessia, apresenta o passaporte, as
autoridades migratórias, com recurso aos terminais do sistema de interoperabilidade instaladas,
conhecem, através da leitura electrónica do chip, o histórico sobre o migrante.

Moçambique enfrenta desafios neste contexto da gestão da cadeia de identidade. A deficiente


integração da Base de Dados de cidadãos com registo em Moçambique à Base de Dados da
ICAO, dificulta o acesso à PKD, que possibilitaria ao Estado moçambicano, através dos seus
órgãos de gestão das Migrações, conhecer o real perfil do migrante que recebe em seu território.

Assim, quando os imigrantes chegam nos postos de fronteira, vezes há em que prestam
informações falsas, mas por falta desta integração no PKD, não há espaço para a confrontação
dessas informações, facto que, de acordo com o Oficial do SENAMI A1, coloca o país em
situação de vulnerabilidade. Para este respondente,

“os acordos bilaterais são instrumentos que dão maior autonomia aos Estados na
gestão dos processos migratórios e, por isso, devendo observar um pressuposto
essencial que é a troca de informação sobre aspectos de segurança. E, porque os
sistemas de gestão dos fluxos migratórios dos Estados da SADC revelam-se
inoperantes, facto que se pode comprovar junto dos postos de fronteira com a África
do Sul, porquanto, mesmo tendo este país assinado o acordo de isenção de vistos com
Moçambique31, são inúmeras as vezes que os documentos moçambicanos são rejeitados
lá. Por isso, e, por via destas deficiências, se um terrorista entra em um país da SADC,
pode adquirir documentos de qualquer país, pois os seus sistemas de controlo não são
eficientes” (Entrevista realizada em 01 de Novembro de 2019).

É desta forma que cidadãos estrangeiros que chegam nos postos de fronteira pedindo Asilo ou
Estatuto de Refugiado, são interpelados com identidades falsas ou, na maioria das vezes,
omitindo informações fulcrais sobre o seu histórico de vida e, mais tarde, vem a descobrir-se
que se trata de pessoas que não reuniam requisitos para obtenção destes estatutos por terem
pertencido a grupos criminosos, rebeldes ou de desestabilização em outros países, daí poder
constituir para Moçambique, um perigo para a perpetração de acções subversivas.

Esta informação é corroborada pelas palavras do Oficial da PF F2 quando afirma que

31
Refira-se que não só com a África do Sul, o Estado moçambicano tem assinado protocolos de isenção de vistos
com o Botswana, o Malawi, as Maurícias, a Swazilândia, a Tanzânia, a Zâmbia e o Zimbabwe.

75
“muitos dos que estão a ser combatidos em Cabo Delgado são estrangeiros. Pessoas
que entraram em Moçambique com objectivos obscuros, mas que nos postos de
fronteira declararam ser imigrantes normais. Outros entraram sob pretexto de turismo
e negócios, mas mais tarde, alguns deles foram achados na situação de estarem a
financiar aquelas actividades subversivas e outros como actores directos. Portanto, um
imigrante que preste falsas declarações é sempre um perigo à segurança interna porque
omite os seus reiais objectivos” (Entrevista concedida a 17 de Janeiro de 2020).

Para Bigo (2006), foram ideias como estas que motivaram o desenvolvimento de acções de
colaboração policial e de inteligência na Europa, sugerindo-se o mesmo para o caso vertente de
Moçambique, como uma das estratégias de gestão dos fluxos migratórios a adoptar.

4.5 Mecanismos de controlo e vigilância das fronteiras

Os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 às torres gémeas, nos Estados Unidos de


América, transformaram o sentido de fronteira. Extensões de novas cercas de arrame farpado e
muros de segurança, inúmeros centros de detenção, bancos de dados de passaportes biométricos
e pontos de verificação de segurança nas escolas, nos aeroportos e nas várias estradas do mundo
foram sendo erguidos em prol da construção de sistemas de segurança efectivos para o controlo
dos movimentos migratórios (Bigo, 2006, 2012; Nail, 2019).

O conceito de fronteiras estatais, significando o limite das circunscrições onde um Estado


exerce sua soberania, compreende-se, para o caso de Moçambique, nos sentidos terrestres,
marítimo, fluvial e aéreo. No país, a autoridade executiva e de coordenação técnica da acção do
Estado relativa às Políticas de Fronteiras Internacionais é o Instituto Nacional do Mar e
Fronteiras [IMAF], criado através do Decreto nº 18/2001, de 3 de Julho.

Uma das competências deste órgão é a de “propor políticas e estratégias sobre questões do mar
e fronteiras”. Todavia, segundo o que se apurou, apesar de Moçambique ter aprovado e
adoptado a Política de Fronteiras em 2017, através da Resolução n.º 41/2017, de 26 de
Setembro, que orienta a acção das FDS na protecção e guarda das fronteiras nacionais, o
instrumento é totalmente desconhecido. Os oficiais do SENAMI e os da PF entrevistados,
revelaram desconhecer a existência deste instrumento orientador o que presume que toda a
acção que se desenvolve no âmbito da protecção e guarda da fronteira estatal não é sustentada

76
nesta Política. Cada órgão das FDS desenha o seu plano de actividades na área sob sua
responsabilidade, limitando-se a coordenar suas actividades em parâmetros e condições não
claras com outras entidades.

A conjugação das leis n.ºs 16/2013, de 12 de Agosto – Lei da Polícia da República de


Moçambique – e 12/2019, de 23 de Setembro – Lei que aprova a Política de Defesa e Segurança
–, remete a análise e acepção das responsabilidades da PRM na garantia de inviolabilidade
territorial, através da implementação de medidas de protecção e guarda da fronteira estatal.

A integridade da fronteira é, para os Estados, objecto de soberania. A sua violação, quer seja
por invasão militar ou por pessoas que a atravessam de forma indevida, coloca os Estados em
situação de alerta, resultando disso, a adopção e implementação de medidas preventivas e
repressivas com vista a conter as ameaças e riscos que surjam através desta.

É, para o Estado moçambicano, responsabilidade da PRM, através dos Ramos da PF e da PCLF,


a segurança e protecção da fronteira estatal. Assinala-se que à PF cabe a protecção e segurança
da fronteira terrestre e fluvial32 e à PCLF, a protecção e segurança costeira, lacustre e fluvial.33

No âmbito do controlo da fronteira terrestre, a PF realiza patrulhamento como mecanismo base


do controlo e fiscalização das fronteiras estatais. Esta, para além de estar estacionada nos postos
de travessia oficial, estende-se ao longo da linha de fronteira terrestre, e em alguns pontos da
fronteira fluvial entre Moçambique e Tanzânia, através das Províncias de Niassa e Cabo
Delgado. E, nesta extensão realiza patrulhas móveis, de emboscada, de busca, de escolta e de
observação – aberta e oculta – num raio de 20 Km34 da linha de fronteira para o interior.

Um dos grandes desafios enfrentados pelas forças de protecção da fronteira em Moçambique


prende-se, segundo o oficial da PF F2, com a dispersão das responsabilidades por diferentes
forças de actuação. Para este interlocutor,

32
Cfr. Alínea g) do nº 1, art.º 4, conjugado com alínea a), do nº 1, art.º 23 da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto. A
este preceito legal, acresce-se a informação recolhida junto do grupo de oficiais da Polícia de Fronteira, em uma
entrevista realizada nos dias 16 e 17 de Dezembro de 2019 e 17 de Janeiro de 2020. De acordo com estes, a PF,
para além de garantir a protecção da fronteira terrestre em toda a extensão da linha de fronteira está, também,
estacionada na fronteira fluvial entre Moçambique e Tanzânia, através das Províncias de Niassa e Cabo Delgado.
33
Cfr. Alínea f) do nº 1, art.º 4, conjugado com nº 2, art.º 24 da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto.
34
Note-se que esta extensão compreende os 2 km da linha de fronteira para interior, extensão denominada zona
interdita e, os 18 Km contados a partir deste ponto para o interior, área em que as populações das zonas fronteiriças
podem construir suas habitações.

77
“não se justifica que se disperse as responsabilidades de protecção das fronteiras
estatais em PF e PCLF. Estas duas forças deviam estar sob mesmo comando, ou seja,
a PCLF devia estar integrada no Ramo da PF porque este último, tal como o nome
sugere, engloba todo tipo de fronteiras, desde as terrestres, marítimas, fluviais e
aéreas” (Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2019).

Se atentarmos na generalidade do conceito de fronteira como proposto por Michel Foucher, no


sentido de esta ser “uma descontinuidade geopolítica, com funções de delimitação real,
simbólica e imaginária” (Silva & Tourinho, 2017, p. 98) e, aos tipos em que Friedrich Ratzel
discute, que podem ser “naturais (através de rios, lagos, mares) ou artificiais (aquelas
demarcadas por tratado, mesmo apoiada por um marco físico)” (Idem, p. 99) e, colocá-las em
um plano de debate com as responsabilidades atribuídas pela Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto
à PF, a interpretação que se afere é de que a missão da garantia de segurança e protecção da
fronteira estatal, não sendo exercida de forma exclusiva, é toda ela acometida à PF.

Nos termos desta lei, a PF tem como função “a protecção e guarda da fronteira estatal, em
coordenação com as demais Forças de Defesa e Segurança” (alínea a) do nº 1 do art.º 23, da Lei
nº 16/2013de, de 12 de Agosto). Neste sentido, entende-se desta generalização a não
descriminação das tipologias de fronteiras, sejam elas terrestres, fluviais, marítimas e aéreas.
Resulta deste entendimento que a PF reclama sua presença em todas as fronteiras estatais como
a força com o preparo técnico-táctico para realizar de forma efectiva essa missão (Grupo de
Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).

Na Cidade de Maputo, não existindo fronteira terrestre com outras soberanias, não existe
representações da PF. Contudo, atendendo às funções a esta acometidas, para além das
supracitadas, deve combater a imigração ilegal, o contrabando, o tráfico de pessoas e de órgãos
humanos, o tráfico de drogas e de mercadoria diversa ao longo da fronteira estatal (alínea b),
do nº 1, art.º 23 da Lei 16/2013, de 12 de Agosto). E, considerando informações que são
veiculadas pela comunicação social e os resultados de estudos anteriores sobre imigração ilegal
em Moçambique, tráfico de drogas e de estupefacientes, tendo como ponto de entrada o
Aeroporto Internacional de Mavalane, a PF contesta a sua não inclusão no leque das FDS
instaladas neste posto de fronteira.

De acordo com o grupo de oficiais entrevistados, cabendo a esta força a função de garantir a
inviolabilidade do território nacional, impõe-se a sua colocação nesta. Ainda que ao SENAMI,

78
seja atribuída a autonomia de conceder permissões e recusas de entradas como saídas de
migrantes do território nacional, através da emissão de documentos oficiais de viagem, cabe em
última instância à PF aferir a legalidade dessas permissões. É a este órgão que se atribui a
responsabilidade de garantir a integridade da fronteira estatal e a sua inviolabilidade (Grupo de
Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).

A violação da fronteira neste cenário de Migrações, segundo o que se apurou destes, refere-se
“ao movimento realizado por um cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro, que atravessa a
fronteira estatal (seja pelo Posto de Travessia Oficial ou pela linha de fronteira verde) sem
documentação exigida para o efeito (Passaporte ou Certificado de Emergência)” (Oficial da PF
F2. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).

Sustentando ainda o seu posicionamento, este interlocutor acrescenta, dizendo que

“independentemente de ter passado do guiché da Migração, onde se carimba o


Passaporte, a PF tem a obrigação de confirmar se o seu documento está legal ou não,
se efectivou o movimento migratório ou não. Porque há que alguém, de forma
fraudulenta, passar do posto tendo o passaporte, mas sem permissão. Não tem
autorização, quer seja pelo cancelamento do passaporte por ter cometido uma
irregularidade, ou está fora de validade. Então, a PF está obrigada a realizar o
controlo. Tem essa obrigação de controlar o documento de viagem” (Oficial da PF F2.
Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).

Nesse sentido, o destacamento desta força neste aeroporto, poderia permitir que todas as
fronteiras estatais estivessem sob tutela das forças policiais com a responsabilidade de garantir
a sua integridade, verificando e averiguando as permissões que os órgãos do SENAMI
concedem aos cidadãos estrangeiros nos postos de travessia fronteiriça (Grupo de Oficiais da
Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020). Para isso, torna-se
necessário potenciar esta força em termos de equipamentos e conhecimentos técnicos que
permitam o controlo efectivo das fronteiras estatais, não apenas a terrestre, mas também a
fluvial, a marítima e a aérea.

O controlo efectivo destas fronteiras poderia permitir o controlo dos fluxos migratórios de e
para o território nacional bem como dos crimes conexos à migração internacional, tais como a
imigração ilegal, o tráfico de pessoas, o tráfico de drogas, o descaminho, o contrabando e o
terrorismo.

79
4.5.1 Tipologias de violadores de Fronteiras

No contexto de guarda da fronteira estatal, a PF categoriza os violadores de fronteira em três


tipos, conforme mostrado na Tabela 6:

Tabela 6:
Quadro analítico das tipologias dos violadores de fronteiras

Tipos de
Caracterização Categoria
Violadores
a. os que atravessam a fronteira para realizar
compras de pequena necessidade;
b. ou que atravessam a fronteira para visitar Pessoas que
familiares separados pelo traçado da linha de pertencem a
Violadores Simples
fronteira; comunidades
c. ou ainda, os que atravessam a fronteira para das zonas
participar de cerimónias familiares, sejam elas fronteiriças.
fúnebres ou religiosas;
a. Fuga ao fisco; Normalmente
b. Pessoas que violam a fronteira para realizar são nacionais
compras avultadas; que pertencem a
Contrabandistas zonas não
c. Pessoas que fazem passar a mercadoria em contíguas às
zonas proibidas. linhas da
fronteira estatal.
35
a. Cidadãos estrangeiros de terceiro país que Cidadãos de
Imigrantes Ilegais atravessam as fronteiras nacionais sem a nacionalidade
documentação oficial exigida para o efeito estrangeira.

Nota: Tabela adaptada do autor a partir dos dados obtidos das entrevistas aos oficiais da PF.

4.5.2 Sistemas de controlo migratório nos Postos de Travessia de Fronteira

O controlo migratório nos postos de travessia oficial, sejam eles terrestres, marítimos e aéreos,
opera-se em três linhas: i) controlo da 1ª Linha, que constitui o exame cursivo para a inspecção

35
Cidadão de terceiro país para a PF, refere-se a cidadãos dos países que não fazem fronteira com Moçambique,
ou a cidadãos dos países limítrofes com Moçambique, mas que usem Moçambique como corredor para alcançar
outro país.

80
rápida nos postos de fronteira, para a fácil detecção de recursos tácteis ou de identificação
visual; ii) Controlo da 2ª Linha, que é o exame realizado por Inspectores de Migração com
treinamento e equipamento simples; e, iii) Controlo de 3ª Linha, que corresponde a inspecção
realizada por especialistas forenses (ICAO, 2015a, p. 15).

Moçambique, adopta dois níveis de Inspecção Migratória nos postos de travessia de fronteira.
O Controlo de 1ª Linha, realizado por agentes do SENAMI nos guichés, realizando uma rápida
inspecção com vista a verificar a regularidade da documentação do cidadão estrangeiro que
pretenda entrar ou sair do território nacional. Este controlo é realizado através do sistema de
captação e verificação da autenticidade dos documentos em confrontação com o portador dos
mesmos.

O Controlo de 2ª Linha é realizado, ainda nos postos de fronteira, por Inspectores do SENAMI,
sempre que se presume irregularidades entre a documentação do migrante e as declarações por
ele prestadas. É neste nível que se operam as interdições de entrada e saída do território nacional
e também a aplicação de multas aos infractores da legislação migratória nacional.

No âmbito do Controlo de 2ª Linha, a falta de equipamento adequado e padronizado para


aferição, tanto da autenticidade da documentação, quanto de outros problemas que se podem
detectar no Controlo da 1ª linha e que obrigam a intervenção do Controlo de 2ª Linha, constitui
um desafio.

Como destacam os oficiais do SENAMI, “os postos de controlo de segunda linha não têm
equipamentos de peritagem documental, daí não se compreender na essência, a eficiência e
eficácia do seu funcionamento” (Grupo de Oficiais do SENAMI, entrevista concedida em 17
de Dezembro de 2019).

4.6 Riscos e ameaças de segurança associadas à imigração em Moçambique

A migração internacional não pode ser considerada na sua generalidade como má e indesejável.
Os riscos e ameaças a ela associados, resultam da construção de uma “guerra híbrida” na qual
estes movimentos são interpretados como ferramentas e ou armas contra os “vizinhos” (Nail,
2019). Este processo associa-se à doutrina legal de Malum in se, que considera todas ou quase
todas as acções que violam a lei moralmente erradas (Huemer, 2019).

81
Embora Huemer (Ibid.) esclareça duas vertentes em que estas acções podem ser interpretadas36,
subsume, ainda que com reservas, a restrição das migrações na vertente de mala proibita por
considerar que existem obrigações morais e políticas de respeitar a lei dos Estados receptores.
Suas reservas fundam-se na ideia segundo a qual os imigrantes ainda não teriam o dever de
obedecer às restrições de imigração dos Estados receptores, visto ainda não estarem nesse
território (Idem). É conflituante este argumento, na medida em que se um cidadão quer migrar
para outro território sob domínio de outra soberania deve informar-se, primeiro, dos requisitos
legais para entrada nesse território, mesmo considerando os migrantes forçados.

Assim, para Moçambique a imigração clandestina e a que, mesmo não o sendo no momento da
entrada no território nacional, cidadãos estrangeiros prestem falsas declarações do seu histórico
de vida, consideram-se imigrações proibidas (mala proibitium) justificando-se com base nos
argumentos de falta de clareza e obscuridade de seus objectivos. De acordo com as FDS, esse
tipo de imigrante “se furta de prestar os seus reais motivos de entrada neste e de não usar os
postos de fronteira habilitados para conceder autorizações de entrada no território nacional
porque suas intenções não são de paz” (Grupo de Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista
concedida em 17 de Dezembro de 2019).

Por isso, a estas categorias de imigrante tem-se como perigo à segurança interna. O Oficial da
PF F2, para sustentar esta ideia, toma como exemplo a situação de instabilidade política que se
vive em Cabo Delgado, afirmando que

“a maioria dos malfeitores que estão a ser combatidos nesta província são
estrangeiros. Essa guerra que não se sabe quem está por trás, pode ser que esteja a ser
alimentada por alguns estrangeiros que estão aqui no nosso país. Imigrantes
clandestinos. Não só, podem estar a recrutar pessoas e virem treiná-las em
Moçambique para desestabilizar o país, bem como desestabilizar outros países. Sua
presença põe em causa a segurança interna. Porque ele pode estar aqui a treinar
grupos para irem desestabilizar outros Estados. E esses Estados quando descobrirem
que esses grupos foram treinados em Moçambique, poderão colocar em causa o

36
O autor considera existirem duas perspectivas distintas de visualizar as acções erradas: podem ser erradas por si
mesmas (mala in se) ou erradas porque proibidas (mala proibita). As primeiras incluem acções que violam direitos
morais que as pessoas têm independentemente de o Estado reconhecê-los, tais os casos de assassinato, estupro e
roubo. São moralmente errados em qualquer sociedade e, por isso, o Estado não pode torná-los permitidas. As
segundas, variam de sociedade para outra. Estas são proibidas porque o Estado decidiu proibi-las. São os casos,
por exemplo, de prática de medicina sem licença. Só a é proibida porque o Estado assim o decidiu (Huemer, 2019,
pp.71-72).

82
relacionamento diplomático com Moçambique” (Oficial da PF F2. Entrevista concedida
em 17 de Janeiro de 2020).

Foi notório na explanação dos interlocutores, tanto do SENAMI como os da PRM, que muitos
dos estrangeiros que chegam a Moçambique com pedidos de asilo e requerentes do estatuto de
refugiados, não são, na essência, refugiados, mas aproveitam-se das fragilidades do sistema de
segurança e legal do país para obter esses documentos e, numa fase posterior viajarem para
outros países, tanto de África como para Europa e, desses países desenvolverem actividades
comerciais ilícitas em Moçambique.37

Sobre este aspecto, recorre-se à explanação dos Oficiais do SENAMI entrevistados, que
corroboraram em sua análise ao afirmar que muitos dos cidadãos com estatuto de refugiado em
Moçambique, que se apresentam com nacionalidade Congolesa e Ruandesa, são na essência
Burundienses.38 Igualmente, existe a percepção por parte dos órgãos de gestão das migrações
em Moçambique, do medo de os estrangeiros com estatuto de refugiado terem pertencido a
grupos de desestabilização em outros países africanos e poderem, a partir do exterior,
desenvolver as mesmas actividades subversivas no país.

Estas situações ocorrem, em parte, devido a abertura das fronteiras nacionais que permitiram a
que muitos cidadãos Ruandeses entrassem no país, com vistos de turistas, visitante e mais tarde
de negócio. Já em Moçambique e, pelas dificuldades acrescidas pelo agravamento dos valores
dos documentos oficiais de residência e para a prática do comércio, optam por se apresentarem
nos Centros de Refugiados como requerentes de asilo e de estatuto de refugiados. Destes
centros, e com o apoio dos imigrantes já estabelecidos em Moçambique, conseguem adquirir o
estatuto de refugiado e, disso, se apoiam para a prática de actividades económicas (Oficial do
SENAMI B2, entrevista realizada a 02 de Março de 2020).

Outrossim, trata-se de um efeito da falta da capacidade operativa do Estado para a prevenção


de crimes conexos à migração internacional. Como atenta o Oficial do SENAMI A1,

“o Estado moçambicano não tem uma estrutura de monitoria e avaliação com


capacidade técnico-material para verificar se as acções que estão sendo desenvolvidas
pelas FDS respondem aos desideratos de segurança. Este aspecto, só seria possível se

37
Isto, de acordo com as respostas obtidas através dos interlocutores da pesquisa ao nível do SENAMI, ROSP e
PF.
38
Conjugação das respostas dos oficiais do SENAMI A1 e B2. Entrevistas concedidas em 28 de Novembro de
2019 e 2 de Março de 2020, respectivamente.

83
o Estado moçambicano adoptasse as recomendações da ICAO consubstanciadas no
Anexo 9, sob designação API System, que permite aos Estados conhecerem os detalhes
sobre informações dos passageiros e ou da tripulação, recebidos antes da partida ou
chegada do voo” (Entrevista realizada no dia 28 de Novembro de 2019).

Inspirado na Resolução 2178 (2014) do Conselho de Segurança da ONU, que estabelece a


obrigatoriedade de os Estados-membros exigirem às companhias aéreas que operam em seus
territórios, o fornecimento de informações antecipadas às autoridades nacionais sobre pessoas
alistadas como terroristas, isto de acordo com as Resoluções 1267 (1999) e 1989 (2011) das
Nações Unidas, a ICAO estabeleceu o API System, que obriga os Estados-membros a
desenvolver um sistema de informação prévia sobre passageiros.

O sistema, apoiado internamente em cada Estado-membro com uma estrutura legal, deve ser
consistente com os padrões internacionalmente reconhecidos para API. Visa colectar dados
biográficos de um passageiro, tripulante e detalhes do voo e transmiti-los electronicamente às
agências de controlo de fronteiras do país do destino como o de partida (ICAO, 2017a).

Moçambique regista deficiências na aplicação deste sistema. As autoridades de gestão das


Migrações relatam situações de imigrantes que em suas viagens ocultam o seu histórico
migratório. Situações de pessoas que viajam pelos países considerados de risco, tais como
Djubuti, Somália e Etiópia39 e, ao chegar nos postos de travessia da fronteira de Moçambique,
apresentam-se como solicitantes de asilo e mais tarde adquirindo o estatuto de refugiado.

Essas situações são interpretadas por parte das FDS, como desenvolvimento de actividades de
inteligência pois, dos imigrantes que adquirem o Estatuto de Refugiado no país, uns abandonam
a posterior e voltam a instalar-se em países considerados de risco, outros vão para a Europa.
Neste sentido, considera-se que a fraca capacidade de gestão dos fluxos migratórios por parte
do Estado moçambicano, não só coloca em risco a segurança do país, como também a segurança
internacional. Assim, surge o perigo da prática de crimes de imigração ilegal, tráfico
internacional de pessoas, tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais, fuga ao fisco,
remessas de capitais através de mecanismos inadequados e outros crimes associados à migração
internacional, conforme previsto no Protocolo de Palermo.

39
De acordo com Seda (2017), estes países são considerados de risco para a segurança pois seus cidadãos são
associados a crimes de falsificação de documentos, tráfico de seres humanos e de órgãos humanos e terrorismo.

84
Relativamente aos crimes de tráfico de drogas, a fonte do SENAMI entrevistada, reporta
situações de retenção e detenção de “mulas”40 no Aeroporto Internacional de Mavalane, com
maior incidência para passageiros provenientes do Brasil, passando de Adis-Abeba e do Quénia
(Oficial do SENAMI C2. Entrevista realizada em 14 de Janeiro de 2020).

O tráfico internacional de pessoas configura aquilo que se designa “escravatura moderna” pois,
trata-se de uma prática que envolve o aliciamento e pagamento das despesas de deslocação do
país de origem ao país de destino. Nestes, as pessoas traficadas são colocadas a trabalhar por
um determinado período de tempo, sem salários, a favor de quem suportou as despesas de sua
viagem.

Para a ilustração deste caso, o Oficial do SENAMI B3, afirma que “um cidadão Burundiense
com residência em Moçambique, envolveu-se no crime de tráfico de pessoas para empregá-las
em seu estabelecimento comercial” (Entrevista realizada no dia 22 de Novembro de 2019).
Outrossim, são evocadas situações de casamentos de conveniência, onde alguns dos
estrangeiros contraem casamentos “arranjados” com cidadãs moçambicanas e, disso se
apoiarem para a obtenção da nacionalidade moçambicana.

Estas situações mostram o quão fragilizado o Estado está perante situações de gestão de
imigrantes que se não conhecem na essência. Estes factos, colocam a segurança interna do
Estado moçambicano em perigo. Os princípios de gestão de segurança interna dos Estados
baseiam suas acções em informações consistentes fundados no trabalho de inteligência.

Bigo (2006), fazendo referência ao trabalho de Graham Alisson, destaca que o trabalho de
inteligência sobre pessoas em movimento constitui a chave do sucesso contra todos os males
gerados pela liberdade de circulação de pessoas. É da mesma forma que o oficial do SENAMI
A2, defende ser “impossível obter níveis aceitáveis de segurança com pessoas que não se
conhecem” (Entrevista concedida no dia 22 de Novembro de 2019).

Reside, desta forma, o receio dos profissionais de segurança relativamente a este tipo de
imigrante. Como julgado por Bigo (2006), o sonho das agências de segurança consiste na
previsão mais próxima possível dos cenários futuros e inibir que pessoas possam cometer
ilícitos, muito antes que eles aconteçam. Desta forma, os profissionais de segurança procuram
realizar a análise de prospecção baseada em conhecimentos estatísticos, correlações hipotéticas

40
Expressão usada para designar as pessoas envolvidas no tráfico de drogas, transportando-a através da ingestão
no seu organismo.

85
e supostas tendências e, através disso, anteciparem o futuro em termos de piores cenários e
trabalharem para prevenção (Idem, 2005). Por outro, os Estados reforçam os controlos
fronteiriços e adoptam novas tecnologias de vigilância, categorizando os grupos em perfis de
risco, numa tentativa de antecipação de comportamentos indesejados (Rodrigues, 2010).

Justifica-se, desta forma, a criação de perfis migratórios, com os quais se acredita que a
antecipação do comportamento dos indivíduos ou de grupos, seja elemento suficiente para agir
(Bigo, 2006).

86
CAPÍTULO V – CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E
CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO

O estudo propôs-se a analisar os desafios à segurança interna no contexto da migração


internacional em Moçambique, tendo como estudo de caso a Cidade de Maputo entre 2014 e
2018. Para o efeito, foram formuladas as seguintes perguntas que orientaram o estudo:

a) Como se caracterizam os fluxos migratórios para Moçambique?


b) Quais são os mecanismos de controlo das fronteiras estatais em Moçambique?
c) Como é feita a gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique?
d) Que desafios, a migração internacional, impõe à segurança interna em Moçambique?

Para a resposta a estas questões, o pesquisador delineou a pesquisa com recurso a entrevista
semiestruturada, conforme o Apêndice A, como técnica principal de recolha de dados, auxiliada
pela observação directa e oculta (Apêndice B) realizada no Posto de Travessia do Aeroporto
Internacional de Mavalane, em ambiente de chegada de voos internacionais.

Foram entrevistados 20 oficiais seniores das FDS, conforme a Tabela 1 – distribuição dos
respondentes pelos sectores de actividade, no Capítulo III – metodologia de pesquisa, secção
3.5 – população e amostra.

Dos dados obtidos pela aplicação destes instrumentos de pesquisa importa, neste capítulo
apresentar as conclusões, as recomendações e as possíveis contribuições do estudo para a
melhoria dos processos de gestão das migrações em Moçambique.

5.1 Conclusões

Os resultados obtidos com a prossecução da pesquisa levam a crer que foram alcançados os
objectivos a que o estudo se propunha, visto que da pesquisa, se pôde observar que a migração
internacional em Moçambique constitui em si um desafio para as FDS, no que concerne à sua
gestão.

É certo que na actualidade, Moçambique tem se constituído ponto de convergência de muitos


estrangeiros, uns que querem fixar suas residências, atraídos pela expectativa crescente do clima
de paz e de prosperidade fundado nos grandes projectos de petróleo e gás na bacia de Rovuma

87
e de jazigos de carvão mineral e pedras preciosas nas províncias de Tete, Nampula, Cabo
Delgado, Manica e Gaza e, outros, servindo-se deste como corredor para alcançar outros
destinos, como a África do Sul, Europa, América e China.

Embora nos últimos dois anos, o clima de paz pareça estar ameaçado com os ataques que
assolam o país a norte da província de Cabo Delgado, é ponto assente que os fluxos migratórios
não mostram tendências de abrandamento. E, segundo o que o estudo apurou, parte dos
imigrantes que entraram no país com objectivos obscuros, pode estar na origem desta violência
nesta parcela do país, facto que em si, torna estes movimentos em desafios para o sistema de
segurança interna do país.

De forma destacada, o estudo avança os seguintes desafios:

a) Necessidade de aprimoramento dos sistemas de registo de cidadãos estrangeiros


com residência em Moçambique

A ineficiência dos sistemas de registo de cidadãos estrangeiros com residência em


Moçambique, considerados os migrantes voluntários e os forçados, fragiliza os sistemas de
gestão interna dos mesmos. Em Moçambique, são duas as instituições que gerem estes
processos: o SENAMI, para os imigrantes voluntários e o INAR, para os imigrantes forçados.
Desta forma, tanto uma como outra, não conhece ao certo, o total de cidadãos estrangeiros
existentes em Moçambique, onde eles se encontram e que actividades desenvolvem. Esta
dificuldade é acrescida ainda, pelos dados estatísticos do INE, que mostram haver omissões no
registo censitário destes, a concluir pelos números avançados no Censo Geral da População e
Habitação de 2017, que aponta para a existência de cerca de 142,315 cidadãos estrangeiros
residentes em Moçambique.

Acresce-se a este facto a inexistência de registos de estrangeiros descriminados pela


nacionalidade, o que dificulta o conhecimento dos números reais de imigrantes e cidadãos
estrangeiros residentes em Moçambique, de acordo com as nacionalidades. Apenas é efectuada
a descriminação de nacionalidades, quando se trate de situações de imigrantes ou estrangeiros
que cometem infracções de âmbito migratório.

Pelo que, urge a necessidade de se aprimorarem os sistemas de registo daqueles, como forma
de se potenciar o controlo e fiscalização migratórios em Moçambique.

88
b) Elaboração e difusão de uma Política de Migração

Uma Política de Migração como instrumento da acção do poder público, pode ser entendida
como um corpo de decisões e de medidas para acção, visando trazer respostas efectivas aos
problemas de regulação dos fluxos migratórios e seus efeitos. O processo de sua elaboração,
como qualquer outra política pública, começa com a previsão ou identificação do problema, a
inscrição na agenda política, à formulação e escolha de soluções, a tomada de decisão que se
constitui em uma política efectiva a ser executada, sua implementação visando a solução do
problema e à avaliação (Tinoco, 2010).

O Estudo conclui pela ausência deste tipo de Política em Moçambique. Esta política, deve
orientar os processos de gestão das migrações nos contextos de controlo das fronteiras e dos
impactos internos do Estado moçambicano, como forma de alinhar as práticas internas aos
pressupostos universais que pautam o processo de abertura de fronteiras.

Sobre este aspecto, impera que o Estado moçambicano no acto de abertura de fronteiras
internacionais para a maior circulação de pessoas e bens – facto ocorrido através do Protocolo
da SADC sobre facilitação da mobilidade de pessoas, aprovado pelos chefes de Estados da
região da SADC, em 13 de Julho de 2005 e da Resolução 21/2001, que extingue o visto de
passaporte para a Comunidade dos Países da Língua Portuguesa –, devia ter potenciado as
medidas de fiscalização e controlo efectivos sobre a extensão das suas fronteiras estatais e
aprimorado os processos investigativos sobre pessoas que queiram entrar no país.

Porque estas medidas não se fazem sentir a nível dos controlos fronteiriços, as quais seriam
corporizadas em uma política, a gestão das migrações em Moçambique é feita através de
medidas paliativas, dispersas em documentos legais de diferentes sectores de actividade, o que
dificulta o trabalho das FDS no contexto da gestão dos riscos a estes fenómenos associados.

Do ponto de vista da pesquisa, a abordagem securitária das migrações tem como base a
instituição do estado de emergência no controlo dos fluxos migratórios (Bigo, 2005, 2006).
Neste estado, a gestão migratória insere-se no contexto da vigilância dos perfis populacionais,
no seguimento das recomendações do Conselho de Segurança da ONU, através das Resoluções
1267 (1999) e 1989 (2011) sobre a obrigatoriedade de as companhias aéreas fornecerem
informações antecipadas às autoridades nacionais dos Estados sobre pessoas alistadas como
terroristas ou a estas situações relacionadas. Neste contexto, as forças policiais e agências de
inteligência dos Estados desenvolvem acções de colaboração e troca de informações,

89
justificadas pela necessidade de identificar e bloquear suspeitos de cometer ilícitos, antes que
eles ocorram em seus territórios (Bigo, 2005).

c) Potenciação dos sistemas de gestão e controlo interno dos fluxos migratórios

Os sistemas de gestão e controlo interno dos fluxos migratórios em Moçambique são


caracterizados, segundo o que o estudo apurou, por uma fraca capacidade operativa dos
membros envolvidos nas operações de fiscalização, pois, os mesmos, denotam défice de
conhecimentos consentâneos com os processos de gestão de fluxos migratórios internacionais.

Estas situações são agravadas ainda, pelas lacunas do quadro jurídico legal que rege os
processos migratórios, notado que, apresenta ambiguidades exacerbadas de percepção do seu
real alcance. Como exemplo desta problemática, cita-se a questão do Visto de Fronteira que, de
acordo com a lei, pode ser atribuído na fronteira para fins turísticos ou até para cidadãos
estrangeiros que, por razões devidamente fundamentadas, não tenham podido solicitar o
respectivo visto correspondente (Cfr. a nova redacção do art.º 21, do Decreto n.º 108/2014, de
31 de Dezembro, introduzida pelo Decreto n.º 3/2017, de 22 de Fevereiro).

São situações destas que, para além de criar embaraço de interpretação por parte dos agentes e
autoridades migratórias envolvidas no processo de fiscalização interna, podem fomentar
situações de crescimento exponencial de imigrantes irregulares, na medida em que muitos se
socorrem deste tipo de Visto para entrar em Moçambique e, estando neste, recorrem a
dissimulações para se escapulirem das autoridades de controlo. É, também, factual que estas
incongruências podem fomentar a corrupção de agentes operativos que, ao interpelarem os
migrantes nestas situações de irregularidades possam “fazer vista grossa” em troca de favores
monetários.

Por outro lado, os sistemas de gestão e controlo dos imigrantes no território nacional, por
envolver actividades de policiamento físico, favorecem para a ineficácia destas actividades.
Como defendido em Foucault (1999), este tipo de vigilância dilui o poder fiscalizador, pela
intervenção directa dos vigilantes em meio aos vigiados, tornando-os conhecidos. Estas
situações dificultam o processo de recolha de informações e incrementam casos de
clandestinidade de imigrantes no território nacional.

90
d) Necessidade de integração plena da base de dados da cadeia de identidade de
cidadãos com registo em Moçambique no PKD

Moçambique, sendo um país membro da ICAO deveria ter desenvolvido os sistemas de


identificação prévia de passageiros (API System), o que na prática não se verifica, pela fraca
integração da sua Base de Dados da cadeia de identidade de cidadãos com registo em
Moçambique na Base de Dados central da ICAO (PKD). É deste modo que o estudo avança as
dificuldades registadas a nível dos controlos fronteiriços para a gestão dos imigrantes e
estrangeiros que a estes se apresentam, uns prestando falsas declarações, mas por falta desta
integração, torna-se impossível a confrontação dessas informações por forma a se saber quem,
realmente solicita a entrada no território nacional. Estas situações colocam o estado
moçambicano em situação de vulnerabilidade, pois não sabe com que pessoas está lidando.

A deficiente integração da Base de Dados de Moçambique à Base de Dados da ICAO (PKD) é


motivada, de entre outras razões, pela falta de integridade dos sistemas de registo de identidade
e produção dos documentos oficiais de identificação e de viagem por parte do Estado
Moçambicano, o que pressupõe a falta de certificação nos moldes em que a ICAO preconiza.
Para estes termos, a ICAO recomenda a que cada Estado-membro, crie uma autoridade de
cerificação com funções de garantir a integridade e autenticidade da cadeia de identidade,
através da emissão de um par de chaves pública e privada que permitem a criptografia e
descriptografia de informações da cadeia de identidade, que também as protegem do acesso
externo não autorizado.

É, por via destas deficiências, que a Conferência Ministerial sobre Segurança da Aviação Civil
e Facilitação em África, realizada em Windhoek, na Namíbia, de 4 a 8 de ABRIL de 2016,
recomendou que, mesmo que os Estados invistam no desenvolvimento de documentos de
identificação e de viagem de leitura automática (MRTD), pouco ou nenhum valor acrescentado
terão se não estarem integrados no PKD e nem seguir os padrões de certificação do PKI.
Outrossim, é a dificuldade que os inspectores da migração terão para identificar a fraude em
eMRTD´s que não participam do Directório de Chaves Públicas da ICAO (PKD), ainda que
estes não tenham assinatura digital correcta (CIA, 2011).

Desta forma, torna-se necessária a mudança de abordagem dos processos de segurança na


gestão das migrações, haja visto que existem passos já avançados nesta área, mas não no

91
respeito aos padrões internacionalmente recomendados, daí Moçambique estar associado aos
países facilitadores da imigração na região austral de África e do Mundo em geral.

e) Difusão da Política de Fronteiras

O estudo conclui sobre o desconhecimento total da existência da Política de Fronteiras de


Moçambique, aprovada em 2017 através da Resolução n.º 41/2017, de 26 de Setembro, do
Conselho de Ministros, por parte das FDS. É com base nesta Política que as FDS deviam
orientar suas acções no âmbito de protecção e guarda da fronteira estatal. Assim, cada órgão
parte das FDS responsável pela protecção e guarda da fronteira estatal, limita-se a desenvolver
seus planos de forma isolada e coordenam em parâmetros e condições não claras com outras
entidades interessadas nesta matéria.

Por esta via, ganha eco o posicionamento da PF em relação ao controlo das fronteiras aéreas no
território nacional. Segundo estes, não faz sentido a sua não inclusão no conjunto das FDS
afectas nos aeroportos internacionais de Moçambique se a responsabilidade de garantia da
integridade da fronteira é, ainda que não de forma exclusiva, sua. Para além desta tarefa, há que
observar também os aspectos dos crimes conexos a migração internacional que, nos termos da
Lei n.º 16/2013, de 12 de Agosto, são áreas de responsabilidade desta força, tais são os casos
dos crimes de tráfico de drogas, tráfico de pessoas e de órgãos humanos, imigração ilegal,
contrabando e descaminho.

f) Intensificação do controlo de situações criminais associadas as Migrações


Internacionais

No que respeita aos desafios concretos de segurança para o Estado moçambicano, o estudo
conclui que nem todas as migrações são consideradas más e indesejadas, apenas aquelas que se
subsumem na doutrina de mala proibita (Huemer, 2019). São tidas neste contexto de risco e
ameaças à segurança interna as migrações clandestinas e as que, mesmo não o sendo, no
momento da entrada no território nacional, o imigrante presta falsas informações sobre o seu
histórico de vida.

92
Associa-se a esta categoria de imigração situações que possam perigar a segurança interna, tais
são os casos de subversão, terrorismo, casos de oficiais de inteligência de outros países,
criminalidade organizada transnacional, tráfico de armas, tráfico de drogas, trafico de pessoas
e de órgãos humanos, branqueamento de capitais, fuga ao fisco, remessas de capitais através de
mecanismos inadequados, e outros previstos no Protocolo de Palermo, para além de situações
de casamentos de conveniência para a obtenção da nacionalidade moçambicana por parte dos
imigrantes.

O tráfico internacional de pessoas torna-se mais preocupante ainda por configurar aquilo que
se designa de “escravatura moderna”, pois envolve o aliciamento e pagamento das despesas de
deslocação do país de origem para Moçambique onde as pessoas traficadas são colocadas a
trabalhar por um determinado período de tempo, sem salários a favor de quem suportou as
despesas de sua deslocação.

A pesquisa traz o exemplo de situações de subversão e terrorismo, os ataques violentos que


ocorrem na província de Cabo Delgado que, segundo as FDS são fundados nas ideologias de
imigrantes, que entraram em Moçambique prestando falsas declarações sobre os seus reais
interesses. Relacionado com este aspecto, estão também situações de refugiados e requerentes
de asilo que estão em Moçambique, tendo declarado pertencer a uma determinada
nacionalidade, mas que após obter a documentação oficial de Moçambique descobre-se serem
de outra nacionalidade diferente da que forneceram anteriormente e que serviu de fundamento
para a atribuição do estatuto de refugiado. São os casos de muitos Ruandeses e Congoleses que
na verdade são de nacionalidade Burundiense.

É importante que se chame atenção sobre estes discursos de associação dos migrantes
internacionais aos crimes acima descritos, visto parecerem estereotipados e discriminatórios.
No âmbito da defesa de interesses nacionais dos Estados, as agências de segurança, forças
policiais e os discursos de securitização das migrações, tendem a associar o migrante a actos
criminais, sendo visto como uma ameaça ao status quo da ordem social, económica e política
estabelecida. Este pensamento é perfilhado em estudos de Werner (1990), Kephart (2006),
Adamson (2006), Ferreira e Rodrigues (2013) e Seda (2017). Para o caso específico de
Moçambique, é assim fundamentado porque como apresentado por Wetimane (2012), o
cruzamento das fronteiras neste prisma das migrações internacionais é assunto de Estado.

93
Ainda nestes estudos, uma outra corrente de pensamento se destaca. Trata-se da corrente
académica que aborda as Migrações no contexto do desenvolvimento das nações. A mesma
corrente, é partilhada pelas Nações Unidas. Esta, olha para o migrante como elemento essencial
no processo do desenvolvimento, tanto do país de acolhimento, como do país emissor, através
dos processos de remessas, que na visão de autores como Kapur (2004), Raimundo (2009),
Ratha (2015), Schmitz (2015), Feijó e Raimundo (2018) constituem instrumentos mais
efectivos de distribuição de renda, redução de pobreza e de crescimento económico, nos países
de origem dos migrantes e nos de acolhimento.

É, por isso, que se torna necessário o tratamento dos migrantes tendo em conta os fundamentos
da necessidade de, apenas, bloquear aqueles que possam constituir ameaça e riscos de segurança
e não num processo de globalização das ameaças para todo o tipo de migrante, visto que, parte
deles envolve-se nos processos de desenvolvimento económico e social dos países. Este
trabalho, apenas será possível através do aprimoramento das medidas investigativas sobre
pessoas que queiram viajar para Moçambique.

g) Reforço de mecanismos de triagem de requerentes de asilo e refugiados

A acrescer aos factos acima narrados, está também a questão da ausência de mecanismos claros
de triagem de requerentes de asilo e refugiados nos postos de travessia, bem como nos postos
de atribuição destes documentos. Foi apurado que em tempos, funcionou ao nível do Ministério
do Interior, uma Comissão Consultiva, dissolvida em 2011, e que lidava com estes aspectos,
daí se considerar estes grupos de imigrantes como constituintes de perigo à segurança interna,
na medida em que fomentam situações de corrupção entre agentes das FDS, garimpo ilegal dos
recursos naturais e tráfico internacional de pessoas.

Igualmente, os requerentes de asilo e refugidos em Moçambique são vistos como pessoas que
solicitam estes documentos, apenas para a facilitação da mobilidade e alcançarem outros pontos
do mundo, tal como a Europa e de lá poderem financiar actividades ilícitas em Moçambique.

Estas situações são entendidas como mostrando a fraca capacidade do Estado moçambicano em
gerir de forma eficaz os fluxos migratórios no seu território e, por isso, estando na origem dos
riscos associados à segurança interna do país, como também da segurança internacional. É por
via disto que Estados, principalmente europeus e a América do Norte, adoptam sistemas de

94
vigilância baseados na criação de perfis de imigrantes, como forma de prever os possíveis
cenários de insegurança e agir de forma antecipada para inibir a sua efectivação (Bigo, 2005).

5.2 Recomendações

A migração internacional é um fenómeno social e humano e, ao mesmo tempo, um direito


humano, sendo por isso impensável que se possa por termo a ela. Assim, as recomendações
aqui avançadas não visam a limitação ou o fechamento das fronteiras para que ela não ocorra,
mais sim no sentido de potenciação dos mecanismos e processos para uma gestão efectiva do
mesmo.

Destarte, as recomendações suscitadas a partir do Estudo dividem-se pelas áreas das FDS
directamente visadas na gestão dos movimentos migratórios, sob ponto de vista de definição de
políticas públicas de segurança e de gestão migratória, da protecção e guarda da fronteira estatal
ou da gestão dos processos de entrada, fixação e saída de pessoas do território nacional.

5.2.1 Recomendações ao Estado moçambicano, responsável pela definição de políticas


públicas de segurança e de gestão migratória

a) Desenho, aprovação e difusão de uma Política de Migração para a gestão eficiente e eficaz
dos fenómenos migratórios. Esta política deve, de entre outros aspectos, prever:
i. aspectos relativos a economia do país, no sentido de prevenir situações de remessas
por meios inadequados;
ii. as taxas de emprego;
iii. segurança do país contra situações de terrorismo, subversão, criminalidade
organizada transnacional e outros crimes previstos no Protocolo de Palermo;
iv. identidade nacional;
v. processos de integração dos imigrantes; e,
vi. o perfil dos migrantes que Moçambique está apto a receber.

b) Instituição do estado de emergência na gestão dos fluxos migratórios, o qual deverá se


caracterizar pela criação de perfis de pessoas que desejem entrar no território nacional.
Esta estratégia permitirá que o Estado, através das FDS e dos serviços de inteligência,

95
conheça e preveja os comportamentos indesejados, que possam pôr em causa a segurança
interna e poder agir de forma antecipada para a sua prevenção e combate;

c) Adopção da estratégia de colocação de oficiais de ligação para a gestão dos fluxos


migratórios a montante. Esta figura deve ser posicionada, nos termos do Anexo 9 à
Convenção de Chicago, nos aeroportos dos países que maiores movimentos migratórios
geram para Moçambique, tais os casos dos aeroportos de Adis-Abeba e Nairobi,
considerando os migrantes dos países dos Grandes Lagos e do Corno de África;

d) Estabelecimento de uma Autoridade de Certificação de Assinaturas do país (CSCA) que


emita e gerencie o sistema de chaves para os usuários finais da Base de Dados da cadeia
de identidade nacional e dos sistemas e instalações associados ao PKI em Moçambique.
Este sistema de chaves deve visar a protecção das informações sobre a identidade das
pessoas e os sistemas de produção de documentos de identificação e de viagem de leitura
automática (MRTD) de qualquer acesso externo ou não autorizado, inibindo desta forma
a sua invasão e consequente produção de documentos contrafeitos.

5.2.2 Recomendações para o SENAMI

a) Estabelecimento de uma Base de Dados da cadeia de identidade de cidadãos com registo


em Moçambique e respectiva integração na Base de Dados da ICAO (PKD) no seguimento
dos padrões e certificação do PKI. A integração da Base de Dados de Moçambique na
Base de Dados da ICAO (PKD) irá permitir que o Estado moçambicano tenha acesso à
Base de Dados global (sistema de interoperabilidade) e, com isso, poder ter acesso às
informações dos perfis dos estrangeiros que queiram viajar para o país, possibilitando,
deste modo, a potenciação dos mecanismos de prevenção;

b) Adopção de sistemas electrónicos de monitorização e controlo em linha, baseados em


biometria, capazes de fornecer a informação do cidadão estrangeiro que se encontra no
território nacional, através da captura de seus dados e inseridos em uma base de dados sob
gestão do SENAMI;

c) Estabelecimento de uma base única de registo e gestão de todos os cidadãos de


nacionalidade estrangeira, considerados os imigrantes voluntários e os forçados
(requerentes de asilo e refugiados), em união das bases do SENAMI e do INAR, como

96
medida de melhor gestão e controlo sobre os números reais discriminados pelas
nacionalidades, localização dos mesmos no território nacional, actividades praticadas,
contactos próximos, etc.;

d) Aprimoramento dos sistemas de investigação sobre cidadãos estrangeiros que requeiram


asilo e estatuto de refugiados como forma de se conhecer o seu perfil histórico. Essa
investigação poderá permitir ao Estado moçambicano conhecer de antemão que tipo de
pessoas querem se fixar no território nacional e, assim, poder traçar um plano de gestão
dos mesmos baseado em seu histórico social.

5.2.3 Recomendações para a PRM

a) Redesenho das competências e atribuições da PF e da PCLF no contexto da guarda da


fronteira estatal. A Lei 16/2013, de 12 de Agosto – Lei da PRM, determina o exercício
não exclusivo das funções de protecção e guarda da fronteira estatal, por parte da PF. No
entanto, a formulação desta atribuição remete-nos a considerar que toda a fronteira estatal,
independentemente do seu tipo (terrestre, lacustre, fluvial e marítimo) está na
responsabilidade da PF. O mesmo instrumento legal, quanto à PCLF é vago em relação a
esta matéria, daí justificar-se a pretensão da PF em querer fazer-se representar em todos
os tipos de fronteira de Moçambique;

b) Tendo em atenção às funções acometidas à PF, mais precisamente as de combate à


imigração ilegal, à garantia da inviolabilidade da fronteira estatal, a PRM deve repensar
na estratégia de colocação desta força policial no Aeroporto Internacional de Mavalane
(Cidade de Maputo), sabido que deste, são relatadas inúmeras situações de violação de
fronteira por parte de imigrantes ilegais e também da ocorrência de crimes conexos à
migração internacional, tais os casos de tráfico de pessoas e de órgãos humanos e tráfico
de drogas.

5.2.4 Recomendações para o IMAF

a) Difusão e disseminação da Resolução n.º 41/2017, de 26 de Setembro, que aprova a


Política de Fronteiras pelas FDS, responsáveis pela gestão, protecção e guarda da fronteira

97
estatal. É importante o conhecimento deste instrumento por parte dos implementadores
visto ser o instrumento que define as linhas de orientação no âmbito da segurança
fronteiriça.

5.2.5 Recomendações para o SENAMI e PRM no âmbito da capacitação e formação dos


recursos humanos

Como bem demonstrado no ponto 4.4 – Gestão e controlo de permanência de cidadãos


estrangeiros no território nacional, os agentes do SENAMI envolvidos nas operações de
fiscalização, denotam um défice de conhecimentos consentâneos com os processos de gestão
de fluxos migratórios internacionais, urgindo, deste modo, a necessidade de se proceder a uma
capacitação específica, principalmente sobre os documentos legais que regem estes processos
e em matérias sobre fraude documental e de identidade.

Apenas observando-se este aspecto de formação e capacitação, o Estado moçambicano poderia


ter os processos de gestão das migrações eficientes e eficazes pois, não basta ter a legislação e
processos melhorados sem que os recursos humanos que devem implementar estes processos,
tenham domínio dos mesmos.

É também importante, para a PRM, a capacitação dos membros da PRM da especialidade da


Polícia de Fronteiras, sobre matérias relativas a fraude de identidade, documental e sobre vistos,
observado que cabe a esta força policial, a responsabilidade de garantir a inviolabilidade das
fronteiras e do território nacional sobre este prisma das migrações.

5.3 Perspectivas para futuros estudos

O Estudo visou abordar os desafios que as migrações internacionais acarretam à segurança


interna em Moçambique, focalizando os processos de entrada e fixação dos imigrantes oriundos
dos países dos Grandes Lagos e dos do Corno de África.

Os desafios expostos no estudo fazem referência a questões que reportam aos processos de
gestão a nível das fronteiras estatais, dos fluxos migratórios nas fronteiras e dentro do território
nacional por parte das FDS responsáveis por estas missões.

98
E, como demonstrado ao longo de todo o trabalho, para as FDS estes processos merecem seu
tratamento no âmbito do paradigma securitário. São vários os exemplos trazidos no estudo sobre
o processo de associação dos imigrantes a questões de segurança, não significando isto que todo
o imigrante seja criminoso, mas estando as FDS em estado de emergência para gerir possíveis
comportamentos que atentem contra ordem e segurança pública, quer ao longo das fronteiras
nacionais, quer dentro do território nacional.

Embora o estudo aponte algumas das razões que concorrem para estes discursos da necessidade
de abordagem das migrações internacionais em Moçambique do ponto de vista do paradigma
securitário, não é menos verdade que este constitui o primeiro passo para a compreensão da
globalidade destes fenómenos a nível interno. Como defendido por Buzan e Hansen (2009),
sendo o conceito de segurança uma construção social de cada estado, as formas de gestão dos
fenómenos migratórios em Moçambique, ainda que se possam inspirar nos modelos
internacionais, em especial, os adoptados na Europa e nos Estados Unidos de América, devem
ser construídos internamente, focalizando o que o Estado moçambicano considere seus valores
centrais a serem protegidos no contexto das FDS.

Por isso, torna-se imprescindível a realização de estudos, primeiro para a identificação e


conceitualização dos valores centrais do Estado moçambicano que possam constituir objectos
de ameaça por parte dos imigrantes, de modo a que, as políticas de gestão possam ser definidas
olhando-se especificamente para a protecção e defesa desses interesses.

De modo igual, e como apresentado ao longo do trabalho no ponto 4.2 – Caracterização dos
fluxos migratórios em Moçambique, impõe-se o exame dos fluxos migratórios em profundidade
em Moçambique, como forma de se chegar aos números exactos dos que chegam ao país por
meio de todo o tipo de transporte e pelas diferentes fronteiras nacionais. É por via das
dificuldades reveladas pelos órgãos de gestão destes fenómenos, quanto ao registo e gestão dos
mesmos, que não se conhece com exactidão os números dos estrangeiros que vivem em
Moçambique, sua caracterização no que toca às nacionalidades, actividades praticadas, seu
contributo para o desenvolvimento do país, etc.

Por via desta e de outras razões devidamente fundamentadas ao longo do trabalho, considera-
se esta pesquisa, o passo inicial para a discussão dos fenómenos migratórios em Moçambique
no contexto dos desafios de segurança que estes podem acarretar, como também às questões
que remetem às políticas para a sua gestão.

99
5.4 Contributos do estudo

A abordagem securitária das migrações em Moçambique constitui uma valência para o Estado
moçambicano, na adopção de ferramentas capazes de auxiliar na gestão dos fluxos migratórios
e, desta forma, concorrer para o debate sobre a construção de políticas públicas de segurança
interna no país.

Seguindo o pressuposto dos construtivistas, o fenómeno migratório internacional deve sofrer o


processo de securitização tendo em conta os riscos no contexto da segurança interna que este
fenómeno pode acarretar ao Estado moçambicano, resultantes da sua deficiente gestão.

Em termos de contributos válidos, o estudo pode colaborar no debate sobre os mecanismos de


gestão dos fluxos migratórios que, de acordo com as conclusões a que este chega, podem ser
desenvolvidos a nível dos postos de travessia e ao longo da linha de fronteira estatal através do
fortalecimento das medidas de controlo efectivo das fronteiras, bem assim o aprimoramento das
medidas investigativas sobre todos os estrangeiros que queiram entrar no território nacional.

Podem ainda ser geridos os fluxos migratórios a montante, por meio da instituição de oficiais
de ligação, colocados junto dos aeroportos dos Estados que maiores fluxos de imigração geram
para Moçambique.

Constitui também uma mais valia para o incremento de conhecimentos na área de gestão
securitária das migrações em Moçambique, podendo constituir-se assim num acervo
bibliográfico para a Academia de Ciências Policiais e do Serviço Nacional de Migração.

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extingue a Comissão Interministerial de Fronteiras, criado pelo Decreto nº 16/97, de 1 de
Julho. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 2/2014 de 02 de Dezembro. Estabelece o Regime jurídico e contratual especial


aplicável aos projectos de gás natural liquefeito das Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma.
Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 27/99, de 24 de Maio. Aprova o Estatuto Orgânico, o Quadro de Pessoal, o Quadro
de Funções de Comando, Direcção e Chefia e os Organigramas da PRM. Maputo:
Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 3/2017, de 24 de Março. Altera o nº 1 do art.º 17 e os nºs 3 e 4 do art.º 21, todos do
Regulamento da Lei que estabelece o regime jurídico aplicável aos candidatos
estrangeiros, relativo à entrada, permanência e saída do País. Maputo: Imprensa nacional
de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 32/2004, de 18 de Agosto. Aprova o Estatuto Orgânico do Instituto nacional da


Marinha. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 43/2009, de 21 de Agosto. Aprova o Regulamento da Lei nº 3/93, de 24 de Junho,


Lei de Investimentos. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 55/2003, de 28 de Dezembro. Estabelece os padrões recomendados para a


facilitação e segurança de passageiros viajando de avião. Maputo: Imprensa Nacional de
Moçambique, E.P.

Decreto n.º 58/2018, de 1 de Julho. Altera e Republica o Estatuto Orgânico da Polícia da


República de Moçambique, aprovado pelo Decreto 85/2014, de 31 de Dezembro. Maputo:
Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Decreto n.º 62/2014, de 24 de Outubro. Actualiza pelo factor 2.00, os valores das multas
relativas às infracções, previstas nos artigos 42, 43, 44, 46 e 47 da Lei n.º 5/93, de 28 de
Dezembro. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Lei n.º 12/2019, de 23 de Setembro. Aprova a Política de Defesa e Segurança.

Lei n.º 16/2013, de 12 de Agosto. Lei da Polícia da República de Moçambique. Maputo:


Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto. Aprova a Lei do Trabalho e revoga a Lei nº 8/88, de 20 de
Julho. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

Lei n.º 4/2014, de 5 de Fevereiro. Cria o Serviço Nacional de Migração. Maputo: Imprensa
Nacional de Moçambique, E.P.

Lei n.º 5/93, de 31 de Dezembro. Lei que estabelece o regime jurídico do cidadão estrangeiro
em Moçambique. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.

109
Protocolo Adicional à Convenção de Genebra relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967).

Protocolo de Palermo (2000). Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição
do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças.

Resolução 1509 (2006) da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu. Orienta para a


utilização da expressão “ilegal” quando se tratar de um estatuto ou processo, e “irregular”
quando se tratar de um indivíduo.

Resolução 2178 (2014) do Conselho de Segurança da ONU. Estabelece a obrigatoriedade de


os Estados-membros exigirem às companhias aéreas que operam em seus territórios, o
fornecimento de informações antecipadas às autoridades nacionais sobre pessoas alistadas
como terroristas, de acordo com as Resoluções 1267 (1999) e 1989 (2011).

Resolução nº 11/88, de 25 de Agosto. Ratifica a Convenção da OUA relativa a aspectos


específicos dos problemas dos refugiados em África, de 10 de Setembro de 1969.

Resolução nº 12/88, de 25 de Agosto. Ratifica o Protocolo Adicional à Convenção de Genebra


sobre o Estatuto do Refugiado, de 31 de Janeiro de 1967.

Resolução nº 9/2012, de 15 de Março, aprova o novo Estatuto do Instituto Nacional da Marinha


(INAMAR).

Resolução n.º 41/2017, de 26 de Setembro. Aprova a Política de Fronteiras. Boletim da


República n.º 150, I Série, de 26 de Setembro de 2017.

110
APÊNDICES

111
APÊNDICE A – GUIÃO DE ENTREVISTA PARA OS ÓRGÃOS DE GESTÃO DAS
MIGRAÇÕES EM MOÇAMBIQUE

1. Como se caracterizam os fluxos migratórios para Moçambique?


1.1 Como é que os imigrantes chegam a Moçambique?
1.2 Em que ponto (região) de Moçambique usualmente entram?
1.3 Como é que caracteriza o ponto pelo qual entram em termos de vigilância pelos
FDS?
1.4 Como chegam à Cidade de Maputo?
1.5 Que meio de transporte usam para chegar a Moçambique e, em especial, para chegar
a Cidade de Maputo?
1.6 Que actividades os imigrantes praticam?
1.7 Onde exercem essas actividades?

2. Quais são os mecanismos de controlo das fronteiras estatais em Moçambique?


A. Mecanismos de controlo das fronteiras
2.1 De que forma são controladas as fronteiras (Marítima/Aérea) moçambicanas?
2.2 Como é que são controlados os fluxos migratórios (entrada, permanência e saída)?
2.3 Que informações justificam a aceitação ou rejeição/recusa de entrada de cidadãos
estrangeiros no território nacional?
2.4 Que mecanismos são usados para a verificação da autenticidade dos documentos
apresentados pelos imigrantes nos postos de fronteira?

B. Mecanismos de fiscalização dos meios de transporte


2.5 Como é que são fiscalizados os meios de transporte (Marítimos – Navios, Cruzeiros
/Aéreos) que chegam do estrangeiro?
2.6 Já presenciaram uma situação de chegada de imigrantes usando estes meios de
transporte?
2.7 Que medidas foram tomadas?

112
3. Como é feita a gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique?
A. Gestão de cidadãos estrangeiros no território nacional
3.1 Que categorias de imigrantes Moçambique recebe?
3.2 Existe uma base de dados para o seu controlo?
3.3 Admitindo a possibilidade de existirem muitos imigrantes no país, outros com a
documentação válida e outros não, como acha que escapam ao sistema de controlo
e fiscalização, tanto nos pontos fronteiriços como no território nacional?
3.4 Existe uma política de migração? Se sim, qual e o que prevê?

B. Procedimentos em caso de verificação de irregularidades na documentação do


imigrante
3.5 Quando se verifica uma irregularidade na documentação apresentada pelo imigrante
no posto de travessia, o que é feito?
3.6 E, quando se verificam irregularidades na documentação do imigrante que se
encontra já em Moçambique, o que é feito?
3.7 E, para os que não apresentam documentos exigidos pelo Estado Moçambicano para
a entrada e permanência no território nacional, quais são os procedimentos
adoptados?
3.8 Existe uma “fórmula” eficaz para controlar a entrada e fixação dos imigrantes em
Moçambique?

4. Que desafios, a migração internacional, impõe à segurança interna em Moçambique?


A. Potenciais Riscos e Ameaças de Segurança
4.1 Como órgão de gestão de segurança, acha que os imigrantes representam um
potencial risco ou ameaça à esta? Se sim, quais?
4.2 Que componentes de segurança podem ser ameaçados pela imigração em
Moçambique?
4.3 O que é que o Sistema de Segurança Pública (Polícia e SENAMI) pode fazer para
mitigar estes potenciais riscos e ameaças?

4.4 Que dificuldades são enfrentadas no processo de gestão de imigrantes em


Moçambique?

113
4.5 Como pode ser controlado o fenómeno de imigração em Moçambique?

FIM

OBRIGADO

114
APÊNDICE B – GRELHA DE OBSERVAÇÃO

N/O CATEGORIAS ASPECTOS OBSERVADOS


Procedimentos seguidos
na vigilância das
1
Fronteiras (Terrestre e
Marítima).
Procedimentos seguidos
na fiscalização das
2 embarcações marítimas e
meios aéreos que
provenham do estrangeiro.
Formas de controlo de
3 entradas de estrangeiros
em Moçambique.
Caracterização dos
processos de tratamento
4 dos imigrantes no acto da
chegada nos Postos de
Travessia.
Caracterização do trabalho
5 das autoridades de gestão
das migrações.
Caracterização das formas
6 de chegada de estrangeiros
a Moçambique
Tipos de controlo das
7 entradas de estrangeiros
em Moçambique
Procedimentos seguidos
em caso de verificação de
irregularidades na
8
documentação
apresentada por
estrangeiros

115

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