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MACEIÓ
2017
ANNA VIRGÍNIA CARDOSO DA SILVA
MACEIÓ
2017
À Vicência, André e Anne.
AGRADECIMENTOS
Quero externar meus agradecimentos àquelas pessoas que foram fundamentais durante
a elaboração dessa dissertação, a começar pelo meu orientador professor Emerson Oliveira do
Nascimento, a quem sou grata pela dedicação, condução e paciência durante a construção
deste meu trabalho.
Gratidão aos professores Júlio Cezar Gaudêncio, Fernando Rodrigues, Anabelle Lages
e Jordânia Souza, que acompanharam o desenvolvimento deste trabalho, sempre dispostos a
contribuir com comentários enriquecedores.
A professora Palloma Menezes, pela atenção dedicada a este trabalho durante minha
passagem pelo IESP-UERJ, o que me possibilitou novas reflexões e a ampliação do olhar
sobre o desenvolvimento do trabalho de campo, muito obrigada!
Sou igualmente grata aos professores e professoras do PPGS/UFAL, que ao longo
desses dois anos me possibilitaram a oportunidade de aprender e evoluir academicamente.
Também aos funcionários da secretaria e coordenação, registro aqui meus agradecimentos
pela presteza.
Agradeço ainda o apoio da CAPES, que me concedeu bolsa de estudo ao longo do
mestrado.
Aos membros do Núcleo de Inquéritos Policiais do Ministério Público, a equipe da
Delegacia de Homicídios da Capital, da Central de Inquéritos Policiais Pendentes e das Varas
do Tribunal do Júri de Maceió, pelo acolhimento e a disposição em contribuir com este
trabalho, minha gratidão a todos!
Aos meus queridos amigos conquistados durante essa trajetória, Andréa Laís, Flávia
Carneiro, Beatriz Vilela, Ana Carolina, Amanda Lorena e Adson Amorim, agradeço pela
amizade, as boas conversas, pelos ensinamentos, trocas de conhecimentos e vivências.
À minha amiga Amanda Balbino pela parceria durante o trabalho de campo nas Varas
Criminais.
Aos colegas do LESP, pelos momentos de partilha de conhecimento.
Meu agradecimento especial a minha mãe, sempre presente em minha vida a quem
agradeço todos os dias e aos meus irmãos pelo companheirismo, compreensão e apoio
constantes.
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo analisar a dinâmica de processamento dos crimes de
homicídios dolosos na cidade de Maceió (AL), a partir da execução do Programa do Governo
Federal Brasil Mais Seguro implantado em 2012, sobretudo na produção dos inquéritos
policiais que contou com a participação da polícia judiciária da Força Nacional de Segurança
Pública entre os anos de 2012 e 2015. Para tanto, buscou-se a partir de um dos eixos do
Programa: a melhoria na investigação das mortes violentas, compreender como as medidas
adotadas durante o processo de implantação do Brasil Mais Seguro possibilitou uma possível
(re)organização do Sistema de Justiça Criminal em Maceió. Nesse sentido, sucessivos
episódios decisivos nesse processo serão apresentados e analisados, bem como uma amostra
de inquéritos policiais de homicídio dolosos, na busca por melhor entendimento quanto ao
cenário dos inquéritos policiais em Maceió e os efeitos da atuação da Força Nacional de
Segurança Pública.
The purpose this dissertation is to analyze the dynamics of prosecution of willfull homicide
crimes in the city of Maceió (AL), as a result of the implementation of public policy Brasil
Mais Seguro implemented in 2012, especially for production of police inquiries with
participation of the judicial police of Força Nacional de Segurança Pública between the years
2012 and 2015. Thus it seek from one of the axes this public police: the improvement in the
investigation of violent deaths, to understand how the measures adopted during the
implantation of Brasil Mais Seguro to enabled a possible (re)organization of the Criminal
Justice System in Maceió. In this sense, successives and decisives episodes in this process
will be presented and analyzed, as well as a sample of police homicide investigations in the
search for a better understanding of the scenario of police investigations in Maceió and the
impacts of Força Nacional de Segurança Pública.
Key words: Police Inquiry; Homicide; Criminal Justice System; Brasil Mais Seguro; Força
Nacional; Maceió.
LISTA DOS QUADROS
MJ – Ministério da Justiça.
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 01
ANEXOS............................................................................................................................... 154
Regem as boas normas acadêmicas que a introdução seja um espaço para a síntese do
texto, uma apresentação sobre o tema abordado. No entanto, peço licença para fugir um pouco
do convencional, bem como do aspecto impessoal na escrita, para explicar a trajetória dessa
investigação, pois os fatos narrados a seguir foram redesenhando a pesquisa, até que ela
adquirisse o corpo em que se apresenta. Faço essa escolha por considerar que a descrição do
caminho percorrido durante a investigação será importante para compreensão das páginas que
se seguem.
No decorrer de uma pesquisa, lidar com os imponderáveis ainda é, sem dúvidas, um
dos maiores desafios para um pesquisador. Por mais que os objetivos estejam definidos, o
método alinhado e o problema claro, situações práticas presentes no cotidiano do campo
levam a surpreendentes acontecimentos que ocorrem sem permissão, sem licença e mudam a
ordem dos fatos. O que era definido, compilado e claro, passa a ser revisto, repensado e
redesenhado, dando novos sentidos para o trabalho.
Durante minha graduação em Ciências Sociais, atuando como pesquisadora no Núcleo
de Estudos Sobre a Violência em Alagoas (NEVIAL) da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), tive a oportunidade de participar de uma pesquisa de Iniciação Científica sobre a
dinâmica dos padrões de homicídios em Maceió e Região Metropolitana. Nesse período, entre
leituras e coleta de dados, passei a me interessar pela dinâmica de funcionamento do Sistema
de Justiça Criminal, especificamente me inquietava como a justiça criminal estava lidando
com o processamento dos casos de homicídio em Maceió, considerada uma das capitais mais
violentas do país.
Embora não fosse esse o tema da pesquisa, segui esse curso paralelamente, me
dedicando precisamente em conhecer um pouco mais sobre o chamado “efeito funil” da
justiça criminal, descrito por Sergio Adorno (2002), como a “imagem flagrante do Sistema de
Justiça Criminal”, referindo-se à área na qual os crimes são oficialmente registrados em
detrimento ao lado estreito do gargalo, região onde se situam aqueles crimes cujos autores
chegaram a ser processados e por fim acabaram sendo condenados. Esse efeito contribui para
disseminação do sentimento de medo, insegurança e principalmente de impunidade. A ideia
da ausência de punibilidade pela justiça criminal.
Nessa linha de análise, surgem os estudos de fluxo do Sistema de Justiça Criminal, que
se caracterizam pelo estudo do processamento dos dados produzidos com base nas decisões
1
tomadas pelas agências que compõem o Sistema de Justiça Criminal (Polícias Militar e Civil,
Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário e Sistema Prisional). Esse tipo de
informação possibilita calcular o percentual de casos que, registrados pela polícia, conseguem
passar de uma fase a outra “sobrevivendo” até a sentença. A partir dessas informações, pode-
se avaliar tanto a eficiência do sistema quanto a probabilidade de punição pela prática de um
dado crime (VARGAS, 2004; CANO, 2006; RIFIOTIS, 2006; RATTON E CIRINO, 2006;
MISSE E VARGAS, 2007; ADORNO, 2002, 2008; RIBEIRO, 2010).
Tomando por inspiração os estudos realizados, passei a dividir minhas inquietações e
dúvidas durante as reuniões da pesquisa e fui incentivada por meu orientador a escrever sobre
o tema. Assim sendo, dava-se início a minha inserção e de certa forma peregrinação em busca
das informações necessárias para o desenvolvimento do trabalho, dessa vez já no âmbito do
mestrado em Sociologia.
A priori, a finalidade da pesquisa era realizar uma análise sobre o fluxo do Sistema de
Justiça Criminal de Maceió para o delito de homicídio na série histórica de 1990 a 2010, mais
precisamente, na fase que vai do registro da ocorrência policial até a denúncia efetuada pelo
Ministério Público, ou seja, caminharia pela fase policial ou etapa pré-processual, como se
refere os operadores do direito. Buscava compreender quais fatores facilitam, direcionam,
limitam e potencializam a operacionalização institucional do processamento dos casos de
homicídio em Maceió. Entretanto, durante a realização do trabalho de campo, a pesquisa foi
ganhando outros contornos a partir da busca pelas informações necessárias.
Inferem Vargas e Ribeiro (2008), que um dos maiores impedimentos na realização de
trabalhos sobre o fluxo da justiça criminal, são os obstáculos do acesso a informação
encontrados pelo pesquisador. Questões que vão desde a existência do dado, passando pela
autorização dos responsáveis pelos órgãos governamentais até a qualidade dos dados
sistematizados. Essas barreiras fazem com que a produção de estudos dessa natureza tornem-
se tímidos.
É perceptível a resistência por parte das instituições governamentais em relação ao
desenvolvimento de sistemas de informações apesar dos avanços da modernização
tecnológica, o que fica evidente quando pensamos que os investimentos em setores dessa
competência no âmbito da segurança pública e justiça criminal no Brasil só foram se
formando a partir dos anos 2000. “Como não veem utilidade nenhuma na produção de
estatísticas e indicadores, os operadores das organizações do Sistema de Justiça Criminal
tendem a negligenciar a produção dessas informações” (BEATO, 2000, p. 90). Em Alagoas a
2
situação não se difere, mas ganha contornos mais dramáticos, resultantes da conjuntura de
violência e criminalidade ocorrentes no estado, bem como da fragmentação do Sistema de
Justiça Criminal.
Em decorrência da experiência na pesquisa anterior sobre padrões de homicídios, tinha
clareza de onde conseguir informações sobre os registros de ocorrências por parte da Polícia
Militar, mas a Polícia Civil e o Ministério Público eram ambientes até então desconhecidos.
Desta forma, decidi começar pelo Ministério Público Estadual de Alagoas, dando início,
assim, a muitas idas e vindas à instituição. A falta de conhecimento dos próprios operadores
quanto à gestão da informação ficou evidenciada na busca pelos dados do Ministério Público,
foram vários fragmentos de informações para encontrar o núcleo de inquéritos policiais e
confirmar a existência ou não dos dados sistematizados.
O começo dessa peregrinação ocorreu em Maio de 2015, na sede da instituição, prédio
localizado em uma região onde funcionam vários centros comerciais da cidade no bairro do
Poço, foi meu primeiro contato. Entrei no Ministério Público, passei pelo detector de metais e
segui para o balcão de informações. Expliquei à atendente o motivo da minha visita e
perguntei pelo setor onde poderia conseguir tais informações, buscava pelo núcleo de
inquéritos policiais. Ela respondeu, com um ar confuso, de quem não sabia ao certo como me
orientar, assim pediu que me dirigisse a outro setor, saí percorrendo os corredores em busca
de alguma informação, até que cheguei à secretaria do gabinete da procuradoria geral de
justiça, onde fui atendida por um dos assessores. Nesse percurso, as informações repassadas
pelos operadores eram truncadas, em relação à existência ou não dos dados sistematizados, até
o momento em que o assessor foi até a sala de um dos promotores presentes no local para
perguntar “se ele sabia de alguma coisa”. Então, voltou com um pedaço de papel e me
entregou dizendo que: “talvez lá eles possam informar melhor”.
No papel tinha anotado o endereço das Promotorias Criminais da Capital e do Fórum
da Capital, ambos localizados em um bairro distante da sede. Agradeci e, uma semana depois
de visitar o Ministério Público, segui para as Promotorias Criminais. Ao entrar no prédio fui
informada por uma moça que naquele momento não havia ninguém para me atender, o
promotor que poderia me ajudar não estava e que eu deveria voltar outro dia. Perguntei se ali
funcionava o núcleo de inquéritos policiais. Passando o olhar pela lista com os ramais ela
balança a cabeça negativamente dizendo não saber de certeza. Passado alguns minutos, na
dúvida com relação ao setor, ela acaba confirmando a existência do Núcleo de Inquéritos
3
Policiais do Ministério Público (NIMP), mas reforçou que no momento não tinha como
ajudar.
Sendo assim, decidi seguir para o Fórum que fica a poucos metros dali. Não entendi,
no primeiro momento, o porquê do encaminhamento ao Fórum, mas resolvi arriscar. Ao
chegar, procurei por informações em uma das três Varas do Tribunal do Júri e a escrivã, com
uma expressão perdida, mas prestativa, pediu que eu aguardasse que ela iria se informar.
Nesse momento, eis que uma mulher entrou na sala e posicionou-se ao meu lado, ela escutava
nossa conversa atentamente e de repente nos interrompeu se apresentando como promotora e
que talvez pudesse me ajudar, é o “quantitativo dos inquéritos que você quer, certo?”
Perguntou ela. Expliquei a promotora que procurava pelo quantitativo das denúncias
realizadas pelo Ministério Público. Ela então respondeu que essa informação somente nas
próprias promotorias criminais, uma vez que o NIMP, não possuía esse tipo de informação,
ele atua como um distribuidor repassando os inquéritos às promotorias e varas criminais, não
há um controle gerencial desses inquéritos por parte do núcleo, quem exerce essa função é a
corregedoria em virtude do encaminhamento dos relatórios mensais realizados pelas
promotorias da capital.
Durante a conversa na Vara, a promotora perguntou se eu conhecia a Diretoria
Adjunta de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça de Alagoas (DIATI), respondi
que não, rapidamente ela falou que o DIATI talvez disponha das informações que eu
precisava e explicando que ele funcionava em um anexo do Tribunal de Justiça de Alagoas no
centro da cidade, disse-lhe que no momento somente tinha disponível uma carta de
apresentação e um pedido direcionado ao Ministério Público, a promotora respondeu que não
tinha problema e completou: “pode ir que vou ligar avisando da sua visita”. Como o prédio do
Tribunal de Justiça fica localizado no centro da cidade, um pouco distante de onde me
encontrava naquele momento e em decorrência do horário, chegaria ao final do expediente,
logo deixei para ir ao local no dia seguinte.
Chegando ao Poder Judiciário de Alagoas, logo encontrei uma placa identificando o
DIATI. Subi as estreitas escadas em espiral e deparei-me com uma porta de ferro, com um
interfone e uma câmera direcionada para entrada, a porta estava entreaberta e mais adiante um
rapaz ao perceber minha presença autorizou a entrada. Ao seguir em frente, cheguei até a
recepção onde uma senhora perguntou no que poderia me ajudar, apresentei-me novamente
explicando o motivo da minha visita, algo que se repetiu durante toda a pesquisa nas
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instituições por onde passei, tinha sempre que começar do zero (MONROY; 2015)1. Antes
que eu terminasse fui conduzida para outro cômodo e pelo caminho tinham várias caixas
espalhadas pelo corredor, a recepcionista explicou que eles estavam de mudança para o prédio
do Tribunal de Justiça e em alguns dias deixariam o anexo.
Entrei em uma sala com alguns computadores e fui apresentada a um dos técnicos,
quando ia começar a explicar mais uma vez o motivo da minha visita, ele interrompeu minha
fala dizendo saber do que se tratava e em seguida puxou uma cadeira ao seu lado e me
apresentou ao E-Saj – Sistema de Automação da Justiça, uma ferramenta digital que
possibilita o acompanhamento dos processos e, com as informações que são preenchidas pelas
varas, é possível quantificá-las.
Perguntei pela situação dos inquéritos policiais de homicídio em Maceió, já que eles
não tinham as informações que me interessavam naquele momento, enquanto ele fazia a busca
eu fiquei aguardando, nesse tempo, perguntei-lhe o que é necessário para ter acesso aos dados,
pois só tinha no momento uma carta de apresentação. Entreguei-lhe o papel, ele abriu e leu
rapidamente, em seguida perguntou se eu tinha um pen drive, respondi positivamente e ele
disse: “vou te passar os dados”. Rapidamente me veio à mente as palavras da promotora de
que avisaria da minha visita.
Enquanto aguardava o técnico separar os dados, observando aquele lugar restrito a
poucos, fiquei me questionando o que teria acontecido se eu não tivesse conhecido a
promotora durante meu trajeto, será que o acesso àqueles dados de forma rápida e eficaz seria
o mesmo? Em um ambiente no qual os ritos burocráticos se entrelaçam com sua existência,
onde a engrenagem de funcionamento é conduzida por uma tradicional estrutura hierárquica,
conforme descreve Weber (2004), a disponibilidade das informações seria a mesma sem a
intervenção da promotora?
Alguns estudiosos da burocracia pós-weberiana, como Peter Blau e Richard Scott
(1970), ao analisarem as organizações burocráticas e teorizar as organizações formais e
informais, argumentaram que por mais que os operadores de uma organização elaborem
1
Segundo Monroy (2015), para superar a barreira da desconfiança, durante a realização do seu trabalho de
campo na província de Urabá na Colômbia, procurou ser o mais clara possível quanto aos seus objetivos junto à
comunidade, assim, repetia todos os dias à mesma história para não levantar nenhuma suspeita, já que se tratava
de um ambiente marcado pelo medo em decorrência da violência. Porém, contar a todos a mesma história
durante todo o trabalho de campo tornou-se extremamente desgastante: “tudo começava do zero diariamente”.
Embora o contexto da pesquisa seja outro, durante as visitas realizadas às instituições ao invés de ser um
processo acumulativo junto ao campo e ao objeto de investigação, era necessário sempre repetir o mesmo
discurso, ou carregar uma pasta com todas as autorizações na tentativa de romper com a desconfiança de alguns
operadores do sistema, que acreditavam que meu intuito era de tão somente na declaração de um delegado:
“realizar críticas negativas ao trabalho sem conhecer de fato como as coisas funcionam”.
5
regras de conduta e planejem mecanismos administrativos é impossível determinar
completamente como seus agentes vão agir. “O fato de uma organização ter sido formalmente
estabelecida não significa que todas as atividades e interações de seus membros estejam
estritamente conforme os esquemas oficiais” (BLAU & SCOTT, 1970, p. 18). Mas, supondo
que o quadro fosse outro, que a solicitação ocorresse por vias formais seguindo a dinâmica
administrativa do Judiciário, o desfecho poderia ter sido outro. Uma das principais barreiras
que limitam pesquisas neste campo de saber ainda é a existência e acessibilidade aos dados.
O DIATI somente possui registros a partir de 1997, quando foi criado a fim de agilizar
as informações no Tribunal de Justiça. Passou por uma série de modificações até atender às
necessidades da instituição de facilitar a informação junto às varas criminais, assim,
contribuindo para o andamento dos processos. E, por fim, tornou-se uma referência para os
demais órgãos estatais como o Ministério Público e a Polícia Civil, chegando a assessorá-los
durante a constituição dos seus sistemas de informações quando os inquéritos policiais
passaram a ser digitalizados, em janeiro de 2016.
De acordo com os dados do DIATI, dos 6.486 inquéritos registrados nas Varas
Criminais do Fórum de Maceió entre 1997 e 2015, apenas 59 foram julgados2 (Gráfico 1).
Gráfico 1
Situação dos inquéritos policiais de homicídio em
Maceió de 1997-2015
3.999
4000
3000
2.124
2000
1000 227 15 59 37 9 16
0
2
É importante ressaltar que embora tenha sido criado em 1997, a maior parte dos registros são de 2002 em
diante, isso ocorre em virtude de reajustes realizados no sistema. Logo, há pequenas lacunas de tempo o que
significa que estes dados correspondem à totalidade de inquéritos que constam no banco referente a este período.
6
Conforme exposto no gráfico acima, a maior parte dos inquéritos encontra-se baixado
(3.323), o que significa que ele pode ter regressado para as delegacias de origem, para
realização de novas diligências, bem como ter sido encerrado ou mesmo arquivado. Na
sequência aparece o que estão em andamento (2.124), e os que seguiram para o arquivamento
(227). Esse resultado, embora assustador e dramático reafirma as conclusões dos estudos
realizados sobre o fluxo da justiça criminal para o delito de homicídio no Brasil, que aponta a
fase policial como o maior gargalo do Sistema de Justiça Criminal, que corresponde a etapa
entre a conclusão do inquérito e a denúncia realizada pelo Ministério Público.
No caso de Maceió, tem um elemento a mais, parte desse período corresponde à
execução da Meta 2, da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP), um
dispositivo criado em 2010, com o objetivo de dar um desfecho para os inquéritos policiais de
homicídios dolosos que se encontravam “esquecidos” nas delegacias pelo país, pertencentes
aos anos de 1996 a 2009. Nesse sentido, os dados indicam uma preocupante tendência de
arquivamento desses inquéritos policiais. Esse resultado não expressa uma possível
irregularidade no que compete a proposta da ENASP, mas sinaliza a deficiência do modelo de
investigação e processamento desse tipo de delito. Dessa forma, a culpa não recai somente na
Polícia Civil a responsável pela produção do inquérito policial, mas também no Ministério
Público, cabe a essa instituição o papel de evitar que esse dispositivo transforme-se em um
procedimento administrativo regulatório.
Para conduzir os inquéritos policiais inconclusos da capital alagoana, o governo
estadual solicitou em 2010 o reforço da polícia judiciária da Força Nacional de Segurança
Pública (FNSP) 3 . Logo o estado foi o primeiro a receber esse adicional do Ministério da
Justiça para a investigação dos casos de homicídio. Tratava-se de uma ação pioneira no país,
pois a partir daquele momento a Força Nacional passa a atuar em diversas áreas, realizando
um ciclo completo de atuação.
Neste contexto, a imersão no trabalho de campo foi revelando a complexidade que
envolvia a estrutura e organização dos órgãos de segurança pública e justiça criminal de
Alagoas. Desta forma, uma nova arquitetura para o projeto foi emergindo, novos elementos e
atores se firmando e conduzindo a novos caminhos.
Após a minha primeira jornada, refletindo sobre as informações recolhidas no DIATI,
decidi seguir em busca dos dados que me possibilitassem um entendimento sobre o
esclarecimento dos homicídios em Maceió. Nesse sentido, considerei o cálculo da taxa de
3
A partir desse momento, a referência à Força Nacional de Segurança Pública será apenas como Força Nacional.
7
esclarecimento como um caminho para ter uma fotografia quanto ao quadro da investigação
dos crimes no município e seus desdobramentos no âmbito da justiça criminal. Para tal, parti
da premissa de Vargas e Ribeiro (2008), de que a mensuração do esclarecimento dos
homicídios era possível a partir do cálculo percentual de inquéritos esclarecidos, tendo como
base o número de registros realizados pela Polícia. Para obter mais clareza quanto à questão,
também optei por utilizar os dados dos registros de homicídio da Polícia Militar. Seguindo
essa perspectiva, eu tinha dois destinos certos: a Secretaria Segurança Pública de Alagoas
(SSP-AL) e a Delegacia Geral da Polícia Civil de Alagoas (DGPC).
Em Junho de 2015, visitei o Núcleo de Estatística e Análise Criminal (NEAC),
sediado na SSP-AL, localizado no centro da cidade em Maceió. O NEAC fica no primeiro
andar do prédio, há uma identificação na porta, ao entrar avistam-se diversas mesas, todas
com computadores, alguns com o adesivo do Brasil Mais Seguro na parte detrás da tela, além
de uma mesa central, usada para reuniões. Fui recebida por um dos responsáveis pelo
processamento dos dados. Com um oficio em mãos, me apresentei, entregando-lhe o
documento e, após a leitura do pedido, fui informada que o NEAC somente dispõe de dados a
partir de 2012, os dos anos anteriores disponíveis com relação aos registros de ocorrência de
homicídios são do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), organizado pelo Ministério
da Saúde (MS), que nas palavras dele: “os de Alagoas não são muito confiáveis nesse
período”. Surpresa com aquela informação o indaguei do porquê de dados tão atuais, e a
resposta está vinculada à ausência de um setor responsável pela sistematização das
informações e completou dizendo: “o NEAC é recente, surgiu em 2012, logo, só temos dados
a partir daí”. Diante daquela informação, recordei-me do Programa Brasil Mais Seguro e
questionei se a existência do NEAC estava vinculada à implantação do Programa do Governo
Federal, o que me foi confirmado.
De acordo com o técnico, o Núcleo de Estatística e Análise Criminal nasceu em 2012,
tendo sido criado para realizar análises em relação à crescente violência urbana em Alagoas,
principalmente os homicídios. A finalidade do núcleo é de mensurar estatisticamente o
contexto vivenciado pelo estado, dando uma “visão” aos gestores públicos sobre a dimensão
do fenômeno através do mapeamento das áreas com maior incidência de homicídios na
capital. Por meio do georreferenciamento, eles identificavam as manchas criminais e
repassavam as informações para os representantes da Força Nacional, das forças locais de
segurança (polícias Militar e Civil) e do governo estadual, por meio da Câmara de
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Monitoramento Local, onde ocorriam as reuniões da cúpula da segurança pública e justiça
criminal de Alagoas, para debater as ações do Brasil Mais Seguro.
Com a emissão dos mapas, era possível realizar estratégias de enfrentamento à
criminalidade em territórios específicos em virtude da concentração das ocorrências em
alguns bairros. Nesse contexto, os mapas auxiliavam tanto o policiamento ostensivo realizado
pela Força Nacional e Polícia Militar, bem como durante as investigações da Polícia
Judiciária (Polícia Civil e Força Nacional), que utilizavam os mapas para estudar a dinâmica
da região onde ocorreu o evento criminoso.
Para compreender esse quadro, ainda em Junho de 2015, fui até a antiga sede da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, onde funciona a Delegacia Geral
da Policia Civil de Alagoas. Diferente da maioria dos órgãos governamentais que ficam no
centro da cidade, a DGPC fica em um bairro mais afastado próximo à orla marítima.
Quando Cheguei à recepção, me apresentei explicando o motivo da minha visita,
perguntei se era possível conversar com alguém da Gerência de Estatística e Informática da
Polícia Civil (GEINFO). Ao contrário do que ocorreu ao visitar o NEAC, não preparei
nenhuma solicitação formal, esperava primeiro saber a situação do banco sobre o registro dos
inquéritos policiais de homicídio, se nesse também somente teriam registros a partir de 2012.
Autorizada a entrar, fui orientada a seguir por um longo corredor em direção à última porta,
onde funciona o GEINFO. No trajeto, vou passando por muitas portas, todas sinalizando seu
setor de funcionamento.
O GEINFO fica em uma ampla sala dividida em dois cômodos, com uma pequena
recepção onde fui atendida pela secretária e um dos técnicos. Ao perguntar sobre a extensão
das informações, eles confirmaram a existência de dados a partir de 2012 e explicaram os
procedimentos necessários para obtê-los.
Ainda durante a visita ao GEINFO, enquanto conversava com a atendente, entrou na
sala um agente da Polícia Civil, atenta à conversa dele com o técnico, perguntei se ele atuava
na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), ele respondeu positivamente, durante nossa
conversa, ele comentou que estava na Delegacia desde 2012 quando a especializada de fato
foi criada atuando junto com delegados, escrivães e investigadores da Força Nacional na
elucidação dos homicídios. Anteriormente, a DHC limitava-se a atender poucos bairros e
tinha uma estrutura ínfima, após os investimentos do Plano de Segurança Pública do Governo
Federal foi possível organizar a delegacia, implantando uma padronização dos procedimentos
até então inexistente.
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Então, quando chegou a Força Nacional, assim, abriu o Programa Brasil Mais
Seguro e a Força Nacional já tinha passado aqui, mas não com essa estrutura,
principalmente com a questão da polícia judiciária aí ela trouxe o padrão que
normalmente não tinha, era desorganizado (Policial Civil de Alagoas)4.
4
No intuito de preservar a identidade dos entrevistados somente suas funções no Sistema de Justiça Criminal
serão identificas.
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gestores públicos, possibilita um conjunto de elementos manobráveis do ponto de vista
político. Segundo Azevedo (2014), à luz da sociologia, na gestão do Sistema de Justiça
Criminal muitos dos objetivos são definidos por demandas externas. Em uma conjuntura de
recursos escassos o sistema passa a funcionar conforme a articulação das peças no jogo, a
racionalização é acionada ditando quais demandas serão respondidas de forma eficaz
mercantilizando para a sociedade uma imagem de eficiência.
Nessa linha de análise, o Brasil Mais Seguro e a presença da Força Nacional
desencadeiam diversos fatores que refletem tanto na forma como o Sistema de Justiça
Criminal passa a operar como na percepção que a população passa a ter a partir de sua
presença no estado. Logo, a coadjuvante na condução dos inquéritos pendentes, ganha ares de
protagonista um ano depois, transformando-se no fio condutor no funcionamento do Sistema
de Justiça Criminal até então inoperante.
A partir dos contornos que a coleta de dados foi se desenvolvendo a minha
investigação passou a ganhar um novo direcionamento, saindo da perspectiva de uma análise
sobre o Fluxo do Sistema de Justiça Criminal, para a construção e desenvolvimento do fluxo
por esse sistema, sobretudo na produção dos inquéritos policiais. Nesse sentido o problema
desta pesquisa é: considerando o caráter experimental do programa Brasil Mais Seguro do
Governo Federal no Estado de Alagoas e os altos percentuais publicamente conhecidos de
violência homicida na região, quais os efeitos da Força Nacional de Segurança Pública sobre
o funcionamento do Sistema de Justiça Criminal, mais precisamente a fase policial? Eis a
pergunta que norteará todo o texto que se segue.
Nesse descortinar de fatos, o objetivo da presente investigação é analisar a dinâmica
de processamento dos crimes de homicídio na cidade de Maceió (AL) a partir da execução do
programa do Governo Federal Brasil Mais Seguro implantado em 2012, sobretudo na
condução dos inquéritos policiais com a participação da polícia judiciária da Força Nacional
de Segurança Pública entre os anos de 2012 e 2015. Portanto, especificamente, seguem-se três
linhas:
1. traçar um panorama da segurança pública e justiça criminal em Maceió, apontado o
contexto criminal desta investigação e o quadro de crise que levou a chegada Força
Nacional e a deflagração da Operação Jaraguá;
2. analisar o processo de implantação do Programa Brasil Mais Seguro, com foco na
reorganização do Sistema de Justiça Crimina em Maceió, sobretudo em um de seus
eixos: a melhoria na investigação das mortes violentas;
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3. analisar os impactos das ações do Brasil Mais Seguro na investigação dos homicídios
dolosos em Maceió a partir da produção do inquérito policial, realizado pela Força
Nacional e pela Polícia Civil.
Sendo assim, a hipótese defendida nessa investigação é de que a implantação do piloto
do Programa de Redução da Criminalidade Violenta batizado de Brasil Mais Seguro
possibilitou uma série de medidas que permitiu a reorganização do modus operandi do
Sistema de Justiça Criminal de Maceió, sobretudo ao que compete à fase policial do sistema
que corresponde à etapa de investigação que contou com a presença da Força Nacional.
A pesquisa iniciou-se a partir de um levantamento de dados fornecidos por órgãos
oficiais do Estado de Alagoas. No primeiro momento, foram analisados os bancos da Polícia
Civil do Estado de Alagoas e do DIATI, onde ocorrem os registros do inquérito policial e o da
SSP-AL, responsável pelos registros das ocorrências de homicídio de Maceió no período de
2012 a 2015. Essa etapa possibilitou, em primeiro plano, ter uma fotografia da realidade de
Maceió, situando o contexto da pesquisa, utilizando o desenho de corte transversal.
Essa estratégia de análise baseia-se no cálculo da produção de cada uma das
organizações do Sistema de Justiça Criminal (número de crimes registrados, inquéritos
abertos, denúncias oferecidas e sentenças proferidas), é um modelo mais prático em termos de
tempo, todavia, ele somente possibilita uma fotografia do cenário. Os estudos realizados com
essa sistemática de análise caracterizam-se pelo trabalho com séries temporais e com o
conjunto total dos casos (VARGAS e RIBEIRO; 2008). Diante dos objetivos da pesquisa e
levando em consideração os diferentes métodos de processamento das informações pelas
instituições, acredita-se que análise transversal seja uma estratégia válida.
Posteriormente, percorrendo os órgãos para compreender o funcionamento do Sistema
de Justiça Criminal, sobretudo a produção do inquérito policial, uma perspectiva qualitativa
foi adotada, envolvendo técnicas como diário de campo, entrevistas semiestruturadas e
informais, além da utilização de documentos (uma amostra dos inquéritos policiais de
homicídios dolosos), jornais, revistas eletrônicas, fontes legítimas de trabalho das ciências
sociais. De acordo com Rifiotis (2010, p. 11), a utilização de ferramentas como o diário de
campo possibilita uma melhor compreensão sobre cada etapa do sistema durante o
processamento do delito. Ressaltando ainda, a partir de Guimbelli (2002), que quando se está
diante de um objeto contemporâneo, a análise de fontes documentais pode ser indicada.
Nessa perspectiva, foram realizadas visitas à Delegacia Especializada de Homicídios
da Capital (DHC), ao Núcleo de Inquéritos Policiais do Ministério Público (NIMP) e a
12
Central de Inquéritos Policiais Pendentes (CIPP), entre fevereiro e dezembro de 2016, onde
foi possível conversar com delegados, escrivães, promotores e agentes da Polícia Civil e da
Força Nacional, também foram entrevistados, peritos do Instituto de Criminalística, na busca
por um melhor entendimento quanto à produção do inquérito policial.
Essa fase culminou na análise de uma amostra de inquéritos policiais que foram
encaminhados para 7ª Vara Criminal do Tribunal do Júri. Embora Maceió tenha três Varas
Criminais do Tribunal do Júri, e todas tenham autorizado a realização da pesquisa, o volume
de inquéritos, a dinâmica interna dos cartórios e o tempo para a realização da pesquisa
impossibilitou a recolha nas três varas. Nesse sentido, primeiramente foi desenvolvido um
questionário de análise padronizado, elaborado com o intuito de organizar e direcionar o
trabalho de coleta de dados. No processo de desenvolvimento do campo o questionário foi
sendo moldado, ganhando contornos mais definidos visando manusear o máximo possível de
informações que estavam disponíveis nos inquéritos. Logo, dois bancos foram criados, um
contendo informações referentes ao perfil das vítimas e o outro contendo as características dos
inquéritos. No geral, foram coletados 566 inquéritos policiais, desses, a partir de um cálculo
amostral, 232 foram analisados e o resultado apresentado estatisticamente por meio do
software SPSS Statistics.
É importante destacar a relevância na análise dos inquéritos, a cada leitura uma gama
de informações importantes emergiam, fatos que vão além de uma perspectiva quantitativa.
Foi possível assim entender mais sobre a relação formal entre as instituições, a elaboração e
justificativa dos pedidos de prorrogação de prazo, os encaminhamentos e diálogo entre Força
Nacional, Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário, bem como as possíveis “motivações”
do crime. Sendo assim, o fluxo aqui é abordado por uma perspectiva que não se limita a um
levantamento referente às fases iniciais e finais do processo, ou do perfil das vítimas. Nessa
leitura, importa enfatizar as operações concretas realizadas pelos operadores do Sistema de
Justiça Criminal e suas consequências em termos de tratamento na composição de um fluxo.
Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro apresento um panorama
da segurança pública e da justiça criminal em Alagoas, com foco na cidade de Maceió, antes
da implantação do Programa Brasil Mais Seguro. Diante dos elevados números de violência
homicida e com um Sistema de Justiça Criminal sem condições de responder de forma eficaz,
um alarmante acúmulo de inquéritos policiais pendentes emergiu, revelando a crise pela qual
passava o sistema. Sem conseguir reverter o quadro, o governo de Alagoas recorre a União,
que envia a recém-concebida polícia judiciária da Força Nacional, nesse contexto é deflagrada
13
a Operação Jaraguá (2011). Além disso, um balanço teórico sobre o funcionamento do
Sistema de Justiça Criminal é realizado, a partir da literatura sobre fluxo, esse arcabouço
oferece subsídios para melhor entendimento quanto ao cenário dos inquéritos policiais em
Maceió.
No segundo capítulo apresento o processo de implantação do Programa Brasil Mais
Seguro, seus objetivos e reflexos no Sistema Justiça Criminais em Maceió, direcionando a
análise para um dos eixos do programa voltado para melhoria na investigação dos homicídios.
Nesse sentido, destaco as medidas adotadas durante a reestruturação da Delegacia de
Homicídios da Capital, que tinha como objetivo proporcionar um novo modelo de atuação
para DHC. Nesse percurso, os vestígios dos anos de ineficiência tinham que ser apagados,
para que uma nova imagem fosse construída e os primeiros resultados apontavam um novo
cenário para elucidação dos casos de homicídio em Maceió.
No terceiro capítulo apresento os resultados das ações implantadas pelo Brasil Mais
Seguro em relação à investigação dos homicídios a partir da produção do inquérito policial.
Nesse sentido, esclareço a partir da literatura alguns procedimentos adotados no campo da
investigação criminal para em seguida apresentar o novo modelo de funcionamento da DHC,
a partir da participação da Força Nacional e da Polícia Civil de Alagoas. Por fim, apresento os
resultados da análise de uma amostra de inquéritos policiais de homicídios dolosos,
apontando o perfil das vítimas, as características dos homicídios em Maceió e o
processamento dos inquéritos policiais.
14
CAPÍTULO I
15
Brasil entre os países mais violentos do mundo, ocupando a sétima posição segundo o ranking
da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM),
organizado pelo Ministério da Saúde (MS) e do Mapa da Violência (2012), no início de 1980
a região sudeste concentrava 55% do total de homicídios do país, enquanto o nordeste
matinha uma média de 20%. No entanto, na última década o número de homicídios aumentou
assustadoramente no nordeste, na contra mão, o sudeste assistiu as taxas caírem em
decorrência dos investimentos em políticas públicas exitosas (BEATO, 2012). São Paulo e
Rio de Janeiro, respectivamente, obteve uma redução de: 59,8%, e 51,25%, nos índices de
homicídio entre 2000 e 2004. Paralelamente, nos estados da Bahia e Alagoas, os índices de
homicídio multiplicaram-se superando qualquer previsibilidade.
Até o início de 2000, as taxas alagoanas caminhavam próximas à média brasileira, os
números não sinalizavam nenhum indicativo de que o quadro mudaria drasticamente, todavia,
em 10 anos, esse cenário passou por uma reviravolta imprevisível e preocupante. Entre 1999 e
2010, por exemplo, a taxa de homicídios saltou de 20,3 mortos em cada grupo de 100 mil
habitantes para 66,9, um crescimento de 228,3%.
No período de 1980 a 1996, Alagoas assinalava números mais elevados que o índice
nacional, mas nenhuma diferença era significativa, enquanto em 1980 no país a taxa era de
11,7, Alagoas registra 14,3 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 1990, uma
década depois, na Federação a taxa era de 22,2 enquanto a Unidade Federativa registrava
29,2, mantendo-se na média nacional. Uma realidade distante de outro estado do nordeste,
Pernambuco, que nesse mesmo período já aparecia entre os cinco mais violentos do país,
registando uma taxa de 39,1, homicídio em 1990.
Em Alagoas, no final da década de 1990, é possível evidenciar que as taxas alagoanas
caem ficando abaixo das nacionais, não se trata de números expressivos de redução, mas se
constata que Alagoas passou por períodos estáveis em relação à violência homicida e que o
fenômeno que permeia as estruturas do estado é recente. Entre 1997 e 2000, as taxas são de
24,1 (1997), 21,8 (1998), 20,3 (1999) e 25,6 (2000), já a nível nacional são, respectivamente,
25,4, 25,9, 26,2 e 26,7, homicídios para cada 100 mil habitantes. No Gráfico 2 é possível
acompanhar o processo de evolução dessas mortes a nível nacional e subnacional de 1980 a
2011.
16
Gráfico 2
Evolução das taxas de homicídios no Brasil e em Alagoas (1980 - 2011)
120
71,9
100 66,9
59,4 58,4
58,4
51,9
80
39,3
34,3 35,7
33,9
29,3
60 33,6 28,1 Alagoas
29,2 27,2 25,6
24,1 21,8
30,5 26,8 20,3 Brasil
23,3
23,3 23,8
26,3 25 23,3 24,8 23
40
19,2 20,7
27,8 28,5 28,9 26,5
14,3 25,9 26,2 26,7 25,7 26,2 25,2 26,2 26,6 26,7 26,4
22,2 20,8 23,8 24,8 25,4
20,3 19,1 20,2 21,2
16,9 16,8
20 13,8 15,3 15 15,3
11,7 12,6 12,6
17
É perceptível a partir dos dados, que Alagoas se manteve estável por longos períodos,
contrariando os dizeres difundidos de uma violência disseminada, a ideia da presença
predominante de uma cultura violenta na resolução de conflitos por parte dos alagoanos, ou
seja, a existência de um ethos requer cautela e mais aprofundamento antes de qualquer
afirmação. Essa leitura é legível quando no que compete a outras modalidades de crimes
como agressão física, roubo ou furto, o estado desde meados de 2000 aparece em posições
inferiores perante os demais. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 5, publicada em 2009, revelou que o
índice de agressão física em Alagoas é ínfimo não alcança 1%, levando o estado a ocupar a
última posição. O baixo percentual também se mostrou característico dos crimes econômicos
como roubos e furtos, nesse quesito Alagoas ocupou respectivamente a 19ª e a 24ª posição em
comparação com outras Unidades da Federação (CERQUEIRA, 2013). Nesse sentido, apenas
com relação aos homicídios é que Alagoas destoava dos demais estados, reforçando a
particularidade com que o fenômeno foi emergindo no território alagoano e a necessidade de
sua reflexão em um contexto próprio.
Em números absolutos, entre os anos de 1980 e 2011 foram 27.601 assassinatos em
Alagoas. A maior parte dos registros ocorreu na última década, especificamente entre 2002 e
2011, nesse período foram contabilizados 15.865 mortes no estado. Apesar dos números
estarrecedores, eles revelam que tratar-se de um fenômeno com uma linha temporal bem
demarcada, é a partir da última década que os casos começam a se acentuar drasticamente
crescendo 117%. Este cenário levou o estado a ocupar a primeira posição no ranking do mais
violento do país desde meados de 2006.
Ainda de acordo com os dados, é percebível que o fenômeno volta a crescer de forma
acelerada partir de 2001, quando supera o quadro brasileiro permanecendo sempre a frente
desde então. Nos anos de maior elevação da taxa brasileira ela nunca ultrapassou a casa dos
29, todavia, em Alagoas a taxa chega a alcançar 71,9, em 2011. Este resultado coloca o estado
5
O PNAD é uma ampla pesquisa realizada anualmente pelo IBGE com o objetivo de coletar dados
socioeconômicos e demográficos das famílias brasileiras. Em 2009, pela primeira vez a pesquisa teve um
suplemento sobre Vitimização e Justiça, que investigou junto aos moradores dos domicílios da amostra se eles
sofreram algum tipo de violência e, ainda, se recorreram à polícia ou à Justiça para solucionar conflitos. De um
modo geral o resultado demostrou que boa parte da população declarou já ter sofrido algum tipo de violência e
que não procurou a polícia por temer represálias ou por não acreditarem na instituição. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv47311.pdf, Acesso em: Junho de 2016.
20
no patamar de El Salvador, considerado o segundo país que mais mata no mundo, com uma
taxa de homicídio de 70,16.
Nesse mesmo período, a eclosão de homicídios no estado colocou onze municípios
entre as cem mais elevadas taxas do país. Desses, cinco estão localizados na região
metropolitana da capital são: Maceió (9ª), Pilar (20ª), Messias (31ª), Marechal Deodoro (40ª)
e Rio Largo (95ª); e seis são do interior: Arapiraca (11ª), São Sebastião (41ª), Teotônio Vilela
(48ª), São Miguel dos Campos (57ª), União dos Palmares (70ª), Joaquim Gomes (88ª), todos
apresentando taxas de 60 ou mais homicídios para cada 100 mil habitantes (WAISELFISZ,
2012).
Neste contexto, destaque para Maceió, na medida em que as taxas de homicídio
cresciam no estado, na capital elas se alavancavam extrapolando qualquer característica
nacional e regional quanto à violência homicida, colocando a cidade no cenário nacional
como a capital mais violenta do país, principalmente para população jovem e negra, os mais
vulneráveis. Em 1999, a cidade ocupava a 14ª posição entre as capitais mais violentas do
Brasil, sete anos depois já liderava o ranking e em 2010 chegou a registrar uma taxa de
homicídio de 110,1, demostrando uma ascensão bastante singular, reforçando a demarcação
temporal do fenômeno.
Nesse período, Maceió possuía uma população 932.748 habitantes, destes 46,7% são
homens e 53,2%, mulheres, segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística (IBGE). Somente de 1991 a 2011, a população cresceu mais de 50,0%. A cidade
concentra a maior parte das riquezas do estado, centralizando cerca de 45% do Produto
Interno Bruto (PIB), considerado o menor do país. De acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) referente ao ano de 2011, Alagoas tinha a
segunda menor renda per capita do país, R$ 604 por pessoa, um valor abaixo da renda dos
demais estados do nordeste. Em relação ao trabalho, a taxa de desemprego era de 6,4% em
2011, resultado que decorre principalmente da região urbana. Em relação à população
vivendo em extrema pobreza, Alagoas, registrava 20,4%, um valor bem acentuado, no país a
taxa era de 8,5%.
Este é o panorama de uma cidade que desde o final dos anos de 1990 assistia os
números de homicídios multiplicando-se ano após ano, continuamente, sem expressar
6
De acordo com Estudo Global sobre Homicídios 2011, pesquisa desenvolvida pelas Organizações das Nações
Unidas (ONU). Mais informações disponíveis em: http://www.unodc.org/unodc/en/data-and-
analysis/statistics/crime/global-study-on-homicide-2011.html. Acesso em: junho de 2016.
21
qualquer fraquejo durante uma década. Em 1999, Maceió registrava uma taxa de 28,2
homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, esse resultado já era superior ao estadual,
que se mantinha na média nacional com 20,3. Em 2006, ano em que recebe o título nada
satisfatório de capital mais violenta do Brasil, ela registra 88,8 assassinatos, para cada 100 mil
habitantes, nesse mesmo ano Alagoas desponta como líder em homicídios, demostrando que a
maior parte das mortes por este delito ocorrentes no estado estavam concentradas em Maceió.
Gráfico 3
Evolução das taxas de homicídio em Maceió (1999-2011)
120 109,9
99,6 100,7 100,4
100 88,8 91,4
80
63
57,2 56,6 59,3
60 52,8
39,3
40
28,2
20
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: SIM-DATASUS-MS, SSP-AL.
Taxa por 100 mil habitantes.
O ápice dos homicídios ocorreu nos anos de 2009, 2010 e 2011, quando foram
registradas taxas assustadoras como, respectivamente, 109,9, 100,7, 100,4. Os números
extrapolavam qualquer raciocino lógico que tenta-se explicar o que estava acontecendo com
Maceió. A cidade havia se tornado o “calcanhar de Aquiles” do poder público com relação à
gestão da segurança pública e as políticas de combate a criminalidade urbana. O que fazer
para mudar esse quadro? Era o questionamento que ecoava entre os administradores públicos
a cada divulgação do relatório Mapa da Violência que apresentava a situação dramática que se
vivenciava em Alagoas.
Cresciam-se os números e com eles a insegurança da população que cobrava um
posicionamento por parte dos gestores, apesar da complexidade que envolve crimes dessa
natureza é possível haver certa previsibilidade dos fatos a partir do momento que há ações
direcionadas para a prevenção e repressão a criminalidade. No entanto, quando aqueles que
22
são os responsáveis por dar uma resposta firme de que algo está solidamente sendo feito se
veem de mão atadas diante de uma demanda que vai além de suas possibilidades, a balança
começa a pender para um único lado, o da ineficiência.
Diante de um cenário como este a inoperância do Sistema de Justiça Criminal em
solucionar conflitos ganha contornos mais visíveis, conforme expresso na introdução do texto
diante da situação dos inquéritos policiais de homicídio em Maceió. As dificuldades latentes
do funcionamento do sistema no processamento dos casos perpassam entorno da
operacionalização, que afeta diretamente a investigação e consequentemente o esclarecimento
do crime. Uma peça nessa engrenagem é crucial, trata-se do inquérito policial, uma espécie de
dossiê com o proposito de comprovar a materialidade do crime. A peça é constituída por um
conjunto de elementos que serão utilizados para fundamentar a denúncia do Ministério
Público.
A situação da produção e condução do inquérito policial em Maceió, de 2009 a 2011,
ganhou contornos críticos, cujos desdobramentos foram milhares de inquéritos policiais
pendentes circulando entre os órgãos do sistema, sem perspectiva para um desfecho,
demostrando sua fragilidade e baixa articulação. No entanto, este não é um caso que se
restringe somente a Alagoas, a crise do Sistema de Justiça Criminal brasileiro é algo debatido
no campo das ciências sociais, desde 1980 e apesar dos avanços neste campo, as conclusões
ainda apontam para mesma direção um sistema incapaz de operar eficazmente.
7
De acordo com o artigo 127 da Constituição de 1988, o Ministério Público é uma instituição independente do
Poder Judiciário e Executivo. Autonomia que se estende também a advogados, sejam eles públicos ou privados,
bem como à Defensoria Pública.
23
não integra o Poder Judiciário, mas exerce, tal como o Ministério Público, funções essenciais
no sistema jurisdicional de composição dos conflitos.
A Polícia Civil ou Judiciária auxilia a justiça criminal e o Ministério Público por meio
da apuração de determinado delito, executando mandados e realizando operações, bem como
o policiamento ostensivo executando prisões. Trata-se de um sistema com atuações
autônomas, ao mesmo tempo em que são interligadas. Uma estrutura complexa onde o
exercício de cada função exerce um impacto direto sobre a outra, podendo este ser benéfico
ou não. E o que vem sendo observado nas três últimas décadas é um Sistema de Justiça
Criminal desorganizado e de baixa articulação.
A atuação do Sistema de Justiça Criminal é colocada à prova na medida em que a
violência cresce e os olhares se voltam para suas instituições na busca por medidas que
atenuem o quadro.
De acordo com Adorno (2002), nas últimas três décadas o aumento da criminalidade
urbana em suas múltiplas faces – crime organizado, furtos, roubos, crimes contra vida,
violência doméstica, violação aos direitos humanos – transformou-se em uma das maiores
preocupações da sociedade brasileira contemporânea. O sentimento de medo e insegurança
diante deste cenário se alastrou entre os mais distintos grupos e classes sociais, como expressa
a opinião pública através de pesquisas realizadas por institutos especializados e divulgadas
por diferentes meios de comunicação8.
Para o autor, trata-se de um problema social que, por um lado, mobiliza diferentes
setores da sociedade, como é possível observar pelo crescimento de fóruns temáticos
regionais, nacionais, internacionais, pesquisas acadêmicas, atenção dispensada pela mídia
impressa, digital, televisiva por meio de programas específicos sobre o assunto; por outro
lado, vêm promovendo impacto sobre o Sistema de Justiça Criminal, levando os
administradores públicos a uma reflexão quanto à reformulação e à implantação das políticas
públicas de segurança e justiça.
8
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2012, revelou que é alto o
medo da violência no Brasil, a cada grupo de dez brasileiros pelo menos seis têm “muito medo” de assalto à mão
armada e assassinato. Em 2014, o medo e a insegurança estão presentes na vida dos brasileiros, como mostrou a
pesquisa realizada por uma ONG de defesa de direitos humanos da Anistia Internacional. Os dados apontaram
que 80% dos brasileiros se sentem inseguros ao serem detidos pelas Polícias. Esse mesmo cenário se repete em
2015, segundo o levantamento realizado pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Essa pesquisa revelou que 62% dos brasileiros têm medo da violência e agressão por parte da Polícia Militar.
Ainda segundo a pesquisa 54% da população tem algum parente ou conhecido que foi vítima de homicídio. Mais
informações em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/05/140512_brasil_tortura_vale_rb e
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1662655-maioria-da-populacao-diz-ter-medo-da-policia-
militar-aponta-datafolha.shtml.
24
Nesse contexto, o Sistema de Justiça Criminal vem se mostrando ineficiente na
intervenção e combate à violência na conjuntura do Estado democrático de direito. Os
problemas referentes à garantia da lei e da ordem têm abalado a confiança dos cidadãos nas
instituições de Justiça (ADORNO, 2002), como revela os dados divulgados pelo Anuário
Brasileiro de Segurança Pública de 20159. A pesquisa, cujo objetivo era mensurar o índice de
confiança dos brasileiros no Sistema de Justiça, apontou que dos 6.623 entrevistados 50%
revelaram não confiar no poder Judiciário, o consideram “pouco confiável”. Quando
perguntados se estavam satisfeitos com as organizações policiais, os que se declararam como
não brancos, manifestaram insatisfação com a Polícia: cerca de 38%, se consideram “muito
insatisfeito” ou “um pouco insatisfeito”. Já entre os declarados brancos, 36% evidenciaram
sentir-se “muito satisfeito”. Este quadro é reflexo de uma complexidade de problemas
acumulados historicamente dificultando possíveis reformas.
Conforme explica Azevedo (2005, p. 217) citado por Silva (2010, p.28), durante o
processo de redemocratização da América Latina, ocorreram reformas legislativas
objetivando a garantia de direitos fundamentais, a limitações no que compete atuação das
Forças Armadas na política interna, a transformação/adequação da polícia e do sistema de
justiça de acordo com as necessidades e realidades de cada país, inviabilizando ou, em alguns
casos, alterando disposições dos regimes autoritários. Ademais, se investiu em reformas no
Sistema de Justiça Criminal, com a profissionalização de cada setor, buscando melhores
condições de trabalho e capacitação para policiais, promotores e magistrados.
Destaca-se ainda que, em alguns países, ocorreu um estreitamento com o modelo
penal norte-americano, substituindo o modelo inquisitorial pelo acusatório, possibilitando
mais espaço, autonomia e efetividade ao Ministério Público, bem como ampliando o princípio
da oportunidade para a jurisdição penal, mais respeito às garantias fundamentais processuais,
diminuição dos casos de prisão cautelar antes do trânsito em julgado, presença de oralidade,
contraditório e ampla defesa durante todas as fases do processo e além da redução do tempo
durante todo o rito penal.
9
A pesquisa realizada em sete estados brasileiros (Amazonas, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul,
Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo) mais o Distrito Federal, pela Fundação Getúlio Vargas e divulgada pelo
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, tinha como objetivo mensurar o índice de confiança na justiça
brasileira. Ainda de acordo com o levantamento realizado, os diferenciais de confiança e satisfação com as
instituições da justiça podem ter a ver com a existência de discriminação racial na atuação dessas instituições no
que se refere a solucionar os problemas de cada grupo étnico. Outra hipótese levantada pelos pesquisadores seria
a de haver diferenças quanto ao conhecimento sobre essas instituições, devido ao elevado índice de relação entre
raça, o acesso à educação e a ocupação no mercado de trabalho.
25
Ainda conforme o autor, outras iniciativas também foram surgindo como a
desmilitarização da polícia, o diálogo mais estreito que possibilitou sua incorporação às
instituições civis, o surgimento das Defensorias Públicas, o fim dos tribunais especiais para
policiais militares, a despolitização da escolha de magistrados para a ocupação das Cortes
Supremas e a criação de comissões para avaliar o desempenho da justiça e zelar pela proteção
dos direitos humanos.
Tais reformas, que em muitos países não chegaram a ocorrer, não foram capazes
ainda de resolver os principais problemas e dificuldades para a consolidação de um
sistema penal garantidor dos direitos fundamentais. Como se sabe, abusos de poder
são fenômenos endêmicos na América Latina. Tortura e maus-tratos infligidos por
membros de forças militares, policiais ou por pessoal dos centros penitenciários,
muitas vezes apoiados por comerciantes e empresários, continuam ocorrendo e
permanecem impunes nos países da região. As mudanças limitaram-se, geralmente,
ao plano formal, além de subsistirem violações aos princípios fundamentais e
obstáculos à modernização e democratização do sistema. (AZEVEDO, 2005, p. 218
Apud SILVA, 2010, p.28).
10
De acordo com O’Donnell (2000, p. 347). “é um erro confundir o Estado com seu aparelho burocrático. Na
medida em que a maior parte da legislação formalmente aprovada existente num território seja promulgada e
sustentada pelo Estado, e que se suponha que as próprias instituições do Estado ajam de acordo com as normas
legais, devemos reconhecer (como há muito reconheceram os teóricos europeus continentais e os anglo-saxões
ignoraram) que o sistema legal é parte constituinte do Estado. O que eu chamo de ‘Estado legal’, isto é, a parte
26
Conforme os estudos sociológicos11, em meados dos anos 1970, já se percebia uma
mudança no padrão da criminalidade urbana no Brasil, especialmente nos grandes centros
como São Paulo e Rio de Janeiro. Essa mudança de padrão se consolidaria e se expandiria a
partir dos anos 80, como destaca Sergio Adorno (2002) ao reconstruir uma parte do cenário da
época12. Apesar da limitação das estatísticas criminais nesse período os números apresentados
impressionam.
No estado de São Paulo, em 1970, do total de processos em andamento, 75% alçaram
a fase denúncia 27% de julgamento e 48% dos réus foram absolvidos. Em 1982, há uma
redução nas taxas que passam respectivamente para 65%, 22% e 43%. Com relação à
instauração de inquéritos, entre 1970 a 1982, cresceu 191,4% e os processos penais, 148,5%;
os inquéritos arquivados elevaram 326,2%. Também cresce a taxa de extinção de punibilidade
– quando não há possibilidade de impor ação penal – que passa de 3,4% para 6,3%.
No mesmo período, um estudo sobre o avanço da criminalidade no Rio de Janeiro
apontou uma diminuição na possibilidade de condenação de crimes contra o patrimônio, em
1976, a taxa era de 0,0506%, já em 1980, caiu para 0,428%. Importante ressaltar que, de
início, para cada cem crimes praticados contra o patrimônio, apenas cinco processos eram
julgados e os autores condenados, posteriormente, o número de infratores passou para quatro.
Adorno ressalta ainda que o crescimento em 50% da criminalidade urbana, entre 1977 e 1986,
foi acompanhado paralelamente com a queda em 27,4%, das taxas de aprisionamento.
Passando para a década de 1990, os índices de violência no Estado e Região
Metropolitana do Rio de Janeiro indicam, para a cidade do Rio de Janeiro, que apenas 8,1%
dos inquéritos sobre homicídios dolosos e 8,9% dos inquéritos de latrocínio (roubos seguidos
de morte) foram convertidos em processos penais, no ano de 1992. Para o mesmo ano, uma
porcentagem de 92% dos crimes dolosos não sofreu qualquer ação penal.
Em São Paulo, o autor destaca que, dos homicídios praticados contra crianças e
adolescentes no ano de 1991, apenas 1,72% de todos os crimes denunciados alcançaram uma
sentença condenatória no final do período observado, em 1994. Uma tendência que parece
do Estado que é personificada num sistema legal, penetra e estrutura a sociedade, fornecendo um elemento
básico de previsibilidade e estabilidade às relações sociais”.
11
Cf., por exemplo, Paixão (1988); Zaluar (1999); Adorno (2002); Coelho (2005); Misse e Vargas (2007); Lima;
Ratton & Azevedo (org.) (2014).
12
Cf., Para conhecer mais sobre o panorama apresentado pelo autor conferir as fontes originais, os trabalhos de
Adorno (1994); Coelho (1988, 2005); Soares (1996) e Castro (1996).
27
manter-se ao longo do tempo. Em 1999, o Tribunal de Júri da capital contabilizou cerca de 10
mil processos de homicídios, destes aproximadamente 70% dos foram arquivados.
Para Adorno (2002), a Justiça Criminal brasileira passa por uma crise, perceptível
mediante as dificuldades do Estado em assegurar o cumprimento da lei e da ordem e assim
garantindo uma segurança pública eficaz para a população. Como um dos reflexos, o crime
evoluiu e ganhou novas faces, no entanto o aparelho jurídico não acompanhou esse processo
de mudança de forma efetiva, permaneceu estagnado operando de forma retrógrada. Dentre as
consequências dessa situação estão o aumento dos crimes que se compreende como pequenos
delitos, característico dos grandes centros urbanos, que não chegam a serem investigados,
principalmente se a autoria for desconhecida ou, em alguns casos, se envolver menores de
idade que, se detidos pela primeira vez, são chamados a uma “conversa” com as autoridades
policiais e em seguida são liberados, com a promessa de que não voltarão a cometer nenhum
ato ilícito. Em casos mais graves como roubo, tráfico de drogas e homicídios, persiste os
entraves quanto ao esclarecimento dos casos. O autor ainda ressalta:
28
organizações que compõem o Sistema de Justiça Criminal brasileiro por parte das ciências
sociais. No Brasil, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, Canadá e Europa
Ocidental, a criminologia não se desenvolveu como uma área interdisciplinar em que havia
sociólogos, antropólogos e criminólogos a problematizar fenômenos tal como a violência e a
criminalidade. Ela esteve vinculada ao direito penal e, nesse sentido, as referências teóricas
eram jurídicas e limitava-se a avaliar aplicabilidade do código penal.
Os primeiros estudos de interpretação sociológica a refletirem a realidade brasileira
são datados de 1980 e foram desenvolvidos por Edmundo Campos Coelho (1986) e Antônio
Luiz Paixão (1988), inspirados pelos estudos norte-americanos que seguiam uma perspectiva
organizacional como sustentáculo de análise sobre o funcionamento das organizações formais.
Nessa linha de pensamento, uma de suas vertentes se voltava para a relação entre estruturas
organizacionais e poder político.
Os trabalhos empíricos a respeito do funcionamento do Sistema de Justiça Criminal
brasileiro, realizados a partir desta interpretação teórica, revelaram dimensões sociais,
culturais, políticas e organizacionais particulares. Ressaltando os diversos papéis ocupacionais
que se fazem presente nas distintas instituições como a Polícia Civil, o Ministério Público, a
Defensoria Pública e o Poder Judiciário.
De acordo com Coelho (2005), a justiça criminal é constituída de “subsistemas
frouxamente integrados”, há uma disjunção principalmente no que compete a atuação do
aparelho policial e as demais instituições de administração da justiça. Ao analisar os
inquéritos e processos por crimes e contravenções produzidos no Rio de Janeiro ao longo de
26 anos (1942-1967), constatou a desarticulação e seletividade na atuação das instituições no
que compete a resolução dos crimes e conclusão dos processos. Além da existência de
conflitos desencadeados pelos agentes operadores das instituições e que são legitimados a
serem reproduzidos para o alcance do objetivo final, “o controle do crime”.
Na prática, Polícia e Judiciário obedecem a lógicas diferentes em sua atividade
cotidiana.
29
Nesse âmbito, todavia, o desempenho das atividades dos agentes também possibilita
uma junção das organizações, reflexo do fluxo de papéis, por meio de receitas práticas
profissionais ou pela construção de tipologias criminais. Coelho reconhece a complexidade na
compreensão da relação entre estrutura e função, dos conflitos e ausência de integração
quanto à busca para esclarecimento dos processos pelos quais algum grau de interação prática
é alcançado. A natureza das relações entre promotores e autoridades policiais é um ponto
chave para desvendar a operacionalização da justiça criminal. É entre esses agentes da ordem,
manipuladores técnicos, que o jogo da justiça se desenrola. Todos cientes que concorrem para
o cumprimento com êxito da lei. Nesse campo, falhas podem existir e abusos de poder podem
ocorrer.
Seguindo essa linha de pensamento, Paixão (1988) ao refletir sobre o funcionamento
do Sistema de Justiça Criminal brasileiro, ressalta a complexidade em relação à forma de
administração dos conflitos. No interior das instituições o tratamento direcionado à população
é marcadamente seletivo, a lógica da “lei e da ordem” e do posicionamento isonômico, na
prática, funciona de acordo com a sua clientela. Dessa forma, para uma pequena parte da
sociedade defende-se os privilégios da lei, enquanto que para as camadas mais pobres recai
todo o rigor da ordem, conforme explica o autor:
Nesse sentido, o quadro de desigualdade social acaba por ser ampliado no âmbito
burocraticamente desgastado do aparelho repressivo estatal, reforçando a construção de
barreiras no que compete ao acesso a justiça, sobretudo pelos menos favorecidos, estes são os
mais atingidos em decorrência da seletividade da atuação policial. A polícia é a porta de
entrada para o Sistema de Justiça Criminal, cabe a ela “a difícil tarefa de selecionar quais
indivíduos têm direitos constitucionais, enquanto “pessoas civilizadas”, e quais não têm
(PAIXÂO, 1988, p.179 apud KANT DE LIMA,1987, p.29). A face seletiva da polícia é
explicita quando se observa a concentração de operações policiais em áreas periféricas, a
origem social dos abordados e os reflexos dessas ações no sistema de justiça.
30
Diante da necessidade de demonstrar eficiência no controle do crime, os casos
envolvendo sujeitos oriundos de regiões de exclusão social recebem a “devida” punição por
parte do sistema de justiça, enquanto os crimes que envolvem as classes mais elevadas passam
despercebidos pelo sistema.
Após alguns anos, Sapori (1995) reacende a discussão, que andara um pouco
esquecida, ao analisar a burocratização presente no Sistema de Justiça Criminal e como esse
processo levou ao surgimento de uma complexa estrutura formal nos moldes da teoria
weberiana (2004), caracterizada por uma acentuada especialização do trabalho, racionalidade,
rotinização e formalização de procedimentos, um conjunto de elementos com um objetivo
central bem delineado: a produção da sentença, alcançar a “meta da eficiência”.
Ao acompanhar o trabalho realizado pelas varas criminais da cidade de Belo
Horizonte, o autor constatou que o perfil burocrático da justiça criminal expresso pelos seus
principais agentes (promotores, advogados públicos ou particulares e juízes) caracteriza-se
por uma dinâmica informal institucionalizadas nas varas criminais. O objetivo dos agentes
nestes procedimentos é a manutenção do serviço em dia, visando à maximização da
eficiência, evitando o acúmulo de serviço, com exceção dos advogados particulares que
pretendem, em sua maioria, retardar o fluxo dos processos.
A manutenção do serviço em dia e atenuação do acúmulo de processos exige dos
agentes o sacrifício do tempo, muitas vezes sendo necessário abdicar de compromissos
particulares. Esse fato não é algo unânime, pois muitos tentam conciliar os afazeres pessoais
com um bom rendimento no trabalho, evitando o acúmulo de processos. “É nessa perspectiva
que deve ser entendido o princípio da eficiência que vigora nas varas criminais. Busca-se ser
eficiente pela administração do acúmulo de serviço” (SAPORI, 1995, p. 02).
Infere Sapori que a atuação da justiça criminal se estabelece em uma comunidade de
interesses. Este resultado se assemelha aos resultados encontrados por Blumberg (1972),
citado por Sapori (1995, p. 03), no qual ao investigar a justiça criminal americana, a definiu
como uma “justiça de linha de montagem”, no estilo taylorista, no qual são empregadas
técnicas padronizadas para se chegar ao resultado final, isto é, agilizar a maior quantidade de
processos em menor tempo, levando a um processamento seriado dos crimes. Estas técnicas
variam de acordo com os agentes legais envolvidos, sempre visando à agilidade, não
qualidade.
Efetivamente, a produtividade dos membros das organizações que compõem o Sistema
de Justiça Criminal é inspecionada por instâncias de controle. Policiais, juízes, promotores e
31
defensores públicos preenchem, periodicamente, relatórios estatísticos nos quais fazem
constar o movimento das instituições em termos do número de esclarecimento, denúncias e
prévias de defesa, de alegações elaboradas, de sentenças proferidas etc.
Para uma melhor compreensão sobre o funcionamento da máquina da justiça criminal,
em meados dos anos 1980 nasce uma nova perspectiva de conhecimento, os denominados
estudos de fluxo, que visam analisar a operacionalização das organizações do sistema de
justiça problematizando sua produção.
Quadro 1
A produção de cada instituição do Sistema de Justiça Criminal
32
Dados de denúncias efetuados
Ministério Público Denúncias pelo Ministério Público.
Dados dos processos iniciados
Poder Judiciário Processos (denúncia aceita) e encerrados
(sentenciados).
Dados de sentenças (processos
Sistema Penitenciário Prontuário iniciados e encerrados).
Fonte: Ribeiro & Silva, 2010, p.16.
Ainda segundo as autoras (2010, p.16), a análise de cada uma das informações
produzidas é importante para a mensuração do trabalho desenvolvido pelas instituições que
integram o Sistema de Justiça Criminal, sobretudo, do ponto de vista da concretização da
ideia de fazer justiça, impossibilitando que alguma infração permaneça sem apreciação por
parte da justiça, pois possibilita o cálculo de taxas: como as de esclarecimento,
processamento, sentenciamento e condenação, como se apresenta a seguir:
Taxa de esclarecimento: se caracteriza pelo cálculo do número de inquéritos
esclarecidos pela Polícia Civil, tendo em vista o número de registros de
ocorrência realizados pela organização;
Taxa de processamento: se caracteriza pelo cálculo do número de processos
iniciados pelo Ministério Público, tendo em vista o número de ocorrências
registradas e inquéritos esclarecidos pelas Polícias (Militar e Civil);
Taxa de sentenciamento: se caracteriza pelo cálculo do número de processos
que alcançaram a fase de sentença no Judiciário, tendo em vista o número de
registros de ocorrências e inquéritos esclarecidos pelas Polícias (Militar e
Civil) e processos iniciados pelo Ministério Público;
Taxa de condenação: se caracteriza pelo cálculo do número condenações do
Judiciário, tendo em vista o número de registros de ocorrências e inquéritos
esclarecidos pelas Polícias (Militar e Civil), o total de processos iniciados pelo
Ministério Público e sentenças proferidas pelo Judiciário.
O cálculo das taxas permite aos pesquisadores da área do Sistema de Justiça Criminal
compreender, a partir de sua produção decisória, seu modus operandi, suas interfaces e quais
seus efeitos sobre o processamento dos crimes. Dessa forma, a reconstituição do fluxo ganha
contornos relevantes na medida em que evidência o número de casos que conseguiram chegar
ao último estágio do sistema e quantos foram sendo esquecidos pelo caminho. Logo, “quanto
maior a diferença (em termos percentuais) entre a base e o topo, maior a ideia de impunidade,
33
já que isso pode estar indicando que um grande número de lesões a direitos permanece sem o
devido exame judicial” (RIBEIRO & SILVA, 2010, p. 18).
Segundo Misse e Vargas (2007), as primeiras reflexões seguindo essa linha foram
realizadas nos Estados Unidos no início dos anos de 1960, adquirindo destaque a partir 1970.
A investigação centrava-se no último estágio, na sentença e na existência de seletividade na
aplicação da pena. Argumentava-se sobre a necessidade de acompanhar todas as etapas dos
processos no intuito de compreender o comportamento dos réus durante o trânsito pelo
sistema, questionava-se, em especial, se questões econômicas e sociais poderiam gerar algum
tipo de influência na condenação.
Já na Europa, especificamente na França, no mesmo período, o foco era a atuação do
Ministério Público. Isso ocorre devido ao número crescente de casos arquivados, constituindo
um indicador penal de maior crescimento, sobretudo na categoria autoria desconhecida e,
especialmente, para o crime de roubo. Posteriormente, estudos apontam a fase policial, que
correspondente à etapa de investigação, como a principal responsável pelo andamento dos
trabalhos, além disso, muitas das decisões tomadas pela justiça tinham como base as peças
produzidas durante a etapa pré-processual.
No Brasil, essa linha temática é recente, os primeiros estudos datam de meados da
década de 1980. Afirma-se como pioneiro o trabalho de Edmundo Campos Coelho, A
Administração da Justiça Criminal no Rio de Janeiro (1986) no qual o autor analisou o fluxo
do Sistema da Justiça Criminal para crimes e contravenções entre 1942 e 1967. Em suas
reflexões, Coelho mensura o fluxo dos processos que conseguem alcançar a fase Judicial, bem
como os que sobrevivem até a sentença, já destacando o aspecto funil do sistema.
Embora tenha surgido no final da década de 1980, é a partir dos anos 1990 que as
produções acadêmicas nessa seara ganham evidência e consolidam uma agenda de
investigação nas ciências sociais. A principal justificativa das abordagens nesta linha é
referente ao aumento da violência e da criminalidade, e a dificuldade dos gestores públicos
em formular propostas que proporcionem mudanças expressivas diante de problemas mais
complexos. Nesse cenário, as atenções se voltam para o sistema criminal, pois sobre o
Ministério Público, a Polícia, o Judiciário e o Sistema Carcerário, proliferam-se as acusações
de ineficácia, morosidade e impunidade (MISSE & VARGAS, 2007).
Os estudos chamam a atenção para os principais gargalos presentes no sistema de
justiça criminal, desde o registro da ocorrência até a fase de sentença. Valendo-se de
metodologias variadas, analisaram o fluxo de homicídios, crimes patrimoniais, estupro, roubo
34
e furto, bem como destacaram a morosidade no processamento dos casos, em diversas cidades
e estados da federação (São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Pernambuco, Minas Gerais e
Pará). Um levantamento realizado sobre pesquisas intituladas “Fluxo do Sistema de Justiça
Criminal” 13 , apontou que, se até o início da década de 1990 poucas eram as pesquisas
realizadas nessa área, nos últimos anos o número de publicações cresceu, porém continua
tímido se comparado a outros temas debatidos na área de violência, criminalidade e justiça no
Brasil (Quadro 2).
Segundo Kant de Lima (2000), embora o Sistema de Justiça Criminal trate-se de uma
questão legitima de investigação, a produção neste campo de conhecimento ainda é
embrionária tanto no país como em seus vizinhos latino-americanos. Algo que se difere de
outros países ocidentais, como os Estados Unidos onde há uma tradição em estudos que visam
a acompanhar as formas de atuação, operacionalização e manutenção do sistema de justiça,
contribuindo para a formulação e implantação de politicas públicas com a finalidade de
agregar medidas operativas para o setor.
Quadro 2
A evolução da produção acadêmica sobre fluxo do Sistema de Justiça Criminal
13
Cf., Nesse sentido, ver as revisões realizadas por Vargas e Ribeiro (2008); Ribeiro e Silva (2010).
14
Originalmente o trabalho de Coelho foi publicado em 1986 e posteriormente republicado em 2005, este é o
que está sendo utilizado no trabalho. No entanto, como a proposta do quadro é apresentar a evolução das
pesquisas realizadas manteve-se a data original.
35
Vera Tavares
Impunidade: uma realidade Rejane dos Santos 2004 Artigo (Fórum da
permanente Ivete Ferreira Amazônia Oriental)
Fluxo da justiça criminal em
casos de homicídios dolosos Theofilos Rifiotis 2006 Relatório de Pesquisa
na Região Metropolitana de CNPQ (Laboratório de
Florianópolis entre os anos de Estudos das Violências -
2000 e 2003 LEVIS)
Homicídios no fluxo do Artigo (Anais do
sistema de justiça criminal Flávio Cireno 2008 Encontro Anual da
em Pernambuco (2003-2004) José Luiz Ratton Anpocs)
Artigo (Anais do
Mensurando a impunidade no Ignacio Cano 2006 Congresso Latino-
sistema de justiça criminal do Americano de Ciência
Rio de Janeiro Política)
O fluxo do processo de
incriminação no Rio de Michel Misse 2007 Artigo (Anais do
Janeiro na década de 50 e no Joana Domingues Vargas Congresso Brasileiro de
período 1998-2002 Sociologia)
Segurança Pública no Brasil:
desafios e perspectivas Luiz Flávio Sapori 2007 Livro
Políticas Públicas de Artigo (Cadernos
Segurança e Justiça Penal Sérgio Adorno 2008 Adenauer Segurança
Pública)
Construção social dos crimes
de homicídios dolosos:
compreendendo fluxo dos Artigo (Anais do
papéis e impunidade dos Klarissa Almeida Silva 2008 Encontro Anual da
indivíduos a partir da análise Anpocs)
das tipologias
Mensurando a impunidade no Artigo (Anais do
sistema de justiça criminal do Ignacio Cano 2009 Congresso Brasileiro de
Rio de Janeiro. Thais Duarte Sociologia)
A Produção decisória do
sistema de justiça criminal
para o crime de homicídio: Ludmila Ribeiro 2010 Artigo (Dados – Revista
análise dos dados do estado de Ciências Sociais)
de São Paulo entre 1991 e
1998
O tempo do processo de
homicídio doloso em cinco Ludmila Ribeiro et al. 2014 Relatório de Pesquisa
capitais (Ministério da Justiça)
Fluxos e dinâmicas do
sistema de justiça criminal Maria Stela Grossi Porto 2015 Artigo (Fórum Brasileiro
nas representações sociais dos de Segurança Pública)
operadores envolvidos
A (in)efetividade da justiça
criminal brasileira Arthur Trindade M. Costa 2015 Artigo (Periódico Civitas)
Uma análise do fluxo de
36
justiça dos homicídios
no Distrito Federal
Fonte: Adaptado de Ribeiro & Silva; 2010. Elaborado a partir dos trabalhos publicados sobre a temática.
15
A apresentação dos dados compete aos trabalhos realizados sobre homicídios, para melhor entendimento
quanto ao cenário brasileiro em relação aos estudos de fluxo do Sistema de Justiça Criminal, ver Vargas e
Ribeiro (2008).
37
destacou que dos 556 homicídios registrados no Distrito Federal em 2004, 311 originaram
processos judiciais. Destes 311 processos, apenas 22 casos resultaram em condenação.
Perante o quadro apresentado, é perceptível as limitações do Sistema de Justiça
Criminal no que compete a identificar, processar e punir os criminosos, uma realidade que
vem sendo desenhada e evidenciada desde a década 1980, porém sem grandes
desdobramentos por parte dos gestores públicos. Em sua grande maioria, os casos de
homicídios registrados pelas organizações policiais não conseguem transpassar a “fase
policial” e os que conseguem passar adiante, poucos são os que sobrevivem até a condenação.
Embora “salte aos olhos” a ineficiência da justiça criminal brasileira, cujo maior
processo de filtragem tem lugar entre o encerramento do inquérito policial e o início do
processo judicial, em razão da não identificação da autoria do delito, é necessário cautela
quanto aos possíveis elementos explicativos desse quadro, devido à dificuldade na
disponibilidade de dados confiáveis que possibilitem ao pesquisador traçar com segurança e
com base em estatísticas oficiais a reconstrução de fluxos, apesar dos esforços empreendidos.
Problematizar a construção dos bancos de dados e sua interpretação é relevante, na medida em
que a maioria dos estudos realizados tem como foco o funcionamento do Sistema de Justiça
Criminal, todavia pouco se conhece sobre a efetividade do sistema e seus reflexos (MISSE &
VARGAS, 2007; COSTA, 2015).
Um fator importante a ser refletido nas pesquisas realizadas sobre a temática do fluxo
no Brasil compete às limitações dos dados manuseados, devem ser considerados problemas
tais como: o curto espaço de análise impossibilitando generalizar os resultados; o curto
intervalo de tempo para obtenção de resultados consistentes sobre a conclusão dos casos;
resultados que não se estendem a todas as fases do processo, ou seja, não se referem à
proporção de ocorrências que alcançam uma condenação, dentre outros. Logo, torna-se
relevante reconhecer que, ainda, pouco se sabe sobre a dimensão dos gargalos no sistema
(MISSE & VARGAS, 2007).
Segundo Vargas e Ribeiro (2008) um dos maiores desafios para o desenvolvimento de
estudos desse tipo é a ausência de um sistema oficial de estatística que reúna informações
sobre todas as etapas do fluxo do Sistema de Justiça Criminal, desde o registro da ocorrência
até o desfecho com a sentença. Outro ponto relevante é o fato de que cada instituição
desenvolve uma metodologia própria na sistematização dos dados, o que muitas vezes
dificulta a interpretação por parte do pesquisador e acaba por restringir a análise. Fatores
como estes justificam a timidez de trabalhos nesse campo no Brasil.
38
Para tentar suprir algumas das limitações decorrentes da ausência de dados oficiais,
recorre-se tradicionalmente ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do
Ministério da Saúde (MS), criado em 1979. O banco é alimentado pelos Estados a partir do
registro de óbito e apesar de ser utilizado com frequência pelos pesquisadores, sabe-se que as
informações são insuficientes devido a problemas no seu preenchimento.
Dessa Forma, pesquisas que têm como objetivo investigar estatisticamente padrões de
homicídios, violência de gênero, crimes patrimoniais, roubo ou furto, recorrem aos bancos de
dados das Polícias (Militar e Civil) que são relativamente mais organizados. Todavia,
ressaltam as autoras, que informações disponibilizadas pelos boletins de ocorrência da Polícia
Militar, são insuficientes em comparação com as informações contidas nos inquéritos da
Polícia Civil, porém mais acessíveis. No entanto, estas não são suficientes para a
reconstituição do fluxo do sistema, tendo em vista a impossibilidade do acompanhamento do
processamento dos delitos desde o registro na polícia até sua entrada no sistema prisional,
bem como identificar os motivos pelo quais um caso pode ser encerrado em qualquer estágio
do sistema.
Quando os dados referentes ao fluxo do Sistema de Justiça Criminal não existem de
forma sistematizada, os pesquisadores se deparam com alguns obstáculos para obter
informações. O primeiro deles é a autorização de acesso aos dados por parte dos operadores
do sistema. Se esta etapa é superada, com a autorização das autoridades encarregadas de
administrar o Sistema de Justiça Criminal, outra tem início com os agentes que atuam nas
instituições, que em alguns casos, tendem a dificultar a coleta regular dos dados, no geral,
retardando o acesso à informação alegando falta de tempo devido ao excesso de trabalho ou
ausência de espaço para recolha. Rompida as barreiras da recolha das informações, que
possibilite o desenvolvimento das pesquisas sobre o funcionamento do Sistema Justiça
Criminal, emergi outra questão importante à leitura dos dados, interpretar a realidade do
sistema a partir do material coletado (VARGAS & RIBEIRO, 2010).
Nessa leitura, torna-se perceptível que o bojo das considerações dos trabalhos é o
questionamento quanto à (in)eficiência da justiça criminal, a construção da pirâmide da
impunidade que, segundo Adorno (2002), representa a crise que perpassa o Sistema de Justiça
Criminal. Logo, a preocupação primordial dos autores torna-se contrapor o número de
ocorrências contra o número de processos desta natureza esclarecidos ou sentenciados, ou
seja, a elaboração das taxas de esclarecimento e condenação, o que acaba por restringir os
estudos a uma interpretação reducionista (VARGAS & RIBEIRO, 2008; COSTA, 2015), na
39
medida em que os debates se prendem a aspectos estruturais do sistema. Nesse sentido, é
consenso entre os autores, com pontuais variações regionais, que os resultados expõem um
sistema ineficiente já que as taxas são sempre inexpressivas.
Embora seja importante apresentar os números de casos que conseguem ter um
desfecho, tendo em vista que a partir daí é possível refletir sobre o impacto que a impunidade
também pode ter sobre o crescimento da violência e criminalidade no Brasil (CANO &
DUARTE, 2009), vale direcionar esforços também para pensar os mecanismos de
(re)produção dos processos, ou seja, faltam ainda estudos que nos ajudem a tentar
compreender os bastidores desse quadro, especialmente, questões institucionais e
organizacionais desse campo, voltando-se para os agentes que são responsáveis por papeis
que lhes garantem o poder da decisão nesse “mosaico de sistemas de verdade” estabelecidos
em elementos constitucionais, judiciários e policiais (KANT DE LIMA, 2000).
Nesse sentido, deve-se direcionar o olhar para os bastidores do Sistema de Justiça
Criminal: o dia a dia dessas organizações, a rotina de trabalho dos policiais, promotores,
defensores públicos e magistrados, que são a engrenagem do sistema. Esse direcionamento
torna-se relevante, na medida em que possibilita um melhor entendimento quanto à complexa
relação entre as organizações do Sistema de Justiça Criminal e suas práticas jurídico-penais.
Mais precisamente, em seu principal gargalo a fase policial que tem como personagens
principais os membros das Polícias (Militar e Civil) e do Ministério Público, a conclusão do
inquérito policial e a efetuação da denúncia, cuja (in)eficácia se evidencia desde a década de
80 no país.
Em grande parte dos países, existe uma etapa pré-processual destinada a apurar a
materialidade do delito. Essa fase pode ser atribuída e conduzida pela polícia de acordo com o
sistema inglês (common low), quanto pelo Ministério Público, seguindo os trâmites do sistema
romano-germânico (civil law), que conta com a polícia judiciária para o trabalho de
investigação, bem como de um juiz de instrução, característico de países como a França e a
Espanha (MISSE et al, 2010).
No Brasil, adotou-se uma solução mista durante a etapa que antecede ao processo,
cabe à Polícia Civil a investigação preliminar, nesse contexto elabora-se um documento
administrativo, uma espécie de dossiê com peças que comprovam a materialidade do delito
denominado de inquérito policial. Ao término das investigações este documento é
encaminhado ao Ministério Público, que ao analisar o caso pode realizar a denúncia, solicitar
novas investigações ou pedir o arquivamento do caso. Nesse âmbito, diante da precariedade
40
de recursos, muitos procedimentos durante a condução do inquérito policial acabam não
sendo realizados, justificadas pelo sistema devido às dificuldades presentes no cotidiano que
impedem uma resposta ágil e eficiente. Como um dos reflexos, tem-se um número baixo de
casos que conseguem seguir adiante, além de desencadear um acúmulo de inquéritos policiais
nas delegacias retardando o funcionamento do sistema (MISSE et al, 2010).
Em uma rua, entre tantas do centro da cidade de Maceió, em meio às lojas comerciais
e ambulantes dispersos, funciona a Central de Inquéritos Policiais Pendentes (CIPP). Com
uma fachada que em muito lembra uma residência familiar, aquelas com um grande portão de
ferro e com uma estreita passagem para as escadas que levam a seu interior, tudo bem
discreto. A única coisa capaz de identificar o que há no local é um adesivo com o símbolo da
Polícia Civil de Alagoas e logo abaixo o nome Central de Inquéritos Policiais Pendentes
(CIPP), colado na porta de vidro.
Ao chegar ao prédio, abri a porta guardada por um cadeado e segui em direção à
recepção, buscava informações para realização da pesquisa. Fui atendida pela secretária, uma
senhora atenciosa, que já está há mais de 20 anos trabalhando na Polícia Civil, com um ar
curioso ela perguntou o porquê da minha visita, pois o lugar “não costuma a ser visitado por
quem não é da polícia”. Respondi explicando o motivo da minha visita, ela em seguida
comunicou a um dos delegados sobre a minha presença no local. Pouco tempo depois, um
delegado apareceu e caminhamos em direção à sua sala, passamos por um corredor estreito,
com vários cômodos separados por divisórias, todos devidamente identificados. As salas são
padronizadas com mesas, cadeiras, computadores, ar condicionados e estantes de ferro com
vários arquivos e pastas em suas prateleiras, os documentos são os inquéritos policiais nos
quais os crimes estão há anos sem perspectiva de conclusão e a CIPP tornou-se a última
alternativa.
Na CIPP funcionam quatro cartórios, seu corpo é composto por três delegados, sendo
um deles também coordenador, um chefe de operações, quatro escrivães, duas assistentes de
cartório e oito agentes. Embora tenha um desenho estrutural de uma delegacia tradicional, a
central não funciona tal como o modelo, sua principal característica é investigar os crimes
mais antigos, que começaram a ser apurados nas delegacias distritais e especializadas, mas
não seguiram enfrente, esses inquéritos inconclusos são encaminhados para CIPP.
41
Durante minha conversa com o delegado, que tem mais de 10 anos de carreira e
passou por delegacias do interior e da capital, entre elas a Delegacia de Homicídios em um
período delicado. Na época, Alagoas já liderava os índices de homicídio e a capital Maceió,
assistia a uma verdadeira escalada de mortes de jovens negros (WAISELFISZ, 2013).
Perguntei como foi trabalhar na investigação dos homicídios, pensativo como quem revive
memórias, ele desabafou:
42
de fato, contrariando a legislação processual penal, que constitui a necessidade do respaldo do
Ministério Público e acolhimento pelo juiz para os casos de arquivamento.
Diante desse cenário, numa tentativa de resolução do problema dos inquéritos
pendentes, nasce em 22 de fevereiro de 2010 a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança
Pública (ENASP), uma iniciativa conjunta entre o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça (MJ) com o objetivo
de promover a articulação das organizações que constituem o sistema de justiça e de
segurança pública, reunindo-os para planejar e coordenar diretrizes nacionais de combate à
violência e a morosidade do sistema de justiça.
As primeiras ações convencionadas pelas instituições integrantes da ENASP, que
permanecem em andamento, são: a) a criação do Grupo de Persecução Penal (GPP), sob a
coordenação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); b) a criação do Grupo de
Sistema Prisional e Execução Penal, sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), ambas concentram esforços para erradicar as prisões em delegacias; c) a criação do
Grupo de Sistemas e Informações Penais, coordenado pelo Ministério da Justiça (MJ),
empenhando-se na criação de um cadastro nacional de mandados de prisão.
Nesta perspectiva, o Grupo de Persecução Penal (GPP), coordenado pelo Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP), estabeleceu, por consenso, as chamadas "metas",
são elas:
Meta 1 (CNMP): que tem por finalidade identificar a subnotificação nos
crimes de homicídio, permitindo esforços específicos para sua redução;
Meta 2 (CNMP): concluir todos os inquéritos policiais e procedimentos de
investigação de crimes de homicídios dolosos instaurados até o dia 31 de
dezembro de 2007. Durante os esforços para o cumprimento da Meta 2 em sua
concepção original, ocorreu o acréscimo de duas outras fases, referentes aos
anos de 2008 e 2009, que permanecem sem alteração desde outubro de 2014.
Conforme o Conselho Nacional do Ministério Público (2012), diante do crescimento
da violência homicida que assombra o país na última década e as falhas do sistema de justiça
que não responde as demandas de forma eficaz, corroborando com a afirmação de
desarticulação e fragilidade do sistema e consequentemente a impunidade e seus impactos no
aumento dos casos de homicídio, a finalidade da Meta 2 era proporcionar um novo rumo ao
Sistema de Justiça Criminal por meio da articulação entre as instituições, rompendo com os
43
entraves burocráticos e a ausência de procedimentos desencadeados pela falta de estrutura e
comunicação, numa tentativa de redesenhar um novo fluxo de tramitação.
As mobilizações da Meta 2 começaram em fevereiro de 2010, quando todas as
Unidades Federativas tinham que realizar um levantamento dos inquéritos policiais de
homicídio pendentes nas delegacias de polícia e encaminhar os relatórios com o objetivo de
iniciar os trabalhos. Essa demanda foi realizada pelos representantes da Meta em cada estado,
mediante a ideia de estabelecer um trabalho integrado, cada instituição componente do projeto
– Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia Civil – indicaria seu representante.
Participaram também desse processo defensores públicos e peritos criminais, essa articulação
era uma estratégia para combater os “gargalos” presentes no fluxo do sistema de justiça.
Em alguns estados como, Rio de Janeiro, Rondônia, Ceará, Roraima, Bahia, Goiás,
Espírito Santo e Alagoas, houve a necessidade de criação de forças-tarefa para realização dos
trabalhos diante do volume de inquéritos policiais pendentes, nesses casos, um número maior
de agentes foi redirecionado pelos delegados gerais para potencializar as investigações e
condução dos inquéritos. Segundo as diretrizes da Meta 2, o prazo para a finalização dos
trabalhos era até 30 de abril de 2012, o resultado seria considerado satisfatório se os estados e
o Distrito Federal, alcançassem 90% da finalização dos inquéritos.
O levantamento revelou um déficit de 134.944 inquéritos policiais sem resolução.
Estes inquéritos encontravam-se paralisados em prateleiras e gavetas nas delegacias pelo país,
sem perspectiva de investigação, bem distante de uma conclusão. Na maioria dos estados a
realização dessa atividade, aparentemente simples, ganhou ares complexos diante da ausência
de sistemas de informação que auxiliassem nesse processo. As únicas exceções foram Brasília
e São Paulo, as delegacias destes estados eram informatizadas o que facilitou o
desenvolvimento da atividade. Nas demais, foi desafiador devido aos problemas operacionais.
A ausência de investimentos em tecnologia nas organizações de segurança pública e justiça
criminal acabam por limitar o funcionamento do sistema colaborando para fragmentação dos
registros de cada instituição.
Ainda de acordo com CNMP, nesse processo foi possível constatar diferenças
regionais com relação ao volume de inquéritos. O Sudeste registrou um número maior de
casos pendentes, 76.780, cerca de 95,54% para cada 100 mil habitantes. Em seguida aparece o
Nordeste com um estoque de 31.297 inquéritos aguardando um desfecho e uma taxa de
58,96%. A região Sul, por sua vez, registrou 12.247, com 46,91%. Já o Centro Oeste
despontou com 8.620 e uma cota de 61,32%. Em contrapartida o Norte do país apresentou um
44
estoque inicial de 5.400 inquéritos, uma taxa de 34,04% inquéritos pendentes para cada 100
mil habitantes.
Nesse ínterim, os estados que despontaram com maior número de inquéritos policiais
inconclusos foram Rio de Janeiro, com 47.177, o Espírito Santo, com 16.148, e Minas Gerais,
com 12.032. Na outra ponta, Amapá, Acre e Piauí, com 46, 143 e 161, respectivamente,
apresentaram menor acúmulo de inquéritos compreendidos pela Meta 2.
A situação em alguns estados era bem delicada transparecendo a necessidade de maior
participação por parte das instituições do ENASP. A ausência de estrutura e a desorganização
procedimental que constituem os órgãos do Sistema de Justiça Criminal, retratos de
sucessivos problemas acumulados historicamente como formatação burocrática ineficiente,
padrões ultrapassados de gestão administrativa, incapacidade da gestão pública de promover
medidas de intervenção e controle diante de problemas mais complexos (ADORNO, 2008),
desencadearam na incorporação de efetivos da Polícia Civil ao corpo da Força Nacional de
Segurança Pública, pelo Ministério da Justiça em 2010. Um estado em especial foi o
responsável direto por essa adesão, Alagoas.
Durante o levantamento realizado pela Polícia Civil de Alagoas, foi constatado cerca
de 4.180 inquéritos policiais de homicídios paralisados no estado, só a capital, Maceió, tinha
contabilizado 4.000. Inúmeras mortes sem qualquer reconhecimento por parte dos gestores
públicos, um cenário onde a impunidade gritante é silenciada diante da inércia16.
Na tentativa de reverter esse quadro, a Delegacia Geral da Polícia Civil encaminhou o
oficio n° 3835-10-DGPC-GD, para o governo do Estado, relatando a situação delicada e
propondo a realização de concurso público com o intuito de suprir a carência de efetivo e
tentar remediar o problema. No entanto, alegando “ausência de previsão orçamentária e
financeira”, bem como “impeditivos da ordem da legislação infraconstitucional e
responsabilidade fiscal”, o pedido foi negado pelo executivo estadual, todavia não
desprezado. Em busca de uma solução o então governador, Teotônio Vilela Filho, recorreu à
16
Embora a Polícia Civil não tenha explicitado quantos inquéritos pendentes eram de fato referentes ao crime
de homicídio, os indícios levam ao entendimento de que há uma relação. O teor das trocas de documentos entre a
instituição e o executivo estadual, remete sempre ao dispositivo de metas elaborado pela ENASP, conforme os
documentos apresentados no texto. Infelizmente, a ausência de registros por parte da instituição com relação aos
inquéritos policiais de anos anteriores a 2012 acaba impedindo uma mensuração precisa. Durante as entrevistas
com os operadores do sistema era perceptível a falta de clareza quanto ao volume exato, às informações são
truncadas. Entender este cenário é montar um quebra cabeças no qual diversas peças são acionadas, mas nem
sempre representam os fatos em sua totalidade. Haverá sempre na história da segurança pública e justiça criminal
de Alagoas uma lacuna, algo indizível. Neste sentido, os dados abordados são empregados mediante a troca de
documentos oficiais, neste caso o Relatório do Conselho Nacional do Ministério Público e os ofícios
apresentados pelas intuições e publicados no Diário Oficial do Estado de Alagoas.
45
União, que uma vez ciente da situação, posicionou-se pela constituição de uma força tarefa
composta por delegados, agentes e escrivães que passariam a integrar a já existente Força
Nacional de Segurança Pública.
Nessa perspectiva, o governo do Estado formalizou o pedido por meio da solicitação
n° 168/2010 direcionada ao Ministério da Justiça requisitando o reforço da concebida Polícia
Judiciária da Força Nacional para atuar na investigação dos homicídios direcionados à Meta
2. A solicitação é amparada pela lei nº 11.473, de maio de 2007, que prevê acordo de
cooperação entre Estados, Distrito Federal e União “para execução de funções
imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio”. Desta forma, o acordo “compreende operações conjuntas, transferências de
recursos e desenvolvimento de atividades de capacitação e qualificação de profissionais”17.
Para o desenvolvimento dos trabalhos, foi criado o Gabinete de Gestão Integrado
(GGI) em novembro de 2010, composto por membros das forças de segurança locais e da
Força Nacional. Em sua concepção original o GGI é um espaço para discussões e
determinações em consenso, uma forma de evitar “disputas pelo comando” (SOARES, 2007),
assim visando aproximar os agentes e proporcionar a integração e agilidade aos trabalhos,
bem como reafirmar a liberdade e legitimidade de atuação da Força Nacional em território
alagoano, conforme portaria publicada no Diário Oficial do Estado de Alagoas em 05 de
novembro de 2010.
17
Acordo de cooperação 11.473 de Maio de 2007. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11473.htm. Acessado em junho de 2016.
46
Considerando a carência de efetivo policial, à monta de aproximadamente 2.500
(dois mil e quinhentos) policiais civis, constante dos quadros de Delegado de
Polícia, Escrivão de Polícia e Agentes de Polícia Civil do Estado de Alagoas;
Considerando o indeferimento do pedido de concurso público realizado pela atual
Direção Geral de Polícia Civil do Estado de Alagoas, sob justificativa de ausência de
previsão orçamentária e financeira deste Ente Estatal, além de impeditivos da ordem
da legislação infraconstitucional e responsabilidade fiscal;
Considerando o teor do Ofício n° 168/2010 do Excelentíssimo Senhor Vice-
Governador, no exercício do Cargo de Governador do Estado de Alagoas
endereçado ao Ministro de Estado da Justiça, Dr. Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto,
que solicita a autorização da vinda de servidores pertencentes à recém criada Polícia
Judiciária Investigativa da Força de Elite, com o objetivo de contribuir nas
investigações policiais em curso e pendentes, sob apoio logístico e supervisão da
Polícia Civil de Alagoas;
RESOLVE:
Criar Gabinete de Gestão Integrada com a participação dos Diretores de Polícia
Judiciária e a Força Nacional de Segurança Pública, composto por Delegados de
Polícia Civil, como segue:
a) Delegado-Geral da Polícia Civil;
b) Delegado-Geral Adjunto da Polícia Civil;
c) Diretor de Polícia Judiciária Metropolitana – DPJM;
d) Diretora de Estatística e Informática da Polícia Civil – DEINFO;
e) Setorial de Gestão Administrativa e de Finanças – CSGAF; e
f) Dois Coordenadores da Força Nacional de Segurança Pública.
2- O Gabinete de Gestão Integrada funcionará anexo ao Gabinete do Delegado-
Geral, com sede na Rodovia AL 101 Norte, Km 05, s/n, Jacarecica, Maceió/AL,
CEP 57039-370.
DAS ATRIBUIÇÕES
3- O Gabinete de Gestão Integrada terá por meta implementar a atuação dos
servidores civis nas atividades desenvolvidas no âmbito da Força Nacional de
Segurança Pública, conforme previsto nos artigos 3° e 5° da Lei n° 11.473, de 10 de
maio de 2007, compreendendo:
a) auxílio às ações de polícia judiciária estadual na função de investigação de
infração penal, para a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e
materialidade;
auxílio às ações de inteligência relacionadas ás atividades destinadas à preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio;
b) realização de atividades periciais e de identificação civil e criminal
destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou de
infração penal;
c) auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para
reconhecimento de vitimados;
d) apoio a ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da
sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades
fundamentais.
3.1- As atividades de cooperação federativa serão desenvolvidas sob a coordenação
conjunta da União e do ente convenente.
3.2- A presidência dos Inquéritos Policiais, objeto da cooperação, será exercida por
autoridades policiais componentes da Central de Inquéritos Policiais Pendentes, que
abrirão vistas para instrução procedimental sob responsabilidade das autoridades
policiais da Força Nacional de Segurança Pública que, após relatório final
conclusivo remeter aos autos à Delegacia Geral da Polícia Civil que, ratificando os
atos administrativos, encaminhará à distribuição do Poder Judiciário.
4- O local de funcionamento das atividades da Força Nacional de Segurança Pública
se dará nas instalações físicas à Rua da Alegria, n° 398, Centro, Maceió/AL, CEP
57020-320, onde serão realizadas as oitivas procedimentais e de instrução, pelo
período compreendido do dia 04/11/2010 à 20/12/2010, sob coordenação de
autoridade policial da Força Nacional.
5- As autoridades policiais componentes da Força Nacional de Segurança Pública
poderão requisitar diretamente as diligências policiais, intimações, notificações e
47
laudos técnicos aos respectivos destinatários, visando à instrução procedimental dos
Inquéritos Policiais que estiverem atuando em auxilio.
6- As autoridades policiais da circunscrição do local das diligências policiais
deverão prestar todo o auxilio aos integrantes da Força Nacional de Segurança
Pública, para a fiel execução de seus atos nos termos da Lei, sempre que solicitados.
7- Os casos omissos serão resolvidos pelo Gabinete de Gestão Integrada (DIÁRIO
OFICIAL DE ALAGOAS, 2010, p.26-27).
18
Ao citar trechos dos documentos no corpo do texto os nomes ou lugares serão substituídos por X ou,
dependendo do conteúdo, por nomes fictícios.
48
Na busca por uma solução para o problema, a Delegacia Geral da Polícia Civil
resolveu criar uma central nos moldes de uma delegacia, no entanto sem carceragem, com
uma única finalidade, os delegados, escrivães e agentes se dedicariam exclusivamente aos
inquéritos antigos, liberando as demais unidades para as investigações atuais. Inicialmente, a
resposta às demandas era bastante positiva, os seis cartórios conseguiam responder de forma
satisfatória. Entretanto, durante a realização do levantamento da Meta 2 a real gravidade
emergiu, eram 4.000 casos inconclusos em Maceió, transformado a CIPP em uma espécie de
cemitério de inquéritos.
Nesse período, Maceió já possuía uma DHC, criada em 2009, espelhada no modelo de
trabalho adotado pelo Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoas (DHPP) de São
Paulo, atuando em casos de homicídios com autoria desconhecida. No entanto, a estrutura da
delegacia era deficiente, conforme relatou o delegado no início dessa seção. A capital possui
14 delegacias distritais, a DHC ficava no bairro do Poço, na área do 2º distrito da capital, que
cobria cinco bairros (Pajuçara, Poço, Ponta Verde, Jatiúca e Jaraguá), uma região onde o
índice de homicídio é relativamente baixo, dessa forma a atuação da delegacia ocorria
principalmente “em crimes de repercussão” por tratar-se de uma área nobre da cidade. Os
trabalhos também se estendiam a mais dois distritos, o 8º na área do Benedito Bentes e o 10º
que corresponde à Cidade Universitária, Santos Dumont e Tabuleiro dos Martins, territórios
que concentram o maior percentual das ocorrências da capital.
Nesse sentindo, a atuação dos agentes ocorria da seguinte forma: ao chegarem até o
local do evento do criminoso, durante a investigação preliminar, se fosse possível identificar o
autor e a motivação do delito, o caso seria direcionado para as delegacias distritais e caberia a
elas a condução dos procedimentos necessários para tramitação do inquérito. Porém, nos
casos onde o crime foi consumado e o autor não identificado a Delegacia de Homicídios
entrava em cena, conforme explica o delegado:
Meus policiais iam para esses locais, quando tinha um homicídio, todos os locais
foram visitados pelos meus policiais, que faziam o levantamento, não contavam com
a minha presença porque geralmente os crimes aconteciam à noite, de madrugada,
no dia seguinte eu estava na delegacia, estava no expediente, então eles iam fazer o
local de crime sem a minha presença. Isso era uma grande falha, que eu acho, que
hoje graças a Deus a gente corrigiu desde o Brasil Mais Seguro, houve essa
correção. Sem um delegado plantonista, iam só os agentes de polícia, iam cerca de 2,
3 agentes de plantão, para os locais de crime. Se durante aquele momento, durante a
investigação preliminar, se descobrissem a autoria, já soubessem que foi João,
fulano de tal, aquele homicídio, aquele levantamento já era encaminhado pra
delegacia, o do 2ª, do 8ª ou 10ª distritos, o levantamento já com o autor. Se não, no
momento naquela investigação policial, na investigação preliminar, não se
49
descobrisse o autor, agente instaura o inquérito policial pra apurar aquele homicídio
na delegacia de homicídios da capital (Delegado da Polícia Civil de Alagoas).
Quadro 3
Cheklist do Inquérito Policial da Polícia Judiciária de Força Nacional
de Segurança Pública
1- Autoria do crime Autoria do crime definida
50
Tipificação penal
Crime qualificado
Em curso
3- Da vítima Identificação
Qualificação
Documentação
4- Acusado Identificação
Qualificação
Documentação
Laudo toxicológico
Laudos diversos
Depoimento de testemunhas
instrumentais
Depoimento de testemunhas
diferenciadas
51
Relatório de diligências efetuadas
19
“Força Nacional Judiciária esclarece mais de 150 assassinatos em Maceió” Melhor Notícia edição de 20 de
Dezembro de 2010. Disponível em: http://melhornoticia.com.br/noticia/policia/mn31973041/forca-nacional-
judiciaria-esclarece-mais-de-150-assassinatos-em-maceio. Acessado em: julho de 2016.
52
O delegado geral da Polícia Civil de Alagoas seguiu a mesma linha do colega,
responsável pela Força Nacional, não entrou em detalhes quanto aos inquéritos ainda
estocados, apenas afirmou que solicitaria prorrogação da estadia dos agentes da Força
Nacional por mais noventa dias para dar continuidade aos trabalhos, mediante a carência de
efetivo da Polícia Civil de Alagoas.
Em 2011, após alcançar uma taxa de 71,3 homicídios para cada 100 mil habitantes
(WAISELFISZ, 2012), a maior já registrada no país, o efetivo da Força Nacional ganhou
reforço com novo pedido do governo do estado. Nesse desenrolar de fatos, em 12 de março,
os principais veículos de comunicação cobriram com expectativa a visita do então Ministro da
Justiça à Alagoas, após o pedido de auxílio à União realizado pelo então governador do
estado, Teotônio Vilela Filho, para implantação de medidas que contribuíssem para conter o
vertiginoso e alarmante crescimento dos casos de violência homicida no estado. Uma das
matérias estampava a seguinte notícia: “Vilela diz a Ministro que Alagoas registra 180
homicídios por mês: governador pede Força Nacional, dinheiro para construção de presídio e
verba para estruturar o centro de perícias” 20.
O apelo foi feito durante o “1º Colóquio de Experiências Exitosas na Prevenção e
Redução de Homicídios”, seminário idealizado para debater ações no campo da segurança
pública, realizado em Maceió. Ao ministro da Justiça, a época José Eduardo Cardoso,
Teotônio Vilela Filho fez um grave comparativo sobre os assassinatos que são registrados no
estado, transparecendo o colapso pelo qual perpassava a segurança pública. “Todo mês cai um
boing lotado em Alagoas e todos morrem. São 180 homicídios mensalmente, o que equivale a
um boing lotado”, afirmou o governador, ditando o tom da reunião: “Alagoas pede socorro”21.
20
“Vilela diz a Ministro que AL registra 180 homicídios por mês”, Portal Gazetaweb, edição de 12 de Março de
2011. Disponível em: http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia-old.php?c=226789&e=2. Acesso em: Agosto de
2016.
21
“Sobre violência, Teotônio Vilela diz que Alagoas pede socorro”, Cada Minuto, edição de 11 de Março de
2011. Disponível em: (http://www.cadaminuto.com.br/noticia/110538/2011/03/11/teotonio-vilela-diz-que-
alagoas-pede-socorro); “Téo admite descontrole da violência” Gazeta de Alagoas, edição de 12 de Março de
2011. Disponível em: (http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/). Acesso em: Agosto de 2016.
53
Entre as reivindicações do governo de Alagoas estava o pedido para realização de
ações semelhantes as que ocorreram no Rio de Janeiro no combate a criminalidade urbana e
ao tráfico de drogas 22, bem como a liberação de recursos para construção de um presídio
masculino e do Centro de Perícias Forenses, que abrigaria o Instituto Médico Legal, o
Instituto de Identificação e de Criminalística de Maceió, além do aparelhamento e
modernização tecnológica do sistema de rádio comunicação das polícias. Outro pedido de
grande porte competia à presença da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para
reforçar o policiamento ostensivo junto com a Polícia Militar e dar celeridade às
investigações, dando suporte à Polícia Civil.
Durante a reunião, que contou com representantes do Ministério da Justiça e da cúpula
da segurança pública alagoana, um “pacto” de cooperação foi firmado e proporções foram
estabelecidas e divulgadas na batizada “Carta de Alagoas”. A cada linha, o conteúdo do
documento expressa a complexidade do problema dos homicídios, as dificuldades da gestão
pública em lidar com o fenômeno e como Alagoas se tornaria um “laboratório” para ações de
parceria entre o Governo Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no combate
à criminalidade. As ações descritas na carta, retratada mais adiante, antecederam o que no ano
seguinte se tornaria o Programa de Redução da Criminalidade Violenta - Brasil Mais Seguro,
trata-se do prelúdio, o manuscrito de uma política pública governamental com o objetivo de
reduzir os índices de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), idealizado pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP).
22
Em novembro de 2010, em resposta a uma série de ataques de facções criminosas ocorridos na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, forças públicas de segurança ocuparam o Complexo do Alemão e a Vila
Cruzeiro em uma megaoperação. Cerca de dois mil homens entre policiais civis, militares, federais, Exército e
Marinha, foram mobilizados. Após dias de intensos conflitos, com veículos queimados e vinte e três mortos, um
dos braços fortes do Estado sobe ao topo do morro levando a uma fuga de traficantes, a cena de homens
fortemente armados, em fuga por uma pista de terra, alguns a pé, outros motorizados, foi capa de vários veículos
de comunicação pelo país e no exterior. Ao alcançarem o local mais alto do complexo de favelas, uma bandeira
do Estado do Rio de Janeiro foi hasteada. Era o símbolo da retomada de um território. Mais informações em:
“Polícia e Exército iniciam invasão no Complexo do Alemão”, Estadão, edição de 28 de novembro de 2010.
Disponível em: (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,policia-e-exercito-iniciam-invasao-no-complexo-
do-alemao,646417); “Ocupação da Vila Cruzeiro”, TV Globo, 25 de novembro de 2010. Disponível em:
(http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/ocupacao-do-alemao/a-ocupacao-da-vila-
cruzeiro.htm). Acesso em: Agosto de 2016.
54
CARTA DE ALAGOAS
Os participantes do 1º Colóquio de Prevenção e Redução de Homicídios, reunidos em
Maceió, capital do Estado de Alagoas, no dia 12 de março de 2011, decidem externar suas
conclusões:
1. A violência e a criminalidade são problemas graves e complexos que restringem direitos
fundamentais e que afetam o desenvolvimento social e econômico.
2. O enfrentamento à criminalidade e à violência requer atuação integrada dos diversos entes
governamentais, observado o Pacto Federativo e as competências estabelecidas na
Constituição Federal.
3. As políticas públicas voltadas para a área da segurança devem priorizar atuações
multidisciplinares, com a participação da sociedade civil e dos trabalhadores da segurança
pública.
4. Os princípios e as diretrizes resultantes da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública
devem orientar todas as ações governamentais.
5. Visando à proteção do direito à vida, o homicídio é um grave crime que deve ser
considerado como uma prioridade.
6. Os gestores municipais e estaduais possuem a percepção local sobre a violência e a
criminalidade, fundamental para a elaboração das políticas públicas estaduais e nacionais
para a prevenção e redução de homicídios e suas causas.
7. A gestão pública na área da segurança deve estar orientada por diagnósticos precisos sobre
a violência e a criminalidade, de forma a possibilitar a elaboração de ações conjuntas
eficientes, acompanhadas do devido monitoramento e avaliação posterior.
8. Assim como a prevenção, a repressão qualificada é imprescindível, com a utilização de
tecnologia e conhecimento técnico-científico avançados.
9. A redução da circulação de armas de fogo contribui para a redução de mortes intencionais.
10. São necessárias políticas públicas específicas para a segurança e a proteção dos grupos
sociais considerados vulneráveis, especiais ou mais suscetíveis à violência e criminalidade.
11. Em decorrência do Estado de Alagoas estar liderando o ranking de homicídios no Brasil,
o Governo Federal decide escolhê-lo como laboratório nas suas ações de parceria para o
combate à criminalidade.
12. O Ministério da Justiça se compromete a repassar imediatamente ao Governo de Alagoas
o mapa das incidências criminais de homicídios atualizadas para a implementação das
políticas locais.
55
13. O Ministério da Justiça se compromete a realizar parceria com o Governo do Estado para
a instalação das primeiras 43 bases comunitárias de segurança deste Governo no Estado de
Alagoas.
14. O Ministério da Justiça, mediante a solicitação do Governo do Estado determina o envio
da Força Nacional de Segurança, seguimento de Polícia Judiciária e Ostensiva imediatamente
para auxiliar o Estado na conclusão dos inquéritos instaurados por homicídios no Estado,
inicialmente por 60 dias, podendo ser prorrogadas.
15. O Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal, fornecerá
instrumental técnico para o monitoramento dos inquéritos no Estado.
16. O Governo do Estado de Alagoas realizará a efetiva instalação do Gabinete de Gestão
Integrada e fornecimento de todos os dados criminais e penitenciários do Estado ao
Ministério da Justiça.
17. Ampliação das ações de capacitação dos diferentes atores que trabalham com a
prevenção do uso de drogas, o tratamento de dependentes e o enfrentamento ao tráfico.
18. Produção de diagnóstico epidemiológico e etnográfico sobre o consumo do crack e outras
drogas no estado de Alagoas, incluindo as zonas rurais.
19. Assinatura de convênio com o governo de Alagoas para a captação do Fundo Nacional
Antidrogas, para aplicação dos recursos no Estado.
Sendo assim, firmamos esta Carta de Alagoas, com o firme propósito de fortalecer os laços
de parceria entre os entes federados para fortalecer os debates e a integração de ações pela
redução de homicídios, da criminalidade e da violência e em favor da vida e da cultura de
paz.
Maceió, 12 de março de 2011.
Governo do Estado de Alagoas e Ministério da Justiça.
Fonte: http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia-old.php?c=226926&e=6. 13 de Março de 2011.
56
instituições de segurança pública e justiça criminal (por meio da investigação dos crimes),
com vistas ao combate da criminalidade e da impunidade.
A primeira medida a ser adotada competia ao aumento do efetivo da Força Nacional,
seguimento de polícia judiciária e ostensiva em caráter emergencial, para auxiliar as forças
locais de segurança por 60 dias, podendo ser prorrogados. Nesse sentido, no dia 15 de março
de 2011, dois dias após a realização do colóquio, agentes da Força Nacional desembarcaram
em Maceió, dando início a chamada Operação Jaraguá, que tinha como objetivo principal dar
um desfecho para os inquéritos pendentes, iniciados em 2010 pela polícia judiciária, deixando
a Polícia Civil livre para atuar nos casos recentes, assim como conter a escalada de
homicídios por meio do seguimento ostensivo. Desta forma, uma parte da Força Nacional
voltou para CIPP, dando continuidade às investigações dos inquéritos policiais da Meta 2 e a
polícia ostensiva seguiria para SEDS.
Nesse interim, em 25 de Março de 2011, o Conselho Superior da Polícia Civil emitiu
uma nova resolução Ad Referendum nº 106/2011, no qual reforça a criação do GGI diante do
retorno da Força Nacional ao estado e das diretrizes emitidas na Carta de Alagoas. Além
disso, uma nova solicitação ao Governo do Estado para realização de concurso público foi
feito pelo conselho, conforme o trecho contido no documento publicado no Diário Oficial do
Estado:
É perceptível que parte das medidas idealizadas durante o colóquio tem resquícios do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), lançado no segundo mandato
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O programa tinha previsão orçamentária de seis
anos, o que incluía a metade do mandato do sucessor na Presidência. Desta forma, ele estava
em vigor no início do primeiro governo Dilma Rousseff, quando o acordo foi estabelecido.
Nessa leitura, a conjuntura alagoana era ainda mais desafiadora, tendo em vista que serviria
57
de parâmetro para elaboração de futuras políticas, pois na agenda da segurança “tem havido
mais continuidade do que descontinuidade” (SOARES, 2007, p.92).
O PRONASCI tinha como sustentáculo ações de caráter pontuais, não explicitando
grandes reformas institucionais no âmbito da segurança pública (SOARES, 2007; ADORNO,
2008). Duas categorias eram centrais: “Ações Estruturantes” e “Programas Locais”, seguido
por vários eixos temáticos e subtópicos, entre eles a disponibilidade da Força Nacional de
Segurança Pública, o aumento do número de vagas em presídios, investimentos em ações de
inteligência, investigação de crimes e policiamento comunitário, a criação de Gabinetes de
Gestão Integrada Municipal e Conselhos Comunitários de Segurança Pública, algumas das
medidas já previstas para serem adotadas em Alagoas.
De acordo com a análise de Soares (2007), o mérito do programa estava no espaço
aberto para o diálogo entre estados, municípios e a sociedade civil organizada, possibilitando
uma maior ênfase nas políticas sociais preventivas, bem como na valorização do aparato
policial e na melhoria nas investigações. Não obstante, pecava por não propor entre suas
medidas reformas estruturais mais profundas e há muito tempo debatidas neste campo, a
exemplo da “desconstitucionalização das polícias”, que chegou a ser sinalizada pelo governo,
mas acabou por ser “esquecida” na leitura final do texto.
Pensando as medidas direcionadas a investigação dos homicídios, a produção do
inquérito policial, a ideia apresentada ainda em 2010 com a criação do Gabinete de Gestão
Integrada e reforçada no ano seguinte, era unir forças, trabalhar de forma conjunta para vencer
os gargalos da justiça criminal e contribuir para o esclarecimento dos crimes de homicídio.
Apesar da grande mobilização, foi uma tentativa que passou timidamente, mais um
longo hiato, pois nada de efetivo foi executado por parte da cúpula da segurança pública
alagoana. Embora as diretrizes da carta tenham sido bem construídas, com medidas que
permitiam ações tanto paliativas, o que seria de grande relevância em um momento de
incertezas como se encontrava a gestão pública de segurança, como ações pertinentes de
reflexos futuros, que requer planejamento e tempo para seu desenvolvimento. Um documento
com proporções que possibilitavam um novo caminhar para segurança pública e justiça
criminal, mas que passou despercebido durante todo o ano de 2011.
Teve o colóquio, esperava-se que algo acontecesse, isso foi em 2011, mas aí é que
tá, em 2011 não foi aplicado nada de prática. Tanto é que em janeiro de 2012,
inclusive nas minhas férias, eu estava de férias nesse período, a Delegacia de
Homicídios recebeu a visita de uma equipe de Brasília, juntamente com eles tinha
um delegado do Rio de Janeiro, que eu lembre, não havíamos evoluído com relação
58
à Delegacia de Homicídios e todo o resto, eu te garanto que em 2011, não tinha nada
além do que tinha em 2010, não se teve (Delegado da Polícia Civil de Alagoas).
A estrutura de 2011 não mudou da estrutura de 2010. Tanto é que quando eles foram
lá nessa visita em janeiro de 2012 [referindo-se a visita realizada pela equipe da
SENASP à delegacia de homicídios], eles não entenderam porque que não havia
evoluído a Delegacia de Homicídios, por que não mudaram o prédio da Delegacia de
Homicídios, porque que não melhoraram realmente, não deram mais estrutura,
porque que não se investiu na investigação dos homicídios (Escrivã da Polícia Civil
de Alagoas ).
Uma das poucas medidas implantadas foi a divisão do Estado em Regiões e Áreas
Integradas de Segurança Pública por determinação da antiga Secretaria de Defesa Social de
Alagoas (SEDS), conforme publicado no Diário Oficial do estado em 19 de maio de 2011. A
justificativa era priorizar o enfrentamento aos crimes dolosos contra vida implantando em
Alagoas uma “política de gestão por resultados”, no qual a primeira medida era a
contabilização das ocorrências por território, a partir desse momento seria possível emitir
dados mais precisos para elaboração de diagnósticos que proporcionassem políticas mais
efetivas.
Nesse sentido, todas as ações dos órgãos componentes da SEDS deveriam ser
norteadas por esta articulação e desdobramento, e especificamente o planejamento
operacional das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas. Desta
forma, o território alagoano foi dividido em quatro Regiões Integradas de Segurança Pública
(RISP’s), vinte e cinco Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP’s), dessas oito estão
localizadas em Maceió e quatro na região metropolitana da cidade.
No entanto, a falta de estrutura acabou retardando a atuação integrada dos órgãos da
segurança pública, mesmo coma a presença da Força Nacional experiente na elaboração dos
mapas onde é possível detectar as manchas criminais, facilitando as operações integradas, era
necessário investimento para que as ações se concretizassem. A atuação por áreas somente foi
possível a partir em 2012, quando os órgãos de segurança pública começaram de fato a se
reorganizar e o efetivo da Força Nacional foi novamente reforçado. A participação do
Governo Federal possibilitou, nesse primeiro momento, o planejamento das ações, todavia a
concretização é de responsabilidade do executivo estadual23.
23
De acordo com o artigo 144, da Constituição Federal, as unidades federativas realizam a segurança pública
direta, organizando e mantendo o policiamento ostensivo, que é realizado pela Polícia Militar, bem como a
Polícia Civil e os órgãos técnicos de investigação dos crimes. O Supremo Tribunal Federal afirma que a
segurança pública trata de “organização administrativa”. Por isso, a gestão em cada ente da federação fica por
conta do chefe do executivo. Já o Poder Executivo Federal tem a competência de organizar as polícias federais,
dentre outros dessa esfera. No artigo não se define o termo segurança pública, apenas fornece seu corpo
59
Nesse período, em abril de 2012 a primeira fase da Meta 2 foi concluída e o resultado
externava a situação do Sistema de Justiça Criminal de Alagoas, além de alguns indícios
quanto a atuação da polícia judiciária da Força Nacional nesse processo. Segundo o relatório
do CNMP, posteriormente divulgado no mês de dezembro de 2012, apenas os Estados do
Acre, Roraima e Piauí, saíram com saldo positivo e conseguiram dar uma finalidade aos
inquéritos datados até 30 de dezembro de 2007. Em contrapartida, Alagoas, Espírito Santo,
Goiás, Minas Gerais e Paraíba não conseguiram atingir 20% do cumprimento da Meta 2 como
expressa o Gráfico 4:
Gráfico 4
Taxa de desempenho do programa Meta 2 - nacional,
regional e estadual
Brasil 31,96%
Norte 82,33%
Sul 66,37%
Centro-Oeste 30,82%
Nordeste 29,72%
Sudeste 23,69%
Acre 100,00%
Roraima 99,58%
Piauí 98,14%
Maranhão 97,36%
Rondônia 94,77%
Mato Grosso do Sul 90,24%
Tocantins 87,95%
Paraná 76,74%
Sergipe 71,64%
Amapá 67,39%
Pará 66,36%
Ceará 61,43%
São Paulo 55,80%
Santa Catarina 54,47%
Rio Grande do Sul 52,40%
Amazonas 52,32%
Distrito Federal 47,67%
Mato Grosso 38,03%
Rio de Janeiro 31,00%
Pernanbunco 29,34%
Bahia 25,95%
Rio Grande do Norte 22,89%
Alagoas 15,79%
Espírito Santo 14,76%
Paraíba 8,83%
Goiás 8,09%
Minas Gerais 3,24%
estrutural, as instituições que compõem esse campo. No entanto, em 2000, é lançado o primeiro plano nacional
de segurança, com ele diretrizes que cabiam a União, como o papel de articulação e colaboração técnica
(SOARES, 2007), a exemplo do que ocorreu em Maceió.
60
Em números absolutos, na primeira fase do programa Alagoas registrou 4.180
inquéritos datados de 1996 até dezembro de 2007, sendo que apenas 660 foram considerados
concluídos. Desses, 159 denúncias foram realizadas pelo Ministério Público, transformando-
se em processo penal. Em contrapartida, foram registrados 480 casos no qual o desfecho foi o
arquivamento, devido à ausência de elementos suficientes que comprovassem autoria e
motivação do crime. Esse resultado reforça os argumentos já explicitados sobre as
dificuldades no processamento dos inquéritos policiais. Entretanto, no caso alagoano ocorreu
um fator a mais, muitas ocorrências não havia sequer se transformado em inquéritos policiais,
essa mudança ocorreu com a presença da polícia judiciária da Força Nacional. Não há
registros de quantas ocorrências estavam nessa situação, mas demostra a fragilidade e
inoperância dos procedimentos institucionais do \Sistema de Justiça Criminal do Estado e o
papel de protagonista adquirido pela Força Nacional na tentativa de reorganizar parte desse
sistema.
Quanto a Alagoas, que é o Estado brasileiro com maior proporção de homicídios por
habitante – 66,4 para cada 100 mil (Mapa da Violência, 2012) –, a mobilização vem
ocorrendo de forma gradual. Inicialmente a Policia Judiciária adotou medidas de
natureza gerencial para dimensionamento da situação do estoque, tendo
transformado em inquéritos um grande volume de registros de ocorrência de
homicídios que ainda não tinham sequer perspectiva de investigação. Foi, também, o
Estado que primeiro recebeu o apoio da Força Nacional da Policia Judiciária, que
ainda permanece com efetivo no local. O resultado em investigações finalizadas é
ainda pequeno, mas a circulação total e para diligências dos inquéritos revela que
nos últimos dois meses houve expressiva mudança no quadro, trazendo Alagoas para
o grupo dos 10 Estados com mais movimentação, ocupando a 8ª posição. Além
disso, o índice de denúncias está acima da média nacional, indicando uma maior
integração entre Ministério Público e Policia Judiciária (CNMP, 2012, p.46).
Nesse contexto um dado chama atenção, os pedidos de baixas à polícia para realização
de diligências, foram 4.516 inquéritos neste estágio em Alagoas, um resultado superior ao
estoque inicial. Além da Unidade alagoana, Pernambuco, Espírito Santo, Paraná e Distrito
Federal, foram estados que registraram o mesmo quadro. Isso ocorreu porque muitos
inquéritos policiais estavam correndo em varas distintas, bem como os inquéritos podem ser
remetidos por mais de uma vez para as delegacias, levando ao um número superior de
inquéritos em diligências. Este contexto caracteriza o chamado jogo de “pingue-pongue”,
expresso por Michel Misse (2010), ao definir o trânsito dos inquéritos entre Delegacia e
Ministério Público, como explica o autor:
Nesse sentido, com o retorno destes inquéritos para as autoridades policiais, é uma
incógnita qual será seu destino final, se ele vai seguir adiante ou será arquivado. Nesse
momento eles estão inertes, somente após o término do prazo eles serão novamente remetidos
ao Ministério Público. Infelizmente poucos são aqueles inquéritos que conseguem sobreviver
às diligências e virando denúncia, a maior parte acaba sendo arquivada, “aqueles que seguem
enfrente é uma vitória” (MISSE, et al 2010).
Ainda de acordo com os dados do CNMP, especificamente do Inqueriômetro 24
referentes as segunda e terceira fase do programa, em 2008 o estoque alagoano era de 1.237
inquéritos, a finalização de 52,2% do total faz com que quase metade dos inquéritos daquele
ano ainda aguarde uma solução. Na terceira fase referente aos inquéritos de 2009, o índice de
produtividade chegou a 6,4%, dos 1.130 inquéritos policiais instaurados, apenas 72
conseguiram ser finalizados e esse resultado fez com que o Estado ocupasse a última
colocação no ranking.
Sem demonstrar avanços com a implantação das ações descritas na Carta de Alagoas
membros do Ministério da Justiça, principalmente da SENASP, passaram a ser presenças
recorrentes em Maceió a partir de janeiro de 2012 e a cada visita as cobranças aumentavam,
algo precisava ser feito para mudar o cenário alagoano, é nesse momento que “os olhos se
voltaram realmente para Alagoas”, dando início a uma reorganização da segurança pública e
da justiça criminal. A ordem era clara: “começar do zero”, é sobre este “recomeço” que se
desenha o próximo capítulo.
24
O Inqueritometro é uma plataforma criada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, para monitorar a
produtividade do Programa de Metas. As informações são repassadas pelos responsáveis pela meta nos estados.
Disponível em: http://inqueritometro.cnmp.gov.br/inqueritometro/home.seam.
62
Capítulo II
63
Nessa leitura, deparando-se com a inconstância do governo alagoano em operar as
diretrizes firmadas no acordo, a SENASP assumiu uma postura mais invasiva, no sentido de
concretizar as mudanças necessárias para reaver o equilíbrio na administração da segurança
pública e da justiça criminal, que demostrava uma total desarticulação e desorganização no
fluxo dos procedimentos institucionais, corroborando com a afirmação de frouxa articulação e
inoperância das organizações policiais e consequentemente, morosidade no âmbito processual
(VARGAS, 2014). Logo, a SENASP demonstrava um papel central de comando, articulação e
planejamento, dando uma nova direção que permitiu ao Sistema de Justiça Criminal se
reorganizar e encontrar, desde então, algum nível de ajustamento para seu funcionamento.
Nessa perspectiva, no presente capítulo, realizo uma análise das medidas executadas a
partir de 2012 com a implantação do programa piloto de redução à criminalidade violenta do
Governo Federal, nomeado de Brasil Mais Seguro e seus reflexos no âmbito do Sistema de
Justiça Criminal, sobretudo na fase policial, que contou com a participação da Força
Nacional. A escolha dessa fase, que remete ao trabalho das organizações policiais é por
entender que as mudanças realizadas nesta etapa foram relevantes a ponto de desencadear
reações por parte das demais instituições do sistema que, dentro de sua lógica de
funcionamento, procuravam alguma forma de (re)adaptação para seguir adiante na condução
dos trabalhos. Nesse sentido, ocorre um diálogo direto com um dos eixos do programa “a
melhoria na investigação das mortes violentas”, estabelecido mediante os problemas de
estrutura organizacional apresentados com os inquéritos policiais, conforme expresso no
capítulo anterior.
O processo de implantação do programa Brasil Mais Seguro, trata-se de um momento
crucial para o Sistema de Justiça Criminal em Maceió, que perpassava por uma crise. Da
Polícia Civil ao Poder Judiciário, os procedimentos institucionais não eram realizados
adequadamente devido ao acúmulo de demanda que, diante de uma sobrecarga, não permitia
ao sistema funcionar. O diálogo estreito entre governo estadual, Ministério da Justiça e
sistema de justiça estadual, torna-se um fator determinante para o funcionamento do sistema.
As articulações que foram sendo estabelecidas, sobretudo durante a reestruturação da DHC,
possibilitaram um novo caminhar, um novo modelo de atuação para delegacia desenhando
algum nível de organização. Entretanto, a forma como as medidas foram sendo acionadas,
tanto durante o processo de reestruturação, quanto o papel das demais instituições, podem ser
denominadas como “ajustes” tendo em vista as adaptações feitas.
64
Nesse sentido, o capítulo será dividido em duas seções. Na primeira, apresento uma
revisão dos planos nacionais de segurança focando em seus objetivos e diretrizes, na busca
por um melhor entendimento sobre as ações deste campo e a constituição do programa Brasil
Mais Seguro enquanto um Plano de Segurança. Na segunda seção, concentro-me no Brasil
Mais Seguro, na construção das diretrizes para Alagoas, principalmente em uma de suas
frentes, a melhoria na investigação das mortes violentas. Passando, ainda, pelo processo de
reestruturação da DHC, bem como seus reflexos no âmbito do Sistema de Justiça Criminal de
em Maceió. O objetivo é apresentar como ocorreu o processo de implantação do programa, as
articulações e decisões que foram tomadas, bem como os primeiros resultados. Para tal,
documentos serão apresentados, assim como matérias de jornais e revistas eletrônicas, além
de entrevistas realizadas com operadores do sistema que participaram desse momento e dados
do GINFO sobre a situação da investigação dos homicídios em Maceió pós-implantação do
programa.
Nos últimos tempos o tema da segurança pública é um dos mais candentes no Brasil.
Diante do alarmante crescimento da violência e criminalidade urbana, surge a pressão por
respostas dos agentes estatais responsáveis pela manutenção da ordem pública. No país pós-
redemocratização, as tentativas de implantação de políticas públicas de segurança tornou-se
um desafio perceptível por meio dos sucessivos planos governamentais. Este contexto é
recente. Embora a segurança pública seja dever do Estado, conforme a Constituição de 1988,
num primeiro momento, o tema era tratado por uma perspectiva prática exclusiva de
competência das unidades federativas e dos planos estaduais de governo. À União, por sua
vez, caberia o papel de zelar pela segurança nacional, como uma forma de saudar os valores
democráticos. Posteriormente, o cenário adquiriu outros contornos e como em uma nova
leitura, o tema foi “incorporado” à agenda federal e estreitou os laços com a municipal.
Antes de adentrar especificamente no programa Brasil Mais Seguro acredita-se ser
relevante realizar alguns apontamentos quanto aos Planos Nacionais de Segurança. Sendo
importante ressaltar que não se trata de uma análise minuciosa, mas de apresentar uma síntese
de seus conteúdos e processo de elaboração. Para uma melhor compreensão quanto ao tema,
começo com algumas considerações conceituais sobre políticas públicas, expressa por Sergio
Adorno (2008) como:
65
Um conjunto articulado de diretrizes impressas à ação coletiva visando alcançar
metas determinadas, como sejam o desenvolvimento econômico, a redução de
desigualdades sociais, a promoção de direitos ou o controle legal da ordem pública.
Podem ter origem em iniciativas da sociedade civil organizada; em planos de ação
governamental ou combinar parcerias entre ambas as dimensões da ação coletiva.
Resultam, via de regra, do diagnóstico de problemas sociais que ensejam
intervenção deliberada visando mudanças de cenários e institucionalização de
processos e procedimentos de conduta governamental. Estão, com frequência,
inscritas em documentos – relatórios técnicos, por exemplo – que definem objetivos
e metas, meios e recursos (humanos, materiais e financeiros), expectativa de
resultados e cronogramas de execução. Mais importante, mobilizam atores e
agências sociais em contextos institucionais determinados e, não raro, em
conjunturas político- econômicas singulares, em torno de alvos prioritários (como o
crime organizado, por exemplo), da aquisição de equipamentos e tecnologias para
ampliar o raio de ação e de eficiência, ou em torno da formação e recrutamento de
pessoal especializado (ADORNO, 2008, pg. 12).
67
entanto, diante da ausência de diretrizes sistêmicas por parte da União e a presença de
múltiplos interesses no âmbito das Unidades Federativas, o PIAPS não sobreviveu à carência
organizacional do plano. Por outro lado, o Fundo conseguiu vingar, mas acabou sendo
direcionado às “velhas políticas”, aos maus hábitos já enraizados na gestão da segurança
pública – os incentivos para organizações policiais (SOARES, 2007; SANTO-SÉ, 2011).
De todo modo, apesar da ausência de ousadia, o mérito do Plano lançado no governo
FHC foi de proporcionar uma nova perspectiva para o campo da segurança pública, dando-lhe
o reconhecimento necessário na agenda federal, o que outrora andava esquecido. Esse novo
posicionamento possibilitou ao tema um nível mais elevado de problematização, abrindo
espaço para a reflexão de novos eixos temáticos como os Direitos Humanos e os programas
de prevenção, além de sinalizar o diálogo com a sociedade civil e justiça criminal. Todavia,
vale destacar que não podem ser considerados como uma novidade, já que se tratava de
questões defendidas nesse âmbito muito antes da Constituição de 1988, porém sem o devido
espaço na escala mais alta de um governo (SOARES, 2007).
Passados alguns meses, às vésperas de novas eleições o debate foi perdendo fôlego e
abrindo espaço para outras políticas do governo consideradas mais urgentes para o momento.
Essa postura fez com que o tema passasse para o segundo plano na pauta do Ministério da
Justiça.
Após o período eleitoral, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, o novo chefe de
Estado retoma o debate sobre segurança pública dando ao tema um tom de: “uma das
prioridades do governo”. Nesse sentido, em 2003, logo no início da nova gestão, foi
apresentado à nação o novo Projeto de Segurança Pública, formulado no âmbito do Instituto
Cidadania e da Fundação Djalma Guimarães, que levou mais de um ano para sua formulação.
O documento era tecnicamente bem elaborado, não carregava indícios de precocidade como o
anterior, havia realmente um projeto direcionado à segurança com solidez, embasamento e
planejamento, comtemplando questões de cunho tanto institucionais como sociológicas.
Ainda que o ambiente político-partidário estivesse sobre os efeitos do resultado das eleições, a
qualidade do plano era inquestionável fazendo com que ele fosse aceito até pelos adversários
(SOARES, 2007; ADORNO, 2008; SANTO-SÉ, 2011). A proposta do documento centrava-se
em seis etapas que seriam aplicadas de forma sucessivas, são elas:
É perceptível a partir da leitura de cada etapa que o governo estava disposto a realizar
uma reforma abrangente e significativa na segurança pública. A execução de cada medida
possibilitaria mudanças de cunho estrutural no campo, o que há anos se esperava, como por
exemplo, a desconstitucionalização das polícias, considerado um dos temas mais polêmicos
do Plano, pois essa mudança significaria que os Estados passariam a ter liberdade de escolher
o tipo de policiamento que gostariam de adotar, respeitando suas respectivas constituições.
Além disso, o documento manteve, em partes, medidas embrionárias de seu antecessor,
preservando e amadurecendo a ideia do Fundo Nacional de Segurança Pública e tendo como
eixo central as políticas de prevenção, empregadas como estratégias que possibilitassem
impactos significativos na sociedade sem necessariamente estar diretamente ligada à redução
da violência, mas que refletissem de alguma forma neste campo como investimentos nas áreas
da educação, saúde, na economia, e com incentivos à geração de empregos, moradia, etc.
De acordo com Soares (2007), a aplicação do Plano geraria impactos profundos,
colocando o governo na posição central de articulador de uma grande reforma. Entretanto, o
69
que poderia ser um novo caminhar para segurança pública no país foi se perdendo nos
bastidores da política na medida em que surgiam os questionamentos quanto ao preço que o
governo poderia pagar nas próximas eleições caso as medidas não apresentassem os
resultados esperados. Embora o Plano contasse com o apoio dos vinte e sete governadores que
estavam dispostos a fechar um acordo com a União para sua execução o governo dava sinais
de receio quanto às possíveis consequências e à reação da opinião pública.
Nesse sentido, o Plano não conseguiu romper as barreiras da política e acabou sendo
reformulado, sem as medidas ousadas, restava manter os programas herdados do governo
anterior com substanciais alterações. Além disso, assumiu de forma efetiva o papel de
coordenador das políticas de segurança pública, o que o governo FHC tentou fazer, mas sem
obter êxito. A nova postura foi realçada diante da proposta de novos direcionamentos para os
acordos entre União, Estados e Distrito Federal, que muitas vezes divergiam quanto ao pacto
federativo. Desta forma, a nova relação seria estabelecida por meio de convênios, assim, os
recursos disponibilizados aos governos estaduais seriam pautados no comprometimento
destes em empregar as diretrizes planejadas nacionalmente para as políticas de segurança
pública. Por fim, ressaltava a importância da participação da sociedade civil organizada nos
conselhos regionais para melhor compreensão e formulação de políticas sociais (SOARES,
2007).
Em seu segundo mandato, Lula retoma a importância dos municípios e da sociedade
civil no enfrentamento à criminalidade por meio dos programas sociais, dando ênfase às
políticas de prevenção, defendidas em seu primeiro mandato. Nessa linha, em 2007, o
governo lança o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), por
meio da Medida Provisória 384, com previsão orçamentária até o final de 2012. O programa
agrega diversas medidas que contam com parcerias dos Ministérios e seriam desenvolvidas a
partir da articulação com estados e municípios. O elemento norteador era o combate à
70
violência e criminalidade por meio da articulação e desenvolvimento de políticas de
segurança com ações sociais.
O programa apresentava mais um recomeço no campo da segurança pública, pautado
em questões já sinalizadas em Planos anteriores. As reformas realmente necessárias na área
dificilmente seguem adiante, evidenciando as dificuldades em estabelecer políticas que
possibilitem transformações nos alicerces estruturais nesta área. O projeto, de incumbência da
SENASP, apresentava como eixos: a) formação e a valorização dos profissionais de segurança
pública; b) reestruturação do sistema penitenciário; c) combate à corrupção policial; e d)
envolvimento da comunidade na prevenção da violência. Nesse processo, também caberia a
proposta de regulamentação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que
estabeleceria medidas para o funcionamento dos órgãos de segurança pública em articulação
com a justiça criminal, contemplando as seguintes ações: “gestão do conhecimento;
reorganização institucional; formação e valorização profissional; prevenção; estruturação da
perícia; controle externo e participação social; e programas de redução da violência”
(SENASP, 2006, p. 09).
Seguindo a “nova cartilha”, as bases centrais eram as ações de cunho estruturais, além
da promoção de programas locais, medidas bastante pontuais e tópicas, que seriam executadas
a partir de convênios e acordos firmados entre os órgãos federais, os Estados, Distrito Federal
e Municípios, bem como organizações não governamentais e organismos internacionais
(SOARES, 2007).
Inicialmente, onze capitais e suas respectivas regiões metropolitanas foram escolhidas
para receber o programa, foram elas: Belém, Belo Horizonte, Brasília (região metropolitana),
Curitiba, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória. A
escolha ocorreu em virtude de um diagnóstico realizado previamente pelo Ministério da
Justiça, no qual as cidades apresentavam índices significativos de violência e criminalidade.
As ações seriam executadas pelas forças de segurança locais em parceria com as
comunidades, essa aproximação e articulação ficariam sobre responsabilidade do Gabinete de
Gestão Integrada Municipais (GGIM), que foi adaptado do primeiro Plano de governo,
passando a ser direcionado aos municípios.
É perceptível, como enfatiza Soares (2007), ter havido mais “continuidade” nos
programas do que “descontinuidade”; em outras palavras, é o velho mais do mesmo. Uma
hora as atenções se voltam para os programas de cunho preventivo, que mobilizam diferentes
frentes como: educação, esporte, cursos profissionalizantes, cultura e lazer, além de ações de
71
caráter assistencialista. Em outro momento, os Planos são voltados para as instâncias de
controle e repressão, onde se cobra uma atuação mais incisiva por parte do Sistema de Justiça
Criminal para garantir a lei e a ordem, com leis mais duras, penas severas e mais celeridade, a
fim de combater a impunidade. No entanto, a maior parte das medidas adotadas são
direcionadas exclusivamente as organizações policiais, sobretudo o policiamento ostensivo.
Segundo Beato (2000), a ausência de investimentos por parte dos órgãos de segurança
pública em sistemas de indicadores sociais de criminalidade que possibilitem a mensuração
dos problemas que envolvem a violência e a criminalidade urbana, faz com que muitas das
decisões nesta área sejam pautadas em questões definidas pela mídia, tratando-se de ações
reativas, nesse sentido há riscos e tende-se a caminhar para ineficiência. Logo, trata-se de
medidas pontuais e emergências, não necessariamente em ações planejadas tecnicamente e
sim, medidas político-partidárias.
Nesse descortinar de fatos, no governo de Dilma Rousseff, que sucedeu Lula, o Plano
Nacional de Segurança Pública somente foi lançado no segundo ano de seu mandato, devido
às metas estabelecidas com o PRONASCI. De início, o novo pacote de medidas estava
previsto para o final de 2012, mas foi antecipado em seis meses em decorrência dos
sucessivos apelos do governo de Alagoas que reconheceu suas limitações em sozinho tentar
mudar o quadro vivenciado pelo estado.
O estopim da crise que antecipou o lançamento do novo Plano Nacional de Segurança
ocorreu em 26 de maio de 2012, quando um médico teve a vida ceifada com um tiro nas
costas durante um passeio de bicicleta no bairro nobre da Jatiúca, localizado na orla de
Maceió. A vítima, de 67 anos, foi abordada por dois assaltantes e ao tentar fugir, foi morta. O
crime gerou indignação na população e tornou-se o principal assunto dos meios de
comunicação. A venda que cobria o rosto dos maceioenses durante anos, anos estes em que a
cidade assumiu o primeiro lugar no ranking de capital mais violenta do país, havia caído. A
impressa e a população pareciam, pela primeira vez, descobri que Maceió ostentava uma taxa
de 62 homicídios para cada 100 mil habitantes (conforme os dados do FBSP). A cidade
“descobriu” que a taxa não era apenas um número frio, mas representava vidas que foram
interrompidas, a maior parte delas em bairros periféricos da capital.
Nas redes sociais um grupo foi criado com o perfil “Alagoas Estado de Emergência”,
com o intuito de mobilizar a população para manifestar-se contra a criminalidade em Alagoas
e cobrar soluções efetivas por parte dos gestores públicos. Em 24 horas, 30 mil pessoas
72
integravam o grupo 25 , relatos de casos de violência ocorridos no estado circulavam
rapidamente pelas mídias sociais, ganhado cada vez mais visibilidade e consequentemente
gerando mais protestos contra o governo. Três dias após o crime, uma “Caminhada pela Paz”
foi organizada por parentes e amigos do médico na orla de Maceió e reuniu cerca de 3.000
pessoas, vestidas de branco, carregando cartazes e faixas pedindo por mais segurança26. As
imagens da passeata foram compartilhadas por vários internautas nas redes sociais, bem como
estampavam os principais jornais do estado.
Diante da repercussão, o então governador Teotônio Vilela realizou uma reunião com
a cúpula da segurança pública de Alagoas antes de viajar à Brasília para uma audiência com a
presidente Dilma Rousseff e representantes do Ministro da Justiça, no intuito de tratar do tema
da criminalidade no estado e “cobrar urgência nas ações de segurança pública”. Em
comunicado à imprensa, o governador revelou se sentir incomodado com os números da
violência homicida e “indignado” com a morte do médico. Diante dos fatos, pediria
“tratamento diferenciado” do governo federal para o problema da criminalidade em
Alagoas27.
Perante a situação insustentável, a presidente Dilma Rousseff autorizou o Ministério
da Justiça a implantar o Plano de Segurança Pública em caráter experimental na cidade de
Maceió. Lançado com o nome de Brasil Mais Seguro, o programa visava reduzir a
criminalidade violenta no país, expressa como uma das principais prioridades do governo. Seu
desenvolvimento estabelecia parcerias com Estados e Municípios, com o objetivo de enfrentar
a complexidade do problema por meio da articulação de várias frentes. Embora nenhum dos
estados brasileiros atenda os padrões internacionais que considera 10 mortes por cada grupo
de 100 mil habitantes, Alagoas ultrapassava qualquer razão lógica e, consequentemente,
enfrentava uma crise no Sistema de Justiça Criminal que não conseguia responder com
eficiência, diante disso, algo precisava ser feito com a máxima urgência, assim, nasce mais
um Plano Nacional de Segurança Pública. No entanto, diferentemente do que ocorreu com
25
“Multidão pede fim da violência” Gazeta de Alagoas, edição de 29 de Maio de 2012. Disponível em: Acervo
(http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/ ) Acesso em: 13 de Dezembro de 2016.
26
“Caminhada pela Paz” Gazetaweb, edição de 29 de Maio de 2012. Disponível em:
(http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia-old.php?c=314365&e). Acesso em: 25 de setembro de 2016.
27
“Pressionado pela violência, Vilela recorre a Dilma” Gazeta de Alagoas, edição de 29 de Maio de 2012.
Disponível em: (http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas_old/acervo.php?c=202521). Acesso em: 13 de
Dezembro de 2016.
73
seus antecessores, esse Plano contou com uma interação mais próxima às instituições a fim de
redefinir suas atuações para reaver um equilíbrio em sua dinâmica.
A fala do ministro expõe a crise pela qual perpassava o Sistema de Justiça Criminal
em Alagoas, da Polícia Civil ao Judiciário, peças que constituem uma engrenagem e que,
embora atuem de forma autônoma, são ao mesmo tempo interdependentes, assim, se uma
começar a apresentar falhas isso afetará o desempenho das demais. As consequências de um
sistema inoperante são severas e não tardam a recair sobre a população, sobretudo, os que
detêm menos recursos, residindo em regiões de vulnerabilidade e sem o devido amparo do
sistema de justiça (SINHORETO, 2014). Dessa forma, havia urgência por uma resolução que
possibilitasse uma revitalização desse sistema, que embora naquele momento retratasse a
particularidade de Alagoas, não é um cenário muito distante de outros estados do país
conforme revelou a Meta 2 e, também, a literatura sobre o fluxo do Sistema de Justiça
Criminal. A partir deste contexto, foram estabelecidas ações que serviriam de parâmetro para
o desenvolvimento de estratégias nacionais. Sendo assim, três frentes de atuação foram
priorizadas: a) a melhoria da investigação das mortes violentas; b) o fortalecimento do
policiamento ostensivo e comunitário e; c) o controle de armas de fogo.
76
Azevedo (2014), com base nos estudos sobre a administração do Sistema de Justiça
Criminal desenvolvidos a partir da década de 1960, tendo como sustentáculo de análise a
sociologia organizacional, ressalta que muitos dos rumos que o Sistema de Justiça Criminal
passa a assumir, são determinados por fatores externos e pela forma como os operadores vão
absolvendo essa pressão, transformando-a em ação para solucionar determinado problema.
Nesse sentido, “os administradores do sistema não podem dar conta de todas as demandas que
recaem sobre a justiça criminal, o que faz com que priorizem aquelas que parecem mais
‘racionais’ em sua perspectiva ou as que podem ser respondidas de forma viável e eficaz”
(AZEVEDO, 2014, p. 395).
Com um sistema incapaz de operar de forma eficaz, são acionadas medidas com o
intuito de garantir algum nível de ajuste que possibilite o funcionamento das intuições. Uma
postura, em regra, adotada por demandas políticas que passam a influenciar no andamento da
justiça criminal. Eis um momento onde se estabelece uma conexão entre estrutura
organizacional e poder político. Um Sistema de Justiça Criminal desarticulado acaba por
desencadear uma abertura em seu campo levando a uma maior interferência de agentes
governamentais no sentido de estabelecer estratégias emergenciais que visem suprir certas
carências.
Nesse sentido, Vargas (2014, p. 418), a partir das observações de estudiosos
institucionalistas como Hagan (1989), classifica a justiça criminal como um sistema
fracamente articulado, no qual a relação entre forças políticas e o Sistema de Justiça Criminal
brasileiro possibilita um nível mais estreito de interação entre as atividades exercidas por cada
instituição. Isso ocorre na medida em que o caráter cerimonial e ritual, frequente no
funcionamento cotidiano das organizações, é acionado para o alcance de um propósito com
fins políticos. Essa leitura dialoga diretamente com uma das frentes estabelecidas pelo
programa e que acarretou em uma mobilização por parte do Ministério da Justiça e dos órgãos
de segurança pública e justiça criminal em Maceió, nos momentos que antecedem o
lançamento do Brasil Mais Seguro, trata-se da melhoria na investigação das mortes violentas,
a porta de entrada do sistema que se encontrava inoperante.
Nas últimas três décadas o número de homicídios em Alagoas cresceu mais de 420%.
Enquanto em 2002 o estado registrou 989 assassinatos, em 2012 foi mais que o dobro: 2.046.
Uma evolução de 106,9% (WAISELFISZ, 2014). Na medida em que se elevavam os índices
de homicídios, paralelamente crescia também a impunidade. Os inquéritos estavam
paralisados nas delegacias acumulando a poeira do tempo, totalmente esquecidos, vidas que
77
foram ceifadas e que se tornaram somente mais uma pilha de papeis aos olhos do Sistema de
Justiça Criminal.
O quadro instável da segurança pública em Alagoas foi agravado após a constatação
de que a perícia técnica não estava respondendo adequadamente, o número de peritos (39) era
irrisório perante o trabalho acumulado. Segundo dados do Ministério da Justiça (2012), entre
os meses de Janeiro e Maio de 2012 o estado registrava 590 laudos periciais pendentes no
Instituto de Criminalística Perito Dely Ferreira da Silva (IC), sem contabilizar os que estavam
estocados dos anos anteriores, cerca 3.315, ademais, ainda haviam 3.000 mandados de prisão
em aberto. Na busca por uma solução para o problema, o executivo estadual recorreu
novamente ao Ministério da Justiça solicitando o apoio da perícia forense da Força Nacional
para auxiliar na elaboração dos laudos. Nesse sentido, foi encaminhado o oficio nº 10 de 1º de
Janeiro de 2012 realizando o pedido formal que foi homologado pela portaria ministerial nº
601, de 12 de abril de 2012.
Após mais este fato, ainda em Janeiro de 2012, uma equipe da SENASP deslocou-se à
Maceió para realizar uma visita técnica, tendo em mente o acordo firmado no ano anterior
78
durante o Colóquio com relação aos investimentos na investigação dos homicídios. Nessa
perspectiva, os visitantes tinham um destino certo, o prédio da então DHC, que na época
funcionava no bairro do Poço. Ao chegarem ao local e se depararem com a carente estrutura
da delegacia, constataram as dificuldades do governo em implementar as medidas elaboradas
e acordadas. Não houve evolução em relação aos compromissos assumidos, o cenário era o
mesmo dos anos anteriores.
Nesse momento tem início uma nova articulação, agora sob o comando da SENASP,
que assumiu o papel principal no planejamento das ações para reestruturar a DHC e
proporcionar um novo direcionamento para investigação dos homicídios em Maceió. As
visitas da equipe de Brasília passaram a ocorrer quinzenalmente, além dos técnicos, delegados
e agentes de outros estados que também acompanhavam o grupo com o objetivo de
compartilhar suas experiências e auxiliar nesse processo de reestruturação.
Durante os encontros, um novo modelo de funcionamento para a delegacia foi sendo
desenhado. No entanto, nesse ínterim, também emergiam as dúvidas de como pôr em prática
um determinado formato diante da carência do efetivo da Polícia Civil29 e com as negativas
do executivo estadual para realização de concurso público. Na ocasião, a solução para o
impasse foi apresentada pela SENASP: delegados, agentes e escrivães da Força Nacional
passariam a integrar o corpo de profissionais que atuariam na DHC, o que foi aceito pelas
autoridades locais.
Entre as questões que a coordenação tentava solucionar estava à ausência de equipes
plantonistas que realizassem todos os procedimentos necessários durante a investigação
preliminar, o local de crime, considerado pelos delegados uma falha que precisava
emergencialmente ser corrigida tendo em vista que, “se um crime não for elucidado em 48h,
com o passar dos dias torna-se mais difícil”. Em Maceió, essa etapa era executada de forma
parcial, os policiais DHC seguiam para o local do crime sem a presença do delegado e muitas
vezes esperavam horas pela perícia, devido ao número insuficiente de peritos. Esse aspecto
negativo impactava diretamente na qualidade das investigações e consequentemente na
produção do inquérito policial.
29
Não há informações quanto ao número exato de policiais civis em anos anteriores a 2012, as informações
disponibilizadas são posteriores e registra um efetivo de 1.744, entre agentes (1.487), delegados (144) e escrivães
(113). Em 2016, esse número passou para 2.128 policiais civis, segundo dados do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
79
tão poucos delegados, com a carência de policiais, como fazer uma reestruturação da
delegacia de homicídios. Aí foram surgindo várias ideais, juntar o pessoal, os
delegados da polícia civil daqui com delegados da Força Nacional, a gente ter
delegados de plantão, plantonistas pra fazer local de crime, local de crimes
completos, inclusive com oitivas. O que se faz hoje, o marco foi 2012, Junho de
2012 (Delegado da Polícia Civil de Alagoas).
Na época, foi designado um coordenador da Força Nacional que era com quem a
gente mantinha contato, no caso eu que era o coordenador mantinha contato, chamei
alguns colegas para, convidei alguns colegas para serem delegados da homicídios
daqui, pessoas que tinham o perfil de delegados da homicídios, que estavam
80
dispostos realmente a trabalhar no plantão ou expediente e a gente montou essa
equipe juntamente com a Força Nacional, e começou realmente em junho de 2012, a
delegacia foi zerada e começou do zero. Então esses outros inquéritos, o passivo da
delegacia de homicídios foi redistribuído para as delegacias da capital, pois não teria
como ficar, já que a ideia era como uma nova delegacia, a reestruturação da
delegacia de homicídios. A ideia de Brasília, do Ministério era realmente começar
zerado. E foi o que nós fizemos (Delegado Polícia Civil de Alagoas).
A situação das delegacias distritais que já era bastante delicada ganhava mais um
capítulo dramático, não havia condições dos distritos assumirem esses inquéritos dando-lhe
um desfecho conforme os ritos da justiça criminal. O planejamento de reestruturação ignorou
plenamente os inquéritos passivos da DHC, que em regra deveriam ser redistribuídos entre as
novas equipes. Assim como “esqueceu” os problemas que permeiam as delegacias distritais
que há anos sofrem um sucateamento silencioso, com condições de trabalho bastante
precárias. Cada distrito é comandado por um delegado que conta com uma equipe de no
máximo, dependendo da região, seis policiais, entre escrivães e agentes. Em geral, possuem
duas viaturas para se locomoverem até o local das ocorrências e realizar as diligências, em sua
maioria, apenas um computador para o cartório.
Na época, o Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas (SINDPOL) tornou público o
que estava ocorrendo nas distritais, expondo a realidade do 3º Distrito Policial de Maceió,
responsável por cobrir seis conjuntos localizados no bairro do Vergel do lago (Virgem dos
Pobres I e II, Dique Estrada, Sururu de Capote e Orla Lagunar), um território com alta
concentração de homicídios. O distrito registrava 285 inquéritos policiais pendentes e recebeu
mais 28 da DHC de diferentes regiões da cidade. Em virtude dos prazos, no caso 30 dias, o
delegado responsável teria que parar com as investigações em andamento para conduzir os
que foram remetidos. Em sua fala, ele declarou que seria impossível concluir os trabalhos no
tempo estimado30.
Os distritos funcionam como um “varejão” onde pegam casos diversos e entre eles
homicídio, mas nada foi pensado para melhorar os serviços dessas delegacias. Pelo contrário,
realizaram uma espécie de “gambiarra”, uma solução improvisada, para zerar a DHC, que
passaria a conduzir os inquéritos atuais, com maiores possibilidades de elucidação e sem
questionamentos quanto à sua eficiência. Naquela altura a DHC era tratada como uma obra
idealizada pelo Brasil Mais Seguro, ou seja, a delegacia de homicídios de Maceió, localizada
no bairro do Poço nunca existiu.
30
“3º DP lotado de inquéritos parados e recebe mais de outras áreas” Disponível em: (http://www.sindpol-
al.com.br/2012/09/3o-dp-esta-cheio-de-inquerito-parado-e-recebe-mais-de-outras-areas/) Acesso em: 20 de
Junho de 2016.
81
Esse quadro ainda tem mais um agravante, a inexistência de controle sobre esses
inquéritos. Com o renascimento da DHC somente há a disponibilidade de informações por
parte da DGPC, referentes aos inquéritos policiais, a partir de 2012 e a categoria de inquéritos
passivos não é registrada. Segundo um dos técnicos da GEINFO, as informações disponíveis
com relação à situação dos inquéritos policiais em Maceió são: inquéritos concluídos,
concluídos com autoria, concluídos sem autoria, flagrantes e inquéritos em andamento. Logo,
é desconhecido o que de fato ocorreu com esses inquéritos nas delegacias distritais, eles
podem estar em uma dessas categorias ou não, paira a incerteza se eles tiveram algum outro
destino que não as gavetas e prateleiras das delegacias. Contudo, no caso das delegacias
distritais, se as possibilidades de um inquérito seguir em frente são limitadas em um contexto
minimamente favorável, na conjuntura alagoana incertamente suscitaria outro destino que não
seja o arquivamento.
Um cenário incerto, impreciso e enigmático não seria uma novidade. Algo semelhante
ocorreu com os inquéritos pertencentes ao dispositivo Meta 2, sobre os quais emergem
dúvidas quanto ao seu destino, pois as poucas informações disponíveis são incompletas e
cercadas pelo clima de silêncio por parte dos operadores envolvidos nesse processo. Para uma
melhor compressão quanto ao que se passa com relação à execução dessa medida prioritária
estabelecida pela ENASP se faz necessário remontar uma sequência de eventos, alguns até já
expressos em momentos anteriores do texto, mas que serão retomados brevemente com o
objetivo de refletir sobre a tramitação dos inquéritos policiais.
De acordo com o relatório divulgado pelo CNMP referente à primeira fase da Meta
(1996-2007), Alagoas tinha um estoque inicial de 4.180 inquéritos pendentes, desses, apenas
660 foram finalizados, isso significa que se tornaram objeto de denúncia por parte do
Ministério Público ou houve um pedido de arquivamento, restando um volume de 3.520
inquéritos inconclusos. No entanto, causa estranhamento o fato de somente Maceió, segundo
os documentos da DGPC, ter um saldo de 4.000 inquéritos estagnados, o que inevitavelmente
gera questionamentos quanto aos dados publicados no relatório tendo em vista que,
dificilmente, somado ao restante do Estado resultaria em um valor como o de 4.180. Sabe-se
que foi a situação emergencial da capital alagoana que motivou o surgimento da polícia
investigativa da Força Nacional, que desembarcou pela primeira vez na cidade em 2010 para
justamente desafogar a Polícia Civil, trabalhando nos inquéritos pendentes e os deixando
livres para atuar nos atuais. Posteriormente, com a deflagração da Operação Jaraguá em 2011
o efetivo foi reforçado dando continuidade aos trabalhos.
82
Nesse caminhar, segundo os dados do Inqueritômetro, a plataforma responsável pelo
monitoramento da Meta, Alagoas aparece com um saldo de 3.721 inquéritos inconclusos, que
permanecem aparentemente inertes durante todo ano de 2011. Não há nenhum registro de
movimentação nesse período, embora a Força Nacional já estivesse atuando no estado. O
prazo para a conclusão da primeira fase da Meta era 30 de abril de 2012, mas problemas
começaram a surgir na CIPP tardando o desenvolvimento dos trabalhos.
Em meados de 2011, a central foi perdendo policiais civis ao ponto que restou apenas
um delegado para coordenar as atividades, com isso os inquéritos policiais estavam sendo
sistematicamente devolvidos ao Ministério Público sem a realização das diligências, com
apenas a solicitação de prorrogação de prazo. Nesse momento, os agentes da Força Nacional
estavam atuando no cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, assim a
justificativa da DGPC, era a ausência de pessoal para realizar o trabalho de conclusão dos
inquéritos policias que estavam com os prazos excessivamente extrapolados.
Nesse contexto, na busca por uma alternativa para a resolução do problema, o
Ministério Público propôs o estabelecimento de um protocolo de ação conjunta, elaborado
pelas 1ª e 2ª Promotorias de Controle Externo da Atividade Policial e Investigações Especiais,
com o objetivo de “agilizar e conferir maior efetividade às investigações” por meio da
“integração operacional de ações e políticas entre Ministério Público e a Polícia Civil”. Sendo
assim, uma força tarefa é constituída por promotores e delegados, que realizariam uma análise
de todos os inquéritos da Meta 2 contidos na CIPP, no prazo inicial de 30 dias. Caberia a este
grupo decidir quanto ao andamento ou conclusão desses inquéritos, “ante os princípios da
economicidade e da eficiência”. Nesse sentido, os casos em diligência seriam realizados por
equipes formadas por policiais civis e agentes da Força Nacional, conforme documento
assinado pelos representantes das duas instituições, que ainda contavam com a adesão da
antiga SEDES. A decisão foi divulgada no dia 11 de novembro de 2011. As medidas adotadas
seguem adiante:
83
uma análise sobre todos os Inquéritos Policiais instaurados até 31.12.2007, relativos
a crimes dolosos contra a vida, lá existentes;
2) Também a Polícia Civil, através da Delegacia Geral, designará 08(oito) delegados
de polícia, com designação de um coordenador, para a análise dos mesmos
inquéritos policiais, inicialmente durante o prazo acima referenciado;
3) Referida análise incluirá a identificação dos inquéritos policiais em que:
3.1 – A pretensão punitiva esteja prescrita;
3.2 – Possa-se projetar a prescrição penal;
3.3 – Seu prosseguimento ou conclusão seja considerado, de comum acordo entre o
Promotor de Justiça e autoridade policial, contraproducente à persecução penal, ante
os princípios da economicidade e da eficiência;
3.4 – Nos quais seja identificada a existência de causa de extinção da punibilidade;
4) Após referida triagem, em sendo identificada a hipótese de arquivamento, deverá
ser elaborado relatório pela autoridade policial e parecer ministerial nesse sentido,
encaminhando-se o inquérito policial ao respectivo Juiz do Júri da capital, para
apreciação do pedido de arquivamento;
5) Em relação aos IPs em que sejam pontuadas as diligências a serem efetivadas nos
homicídios inseridos na Meta 2, deverão ser estruturadas equipes de investigação,
com a participação integral dos membros da Força Nacional atualmente cedidos ao
Governo de Alagoas;
5) Nos casos com identificação de autoria e materialidade delitivas, o Promotor,
após relatório conclusivo lavrado por delegado de polícia, deverá proceder
imediatamente ao oferecimento da peça acusatória, remetendo-a ao juízo
competente;
6) No prazo de 30(trinta) dias, a partir do início do cumprimento das ordens de
missão expedidas, deverá ser alimentada a tabela estatística relativa à meta 2
ENASP, para fins de identificação da evolução no seu cumprimento;
7) Tal providência deverá ser efetivada pelo Promotor designado como coordenador
do referido grupo do Ministério Público, diretamente aos representantes do MP/AL
na ENASP;
8) Além do foco prioritário na Meta 2 ENASP, os membros do MP e da Polícia
Judiciária designados para participação no referido Protocolo, ao procederem à
análise dos IPs em curso na CIPP, deverão realizar ainda um saneamento nos demais
procedimentos investigatórios pendentes, separando e catalogando em grupos os
crimes: a) praticados com violência contra a pessoa; b) com diligências pendentes de
realização já especificadas pela polícia judiciária ou pelo Promotor de Justiça
natural; b) com prescrição da pretensão punitiva; c) com causa de extinção de
punibilidade; d) pendentes de laudos periciais.
9) Os demais inquéritos instaurados também pendentes de diligências deverão ser
encaminhados à Delegada Titular da CIPP para que sejam ultimadas as
investigações, com tabela que estipule prazos escalonados;
10) Será dada ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça e aos Corregedores do
Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Judiciária, no sentido de que
conheçam do inteiro teor deste Protocolo, e, assim, possam providenciar a
divulgação aos integrantes de cada um dos órgãos ou Poderes respectivos, cujas
atribuições guardem relação com a matéria objeto do presente Protocolo de Atuação
Conjunta. Maceió, 11 de novembro de 2011 (MINISTERIO PÚBLICO
ESTADUAL DE ALAGOAS, 11 de novembro de 2011).
31
Em um dos trechos da Resolução, o documento explicita que a medida foi pensada no intuito de proporcionar
agilidade aos procedimentos no âmbito da Justiça Criminal: “a atividade jurisdicional, na fase administrativa do
inquérito policial, traduz mero procedimento burocrático, incompatível com os princípios da celeridade e
eficiência e, portanto, dispensável”. A resolução é pautada em uma decisão do Conselho Nacional de Justiça no
Procedimento de Controle Administrativo de 15 de agosto de 2007, que reconheceu a decisão da Corregedoria-
Geral de Justiça do Estado do Paraná, referente ao transito direto dos inquéritos entre Ministério Público e a
Polícia Civil, sem a necessidade de passar pelo Judiciário antes, a não ser em casos de medidas cautelares.
85
quadro que causaria menos incômodo ao Sistema de Justiça Criminal de Alagoas, do que a
possibilidade destes inquéritos serem diretamente arquivados, embora seja esse seu destino
final. Este cenário torna-se bastante apropriado, na medida em que não desencadeia reflexos
na imagem que estava sendo construída a partir do programa Brasil Mais Seguro, de uma
nova perspectiva para segurança pública e a justiça criminal.
No mesmo dia do lançamento do programa, a DHC foi reinaugurada, agora
funcionando em um novo prédio, no centro da cidade de Maceió, onde atualmente funciona a
CIPP. A partir daquele momento, a Força Nacional e a polícia local estavam atuando visando
a eficiência para as investigações dos homicídios e a produção do inquérito policial, a
impunidade como uma das causas da criminalidade violenta era algo a ser deixado no
passado.
Um mês após a implantação do Brasil Mais Seguro, o Ministério da Justiça divulgou
um balanço com os primeiros resultados do programa, considerado mais que satisfatório32.
Nesse período, ocorreu uma queda no número de mortes violentas e intencionais, em Maceió,
houve diminuição de 7,52%, já em Arapiraca, 37,14%. A nível estadual, a queda foi mais
tímida, porém significativa, apresentando um índice de 5,05%. Outro fator publicizado,
competia aos inquéritos policiais, à nova DHC estava funcionando e rendendo bons
resultados, 69% dos inquéritos instaurados foram esclarecidos. No Judiciário,
aproximadamente 160 audiências pendentes sobre homicídio foram redistribuídas por diversas
varas criminais com prazo de quatro meses para serem realizadas. Além disso, foram
articuladas formas de descarte de material genético que estavam armazenados no Instituto
Médico Legal de Maceió, mas não tinham serventia.
Em um curto espaço de tempo, o Sistema de Justiça Criminal dava indícios de
revitalização, de que as peças da engrenagem estavam se ajustando e o sistema estava
voltando a operar. Os procedimentos institucionais que eram até então ineficientes ou até
mesmo inexistentes, estavam se posicionando em seus lugares proporcionando um novo
direcionamento. Apesar da forma reativa como o programa foi implantado e os meios
utilizados para reaver o mínimo de equilíbrio para o sistema o Brasil Mais Seguro já era
considerado um novo paradigma para o campo da segurança pública e justiça criminal em
Alagoas.
32
“Índices de violência diminuem em Alagoas” Portal Brasil edição de 31 de Julho de 2012. Disponível em:
(http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2012/07/programa-brasil-mais-seguro-ajuda-criminalidade-em-
alagoas-diminuir). Acesso em: 20 de Janeiro de 2017.
86
Nesse processo, para acompanhar as atividades desenvolvidas pelo Brasil Mais
Seguro, conforme previsto no escopo do programa foi criada, no âmbito do Estado, a Câmara
de Monitoramento Local. A Câmara é um espaço de diálogo e interação permanente entre o
Sistema de Justiça Criminal e os órgãos de segurança pública de Alagoas, ela tem por objetivo
potencializar o fluxo de informações entre as instituições e a celeridade processual. Nesse
sentido, conforme previsto nas diretrizes do programa, suas atividades seriam direcionadas
para “acompanhamento de inquéritos e processos judiciais referentes a crimes violentos letais
intencionais, discussão de estratégias de atuação, formulação de políticas públicas para dar
celeridade aos feitos e avaliação da gestão do sistema” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013,
p. 14).
A Câmara é composta por um representante de cada instituição da segurança pública e
do sistema de justiça, a saber: Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia
Civil, Polícia Militar e Força Nacional, que representa o Ministério da Justiça. Além destes,
participavam também das reuniões o presidente da OAB-AL e o Diretor da Casa de Custódia.
As reuniões acontecem semanalmente no Tribunal de Justiça de Alagoas e são presididas pelo
presidente do Tribunal. Durante conversa com um dos membros foi possível perceber que as
reuniões eram voltadas para o planejamento de ações ostensivas, distante da concepção de
“acompanhamento de inquéritos e processos”.
Na pesquisa, Avaliação de Operações da Força Nacional de Segurança Pública,
Nascimento e Misse (2014), ao acompanharem algumas das reuniões da Câmara, ressaltam
que as mesmas não tinham pautas previamente definidas e encaminhadas, além de alguns
membros participarem com mais regularidades em detrimento de outros. Dessa forma, a
Câmara era um espaço onde se tornava possível reunir a cúpula da segurança pública e da
justiça criminal para estabelecer um diálogo sem os mecanismos burocráticos, logo a ausência
de pauta passava para segundo plano e a as reuniões ganhavam um tom mais colaborativo.
A narrativa dos autores descreve uma reunião pro-formance, ela tem início com a
apresentação das informações mais recentes sobre a Câmara Criminal, por parte de seu
presidente. Os dados eram elaborados e fornecidos pelo Núcleo de Estatística e Análise
Criminal, cujo trabalho de emissão de boletins estatísticos e mapas com as áreas de maior
incidência de ocorrências de crimes letais intencionais, passaram a ser de suma importância
tanto para avalição do Brasil Mais Seguro, seus procedimentos de rotina, quanto para o
planejamento das ações ostensivas da Força Nacional e da Polícia Militar, nas áreas
identificadas pelos mapas em Maceió e na Região Metropolitana.
87
É percebível que a Câmara tem os moldes das salas de situação e dos Gabinetes de
Gestão Integrada, no âmbito da segurança pública. É um espaço constituído para gestão
integrada, uma forma de canal entre os sistemas onde as deliberações ocorreriam por
consenso. Entretanto, em Maceió, ela não carrega a característica deliberativa, mas se mantêm
como um ambiente oportuno para o compartilhamento de informações. Nesse sentido, as
reuniões duram cerca de três horas, onde cada membro expõe os problemas enfrentados no
decorrer da semana, bem como aproveitam o momento e espaço para tecer críticas ao Brasil
Mais Seguro, essas variam de acordo com as representações institucionais, mas em geral são
direcionadas para “ações exclusivamente ostensivas pautadas pelo programa; ora à
ineficiência do próprio Sistema de Justiça Criminal; ora até mesmo ao peso que a própria
estrutura social e econômica de Alagoas imputaria sobre o problema da violência homicida no
estado” (NASCIMENTO & MISSE, 2014, p 98).
Apesar das críticas ao programa durante as reuniões, um fator era unânime entre os
membros: a importância da Força Nacional para o desenvolvimento das atividades, tanto de
policiamento ostensivo como judiciário. A presença dos agentes tinha ares salvacionistas e
com participação constante nas reuniões conquistaram papel de destaque e centralização.
Segundo Nascimento e Misse (2014), havia o reconhecimento de que a “atuação da Força
Nacional era imprescindível” para redução dos índices de violência na capital alagoana. No
entanto, em nenhum momento era esboçada qualquer preocupação com a possível saída da
Tropa, por parte dos membros da cúpula. Os agentes da Força Nacional conquistaram um
protagonismo tal que pensar em sua retirada era algo fora de cogitação, pois eles eram
fundamentais para manutenção do programa naquele momento. Tomando como exemplo a
nova DHC, dos 12 delegados atuando apenas quatro eram locais, os demais pertenciam à
Força Nacional. Caso fossem retirados, a possibilidade da estrutura montada se manter era
mínima, na prática o sucesso do programa estava na presença da Força Nacional.
Nesse caminhar, em novembro de 2012, o Ministério da Justiça divulgou novos
números e os resultados demostram uma redução bem expressiva. A cidade de Maceió, após
cinco meses de desenvolvimento do Brasil Mais Seguro, registrou uma queda de 28% nas
taxas de homicídios. Nesse período, ocorreram na capital alagoana 283 assassinatos, quando
comparado os dados do mês de novembro de 2011 e 2012, a redução dos homicídios chegou a
54,3%. Já em Alagoas, a queda foi de 30% comparando o mês de novembro de 2012 com
2011. Se ampliarmos para os cinco meses (junho a novembro), os índices de homicídios
88
caíram 13,9% se comparados com mesmo período de 2011. 33 Com números positivos o
programa se estendeu a outros estados do nordeste como: Paraíba, Rio Grande do Norte e
Sergipe, a fórmula seria a mesma implantada em Alagoas.
Após todo esse desenrolar de fatos, eventos e decisões, apresento um panorama da
situação dos inquéritos policiais de homicídio instaurados na cidade Maceió, após os
investimentos realizados pelo Brasil Mais Seguro. Trata-se de uma primeira fotografia desse
cenário, que tem um histórico de inúmeras deficiências conforme já apresentado em outro
momento. Infelizmente a inexistência de dados anteriores ao ano de 2012 impossibilita uma
análise comparativa e consequentemente uma visão mais fidedigna em relação aos efeitos do
programa. O que será apresentado a seguir são os resultados em primeiro plano no que
compete à investigação dos homicídios em Maceió a partir dos inquéritos policiais.
Segundo os dados disponibilizados pelo GEINFO, da Polícia Civil de Alagoas, entre
os anos de 2012 e 2015, foram instaurados 2.725 inquéritos policiais para apurar ocorrências
de homicídio na capital alagoana. Destes, 2.604 foram por meio de portaria com o intuito de
apurar autoria e materialidade delitiva. Outros 121 tiveram instauração em virtude de prisões
em flagrantes dos suspeitos de autoria dos crimes, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1
Inquéritos Policiais – instaurados por portaria e flagrantes
Homicídios em Maceió (2012-2015)
2012 2013 2014 2015 Total
Instaurados
portaria 729 753 650 472 2.604
Flagrantes 25 33 28 35 121
Fonte: GEINFO.
Ainda segundo o banco consultado, 2013 foi o ano com maior número de inquéritos
instaurados por portaria foram 753, os registros ocorreram em sua maioria nos meses de
janeiro e dezembro, ambos com 80 casos a serem apurados. Na outra ponta, em 2015, houve
uma queda considerável no número registros por portaria (472), seguido por 2014 e 2012
com, respectivamente, 650 e 729. Com relação às prisões em flagrante, é perceptível que os
números são bem inferiores comparando com os inquéritos abertos por portaria. Importante
ressaltar que se tratando dos flagrantes, a maior parte deles ocorre por meio da Polícia Militar,
33
“Brasil Mais Seguro reduz em até 54% a taxa de homicídios em Maceió” Informativo SENAS/MJ. Edição nº
05 de novembro de 2012.
89
por ser a primeira a ser acionada após a descoberta do crime (MISSE et al. 2010). Além disso,
é percebível um equilíbrio no número de casos durante os quatro anos, as variações são
mínimas de um ano para o outro, o que leva ao entendimento que se mantenha nessa faixa. No
geral, o número de flagrantes em homicídios costuma ser relativamente baixo no Brasil
devido à natureza do crime.
Em Maceió, o número de inquéritos policiais concluídos é um número relativamente
melhor, tendo em vista os problemas com inquéritos pendentes. Os dados revelam que 1.913
inquéritos policiais seguiram no Sistema de Justiça Criminal. A tabela aponta que 2013 foi o
ano com mais inquéritos finalizados e encaminhados, foram 516 ao todo. Já no ano de 2012, a
frequência de inquéritos concluídos foi menor, com 441 casos. Em contrapartida, 839
inquéritos ainda estão ocupando as prateleiras e gavetas das delegacias da capital, a maior
parte destes inquéritos corresponde ao ano de 2012, são 313 mortes que continuam sob
investigação, já o menor registro é 2015, com 22 casos ainda inconclusos. Tabela 2.
Tabela 2
Inquéritos Policiais – concluídos e em andamento
Homicídios em Maceió (2012-2015)
2012 2013 2014 2015 Total
Inquéritos
concluídos 441 516 444 512 1.913
Inquéritos
em 313 270 234 22 839
andamento
Fonte: GEINFO.
90
Tabela 3
Inquéritos Policiais – concluídos com autoria e sem autoria
Homicídios em Maceió (2012-2015)
2012 2013 2014 2015 Total
Concluídos
com autoria 227 317 286 330 1.160
Concluídos
sem autoria 209 294 155 174 832
Fonte: GEINFO.
Com relação aos inquéritos concluídos é importante destacar que eles são subdivididos
em duas categorias, inquéritos concluídos com autoria e inquéritos concluídos sem autoria, a
depender de como eles foram finalizados, podem tomar rumos diferentes no sistema de
justiça. Os concluídos com autoria e houve pedido prisão preventiva seguem para o Tribunal
de Justiça para o parecer do juiz. Já os concluídos sem autoria ou com autoria, mas sem
pedido de prisão preventiva, são encaminhados para o Ministério Público. Nesse sentido, os
registros de inquéritos com autoria são maioria, com 1.160, isso significa que no relatório
final o delegado apontou o possível autor do crime. Com relação aos inquéritos sem autoria,
eles totalizam 832 casos, 2013 foi o ano com mais registros de inquéritos sem autoria, foram
294, seguido por 2012, com 209. Quando um inquérito é concluído sem autoria ele pode ser
arquivado ou retornar a delegacia para realização de novas diligências.
Conforme os dados do GEINFO, a situação dos inquéritos policiais de homicídio em
Maceió, apresenta um quadro distante do apontado pela Meta 2. Embora se trate de contextos
distintos, refletir sobre inquéritos de homicídio na capital alagoana é ser remetido a todos os
problemas enfrentados pela gestão pública, em virtude do acúmulo de inquéritos nas
delegacias da cidade junto da poeira do tempo. Os inquéritos de homicídio pós Brasil Mais
Seguro, estão apresentando números significativos tanto de concluídos, que correspondem a
25,61% dos inquéritos registrados, quanto em relação diminuição anualmente dos inquéritos
que estão em andamento, estes correspondem aos chamados passivos, pois ainda seguem nas
delegacias, eles somam 11,23%. Outro dado importante corresponde aos inquéritos
concluídos com autoria, ao todo, 15,53% inquéritos solucionados. Já os inquéritos concluídos
sem autoria, tem um percentual de 11,13%, são inquéritos que a depender da forma como
foram finalizados podem retornar a delegacia para diligências podendo permanecer anos. Os
estudiosos do fluxo do Sistema de Justiça Criminal apontam esta fase, entre a conclusão do
inquérito e a remessa para o Ministério Público, como sendo a etapa de maior gargalo do
sistema de justiça, somente uma pequena parcela conseguem seguir adiante.
91
Maceió também apresenta um número irrisório de prisões em flagrante nos casos de
homicídio, conforme visto na Tabela 1, foram instaurados 121 inquéritos, ou seja, 1,62%. Em
se tratando de homicídio, os flagrantes são minorias. No entanto as exceções podem ocorrer,
como é o caso do Distrito Federal, que entre 2003 e 2007, apresentou um elevado número de
inquéritos de homicídios dolosos originados de prisões em flagrantes, cerca de 45%, a maior
parte das prisões foram realizadas pela Polícia Civil do Distrito Federal (TRINDADE, et, al,
2010).
Após o Brasil Mais Seguro, é perceptível que o sistema de justiça foi ganhando outros
contornos, a investigação dos homicídios em Maceió ganhou uma nova roupagem que está
caminhando e respondendo de forma positiva. Mas, para compreender melhor esse processo e
seus reflexos em termos práticos se faz necessário conhecer a dinâmica de funcionamento da
peça chave dessa engrenagem que é o Sistema de Justiça Criminal, a sua porta de entrada, a
Polícia Civil de Alagoas, neste caso, a nova DHC. Após todo o processo apresentado neste
capítulo, surge um questionamento relevante: como está funcionando a nova delegacia e quais
os reflexos desse novo modelo de atuação na produção e processamento dos inquéritos
policiais? É com base nessa pergunta que as próximas páginas serão construídas.
92
Capítulo III
94
construídos dois bancos de dados: um sobre o perfil social das vítimas e outro referente às
características dos inquéritos policiais.
Nas duas últimas décadas, desde quando os estudos sobre o fluxo do Sistema de
Justiça Criminal se consolidaram no campo da sociologia brasileira – que conforme
apresentado, têm como principal característica analisar o funcionamento do sistema por meio
de sua capacidade de processar e punir crimes e criminosos, com base na produção das
decisões de cada instituição que o integra – revelando um fraco desempenho em relação ao
esclarecimento dos crimes de homicídios no Brasil, ou seja, os casos em que o suposto autor
do crime é denunciado pelo Ministério Público.
O resultado de algumas pesquisas realizadas sobre essa temática expressa com clareza
a dimensão do problema. Na região metropolitana de Florianópolis Rifiotis (2006), revelou
que do total de homicídios dolosos registrados entre 2000 e 2003, 36% obtiveram denúncia.
Um ano depois, segundo Misse e Vargas (2007), dos casos de homicídios registrados no
estado do Rio de Janeiro de 2000 a 2005, apenas 14% foram esclarecidos. Um percentual
muito próximo ao encontrado por Sapori (2007), com relação ao fenômeno na cidade de Belo
Horizonte, no mesmo período (2000-2005), o esclarecimento foi de 15%. Mantendo-se na
parte sudeste do país, Ribeiro (2010), revelou que no estado de São Paulo, do total de
homicídios dolosos registrados pelas autoridades policiais, apenas 22% foram esclarecidos e
obtiveram denúncia (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2014).
Este cenário é reflexo de uma série de sucessivos procedimentos que, quando
executados, seus resultados passam a constituir um documento administrativo obrigatório,
construído sob uma lógica e linguagem jurídicas, durante a fase pré-processual da justiça
criminal, “denomina-se essa fase de inquérito policial”, conforme descreve Kant de Lima
(1989):
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Quando a peça/inquérito é concluída pela autoridade policial, ela é encaminhada para
o Ministério Público e, caso resulte em uma denúncia, considera-se que a investigação foi
bem sucedida. Ainda pouco se sabe sobre os “procedimentos iniciais” realizados durante o
processo de apuração do crime desde a descoberta do corpo até a elucidação do caso –
significa que a polícia descobriu o autor, as motivações e circunstâncias do crime – e como
aspectos organizacionais podem contribuir para melhorar o desempenho das polícias
investigativas e consequentemente a produção dos inquéritos policiais.
Em A investigação de homicídios: construção de um modelo, Mingard (2005), revelou
os contrastes entre o modelo de investigação idealizado e o posto em prática e como a junção
de procedimentos existentes em ambos podem contribuir para o desenvolvimento de um
“modelo possível” de execução. Na literatura especializada sobre investigação (livros, artigos,
manuais), os especialistas apontam uma série de métodos a serem adotados por parte das
autoridades policiais e dos peritos criminais durante a investigação, bem como as ferramentas
necessárias para sua aplicação, com o objetivo de elucidar o crime. Quando todos os
procedimentos estão disponíveis e são empregados de forma correta, temos o que o autor
denomina de “modelo de investigação ideal”.
No curso do campo, realizado junto aos operadores do Sistema de Justiça Criminal
(promotores, investigadores, delegados e peritos criminais) dos estados de São Paulo, Minas
Gerais e Brasília, emergiu a outra face da investigação criminal, no qual o trabalho é exercido
dentro das possibilidades dos principais atores envolvidos. Os desafios são diários e os
procedimentos prescritos na teoria tornam-se impraticáveis diante da precariedade da
infraestrutura presente nas delegacias e nos institutos de criminalística, inviabilizando o
trabalho da polícia e da perícia. A ideia de uma investigação com todo um aparato disponível,
cujas peças quando mobilizadas montam um quebra cabeças elucidando o crime, pertence ao
mundo da teoria ou mesmo da ficção. Na prática, diante de recursos escassos, o que se realiza
é o “modelo de investigação real”.
Ainda de acordo com o autor, o processo de investigação de homicídios divide-se em
dois momentos distintos, mas ao mesmo tempo complementares, são eles: 1) investigação
preliminar e 2) investigação de seguimento. A investigação preliminar é a que ocorre no local
do crime logo após a descoberta do evento criminoso. Uma etapa em que delegados,
investigadores e peritos, entram em cena promovendo uma corrida contra o tempo em busca
do máximo de informações que possibilitem desvendar o caso.
96
Dentro das atividades que possibilitaram identificar a rotina policial na investigação
de homicídios nos detivemos de forma particular na questão do local do crime. Isso
porque, embora todo o processo investigatório seja importante para o esclarecimento
de um crime, a questão do local se reveste de peculiar relevância, uma vez que um
local de crime bem aproveitado é essencial para a produção da prova técnica e para a
compreensão do que ocorreu em cada caso (MINGARD, 2005, p.11).
97
amores, com quem esteve e o que faz. Principalmente quais foram suas movimentações nas
últimas 24 horas antes do crime, o que os teóricos americanos denominam de “vitimologia
aplicada”, como explica o autor:
99
incorporação desse seguimento ao Departamento da Força Nacional de Segurança Pública.
Esse apoio para investigação criminal no Brasil começou a atuar de forma experimental em
Maceió, porém posteriormente se estendeu para Goiás e Paraíba.
A Força Nacional de Segurança Pública foi criada em 29 de novembro de 2004, por
via do Decreto Executivo Presidencial n.º 5.289, durante o governo do então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. O objetivo era estreitar a participação da União no campo da segurança
pública nos estados, sem atingir sua autonomia. Logo, surge uma força policial inspirada nas
Forças de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU), pronta para atuar em situações de
crise.
A Força Nacional é composta por profissionais de segurança pública das Unidades
Federativas e responde à Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério
da Justiça. Mediante solicitação dos estados, os profissionais pertencentes à Força Nacional
desenvolvem atividades de preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do
patrimônio. Em 10 de maio de 2007, a força ganha consistência jurídica após a assinatura da
Lei n° 11.473, que legitima o convênio entre a União e os Estados, conforme determina a
Constituição Federal desde 1988. Todavia, é a partir de 2010 que a Força Nacional se
estrutura. Sendo composta por Policiais Militares, Bombeiros Militares, Policiais Civis e
Peritos, com esse corpo ela passa a atuar, simultaneamente, com todas as forças de segurança
pública existentes (VARGAS et al, 2014).
Uma das principais características da Força Nacional é a atuação momentânea, porém,
em se tratando especificamente do estado de Alagoas, foram sucessivas missões desde 2008,
quando foi acionada para auxiliar no combate ao tráfico de drogas e aos elevados índices de
homicídios da capital. Posteriormente, diversas missões se sucederam como a Operação
Estrela Radiosa de 2008, a Operação Palmares de 2009 e a Operação Mundaú de 2010, até
deflagração da Operação Jaraguá em 2011, a mais longa já executada, que durou até julho de
2016, onde atuou junto ao policiamento ostensivo com a Polícia Militar e na investigação dos
homicídios com a Polícia Civil. Importante frisar que com a implantação do Programa Brasil
Mais Seguro em 2012, ocorreu um reforço no efetivo da Força Nacional que já se encontrava
no estado desde o ano anterior.
Sua participação em Alagoas tornou-se determinante para o desenvolvimento e
manutenção do Brasil Mais Seguro, sobretudo na investigação dos homicídios. O
funcionamento da DHC pós-reestruturação dependia diretamente da atuação dos delegados,
agentes e escrivães da Força Nacional, que constituíam a maior parte do corpo da delegacia.
100
Nesse contexto, para melhor entendimento no que compete à presença da Força Nacional,
apresentam-se a seguir dados gerais referentes à atuação da mesma, bem como da Polícia
Civil do estado de Alagoas em Maceió. A análise foi realizada a partir dos dados produzidos
pela Secretaria de Segurança Pública de Alagoas e pela Gerência de Estatística e Informática
da Polícia Civil, em relação à investigação dos homicídios de 2012 a 2015.
As informações revelam que apesar dos investimentos e dos sinais de avanço com a
implantação do Programa Brasil Mais Seguro, possibilitando melhores condições de trabalho
para as forças policiais durante o processo de investigação, a taxa de elucidação dos crimes de
homicídio ainda está longe de ser satisfatória. Dos casos registrados na capital alagoana de
2012 a 2015, um universo de 2.941, apenas 39% foi elucidado, o equivalente a 1.160 mortes
por homicídio. Estes dados apontam que mais da metade das ocorrências (1.781) seguem sem
um desfecho (Tabela 4).
Tabela 4
Número de homicídios e de inquéritos policiais concluídos com autoria, taxa de
elucidação por ano de Maceió (2012 – 2015)
Nº de IPs instaurados IPs concluídos Taxa de
Ano homicídios com autoria elucidação
2012 805 754 227 28%
101
das ocorrências. Em contrapartida, 2015 registra uma queda no número de procedimentos
abertos, também efeito da diminuição dos assassinatos.
No que compete ao total de inquéritos concluídos em comparação ao total de
inquéritos abertos, de 2012 a 2015, a diferença chega a 1.563 casos e, consequentemente, a
capital alagoana apresenta taxas relativamente baixas de elucidação dos homicídios. O ano de
2012 aparece com a menor taxa, registrando 28%. Na outra ponta, 2015 destaca-se como o
ano com a maior taxa de elucidação, alcançando 58%. Comparando os dois extremos houve
um crescimento de 30% em relação a 2012.
Para realizar uma avaliação mais precisa deste quadro, o ideal seria compará-lo com
anos anteriores, mas as lacunas dos registros de informação em Alagoas impedem essa
comparação, bem como a ausência de dados sistematizados por parte do Ministério Público,
em relação ao número de denúncias realizadas nesse período. Nesse sentido, as atenções se
voltam para os procedimentos de investigação e seus resultados. Dessa forma, para
compreender esse processo e seus possíveis reflexos, se faz necessário conhecer a dinâmica
de funcionamento de duas importantes instituições, a Polícia Civil de Alagoas e do Ministério
Público Estadual de Alagoas, neste caso traçar o caminho entre essas instituições a partir da
DHC e do NIMP. É entre os corredores dessas repartições que a produção e o destino do
inquérito policial são definidos.
34
Antes de funcionar no CODE, a DHC passou por outros dois endereços após a implantação do Brasil Mais
Seguro. Primeiro ela foi reinaugurada em uma instalação no centro da cidade, onde atualmente funciona a CIPP.
Como o espaço era pequeno para abrigar todo o efetivo policial, a SENASP e a DGPC decidiram transferi-la
para outro imóvel e ela passou a funcionar em uma casa alugada no bairro da Santa Amélia, situada em uma
região mais afastada do centro da cidade, em um território periférico próximo aos bairros mais violentos da
capital, permanecendo até a inauguração do CODE.
102
além de uma Central de Flagrantes, todas elas situadas no térreo, junto com a carceragem. O
prédio tem uma ampla estrutura, com algumas salas que já existiam e outras que foram
construídas utilizando divisórias.
Minha primeira visita à DHC ocorreu após um período de negociações com a
coordenação da delegacia para realização da pesquisa. Nesse processo ocorreram alguns
imprevistos, a exemplo de mudanças na coordenação da delegacia que, no intervalo de um
ano, mudou de comando três vezes, retardando o trabalho de campo na medida em que a cada
mudança havia a necessidade de me apresentar à nova administração e solicitar uma nova
autorização. Isso acarretou em muitas idas e vindas a DHC e em longos intervalos de espera.
Essas negociações não ocorreram por meios hierárquicos formais. Os diálogos foram
estabelecidos diretamente com a coordenação da DHC, que autorizou o meu pedido para
frequentar o lugar e desenvolver o trabalho de campo após uma exposição da proposta da
pesquisa e seus objetivos.
Até o momento, nenhum trabalho sobre o funcionamento da DHC tinha sido realizado
e vencer as barreiras da desconfiança não foi uma tarefa fácil, ganhando contornos ainda mais
complexos com as mudanças dos interlocutores, sendo necessário reiniciar todo o processo de
aproximação, assemelhando cada ida à DHC como se fosse sempre à primeira. Diante deste
fato, o trabalho de campo ocorreu em diferentes momentos, inicialmente entre fevereiro e
março, posteriormente em agosto e dezembro de 2016.
A DHC ocupa todo o primeiro andar do CODE e seu corpo é composto por 11
delegados (sendo um deles também coordenador), 10 escrivães (quatro deles são agentes que
ocupam essa função), um chefe de operações e 58 agentes. Eles se dividem entre as 17 salas
do local, compondo as equipes de plantão, seguimento e o setor administrativo. As salas são
padronizadas com ar-condicionado, mesas com computadores, cadeiras e armários de ferro
com as prateleiras onde ficam alguns inquéritos policiais separados por ano. Há também uma
impressora para uso geral que fica encostada na parede do corredor, próximo à copa e outra
no cartório central. A DHC é a responsável por realizar as investigações dos homicídios
dolosos em Maceió e as delegacias distritais os demais.
Chegando ao local, procurei pelo cartório central (onde são repassadas todas as
informações sobre a DHC), entrei na sala, fui atendida por um escrivão, me apresentei
explicando o motivo da minha visita e perguntei por um dos delegados – com quem tinha
agendado uma entrevista – ele respondeu que o mesmo havia saído, pois estava em operação
naquele momento e não sabia informar o horário que ele retornaria para delegacia. Olhei para
103
o relógio que marcava 14h10min, horário que havia combinado com o delegado, perguntei se
poderia esperar e ele respondeu positivamente, me conduzindo até algumas cadeiras que
ficam no corredor em frente à porta do cartório. Ele estava de saída, pois seu expediente tinha
terminado e esperava pela funcionária que iria substituí-lo, que não demorou muito a chegar.
Ao deixar a sala, o funcionário se despediu e desceu as escadas, dirigindo-se à saída. Os
agentes da polícia civil seguem o horário regulamentar de 8h às 12h, com pausa para o
almoço e retorno das 14h às 18h.
Após algum tempo esperando e despertando a curiosidade de algumas pessoas que
passavam por mim e entravam no cartório, a escrivã se aproximou perguntando se eu
precisava de alguma coisa ou se já tinha sido atendida. Apresentei-me, explicando o motivo
da minha visita, repetindo o discurso que seria um mantra durante toda a pesquisa. Prestativa,
ela me perguntou se eu havia confirmado com o delegado e prontamente respondi que sim,
que tínhamos acertado e, mediante a minha resposta, ela pediu que eu aguardasse mais um
pouco, explicando que: “quando a equipe está na rua em operação demora a retornar para
delegacia”.
Compreendendo, optei por esperar mais um pouco, retornando ao local onde estava
que me possibilitava ter uma visão de todo o primeiro andar, bem como do saguão do CODE.
Na ocasião, a carceragem, que fica no andar de baixo, estava lotada e era possível ouvir os
gritos dos presos que buscavam chamar a atenção dos agentes, reclamando do calor, com
frases como: “doutor, doutor, pelo amor de Deus, tá calor aqui! Por favor!” e “isso é
malvadeza! malvadeza, doutor! Tá calor!”. Os gritos ecoavam pelo saguão, se misturando
com as demais vozes que estavam no local. Após alguns minutos, a porta que dava acesso à
carceragem foi aberta e ouvia-se a fala em tom elevado de um dos policiais ordenando que os
presos permanecessem com a cabeça abaixada. Em seguida, seis presos saíram algemados em
duplas, descalços, vestindo bermudas, alguns com camisetas e outros sem, seguindo em
direção às viaturas para serem transferidos para a casa de custódia.
Naquela altura o relógio estava marcando 16h00min. Liguei para o delegado que me
atendeu com surpresa, provavelmente tinha esquecido a entrevista. Ele explicou que estava
em uma viatura do lado de fora da DHC, que era dia de operação e a polícia estava cumprindo
mandados de prisão e que sua equipe havia parado na delegacia, mas iria retornar às ruas da
cidade. Depois de um pedido de desculpas, ele ressaltou que a Polícia Civil de Alagoas estava
realizando sucessivas operações nos últimos tempos, cumprindo mandados de prisão, busca e
apreensão, assim, “trabalhando e conseguindo retirar os homicidas de circulação”.
104
Nesse contexto, o delegado me direcionou para o cartório central, pois lá eles se
encarregariam de me passar às informações necessárias. Desde então, o cartório central se
transformou no meu elo com a DHC durante o trabalho de campo. Foi frequentando aquele
espaço que passei a conhecer como funcionava a delegacia, os procedimentos entorno das
investigações dos homicídios em Maceió e o processamento dos inquéritos policiais, que
passo a descrever a partir das próximas linhas. Para melhor entendimento da estrutura do
texto, este segue de acordo com os procedimentos executados no cotidiano da DHC, porém
subdivididos em dois tópicos referentes à investigação preliminar e de seguimento.
35
A saber, a Força Nacional de Segurança Pública deixou Alagoas no final de Junho de 2016 para reforçar a
segurança durante os jogos olímpicos. Em decorrência dos objetivos dessa investigação, nesta seção serão
abordados os procedimentos realizados ainda com a presença da Força Nacional. Entretanto, durante o
desenvolvimento do texto voltarei a abordar o assunto.
105
Os plantonistas demoram cerca de uma hora, no máximo, para deslocar-se entre a
delegacia e o local da ocorrência. A Polícia Militar, em regra, é a primeira a chegar e cabe a
ela realizar o isolamento do local e aguardar a chegada da perícia. A preservação da cena do
crime é algo extremamente relevante para o processo de investigação, pois é nesse cenário
que os peritos buscam elementos explicativos para a construção dos laudos técnicos que são
determinantes na condução do inquérito. Um laudo pericial pode oferecer ao delegado
informações sobre a dinâmica do crime, auxiliar na identificação da possível autoria e quais as
armas podem ter sido utilizadas. Além disso, são peças fundamentais para a reconstituição do
crime, caso algum suspeito seja detido ou confesse a autoria (VARGAS & NASCIMETO,
2010).
No entanto, segundo os agentes, apesar da relevância desse momento, alguns
problemas são encontrados quanto ao isolamento e preservação, como: a ausência de material,
a aglomeração da população no local, a disposição geográfica onde o crime ocorreu e a falta
de atenção dos policiais militares. Esses fatores contribuem para a alteração do cenário,
dificultando os trabalhos da perícia.
A falta de isolamento é comum assim, dependendo da região que ocorre, não tem
como. Às vezes a Polícia Militar não tem a fita de isolamento, às vezes tem muita
gente, o local está comprometido ou também se aglomera muito em cima. O SAMU
tenta socorrer muitas vezes, mexe no corpo pra tentar dar os primeiros socorros, se
ainda apresentar sinais vitais. Então tudo isso prejudica o local do crime em si, mas
a maioria das vezes a gente chega e isola. A gente vê local do crime que não é
isolado, muito assim, próximo de área de zona rural, com campos muito aberto e é
difícil controlar a população na realidade. [...] então às vezes as crianças mexe e
pega os projéteis que saem, as cápsulas e guardam pra eles (Policial Militar de
Alagoas).
Teve um local de crime que nós fomos que eu fiquei sem acreditar, o corpo lá
estendido, a população em volta levantando o pano, andando pela cena, e a viatura
da PM debaixo de uma sombra lá com os policiais parados. Estavam revirando a
cena, não tinha preservação do local, entendeu?... E assim, vai sair um resultado
bem feito? Não. (Perito da Força Nacional).
107
ocorrências são em áreas carentes de Maceió, a população por medo de represálias se calam.
Todavia, os agentes acreditam que além do medo, a reação da população também ocorre
devido à desconfiança no trabalho da polícia e a consequência disso é, em alguns casos, a
opção de recorrer à vingança privada.
Teve um local, ele tem que sair com a maior determinação possível do mundo, “eu
tenho que voltar com o nome do autor e a motivação do crime”. Ele sai somente
com esse objetivo. No outro dia, 8 da manhã, quando ele termina o plantão dele,
acabou a responsabilidade dele com aquele caso. Então a gente cobra muito dos
nossos delegados de plantão, disse o seguinte: olha, é você que vai sofrer a pressão
de continuar a investigação? De resolver o caso? De atender a família? Então, o seu
trabalho é ali, naquele momento que há o crime e que talvez seja o momento mais
importante que o momento em que as coisas estão afloradas. Há casos que se a
testemunha não falar naquela hora depois ela não fala. Passou o enterro, ai no outro
dia chega outro diz: “não se meta nisso não, homi, tu vai falar isso pra polícia, rapaz,
olhe isso é complicado, homi, entregue a Deus”. E a outras situações que acontecem
o contrario, que a família sabe mais prefere é se valer da vingança privada
(Delegado da Polícia Civil de Alagoas).
108
Embora a atividade cartorária seja uma característica do inquérito, parece existir
a necessidade do papel para se criar algum nível de realidade material, a ideia de
legitimidade para investigação por meio dos documentos físicos (MISSE, et al;
2010, p.98).
109
bairros mais violentos, o Jacintinho, que entre 2012 e 2015 registrou cerca de 11,01% dos
casos de homicídio da cidade.
Desde 2012, a SSP-AL vem realizando um trabalho com geoprocessamento das
ocorrências, no intuito de identificar os principais pontos dentro do universo dos bairros, pois
a maior parte dos crimes ocorre em espaços bem específicos, podendo haver ruas que
concentram um número maior de ocorrências em detrimento de outras. Na sequência a
Imagem 2 apresenta mais detalhadamente os registros de homicídios por AISP’s.
110
Imagem 1- Áreas Integradas de Segurança Pública de Maceió (AISP’s)
Fonte: DHC
111
Imagem 2 – Distribuição dos Crimes de Homicídio em Maceió Por Área Integrada de Segurança Pública (2012-2015)
Fonte: DHC
112
É percebível a partir da Imagem 2, a existência de áreas no qual o índice de
homicídios em alguns bairros é ínfimo, por exemplo, a AISP-1 composta por bairros
localizados na orla de Maceió: Ponta Verde, Pajuçara, Jatiúca e Mangabeiras; uma região
próxima à sede da DHC, onde o registro de ocorrência de crimes letais é menor. Enquanto em
outras regiões como AISP-7, tem dois bairros que concentram casos de homicídio, são eles:
Cidade Universitária e o Tabuleiro dos Martins, onde somente um delegado não daria conta
da demanda. Nesse sentido, para equilibrar a distribuição dos inquéritos policiais, há
delegados que concentram mais bairros atuando em mais de uma AISP, liberando outro
colega para atuar em uma área onde se faz necessário mais de um delegado. Dessa forma, na
prática, as AISP’s passam de oito para seis. Posteriormente, com a saída da Força Nacional
em Junho de 2016, ocorreram algumas mudanças. De início as seis áreas acabaram se
firmando, passando a representar divisões da delegacia, ou seja: DHC-1, DHC-2, DHC-3,
DHC-4, DHC-5 e DHC-636. Em Dezembro de 2016, essa divisão passou de seis para cinco
áreas, devido à transferência de delegados da Polícia Civil.
A nova distribuição (Imagem 3) é mais equilibrada que a primeira. Bairros como
Tabuleiro dos Martins e Cidade Universitária, que anteriormente pertenciam à mesma área,
foram separados, passando a dividir uma região com bairros medianos ou de baixa
concentração de ocorrências. O mesmo ocorreu com os bairros Antares e Benedito Bentes, o
que era anteriormente uma única área passou a compor outros espaços. Em contrapartida,
bairros de menor incidência de homicídios passaram a pertencer a um só espaço, como é o
caso da DHC6 que antes correspondia as AISP’s 1 e 2 e agora tornou-se uma única área. Com
esse desenho, cada delegado ficou com uma média 47 inquéritos policiais para serem
conduzidos. A nova redistribuição foi definida pela coordenação da DHC que decidiu junto
aos demais delegados não seguir a distribuição definida pela SSP-AL desde 2011, optando
por uma distribuição própria e batizada de Delegacia de Homicídios, algo mais significativo
na medida em que representa a presença da força policial da DHC naquela região. Era o
Estado detentor do monopólio legítimo do uso da força se fazendo presente em territórios
muitas vezes definidos por regras próprias.
36
Em anexo segue a divisão por bairros e número de inquéritos policiais.
113
Imagem 3 – Divisão de Delegacias de Homicídio por Área Integrada de Segurança Pública
Fonte: DHC
114
3.2.2 A investigação de seguimento e os desdobramentos no cotidiano da DHC
A questão da falta de conhecimento da região foi uma das principais críticas dos
policiais alagoanos contrários à presença da Força Nacional. Para estes, o programa Brasil
Mais Seguro estava “fadado ao fracasso”, já que as ações eram praticamente concentradas na
presença dos agentes da Força Nacional que não conheciam a realidade de Maceió, portanto,
sem perspectiva de uma atuação satisfatória. Em suas leituras, seria mais eficiente para
elucidação dos homicídios se os recursos destinados ao programa fossem investidos nas
forças locais, que conhecem a região, “sabem onde se mata” na cidade, mas a ausência de
suporte dos gestores públicos acabava limitando e desvalorizando o trabalho do policial local.
115
Na percepção deste grupo, a presença da Força Nacional era uma forma de dizer, segundo um
dos agentes: “vocês são incompetentes, não conseguiram resolver o problema e a gente veio
aqui resolver”, com isso surgia à desmotivação diante do que parecia ser falta de
reconhecimento do trabalho da Polícia Civil alagoana.
É importante ressaltar que, em se tratando da relação entre os agentes da Força
Nacional e os policiais alagoanos, no que competia ao trabalho de investigação, as opiniões
eram diversas, pois também existiam aqueles que consideravam a presença da Força Nacional
como um fator determinante para melhoria do trabalho executado, mediante a padronização
de procedimentos que não eram aplicados ou mesmo não existiam, proporcionando uma nova
roupagem para a produção do inquérito policial.
No primeiro ano do programa Brasil Mais Seguro, o trabalho de cooperação das
equipes era mais próximo, havia sempre uma mescla entre agentes da Força Nacional e
policiais locais, como uma forma de suprir a carência do conhecimento da região. Entretanto,
com o passar do tempo, mais situados com o lugar, existiam equipes constituídas somente por
agentes da Força Nacional, o que acabou gerando certo distanciamento entre os efetivos na
delegacia. No entanto, nas palavras daqueles que eram condizentes com a presença da Força
Nacional, o clima era amigável e colaborativo, nada que gerasse animosidade. As eventuais
críticas eram mais direcionadas à gestão e à forma como os trabalhos dos agentes eram
orientados pela coordenação em Brasília, bem como pelo governo estadual.
Um ponto destacado foi a questão da rotatividade dos agentes, pois como a principal
característica da Força Nacional é a cooperação temporária, embora em Alagoas os agentes
tenham permanecido durante três anos, havia certa rotatividade das equipes, logo, quando os
agentes começavam a se familiarizar com suas regiões de atuação, eram deslocados para
outras missões e outra equipe desembarcava em Maceió. Esse quadro é extremamente
negativo até pela imprevisibilidade, o que vai se refletir no desenvolvimento das
investigações. Nestes casos, as atividades ficavam paralisadas até que fosse definido se a
próxima equipe assumiria os casos em andamento ou se esses seriam repassados para alguma
outra equipe que permaneceu na delegacia.
No entanto, vale ressaltar, que a rotatividade também é uma questão presente nas
Polícias Civis do país e que isso ocorre em virtude da nomeação do delegado ser realizada
pelos chefes de polícia, sendo assim, quando há mudanças na gestão é comum à transferência
de delegados e agentes. Michel Misse (et al. 2010), destacou essa questão durante a pesquisa
que coordenou no Rio de Janeiro sobre a produção do inquérito policial, afirmando que a
116
presença da rotatividade nas delegacias cariocas também estava associada a questões
políticas. Quando ocorrem alterações no comando da instituição, consequentemente mudam-
se os delegados titulares, bem como os adjuntos, estes últimos com mais frequência. Para o
autor, trata-se de uma situação que afeta de forma direta o andamento dos inquéritos policiais,
devido ao rompimento da linha de investigação, limitando o esclarecimento do crime.
Em Maceió, a exemplo dessa rotatividade, além dos giros, como são chamadas as
mudanças de quadros no ambiente da Força Nacional, têm as constantes alterações de
comando da DHC. Somente em 2016, a DHC teve três coordenadores, o que gerou incômodo
nos demais delegados que atuam na delegacia. Para protestar pela transferência de um dos
colegas e cobrar explicações quanto aos critérios utilizados pelo comando da DGPC para as
exonerações no âmbito das delegacias de Maceió, um grupo constituído por 30 delegados
chegou a paralisar suas atividades durante 24 horas. Além disso, elaboraram uma nota de
repúdio para ser entregue à chefia da Polícia Judiciária de Alagoas, todavia, após uma longa
espera, os delegados não foram recebidos e decidiram divulgar a carta à imprensa.
Na carta os delegados afirmavam temer que o fato se transformasse, em suas palavras,
em uma “partidarização das nomeações” 37. Em resposta, a DGPC disse por meio de nota que
as mudanças são apenas “medidas administrativas rotineiras dentro da estrutura
organizacional da Polícia Civil” 38 . Durante conversa na DHC com um dos agentes sobre
essas mudanças e seus reflexos nas investigações (ele que tinha acabado de saber que seria
transferido), expressou que as constantes mudanças rompem com a ideia de especialização da
delegacia, pois não é raro assumir pessoas que nunca investigaram homicídios, nem mesmo
foram a campo e passaram a compor o corpo de uma das principais delegacias da capital, em
tom de desabafo ele expõe sua opinião:
(...) o que é negativo é que apesar de ser chamada de uma delegacia especializada a
gente não é, pelo menos os profissionais daqui não são, assim, para entrar na
Delegacia de Homicídios não tem nenhum critério, não tem nenhum critério, sabe?
Às vezes é a vontade de um diretor lá na Delegacia Geral que quer colocar uma
pessoa aqui, às vezes é uma pessoa que não entende nada de homicídios, às vezes é
um policial que passou 15 anos fazendo atendimento numa delegacia, não tem
nenhuma formação pra vim pra cá e chega aqui. Se ele for um profissional dedicado
vai aprender com a gente na prática, mas, então, não tem essa especialização que era
necessária. Os cursos são quase inexistentes pros agentes daqui e pros delegados
37
“Delegados repudiam exonerações de colegas e cobram explicações da PC” Gazetaweb, edição de 04 de
Março de 2016. Disponível em: (http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia.php?c=5425) Acesso em: 25 de
setembro de 2016.
38
“Governo faz mudanças na cúpula da polícia” Gazeta de Alagoas, edição de 12 de Agosto de 2016.
Disponível em: (http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=292514) Acesso em: 25 de
setembro de 2016.
117
também, quase que inexistentes, então a gente não consegue se especializar. Uma
coisa que também prejudica muito é a rotatividade de policiais daqui, por exemplo,
o delegado com quem a gente trabalha, estava a dois anos trabalhando com
homicídios, trabalhou um ano em Rio Largo, aí ele foi promovido para ser o
coordenador daqui, estava como coordenador e agora por questões políticas ele foi
removido daqui. Aí chega um outro delegado, com outra equipe, que as vezes nunca
trabalhou com homicídios somente e vem comandar outros delegados e outras
equipes que já estão no trabalho de homicídios. Então, seria interessante que a
mudança fosse feita por algum desses que estavam aqui. O que existe de negativo é
isso, é a não especialização, dos agentes principalmente. Porque para você investigar
homicídios o interessante seria que, por exemplo, no Vergel era necessário que os
policiais passassem no mínimo cinco anos para conhecer a região, para fazer
contatos com informantes, para fazer ligação com família, presidente de associação
de moradores, por que a gente só consegue resolver o crime de homicídio com a
prova testemunhal. Então, a gente vai trabalhar conversando com as pessoas,
tentando convencer as pessoas a virem depor na delegacia, 99%, nos não temos essa
estatística, mas quase nenhum inquérito é resolvido em Alagoas com prova técnica,
por digital, por projetil recolhido, por DNA, nenhum, quase nenhum [...] Às vezes, é
um motoqueiro que passa na rua atira na pessoa e foge. Não tem câmera, não tem
digital, não tem não sei o quê, então também tem isso. Então, essa rotatividade das
equipes na delegacia de homicídios é uma tragédia. A rotatividade e a não
valorização dos agentes pra que eles fiquem mais tempo aqui, fazendo cursos aqui,
pra que eles conheçam a região onde eles estão trabalhando. Então, costumo dizer
que nós temos ótimos advogados como delegados, mas péssimos administradores.
Então, isso é um problema de gestão muito serio, um problema de gestão na polícia
é uma tragédia (Policial Civil de Alagoas).
Após o processo de distribuição dos inquéritos policiais, o delegado realiza uma série
de encaminhamentos por meio do cartório. Esses encaminhamentos têm por objetivo delegar
ordens aos membros de sua equipe referentes ao processo de investigação. Esses
procedimentos ocorrem em um curto espaço de tempo, logo após a entrega do inquérito. O
cartório repassa as solicitações do delegado para as equipes, que passam a executar as tarefas,
como: iniciar as diligências para apurar o crime, intimar e arrolar testemunhas. Nesse
caminhar, por meio dos escrivães, o cartório emite ofícios para o Instituto de Criminalística,
solicitando o laudo pericial e, ao IML, pedindo o laudo cadavérico.
A emissão do laudo cadavérico, determinando a causa da morte, emitido pelo IML é o
primeiro laudo a ser remetido para delegacia, em geral, com um prazo de 30 dias, mesmo
sendo um exame realizado de imediato. Quando o inquérito já está para ser concluído, ele é
encaminhado para o cartório central que o repassa para o delegado responsável pela
investigação. No entanto, os atrasos podem ocorrer e neste caso, o delegado emite uma nova
solicitação ressaltando o caráter emergencial da emissão do laudo para encaminhar o inquérito
policial. Se ainda assim não obtiver retorno, o inquérito vai seguir para o Ministério Público
sem o documento.
Com relação à prova técnica, pode-se constatar por meio de observação e das
entrevistas, que o trabalho realizado pela perícia acaba por limitar-se a determinar como
118
ocorreu o crime e não na identificação da autoria. Esse contexto está relacionado aos
procedimentos realizados durante a investigação preliminar, somados às limitações do
Instituto de Criminalística e à ausência de materiais e equipamentos que proporcionem
análises mais elaboradas. Outro fator a ser destacado é a falta de comunicação entre delegados
e os peritos, principalmente com aqueles que realizaram a perícia no local do crime. Para
tentar remediar esse problema, os delegados da DHC criaram em meados de 2015 um grupo
no aplicativo de celular Whatsapp, com o objetivo de trocar informações sobre as ocorrências.
Sendo assim, quando ocorre um homicídio, o delegado de plantão deve acionar o grupo
comunicando onde foi o local da ocorrência e qual perito está no local, logo, o delegado
responsável pela área ficará ciente, para o caso de necessitar de mais informações. Essa
medida, na visão dos delegados, facilita o andamento dos trabalhos uma vez que eles
conseguem obter algumas informações antes da emissão oficial do laudo que, a depender do
caso, pode demorar em torno de dois até três meses.
Seguindo o curso das investigações, tomam-se os depoimentos das testemunhas e dos
suspeitos, se houver. Diante da limitação da prova técnica, o depoimento testemunhal acaba
por ser decisivo. Em regra, primeiramente são ouvidas as testemunhas do local do crime,
posteriormente os familiares. Todavia, ocorre que poucos são os casos onde existem
testemunhas no local do crime, e quando elas existem, o medo acaba por falar mais alto e
estas se resguardam na lei do silêncio. Neste caso, os agentes dirigem-se às famílias para
tentar elucidar o crime, transformando-as em peça chave da investigação.
Após essa fase, juntam-se todos os documentos (as oitivas, os laudos periciais, exame
cadavérico, diligências realizadas, a documentação da vítima e inúmeros outros papéis) que
são anexados aos autos do inquérito. Concluídos todos os procedimentos, o escrivão remete o
inquérito para a autoridade policial, que por sua vez pode encaminhar o inquérito para
Ministério Público ou solicitar novas diligências. Caso o inquérito não seja concluído dentro
do prazo de 30 dias, conforme determina Código do Processo Penal, em regra deve-se remeter
o inquérito e solicitar o pedido de dilação de prazo ao Ministério Público. No entanto, poucos
são os que seguem essa determinação, existindo uma diferença na atuação dos delegados da
Força Nacional e dos delegados locais quanto a essa questão. Os delegados da Força Nacional
costumam a seguir os prazos, concluindo o inquérito e o encaminhando em 30 dias, enquanto
os delegados locais continuam com as investigações e somente remetem o inquérito quando o
mesmo for concluído. A regra é não seguir a regra. Um dos delegados explica o porquê da
diferença:
119
(...) o inquérito fica na delegacia. O Ministério Público, ele sabe que existe o
inquérito por que é passado quais são os inquéritos que estão instaurados. Agora, na
Delegacia de Homicídios nós não costumamos pedir prazos de prorrogação de
inquérito policial. [o delegado explica o porquê de não solicitar o prazo de
prorrogação] O trabalho da Força Nacional é 30 dias, eles se viram aqui, ali, são
dirigentes, ouvem muita gente, não é um inquérito que deixam lá e ouvem uma
pessoa ou duas, eles fazem o que podem fazer, mas, uma coisa eles abrem mão
desde já, a prova técnica. Dentro de 30 dias você não tem a menor condição de ter
uma prova técnica, porque o laudo, ele demora mais de 30 dias pra ser entregue [...]
Se você pedir uma balística é que demora, são 60 dias. Quebra de sigilo telefônico
pra o juiz, pra o juiz autorizar é no mínimo 15 dias, quando o juiz autoriza ou altera
o prazo para eles mandarem os dados, é pelo menos um mês, pra você analisar é
pelo menos mais uma semana, então, eles abrem mão totalmente da prova técnica.
Então, os inquéritos de 2015 todinho, se a Força Nacional pediu 5 quebras de sigilo
telefônico foi muito, nós não pedimos menos que 100, a Polícia Civil daqui, a gente
não pediu menos que 100 quebras de sigilo, interceptação a Força Nacional não
pediu nenhuma, a gente pediu umas 10, mais ou menos. Então, assim, eles abrem
totalmente mão da prova técnica, fica a cargo única e exclusivamente da prova
testemunhal, agora tem uma grande vantagem, é você entrar totalmente sem passivo
(Delegado da Polícia Civil de Alagoas).
Embora o clima entre os agentes da Força Nacional e a Polícia Civil local fosse
descrito por ambos como amigável, o mesmo não ocorria com a cúpula da segurança pública
de Alagoas, onde eram perceptíveis os conflitos que não chegavam a desencadear ações que
comprometessem o desenvolvimento dos trabalhos na DHC, mas que estavam gerando
desconforto, devido ao protagonismo assumido pelos agentes da Força Nacional, dito como a
“força de elite”. Um episódio exemplifica bem essa questão: após a mudança de governo em
2015, o então recém-nomeado secretário de segurança pública, decidiu, após reunião junto à
DGPC e ao executivo estadual, que todas as equipes da Força Nacional presentes em Maceió,
passariam a investigar somente os homicídios recentes, enquanto os policiais civis
conduziriam os inquéritos passivos, conforme a Portaria PC/AL nº 036/2015, publicada no
Diário Oficial em 08 de janeiro de 2015, que dispõe que:
120
IV- A composição da Delegacia de Homicídios da Capital, pertencente à Diretoria
de Polícia Judiciária Metropolitana - DPJM.
V- Os Inquéritos Policiais pendentes até as 00:00h do dia 06.01.2015, passam a ser
apurados pelos Delegados da DHPP.
Gabinete do Delegado-Geral, em Maceió-AL, 06 de janeiro de 2015 (DIARIO
OFICIAL de ALAGOAS, 2015, p.13).
121
Encerradas as investigações, elabora-se o relatório final, nele pode conter os
necessários apontamentos da materialidade do delito e indícios de autoria, bem como pode
seguir sem a autoria definida. Com a conclusão do relatório, ele é anexado ao inquérito, que
segue para o delegado que o remete ao cartório. Na DHC, quando o inquérito é finalizado e
chega ao cartório central, dependendo de sua situação, ele pode ter dois destinos. Primeiro, se
o inquérito foi concluído com autoria e foi solicitado o pedido de prisão preventiva, ele é
digitalizado e encaminhado peticionado para o Judiciário por meio do sistema E-Saj (Sistema
de Automação da Justiça), onde será direcionado a umas das três Varas Criminais do Tribunal
do Júri para o despacho do Juiz, posteriormente, segue para o Ministério Público para os ritos
processuais. Enquanto isso, o inquérito físico segue para a DGPC onde é encaminhado para o
GEINFO onde será digitalizado novamente e, em seguida, arquivado. Supondo que ele tenha
sido concluído, sem autoria ou com autoria, mas com excludente de criminalidade, ele segue
para o GEINFO que digitaliza o inquérito e o encaminha para o Ministério Público, onde ele é
recebido pelo NIMP, responsável por distribuir esses inquéritos para as promotorias de acordo
com sua competência.
Esse processo é antigo, devido ao fato do Ministério Público, até então, não
disponibilizar de um sistema que possibilitasse o gerenciamento dos inquéritos, sendo essa a
solução encontrada pela DGPC e a instituição para agilizar os trabalhos. No entanto, em
janeiro de 2016, o Ministério Público passou a digitalizar os inquéritos após a implantação de
um sistema semelhante ao do Tribunal de Justiça. Na fala de um dos promotores, o Ministério
Público estava “deixando de engatinhar e passando a caminhar”.
122
originada a partir da Meta 2 da ENASP, com o intuito de proporcionar celeridade no
andamento dos inquéritos policiais de titularidade do Ministério Publico, tendo em vista que o
inquérito não seria mais distribuído para a Vara Criminal, ele seguiria para o representante do
Ministério Público, neste caso, para o promotor. Como em Maceió há mais de um promotor
criminal, os inquéritos passariam a ser encaminhados para o Núcleo, que daria suporte
operacional para a instituição.
Minha primeira visita ao NIMP foi após o recebimento da autorização por parte da
instituição para a realização do trabalho de campo. Esse processo foi demorado, a solicitação
foi encaminhada ao Ministério Público de Alagoas por meio do Instituto de Ciências Sociais
da Universidade Federal de Alagoas em 17 de agosto de 2015. A resposta foi despachada à
direção do Instituto em 16 de dezembro de 2015, quatro meses depois. Assim que tive acesso
à autorização, procurei o NIMP para me apresentar e conversar com os funcionários do setor
sobre a pesquisa e explicar o trabalho a ser desenvolvido no local. Diferente do que ocorreu
na CIPP e na DHC, onde a entrada no campo aconteceu na medida em que me aproximava
dos interlocutores durante o processo de negociação, no NIMP o acesso era mais formal e
burocrático e, a cada visita, era preciso levar a autorização e apresentá-la quando questionada
(o que ocorreu em alguns momentos nas primeiras semanas, quando comecei a circular pelo
prédio). Com o passar do tempo, mais acostumados à minha presença, as barreiras da
desconfiança foram cedendo, dando lugar a um diálogo aberto e sem resistência.
No prédio das Promotorias, foi realizado um cadastro com os meus dados na recepção.
Esse procedimento é padrão para quem visita o local e serve para facilitar a identificação de
quem frequenta a sede e controlar o acesso de pessoas. Após esse processo, fui encaminhada
ao NIMP por um dos recepcionistas. Apesar de ser um único prédio, os setores são dispersos,
como vários blocos que se interligam por meio de longos corredores. O meu destino era o
primeiro bloco e durante o trajeto passei por várias salas, todas identificadas. O ambiente era
tranquilo, sem muito movimento pelos corredores. Chegando ao NIMP, me apresentei a dois
funcionários do setor e ao coordenador. Após uma conversa, foi exposto que naquele
momento, em dezembro de 2015, não seria possível iniciar o trabalho de campo devido ao
recesso do final de ano, logo ficou combinado que o trabalho teria início em janeiro de 2016.
Frequentar o Núcleo nesse período me possibilitou acompanhar o processo de transição de
todos os inquéritos físicos para os digitais. Por conta do espaço e a rotina do lugar, as visitas
ocorreriam duas vezes por semana no período da tarde, uma vez que um dos funcionários me
auxiliária esclarecendo qualquer dúvida sobre o funcionamento do setor.
123
O NIMP ocupa uma das 15 salas disponíveis na promotoria e seu quadro é composto
por um coordenador, designado por ato do procurador-geral de Justiça, quatro funcionários
que se revezam durante o horário regulamentar de 8h às 12h e das 14h às 18h de segunda a
quinta-feira. Nas sextas-feiras o funcionamento só ocorre no período da manhã. A sala
ocupada é ampla, possui quatro mesas com computadores e impressoras, ar condicionado e
três armários onde ficam os inquéritos policiais, antes de seguirem para as promotorias.
Chegando ao NIMP, o inquérito é cadastrado no Sistema de Automação da Justiça
(SAJ/MP) e é esse software que gerencia os processos no âmbito da instituição. Ele tem
integração com o E-SAJ do Tribunal de Justiça e a comunicação entre as instituições é
informatizada o que, segundo um promotor, possibilita mais celeridade ao trabalho.
Entretanto, vale ressaltar, que as opiniões quanto à digitalização dos inquéritos divergem. Há
promotores que preferem os físicos, alegando lentidão no acesso ao sistema, além de
problemas técnicos, inviabilizando o andamento dos trabalhos. Estes preferem utilizar o
sistema do Tribunal de Justiça, por considerarem mais ágil.
A passagem dos inquéritos físicos para os digitais ocorreu inicialmente em 2013. A
princípio era uma fase de testes. O número de inquéritos neste estado era pequeno, mas o
suficiente para a instituição considerar como satisfatório os resultados. No segundo momento,
em janeiro de 2016, todos os inquéritos passaram a ser digitais e o SAJ-MP era integrado com
E-SAJ do Tribunal de Justiça, possibilitando um diálogo mais estreito com as Varas
Criminais. A resistência daqueles que valorizam os inquéritos físicos aos digitais vai além dos
problemas técnicos com o sistema, estando ligada à ideia de legitimação, como se os papéis
representassem de fato a ação, a concepção de que o trabalho foi realizado e que o resultado
deste está entre as inúmeras páginas do inquérito. Embora o mesmo seja disponibilizado em
sua integralidade em formato digital, a representação para este grupo não é a mesma. Essa
valorização do físico faz parte da tradicional cultura cartorária e envolve a percepção quanto à
realidade dos fatos e do trabalho realizado. Em contrapartida, os que defendem o inquérito
digital alegam que os custos com os processos são bem menores e que problemas de ordem
técnica são comuns em plataformas como estas, mas nada que cause algum empecilho para o
andamento dos trabalhos.
Os inquéritos ainda físicos que estavam no Ministério Público foram cadastrados no
sistema SAJ/MP e depois encaminhados para o Núcleo de Inquérito da Capital da Polícia
Civil (NIC), um setor da GEINFO que arquiva todos os inquéritos físicos. Durante esse
processo, questionei aos técnicos quantos inquéritos estavam na situação de físicos passando
124
para digitais, eles disseram desconhecer os números, mas que acreditavam se tratar de uma
quantia “razoavelmente elevada”. Não havia dados sistematizados com relação ao cadastro,
bem como o Ministério Público não disponibilizava de informações referentes a números de
denúncias, arquivamentos e diligências. Somente com a conclusão desse trabalho seria
possível obter esse tipo de informação, nas palavras de um promotor: “era um novo momento
para o Ministério Público” 39.
O NIMP recebe os inquéritos policiais de todas as Promotorias Criminais da Capital,
da Corregedoria da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Para o Núcleo são enviados
todos os inquéritos, sem autoria ou com autoria, mas sem medida cautelar. No NIMP o
inquérito é arquivado ou vai pra diligências. Logo, o fluxo de pessoas no local é intenso,
tendo sempre alguém em busca de informações sobre o andamento de algum inquérito e,
quando isso acontece, os técnicos visualizam no sistema para qual promotoria o inquérito
seguiu e qual sua situação, em seguida encaminha a pessoa para a promotoria para obter
maiores informações.
Nesse contexto, uma vez de posse do inquérito, o promotor pode remetê-lo de volta à
DHC, com um prazo maior para conclusão dos trabalhos. Isto ocorre quando o inquérito é
remetido com o pedido de dilação de prazo, bem como quando é solicitada a realização de
novas diligências por ainda haver necessidade de mais elementos que solidifiquem a
construção da denúncia. O promotor também pode solicitar ao juiz o arquivamento do caso,
devido à ausência de provas que possibilitem a identificação da autoria ou oferecer denúncia,
se ele entender que há argumentos suficientes para o andamento do caso.
Quando o inquérito é analisado e não há provas suficientes que comprovem a
materialidade delitiva (que o acervo probatório ainda é muito frágil), ele devolve o inquérito
para que sejam feitas novas diligências. Neste caso, o promotor já enumera as diligências que
entende serem necessárias. Logo, esse inquérito vai retornar ao NIMP, que o encaminhará
para DHC. No ofício, o promotor já estipula o prazo de 90 dias para conclusão dos trabalhos.
Esse inquérito será recebido pelo cartório central que o repassará para o delegado responsável.
Durante as entrevistas, os promotores destacaram as diligências como um dos
principais entraves para o andamento do inquérito policial. Mesmo com os pedidos, nada de
39
Posteriormente retornei ao Ministério Público em busca dos dados sistematizados, segundo a técnica
responsável, as únicas informações disponíveis eram referentes ao ano de 2016, eles não tinham dados de
períodos anteriores. Embora não seja o período contemplado pela pesquisa, a informação é valida para refletir
sobre a atuação do Ministério Público. Nesse sentido, de acordo com os dados disponibilizados, entre Janeiro e
Novembro de 2016, 392 inquéritos policiais foram arquivados, 276 estão em diligências e 176 resultaram em
denúncia.
125
novo é acrescentado e o inquérito acaba voltando para o Ministério Público sem possibilidade
de realização de denúncia. Segundo um dos promotores, há casos em que as diligências não
chegaram a ser realizadas e os inquéritos são enviados novamente para o Ministério Público
com o pedido de prorrogação de prazo, gerando um vai e vem que pode durar meses até se dar
um destino a esse inquérito (MISSE et al; 2010). Nessa situação as chances de virar denúncia
são mínimas, seu destino final provavelmente é o arquivamento. O promotor ressaltou que a
maior parte dos inquéritos nessa situação foram elaborados pela Polícia Civil, que ignora os
prazos justificando necessitar de mais tempo para concluir as investigações (fato este
admitido pelos delegados), mas que remetem os inquéritos com limitações, a exemplo da
ausência de laudos periciais, o que acaba inviabilizando o seguimento do mesmo e então ele
retorna para DHC, podendo permanecer por meses e até anos parados.
A situação ainda ganha contornos agravantes diante da conjuntura de Maceió. Com
elevados números de violência letal, novos casos vão surgindo e o inquérito em diligência
acaba ficando para um plano posterior. A prioridade passa a ser para os inquéritos recém-
chegados a DHC, desencadeando um acúmulo de inquéritos policiais em diligência. Seguindo
essa linha não há, por parte das promotorias, nenhum mecanismo de controle sobre os
inquéritos nesse estado e mesmo o Controle Externo da Atividade Policial não consegue
mudar essa realidade, que foi sendo construída pela própria dinâmica autônoma e ao mesmo
tempo interdependente do sistema.
Com relação a não realização de diligências, um caso presente em um dos inquéritos
do NIMP, vale ser relatado por se tratar da exceção a regra em relação à ausência de controle
de produtividade para delegados, agentes e escrivães. Um promotor recorreu ao juiz para
efetuar uma denúncia em desfavor de um delegado por inércia de resposta de diligências.
Existiam inquéritos sob sua responsabilidade que, antes nunca relatados à promotoria,
emergiram com prazos extrapolados e pedidos de prorrogação. Contrário à situação, o
promotor relata o fato ao juiz em tom de desabafo, conforme um trecho do documento que foi
anexado ao inquérito:
126
Apesar da gravidade da questão posta por meio do desabafo citado acima, sabe-se que
é praticamente regra o não cumprimento dos prazos estipulados pelos promotores e das
diligências requeridas e necessárias ao esclarecimento dos casos em investigação policial,
levando os inquéritos a permanecerem nas prateleiras. De acordo com um promotor, os
problemas vão além das diligências, a própria conclusão das investigações é outra questão.
Em algumas situações, ocorre do inquérito ser concluído, mas contêm falhas em seus
procedimentos, refletindo diretamente no desfecho do caso, mediante o fato da defesa se valer
disso para rebater os argumentos dos promotores.
127
(...) temos alguns inquéritos que são extremamente bem feitos. Tinha um período
que tinha um delegado da Força Nacional, esse delegado faz um inquérito... Ele não
tinha prova pericial, mas ele fazia... Tirava foto de local, saía de todas as formas. Ele
tinha um inquérito muito bom. Ele fazia, como se diz, facilitava e muito a ação
penal. E digo, dos delegados que trabalhei, esse foi um delegado excelente. Agora
ele tem também uma série de cursos (Promotor Público).
Um inquérito, quando bem elaborado, caminha para denúncia: o primeiro passo para
um possível desfecho para o caso. Tal qual a sugestão de arquivamento, a denúncia também
segue os apontamentos do relatório final. Também é dele que o promotor costuma retirar os
elementos que a embasa. Com a denúncia efetuada, passa-se para a fase processual. O
inquérito segue para uma das três Varas Criminais do Tribunal do Júri de Maceió. Durante a
permanência no NIMP, observou-se que a cada fase do rito do sistema, os atores envolvidos
nas etapas anteriores vão se transformando em elementos secundários. Quando o inquérito é
concluído na DHC e encaminhado para o Ministério Público, a responsabilidade do primeiro
cessa ali, cabe ao outro assumir seu papel e exercer sua função perante o sistema. Quando a
denúncia é efetuada, o caso passa para Vara Criminal e se torna responsabilidade do
Judiciário. Permanecem sob a gerência do NIMP as diligências e os inquéritos arquivados.
Todo esse caminhar, expressa algumas das transformações pelas quais passou o
Sistema de Justiça Criminal em Maceió desde 2012, a partir dos investimentos do Brasil Mais
Seguro. As engrenagens do sistema, antes estagnadas, ganharam novas peças que foram sendo
ajustadas, possibilitando uma tímida reorganização que vem permitindo com que este
funcione. Apesar das soluções improvisadas realizadas nesse processo pelo Ministério da
Justiça junto ao governo estadual, com vistas à publicizar a implantação do programa, a crise
era tamanha ao ponto que as ações implantadas, mesmo que em uma primeira leitura
expressassem procedimentos básicos para outros estados, na conjuntura de Maceió, era algo
que ganhava outra dimensão, tornando-se um novo quadro, principalmente no que compete à
investigação dos homicídios e à produção do inquérito policial. Essa nova realidade passo a
apresentar a seguir a partir dos resultados empíricos desse novo sistema.
129
aleatória, já que não foi possível identificar durante o processo de recolha a situação de cada
inquérito. Nesse sentido, o objetivo dessa amostra é apresentar um panorama dos inquéritos
policiais produzidos após a implantação do Brasil Mais Seguro e a participação da Força
Nacional.
Visto que os inquéritos policiais abarcam um universo de informações, um
questionário foi construído para direcionar os trabalhos. Com a sua inserção no campo e a
leitura dos inquéritos, ele foi ganhando contornos mais definidos. A partir dos dados
recolhidos, dois bancos foram criados: 1) referente ao perfil social das vítimas, contendo as
seguintes variáveis: sexo, idade, cor da pele, escolaridade, ocupação, estado civil e o bairro
onde residiam; e 2) apresenta as características dos homicídios dolosos e informações sobre a
produção dos inquéritos policiais da Polícia Civil de Alagoas e dos agentes da Força
Nacional, contendo as seguintes informações: local da ocorrência, hora da ocorrência, causa
da morte, motivação do crime, situação do inquérito, oferecimento de denúncia, se foi
conduzido pela Polícia Civil ou Força Nacional, se obteve conclusão com autoria ou sem
autoria, se houve pedido de dilação de prazo, tempo de tramitação entre abertura e denúncia e
se havia algum remanescente da Meta 2. O conjunto de informações foi analisado com o
auxílio do software SPSS Statistics e será tratado de forma descritiva.
Os dados da pesquisa serão apresentados inicialmente pelo perfil das vítimas, visando
completar o quadro em relação aos homicídios em Maceió, em sequência as informações
sobre as características dos homicídios e o contexto criminal da pesquisa de forma mais
detalhada. No segundo momento, serão expostos os dados sobre os inquéritos policiais, suas
características, tramitação, além das singularidades dos inquéritos produzidos pela Força
Nacional e pela Polícia Civil de Alagoas.
130
período de 2012 a 2015, 213 eram referentes a homens vitimados e 19 pertenciam a mulheres
(8,2%), ou seja, 91,8% dos crimes de homicídio doloso são cometidos contra o sexo
masculino (Gráfico 5). Importante ressaltar, que segundo os registros de ocorrência da
Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, ao longo do período analisado, foram mortas em
Maceió 155 mulheres, apesar da predominância de casos envolvendo homens (2.570). Os
crimes cometidos contra mulheres requerem atenção, não somente no município, mas também
no estado, que registrou 469 casos de homicídios dolosos envolvendo mulheres nos últimos
quatro anos.
Gráfico 5
Sexo das vítimas de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
100,00% 91,80%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00% 8,20%
10,00%
0,00%
Masculino Feminino
A idade é outra informação importante. Segundo os dados, a maior parte das vítimas
concentra-se na faixa etária entre 18 e 29 anos (109), o equivalente a 47%, seguido por 20,3%
com idades entre 30 e 50 anos (47). Casos envolvendo menores somam 12,9%, de um total de
30 mortes registradas. Na outra ponta, aparecem 13 ocorrências cujas vítimas tinham mais de
50 anos (5,6%). Outro elemento a ser ressaltado são os casos sem registro. Foram encontrados
33 inquéritos policiais onde não existiam informações sobre a idade das vítimas (Gráfico 6).
131
Gráfico 6
Faixa etária das vítimas de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
50,00% 47,00%
45,00%
40,00%
35,00%
30,00%
25,00% 20,30%
20,00% 14,20%
12,90%
15,00%
10,00% 5,60%
5,00%
0,00%
08 a 17 anos 18 a 29 anos 30 a 50 anos Acima de 50 Sem
anos Registro
No quesito cor da pele das vítimas (Gráfico 7), dos 232 casos analisados, a maioria
(67,7%) pertenciam a homens e mulheres pardos, um total de 157. As demais vítimas
estudadas eram 31 brancas (13,4%) e 7 negras (3,0%). Em 37 inquéritos não havia registros
referente à cor da pele. Os resultados elevados confirmam os números da Secretaria de
Segurança Pública de Alagoas, que de 2012 a 2015 registrou 2.013 assassinatos em Maceió,
no qual as vítimas eram afrodescendentes.
Esse cenário não é uma novidade, um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), sobre violência homicida e racismo no Brasil (2013), revelou
que Alagoas alcançou uma taxa de 80 homicídios para cada 100 mil habitantes para
população negra, em 2010. Ainda de acordo com o relatório, no que compete à perda da
expectativa de vida ao nascer, devido a homicídios, o estado apareceu em primeiro lugar com
6,2 anos. Em relação a homens negros, essa expectativa passou para 4,08 anos. Esse resultado
ressalta a vulnerabilidade desse grupo, reforçando a necessidade de pensar em ações públicas
que contribuam de forma eficaz a combater esse quadro.
132
Gráfico 7
Cor da pele das vítimas de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
67,70%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
15,90%
20,00% 13,40%
10,00% 3,00%
0,00%
Pardo Sem Registro Branco Negro
Durante a análise dos inquéritos policiais, duas categorias emergiram por ostentar uma
elevada porcentagem devido à ausência de registro. Dados em relação à escolaridade (Gráfico
8) e estado civil (Gráfico 9), ainda são timidamente trabalhados em estudos sobre vitimização,
isso ocorre em virtude das limitações no preenchimento dos boletins de ocorrência pelos
policiais da ponta. Embora estejam entre as informações a serem devidamente registradas, no
geral, são negligenciadas por serem consideradas pelos próprios policiais como “irrelevantes”.
Os poucos dados disponíveis nos perfis estudados revelam que 50 vítimas eram
alfabetizadas (21,6%), 34 possuíam o ensino fundamental completo (14,7%), 11 o ensino
médio (4,7%), 8 eram analfabetas e 2 tinham curso superior (0,9%). Entretanto, em 127 casos
as informações estavam indisponíveis (54,7%).
No que compete ao estado civil das vítimas de homicídios dolosos na capital alagoana,
os dados revelam que 94 eram solteiros (40,5%), 22 viviam em uniões estáveis (9,5%), 19
estavam casadas (8,2%) e 3 separadas (1,3%). Ainda de acordo com as informações coletadas,
nos registros de 94 vítimas assassinadas não havia nenhuma informação sobre o seu estado
civil.
133
Gráfico 8
Escolaridade das vítimas de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
60,00% 54,70%
50,00%
40,00%
30,00%
21,60%
20,00% 14,70%
Gráfico 9
Estado civil das vítimas de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
134
registro sobre o exercício de alguma atividade por parte das vítimas. Os poucos dados
disponíveis revelavam que a maioria eram estudantes (9,5%) ou estavam desempregados
(9,1%).
Apesar dos boletins de ocorrência seguirem uma padronização, apenas as informações
ditas importantes (nome, idade, endereço e cor da pele) são registradas com certa frequência
pelas Polícias Civil e Militar, outros dados (como escolaridade, ocupação e estado civil)
permanecem em branco. Sabe-se que a depender do caso existem impedimentos que acabam
por limitar o preenchimento de todas as informações no ato da ocorrência. No entanto, este
conjunto de informações pode auxiliar na formulação de políticas preventivas por fornecer
aos gestores públicos um perfil mais completo de vitimização, possibilitando o planejamento
de ações mais direcionadas.
Tabela 5
Ocupação das vítimas de homicídios dolosos em Maceió (2012-2015)
Frequência Porcentual Porcentagem Porcentagem
válida acumulativa
Vigilante 4 1,7 1,7 1,7
Autônomo 14 6,0 6,0 7,8
Sem Registro 143 61,6 61,6 69,4
Desempregado 21 9,1 9,1 78,4
Dona de Casa 4 1,7 1,7 80,2
Servidor Público 2 ,9 ,9 81,0
Vendedor 1 ,4 ,4 81,5
Professor 1 ,4 ,4 81,9
Comerciante 3 1,3 1,3 83,2
Porteiro 1 ,4 ,4 83,6
Estudante 22 9,5 9,5 93,1
Servente de 12 5,2 5,2 98,3
Pedreiro
Garçom 1 ,4 ,4 98,7
Motorista 1 ,4 ,4 99,1
Técnico 1 ,4 ,4 99,6
Administrativo
Aposentado 1 ,4 ,4 100,0
Total 232 100,0 100,0
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
A Tabela 6 apresenta os bairros onde residiam as vítimas dos 232 inquéritos policiais
de homicídios dolosos de Maceió, que foram estudados. Observa-se que os bairros que
135
aparecem com maior frequência são alguns dos que concentram registros de violência
homicida na cidade, a saber: Jacintinho (12,1%), Clima Bom (8,6%), Tabuleiro dos Martins
(6,0%) e Vergel do Lago (4,3%), todos localizados em áreas carentes, periféricas da cidade.
De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, entre 2012 e
2015, ocorreram em Maceió 2.725 homicídios dolosos e seis bairros aparecem com elevados
números de ocorrências. Além dos quatro bairros citados acima, completam o quadro:
Benedito Bentes e Cidade Universitária, que também aparecem na tabela com,
respectivamente, (3,9%) e (3,4%). Ainda de acordo com os resultados do banco, 34 inquéritos
não tinham informações disponíveis sobre o local onde residiam as vítimas.
Tabela 6
Bairros de moradia das vítimas de homicídios dolosos - Maceió (2012-2015)
Frequência Porcentual Porcentagem Porcentagem
válida acumulativa
Santos Dumont 6 2,6 2,6 2,6
Trapiche da Barra 8 3,4 3,4 6,0
Cruz das Almas 6 2,6 2,6 8,6
Sem Registro 34 14,7 14,7 23,3
Vergel do Lago 10 4,3 4,3 27,6
Benedito Bentes 8 3,4 3,4 31,0
Jacintinho 28 12,1 12,1 43,1
Pontal da Barra 1 ,4 ,4 43,5
Tabuleiro dos Martins 14 6,0 6,0 49,6
Farol 1 ,4 ,4 50,0
Serraria 1 ,4 ,4 50,4
Feitosa 7 3,0 3,0 53,4
Poço 4 1,7 1,7 55,2
Cidade Universitária 9 3,9 3,9 59,1
Bebedouro 3 1,3 1,3 60,3
Clima Bom 20 8,6 8,6 69,0
Chã da Jaqueira 9 3,9 3,9 72,8
Mangabeiras 1 ,4 ,4 73,3
Village Campestre 3 1,3 1,3 74,6
Jatiúca 2 ,9 ,9 75,4
Santa Lúcia 9 3,9 3,9 79,3
Bom Parto 6 2,6 2,6 81,9
Cleto Marques 2 ,9 ,9 82,8
Prado 4 1,7 1,7 84,5
Fernão Velho 2 ,9 ,9 85,3
136
Barro Duro 4 1,7 1,7 87,1
Ponta Verde 2 ,9 ,9 87,9
Santa Amélia 2 ,9 ,9 88,8
São Jorge 1 ,4 ,4 89,2
Rio Novo 1 ,4 ,4 89,7
Ponta Grossa 4 1,7 1,7 91,4
Levada 5 2,2 2,2 93,5
Pinheiro 2 ,9 ,9 94,4
Forene 1 ,4 ,4 94,8
Ipioca 2 ,9 ,9 95,7
Denisson Menezes 1 ,4 ,4 96,1
Virgem dos Pobres 1 ,4 ,4 96,6
Sanatório 1 ,4 ,4 97,0
Canaã 1 ,4 ,4 97,4
Cruzeiro do Sul 1 ,4 ,4 97,8
Chã de Bebedouro 3 1,3 1,3 99,1
Novo Mundo 1 ,4 ,4 99,6
Jardim Petrópolis 1 ,4 ,4 100,0
Total 232 100,0 100,0
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
Feita essa exploração sobre o perfil das vítimas, passo apresentar algumas
características dos homicídios dolosos em Maceió. Segundo os inquéritos policiais
consultados, a maior parte dos casos de homicídio ocorreu, predominantemente, durante os
finais de semana, de sexta-feira a domingo, no horário noturno, com concentração na faixa
das 18h às 23h59m (37,1%). Outro dado observado corresponde ao número significativo de
assassinatos ocorridos durante o dia, entre às 12h e 17h59m (24,6%), bem como das 06h às
11h59m (20,7%). Já o período da madrugada apareceu com menos frequência foram 17,7%
ocorrências (Gráfico 10).
137
Gráfico 10
Faixa de horário das ocorrências de homicídios dolosos
Maceió (2012-2015)
40,00% 37,10%
35,00%
30,00%
24,60%
25,00% 20,70%
17,70%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
00:00 às 05:59 06:00 às 11:59 12:00 às 17:59 18:00 às 23:59
Gráfico 11
Locais de ocorrêcia de homicídios dolosos - Maceió
(2012-2015)
80,00% 74,10%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00% 19,40%
20,00%
6,50%
10,00%
0,00%
Via Pública Interior de Outros
Edificações
Gráfico 12
Instrumento utilizado nos crimes de homicídio doloso
em Maceió (2012-2015)
90,00% 80,60%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00% 12,90%
10,00% 2,60% 3,90%
0,00%
Arma de Fogo Arma Branca Instrumento Outros
Contudente
40
Este é referente a casos como o de João (nome fictício), um jovem de 20 anos de idade, estudante e morador
do bairro do Feitosa. Usuário de drogas, ele foi assassinado com quatro tiros em uma emboscada na Grota do
Pau D’arco, pelo grupo que domina o comércio de drogas na região por ter consumido uma quantidade de
maconha de outra “boca de fumo”. O fato ocorreu em janeiro de 2012 e cinco jovens foram denunciados pelo
crime, entre eles três adolescentes.
139
Outro dado de análise interessante foi o elevado número de assassinatos em
decorrência de discussões (24,6%): casos envolvendo brigas em bares, desentendimentos
entre vizinhos, questões familiares e discussões no trânsito 41 . Conflitos que podem ser
denominados de interpessoais, no qual o ponto final é o crime de homicídio. Autoridades
policiais, bem como o Ministério Público, classificam estas mortes como: “morte por motivo
banal”.
Gráfico 13
Motivações registradas nos inquéritos de homicídio
doloso - Maceió (2012-2015)
29,70%
30,00% 24,60%
25,00%
18,10%
20,00%
13,80%
15,00%
10,00% 5,60%
3,90% 2,60%
5,00% 1,70%
0,00%
Os resultados apontam também, crimes cometidos por vingança (13,8%), entre estes,
casos de disputa por herança, cobrança por dívidas e retaliações provocadas por ações
criminosas cometidas pelo algoz; e gangues (5,6%) – fatos onde ocorrem disputas por pontos
de comercialização de drogas entre grupos rivais. Ainda de acordo com os dados, também
ocorreram casos envolvendo feminicídio (3,9%). Nesses casos, a predominância era de
mulheres mortas por companheiros, devido a não aceitação do fim do relacionamento42. Além
41
Uma discussão no trânsito terminou em morte no bairro de Fernão Velho. A vítima, Thiago, de 26 anos, foi
morto com três tiros, que o atingiram na cabeça e no braço. Os disparos foram efetuados por Manuel, de 28 anos,
que foi atuado em flagrante. A discussão começou após Manuel ter fechado a vítima em um cruzamento. Os dois
teriam discutido e em determinado momento o suspeito emparelhou o carro e efetuou os disparos. Na sequência,
ele fugiu, mas logo foi preso pela polícia. A vítima chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos
(nomes fictícios).
42
Uma história de amor marcada por agressões físicas, ameaças e um pedido iminente de separação custou a
vida de Maria, de 40 anos, em março de 2013. A mulher foi morta pelo ex-marido, Luiz, de 56 anos, com
diversas facadas, em sua residência no bairro do Benedito Bentes. Após o crime, Luiz fugiu para casa de
140
disso, foram registradas mortes em supostos confrontos com a polícia (2,6%), classificados
como resistência seguida de morte 43 ; linchamento (1,7%), além de fatores desconhecidos
(18,1%). Tabela 7.
Tabela 7
Ocorrências de homicídio por motivações registradas em Maceió (2012-2015)
Frequência Porcentual Porcentagem Porcentagem
válida acumulativa
Desconhecido 42 18,1 18,1 18,1
Tráfico de Drogas 69 29,7 29,7 47,8
Vingança 32 13,8 13,8 61,6
Discussão 57 24,6 24,6 86,2
Feminicídio 9 3,9 3,9 90,1
Resistência Seguida de 6 2,6 2,6 92,7
Morte
Linchamento 4 1,7 1,7 94,4
Gangues 13 5,6 5,6 100,0
Total 232 100,0 100,0
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
parentes, no entanto foi preso em flagrante delito por feminicídio, após poucas horas de investigação. No
momento está preso e aguarda julgamento (nomes fictícios).
43
Entre estes casos estão relatos como o do jovem de 17 anos, Pedro, que saiu de casa numa manhã de segunda
feira, em agosto de 2013, com um amigo e foi abordado por uma guarnição da polícia militar. Apreendido pelos
policiais por estar de posse de uma “bombinha” de maconha, Pedro foi colocado na viatura e nunca mais foi
visto. Desde essa data, o Ministério Público ofereceu denúncia por tortura seguida de morte e ocultação do
cadáver, contra quatro soldados, todos indiciados no inquérito. A ação penal está tramitando, mas ainda não há
previsão de quando terá um desfecho (nomes fictícios).
141
PORTARIA
Chegou ao conhecimento desta Autoridade Policial, a notícia do crime de Homicídio,
tipificado no(s) Art. 121 do CPB, que vitimou XXXXXXXX, praticado por pessoa não
identificada, fato ocorrido no(a) conjunto XXXXXXXXX, nesta cidade, no dia 29/07/2012,
por volta das 23:20h. Mediante o exposto, determino que se instaure Inquérito Policial para
apurar o fato delituoso.
CONSIDERANDO QUE
A guisa de cognição há acúmulo de serviço intrínseco no exercício da Polícia Judiciária
deste Estado convergente a esta subscritora. Mister nocivo ao alcance de tempestividade dos
fatos. Sobeja-se, por oportuno, mesmo cultivado elevado empenho, impossibilidade física
inerente à laboriosidade integral em fase do signatário neste mote, onde exsurge coleção
significativa e complexa de procedimentos inquisitivos,
DETERMINA QUE
Ao escrivão encarregado do feito, que em virtude do apoio da SENASP e do Departamento
da Força Nacional de Segurança Pública na manutenção da ordem pública em Alagoas,
atendido pelo PRONASCI, faça remessa deste procedimento ao Delegado de Polícia da
Força Nacional XXXXXX, para que no prazo processual conclua as diligências
investigativas. Para tanto fica disponibilizada a estrutura necessária para execução da
missão, dentro da Delegacia de Homicídios. Os policiais poderão utilizar para missão uma
viatura desta delegacia, bem como especificar a necessidade de apoio de policiais,
armamentos, munição e equipamentos necessários para o cumprimento. Ao final das
investigações este feito deve ser repassado novamente a esta autoridade para que possa dar
aval.
CUMPRA-SE
Maceió-AL, 30 de julho de 2012.
Fonte: Inquéritos policiais de homicídio doloso. Banco de dados da pesquisa.
Nessa linha, após a conclusão do relatório final, o inquérito policial seguia para a
coordenação da DHC, onde a autoridade titular da delegacia (o coordenador) realizava a
remessa para a análise do Poder Judiciário. O documento seguia com o anexo da portaria nº
1924/2012, da Delegacia Geral da Polícia Civil de Alagoas, publicada em 25 de junho de
2012, que esclarece a presença da Força Nacional no Estado, reafirmando a legitimidade de
suas ações, “visando à instrução procedimental dos inquéritos policiais”. Nos inquéritos
produzidos em 2012 e 2013, a portaria aparece com frequência, já nos dois anos seguintes
142
(2014 e 2015), a uma diminuição no uso do documento. Reflexo da longa estadia da Força
Nacional no território alagoano.
Nesse contexto, no que compete à situação dos 232 inquéritos de homicídios dolosos
analisados (Gráfico 14), ocorridos de 2012 a 2015, 61,2% foram concluídos, 23,3%
arquivados e 15,5% ainda seguem pelo sistema. Destaca-se o número de inquéritos concluídos
(132), uma diferença expressiva, se comparada aos que ainda estão pendentes (36) e os que
tiverem como desfecho o arquivamento (54). Durante as leituras, era perceptível que a maior
parte do arquivamento dos inquéritos ocorreu em virtude da impossibilidade de identificação
da autoria. Em contrapartida, os que foram concluídos, em sua maioria, apontavam a suposta
autoria, bem como a possível motivação para o crime.
Gráfico 14
Situação dos inquéritos policiais de homicídios dolosos
em Maceió (2012-2015)
70,00%
61,20%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00% 23,30%
20,00% 15,50%
10,00%
0,00%
Concluido Arquivado Em andamento
143
Gráfico 15
Inquéritos policiais de homicídio doloso concluidos pela
Força Nacional e Polícia Civil em Maceió (2012-2015)
97
100
90
77
80
70
60 Inquéritos Concluidos Com
Autoria
50 41
Inquéritos Concluidos Sem
40 Autoria
30
17
20
10
0
Força Nacional Polícia Civil
Dos 232 casos consultados, 50,9% foram conduzidos por policiais locais e 49,1%
pelos agentes da Força Nacional (Gráfico 16). A maior parte dos inquéritos foi instaurada por
portaria pela Polícia Civil de Alagoas e os que eram de responsabilidade da Força Nacional,
foram encaminhados para seus delegados pela coordenação da DHC.
Gráfico 16
Distribuição dos inquéritos policiais de homicídios
dolosos entre Força Nacional e Polícia Civil em Maceió
(2012-2015)
50,90%
51,00%
50,50%
50,00%
49,50% 49,10%
49,00%
48,50%
48,00%
Inquéritos Conduzidos pela Inquéritos Conduzidos pela
Força Nacional Polícia Civil
144
Com relação aos dados referentes ao pedido de dilação de prazo (Gráfico 17), requer
uma observação, o número significativo da ausência de solicitação não significa que o
inquérito foi concluído no prazo de 30 dias, segundo o Código de Processo Penal. Este
resultado está mais relacionado à inexistência do pedido, pois em sua grande maioria as
autoridades policiais não seguiam os prazos, principalmente a Polícia Civil. Em relação aos
pedidos encontrados, 40 manifestações foram por parte da Força Nacional e 70 da Polícia
Civil. Nos pedidos realizados, as principais justificativas eram as dificuldades em obter
evidências que auxiliassem na identificação da autoria e que a população não colaborava com
as investigações, sobretudo em “área dominada pelo tráfico de drogas, imperando a lei do
silêncio”. Outro fator é o atraso na emissão de laudos como o de exame cadavérico e o local
de crime. De acordo com os dados, constatou-se que em 153 inquéritos havia presença de
laudos técnicos, enquanto em 78 o procedimento era inexistente.
Gráfico 17
Solicitação de dilação de prazo dos inquéritos policiais
produzidos pela Força Nacional e Polícia Civil
(2012-2015)
80 74
70
70
60
48
50 40
Sim
40
Não
30
20
10
0
Força Nacional Polícia Civil
Gráfico 18
Oferecimento de denúncias pelo Ministerio Público,
inqueritos de homicídio doloso - Maceió (2012-2015)
90
90
80 71
70
60
47
50 Sim
40 Não
24
30
20
10
0
Força Nacional Polícia Civil
146
Gráfico 19
Tempo (em meses) entre abertura do inquérito de homicídio doloso e a denúncia por parte do
Ministério Público em Maceió (2012 e 2015)
No Gráfico 20, é possível obter uma melhor visualização deste cenário a partir da
distribuição da frequência do tempo de tramitação por ano, tornando-se mais evidente a
distorção entre o ano de 2015 em relação aos demais. Enquanto em 2012, 2013 e 2014 a
média de tempo foi, respectivamente, 8,26, 6,26 e 8,19, o resultado para 2015 foi superior
com 13,54, registrando um desvio padrão de 21,046. O aumento no tempo de tramitação dos
inquéritos ocorreu no mesmo período em que o efetivo da Força Nacional começou a diminuir
na DHC. Em meados de 2015, o corpo da delegacia começou a perder agentes da Força
Nacional, que foram encaminhados para outras missões, essa mudança afetou diretamente o
andamento dos inquéritos policiais que ficavam paralisados até serem encaminhados para
outras equipes.
147
Gráfico 20
Tempo (em meses) entre a data da abertura do inquérito de homicídio doloso e a data do
aceite da denúncia por parte do Ministério Público em Maceió (2012 e 2015)
148
número significativo de casos elucidados, bem como de suspeitos denunciados, todavia, está
longe de um funcionamento ideal. Os prazos não são cumpridos pelas autoridades policiais e
não há nenhuma forma de controle dessas atividades. Os pedidos de dilação, que devem ser
solicitados caso a investigação não seja concluída no tempo previsto, não são realizados e os
inquéritos seguem, podendo levar anos para sua conclusão, a exemplo do que ocorreu no ano
de 2015.
Esse cenário revela que o Brasil Mais Seguro reorganizou o Sistema de Justiça
Criminal da capital alagoana, possibilitando um novo contexto para as investigações dos
crimes de homicídio, no entanto, ao mesmo tempo em que um fluxo de procedimentos
institucionais passou a operar de forma significativa, ainda é possível constatar alguns
problemas que podem desencadear um cenário não muito distinto do que levou a excursão da
Meta 2. As investigações estão obtendo um resultado relativamente positivo, revelando um
aparentemente sucesso do programa em primeiro plano, porém, devido à inexistência de
informações anteriores, não é possível comparar os quadros e vislumbrar de forma mais
contundente o cenário. Entretanto, o caminho percorrido por esta investigação demostra que o
sistema foi de uma crise com inúmeros inquéritos paralisados a inquéritos conseguindo
alcançar a fase de denúncias, sobrevivendo ao principal gargalo do fluxo da justiça criminal.
No entanto, é perceptível a relevância do papel da Força Nacional nesse processo. Os
números positivos se atribuem ao desempenho de seus agentes, acendendo o sinal de alerta
para o que tende a ser desse quadro com a saída da Força Nacional. Em decorrência do recorte
temporal da pesquisa, não foi possível constatar em termos de produção os efeitos dessa
retirada. Isso é algo que somente será constatado, possivelmente, em aproximadamente dois
anos, obtendo um panorama razoável. Todavia, desde já é possível afirmar que esse impacto
será bastante expressivo perante o sistema, pois é evidente que não houve uma preparação
durante nos últimos anos, no que condiz a Polícia Civil de Alagoas, para suprir de forma
confortável a retirada da Força Nacional. Os reflexos dessa ausência de planejamento podem
desencadear efeitos graves, não como os anteriores, mas suficientes para retroceder nas
poucas conquistas realizadas.
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
150
principais problemas de Alagoas, reflexo dos resultados negativos obtidos durante a execução
do dispositivo Meta 2. Apesar da participação da recém-concebida polícia investigativa da
Força Nacional, a atuação do estado foi irrisória, dos 4.180 inquéritos pendentes registrados,
apenas 15,79% foram concluídos, quanto ao restante do estoque restam dúvidas quanto ao seu
destino, mas tendo em vista as articulações entre o Ministério Público, DGPC, Força Nacional
e os gestores da antiga SEDES, foram baixados e tendem a serem arquivados definitivamente.
Nesse caminhar, ao constatar a inação do governo estadual, a SENASP assumiu o
papel principal na articulação e planejamento, a fim de garantir a execução das ações
estabelecidas pelo Brasil Mais Seguro, evitando fracassos como os da Carta de Alagoas onde,
com exceção da Força Nacional, nenhuma outra diretriz foi acionada.
Como apresentado, uma das principais medidas adotadas pela SENASP foi a
reestruturação da precária DHC, que ganhou uma nova estrutura e roupagem, bem como a
participação decisiva dos agentes da Força Nacional, que supria a carência do efetivo da
Polícia Civil de Alagoas. Durante esse processo, a principal determinação foi que DHC tinha
que começar do zero, assim, todos os inquéritos que estavam sob sua responsabilidade
tiveram que ser redistribuídos para as delegacias distritais, que não disponibilizavam de
estrutura para conduzir mais esse adicional de trabalho. Nesse contexto, o destino desses
inquéritos no âmbito do Sistema de Justiça Criminal tornaram-se tão imprecisos como os da
Meta 2, a ausência de controle por parte da DGPC em relação a estes inquéritos impede uma
afirmação precisa, quanto ao rumo tomado, mas diante do exposto, dificilmente estes
inquéritos policiais teriam outro destino que não o arquivamento. A atuação da DHC sem
inquéritos passivos possibilitava melhores condições de êxito na elucidação dos crimes,
consequentemente tornava-se uma vitrine para o Programa.
Nesse sentido, reorganizar a operacionalização de um sistema de justiça, fragilizado e
inoperante, como o de Maceió, era acionar medidas “racionais” a fim de reestabelecer uma
atuação minimamente eficaz. Dessa forma, as ações adotadas pelo Ministério da Justiça a
partir do Programa Brasil Mais Seguro, mesmo que de forma improvisada, acionando
medidas seletivas como ocorreu com os mandados de prisão, a decisão de zerar a DHC,
acionar a Força Nacional para atuar nos inquéritos recentes, possibilitaram às engrenagens
estabelecer algum nível de articulação no intuito de retomar sua operacionalização. As peças
que se encontravam desarticuladas devido à sobrecarga começavam lentamente a responder.
Nessa perspectiva, o resultado do novo modelo de atuação da DHC começou a
responder de forma satisfatória, entre os anos de 2012 a 2015 a taxa de elucidação foi de 39%.
151
Importante salientar que devido à ausência de registro referentes anos anteriores a 2012,
impedem um panorama comparativo, mas tendo como referência o histórico da Meta 2, o
cenário que se desenhava era outro, os inquéritos começam timidamente a caminhar. Isso
ficou evidente a partir dos resultados das análises dos inquéritos, dos 232 inquéritos
estudados, 174 foram concluídos com autoria, comprovando a melhoria na atuação das
autoridades policiais, consequentemente mais inquéritos obtiveram denúncias, foram 161 que
conseguiram sobreviver à fase policial e passariam para a fase processual. No entanto, esse
novo cenário tem uma participação decisiva da Força Nacional, a maior parte dos inquéritos
que foram elucidados (97) e esclarecidos (90), foram conduzidos por estes agentes.
Esse quadro expressa que na prática, o sucesso do Brasil Mais Seguro era representado
pela participação da Força Nacional, algo percebível também a partir do teor das reuniões da
Câmara de Monitoramento Local, a partir do protagonismo que ela foi assumindo a cada
reunião. Outro dado que comparava essa constatação, era o resultado do relatório divulgado
em Junho de 2014, pela comissão especial de acompanhamento do Brasil Mais Seguro,
instituída na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE), revelando que a maior parte dos
acordos firmados entre a União e o estado não foram cumpridos ou o foram de modo bastante
incipiente (Quadro 4). Além disso, as ações estavam centralizadas exclusivamente na
presença da Força Nacional, os custos para a manutenção do efetivo consumiam parte
significativa das transferências federais do Programa. Ainda segundo o relatório, somente no
período de Junho de 2012 a Março de 2013 foi empregado o montante de R$ 14.673.388,50,
estima-se um gasto mensal de R$ 1.467.338,85.
Quadro 4
Acordo e matriz de responsabilidades do Programa Brasil Mais Seguro em
Alagoas
152
Garantir a atuação do policiamento de Realizado parcialmente - apenas mais
proximidade nas regiões de alta uma base comunitária de segurança foi
vulnerabilidade criminal em Maceió e instalada.
Arapiraca.
153
ANEXOS
Total de
Bairros IPs
C. Universitária 1 5 5 4 5 3 6 2 31
1º Clima bom 2 1 1 2 1 2 3 2 14 47
Santos Dumont 0 0 0 1 0 1 0 0 2
Santa Lúcia 1 1 0 0 4 2 2 2 12
Tabuleiro 5 1 3 0 0 1 5 2 17
Santa Amélia 0 0 1 1 0 0 0 0 2
Rio Novo 0 0 0 0 0 1 1 0 2
2º Fernão Velho 1 0 0 1 0 0 0 2 4 47
Petrópolis 0 0 1 0 0 0 0 0 1
Jardim Petrópolis 0 0 0 2 0 0 1 0 3
Canaã 0 0 0 0 0 0 0 1 1
Antares 0 0 0 1 2 1 1 0 5
Santo Amaro 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Chã da Jaqueira 2 0 0 0 3 1 1 0 7
Chã de Bebedouro 1 1 0 0 1 0 1 1 5
Bebedouro 1 0 0 0 0 0 2 0 3
Ouro Preto 0 0 1 0 0 1 2 2 6
Pinheiro 0 1 1 0 0 0 0 0 2
Pitanguinha 0 0 0 1 0 0 1 0 2
3º 47
Gruta de Lurdes 0 0 0 1 0 0 0 0 1
Bom Parto 0 0 0 0 0 0 0 2 2
Mutange 0 1 0 0 1 0 1 0 3
Farol 1 1 0 0 0 0 0 0 2
Barro Duro 0 1 0 0 0 0 1 0 2
Feitosa 1 1 1 0 1 1 3 0 8
Serraira 0 0 0 2 0 0 1 0 3
Benedito Bentes 8 4 2 2 6 3 7 3 35
Garça Torta 0 1 0 0 0 0 1 0 2
Guaxuma 0 0 0 0 1 0 0 0 1
4º 47
Ipioca 1 1 2 1 0 0 2 0 7
Pescaria 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Riacho Doce 0 0 0 1 1 0 0 0 2
154
Jacintinho 1 3 4 5 5 2 4 1 25
São Jorge 0 0 0 0 1 1 1 1 4
Cruz das Almas 1 1 0 0 1 0 0 1 4 48
5º
Jacarecica 2 0 0 0 0 0 0 0 2
Jatiúca 0 0 1 1 2 0 1 0 5
Poço 0 1 1 4 1 0 1 0 8
Mangabeiras 1 0 0 0 0 0 2 0 3
Ponta Verde 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Pajuçara 0 0 0 0 1 0 0 0 1
Ponta da Terra 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Jaraguá 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Centro 0 0 1 0 1 0 1 0 3
6º 46
Levada 1 0 2 1 0 0 1 0 5
Ponta Grossa 1 0 0 2 0 1 1 0 5
Pontal da Barra 0 0 0 0 0 0 2 0 2
Prado 0 1 0 0 0 1 0 0 2
Trapiche da Barra 0 0 2 1 0 2 2 0 7
Vergel do Lago 1 5 3 1 0 5 2 1 18
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
155
Anexo 1 Situação dos inquéritos policiais de homicídio registrados em Maceió distribuídos por mês (2012)
2012 JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
IP de homicídio 80 69 74 74 70 65 51 53 52 58 46 62 754
IP concluídos 45 25 34 31 32 31 39 35 41 49 33 46 441
Fonte: GEINFO
156
Anexo 2 - Situação dos inquéritos policiais de homicídio registrados em Maceió distribuídos por mês (2013)
2013 JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
Fonte: GEINFO
157
Anexo 3 - Situação dos inquéritos policiais de homicídio registrados em Maceió distribuídos por mês (2014)
2014 JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
Fonte: GEINFO
158
Anexo 4 - Situação dos inquéritos policiais de homicídio registrados em Maceió distribuídos por mês (2015)
2015 JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
Fonte: GEINFO
159
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