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2020
MICHAFUTENE
ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS
______________________________________
2020
MICHAFUTENE
DECLARAÇÃO DE HONRA
Declaro por minha honra que este trabalho de dissertação de Mestrado nunca foi apresentado,
em parte ou na totalidade, para a obtenção de qualquer grau e que ele constitui o resultado da
minha investigação pessoal, estando no texto e na bibliografia as fontes utilizadas.
___________________________________________
Membros do Júri
i
AGRADECIMENTOS
À Deus, em primeiro lugar, fonte de vida, que me proporcionou saúde, forças e, acima de tudo,
despertou vontade em mim para engrenar nesta busca de conhecimentos para alimentar cada
vez mais a curiosidade sobre questões de segurança e de mobilidade humana no mundo.
Aos meus pais, Elísio Armando Maxaieie (in memorium) e Verónica Jossefa Uqueio que, por
meio deles, Deus me fez ver o raiar do sol e proporcionou-lhes conhecimentos, coragem e força
de vontade que serviu de mote para a minha educação e instrução ao longo dos anos.
À minha querida esposa, Mércia Cátia Alberto, pelos sacrifícios suportados durante o tempo
que engrenei nesta aventura. Mesmo em meio a dificuldades, ela insistiu sempre em parar tudo
até que este sonho se tornasse real. A si minha “Bebé”, palavras e gestos não poderiam
descrever a gratidão que tenho para consigo, apenas dizer: o meu muito obrigado.
A minha família, meus filhos Elisérson Fabiano, Salesley Marlieth, Kairos Verony e Christel
Nomsa, vai o meu obrigado pelo suporte que deram, mesmo que isso significasse o afastamento
pelas ausências constantes de casa para atender os assuntos da academia. “Kanimambo
vananga”
À ACIPOL que me abriu as portas para, mais uma vez, moldar o meu pensamento crítico sobre
aspectos de segurança em Moçambique, deixo palavras de apreço e desejar um crescimento
cada vez qualitativo, firmando-se como instituição de referência, a nível nacional e
internacional em estudos de segurança.
Aos meus professores do curso de Mestrado, em especial aos professores José Cossa, Santa
Mónica Mogime, José Magode, Fulgêncio Seda, Fernando Tsucana, Rodrigues Nyiuane,
Viriato Caetano, Alicénia Pensar, Madalena Chiconela, palavras me faltam para caracterizar o
apreço que sinto por vós, pelos ensinamentos e pela paixão com que o fazem, constituiu
ii
motivação para mim e me ajudou a perceber criticamente o sentido da profissão Professor. A
vós, o meu muito obrigado e desejos de sucessos e persistência nesta carreira que isso, ajudará
a tornar a instituição ACIPOL como uma referência neste campo de saber e a este nível de
ensino.
Aos meus colegas de turma, a consciência não deixa citar nomes, pois seria destacar alguns e
menosprezar o contributo de outros para aquilo que hoje sou. A todos eles vão as minhas
palavras de agradecimento. Foi impactante pertencer a este grupo de estudantes.
Á todos os meus colegas de serviço, amigos nesta jornada académica, os quais serviram de
exemplo para mim, principalmente ao Professor André Joaquim Gonçalves Xavier, exímio
motivador meu para continuar com os estudos, vão meus agradecimentos e votos que, este
incentivo aqui prestado, seja replicado por muitos outros.
A todos os que directa e indirectamente contribuíram para o meu sucesso nesta jornada, vão os
meus agradecimentos e desejos de um sucesso inigualável e inimaginável.
iii
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os profissionais das Forças de Defesa e Segurança (PRM e
SEANMI) que dia-a-dia, se desdobram ao longo da linha de fronteira e nos Postos de Travessia,
gerindo os fluxos migratórios e garantindo, desta forma, a inviolabilidade da fronteira estatal.
iv
RESUMO
iv
ABSTRACT
The international migration approach under security paradigm derived from the process of
broadening the concept of national safety and security as well as associating them with the new
safety and security threats that States are currently facing. As Mozambique is a country from
there is much immigration flow, it is not exempted from fore-mentioned threats, situation which
presupposes the management models alignment for these phenomena with the security practices
recommended and adopted in the several countries world widely. The study analyses the
internal security challenges in a view of international migration in Mozambique, Maputo on the
period under review from 2014 to 2018 as a case study. Based on a qualitative approach,
bibliographic, documentary research and through interviews sustained by the observation, the
study supports its conclusions in 20 interviewee samples, whereby the immigration
phenomenon in Mozambique, itself, remains as challenge for the Defence and Security Forces.
As part from that, this circumstances is impelled by the non-existence of a Migration Policy
that should direct the management of these processes. Furthermore, it is due the lack of integrity
of the identity registration systems and the production of identification and travel documents,
which presupposes the non-certification of the models because of not matching with those
which are recommended by the International Civil Aviation Organization (ICAO). These
situations weaken the Mozambican state in managing threats and risks to these associated
phenomena, such as cases of illegal immigration, subversion, terrorism, transnational organized
crime, arms trafficking, drug trafficking, trafficking in persons and human organs.
v
Índice de Tabelas, Figuras e Gráficos
Índice de Tabelas
Índice de Figuras
Figura 1 – Rotas Migratórias dos Países do Corno de África e da Região dos Grandes lagos para
Moçambique ----------------------------------------------------------------------------------------Pág. 48
Figura 2 – Movimentos de cidadãos estrangeiros em Moçambique, dos pontos de entrada até à
Cidade de Maputo ----------------------------------------------------------------------------------Pág. 49
Índice de Gráficos
vi
ACRÓNIMOS, SIGLAS E ABREVIATURAS
AC Autoridade de Certificação
API Advance Passenger Information
(Informação Prévia de Passageiro)
API System Advance Passenger Information System
(Sistema de Informação Prévia de Passageiros)
BI Bilhete de Identidade
BM Banco Mundial
CGPRM Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique
CIPNIP Código Internacional para a Protecção de Navios e Instalações Portuárias
CISVHM Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar
CRM Constituição da República de Moçambique
CSCA Country Signing Certification Authority
(Autoridade de Certificação de Assinatura do País)
DNYRM Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes
DOM Direcção de Operações Migratórias – Serviço Nacional de Migração
eMRTD Electronic Machine Readable Travel Documents
Documentos de Viagem Electrónicos de Leitura Automático
FADM Forças Armadas de Defesa de Moçambique
FDS Forças de Defesa e Segurança
GM Glossário de Migrações da Organização Internacional de Migrações
GMA - REM Glossário de Migração e Asilo da Rede Europeia de Migrações
ICAO International Civil Aviation Organization
(Organização da Aviação Civil Internacional)
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IMAF Instituto do Mar e Fronteiras
INAMAR Instituto Nacional da Marinha
INAR Instituto Nacional de Apoio ao Refugiado
INE Instituto Nacional de Estatística
LDS Logical Data Stracture
(Estrutura de Dados Lógicos)
MRTD Machine Readable Travel Documents
vii
(Documentos de Viagem de Leitura Automática)
OIM Organização Internacional para as Migrações
ONU Organização das Nações Unidas
PALOP´s Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PCLF Ramo da Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial
PF Ramo da Polícia de Fronteiras
PGM Pacto Global das Migrações
PKD Public Key Directory
(Directório de Chave Pública)
PKI Public Key Infrastructure
(Infra-estrutura de Chave Pública)
POSP Ramo da Polícia de Ordem e Segurança Pública
PRM Polícia da República de Moçambique
RDH Relatório do Desenvolvimento Humano
REM Rede Europeia de Migrações
SADC South African Development Community
(Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral)
SENAMI Serviço Nacional de Migração
SERNIC Serviço Nacional de Investigação Criminal
SISE Serviços de Informação e Segurança do Estado
TAG/MRTD Technical Advisory Group on Machine Readable Travel Documents
(Grupo Técnico Consultivo para os Documentos de Viagem de Leitura
Automática)
TAG/TRIP Technical Advisory Group on Travel Identification Program
(Grupo Técnico Consultivo do Programa de Identificação de Viajantes)
UN United Nations
(Organização das Nações Unidas)
UNDESA United Nations Department of Economic and Social Affairs – Population
Division
(Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais –
Divisão da População)
UNDP United Nations Development Program
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
viii
Índice de conteúdos
A abordagem das Migrações sob ponto de vista do paradigma securitário tem suscitado debates
no campo das ciências sociais e humanas em especial na área de estudos estratégicos e de
segurança. Esta perspectiva discursiva emerge no âmbito do alargamento do conceito de
segurança nacional e da associação desta, às novas ameaças de segurança que os Estados vão
enfrentado hodiernamente, como são os casos de imigração clandestina, terrorismo, crime
organizado transnacional, tráfico de pessoas e de órgãos humanos e crimes ambientais.
Como afirma Seda (2017), a constituição do conceito de estranho – imigrante que resida num
determinado espaço territorial – como criminoso tem o seu fundamento na teoria da
securitização das migrações. Ainda de acordo com aquele, este facto leva a que, as autoridades
administrativas dos Estados, responsáveis pela gestão das migrações, entendidas as funções
governamentais de gestão ordenada e humana de entrada e presença de estrangeiros no interior
das fronteiras de um Estado e a protecção de refugiados (Organização Internacional para as
Migrações – OIM, 2009), categorizem os imigrantes e os riscos que eles representam em função
da sua nacionalidade e situação financeira.
1
Destarte, mostra-se necessária a abordagem deste fenómeno sob ponto de vista do paradigma
securitário, procurando mostrar os desafios à segurança interna que este acarreta para o Estado
moçambicano, visto que, não raras vezes, têm sido reportadas situações, tanto na comunicação
social como em estudos já realizados (Seda, 2015, 2017; Patrício, 2015, 2016), de associação
de imigrantes com violações da ordem pública e normativa que constituem temas de estudo no
campo de Segurança.
1.1 Contextualização
2
Autores como Werner (1990), Kephart (2006), Adamson (2006), Ferreira e Rodrigues (2013) e
Seda (2017) abordam a associação das migrações internacionais com ameaças de segurança, no
argumento da construção das desconfianças, por parte das sociedades e dos Estados de
acolhimento, em relação aos imigrantes, vistos como estranhos e não pertencentes a um todo
comum.
É desta forma que Ferreira e Rodrigues (2013) afirmam que as migrações, no seu todo, geram
receios na relação entre o indivíduo, as organizações e os Estados, pois, geralmente, elas são
vistas com desconfiança e associadas a riscos de segurança.
Por sua vez, Kephart (2006), já defendia que a associação do imigrante com ameaças a actos
terroristas e demais, deve-se à propensão que o mesmo tem em integrar-se nas sociedades de
acolhimento, através do processo denominado embedding – significando o forte grau de relação
que os imigrantes estabelecem entre si num determinado país de acolhimento (Peixoto, 2004)
–, onde em alguns casos chega a adquirir a nacionalidade ou cidadania. Sob este ponto de vista,
pode-se afirmar que, mesmo existindo diferenças da língua, cultura e dos hábitos, não
constituem barreiras significativas para a adaptação dos migrantes às sociedades de
acolhimento, no que refere aos padrões e normas de comportamento social.
Na mesma perspectiva, Seda (2017) atenta que as categorias de migrantes como requerentes de
asilo e refugiados têm sido interpretadas como ameaças à segurança dos Estados, facto que leva
ao fortalecimento de medidas de controlo de fronteiras de forma a conter esses fluxos. É por
esta razão que Werner (1990), já identificava cinco (5) categorias que deviam ser tidas em conta
na relação entre os Estados receptores e emissores dos migrantes, incluindo os refugiados, e
que fazem com que estes sejam percebidos como ameaças: i) situação em que os migrantes e/ou
refugiados se opõem ao regime do país de origem; ii) situação em que os migrantes e/ou
refugiados são percebidos como ameaça política ou risco de segurança ao regime do país
receptor; ii) os migrantes ou refugiados são vistos como ameaça à cultura; iv) como um
3
problema social e económico das sociedades receptoras; e, v) quando as sociedades receptoras
usam os migrantes como instrumentos de ameaça contra os seus países de origem.
Assim, o paradigma securitário traduz-se em novas respostas que os Estados devem estar aptos
a integrar, passando do tradicional sistema de defesa do território e garantia da independência
política, ao paradigma de defesa da “identidade cultural, independência económica e a
estabilidade social” (Rodrigues, 2010, p.16). A estes conceitos, Ferreira e Rodrigues (2013)
associam o conceito do paradigma de segurança humana, o qual coloca o indivíduo no centro
de análise.
A ideia do medo de ameaças ligadas a cultura das sociedades dominantes, ou seja, a cultura das
sociedades dos países receptores dos migrantes, é corroborada por Ferreira (2013), defendendo
que estas resultam da associação da imigração a situações de ameaça e insegurança que podem
ser percebidos por parte da política como um risco à segurança.
Moçambique não está imune a estes fenómenos migratórios, sendo estes característicos da
humanidade e fazendo parte dos direitos humanos. As crises humanitárias e económicas que
assolam grande parte dos países africanos – a exemplo de Burundi, República Democrática de
Congo, Somália, Ruanda –, a expectativa crescente, no âmbito interno e internacional, de um
desenvolvimento económico fundado nos grandes projectos de petróleo e gás, a disponibilidade
de recursos naturais, o clima de paz e estabilidade, se tornam factores impulsionadores da
imigração para Moçambique (Patrício, 2015, 2016; Raimundo e Raimundo, 2017; Patrício e
Peixoto, 2018).
Ainda que estudos realizados por Wetimane (2012), Patrício (2015, 2016), ambos fazendo
referência à Raimundo (2009), concordem na inexistência de uma base de dados sobre migração
internacional em Moçambique, Patrício (2016) identifica os fluxos migratórios internacionais
em Moçambique, como provenientes na sua maioria dos países dos Grandes Lagos e do Corno
de África e, em números mais modestos da África Ocidental, do Médio Oriente e Ásia. São
também referenciados imigrantes provenientes dos Países da Língua Oficial Portuguesa
(PALOP) e da Região Austral da África.
4
Portanto, olhando a dinâmica das migrações internacionais em Moçambique e, sustentado no
pensamento de Warner (1990), Rodrigues (2010), Ferreira (2013), Ferreira e Rodrigues (2013)
e Seda (2017) importa, analisar-se a imigração em Moçambique no contexto do paradigma
securitário.
Outrossim, são as considerações de Patrício (2016), o qual observa que a “rápida prosperidade”
que os imigrantes em Moçambique apresentam “é por vezes questionada, por se considerar que
o fazem por meios ilícitos” (p. 97), isto por um lado, e por outro, a imputação de desvios sociais
condenáveis tais como o tráfico de albinos e assassinato de pessoas portadoras de calvície,
fazendo com que estes sejam odiados.
Mais ainda, Seda (op. cit.) observa em seu estudo, citando um interlocutor da Polícia de
Fronteiras [PF], que constitui dado crucial o país de origem dos imigrantes, pois através deste
pode-se determinar de forma correcta as motivações por trás da sua imigração para
Moçambique, defendendo a premissa segundo qual, muitos dos envolvidos no tráfico e
exploração ilegal de recursos naturais não são oriundos de Estados vizinhos.
Sendo assim, é importante que o tema da imigração em Moçambique possa ser abordado num
contexto do paradigma securitário, atentando aos fundamentos acima arrolados.
1.2 Problema
Moçambique caracteriza-se por ser um país de migrações, recebendo migrantes de países, tanto
do continente africano, como de outros continentes. É, também, emissário de migrantes para
outros países. Parte considerável dos imigrantes que chegam a Moçambique procura refúgio,
outra parte, por razões económicas, como emprego, negócios, com vista a melhorar as suas
condições de vida (Muanamoha, 2008; Patrício, 2016; Feijó, 2018).
5
Sobre este aspecto, Seda (2017) assegura que os estrangeiros são suspeitos de serem criminosos
porque o recurso à violação de fronteiras é um indicador crucial de que a pessoa está a realizar
um movimento ilegal.
Por sua vez, a Revista Polícia (Comando-Geral da PRM, Abril de 2019) relata sobre a expulsão,
do país, de um grupo de 24 refugiados alojados no Centro de Refugiados de Maratane,
porquanto indiciados de perpetrar ataques contra outros abrigados e fomentava a desordem
pública nas áreas circunvizinhas ao Centro.
Estas práticas, per si, representam objectos de interesse no campo de segurança. O controlo das
fronteiras estatais, a defesa da soberania, da integridade e inviolabilidade do território nacional,
a preservação da ordem e segurança pública, a defesa do património e dos interesses vitais e
estratégicos do Estado, o combate a todas as formas criminais, o policiamento do cumprimento
da legislação, o controlo dos movimentos migratórios, são por excelência mandatos outorgados
pela Política de Defesa e Segurança às Forças de Defesa e Segurança, acarretando desta forma
que a sua desestruturação, desafia o poder público no exercício da soberania sobre o seu
território e na regulação do “modus vivendi” da sociedade.
As fronteiras nacionais, principalmente a terrestre, foram e continuam a ser vistas como mal
vigiadas, motivado pela sua extensão e pela falta de demarcação clara dos seus limites, em
algumas partes (Raimundo, 2009; Wetimane, 2012; Patrício, 2015, 2016; Seda, 2015, 2017;
Patrício e Peixoto, 2018; Francisco, 2018).
6
Bila (2011)1, em análise ao fenómeno da imigração ilegal em Moçambique e, fazendo
referência às explicações do então Ministro do Interior no Parlamento, formulou suas teses
sobre as causas que alimentam o fenómeno da imigração no país, sendo de destacar: i) as
fragilidades internas do sector de Ordem e Segurança Públicas pois, segundo ele, alguns dos
imigrantes adquirem com relativa facilidade os documentos de viagem e de identidade
nacionais; ii) a vulnerabilidade das fronteiras do país, mostrando-se as Forças de Guarda
Fronteira (actual Polícia de Fronteiras) incapazes de as controlar, e por isso, recomendando o
reforço da capacidade institucional com vista a responder aos desafios que este fenómeno
impõe.
É desta forma que, através da Lei 16/2013, de 12 de Agosto, são reformuladas as funções da
PRM no âmbito da guarda da fronteira estatal, no combate à imigração ilegal, ao tráfico de
pessoas e de órgãos humanos, ao tráfico de drogas e de mercadoria diversa ao longo da fronteira
estatal (Cfr. n.º 1 do art.º 23 da Lei 16/2013, de 12 de Agosto). No mesmo sentido, através da
lei n.º 4/2014, de 5 de Fevereiro, foi criado o SENAMI que, dentre outras funções, é o órgão
responsável pelo controlo do movimento migratório através das fronteiras nacionais,
fiscalização da permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional e emissão de
documentos de viagem para cidadãos nacionais e estrangeiros e de residência para estrangeiros
(Cfr. art.º 4 da Lei 4/2014, de 5 de Fevereiro).
A reforma destas Leis veio fundamentar a revisão da Política de Defesa e Segurança, aprovada
pela Lei n.º 12/2019, de 23 de Setembro. Na nova Lei foram redefinidos os princípios,
objectivos e directrizes que visam “defender a independência nacional, preservar a soberania e
integridade do país, a paz e o estado de direito democrático, assim como garantir o
funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos, possibilitando a consecução
dos interesses do Estado”.
1
Disponível em https://alombroso.blogspot.com/2011/03/imigracao-ilegal-em-mocambique.html. Consultado em
28 de Abril de 2019.
7
À vista disso, a defesa da integridade territorial, da soberania do Estado, a garantia de ordem e
segurança públicas, contra ameaças, sejam elas latentes ou manifestas, a prevenção da
criminalidade, são aspectos a ter em conta quando se aborda o fenómeno da imigração em
Moçambique sob ponto de vista do paradigma securitário.
1.3 Objectivos
1.3.1 Geral
1.3.2 Específicos
8
c) Como é feita a gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique?
d) Que desafios, a migração internacional, impõe à segurança interna em Moçambique?
1.5 Justificativa
A opção por esta temática justifica-se pela necessidade de aprofundamento dos conhecimentos
sobre os processos de gestão das migrações em Moçambique, no contexto dos desafios de
segurança que estes fenómenos acarretam ao país. Como membro das FDS em Moçambique, o
pesquisador analisa a migração internacional neste contexto do paradigma securitário, visto esta
desafiar a soberania do Estado em relação ao controlo de suas fronteiras e na garantia da ordem
e segurança públicas.
Como referem Rodrigues (2010) e Ferreira e Rodrigues (2013), o paradigma securitário traduz-
se em novas respostas dos Estados na defesa da independência política e do território, da
independência económica e a estabilidade social, com vista a garantia do bem-estar social dos
indivíduos, objectos da segurança humana. É neste sentido que se desenvolve a presente
2
Sobre esta matéria, a SAPONOTÍCIAS (Jornal electrónico do dia 06 de Setembro de 2018) informou sobre a
detenção de cerca de 43 cidadãos nigerianos na China ostentando o Passaporte moçambicano. Estes cidadãos
nigerianos são acusados da prática de vários crimes, sendo de destacar os crimes de tráfico de droga e de pessoas.
Informação disponível em: https://noticias.sapo.mz/actualidade/artigos/quarenta-e-tres-nigerianos-com-
passaporte-mocambicano-detidos-na-china. (consultado em 09 de Abril de 2019).
9
pesquisa. O fim último que os Estados prosseguem é o de garantir o bem-estar das suas
sociedades em todas as vertentes.
Os estudos acima têm em comum uma abordagem das migrações em Moçambique no contexto
das dinâmicas populacionais, preocupando-se com os fluxos, suas causas e efeitos
socioeconómicos no processo de desenvolvimento, tendências actuais, etc. Sobre a perspectiva
securitária, o estudo identifica as abordagens de Seda (2015, 2017), as quais há que se lhes
creditar a sua importância, embora focando apenas aspectos de segurança no contexto da
governação e gestão das fronteiras e não abordando a fundo, questões que intentam contra a
soberania do Estado, segurança interna e ordem e segurança públicas. Este, é um fundamento
que motivou a presente abordagem, à medida que esta procura contribuir na produção do
conhecimento sobre migrações e segurança em Moçambique.
Foi, também, factor motivador deste estudo o anseio de produzir resultados que possam servir
de base para estudos futuros, no que à relação entre migração internacional em Moçambique e
segurança respeita, no contexto de exploração dos desafios que este fenómeno coloca à
segurança interna do país e na elaboração de políticas públicas visando a gestão do mesmo.
10
problema, situações de violações de fronteiras, aquisição de documentos oficiais de
identificação e de viagem por parte de cidadãos estrangeiros, prática de crimes ambientais e
contra a ordem pública, colocam em causa a segurança interna e a soberania do Estado
moçambicano no controlo territorial e na garantia da ordem e segurança pública.
Nos termos da Política de Defesa e Segurança, revista e aprovada pela Lei n.º 12/2019 de 23 de
Setembro, as questões de garantia da ordem e segurança públicas, a prevenção e repressão da
criminalidade, a identificação de cidadãos nacionais e estrangeiros, a protecção e segurança das
fronteiras bem como o controlo do movimento migratório nas fronteiras e em todo o território
nacional, garantia do funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos são
tarefas incumbidas à PRM, como a outros órgãos que, por lei são criadas e regidas com
mandatos específicos nesta temática.
Ainda na Política de Defesa e Segurança, é possível identificar as outras autoridades que fazem
parte das FDS, nomeadamente: Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e o
Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).
1.6.1 Temporal
A pesquisa abarca o período de 4 anos, isto é, são tidos em conta dados situados no horizonte
temporal que vai desde 2014 a 2018.
A escolha deste período temporal prende-se com as reformas introduzidas a nível das estruturas
de gestão directa do fenómeno migratório em Moçambique. Estas reformas institucionais
11
tiveram seu início no ano de 2013, com a aprovação da nova Lei da PRM (Lei n.º 16/2013, de
12 de Agosto), que organiza a PRM em Ramos de Polícia.
Parte das funções em discussão acima, resultam da reformulação da missão deste novo Ramo
de Polícia. Enquanto Forças de Guarda Fronteira [FGF] constituía uma unidade operacional
que, embora não se limitando a guarda e protecção da fronteira nacional, as suas funções
encontravam-se diluídas e podia ser aplicada na protecção de instalações e na segurança de altas
entidades, funções estas cominadas às Forças de Protecção de Altas Individualidades (Artigo
28 do Decreto n.º 27/99, de 24 de Maio). Apenas com a lei 16/2013, de 12 de Agosto, as funções
da PF ficam claras nos termos acima definidos.
Na sequência, através da Lei n.º 4/2014, de 5 de Fevereiro, foi criado o Serviço Nacional de
Migração [SENAMI], perspectivando-se uma melhor adequação e organização do
funcionamento dos serviços responsáveis pela emissão de documentos de viagem e a gestão do
movimento migratório. Estes novos serviços, têm como competências: i) controlar o
movimento migratório através das fronteiras nacionais; ii) fiscalizar a permanência de cidadãos
estrangeiros no território nacional; iii) emitir documentos de viagem para cidadãos nacionais e
estrangeiros; e, iv) emitir documentos de residência para cidadãos estrangeiros.
12
1.6.2 Espacial
A escolha geográfica deste espaço prende-se, por um lado, com as questões de limitação de
mobilidade, visto o pesquisador estar a trabalhar e residir nesta cidade e, por outro, ser nesta
cidade que, de acordo com Patrício e Peixoto (2018) encontram-se espalhados os mais de 7.898
refugiados e requerentes de asilo, assim considerados na sua totalidade, bem como a maior
disponibilidade das oportunidades de negócio e da proximidade geográfica desta cidade com a
República da África do Sul (Raimundo & Raimundo, 2016; Raimundo & Raimundo, 2017)
13
CAPÍTULO II – MARCO TEÓRICO
2.1 Conceitos
2.1.1 Migração
O conceito de migração internacional não pode ser entendido sem que antes se aborde o
conceito de Migração no geral. No quadro da Declaração de Nova York sobre Refugiados e
Migrantes [DNYRM] (ONU, 2016), aprovada pela Assembleia Geral na reunião de alto nível
sobre a resposta para os grandes movimentos de refugiados e migrantes, os movimentos
populacionais são registados desde os primórdios da humanidade.
Neste sentido, as migrações passaram a ser vistas, não apenas como movimentos circunscritos
dentro do mesmo espaço sob domínio da mesma soberania, mas também como movimentos
que transpunham territórios sobre domínio de outras soberanias com jurisdição sobre um
território e relacionados segundo princípio do equilíbrio de poder (Moita, 2012). É desta forma
que, passaram a ser impostas restrições a estes movimentos.
3
Tratado que pôs fim a guerra dos 30 anos (1618 – 1648) na Europa, consensualmente entendido como o marco
decisivo na história das relações internacionais e na origem do moderno Estado-Nações (Moita, 2012).
4
Nos termos das Convenções de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e da Organização da
Unidade Africana relativa a aspectos específicos dos problemas dos refugiados em África, de 1969 (ratificada pela
Resolução nº 11/88, de 25 de Agosto) e do Protocolo Adicional à Convenção de Genebra sobre o Estatuto do
14
Importa aclarar que esta definição se inspira no Glossário de Migrações da Organização
Internacional para as Migrações (OIM, 2019), que define Migração como um processo de
cruzamento de uma fronteira internacional ou de um Estado. Neste, entendem-se os
movimentos populacionais como quaisquer deslocações de pessoas, independentemente da
extensão, da composição ou das causas por trás dessas deslocações. E, inclui-se, também, a
migração de refugiados, pessoas deslocadas, pessoas desenraizadas e migrantes económicas
(OIM, 2009, 2019).
Anota-se nesta definição, o sentido específico que o termo Migração representa. Aponta-se para
o cruzamento de fronteiras internacionais de um Estado soberano, o que pressupõe a migração
internacional ignorando-se, desta forma, o sentido interno das deslocações populacionais, ou
seja, aquelas que não impliquem o cruzamento das fronteiras dos Estados.
O instrumento acima justifica a ocorrência das migrações pela busca de novas oportunidades
económicas e novos horizontes. Paralelamente a estes, encontram-se os que são impelidos pela
necessidade de escapar dos conflitos armados, da pobreza, da insegurança alimentar, da
perseguição, do terrorismo ou das violações e abusos dos direitos humanos e os que se movem
devido aos efeitos adversos de mudanças climáticas ou de desastres naturais ou outros factores
ambientais. Outros, pela combinação desses factores.
Assim, os motivos para estes movimentos, agrupam-se em dois grandes grupos: i) migrantes
voluntários5, aqueles que o fazem voluntariamente; e, ii) os migrantes forçados, os que são
forçados a enfrentar esses movimentos, dos quais pode-se encontrar refugiados, solicitantes de
asilo e deslocados internos (ONU, 2016).
Refugiado, de 1967 (ratificado pela Resolução nº 12/88, de 25 de Agosto), considera-se refugiado a “qualquer
pessoa que receando com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo
grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontra fora do país da sua nacionalidade e não possa, ou em
virtude daquele receio, não queira requerer a protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver
fora do país da sua anterior residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude desse
receio, não queira lá voltar”. É, também, aplicável “a qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação
externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na
totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência
habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade.”
5
Há que considerar que deste grupo de migrações, pode-se encontrar a migração regular e a migração irregular.
15
para este estudo a análise dos movimentos que atravessam as fronteiras internacionais de um
determinado Estado, os quais constituem migrações internacionais.
Estes movimentos, nos termos do Glossário de Migrações, são definidos como movimentos de
pessoas que deixam seus países de origem ou de residência habitual para se fixarem,
permanente ou temporariamente, noutro país (OIM, 2009, 2019). Há que se verificar, para este
efeito, a transposição de fronteiras estatais sob domínio de uma determinada soberania.
Da mesma forma e, porque valorizam-se os factores que concorrem para estes movimentos,
podem ser encontradas diversas modalidades de Migrações, num quadro que se estrutura em
migrações forçadas6 e migrações voluntárias7.
Há que não perder de vista a diferenciação operada no Pacto Global das Migrações [PGM]
(United Nations – UN, 2018) e na Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes,
respeitante a refugiados e migrantes. De acordo com estes instrumentos orientadores, não
obstante os termos “Refugiado” e “Migrante” constituírem movimentos populacionais
assistidos pelos mesmos direitos humanos universais e liberdades fundamentais que se devem
respeitar, proteger e cumprir (UN, 2018; ONU, 2016), são regidos por marcos jurídicos
diferenciados e específicos.
Portanto, ainda que, respeitando os direitos e deveres que o Estado moçambicano deve garantir
aos refugiados, em especial, fruto dos compromissos internacionalmente assumidos nesta
matéria, o estudo trata os Migrantes e Refugiados de forma indiscriminada pois, visa abordar
os possíveis efeitos destes movimentos populacionais na segurança do país.
Tem-se, para este trabalho, o conceito de migração internacional como o movimento de pessoas
com nacionalidade estrangeira que transponham as fronteiras nacionais e se fixam no território
nacional, independentemente das causas que as movem.
6
São movimentos migratórios impulsionados por factores de coacção, nomeadamente ameaças à vida ou à
integridade, quer tenham origem em causas naturais ou humanas. Resultam destes factores os refugiados, os
deslocados por desastres naturais ou ambientais, químicos ou nucleares, fome ou projectos de desenvolvimento
(OIM, 2019, 2009; REM, 2012).
7
Do quadro das migrações voluntárias podemos encontrar a i) migração laboral, aquela em que ocorre quando
pessoas de um estado se movimentam para outro Estado, para fins laborais; ii) Migração familiar que, no contexto
da União Europeia, representa o reagrupamento familiar, ou seja, a reunificação familiar; e, iii) a Migração
Económica, que se refere ao movimento essencialmente motivado por razões económicas ou visando a melhoria
de condições materiais de vida (REM, 2012).
16
É evidente que a migração internacional, vista sob ponto de vista dos países receptores, pode
configurar-se de diversas formas. Por conseguinte, e atendendo as recomendações corporizadas
na Resolução 1509 (2006) da Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu, são tratados os
migrantes internacionais em Moçambique, para os casos dos que não possuem documentação
exigida para o efeito, como indocumentados ou irregulares. O não uso da expressão “imigrante
ilegal” fundamenta-se, na óptica desta instituição, por ser estigmatizante e trazer consigo
conotações negativas.
Outrossim, de entre várias razões, apontam-se as seguintes, como estando na origem da repulsa
ao uso da expressão “imigrantes ilegais”: i) ignora as obrigações legais internacionais, no
sentido de que os Estados têm assumido a nível internacional, obrigações para com todas as
pessoas sob sua jurisdição nos domínios de direitos humanos, independentemente do seu
estatuto de migração; ii) viola o direito ao reconhecimento da pessoa como detentor de direitos
perante a lei; iii) nega a sua dignidade e direitos humanos intrínsecos, o que os transforma em
alvos de desprezo e até o seu direito à vida chega a ser ameaçado; iv) descreve os imigrantes
como desonestos, indignos e criminosos, que são uma ameaça para o bem público; e, v) aumenta
as divisões sociais e dá origem a perfis raciais, xenofobia e crimes de ódio.
2.1.2 Segurança
A discussão do conceito de segurança por parte dos seus cultores, mostra que o consenso do
real significado é um aspecto inalcançável, visto as abordagens tenderem a distanciar-se de
acordo com as escolas interpretativas, que vão desde a teoria realista ou abordagem tradicional,
17
passando pela teoria crítica (escola de Frankfurt) até a abrangente, representada pela escola de
Copenhaga. Estas escolas de pensamento, debruçam-se, cada uma, focalizando aspectos que
considera deverem ser abarcadas por este.
Assumindo que o conceito de segurança sofreu influência dos realistas, no início esteve
limitado, por muito tempo, às questões político-militares, tendo sido alargado, muito por culpa
da queda do muro de Berlim, que simbolizou o fim da guerra fria, da bipolarização do sistema
mundo e do início da globalização económica e cultural. A partir deste período, as questões de
segurança foram sendo repensadas numa vertente em que não mais se limitavam a questões
político-militares, mas devendo integrar ainda, questões económicas, ambientais, da
propagação transnacional de doenças, do desenvolvimento e dos movimentos migratórios
internacionais em grande escala (Brancante & Reis, 2009; Garcia, 2010; Dias, Mota & Ranito,
2011; Buzan & Hansen, 2012; Brandão, 2016; Thudium et. al., 2016).
Fruto destas abordagens, impetra o alargamento do conceito de segurança para outros campos
de interesse. Para além das questões de defesa do território e da soberania, trespassa-se para as
questões que visem o bem-estar do indivíduo, tais como o económico, a saúde, o meio ambiente,
o desenvolvimento, o crescimento populacional e as migrações (Garcia, 2010; Buzan &
Hansen, op. cit.).
18
que incidem sobre a sobrevivência do Estado, mas também, e sobretudo, aquelas que se fazem
sentir sobre os indivíduos” (idem).
Por isso, alheio às discussões em torno destas ambiguidades, visto não constituir objecto desta
pesquisa trazer uma discussão exaustiva a respeito, o estudo foca-se na discussão de segurança
no contexto em que é abordado no âmbito da Estratégia. É esta discussão que interessa por ora,
visto preencher os objectivos em voga no presente estudo.
Alinhados com o pressuposto dos construtivistas, Buzan e Hansen (2009) defendem que o
conceito de segurança é uma construção que depende de cada país, de cada contexto, de cada
cultura e dos objectivos que se pretendem. Por isso, uma construção do conceito de segurança
ocidental é dificilmente aplicável aos contextos de segurança nos países do terceiro mundo.
Nesta perspectiva, cada Estado constrói, no seu contexto e de acordo com os objectivos a
atingir, o conceito de segurança que melhor responde e garante o alcance desses objectivos.
Com esta acepção, fica claro que os Estados têm a liberdade de definir os seus valores internos
a serem protegidos e determinar a melhor forma de os proteger contra qualquer ameaça, quer
surja a nível interno quer provenha do exterior, o que se consubstancia na estratégia a adoptar.
Dos trabalhos realizados no campo dos estudos de segurança internacional por autores como
Nordlinger (1995), Buzan (2016) e outros, se pode descortinar que as várias definições de
segurança reportam às questões de habilidades para proteger os valores ou interesses internos
contra ameaças, sejam elas internas ou externas.
Embora para Fiães Fernandes (2005), as duas dimensões não sejam de fácil distinção, quando
afirma que
19
ameaças e dos riscos tornam difícil a demarcação entre o interno e o externo, confundido
as duas dimensões. Esta realidade determina que a segurança interna não possa ser
separada da segurança externa (Fiães Fernandes, 2005, p. 146)
Nesta acepção, importa aclarar que o autor, considera os contextos externo e interno do domínio
da segurança, conglomerando as acepções da segurança no âmbito da defesa nacional –
responsabilidade das forças armadas – e segurança no âmbito da ordem interna –
responsabilidade das forças de segurança interna e da defesa civil. O contexto externo traduz-
se na capacidade do Estado em projectar-se no exterior através do poderio militar, concepção
muito difundida pelos realistas, objectivando debelar ameaças externas e impor-se militarmente
no exterior. Há também a questão da impermeabilidade e solidez do sistema constitucional em
relação a pressões externas.
Por sua vez, Garcia, fazendo referência às teses de Waever et. al. (2010), aponta para os
aspectos amplos do conceito de segurança, salientando que deve ser considerada “a busca da
libertação relativamente a ameaças, sendo resultante da inserção entre as vulnerabilidades de
uma unidade política e as ameaças que a mesma enfrenta” (Garcia, 2010, p.226).
Já Fernandes (2015), num conceito mais estratégico, apresenta a segurança como “um
acontecer ou fazer que permite realizar efectivamente a manobra estratégica de um dado actor
ou entidade política, vencendo as constrições do ambiente estratégico (ameaças e riscos)” (Idem
p.143).
20
É interessante observar que nestes conceitos, os autores enfatizam a função da segurança, isto
é, a sua utilidade. Ela não constitui objectivo em si, mas uma ferramenta para o alcance de um
objectivo definido. Parafraseando Fernandes (2015), a segurança serve como um elemento que
contribui para a realização de objectivos político-estratégicos e não como estratégia em si.
É o que se pode inferir da Lei n.º 12/2019, de 23 de Setembro. A Política de Defesa e Segurança,
define a segurança no contexto de medidas que contribuem para o alcance de objectivos macro
e micro políticos, económicos e sociais. Neste instrumento legal, a segurança visa “defender a
independência nacional, preservar a soberania e integridade do país, a paz e o estado de direito
democrático, assim como garantir o funcionamento normal das instituições e a segurança dos
cidadãos, possibilitando a consecução dos interesses do Estado” (Cfr. Lei 12/2019, de 23 de
Setembro).
Deste modo, a segurança é vista como um estado que permite a realização dos valores político-
estratégicos do Estado, preservando a existência do mesmo e das comunidades contra riscos e
ameaças, sejam elas internas ou externas.
Ressaltam desta concepção dois conceitos a considerar: Riscos e Ameaças. O risco projecta-se
a partir de uma probabilidade, uma incerteza de um acontecimento que venha a efectivar-se.
Trata-se de uma ameaça difusa com probabilidade baixa de sua ocorrência e que acarrete
consequências prejudiciais (Escorrega 2009; Fernandes, op. cit.).
É ainda de relevar que esta projecção de consequências pode resultar da interacção entre os
perigos, sejam naturais ou artificiais, isto é, humanamente induzidos (Fernandes, Ibid.).
Um dado importante a ter em conta, e que separa o risco de ameaça, é que a ameaça pressupõe
capacidade ou possibilidade comprovada ou assumível e uma intenção de um determinado
agente para a sua efectivação (Fiães Fernandes, 2005; Fernandes, op. cit.). Para que se considere
21
haver ameaça, é necessário um agente intencional, racional, com capacidade para efectivar a
sua intenção de alterar o status quo a seu favor. No risco, pressupõe-se o acaso ou um fenómeno
natural.
Fiães Fernandes (op. cit.), assume que o conceito de ameaça deve ser visto sob duas
perspectivas: i) a objectiva, representando um atentado à integridade do Estado (sentido directo)
ou caracterizada por um conjunto de factores como a natureza e origem, incidência, intensidade,
efeitos, entre outros (sentido indirecto); ii) a subjectiva, onde pontua que as ameaças são
resultados de construções sociais.
Em sua dissertação, o autor defende que o público identifica, interpreta e associa determinados
sinais a uma ameaça e esta construção ganha ampliação nos discursos políticos (Idem).
8
Processo inverso de Securitização.
22
Este processo, fundamentou-se nos temores manifestados em discursos políticos que
consideravam os movimentos populacionais como constituintes de perigos para a segurança
dos Estados (Werner, 1990; Karyotis, Ibid.) e, opera-se através do movimento de securitização,
o que em inglês designa-se securitizing move (Buzan, Waever & Wilde, 1998).
Neste quadro, Buzan et al. (op. cit.), fundamentam que uma securitização bem-sucedida possui
três componentes: a) ameaças existenciais; b) acções emergenciais; e, c) o uso de meios
alternativos aos habitualmente usados em situações comuns (ou quebra de regras). Este
processo ocorre numa variação entre i) não-politizado, significando que a questão não faz parte
do debate político e, por isso, o Estado não lida directamente com ele; ii) politizado,
significando que a questão ganhou preponderância a nível da Política e é tratado nas políticas
públicas, exigindo decisão do governo e alocação de recursos ou, mais raramente, algumas
outras formas de governança comunitária; iii) a securitizada, referindo-se a questões que são
apresentadas como uma ameaça existencial. Assim, exige-se a tomada de medidas de
emergência e justifica-se a tomada de acções fora dos limites normais do procedimento político.
É desta forma que a securitização é vista como uma versão mais extrema da politização (Idem,
p. 23-24).
23
Pelo termo securitização, Brancante e Reis (2009, p. 77) afirmam tratar-se do “processo político
e intelectual de identificação de um objecto como ameaça, concluindo, assim, que o assunto
deve passar a constar no domínio (e na agenda) da segurança.”
É, por este paradigma que Bigo (2002) desenvolveu o seu pensamento de securitização das
Migrações. Para este autor, a securitização destas resulta da criação de um nexo continuo de
ameaças e riscos no geral, no qual diferentes autores trocam seus medos e crenças no processo
de construção de uma sociedade de risco e perigosa. Portanto, os profissionais responsáveis
pela gestão de segurança e do risco, transferem a legitimidade de sua acção contra os terroristas,
os criminosos, espiões, etc. para outros alvos tais como pessoas que atravessam as fronteiras ou
pessoas nascidas dentro das fronteiras do país, mas com pais estrangeiros.
No quadro da presente análise, a teoria da securitização das migrações serve de base para a
identificação e interpretação dos desafios de segurança interna conexos a migração
internacional em Moçambique. Apoiado no pensamento construtivista, define-se neste a
segurança interna, consubstanciada nos domínios da integridade territorial, soberania nacional
e ordem pública como valores centrais a serem protegidos pelas FDS e, por isso, olhando-se
para as migrações internacionais em Moçambique como factores de ameaça ao status quo
estabelecido.
Por isso que, uma gestão deficiente destes fenómenos migratórios em Moçambique pode
conferir perigos à segurança interna e obstar a realização de interesses nacionais visando
proporcionar o bem-estar social das comunidades.
24
2.2.1 Didier Bigo e o Ban-Opticom
Didier Bigo, proeminente estudioso dos sistemas de controlo e vigilância migratórios no espaço
europeu, desenvolveu a sua análise às políticas adoptadas na União Europeia sobre o que
chamou de globalização da (in)segurança. Para este autor, não se deve creditar ao 11 de
Setembro de 2001 o início do discurso político da necessidade de securitizar as migrações.
Porém, é a partir destes acontecimentos que se reconfigura o discurso da necessidade de guerra
contra o terrorismo e suspeitas contra estrangeiros, minorias étnicas e religiosas (Bigo, 2005).
Trata-se, nestes termos, da adopção do Ban-opticon9 (Bigo, 2006; Lebbe, 2011), que constitui
o campo de gestão do “indesejado”, o qual se caracteriza por “adopção de práticas do
excepcionalismo, actos de contenção e criação de perfis de estrangeiros e normas imperativas
de mobilidade” (Bigo, 2005, p. 6).
O dispositivo descrito por Didier Bigo, estabelece um tipo de inspecção que afecta mais a
imaginação do que os sentidos do vigiado (Lebbe, op. cit.) e se desenvolve de forma proactiva
através de rotinas e tecnologias de controlo e vigilância envolvendo políticos, profissionais de
segurança, juízes e o estado constitucional (Bigo, 2005). É, ainda, usado um banco de dados
para criar e armazenar perfis de pessoas e, através destes, determinar de antemão pessoas que
constituem ameaça à segurança, sob o argumento de que o melhor é “agir antes que seja tarde
demais” (Idem, 2005, 2006).
Para Bigo (2005), a introdução do excepcionalismo não está apenas adjacente a medidas
depreciativas e leis especiais contra o terrorismo presumido, mas também como uma forma
específica de governabilidade baseada no aumento da excepção. Esta, fundamenta-se no
estabelecimento dos sistemas de vigilância de dados e do incremento de medidas de verificação
da identidade dos imigrantes por meios tecnológicos diferenciados, sob pretexto de luta contra
a imigração ilegal, islamismo radical, crime organizado e organizações clandestinas (Idem).
Destarte, o controlo das fronteiras opera-se através da criação de vínculos entre as forças de
segurança e as agências de inteligência, compartilhando informações dos mesmos Bancos de
Dados. São, também, usados os oficiais de ligação da polícia, os quais constituem a peça-chave
para a troca de informações entre as agências, visando controlar os fluxos migratórios a
9
De acordo com Bigo (2005) o termo surge pela combinação dos Ban (proibição) de Jean-Luc Nancy, como
reconfigurado por Giorgio Agamben e o Opticon, usado por Foucault. Conforme apresentado por Lebbe (2011),
no sentido exposto por Agamben o termo “Proibição” refere-se tanto à exclusão da sociedade quanto ao poder do
soberano para suspender a lei (Lebbe, 2011, p. 34).
25
montante, para impedir ou bloquear os suspeitos em seus países de origem. Essas informações
visam projectar a vigilância além-fronteiras contra pessoas vistas como perigo e ameaça à
segurança nacional e ordem Pública (Bigo, 2005).
Outrossim, ocorre através de bloqueios e movimentos de exclusão, tais como vistos, controlos
implementados pelas companhias aéreas, deportações e readmissões (Idem, 2006).
Vive-se a “era da mobilidade, onde um número cada vez maior de pessoas atravessa as suas
fronteiras nacionais, em busca de uma nova vida”10. Deste modo, faz-se necessário perceber
que nem sempre os factores por trás das migrações se limitam apenas à busca de melhores
condições de vida, o que de certo modo constitui migração voluntária, mas sim, que parte
significativa destes se relaciona com as forças de repulsão, as quais constituem base das
migrações forçadas. São parte destes fenómenos, os conflitos étnicos e religiosos, as guerras, a
insegurança ou os factores ambientais (alterações climáticas), a pobreza, as doenças, a escassez
de recursos, etc. (Figueiredo, 2015; Seda, 2017).
10
Pressuposto avançado pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, Cfr. Figueiredo, L. (2015).
Migrações e Demografia. O nosso mundo, a nossa dignidade, o nosso futuro. Recuperado em:
http://www.instituto-camoes.pt/images/cooperacao/aed_ficha_migrdemogrf.pdf consultado em 09/07/2019.
26
Em tempos, Moçambique caracterizou-se por ser um país de emigração, principalmente para a
África do Sul, Zâmbia e Zimbabwe, através dos acordos de mão de obra para trabalhar nas
plantações e minas de ouro e diamantes (Covane, 1996; Neves, 1998; Raimundo, 2010;
Raimundo & Raimundo, 2016, 2017; Feijó e Raimundo, 2018). Actualmente, o país caracteriza-
se por ser receptor de imigrantes que queiram se fixar neste e, outros que o usem como país de
trânsito para alcançar outros destinos, como é o caso da África do Sul, Europa ou China.
Este fenómeno é, em parte, motivado pelos factores de atracção que se caracterizam pela
expectativa crescente, no âmbito interno e internacional de um desenvolvimento económico
fundado nos grandes projectos de petróleo e gás, a disponibilidade de recursos naturais, o clima
de paz e estabilidade e, também, pelos factores de repulsão que alguns países africanos,
principalmente da região dos Grandes Lagos e do Corno de África, apresentam (a exemplo de
Burundi, República Democrática de Congo, Somália, Ruanda, Sudão). Esses factores são
exemplificados pelas crises humanitárias e económicas, as guerras étnicas, secas, etc. (Patrício,
2015, 2016; Patrício & Peixoto, 2018).
A história de estudos das migrações é, por autores como Sasaki e Assis (2000), Peixoto (2004)
e Castles, Haas e Miller (2009, 2014), creditada ao autor Britânico Ernest Raveinstein, que nos
anos 1885 e 1889 publicou, pela primeira vez, trabalhos sobre as “Leis das Migrações”.
Nestas publicações, segundo Peixoto (op. cit.), o autor apresenta uma análise empírica
pormenorizada dos fenómenos migratórios e os conceitos que servem de base de estudo dos
fenómenos migratórios (classificação dos migrantes – temporários, de curta e média distância,
entre outros), migrações por etapas, regiões de atracção e de repulsão, efeito da distância,
contracorrentes, acção de estímulos económicos, etc.
É, por esta via, atribuída a Ravenstein a base dos modelos de análise das migrações do tipo
“atracção e repulsão” (push – pull). São os modelos que consideram o uso das vantagens
comparativas que o individuo obtém, a partir do conhecimento das características relativas de
determinadas regiões, e que influenciam no processo de tomada de decisão pela imigração ou
pela permanência. Nestes modelos, os factores e as “variáveis intervenientes” apenas actuam
como precursores da decisão de um agente racionalmente motivado (Peixoto, Ibid.).
27
existência de forças que impulsionam as migrações. Daí que se afirma não ser possível entender
os fenómenos migratórios sem que se recorra à interdisciplinaridade, destacando-se para o
efeito, as disciplinas de economia, sociologia, ciência política, história, geografia, demografia,
psicologia, estudos culturais e direito (Peixoto, 2004; Castle Haas & Miller, 2014).
a unidade de análise não seria o indivíduo autónomo mas sim, as famílias, domicílios
ou outras unidades de produção e consumo culturalmente definidas; o diferencial de
renda não é uma condição necessária para ocorrer a migração internacional, uma vez
que podem contar com incentivos para diversificar os riscos através das redes sociais; a
migração internacional, emprego e produção local não são mutuamente possibilidades
exclusivas; as políticas governamentais ocasionam mudanças económicas que afectam
a distribuição de renda podendo influenciar a migração internacional independente de
seus efeitos sobre a renda (Sasaki & Assis, Ibid., p. 7).
Como defendido em Sasaki e Assis (Ibid.), no modelo neoclássico das migrações, faz-se
necessário que o migrante invista em si mesmo, através da “educação, experiência de trabalho,
domínio da língua da sociedade hospedeira, tempo de permanência no destino e outros
elementos do capital humano” (p. 6), como factores de sucesso no país de acolhimento.
Este modelo explicativo encontra fortes críticas no contexto actual de pesquisas sobre esta
temática. Como demonstram Castles, Haas e Miller (2009), não se pode creditar apenas ao
poder e domínio de informações que o indivíduo tem sobre as opções e liberdades para fazer
uma escolha racional. Normalmente, os imigrantes possuem informações contraditórias e
sujeitas a várias restrições a respeito de um determinado país (Idem), o que pode dificultar,
sobremaneira, os processos da racionalidade na tomada de decisão por imigrar ou por
permanecer no seu país de origem.
28
Com o avançar das pesquisas no campo das migrações, várias são as correntes que se foram
destacando, procurando explicar os fenómenos migratórios a partir de vários prismas que, em
certa medida, se mostram críticos à perspectiva dos neoclássicos.
Pela corrente das redes migratórias, as migrações são analisadas do ponto de vista das relações
sociais. Consequentemente, os fluxos migratórios são determinados, não pelo cálculo individual
com base em desigualdades económicas, mas pelas relações sociais estabelecidas e enraizadas
por membros de uma determinada comunidade e, por isso, desencadearem-se diversas
tipologias de formas de integração dos migrantes de acordo com a recepção e a classe social a
que os membros pertencem (Peixoto, 2004).
Este processo é chamado, como afirmado em Portes e Sensenbrenner (1993, citados em Peixoto,
op. cit.) de social embeddedness11. Para estes autores, as relações sociais constituem-se de um
capital acumulado de expectativas para acção ou de fecho de relações numa comunidade,
cravado em redes étnicas e outras redes que constituem o sustentáculo das migrações.
a presença deste factor social embeddedness nas comunidades imigrantes é elevada, por
isso, desenvolvem-se com relativa facilidade os laços de solidariedade (bounded
solidarity) e confiança (como a enforceable trust), indispensáveis na subsistência dos
fluxos migratórios e na integração dos migrantes nas comunidades de acolhimento
(Idem, p. 10).
Por essa via, os fluxos migratórios são sustentados pelas relações solidárias que se desenvolvem
nos grupos migrantes, mas também são desencadeadas e mantidas entre as comunidades
receptoras e as da origem, facto este que leva a uma outra abordagem analítica das migrações.
Sob este novo prisma de análise, a imigração é vista no contexto da transnacionalidade, na qual
se enfatiza a emergência de um processo social que cruza as fronteiras geográficas, culturais e
políticas (Sasaki & Assis, 2000; Castles, Haas e Miller, 2009).
É deste quadro de análise onde se explicam as relações que os migrantes internacionais mantêm
com as sociedades de origem e como elas são conjugadas com as relações mantidas com as
sociedades de acolhimento. Essas relações pressupõem a alteração dos contextos sociais, tanto
11
Termo elaborado e utilizado por Granovetter (1985), para explicar a forte relação que se estabelece entre a acção
económica e a estrutura social (Peixoto, 2004).
29
das sociedades acolhedoras como das sociedades de origem dos migrantes, através das
influências culturais, antropológicas e históricas dos mesmos.
Como destacado na problemática em análise nesta pesquisa, para além dos factores atractivos
e repulsivos que possam influenciar a decisão racional do indivíduo, num contexto grupal, acha-
se pertinente que a abordagem possa configurar este pensamento das relações transnacionais
estabelecidas entre os imigrantes em Moçambique e os seus países de origem.
É visto que, os imigrantes neste se organizam em comunidades específicas, nas quais integram,
não apenas os indivíduos originários do mesmo país, mas também os que se aproximam através
das práticas culturais, religiosas, étnicas, etc. Esta conjuntura, pressupõe a existência de redes
migratórias, que sustentam os fluxos migratórios para Moçambique.
Posto isto, o contexto de análise feita neste estudo interpreta o fenómeno de forma holística,
não se cingindo apenas na análise de acordo com um referencial teórico específico, mas olhar-
se para o fenómeno da imigração em Moçambique como um todo, pois apenas desta forma, se
pode chegar a um entendimento concreto sobre suas influências no contexto securitário
nacional.
30
Tabela 1
Quadro resumo das Teorias da Migração Internacional
Factor
Teoria Caracterização
determinante
Escolha Racional;
Relações sociais
as migrações não ocorrem pelo cálculo individual
(social
com base em desigualdades económicas, mas pelas
Redes migratórias embeddedness);
relações sociais estabelecidas e enraizadas por
bounded solidarty;
membros de uma determinada comunidade
enforceable trust;
Manutenção das
relações sociais
processo social que cruza as fronteiras geográficas,
Transnacionalidade com as
culturais e políticas
comunidades de
origem
Nota: Tabela resumo das teorias de migração internacional. Adaptado do autor a partir da síntese da discussão
da secção 2.3 – Teorias da Migração Internacional.
31
CAPÍTULO III – METODOLOGIA
A opção por este tipo de método justificou-se, pela necessidade de se estudar o fenómeno
concreto da imigração em Moçambique e obter uma compreensão detalhada, de modo a apurar
as possíveis relações que se podem estabelecer com as questões de segurança. Este processo,
foi estabelecido através da interacção com as pessoas que, no dia-a-dia, trabalham nos processos
de gestão migratória.
Com base em estudos descritivos, pode-se desenhar o quadro de uma situação, pessoa ou
evento, ou mostrar como as coisas estão relacionadas entre si (Gray, 2012). Daí que, a
abordagem do fenómeno da imigração em Moçambique sob ponto de vista do paradigma
securitário, busca não somente a descrição e interpretação do fenómeno, mas, principalmente,
os factores pelos quais o mesmo é associado, seja de forma directa ou indirecta, às questões de
32
segurança interna em Moçambique, tendo como base de análise os fundamentos arrolados na
problemática em estudo.
Moçambique é um país de Migrações (Muanamoha, 2008; Patrício, 2016; Feijó, 2018). Assim,
a análise realizada neste estudo ocorreu num quadro comparativo das medidas
internacionalmente observadas no contexto de gestão das migrações.
Os países com fluxos migratórios altos tendem a securitizar as migrações (Buzan et al., 1998;
Bigo, 2002; Karyotis, 2007). Neste contexto, a International Civil Aviation Organazation
(ICAO, Organização da Aviação Civil Internacional) adoptou e padronizou medidas de
segurança de cumprimento obrigatório para os Estados-membros, havendo espaço para, através
do acto de Derrogação, os mesmos pronunciarem-se sobre as diferenças existentes nas suas
legislações, relativamente às práticas recomendadas.
Destaca-se, porém, que Moçambique não comunicou à ICAO sobre quaisquer diferenças em
seus regulamentos e práticas nacionais em relação às práticas e recomendações contidas no
Anexo 9 à Convenção da ICAO12. Todavia, por se saber que o país está sob interacção diária
com as regras e recomendações da ICAO, através dos sistemas de controlo migratório,
navegação aérea e controlo dos passageiros que viagem de voo, mostrou-se importante fazer
esta análise com base nestas normas.
Em vista disso, a pesquisa segue uma abordagem dedutiva, pois parte das análises do tratamento
dos fenómenos migratórios nos contextos das recomendações da ICAO, das práticas da União
Europeia e dos EUA, medidas adoptadas principalmente após os ataques de 11 de Setembro de
2001 às torres gémeos, nos EUA.
Como procedimento de pesquisa, foi realizado um estudo de caso, que segundo Triviños (2007)
trata-se de uma variante do tipo descritivo da pesquisa. Para Gil (2008, p. 58), o estudo de caso,
12
De acordo com a 12ª Edição do Suplemento ao Anexo 9 – Facilitação, Moçambique consta dos países-membros
da ICAO que não notificaram a ICAO sobre diferenças e conformidades sobre as regras e práticas aplicadas em
seus territórios em relação às regras e práticas internacionais padronizadas e recomendadas através do Anexo 9 da
ICAO.
33
permite o “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objectos, de maneira a permitir o
seu conhecimento amplo e detalhado”.
Yin (2001, p. 32) define estudo de caso como uma “investigação empírica que investiga um
fenómeno dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenómeno e o contexto não estão claramente definidos.” O fenómeno deve ser contemporâneo,
ou seja, actual, no qual o pesquisador tenta revelar uma relação entre um fenómeno e o contexto
no qual ele ocorre (Gray, 2012).
À vista destes argumentos, o presente estudo, recorreu a esta estratégia de pesquisa com vista
o tratamento do fenómeno da imigração em Moçambique tendo em conta os desafios que o
mesmo acarreta à segurança interna.
Gray (Ibid.) afirma que os estudos de caso exploram temas e questões nos quais as relações
podem ser ambíguas e incertas e procuram atribuir relações causais e não somente descrever a
situação. Sob este aspecto, saliente-se que nos estudos demográficos e da população, as relações
entre Migrações e Segurança são vistas como ambíguas e com incertezas de haver uma relação
directa, mas do ponto de vista securitário, isto é, no que aos estudos de segurança internacional
respeita, este tema tem merecido destaque.
Destarte, no respeito destes fundamentos, a presente pesquisa não somente buscou descrever as
rotas habitualmente usadas pelos imigrantes em Moçambique, como procurou discutir os
factores deste, que possam constituir riscos e ameaças, sejam elas latentes ou manifestas, à
segurança em Moçambique.
Embora muitos autores defendam que resultados obtidos a partir de estudos de caso não sejam
generalizáveis por se tratar de situações com características e ambientes próprios de casos
estudados e podem diferir de caso para caso (Gerhargt & Silveira, 2009; Alami et al., 2010;
Gray, op. cit.; Creswell, 2014), Triviños (2007) afirma que estes, fornecem o “conhecimento
aprofundado de uma realidade delimitada e os resultados atingidos podem permitir a
formulação de hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas” (p. 110).
Assim, os resultados desta pesquisa podem contribuir no debate académico sobre a relação entre
o fenómeno da imigração em Moçambique e a segurança, num contexto de exploração dos
desafios que este fenómeno coloca à segurança interna e na elaboração de políticas públicas
visando a sua gestão.
34
Outrossim, o recurso ao procedimento de estudo de caso justificou-se pela necessidade de trazer
um contributo válido para a Política em geral, no desenho de Políticas Públicas de Segurança e
de Controlo Migratório e, em especial para as Forças de Defesa e Segurança, no aprimoramento
das medidas de segurança e Planos de Segurança, tanto das fronteiras estatais bem como no
monitoramento da situação de ordem e segurança públicas no país.
Tendo em vista os objectivos do estudo, questões de relevo para a percepção destes fenómenos
foram colocadas, que respeitam i) às formas de controlo das entradas de estrangeiros em
Moçambique; ii) aos procedimentos seguidos em caso de verificação de irregularidades na
documentação apresentada por estrangeiros; iii) aos mecanismos usados na fiscalização de
embarcações marítimas e aeronaves que provenham do estrangeiro; iv) aos procedimentos de
vigilância das fronteiras; v) as rotas migratórias habitualmente usadas, etc. Os resultados destes
questionamentos, serviram de base para o pesquisador interpretar o fenómeno da imigração em
Moçambique com foco no paradigma securitário, visto que a maior preocupação desta pesquisa
é perceber os desafios que este fenómeno impõe à segurança interna em Moçambique.
35
permitir melhor interpretação dos fenómenos da imigração em Moçambique e como esta se
relaciona com questões de segurança.
Ademais, com os relatórios destas forças de segurança das fronteiras, buscou-se entender como
se caracterizaram os fluxos migratórios no período em estudo, quantos imigrantes entraram no
território nacional e quantos foram interpelados em situações irregulares que atentam contra a
segurança interna do país.
Ainda que a pesquisa documental seja considerada valiosa para corroborar e valorizar as
evidências oriundas de outras fontes e possibilitar a realização de inferências sobre
determinados fenómenos, um alerta aos pesquisadores é feito, para que sejam criteriosos ao
interpretar o conteúdo dessas evidências documentais. Atendendo a este alerta, na revisão dos
documentos, foram tidos em conta os contextos e os objectivos para os quais foram escritos,
pois, em algumas situações, divergem com o contexto e os objectivos desta pesquisa (Yin,
2001).
O uso da entrevista nas pesquisas sociais é considerado vantajoso pois é “bastante adequada
para a obtenção de informações a respeito” das atitudes “das pessoas” (Selltiz et al.,1967, citado
em Gil, 2008, p. 110). Mais ainda, o pesquisador reduz o seu distanciamento do pesquisado
(Creswell, 2014).
A observação, foi conduzida pelo pesquisador para a observação de aspectos sobre: i) as formas
de tratamento dos imigrantes no acto da chegada ao Posto de Travessia do Aeroporto
36
Internacional de Maputo; ii) o trabalho das autoridades de gestão das migrações; iii) as formas
de controlo das entradas de estrangeiros em Moçambique; iv) os procedimentos seguidos em
caso de verificação de irregularidades na documentação apresentada por estrangeiros, etc.
Assim como o Guião de Entrevista, a Grelha de Observação (Apêndice B) visou anotar aspectos
observáveis sobre as práticas dos agentes de gestão de fronteiras no seu trabalho diário, o que,
de acordo com Quivy e Campenhoudt (1998), constitui uma observação visual directa dos
comportamentos dos sujeitos da investigação no momento em que eles se produzem.
37
3.4 Técnica de análise e interpretação de dados
O presente estudo, adoptou uma base de análise holística (Yin, Ibid.; Gray, 2012; Creswell,
2014), a qual considera o exame aprofundado das partes que compõem o fenómeno da
imigração em Moçambique.
Neste contexto, o estudo priorizou a técnica de análise de conteúdo. Como proposto por Bardin
(2016), esta técnica organiza-se em três fases, a saber: pré-análise, exploração do material, e
tratamento dos dados, inferência e interpretação.
Alami et al. (2010) destacam que esta técnica de análise de dados decorre em três níveis: análise
temática transversal; a análise descritiva; e, a análise explicativa.
Na análise descritiva, fase central da análise de dados em estudos de caso (Creswell, Ibid.),
realizou-se uma descrição detalhada (idem) ou descrição analítica (Triviños, op. cit.), daquilo
que se pôde visualizar a partir da leitura dos dados recolhidos, através de temas ou dimensões
que forneceram interpretações pela inferência ou perspectivas da literatura.
38
A construção de temas neste estudo assentou nas informações achadas chaves para a
compreensão do fenómeno imigratório em Moçambique e os aspectos que interessam à
segurança interna, tais como: i) caracterização dos fluxos migratórias em Moçambique; ii)
mecanismos de controlo e fiscalização dos meios de transporte marítimo e aéreo; iii) gestão e
controlo de permanência de cidadãos estrangeiros no território nacional; iv) mecanismos de
controlo e vigilância das fronteiras; v) riscos e ameaças associadas à imigração em
Moçambique.
Foi assim que se fez a inferência e interpretação referencial, onde os dados foram tornados
válidos e significativos, através da confrontação dos mesmos com os materiais empíricos já
existentes.
3.5.1 População-alvo
Para a efectivação deste estudo, tomou-se como população alvo, os órgãos de gestão das
migrações em Moçambique, concretamente na Cidade de Maputo, no período de 2014 a 2018.
39
3.5.2 Amostra
O recurso à amostra, é tido como a melhor forma de trabalhar com dados de grande escala à
medida em que, permite melhor racionalização de recursos no quesito tempo e, oferece,
também, melhor garantia de controlo e precisão (Rudio, 2007).
Tendo em conta o universo extenso da população em estudo, a pesquisa adoptou a amostra não-
probabilística (Lakatos & Marconi, 2003; Gil, 2008; Kauark, Manhães & Medeiros, 2010).
Fundamenta-se a opção pelas razões das técnicas de pesquisa eleitas para a recolha de dados.
As entrevistas foram orientadas falando-se directamente com as pessoas (Creswell, 2014).
Por outro lado, a observação directa e oculta visou detectar aspectos que ocorrem normalmente
no contexto de gestão da imigração nos postos de travessia internacional do Porto de Maputo e
do Aeroporto Internacional de Mavalane, por isso, ter sido difícil estabelecer, através do uso de
métodos estatísticos, o número de ocorrências a observar que representariam o total das
situações que se verificam nestes processos.
Esta perspectiva, conduziu-nos à eleição do tipo de amostragem por quotas. Esta, de acordo
com Gil (op. cit.), apresenta maior rigor e confere vantagens na estratificação da amostra, para
além da melhor racionalização do tempo e dos custos. E, porque pretendia-se responder a
objectivos específicos definidos à priori neste estudo, a mesma amostra obedeceu ao critério de
intencionalidade (Kauark et. al., 2010).
Tabela 2
Distribuição dos respondentes pelos sectores de actividade
Nº DE
SECTORES DE PESQUISA
RESPONDENTES
ROSP 2
PRM PF 7
PCLF 3
DOM - Nação 2
Cidade de Maputo 4
SENAMI
Posto de Travessia - Aeroporto de Mavalane 1
Posto de Travessia - Porto de Maputo 1
TOTAL 20
Nota: Tabela elaborada pelo autor. Mostra a distribuição da amostra pelos diferentes sectores
de actividade das FDS.
40
CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE
DADOS
Como exposto no ponto 3.4, esta actividade consiste no exame, definição de categorias,
classificação e recombinação das evidências colectadas, num quadro de análise baseada nos
objectivos iniciais de estudo (Bardin, 2016).
Assim, com recurso a entrevista (Apêndice A) como técnica principal de recolha de dados,
foram entrevistados um total de 20 oficiais das FDS (Tabela 2: Distribuição dos respondentes
pelos sectores de actividade), distribuídos em oito (08) do SENAMI, sete (07) da PF, três (03)
da PCLF e dois (02) efectivos da POSP.
41
Tabela 3
Codificação dos Respondentes às entrevistas da pesquisa
Nota: Tabela elaborada pelo autor mostrando a codificação dos respondentes de acordo com os
sectores de actividade das FDS.
Para a melhor organização das evidências e seu exame e, depois da leitura das transcrições das
entrevistas, para a organização do relatório final, foram definidas cinco (05) categorias de
análise, a saber:
Não existe consenso sobre o que realmente significa países em vias de desenvolvimento e, por
isso pertencentes ao conceito de países do “Sul”. Baseado em três sistemas de análise [United
Nations Department of Economic and Social Affairs – Population Division (UNDESA); Banco
Mundial (BM); e, United Nations Development Program (UNDP)], que divergem nos seus
42
critérios de categorização, é que se chega a um conceito “discutível”, mas admissível, sobre o
que se pode considerar países do “Sul”.
Os três sistemas diferem na medida em que não existem critérios universais para a categorização
desses países. Para a UNDESA, critérios como o de baixa renda, nível do capital humano e
vulnerabilidade da economia, são tomados em conta para análise e divisão das regiões de
desenvolvimento. Por seu turno, o Banco Mundial considera países com baixo e médio
rendimento, como sendo países em vias de desenvolvimento, dos quais exclui a Singapura,
Hong Kong, Coreia do Sul e muitos dos países do Golfo Pérsico que, para a classificação da
UNDESA, fazem parte dos países em vias de desenvolvimento e, por isso, do “Sul”. Para a
UNDP, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o critério chave para a classificação dos
países em vias de desenvolvimento e desenvolvidos. Para este organismo, países com IDH <
0,9 são considerados países do “Sul” e os que estão acima deste índice, considerados do “Norte”
(Bakewell, 2009; Campilo-Carrete, 2013).
Assim, países do continente africano, da América (com a excepção dos da América do Norte),
do Caribe, da Asia (com a excepção do Japão) e os da Oceânia (com a excepção da Austrália e
da Nova Zelândia) são, nos critérios da UNDESA, Países em Vias de Desenvolvimento e,
portanto, países do “Sul” (Bakewell, Ibid.).
Seguindo o pensamento de Bakewell (Ibid.), uma categorização baseada no IDH é o que mais
se adequa às pretensões do presente estudo. Esta categorização, não só considera os países
situados no Sul pelos limites geográficos, mas também agrega geograficamente os países
situados no Norte, como países do leste europeu e da Ásia, que tenham um IDH abaixo de 0,9.
O escopo do presente estudo é abordar a migração de cidadãos africanos dos países dos Grandes
Lagos e do Corno de África para Moçambique. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento
Humano (UNDP, 2019), Moçambique é parte da região de desenvolvimento da África
Subsaariana, uma das 6 regiões de desenvolvimento a nível do mundo. Esta região é constituída
por 46 países, incluindo países da região dos Grandes Lagos e do Corno de África.
Por estes países apresentarem um IDH abaixo de 0,9, conforme definido no Relatório de
Desenvolvimento Humano (UNDP, 2009)13, são considerados países do Sul. Desta maneira, a
13
Cfr. Bakewell, O. (2009). South-South Migration and Human Development: Reflections on African Experineces
(07). In International Migrations Institute, University of Oxford – MPRA Paper. Acessado em 03 de Fevereiro de
2020, disponível em https://mpra.ub.uni-muenchen.de/19185/
43
discussão em voga, insere-se nesta conjuntura de estudos das migrações que ocorrem entre os
países do Sul, isto é, migrações do tipo “Sul-Sul”.
Como se espelhou no Capítulo I, ponto 1.2 – Problema, Moçambique caracteriza-se por ser um
país de Migrações. Hodiernamente, devido a questões de paz e estabilidade, disponibilidade de
recursos naturais, expectativa crescente de um desenvolvimento fundando nos grandes
projectos de petróleo e gás e também pelos factores de repulsão que assolam alguns países
africanos, principalmente da região dos Grandes Lagos e do Corno de África (Patrício, 2015,
2016; Patrício & Peixoto, 2018), Moçambique tem atraído imigrantes de diferentes quadrantes,
uns que usam o país em trânsito para outros destinos como África do Sul e Europa e outros que
o têm como destino final.
Dados do SENAMI indicam que, desde 2015 a 2018, o país registou, através dos Postos de
Travessia do Aeroporto Internacional de Mavalane e do Porto de Maputo, um movimento
migratório de cerca de 2.252.078 passageiros, sendo que cerca de 1.264.287 foram entradas e
1.081.656 saídas, perfazendo um saldo migratório de cerca de 182.631 pessoas. Destes dados,
saliente-se que cerca de 1.522.733 foram cidadãos estrangeiros e 729.343 cidadãos nacionais
(vide a tabela 4). Os números em referência são de cidadãos estrangeiros residentes e não
residentes em Moçambique. E, nesta tabela 4, é importante referir que o movimento migratório
referido é apenas das pessoas que atravessaram as fronteiras moçambicanas através da cidade
de Maputo.
Tabela 4
Movimento Migratório na Cidade de Maputo no período 2015 - 2018
Saldo
Ano Entradas Saídas Total Estrangeiros Nacionais
Migratório
2015 235 677 221 051 14 626 456 728 336 613 120 115
2016 399 645 280 482 119 163 586 262 122 297 463 965
2017 171 046 128 012 43 034 299 058 239 306 59 752
2018 457 919 452 111 5 808 910 030 824 513 85 517
Total 1 264 287 1 081 656 182 631 2 252 078 1 522 729 729 349
Nota: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados recolhidos dos relatórios do SENAMI na Cidade
Maputo
44
Conforme evidencia a Tabela 4, os dados referentes ao movimento migratório de 2014 não são
reflectidos. Dados deste ano não foram sistematizados pela fonte, justificando-se pela mudança
e adopção de novos sistemas de registo que só foram consolidados a partir de 2015.
Necessário faz-se aclarar que estes números apenas fazem referência às entradas registadas nos
Postos de Travessia Internacional da Cidade de Maputo, não representando, deste modo, o total
de cidadãos estrangeiros que chegaram à Cidade de Maputo. Para isso, urge olhar-se também
para os números dos que chegam a esta, por meio do transporte terrestre e que entram em
Moçambique através de outros Postos de Travessia.
De acordo com os dados do INAR (2019), até 31 de Agosto de 2018, Moçambique albergava
cerca de 27.458 requerentes de asilo e refugiados (RAR´s). Maior parte deste número (16.517)
encontrava-se no Centro de Refugiados de Maratane, Província de Nampula a norte do país e o
restante distribuído pelos centros urbanos do país.
Desta forma, a estes fluxos migratórios na cidade de Maputo devem ser adicionados e
analisados num contexto da globalidade das migrações em Moçambique e a sua redistribuição
e movimentação pelos diferentes pontos do país até à fixação na Cidade de Maputo. Para tanto,
foram compulsados os dados do SENAMI, com resultados reflectidos na Tabela 5.
Tabela 5
Cidadãos estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 - 2018
ANO RESIDENTES
2014 43.933
2015 43.361
2016 44.848
2017 20.247
2018 25.042
Nota: Tabela elaborada pelo autor a partir dos dados colhidos nos Relatórios Anuais do
SENAMI – Cidade de Maputo
45
A Tabela 5, mostra os números de estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período em
estudo. De 2014 a 2016 a tabela mostra valores numéricos na ordem dos 40.000, sofrendo uma
queda para cerca de metade em 2017, voltando a mostrar sinais de subida em 2018 (Vide o
Gráfico 1).
Gráfico 1
Estrangeiros residentes na Cidade de Maputo no período 2014 - 2018
40000
30000 25042
20247
20000
10000
0
2014 2015 2016 2017 2018
Nota: Gráfico elaborado pelo autor a partir dos dados colhidos nos Relatórios Anuais do SENAMI – Cidade
de Maputo
Como mostra o gráfico 1, regista-se uma queda acentuada do número de estrangeiros residentes
na Cidade de Maputo em 2017. Esta redução resulta da actualização dos sistemas de controlo
no registo de cidadãos estrangeiros nesta. No período anterior a este, as renovações e
prorrogações dos Documentos de Identificação e Residência de Estrangeiros (DIRE´s) eram
contabilizados como novos registos. Como resultado, havia duplicação de registos na Base de
Dados.
É de suma importância referenciar que estes números dizem respeito aos estrangeiros com
DIRE, que estão sob gestão do SENAMI e não espelham o total de cidadãos estrangeiros
exilados e com estatuto de refugiado, pois estes são de gestão do Instituto Nacional de Apoio
ao Refugiado [INAR]. Pelo que, os números aqui reflectidos não correspondem à totalidade dos
cidadãos estrangeiros que vivem na Cidade de Maputo. Para isso, deve-se somar os números de
estrangeiros exilados e com estatuto de refugiado que, mesmo não o tendo obtido na Cidade de
Maputo, vivem e praticam suas actividades nesta cidade.
46
Contudo, os números em discussão no parágrafo anterior revelam-se inexequíveis o seu alcance,
visto que os órgãos de gestão das migrações em Moçambique, evidenciam fragilidades no
registo dos mesmos, a considerar pelas declarações dos respondentes da pesquisa ao nível da
Direcção Provincial de Migração da Cidade de Maputo, quando afirmam não ser fácil o registo,
tanto no momento da entrada através das fronteiras nacionais, como já dentro do país, pois
maior parte dos migrantes opta pela violação das fronteiras terrestres, através dos pontos
verdes14.
Frequentemente, as rotas migratórias para o país são identificadas partindo dos países do Corno
de África (Sudão, Sudão do Sul, Djubuti, Somália e Etiópia) e da Região dos Grandes Lagos
(República Democrática do Congo, Uganda, Burundi, Tanzânia e Malawi).
Os países de trânsito têm sido a Etiópia, o Quénia, a Tanzânia e Malawi através dos meios de
transporte terrestres. Da Etiópia e do Quénia, através dos meios de transporte aéreo, operados
pelas companhias aéreas Ethiopian Arlines, Qatar Airways, Quénia Airways e Linhas Aéreas
de Moçambique, os imigrantes seguem para Moçambique, podendo desembarcar nos
Aeroportos de Pemba (Cabo Delgado), da Beira (Sofala) e de Mavalane (Cidade de Maputo).
Por sua vez, para os que escolhem a rota de Tanzânia, seguem através do oceano índico para
Cabo Delgado (Distritos de Mocímboa da Praia, Macomia e Pemba) e Nampula (Memba e
Nacala Porto) e por via terrestre, entrando pela fronteira a norte de Moçambique, através das
Províncias de Niassa e Cabo Delgado.
Do mesmo modo, para os imigrantes que escolhem a rota de Malawi, seguem via terrestre para
as províncias de Tete e Zambézia, conforme ilustrado na Figura 1. Destes destinos, seguem
depois, via terrestre até alcançar a Cidade de Maputo, conforme mostrado na Figura 2 (Grupo
de Oficias do SENAMI. Entrevistada realizada em 06 de Janeiro de 2020).
14
Ou fronteira verde, considera-se a parte da linha de fronteira estatal que não é protegida em termos físicos pelas
FDS.
47
Figura 1
Rotas Migratórias dos Países do Corno de África e da Região dos Grandes lagos para
Moçambique.
Nota: Mapa construído pelo autor com base nas respostas das entrevistas realizadas com os oficias do SENAMI
no Posto de Travessia Internacional do Aeroporto Internacional de Mavalane e na Direcção de Operações
Migratórias, 2019-2020.
48
Figura 2
Movimentos de cidadãos estrangeiros em Moçambique, dos pontos de entrada até à
Cidade de Maputo.
Nota: Mapa construído pelo autor com base nas respostas das entrevistas realizadas com os oficias do
SENAMI, 2019-2020.
49
A Figura 2 mostra o sentido da movimentação de cidadãos estrangeiros desde os pontos de
entrada no território nacional até atingirem a Cidade de Maputo. É importante elucidar que nem
todos os cidadãos estrangeiros que chegam a esta, a tem como seu destino final. Cidadãos dos
países como a Somália e Etiópia usam Moçambique como país de trânsito para alcançar a África
do Sul ou a Europa, como destino final. Diferente daquelas nacionalidades, cidadãos Sudaneses,
Ugandeses, Ruandeses, Burundineses, Congoleses, etc. tem Moçambique como destino final.
Neste país, envolvem-se na sua maioria em actividades de garimpo ilegal e comércio informal,
sendo os que mais dominam este sector de actividade informal no país.
A lei base de gestão das migrações em Moçambique é a Lei nº 5/93, de 28 de Dezembro, que
estabelece o regime jurídico do cidadão estrangeiro em Moçambique. Como se pode
depreender, trata-se de uma lei antiga e de certo modo desajustada à realidade das dinâmicas
actuais. Em época da produção desta lei, Moçambique saía de uma guerra civil, terminada a 4
de Outubro de 1992, através dos Acordos de Roma, com níveis de desenvolvimento baixos e
pouco atractivo para a imigração.
50
Dados oficiais de referência a números de cidadãos estrangeiros em Moçambique são
encontrados no Censo de 1997. Neste ano, Moçambique registava cerca de 131,226 cidadãos
estrangeiros, do total de 15,278,334 da população Moçambicana (Instituto Nacional de
Estatística – INE, 1999).
O Censo populacional de 2017, registou cerca de 142,315 cidadãos estrangeiros do total de 27,
909,798 de habitantes em Moçambique (INE, 2019), dos quais 27, 458 são requerentes de asilo
e refugiados (Abreu, 2019). Estes números mostram uma subida de cerca de 11,089
estrangeiros, o que corresponde a um incremento de 8,4 % em relação ao nº de estrangeiros
registados em 1997.
Gráfico 2
Variação da população estrangeira em Moçambique desde o CENSO de 1997 ao
CENSO de 2017.
População Estrangeira em
Moçambique
144000 142315
142000
140000
138000
136000
134000
131226
132000
130000
128000
126000
124000
Censo de 1997 Censo de 2017
Nota: Gráfico elaborado pelo autor a partir dos dados dos Censos populacionais de 1997 e 2017 do INE.
51
Estes factos são comprovados pelos inúmeros casos de cidadãos estrangeiros que dominam a
actividade comercial informal nas cidades do país e, em especial, na Cidade de Maputo, objecto
de estudo desta pesquisa. Ademais, o Oficial do SENAMI B2, defende haver omissão nos dados
apresentados pelo INE, demostrando estes que muitos dos cidadãos estrangeiros em
Moçambique estão em situação clandestina e, por isso, procurarem formas dissimuladas de
escapulirem-se dos registos das autoridades do Estado (Entrevista concedida a 02 de Março de
2020).
A análise em debate acima constitui uma prática recomendada pela ICAO a ser seguida por
Estados-membros e deve passar pelo estabelecimento de acordos bilaterais como medida de
avaliação dos documentos de viagem apresentados pelos passageiros e dos requisitos
necessários para a admissibilidade no país de destino. É uma medida que visa dissuadir
possíveis fraudes e contrafacção de documentos oficiais de viagem emitidos pelos Estados-
membros (Idem).
Bigo (2006) assume-se opositor desta estratégia de gestão de fluxos migratórios por considerar
que visa manter os estrangeiros mais pobres à distância, como consequência da intensa retórica
que criou, nas sociedades políticas, uma crença de que a pobreza, o crime e a mobilidade
15
Do inglês “Worlds in Motion”, expressão retirada da obra Worlds in Motion: Understanding International
Migration at the End of the Millennium, dos autores Douglas S. Massey, Joaquin Arango, Graeme Hugo, Ali
Kouaouci, Adela Pellegrino e J. Edward Taylor (1998). Nesta obra, os autores procuram explicar, através das
várias teorias, os processos da migração internacional fundamentados na predominância de circunstâncias
regionais e nacionais de cada Estado, fornecendo uma síntese teórica que possa servir de guia para a elaboração
de Políticas Públicas sobre Migrações neste século.
52
populacional estão indissoluvelmente relacionados. Para os gestores de segurança, a prevenção
e pró-actividade devem justificar a adopção desta estratégia de oficiais de ligação, porque não
apenas se cinge a populações pobres, mas a todos os utilizadores dos meios de viagem aéreos,
em especial àqueles que não reúnem requisitos para a sua admissibilidade no país do destino.
A pró-actividade aqui destacada visa gerir ilícitos antes do seu cometimento, através da colecta
de informações que definam ou não a instalação do estado de emergência e acção repressiva
contra comportamentos de indivíduos ou grupos considerados perigosos (Bigo, 2005).
Assim, conhecidos os aeroportos que maiores fluxos de imigração geram para Moçambique,
faz-se necessário estabelecer acordos bilaterais com estes Estados, sob a égide deste
instrumento normativo da ICAO, como forma de controlar os movimentos migratórios a partir
da origem. Esta acção, ainda que Bigo (ibid.) a considere um desvio de controlo dos
movimentos populacionais e de acções ilícitas para a polícia de terceiro Estado, a lógica das
FDS moçambicanas assume que esta, serve interesses nacionais de Estados com capacidade
limitada para realizar o controlo de fluxos em seu território. É o que se pode compreender dos
argumentos do Oficial do SENAMI A1, quando afirma que
“a figura de oficial de ligação, posicionada nos aeroportos dos países que geram
maiores movimentos de imigração, serve para resolver problemas migratórios a
montante, quando Estados, como o moçambicano, tem capacidade limitada de
controlar os fluxos migratórios no seu território” (Entrevista concedida em 01 de
Novembro de 2019).
“não existem restrições de imigrantes, facto que poderia ser feito através do sistema
de gestão de interdições agregado a INTERPOL. Por isso, Moçambique recebe todo
o tipo de imigrante, desde os menos qualificados até aos mais qualificados. Outros
que em seus países podem ter pertencido a grupos rebeldes e de subversão,
traficantes de drogas, criminosos. Se o país tivesse uma Política de Migração,
53
poderia saber que tipo de imigrante estaria preparado para receber e como deveria
geri-lo” (Oficial do SENAMI A1. Entrevista concedida em 01 de Novembro de
2019).
16
Decreto nº 11/2008, de 29 de Abril, que introduz o Bilhete de Identidade (BI) para o cidadão nacional na base
dos elementos biométricos; Decreto nº 12/2008, de 29 de Abril, que aprova os novos modelos de Vistos e de
Autorização de Residência para o cidadão estrangeiro, baseados em elementos biométricos e electrónicos; e, o
Decreto nº 13/2008, de 29 de Abril, que cria o novo modelo de Passaporte para Cidadãos nacionais, baseado em
elementos biométricos e electrónicos.
54
4.2.3 Por uma Política de Migração para a gestão de fluxos migratórios em Moçambique
Embora não se possam estabelecer critérios universais de gestão de fluxos migratórios, existem
aspectos que, em prol de segurança, devem ser considerados quando se desenha uma Política
de Migração que seja eficaz.
Não se trata aqui de considerar uma discussão da imigração no mesmo pacote com o
narcotráfico, o crime organizado e o terrorismo, sob a rubrica genérica de ameaça transnacional,
situação em voga no espaço europeu (Brancante & Reis, Ibid.). Antes sim, a preocupação deve
estar na ordem de gestão das pessoas que entram, permaneçam e saiam do território nacional.
Por isso, Cierco (2017) defende que “qualquer política de imigração deve ser construída com
base no respeito pelas liberdades fundamentais dos cidadãos, tendo em conta a relação entre
segurança interna e direitos humanos” (p. 23).
É no respeito, também, dos requisitos propostos por Baganha (2005) que deve assentar a
estratégia do Estado moçambicano no desenho da Política de Migração em Moçambique. Para
esta autora, no desenho deste tipo de Política, devem ser considerados dois aspectos essenciais:
o primeiro, de ordem quantitativa, uma vez que se torna essencial determinar o número de
imigrantes que o país deve receber e, o segundo, de ordem qualitativa, no sentido de determinar
o perfil dessas pessoas.
O argumento relativo a determinação do perfil dos imigrantes que o país deve receber alinha-
se á tese defendida por Bigo (2005, 2006) sobre a instituição do estado de emergência no
controlo dos fluxos migratórios ao nível das fronteiras da União Europeia. Trata-se na essência
do pressuposto da vigilância e gestão do “indesejado”, ou seja, determinação dos perfis dos
imigrantes através dos bancos de dados computacionais que permitam rastrear e prever
comportamentos de indivíduos ou grupos e antecipar a acção dos profissionais de segurança
(Idem, 2006).
55
Estes pressupostos poderiam ajudar o Estado moçambicano, na gestão de cidadãos estrangeiros
que entram e permanecem no território nacional de forma irregular ou clandestina e são achados
a desenvolver actividades informais que em alguns casos, estimulam o desenvolvimento de
crimes conexos à migração internacional, conforme descritos no protocolo de Palermo.
O livrete de dados da UNDESA (2017), assegura que muitos países a nível do mundo não
dispõem de políticas explícitas sobre Migração. Os mesmos, procuram regular questões
migratórias pela conjugação de leis avulsas e dispersas de variados sectores de actividade, dada
a transversalidade característica das Migrações. Portanto, a aplicação de multas, as detenções e
deportações de migrantes em situação irregular ou clandestina, a penalização de empresas que
contratam trabalhadores em situação irregular são, de entre outras medidas, adoptadas pelos
Estados na regulação dos fluxos migratórios em seus territórios.
Neste contexto, de entre outras medidas, são aplicadas multas aos estrangeiros em situação
irregular, definidas no Decreto nº 62/2014, de 24 de Março; estabelecidas cotas de contratação
de trabalhadores estrangeiros em empresas nacionais (Cfr. alíneas a), b) e c) do nº 5, art.º 31 da
Lei nº 23/2007, de 1 de Agosto). A par destes dispositivos, encontrámos também os Decretos
nºs 43/2009, de 21 de Agosto e 2/2014, de 4 de Dezembro. O Primeiro aprova o Regulamento
da Lei nº 3/93, de 24 de Junho – a Lei de Investimentos –, e o segundo, estabelece o regime
jurídico e contratual especial aplicável aos projectos de gás natural liquefeito das áreas 1 e 4 da
Bacia do Rovuma.
56
associação destes ataques a estrangeiros nos países que já registaram ataques terroristas, tal é o
caso dos Estados Unidos de América, da França, da Espanha ou do Reino Unido.
É, por via disto, que o Estado moçambicano, através do SENAMI e da PCLF, exerce o controlo
das embarcações que chegam e partem do Porto de Maputo. Importa ressaltar que este Porto é
um terminal de carga, o que pressupõe que o Posto de Travessia de Migração aqui instalado,
não tenha registo de fluxos migratórios consideráveis. Este Posto, como se pode coligir das
palavras do Oficial do SENAMI D1,
“por estar situado num Porto com características comerciais, a maioria de suas
embarcações são de carga. Desta forma, os sistemas de controlo migratório neste,
limitam-se à fiscalização de tripulantes, na sua maioria e, em épocas de cruzeiros, aos
passageiros que chegam a Moçambique em passeios” (Entrevista realizada em 09 de
Janeiro de 2020).
No seguimento das regras estabelecidas pela CISVHM, com as inovações introduzidas pelo
CIPNIP, o Estado moçambicano, através da Resolução nº 9/2012, de 15 de Março, aprovou o
novo Estatuto do Instituto Nacional da Marinha (INAMAR). Esta instituição é, dentre outras
actividades, a autoridade nacional reguladora nos domínios da jurisdição marítima, lacustre e
fluvial, bem como no domínio público marítimo; no estabelecimento e manutenção das
condições de segurança marítima para a realização de actividades da marinha; na aplicação das
17
Conforme o Artigo V da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974.
57
normas de segurança sobre as embarcações nacionais e estrangeiras afectas ao comércio
marítimo, à pesca, ao recreio, prospecção e pesquisas científicas e sobre quaisquer outras
construções flutuantes.
Conforme se pode compreender das declarações dos oficias do SENAMI entrevistados, estes
processos de controlo das embarcações nas responsabilidades a eles acometidas, processam-se
nos termos regulamentados, embora algumas situações relatadas possam evidenciar algumas
falhas na implementação destes procedimentos.
Assim, as autoridades migratórias e afins, recebem informações prévias que lhes permitem
planificar as operações de controlo migratório no Porto de Maputo. É neste sentido que, quando
as embarcações chegam a Moçambique, os agentes da Migração mesmo não realizando o
movimento migratório dos tripulantes, procuram informar-se sobre a regularidade dos seus
passaportes e das suas cédulas marítimas. E, ao longo da estadia do navio no Porto de Maputo,
58
os agentes de migração têm feito raides de fiscalização dentro das embarcações por forma a
garantir-se da não entrada para o navio, de pessoas sem autorização para o efeito.
O espaço marítimo moçambicano é referido como uma das portas de entrada de imigrantes
ilegais (Patrício, 2015; Fernando, 2018). Não somente este aspecto, é por este espaço que se
considera exporem-se as operações do crime organizado nas suas diferentes facetas, desde o
tráfico de drogas, o tráfico de pessoas e de órgãos humanos, o tráfico de armas e o terrorismo
(Buvana e Ventura, 2011; Magode et al., 2014; Fernando, 2018).
A este respeito, pode ser citado o caso da intercepção de uma embarcação na região costeira de
Cabo Delgado, que transportava uma quantidade considerável de drogas que, após visualizar
os elementos das FDS (Marinha de Guerra das Forças Armadas de Defesa de Moçambique –
FADM e do Serviço Nacional de Investigação Criminal – SERNIC) os ocupantes da mesma
incendiaram-na e, lançando-se ao mar, na tentativa de fuga, foram detidos.18
18
RFI, (16, Dezembro de 2019). Moçambique interceptou barco com droga. Recuperado de:
http://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/20191216-mo%C3%A7ambique-interceptou-barco-com-droga, em 24
de Janeiro de 2020, às 09:43 horas.
59
Assim, a segurança do mar deve constituir uma das prioridades no âmbito da segurança do
Estado moçambicano, haja visto que nos dias que correm, têm sido frequentes os protestos por
parte da comunidade internacional sobre a deficiente protecção que o Estado moçambicano
exerce sobre a sua costa, o que facilita as redes de criminalidade organizada transfronteiriça em
atingir os seus intentos.
Pode-se dizer que este caso é um dos que se evidenciam e não são passíveis de detecção pelas
FDS, daí existir preocupação, comprovada pelas palavras do Oficial do SENAMI D1, de
situações de pessoas estrangeiras que, aproveitando-se dos pontos verdes19 da fronteira
marítima, possam entrar no país e levar a cabo suas actividades que, advinha-se, sejam
contrárias à ordem e segurança pública no país. Esta ideia, é corroborada pelo Oficial da PCLF
G2 que alerta para a tentativa de desembarque de estrangeiros clandestinos em navios em
trânsito no Porto de Maputo, tendo sido chamada a intervir para a contenção desta acção ilícita,
a força da PCLF (Oficial de PCLF G2. Entrevista realizada em 24 de Fevereiro de 2020).
Uma outra faceta desta problemática, refere-se a práticas corruptas de alguns elementos das
FDS que, nos Postos de Travessia, em conivência com os imigrantes, deixam-nos passar em
troca de favores, não se consciencializando sobre o perigo que estas atitudes possam representar
para a segurança interna. Relativamente a este aspecto, a Organização das Nações Unidas [UN],
na procura de mecanismos de prevenção e combate à criminalidade organizada, atribui aos
Estados, através da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e
do Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças) a responsabilidade de adoptar as
medidas legislativas e outras que considere necessárias para estabelecer penalizações a estas
infracções, sempre que se prove serem praticadas intencionalmente (Cfr. o nº 1 do art.º 5º do
Protocolo de Palermo).
19
Vide nota 14.
60
organizar e regularizar os procedimentos documentais exigidos em cada Estado, pelo que, com
este tipo de embarcações não há registo de casos de relevo.
Como aferido junto das estruturas do SENAMI a nível do Posto de Travessia do Porto de
Maputo, os cruzeiros que chegam a Cidade de Maputo, podem atracar neste Porto, como
também atracar directamente na Ilha dos Portugueses. À sua chegada, os agentes de Migração
realizam junto do navio, o movimento migratório dos passageiros que queiram desembarcar,
emitindo os respectivos vistos de entrada no território nacional. Saliente-se que, apenas os
passageiros que queiram desembarcar é que lhes são concedidos vistos de entrada, não sendo
obrigatório para todos. O mesmo procedimento se verifica quando o navio vai directo à ilha dos
Portugueses. Neste caso, os agentes da Migração deslocam-se à esta Ilha, de modo a efectuar o
movimento migratório dos passageiros, emitindo vistos de entrada no território nacional.
O transporte aéreo rege-se com base na Convenção da Aviação Civil Internacional, de 1944 –
Convenção de Chicago. No seu artigo 37, a Convenção determina que a ICAO deverá adoptar
e emendar, sempre que necessário, normas no domínio das formalidades aduaneiras e
migratórias. Este compromisso é assumido pelos Estados-membros, ao se comprometerem na
colaboração com vista a alcançar os mais altos graus de uniformidade possível na
regulamentação, normas, procedimentos e organização em todas as questões nas quais esta
uniformidade facilite e melhore a navegação aérea (ICAO, 2006).
Deste modo, através dos anexos 9 e 17 à Convenção de Aviação Civil Internacional, a ICAO
prevê como objectivo principal da aplicação dos padrões de segurança, a segurança dos
passageiros, tripulação e público em geral contra actos de interferência ilegal na aviação civil
(ICAO, 2017a). E, para o cumprimento deste objectivo, os Estados deverão desenvolver
procedimentos de controlo de passageiros e tripulantes nas fronteiras, através da aplicação dos
padrões de segurança da aviação, da integridade de fronteiras, o controlo de narcotráfico e da
imigração (Idem., 2017b).
61
notifiquem-na sobre a conformidade ou diferenças existentes nas suas legislações (art.º 38 da
Convenção da Aviação Civil Internacional). Para esse caso, nota-se que, por via do disposto na
12ª Edição do Suplemento do Anexo 9 – Facilitação, Moçambique não notificou a ICAO sobre
quaisquer diferenças e nem conformidades em seus regulamentos e práticas nacionais em
relação às práticas e recomendações contidas naquele documento, embora Estado-membro e
implementador dos padrões e recomendações contidos nos documentos desenvolvidos pela
ICAO (ICAO, 2011).
À parte desta inobservância do recomendado pela ICAO por parte do Estado moçambicano, o
desenvolvimento das normas de controlo da integridade das fronteiras permitiu à ICAO, adoptar
os MRTD´s (Machine Readable Travel Documents – Documentos de Viagem de Leitura
Automática) nos anos 1980. Inicialmente, o documento incluía caracteres de leitura óptica e
visava acelerar o atendimento de passageiros nos controlos de passaportes (Idem, 2015a).
A eficácia dos MRTD´s no controlo das fronteiras aéreas dos Estados complementa-se com a
aplicação do sistema API. Este, é um sistema de gestão de informações sobre passageiros. Com
este sistema, os Estados-membros podem fazer a verificação prévia de cada passageiro, através
da informação prestada no acto da aquisição do bilhete do voo e no check in (Idem, 2017a), e
que é transmitida conforme os padrões reconhecidos internacionalmente (Idem, 2017b).
O desenvolvimento destes conceitos, como se pode inferir das palavras dos respondentes do
SENAMI, fundamenta-se com base nos antecedentes históricos dos passageiros dessas
62
nacionalidades. Como defendido pelo Oficial do SENAMI A1, “os níveis de segurança nos
postos de travessia são determinados em função de antecedentes dos viajantes” (Entrevista
realizada em 22 de Novembro de 2019). Desta maneira, e como afirmado em Bigo (2005, 2006,
2012), criam-se perfis, através da avaliação do risco, que pode ser efectivo ou presumível, que
culmina com a criação das categorias que demandam a assunção de acções proactivas.
Uma das exigências à capacidade técnica dos órgãos de gestão das migrações em Moçambique
reporta à sua formação em fraude documental e fraude de identidade. O curso de fraude
documental permite ao agente conhecer a autenticidade dos documentos de viagem. Por sua
vez, o curso de fraude de identidade reporta a questões que perpassam a adulteração da cadeia
de identidade dos indivíduos.
20
Os hotéis enviam diariamente informação sobre hóspedes nestes para efeitos de controlo de cidadãos
estrangeiros por parte do SENAMI.
63
Migratório realiza a fiscalização em 5, não alcançando os Distritos de KaTembe e KaNyaka,
justificando-se pela exiguidade de meios humanos e materiais para o efeito (Oficial do
SENAMI B1. Entrevista realizada em 02 de Março de 2020).
Igualmente, o mesmo Visto é emitido a favor de cidadãos estrangeiros que chegam ao país em
viagens de visita familiar, negócios, trabalho, entre outras categorias, facto que, para além de
criar embaraços nos agentes operativos em missões de fiscalização, também embaraça os
respectivos beneficiários (Oficial do SENAMI B1. Entrevista realizada em 02 de Março de
64
2020). Nos termos da lei, o Visto de Fronteira concede o direito de permanência em
Moçambique ao cidadão estrangeiro por um período de trinta (30) dias21 e não é prorrogável.
Todavia, “se se for ao sistema para verificar se aqueles estrangeiros que entraram com este
Visto, após 30 dias, saem, na maioria das vezes, descobre-se que muitos deles não saíram”
(Oficial do SENAMI D1. Entrevista concedida em 29 de Novembro de 2019).
Com esta explanação, é seguro afirmar que as fragilidades do sistema de gestão de fluxos
migratórios para além de afectar negativamente as operações de fiscalização da permanência
de cidadãos estrangeiros na Cidade de Maputo, estimulam a ocorrência de actos de corrupção
entre os agentes envolvidos na cadeia de valor da gestão de fluxos migratórios internacionais
(sistema de produção de Documentos Oficiais de Viagem e de Identidade, Controlo de
Fronteiras e operações de fiscalização) e de outras unidades orgânicas do Ministério do Interior,
que directa ou indirectamente lidam com estes processos, como defende o Oficial do SENAMI
D1, quando afirma: “o sistema actual é, também, debilitado pelo factor corrupção, pois alguns
membros fazem vista grossa a situações de irregularidades e ilegalidades cometidas por
estrangeiros em troca de favores monetários” (Entrevista concedida em 08 de Janeiro de 2020).
Assim, descortinam-se perigos decorrentes desta deficiente gestão dos cidadãos estrangeiros
em Moçambique. Como se pode coligir das respostas de um oficial sénior da PF, as fragilidades
denotadas neste âmbito, quer a nível dos Postos de Travessia, quer a nível interno, “podem,
num futuro breve fomentar situações de conflitos xenófobos, como os que têm acontecido na
República da África do Sul ou, mais grave ainda, situações de conflitos étnicos, como os que
ocorreram no Ruanda entre Hutos e Tutsis” (Oficial da Polícia de Fronteiras F1. Entrevista
concedida em 17 de Janeiro de 2020).
21
Cfr. o número 4, art.º 21 do Decreto nº 3/2017, de 24 de Março.
65
Por isso, acrescenta, afirmando que
“é necessário que o estrangeiro que entra no território nacional esteja sob o domínio
das FDS, saber-se dos seus objectivos e das actividades que cada um desenvolve.
Exercer-se um controlo eficaz, através do registo de movimentos de entrada e de saída,
bem como a fiscalização da permanência e da estadia de todos os cidadãos estrangeiros
que estejam no território nacional e, coarctar a entrada dos ilegais e clandestinos,
através do controlo efectivo das fronteiras” (Idem).
Para o efeito, o SENAMI procura, em coordenação com a PRM ao nível da Cidade Maputo,
instituir figuras de Chefes de Sectores, em alguns pontos de maior concentração de estrangeiros,
como nos mercados de Zimpeto e o da Praça de Touros, para o registo dos imigrantes. Os
registos servirão de base para o conhecimento da situação real dos imigrantes nesta cidade, os
que possuem e os que não possuem a documentação oficial exigida para a permanência em
Moçambique, pois acredita-se na existência de muitos em situação clandestina (Oficial do
SENAMI B1. Entrevista realizada em de 02 de Março de 2020).
O contraste neste dispositivo disciplinar está na agregação do binómio ver – ser visto por parte
dos que exercem a vigilância e o controlo e dos vigiados. Os chefes de sectores, figuras que no
entender do SENAMI devem exercer a vigilância e o controlo dos imigrantes nestes mercados,
na posição de ver, tornam-se visíveis e conhecidos dos imigrantes, sendo por isso que o
exercício do poder se dilui.
66
instrumentos de vigilância permanente, exaustivos, com habilidade omnipresente e capazes de
tornar tudo visível sem que eles se façam visíveis (Idem).
É neste âmbito que se propõe a adopção de sistemas electrónicos baseados em biometria para a
vigilância de imigrantes no território nacional. Estes sistemas devem ter a capacidade de
dissociar o par ver – ser visto, na medida em que devem ser capazes de exercer uma vigilância
omnipresente, contínua e permanente, mas sem que eles mesmos se façam conhecidos por parte
dos vigiados (os imigrantes). Esta situação tornará a relação de poder entre o soberano (Estado
moçambicano) e a comunidade (imigrante) numa relação de disciplina.
Refira-se que, para além das situações acima descritas, parte deste grupo de imigrantes envolve-
se, habitualmente, em actos de garimpo ilegal e tráfico de pessoas. Sobre este último aspecto,
o Oficial do SENAMI B4 cita dois casos por eles tramitados, em que cidadãos com Estatuto de
Refugiado traficaram pessoas que posteriormente, num dos casos, viria a se tornar em esposa e
outros que trabalharam mais de 9 meses sem salário em suas lojas (Entrevista realizada em de
06 de Março de 2020).
67
4.4.1 Procedimentos seguidos em caso de verificação de irregularidades na
documentação do cidadão estrangeiro
O tratamento de imigrantes na Cidade de Maputo difere da situação específica de cada um. Nos
termos da lei 5/93, de 31 de Dezembro, considera-se imigrante clandestino “todo aquele que
entra no território nacional por qualquer ponto habilitado sem passaporte ou documento
equivalente falso, incompleto ou caduco, bem assim os que o façam por pontos não habilitados,
ainda que com a documentação necessária”.
Há a salientar neste conceito alguns aspectos importantes, que marcam a destrinça entre um
imigrante que entra no território nacional sem a devida documentação e outro que entra com a
documentação exigida, mas que o faça em pontos não habilitados. A acrescer a isto, pode-se
estar, também, perante uma situação de imigrantes que entram no território nacional com a
documentação exigida, através dos pontos habilitados, mas que permaneçam para além do
tempo permitido.
Assim, torna-se necessário, partindo destes conceitos, distinguir imigrantes irregulares dos
imigrantes indocumentados ou clandestinos propriamente ditos.
Embora no Glossário de Migração e Asilo da Rede Europeia das Migrações (REM, 2012)22 e
no Glossário de Migrações da Organização Internacional de Migrações (OIM, 2019), o termo
imigrante irregular é tratado como sinónimo dos termos imigrante clandestino e imigrante
ilegal, na prática, como se pode comprovar pela ilustração de Cierco, existem diferenças entre
estes termos. Para esta autora,
imigração irregular compreende todos os imigrantes que entraram de forma legal num
território e cuja permanência no território se tornou irregular quando deixaram passar a
validade dos seus documentos. Por sua vez, a imigração ilegal refere-se àqueles
imigrantes que entraram num determinado território sem qualquer tipo de documento
legal (visto) (Cierco, 2017, p. 21).
22
Ainda que se possa ter em atenção a ressalva introduzida pela Resolução 1509 (2006), da Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa, que orienta para a utilização da expressão “ilegal” quando se tratar de um
estatuto ou processo, e “irregular” quando se tratar de um indivíduo (REM, 2012).
68
viagem que lhe permitem permanecer no território nacional e, por outro, da prática de
actividades comerciais diferentes das declaradas no Visto de entrada. A ilegalidade ou
clandestinidade, resulta da entrada no território nacional sem a devida documentação e por
pontos não habilitados para o efeito. Outrossim, são situações de fraude documental e de
identidade que colocam o imigrante na situação de ilegalidade (Grupo de Oficiais do SENAMI,
entrevista concedida em 17 de Dezembro de 2019).
Quando são identificadas evidências, os viajantes são orientados pelo Inspector do Controlo da
1ª Linha para o Inspector do Controlo da 2ª Linha, o qual é dotado de recursos e meios para,
23
De acordo com o oficial do SENAMI C1, considera-se país de origem o último país de trânsito do imigrante.
Desta forma, o repatriamento é feito para esse país (Entrevista concedida em 13 de Janeiro de 2020).
24
Processo de análise comportamental que se destina a auxiliar os agentes de Migração a conhecer, detectar e
determinar o perfil de suspeitos de práticas criminais ou de ilícitos, através das características apresentadas pelos
sujeitos de análise. Sobre esta matéria, consulte-se Konvalina-Simas, T. (2012). Profiling Criminal: Introdução à
Análise Comportamental no Contexto Investigativo. Lisboa: Rei dos Livros.
69
através da peritagem documental, investigar e instruir Processos que determinem a aceitação
ou recusa de entrada, quando se tratar de processos de entradas, ou de interdição de saída,
quando se tratar de processos de saída do território nacional (Oficial do SENAMI C2. Entrevista
realizada em 14 de Janeiro de 2020).
Em 1984, a ICAO, no uso das competências atribuídas pela Convenção de Chicago de 1944,
estabeleceu o Grupo de Consultoria Técnica para Documentos de Viagem de Leitura
Automática (TAG/MRTD - Technical Advisory Group on Machine Readable Travel
Documents) conhecido actualmente como TAG/TRIP (Technical Advisory Group on Travel
Identification Program – Grupo Técnico Consultivo do Programa de Identificação de
Viajantes).
Por essa via, e como recomendado pelos consultores do TAG/TRIP, para os Estados que os
seus documentos de identificação são reconhecidos por outros Estados como documentos de
viagem válidos, devem ser concebidos segundo as especificações e padrões determinados pelo
Doc 9303, parte 3; Doc 9303, parte 4; Doc 9303, parte 5 ou Doc 9303, parte 6 (Idem).
Como forma de gerar e garantir o controlo das identidades, principalmente dos viajantes, a
ICAO criou o sistema de interoperabilidade global. Este sistema permite a obtenção e troca de
70
informações entre os Estados-membros e a sua utilização em operações de inspecção e
fiscalização em seus respectivos Estados (ICAO, 2015a). Funciona assim, assente em uma
Logical Data Structure (LDS) que permite a identificação de todos os elementos de dados
obrigatórios e opcionais e gravação em um circuito integrado sem contacto (Chip) e incluídos
nos MRTD´s.
O funcionamento deste sistema apoia-se em uma Base de Dados denominada Public Key
Directory (PKD), um instrumento vital para o controlo de fronteiras e que permite a leitura e
verificação eficientes e seguras dos eMRTD25. É uma componente essencial para aplicação do
Public Key Infrastructure (PKI), que é um conjunto de políticas, processos e tecnologias
utilizadas para inscrever, verificar e certificar os usuários de um aplicativo de segurança.
Com estas inovações, fica claro que os documentos de viagem, em especial o passaporte e o
visto, tornaram-se em elementos essenciais de controlo de mobilidade de pessoas a nível
mundial. Como defendido em Seda (2017), fazendo referência à tese de Salter (2004), o
passaporte constitui o documento de identificação pelo qual os funcionários de controlo de
fronteiras classificam o estatuto internacional do seu portador e decidem se ele é (in)desejado
no país de destino.
Assim, tendo em vista os padrões e recomendações da ICAO, os Estados devem adoptar uma
Cadeia de Identidade em seus sistemas de controlo populacional. Para isso, impera, antes de
mais, a identificação e interligação de todas as instituições nacionais que têm e trabalham com
a identidade dos indivíduos (Oficial do SENAMI A1. Entrevista concedida em 01 de Novembro
de 2019).
25
Documento de Viagem Electrónico de Leitura Automática. É um documento (passaporte, visto ou cartão de
viagem) que possui um circuito integrado sem contacto, embutido e a capacidade de ser usado para a identificação
biométrica do detentor dos documentos MRTD, de acordo com os padrões especificados no Doc 9303, Parte 3.
71
A cadeia de identidade, segundo o que se pôde apurar dos órgãos de gestão das Migrações, deve
iniciar no momento do nascimento do indivíduo, no acto do seu registo oficial que é o
reconhecimento legal do seu nascimento. No seguimento das recomendações da ICAO, estas
informações devem ser criptografadas26 com base no PKI (ICAO, 2015b), o que deverá obstar
quaisquer alterações ou adulterações em outras instâncias da mesma cadeia de identidade.
Com este sistema de gestão de identidade, como atesta o Oficial do SENAMI A1,
Nos actuais sistemas de gestão da cadeia de identidade, isto de acordo com a mesma fonte, os
indicadores de identidade em evidência são: o nome, as impressões digitais, a fotografia e o nº
do Bilhete de Identidade [BI]. E, como se evidencia nas palavras deste oficial, o mesmo sistema
assinala rupturas pois, “permite que um qualquer funcionário, num sector qualquer, dentro da
cadeia mexa com a identidade”, o que acarreta riscos de desconfiguração dos padrões de
confidencialidade, integridade e autenticidade da mesma.
Ainda nas palavras do mesmo interlocutor, “estas situações mostram que a informação
introduzida no acto de registo de nascimento não está criptografada. É por isso que, quando
alguém chega onde se trata passaportes existe um sector para a correcção de erros” (Oficial
do SENAMI A1. Entrevista realizada em 01 de Novembro de 2019).
É, portanto, via desta ausência de integridade dos sistemas de gestão da cadeia de identidade
em uso, que se processam as múltiplas situações que se reportam, de falsificação dos
documentos oficiais de viagem e de residência para estrangeiros, pois as fragilidades
assinaladas naqueles, expõem a informação para manipulação de pessoas não autorizadas
dentro da cadeia de identidade, permitindo alterações não aprovadas e fora do controlo das
autoridades competentes para o efeito.
26
A ICAO (2015a, p.10) define este como o acto de disfarçar informações através do uso de uma chave de modo
que não possa ser entendida por uma pessoa não autorizada.
72
Estas evidências adversam com as recomendações da ICAO. A aplicação do PKI permite aos
Estados criptografarem suas informações através de chaves e certificações para comunicações
seguras e, funciona através de um par de chaves, uma privada e outra pública. A chave pública
permite a criptografia das informações e a privada, a decifração ou descriptogração27 (ICAO,
2015a). Assim, sem o seguimento dos padrões de certificação do PKI e sem a integração do
Banco de Dados nacional no PKD, mesmo que o Estado invista no desenvolvimento de
documentos de identificação e de viagem de leitura automática (MRTD) tem pouco ou nenhum
valor acrescentado.28
A este respeito, o Relatório da Central Intelligence Agency (CIA, 2011), tornado público em
Dezembro de 2014 pelo Wikileaks, afirma que,
27
ICAO (2015a, p. 9) é o acto inverso de criptografia, e consiste na restauração de um arquivo criptografado ao
seu estado original através do uso de uma chave (Doc 9303, parte 1).
28
Recomendações da Conferência Ministerial sobre Segurança da Aviação Civil e facilitação em África, realizada
em WINDHOEK, NAMIBIA, de 4 a 8 de Abril de 2016.
29
Informação disponível em: https://www.icao.int/security/FAL/PKD/Pages/ICAO-PKDParticipants.aspx
(consultado em 21 de Junho de 2020).
73
dos sistemas de gestão da cadeia de identidade, no contexto dos padrões da ICAO. Como
apurado, os gestores da cadeia de identidade ao nível da produção dos documentos, invadem o
sistema e apropriam-se dos dados das pessoas, produzindo documentos oficiais com dados dos
titulares adulterados, criando desta forma, situações de fraude de identidade e/ou documental.
A cadeia de identidade, gerida nos termos do sistema da Base de Dados desenvolvido pela
ICAO, baseia-se no PKD, LDS30 (Estrutura de Dados Lógicos) e o PKI. O PKI (Infra-estrutura
de Chave Pública) é o mecanismo que permite a criação e verificação subsequente de
assinaturas digitais em objectos eMRTD, incluindo o DSO (Document Security Object) para
garantir que os dados assinados sejam autênticos e não modificáveis (ICAO, 2015b, p. 1).
Neste sistema, cada Estado deve estabelecer uma Autoridade de Certificação (AC) chamada de
Autoridade de Certificação de Assinatura do País (CSCA), que emite os certificados para os
usuários finais incluindo os assinantes dos documentos. São a única entidade de certificação na
infra-estrutura que, dentre outras actividades define as responsabilidades de cada entidade na
infra-estrutura e os algoritmos criptográficos de gerenciamento de chaves que protegem os
sistemas e instalações associados ao PKI de qualquer acesso externo ou não autorizado (Idem,
loc. cit. e ss.).
Portanto, a CSCA estabelecida a nível do país será responsável pela garantia da integridade e
autenticidade da cadeia de identidade, o que irá inibir acessos não autorizados para a
modificação de dados e, consequentemente produção de documentos contrafeitos.
30
Logical Data Struture, que serve para armazenar dados biométricos e outros dados no circuito integrado sem
contacto [(IC - Contactless Integrated Circuit (IC)], ICAO (2015b, p. 1).
74
Por esta via, quando o migrante chega nos postos de travessia, apresenta o passaporte, as
autoridades migratórias, com recurso aos terminais do sistema de interoperabilidade instaladas,
conhecem, através da leitura electrónica do chip, o histórico sobre o migrante.
Assim, quando os imigrantes chegam nos postos de fronteira, vezes há em que prestam
informações falsas, mas por falta desta integração no PKD, não há espaço para a confrontação
dessas informações, facto que, de acordo com o Oficial do SENAMI A1, coloca o país em
situação de vulnerabilidade. Para este respondente,
“os acordos bilaterais são instrumentos que dão maior autonomia aos Estados na
gestão dos processos migratórios e, por isso, devendo observar um pressuposto
essencial que é a troca de informação sobre aspectos de segurança. E, porque os
sistemas de gestão dos fluxos migratórios dos Estados da SADC revelam-se
inoperantes, facto que se pode comprovar junto dos postos de fronteira com a África
do Sul, porquanto, mesmo tendo este país assinado o acordo de isenção de vistos com
Moçambique31, são inúmeras as vezes que os documentos moçambicanos são rejeitados
lá. Por isso, e, por via destas deficiências, se um terrorista entra em um país da SADC,
pode adquirir documentos de qualquer país, pois os seus sistemas de controlo não são
eficientes” (Entrevista realizada em 01 de Novembro de 2019).
É desta forma que cidadãos estrangeiros que chegam nos postos de fronteira pedindo Asilo ou
Estatuto de Refugiado, são interpelados com identidades falsas ou, na maioria das vezes,
omitindo informações fulcrais sobre o seu histórico de vida e, mais tarde, vem a descobrir-se
que se trata de pessoas que não reuniam requisitos para obtenção destes estatutos por terem
pertencido a grupos criminosos, rebeldes ou de desestabilização em outros países, daí poder
constituir para Moçambique, um perigo para a perpetração de acções subversivas.
31
Refira-se que não só com a África do Sul, o Estado moçambicano tem assinado protocolos de isenção de vistos
com o Botswana, o Malawi, as Maurícias, a Swazilândia, a Tanzânia, a Zâmbia e o Zimbabwe.
75
“muitos dos que estão a ser combatidos em Cabo Delgado são estrangeiros. Pessoas
que entraram em Moçambique com objectivos obscuros, mas que nos postos de
fronteira declararam ser imigrantes normais. Outros entraram sob pretexto de turismo
e negócios, mas mais tarde, alguns deles foram achados na situação de estarem a
financiar aquelas actividades subversivas e outros como actores directos. Portanto, um
imigrante que preste falsas declarações é sempre um perigo à segurança interna porque
omite os seus reiais objectivos” (Entrevista concedida a 17 de Janeiro de 2020).
Para Bigo (2006), foram ideias como estas que motivaram o desenvolvimento de acções de
colaboração policial e de inteligência na Europa, sugerindo-se o mesmo para o caso vertente de
Moçambique, como uma das estratégias de gestão dos fluxos migratórios a adoptar.
Uma das competências deste órgão é a de “propor políticas e estratégias sobre questões do mar
e fronteiras”. Todavia, segundo o que se apurou, apesar de Moçambique ter aprovado e
adoptado a Política de Fronteiras em 2017, através da Resolução n.º 41/2017, de 26 de
Setembro, que orienta a acção das FDS na protecção e guarda das fronteiras nacionais, o
instrumento é totalmente desconhecido. Os oficiais do SENAMI e os da PF entrevistados,
revelaram desconhecer a existência deste instrumento orientador o que presume que toda a
acção que se desenvolve no âmbito da protecção e guarda da fronteira estatal não é sustentada
76
nesta Política. Cada órgão das FDS desenha o seu plano de actividades na área sob sua
responsabilidade, limitando-se a coordenar suas actividades em parâmetros e condições não
claras com outras entidades.
A integridade da fronteira é, para os Estados, objecto de soberania. A sua violação, quer seja
por invasão militar ou por pessoas que a atravessam de forma indevida, coloca os Estados em
situação de alerta, resultando disso, a adopção e implementação de medidas preventivas e
repressivas com vista a conter as ameaças e riscos que surjam através desta.
32
Cfr. Alínea g) do nº 1, art.º 4, conjugado com alínea a), do nº 1, art.º 23 da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto. A
este preceito legal, acresce-se a informação recolhida junto do grupo de oficiais da Polícia de Fronteira, em uma
entrevista realizada nos dias 16 e 17 de Dezembro de 2019 e 17 de Janeiro de 2020. De acordo com estes, a PF,
para além de garantir a protecção da fronteira terrestre em toda a extensão da linha de fronteira está, também,
estacionada na fronteira fluvial entre Moçambique e Tanzânia, através das Províncias de Niassa e Cabo Delgado.
33
Cfr. Alínea f) do nº 1, art.º 4, conjugado com nº 2, art.º 24 da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto.
34
Note-se que esta extensão compreende os 2 km da linha de fronteira para interior, extensão denominada zona
interdita e, os 18 Km contados a partir deste ponto para o interior, área em que as populações das zonas fronteiriças
podem construir suas habitações.
77
“não se justifica que se disperse as responsabilidades de protecção das fronteiras
estatais em PF e PCLF. Estas duas forças deviam estar sob mesmo comando, ou seja,
a PCLF devia estar integrada no Ramo da PF porque este último, tal como o nome
sugere, engloba todo tipo de fronteiras, desde as terrestres, marítimas, fluviais e
aéreas” (Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2019).
Nos termos desta lei, a PF tem como função “a protecção e guarda da fronteira estatal, em
coordenação com as demais Forças de Defesa e Segurança” (alínea a) do nº 1 do art.º 23, da Lei
nº 16/2013de, de 12 de Agosto). Neste sentido, entende-se desta generalização a não
descriminação das tipologias de fronteiras, sejam elas terrestres, fluviais, marítimas e aéreas.
Resulta deste entendimento que a PF reclama sua presença em todas as fronteiras estatais como
a força com o preparo técnico-táctico para realizar de forma efectiva essa missão (Grupo de
Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).
Na Cidade de Maputo, não existindo fronteira terrestre com outras soberanias, não existe
representações da PF. Contudo, atendendo às funções a esta acometidas, para além das
supracitadas, deve combater a imigração ilegal, o contrabando, o tráfico de pessoas e de órgãos
humanos, o tráfico de drogas e de mercadoria diversa ao longo da fronteira estatal (alínea b),
do nº 1, art.º 23 da Lei 16/2013, de 12 de Agosto). E, considerando informações que são
veiculadas pela comunicação social e os resultados de estudos anteriores sobre imigração ilegal
em Moçambique, tráfico de drogas e de estupefacientes, tendo como ponto de entrada o
Aeroporto Internacional de Mavalane, a PF contesta a sua não inclusão no leque das FDS
instaladas neste posto de fronteira.
De acordo com o grupo de oficiais entrevistados, cabendo a esta força a função de garantir a
inviolabilidade do território nacional, impõe-se a sua colocação nesta. Ainda que ao SENAMI,
78
seja atribuída a autonomia de conceder permissões e recusas de entradas como saídas de
migrantes do território nacional, através da emissão de documentos oficiais de viagem, cabe em
última instância à PF aferir a legalidade dessas permissões. É a este órgão que se atribui a
responsabilidade de garantir a integridade da fronteira estatal e a sua inviolabilidade (Grupo de
Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).
A violação da fronteira neste cenário de Migrações, segundo o que se apurou destes, refere-se
“ao movimento realizado por um cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro, que atravessa a
fronteira estatal (seja pelo Posto de Travessia Oficial ou pela linha de fronteira verde) sem
documentação exigida para o efeito (Passaporte ou Certificado de Emergência)” (Oficial da PF
F2. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020).
Nesse sentido, o destacamento desta força neste aeroporto, poderia permitir que todas as
fronteiras estatais estivessem sob tutela das forças policiais com a responsabilidade de garantir
a sua integridade, verificando e averiguando as permissões que os órgãos do SENAMI
concedem aos cidadãos estrangeiros nos postos de travessia fronteiriça (Grupo de Oficiais da
Polícia de Fronteiras. Entrevista concedida em 17 de Janeiro de 2020). Para isso, torna-se
necessário potenciar esta força em termos de equipamentos e conhecimentos técnicos que
permitam o controlo efectivo das fronteiras estatais, não apenas a terrestre, mas também a
fluvial, a marítima e a aérea.
O controlo efectivo destas fronteiras poderia permitir o controlo dos fluxos migratórios de e
para o território nacional bem como dos crimes conexos à migração internacional, tais como a
imigração ilegal, o tráfico de pessoas, o tráfico de drogas, o descaminho, o contrabando e o
terrorismo.
79
4.5.1 Tipologias de violadores de Fronteiras
Tabela 6:
Quadro analítico das tipologias dos violadores de fronteiras
Tipos de
Caracterização Categoria
Violadores
a. os que atravessam a fronteira para realizar
compras de pequena necessidade;
b. ou que atravessam a fronteira para visitar Pessoas que
familiares separados pelo traçado da linha de pertencem a
Violadores Simples
fronteira; comunidades
c. ou ainda, os que atravessam a fronteira para das zonas
participar de cerimónias familiares, sejam elas fronteiriças.
fúnebres ou religiosas;
a. Fuga ao fisco; Normalmente
b. Pessoas que violam a fronteira para realizar são nacionais
compras avultadas; que pertencem a
Contrabandistas zonas não
c. Pessoas que fazem passar a mercadoria em contíguas às
zonas proibidas. linhas da
fronteira estatal.
35
a. Cidadãos estrangeiros de terceiro país que Cidadãos de
Imigrantes Ilegais atravessam as fronteiras nacionais sem a nacionalidade
documentação oficial exigida para o efeito estrangeira.
Nota: Tabela adaptada do autor a partir dos dados obtidos das entrevistas aos oficiais da PF.
O controlo migratório nos postos de travessia oficial, sejam eles terrestres, marítimos e aéreos,
opera-se em três linhas: i) controlo da 1ª Linha, que constitui o exame cursivo para a inspecção
35
Cidadão de terceiro país para a PF, refere-se a cidadãos dos países que não fazem fronteira com Moçambique,
ou a cidadãos dos países limítrofes com Moçambique, mas que usem Moçambique como corredor para alcançar
outro país.
80
rápida nos postos de fronteira, para a fácil detecção de recursos tácteis ou de identificação
visual; ii) Controlo da 2ª Linha, que é o exame realizado por Inspectores de Migração com
treinamento e equipamento simples; e, iii) Controlo de 3ª Linha, que corresponde a inspecção
realizada por especialistas forenses (ICAO, 2015a, p. 15).
Moçambique, adopta dois níveis de Inspecção Migratória nos postos de travessia de fronteira.
O Controlo de 1ª Linha, realizado por agentes do SENAMI nos guichés, realizando uma rápida
inspecção com vista a verificar a regularidade da documentação do cidadão estrangeiro que
pretenda entrar ou sair do território nacional. Este controlo é realizado através do sistema de
captação e verificação da autenticidade dos documentos em confrontação com o portador dos
mesmos.
O Controlo de 2ª Linha é realizado, ainda nos postos de fronteira, por Inspectores do SENAMI,
sempre que se presume irregularidades entre a documentação do migrante e as declarações por
ele prestadas. É neste nível que se operam as interdições de entrada e saída do território nacional
e também a aplicação de multas aos infractores da legislação migratória nacional.
Como destacam os oficiais do SENAMI, “os postos de controlo de segunda linha não têm
equipamentos de peritagem documental, daí não se compreender na essência, a eficiência e
eficácia do seu funcionamento” (Grupo de Oficiais do SENAMI, entrevista concedida em 17
de Dezembro de 2019).
A migração internacional não pode ser considerada na sua generalidade como má e indesejável.
Os riscos e ameaças a ela associados, resultam da construção de uma “guerra híbrida” na qual
estes movimentos são interpretados como ferramentas e ou armas contra os “vizinhos” (Nail,
2019). Este processo associa-se à doutrina legal de Malum in se, que considera todas ou quase
todas as acções que violam a lei moralmente erradas (Huemer, 2019).
81
Embora Huemer (Ibid.) esclareça duas vertentes em que estas acções podem ser interpretadas36,
subsume, ainda que com reservas, a restrição das migrações na vertente de mala proibita por
considerar que existem obrigações morais e políticas de respeitar a lei dos Estados receptores.
Suas reservas fundam-se na ideia segundo a qual os imigrantes ainda não teriam o dever de
obedecer às restrições de imigração dos Estados receptores, visto ainda não estarem nesse
território (Idem). É conflituante este argumento, na medida em que se um cidadão quer migrar
para outro território sob domínio de outra soberania deve informar-se, primeiro, dos requisitos
legais para entrada nesse território, mesmo considerando os migrantes forçados.
Assim, para Moçambique a imigração clandestina e a que, mesmo não o sendo no momento da
entrada no território nacional, cidadãos estrangeiros prestem falsas declarações do seu histórico
de vida, consideram-se imigrações proibidas (mala proibitium) justificando-se com base nos
argumentos de falta de clareza e obscuridade de seus objectivos. De acordo com as FDS, esse
tipo de imigrante “se furta de prestar os seus reais motivos de entrada neste e de não usar os
postos de fronteira habilitados para conceder autorizações de entrada no território nacional
porque suas intenções não são de paz” (Grupo de Oficiais da Polícia de Fronteiras. Entrevista
concedida em 17 de Dezembro de 2019).
Por isso, a estas categorias de imigrante tem-se como perigo à segurança interna. O Oficial da
PF F2, para sustentar esta ideia, toma como exemplo a situação de instabilidade política que se
vive em Cabo Delgado, afirmando que
“a maioria dos malfeitores que estão a ser combatidos nesta província são
estrangeiros. Essa guerra que não se sabe quem está por trás, pode ser que esteja a ser
alimentada por alguns estrangeiros que estão aqui no nosso país. Imigrantes
clandestinos. Não só, podem estar a recrutar pessoas e virem treiná-las em
Moçambique para desestabilizar o país, bem como desestabilizar outros países. Sua
presença põe em causa a segurança interna. Porque ele pode estar aqui a treinar
grupos para irem desestabilizar outros Estados. E esses Estados quando descobrirem
que esses grupos foram treinados em Moçambique, poderão colocar em causa o
36
O autor considera existirem duas perspectivas distintas de visualizar as acções erradas: podem ser erradas por si
mesmas (mala in se) ou erradas porque proibidas (mala proibita). As primeiras incluem acções que violam direitos
morais que as pessoas têm independentemente de o Estado reconhecê-los, tais os casos de assassinato, estupro e
roubo. São moralmente errados em qualquer sociedade e, por isso, o Estado não pode torná-los permitidas. As
segundas, variam de sociedade para outra. Estas são proibidas porque o Estado decidiu proibi-las. São os casos,
por exemplo, de prática de medicina sem licença. Só a é proibida porque o Estado assim o decidiu (Huemer, 2019,
pp.71-72).
82
relacionamento diplomático com Moçambique” (Oficial da PF F2. Entrevista concedida
em 17 de Janeiro de 2020).
Foi notório na explanação dos interlocutores, tanto do SENAMI como os da PRM, que muitos
dos estrangeiros que chegam a Moçambique com pedidos de asilo e requerentes do estatuto de
refugiados, não são, na essência, refugiados, mas aproveitam-se das fragilidades do sistema de
segurança e legal do país para obter esses documentos e, numa fase posterior viajarem para
outros países, tanto de África como para Europa e, desses países desenvolverem actividades
comerciais ilícitas em Moçambique.37
Sobre este aspecto, recorre-se à explanação dos Oficiais do SENAMI entrevistados, que
corroboraram em sua análise ao afirmar que muitos dos cidadãos com estatuto de refugiado em
Moçambique, que se apresentam com nacionalidade Congolesa e Ruandesa, são na essência
Burundienses.38 Igualmente, existe a percepção por parte dos órgãos de gestão das migrações
em Moçambique, do medo de os estrangeiros com estatuto de refugiado terem pertencido a
grupos de desestabilização em outros países africanos e poderem, a partir do exterior,
desenvolver as mesmas actividades subversivas no país.
Estas situações ocorrem, em parte, devido a abertura das fronteiras nacionais que permitiram a
que muitos cidadãos Ruandeses entrassem no país, com vistos de turistas, visitante e mais tarde
de negócio. Já em Moçambique e, pelas dificuldades acrescidas pelo agravamento dos valores
dos documentos oficiais de residência e para a prática do comércio, optam por se apresentarem
nos Centros de Refugiados como requerentes de asilo e de estatuto de refugiados. Destes
centros, e com o apoio dos imigrantes já estabelecidos em Moçambique, conseguem adquirir o
estatuto de refugiado e, disso, se apoiam para a prática de actividades económicas (Oficial do
SENAMI B2, entrevista realizada a 02 de Março de 2020).
37
Isto, de acordo com as respostas obtidas através dos interlocutores da pesquisa ao nível do SENAMI, ROSP e
PF.
38
Conjugação das respostas dos oficiais do SENAMI A1 e B2. Entrevistas concedidas em 28 de Novembro de
2019 e 2 de Março de 2020, respectivamente.
83
o Estado moçambicano adoptasse as recomendações da ICAO consubstanciadas no
Anexo 9, sob designação API System, que permite aos Estados conhecerem os detalhes
sobre informações dos passageiros e ou da tripulação, recebidos antes da partida ou
chegada do voo” (Entrevista realizada no dia 28 de Novembro de 2019).
O sistema, apoiado internamente em cada Estado-membro com uma estrutura legal, deve ser
consistente com os padrões internacionalmente reconhecidos para API. Visa colectar dados
biográficos de um passageiro, tripulante e detalhes do voo e transmiti-los electronicamente às
agências de controlo de fronteiras do país do destino como o de partida (ICAO, 2017a).
Essas situações são interpretadas por parte das FDS, como desenvolvimento de actividades de
inteligência pois, dos imigrantes que adquirem o Estatuto de Refugiado no país, uns abandonam
a posterior e voltam a instalar-se em países considerados de risco, outros vão para a Europa.
Neste sentido, considera-se que a fraca capacidade de gestão dos fluxos migratórios por parte
do Estado moçambicano, não só coloca em risco a segurança do país, como também a segurança
internacional. Assim, surge o perigo da prática de crimes de imigração ilegal, tráfico
internacional de pessoas, tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais, fuga ao fisco,
remessas de capitais através de mecanismos inadequados e outros crimes associados à migração
internacional, conforme previsto no Protocolo de Palermo.
39
De acordo com Seda (2017), estes países são considerados de risco para a segurança pois seus cidadãos são
associados a crimes de falsificação de documentos, tráfico de seres humanos e de órgãos humanos e terrorismo.
84
Relativamente aos crimes de tráfico de drogas, a fonte do SENAMI entrevistada, reporta
situações de retenção e detenção de “mulas”40 no Aeroporto Internacional de Mavalane, com
maior incidência para passageiros provenientes do Brasil, passando de Adis-Abeba e do Quénia
(Oficial do SENAMI C2. Entrevista realizada em 14 de Janeiro de 2020).
O tráfico internacional de pessoas configura aquilo que se designa “escravatura moderna” pois,
trata-se de uma prática que envolve o aliciamento e pagamento das despesas de deslocação do
país de origem ao país de destino. Nestes, as pessoas traficadas são colocadas a trabalhar por
um determinado período de tempo, sem salários, a favor de quem suportou as despesas de sua
viagem.
Para a ilustração deste caso, o Oficial do SENAMI B3, afirma que “um cidadão Burundiense
com residência em Moçambique, envolveu-se no crime de tráfico de pessoas para empregá-las
em seu estabelecimento comercial” (Entrevista realizada no dia 22 de Novembro de 2019).
Outrossim, são evocadas situações de casamentos de conveniência, onde alguns dos
estrangeiros contraem casamentos “arranjados” com cidadãs moçambicanas e, disso se
apoiarem para a obtenção da nacionalidade moçambicana.
Estas situações mostram o quão fragilizado o Estado está perante situações de gestão de
imigrantes que se não conhecem na essência. Estes factos, colocam a segurança interna do
Estado moçambicano em perigo. Os princípios de gestão de segurança interna dos Estados
baseiam suas acções em informações consistentes fundados no trabalho de inteligência.
Bigo (2006), fazendo referência ao trabalho de Graham Alisson, destaca que o trabalho de
inteligência sobre pessoas em movimento constitui a chave do sucesso contra todos os males
gerados pela liberdade de circulação de pessoas. É da mesma forma que o oficial do SENAMI
A2, defende ser “impossível obter níveis aceitáveis de segurança com pessoas que não se
conhecem” (Entrevista concedida no dia 22 de Novembro de 2019).
Reside, desta forma, o receio dos profissionais de segurança relativamente a este tipo de
imigrante. Como julgado por Bigo (2006), o sonho das agências de segurança consiste na
previsão mais próxima possível dos cenários futuros e inibir que pessoas possam cometer
ilícitos, muito antes que eles aconteçam. Desta forma, os profissionais de segurança procuram
realizar a análise de prospecção baseada em conhecimentos estatísticos, correlações hipotéticas
40
Expressão usada para designar as pessoas envolvidas no tráfico de drogas, transportando-a através da ingestão
no seu organismo.
85
e supostas tendências e, através disso, anteciparem o futuro em termos de piores cenários e
trabalharem para prevenção (Idem, 2005). Por outro, os Estados reforçam os controlos
fronteiriços e adoptam novas tecnologias de vigilância, categorizando os grupos em perfis de
risco, numa tentativa de antecipação de comportamentos indesejados (Rodrigues, 2010).
Justifica-se, desta forma, a criação de perfis migratórios, com os quais se acredita que a
antecipação do comportamento dos indivíduos ou de grupos, seja elemento suficiente para agir
(Bigo, 2006).
86
CAPÍTULO V – CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E
CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO
Para a resposta a estas questões, o pesquisador delineou a pesquisa com recurso a entrevista
semiestruturada, conforme o Apêndice A, como técnica principal de recolha de dados, auxiliada
pela observação directa e oculta (Apêndice B) realizada no Posto de Travessia do Aeroporto
Internacional de Mavalane, em ambiente de chegada de voos internacionais.
Foram entrevistados 20 oficiais seniores das FDS, conforme a Tabela 1 – distribuição dos
respondentes pelos sectores de actividade, no Capítulo III – metodologia de pesquisa, secção
3.5 – população e amostra.
Dos dados obtidos pela aplicação destes instrumentos de pesquisa importa, neste capítulo
apresentar as conclusões, as recomendações e as possíveis contribuições do estudo para a
melhoria dos processos de gestão das migrações em Moçambique.
5.1 Conclusões
Os resultados obtidos com a prossecução da pesquisa levam a crer que foram alcançados os
objectivos a que o estudo se propunha, visto que da pesquisa, se pôde observar que a migração
internacional em Moçambique constitui em si um desafio para as FDS, no que concerne à sua
gestão.
87
e de jazigos de carvão mineral e pedras preciosas nas províncias de Tete, Nampula, Cabo
Delgado, Manica e Gaza e, outros, servindo-se deste como corredor para alcançar outros
destinos, como a África do Sul, Europa, América e China.
Embora nos últimos dois anos, o clima de paz pareça estar ameaçado com os ataques que
assolam o país a norte da província de Cabo Delgado, é ponto assente que os fluxos migratórios
não mostram tendências de abrandamento. E, segundo o que o estudo apurou, parte dos
imigrantes que entraram no país com objectivos obscuros, pode estar na origem desta violência
nesta parcela do país, facto que em si, torna estes movimentos em desafios para o sistema de
segurança interna do país.
Pelo que, urge a necessidade de se aprimorarem os sistemas de registo daqueles, como forma
de se potenciar o controlo e fiscalização migratórios em Moçambique.
88
b) Elaboração e difusão de uma Política de Migração
Uma Política de Migração como instrumento da acção do poder público, pode ser entendida
como um corpo de decisões e de medidas para acção, visando trazer respostas efectivas aos
problemas de regulação dos fluxos migratórios e seus efeitos. O processo de sua elaboração,
como qualquer outra política pública, começa com a previsão ou identificação do problema, a
inscrição na agenda política, à formulação e escolha de soluções, a tomada de decisão que se
constitui em uma política efectiva a ser executada, sua implementação visando a solução do
problema e à avaliação (Tinoco, 2010).
O Estudo conclui pela ausência deste tipo de Política em Moçambique. Esta política, deve
orientar os processos de gestão das migrações nos contextos de controlo das fronteiras e dos
impactos internos do Estado moçambicano, como forma de alinhar as práticas internas aos
pressupostos universais que pautam o processo de abertura de fronteiras.
Sobre este aspecto, impera que o Estado moçambicano no acto de abertura de fronteiras
internacionais para a maior circulação de pessoas e bens – facto ocorrido através do Protocolo
da SADC sobre facilitação da mobilidade de pessoas, aprovado pelos chefes de Estados da
região da SADC, em 13 de Julho de 2005 e da Resolução 21/2001, que extingue o visto de
passaporte para a Comunidade dos Países da Língua Portuguesa –, devia ter potenciado as
medidas de fiscalização e controlo efectivos sobre a extensão das suas fronteiras estatais e
aprimorado os processos investigativos sobre pessoas que queiram entrar no país.
Porque estas medidas não se fazem sentir a nível dos controlos fronteiriços, as quais seriam
corporizadas em uma política, a gestão das migrações em Moçambique é feita através de
medidas paliativas, dispersas em documentos legais de diferentes sectores de actividade, o que
dificulta o trabalho das FDS no contexto da gestão dos riscos a estes fenómenos associados.
Do ponto de vista da pesquisa, a abordagem securitária das migrações tem como base a
instituição do estado de emergência no controlo dos fluxos migratórios (Bigo, 2005, 2006).
Neste estado, a gestão migratória insere-se no contexto da vigilância dos perfis populacionais,
no seguimento das recomendações do Conselho de Segurança da ONU, através das Resoluções
1267 (1999) e 1989 (2011) sobre a obrigatoriedade de as companhias aéreas fornecerem
informações antecipadas às autoridades nacionais dos Estados sobre pessoas alistadas como
terroristas ou a estas situações relacionadas. Neste contexto, as forças policiais e agências de
inteligência dos Estados desenvolvem acções de colaboração e troca de informações,
89
justificadas pela necessidade de identificar e bloquear suspeitos de cometer ilícitos, antes que
eles ocorram em seus territórios (Bigo, 2005).
Estas situações são agravadas ainda, pelas lacunas do quadro jurídico legal que rege os
processos migratórios, notado que, apresenta ambiguidades exacerbadas de percepção do seu
real alcance. Como exemplo desta problemática, cita-se a questão do Visto de Fronteira que, de
acordo com a lei, pode ser atribuído na fronteira para fins turísticos ou até para cidadãos
estrangeiros que, por razões devidamente fundamentadas, não tenham podido solicitar o
respectivo visto correspondente (Cfr. a nova redacção do art.º 21, do Decreto n.º 108/2014, de
31 de Dezembro, introduzida pelo Decreto n.º 3/2017, de 22 de Fevereiro).
São situações destas que, para além de criar embaraço de interpretação por parte dos agentes e
autoridades migratórias envolvidas no processo de fiscalização interna, podem fomentar
situações de crescimento exponencial de imigrantes irregulares, na medida em que muitos se
socorrem deste tipo de Visto para entrar em Moçambique e, estando neste, recorrem a
dissimulações para se escapulirem das autoridades de controlo. É, também, factual que estas
incongruências podem fomentar a corrupção de agentes operativos que, ao interpelarem os
migrantes nestas situações de irregularidades possam “fazer vista grossa” em troca de favores
monetários.
Por outro lado, os sistemas de gestão e controlo dos imigrantes no território nacional, por
envolver actividades de policiamento físico, favorecem para a ineficácia destas actividades.
Como defendido em Foucault (1999), este tipo de vigilância dilui o poder fiscalizador, pela
intervenção directa dos vigilantes em meio aos vigiados, tornando-os conhecidos. Estas
situações dificultam o processo de recolha de informações e incrementam casos de
clandestinidade de imigrantes no território nacional.
90
d) Necessidade de integração plena da base de dados da cadeia de identidade de
cidadãos com registo em Moçambique no PKD
É, por via destas deficiências, que a Conferência Ministerial sobre Segurança da Aviação Civil
e Facilitação em África, realizada em Windhoek, na Namíbia, de 4 a 8 de ABRIL de 2016,
recomendou que, mesmo que os Estados invistam no desenvolvimento de documentos de
identificação e de viagem de leitura automática (MRTD), pouco ou nenhum valor acrescentado
terão se não estarem integrados no PKD e nem seguir os padrões de certificação do PKI.
Outrossim, é a dificuldade que os inspectores da migração terão para identificar a fraude em
eMRTD´s que não participam do Directório de Chaves Públicas da ICAO (PKD), ainda que
estes não tenham assinatura digital correcta (CIA, 2011).
91
respeito aos padrões internacionalmente recomendados, daí Moçambique estar associado aos
países facilitadores da imigração na região austral de África e do Mundo em geral.
Por esta via, ganha eco o posicionamento da PF em relação ao controlo das fronteiras aéreas no
território nacional. Segundo estes, não faz sentido a sua não inclusão no conjunto das FDS
afectas nos aeroportos internacionais de Moçambique se a responsabilidade de garantia da
integridade da fronteira é, ainda que não de forma exclusiva, sua. Para além desta tarefa, há que
observar também os aspectos dos crimes conexos a migração internacional que, nos termos da
Lei n.º 16/2013, de 12 de Agosto, são áreas de responsabilidade desta força, tais são os casos
dos crimes de tráfico de drogas, tráfico de pessoas e de órgãos humanos, imigração ilegal,
contrabando e descaminho.
No que respeita aos desafios concretos de segurança para o Estado moçambicano, o estudo
conclui que nem todas as migrações são consideradas más e indesejadas, apenas aquelas que se
subsumem na doutrina de mala proibita (Huemer, 2019). São tidas neste contexto de risco e
ameaças à segurança interna as migrações clandestinas e as que, mesmo não o sendo, no
momento da entrada no território nacional, o imigrante presta falsas informações sobre o seu
histórico de vida.
92
Associa-se a esta categoria de imigração situações que possam perigar a segurança interna, tais
são os casos de subversão, terrorismo, casos de oficiais de inteligência de outros países,
criminalidade organizada transnacional, tráfico de armas, tráfico de drogas, trafico de pessoas
e de órgãos humanos, branqueamento de capitais, fuga ao fisco, remessas de capitais através de
mecanismos inadequados, e outros previstos no Protocolo de Palermo, para além de situações
de casamentos de conveniência para a obtenção da nacionalidade moçambicana por parte dos
imigrantes.
O tráfico internacional de pessoas torna-se mais preocupante ainda por configurar aquilo que
se designa de “escravatura moderna”, pois envolve o aliciamento e pagamento das despesas de
deslocação do país de origem para Moçambique onde as pessoas traficadas são colocadas a
trabalhar por um determinado período de tempo, sem salários a favor de quem suportou as
despesas de sua deslocação.
É importante que se chame atenção sobre estes discursos de associação dos migrantes
internacionais aos crimes acima descritos, visto parecerem estereotipados e discriminatórios.
No âmbito da defesa de interesses nacionais dos Estados, as agências de segurança, forças
policiais e os discursos de securitização das migrações, tendem a associar o migrante a actos
criminais, sendo visto como uma ameaça ao status quo da ordem social, económica e política
estabelecida. Este pensamento é perfilhado em estudos de Werner (1990), Kephart (2006),
Adamson (2006), Ferreira e Rodrigues (2013) e Seda (2017). Para o caso específico de
Moçambique, é assim fundamentado porque como apresentado por Wetimane (2012), o
cruzamento das fronteiras neste prisma das migrações internacionais é assunto de Estado.
93
Ainda nestes estudos, uma outra corrente de pensamento se destaca. Trata-se da corrente
académica que aborda as Migrações no contexto do desenvolvimento das nações. A mesma
corrente, é partilhada pelas Nações Unidas. Esta, olha para o migrante como elemento essencial
no processo do desenvolvimento, tanto do país de acolhimento, como do país emissor, através
dos processos de remessas, que na visão de autores como Kapur (2004), Raimundo (2009),
Ratha (2015), Schmitz (2015), Feijó e Raimundo (2018) constituem instrumentos mais
efectivos de distribuição de renda, redução de pobreza e de crescimento económico, nos países
de origem dos migrantes e nos de acolhimento.
É, por isso, que se torna necessário o tratamento dos migrantes tendo em conta os fundamentos
da necessidade de, apenas, bloquear aqueles que possam constituir ameaça e riscos de segurança
e não num processo de globalização das ameaças para todo o tipo de migrante, visto que, parte
deles envolve-se nos processos de desenvolvimento económico e social dos países. Este
trabalho, apenas será possível através do aprimoramento das medidas investigativas sobre
pessoas que queiram viajar para Moçambique.
A acrescer aos factos acima narrados, está também a questão da ausência de mecanismos claros
de triagem de requerentes de asilo e refugiados nos postos de travessia, bem como nos postos
de atribuição destes documentos. Foi apurado que em tempos, funcionou ao nível do Ministério
do Interior, uma Comissão Consultiva, dissolvida em 2011, e que lidava com estes aspectos,
daí se considerar estes grupos de imigrantes como constituintes de perigo à segurança interna,
na medida em que fomentam situações de corrupção entre agentes das FDS, garimpo ilegal dos
recursos naturais e tráfico internacional de pessoas.
Igualmente, os requerentes de asilo e refugidos em Moçambique são vistos como pessoas que
solicitam estes documentos, apenas para a facilitação da mobilidade e alcançarem outros pontos
do mundo, tal como a Europa e de lá poderem financiar actividades ilícitas em Moçambique.
Estas situações são entendidas como mostrando a fraca capacidade do Estado moçambicano em
gerir de forma eficaz os fluxos migratórios no seu território e, por isso, estando na origem dos
riscos associados à segurança interna do país, como também da segurança internacional. É por
via disto que Estados, principalmente europeus e a América do Norte, adoptam sistemas de
94
vigilância baseados na criação de perfis de imigrantes, como forma de prever os possíveis
cenários de insegurança e agir de forma antecipada para inibir a sua efectivação (Bigo, 2005).
5.2 Recomendações
Destarte, as recomendações suscitadas a partir do Estudo dividem-se pelas áreas das FDS
directamente visadas na gestão dos movimentos migratórios, sob ponto de vista de definição de
políticas públicas de segurança e de gestão migratória, da protecção e guarda da fronteira estatal
ou da gestão dos processos de entrada, fixação e saída de pessoas do território nacional.
a) Desenho, aprovação e difusão de uma Política de Migração para a gestão eficiente e eficaz
dos fenómenos migratórios. Esta política deve, de entre outros aspectos, prever:
i. aspectos relativos a economia do país, no sentido de prevenir situações de remessas
por meios inadequados;
ii. as taxas de emprego;
iii. segurança do país contra situações de terrorismo, subversão, criminalidade
organizada transnacional e outros crimes previstos no Protocolo de Palermo;
iv. identidade nacional;
v. processos de integração dos imigrantes; e,
vi. o perfil dos migrantes que Moçambique está apto a receber.
95
conheça e preveja os comportamentos indesejados, que possam pôr em causa a segurança
interna e poder agir de forma antecipada para a sua prevenção e combate;
96
medida de melhor gestão e controlo sobre os números reais discriminados pelas
nacionalidades, localização dos mesmos no território nacional, actividades praticadas,
contactos próximos, etc.;
97
estatal. É importante o conhecimento deste instrumento por parte dos implementadores
visto ser o instrumento que define as linhas de orientação no âmbito da segurança
fronteiriça.
Os desafios expostos no estudo fazem referência a questões que reportam aos processos de
gestão a nível das fronteiras estatais, dos fluxos migratórios nas fronteiras e dentro do território
nacional por parte das FDS responsáveis por estas missões.
98
E, como demonstrado ao longo de todo o trabalho, para as FDS estes processos merecem seu
tratamento no âmbito do paradigma securitário. São vários os exemplos trazidos no estudo sobre
o processo de associação dos imigrantes a questões de segurança, não significando isto que todo
o imigrante seja criminoso, mas estando as FDS em estado de emergência para gerir possíveis
comportamentos que atentem contra ordem e segurança pública, quer ao longo das fronteiras
nacionais, quer dentro do território nacional.
Embora o estudo aponte algumas das razões que concorrem para estes discursos da necessidade
de abordagem das migrações internacionais em Moçambique do ponto de vista do paradigma
securitário, não é menos verdade que este constitui o primeiro passo para a compreensão da
globalidade destes fenómenos a nível interno. Como defendido por Buzan e Hansen (2009),
sendo o conceito de segurança uma construção social de cada estado, as formas de gestão dos
fenómenos migratórios em Moçambique, ainda que se possam inspirar nos modelos
internacionais, em especial, os adoptados na Europa e nos Estados Unidos de América, devem
ser construídos internamente, focalizando o que o Estado moçambicano considere seus valores
centrais a serem protegidos no contexto das FDS.
De modo igual, e como apresentado ao longo do trabalho no ponto 4.2 – Caracterização dos
fluxos migratórios em Moçambique, impõe-se o exame dos fluxos migratórios em profundidade
em Moçambique, como forma de se chegar aos números exactos dos que chegam ao país por
meio de todo o tipo de transporte e pelas diferentes fronteiras nacionais. É por via das
dificuldades reveladas pelos órgãos de gestão destes fenómenos, quanto ao registo e gestão dos
mesmos, que não se conhece com exactidão os números dos estrangeiros que vivem em
Moçambique, sua caracterização no que toca às nacionalidades, actividades praticadas, seu
contributo para o desenvolvimento do país, etc.
Por via desta e de outras razões devidamente fundamentadas ao longo do trabalho, considera-
se esta pesquisa, o passo inicial para a discussão dos fenómenos migratórios em Moçambique
no contexto dos desafios de segurança que estes podem acarretar, como também às questões
que remetem às políticas para a sua gestão.
99
5.4 Contributos do estudo
A abordagem securitária das migrações em Moçambique constitui uma valência para o Estado
moçambicano, na adopção de ferramentas capazes de auxiliar na gestão dos fluxos migratórios
e, desta forma, concorrer para o debate sobre a construção de políticas públicas de segurança
interna no país.
Podem ainda ser geridos os fluxos migratórios a montante, por meio da instituição de oficiais
de ligação, colocados junto dos aeroportos dos Estados que maiores fluxos de imigração geram
para Moçambique.
Constitui também uma mais valia para o incremento de conhecimentos na área de gestão
securitária das migrações em Moçambique, podendo constituir-se assim num acervo
bibliográfico para a Academia de Ciências Policiais e do Serviço Nacional de Migração.
100
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estrangeiros, relativo à entrada, permanência e saída do País. Maputo: Imprensa nacional
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Nacional de Moçambique, E.P.
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em Moçambique. Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique, E.P.
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Protocolo Adicional à Convenção de Genebra relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967).
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Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição
do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças.
110
APÊNDICES
111
APÊNDICE A – GUIÃO DE ENTREVISTA PARA OS ÓRGÃOS DE GESTÃO DAS
MIGRAÇÕES EM MOÇAMBIQUE
112
3. Como é feita a gestão de cidadãos estrangeiros em Moçambique?
A. Gestão de cidadãos estrangeiros no território nacional
3.1 Que categorias de imigrantes Moçambique recebe?
3.2 Existe uma base de dados para o seu controlo?
3.3 Admitindo a possibilidade de existirem muitos imigrantes no país, outros com a
documentação válida e outros não, como acha que escapam ao sistema de controlo
e fiscalização, tanto nos pontos fronteiriços como no território nacional?
3.4 Existe uma política de migração? Se sim, qual e o que prevê?
113
4.5 Como pode ser controlado o fenómeno de imigração em Moçambique?
FIM
OBRIGADO
114
APÊNDICE B – GRELHA DE OBSERVAÇÃO
115