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Disciplina: Sociologia do crime e da violência

Autores: M.e Andressa Ignácio da Silva

Revisão de Conteúdos: Sérgio Antonio Zanvettor Júnior

Revisão Ortográfica: Esp. Murillo Hochuli Castex

Ano: 2019

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas


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Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em
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1
Andressa Ignácio da Silva

Sociologia do Crime e da Violência


1ª Edição

2019

Curitiba, PR

Editora São Braz

2
Editora São Braz
Rua Cláudio Chatagnier, 112
Curitiba – Paraná – 82520-590
Fone: (41) 3123-9000

Coordenador Técnico Editorial


Marcelo Alvino da Silva

Revisão de Conteúdos
Sérgio Antonio Zanvettor Júnior

Revisão Ortográfica
Murillo Hochuli Castex

Desenvolvimento Iconográfico
Juliana Emy Akiyoshi Eleutério

FICHA CATALOGRÁFICA

SILVA, Andressa Ignácio da.


Sociologia do crime e da violência. – Curitiba: Editora São Braz, 2019.
51 p.
ISBN: 978-85-5475-365-8
1. Crime. 2. Sociedade. 3. Violência.
Material didático da disciplina de Sociologia do crime e da violência – Faculdade
São Braz (FSB), 2019.

Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870

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Faculdade São Braz

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Sumário

Apresentação da disciplina ............................................................................... 06


Aula 1 – Sociedade, cultura e controle social ................................................... 08
Apresentação da Aula 1 .................................................................................... 08
1.1 – Cultura e controle social ................................................................... 08
1.2 – Controle social, Estado e instituições sociais ................................... 12
Resumo da aula 1 ............................................................................................. 15
Aula 2 – O crime como problema social e sociológico ..................................... 17
Apresentação da aula 2 .................................................................................... 17
2.1 – As transformações sociais na Europa e a consolidação da ciências
sociais ............................................................................................................... 17
2.2 – A criminologia e as concepções do crime ......................................... 19
2.3 – As concepções sociológicas clássicas sobre conflitos, crimes e
violência ............................................................................................................ 21
Resumo da aula 2 ............................................................................................. 25
Aula 3 – Uma arqueologia do crime e da violência na sociedade brasileira ..... 26
Apresentação da aula 3 .................................................................................... 26
3.1 – Crime e violência, aspectos conceituais ........................................... 27
3.2 – A violência na história do Brasil ........................................................ 29
3.3 – O crime no Brasil contemporâneo .................................................... 31
Resumo da aula 3 ............................................................................................. 35
Aula 4 – Estado, Direito político: perspectivas sobre segurança pública ......... 36
Apresentação da aula 4 .................................................................................... 36
4.1 – Violência, medo e repressão ............................................................ 36
4.2 – Crime, violência e o Estado Democrático de Direito ......................... 37
4.3 – Polícia e novas perspectivas sobre segurança pública .................... 40
Resumo da aula 4 ............................................................................................. 43
Resumo da disciplina ........................................................................................ 45
Índice Remissivo ............................................................................................... 48
Referências ....................................................................................................... 49

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Apresentação da disciplina

Nesta disciplina busca-se compreender o crime e a violência como


fenômenos sociais e sociológicos. Ou seja, compreender suas ocorrências nas
sociedades contemporâneas, em especial a brasileira, bem como compreender
as principais análises e contribuições que a Sociologia oferece para o
entendimento destes fenômenos.
Para tanto, é fundamental compreender o processo de consolidação das
sociedades, bem como o papel da vivência social para o desenvolvimento
humano, na medida em que o crime e a violência são frutos dos conflitos
gerados nas interações sociais. Sendo assim, cabe destacar como
abordaremos na primeira aula que o ser humano é um ser social, ou seja,
depende da convivência com seus iguais para o pleno desenvolvimento de
suas habilidades.
Entretanto, como será apresentado, a convivência traz consigo a
necessidade de construção de padrões de comportamento, normas e regras.
Diante destas regras, é necessário que os indivíduos as conheçam e
concordem com elas. Ganhando importância, para tal objetivo, o processo de
socialização. Entretanto, conhecer as regras sociais não impede o surgimento
de conflitos e a violência. Nesse sentido, para a manutenção da sociedade
moderna, tornam-se fundamentais instituições de controle social e repressão.
Já na segunda aula, será abordado o processo de surgimento da
Sociologia como ciência, tendo em vista que a disciplina surge com o objetivo
de oferecer respostas para os graves problemas sociais da Europa do fim do
século XIX. Em seguida, serão apresentadas as diferentes contribuições dos
teóricos clássicos da Sociologia Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.
Em seguida, na terceira aula, serão abordadas as múltiplas
manifestações da violência na sociedade brasileira, ao longo diferentes
períodos históricos. Buscando demonstrar como a violência é um fenômeno
onipresente no processo de construção da nação brasileira, embora variando
de meios, intenções e agentes.
Por fim, na quarta aula, serão abordados o medo, a violência e as
formas de enfrentamento da violência no Brasil contemporâneo. Buscando
demostrar como as ações de repressão muitas vezes não obtém o efeito

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desejado, por atacarem apenas a criminalidade, sem uma compreensão de
suas causas. Nesta aula serão abordadas, ainda, reflexões sobre os modelos
de policiamento e as necessidades de transformações nas instituições policias,
bem como atenção à saúde dos policiais.

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Aula 1 – Sociedade, cultura e controle social

Apresentação da aula 1

Nesta aula abordaremos o processo sócio-histórico de consolidação de


instituições e mecanismos de controle social. Para tanto, discutiremos o papel
da interação social e sociabilidade no desenvolvimento dos seres humanos,
bem como os conflitos gerados nesse processo.
Partindo da premissa de que os seres humanos são animais sociais, ou
seja, dependem da interação com seus iguais para o seu pleno
desenvolvimento, a resolução dos conflitos é essencial para a manutenção das
sociedades. Entretanto, as formas de resolução de conflitos transformam-se ao
longo do tempo.
Será abordado o processo de pacificação que levou ao surgimento das
sociedades modernas a partir das contribuições da Sociologia, do surgimento e
consolidação de instituições de controle social e da relevância do processo de
socialização.
Cabe destacar que o Estado Moderno se consolida como detentor do
monopólio legítimo da força, atuando como agente de controle social a partir de
diferentes instituições.

1.1 Cultura e controle social

O ser humano é um ser social. Isso significa dizer que a convivência


com seus semelhantes é fator essencial. Entretanto, outras espécies também
vivem em grupos, ou seja, a vida em coletividade não é exclusividade dos
seres humanos.
Sendo assim, cabe a reflexão sobre a especificidade do ser humano e
sua vivência em grupo. Tal reflexão está presente em diversos autores, de
áreas como a Filosofia, Sociologia, Antropologia, História, Ciências Políticas,
entre outras. Nesse sentido, buscaremos compreender as implicações do
convívio social e seus desdobramentos, em especial o crime e a violência.
Afirmar que o ser humano é um ser social significa dizer que o contato
com seus semelhantes é essencial para que possa desenvolver suas

8
habilidades e potencialidades. Casos de seres humanos privados do convívio
com seus semelhantes, como os meninos-lobo, demostram que estes
apresentam alterações drásticas em seu desenvolvimento.

Pesquise
Para um aprofundamento sobre os meninos-lobo e seu
desenvolvimento, acesse o link:
http://www.oarquivo.com.br/variedades/curiosidades/2612-
amala-e-kamala-a-historia-das-meninas-lobo.html

Mais do que somente o convívio com seus semelhantes, um dos


aspectos que distingue o ser humano dos outros animais é a linguagem. A
linguagem, por meio da representação simbólica e abstrata, permite ao ser
humano comunicar suas experiências e sua compreensão do mundo, bem
como transmitir os conhecimentos. Das pinturas rupestres, papiros, aos livros,
e à internet, a linguagem permite aos seres humanos comunicar e compartilhar
seus conhecimentos.
O processo de transmissão do conhecimento é outro aspecto
fundamental que distingue os seres humanos dos demais animais. Os seres
humanos produzem, acumulam e transmitem conhecimentos. O conjunto de
conhecimentos, percepções, visões de mundo compõe a cultura de
determinada civilização ou sociedade.
O conceito de cultura tem múltiplas acepções, é um conceito complexo e
difícil de ser sintetizado. De acordo com Eduardo Iamundo (2013), a palavra
cultura tem múltiplos sentidos, incluindo o de senso comum (associado à
erudição e escolaridade). O conceito de cultura varia de acordo com a ciência,
a teoria e o autor que o utiliza.
Uma das concepções possíveis compreende a cultura como as
realizações humanas nos mais variados campos: científicos, artístico,
tecnológico, usos, costumes, forma de organização do trabalho, portanto, todas
as manifestações que marcam a presença do homem. (IAMUNDO, 2013, p.
193). Outra concepção possível é apresentada pelo antropólogo norte-

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americano Clifford Geertz (1989), segundo o qual a cultura é uma teia de
significados tecida pelo homem, que orienta a existência humana.
A despeito das divergências, Roque de Barros Laraia (2001) sugere uma
definição segundo a qual:

Culturas tratam-se dos sistemas (de padrões de comportamento


socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades
dos homens às suas condições biológicas, sendo que o modo de vida
das comunidades inclui tecnologias e meios de organização
econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e
organização política, crenças e práticas religiosas etc. (LARAIA,
2001, p. 59).

É importante reforçar que as culturas são múltiplas, fruto de um


processo complexo. Nascem da interação entre os homens, de suas
experiências e necessidades em determinada sociedade e época.
Compreendendo o ser humano como ser social e o papel da cultura,
conforme exposto acima, cabe destacar outro aspecto importante. De acordo
com Eduardo Iamundo (2013), a cultura também se caracteriza como um
processo de coerção, ou seja, é uma forma de “imposição” de valores e
práticas. De acordo com Eduardo Iamundo (2013), as práticas culturais, com
seu uso, passam a fazer parte do cotidiano e influenciar os comportamentos
coletivos. Tais práticas, com o tempo, geram regras que orientam a convivência
social.
Para o autor, as leis normatizam juridicamente as práticas sociais que
determinada sociedade entende como aceitáveis (IAMUNDO, 2013, p.136).
Entretanto, ainda de acordo com o autor, mesmo que fruto de práticas
consolidadas, as leis, por si só, não geram obediência. Nesse sentido, reforça-
se a importância do processo de socialização, levando os indivíduos a
internalizarem as regras da sociedade em que vivem.
As práticas culturais são formas de coerção, ou seja, impõem ao
indivíduo formas de agir e/ou pensar. Estas práticas são transmitidas ao
indivíduo no processo de socialização.

Os processos de socialização podem ser compreendidos como um


compêndio de interações entre seres humanos, das quais estes
participam ativamente e assim tornam-se membros de determinada
sociedade e cultura. Por meio de tais processos, os indivíduos

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internalizam uma série de valores, formas de agir e maneiras de
pensar (GRIGOROWITSCHS, 2008, p. 40).

É importante destacar que o processo de socialização não ocorre de


forma uniforme, ou seja, nem todos conhecem igualmente as práticas culturais.
Outro aspecto fundamental é que mesmo conhecendo as práticas, valores e
maneiras de pensar de sua sociedade, o indivíduo pode agir de forma distinta
da desejada.
Nas sociedades complexas, as proporções da sociedade, o número de
indivíduos, as diferenças sociais e culturais dificultam ainda mais o processo de
socialização. Nestas sociedades, se tornam necessárias diferentes formas e
instituições de controle social, conforme abordaremos a seguir.
Cabe destacar que sociedades simples também constituem redes de
controle social e produzem formas de regulamentar a vida dos indivíduos.
Nestas sociedades, a coerção, ou seja, a pressão e/ou repressão que a
sociedade exerce sobre o indivíduo pode ser exercida por meio da moral,
honra, religião, magia, entre outros mecanismos.

A modelagem por esses meios [repreensão por meio do embaraço,


medo, vergonha, culpa] objetiva a tornar automático o comportamento
socialmente desejável, uma questão de autocontrole, fazendo com
que o mesmo pareça à mente do indivíduo resultar de seu livre
arbítrio e ser de interesse de sua própria saúde ou dignidade humana
(ELIAS, 1994, p.153).

Amplie Seus Estudos


SUGESTÃO DE LEITURA
No livro A Sociedade Contra o Estado, o
antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977)
aborda as relações de poder. O livro reúne
artigos sobre as pesquisas de campo com as
populações indígenas da América do Sul
(Guayaki, Guarani, Chulupi, Yanomami e os
Guaranis Mbyá) realizadas entre 1962 a 1974.

Como aponta Norbert Elias (1994), a civilização é um processo, ou seja,


caracteriza-se pela mudança, construção, avanços e retrocessos. Nas

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sociedades complexas emergem novos meios de controle social e novas
instituições. Nesse sentido, nas sociedades modernas o Estado atua no
controle social, buscando manter os comportamentos dos indivíduos dentro dos
padrões estabelecidos.

1.2 Controle social, estado e instituições sociais

A vida social exige previsibilidade e padrões de comportamentos. Nesse


sentido, na vida em sociedade as vontades individuais são limitadas pelo
coletivo. As regras sociais são criadas e aceitas com base na compreensão da
necessidade de organizar as relações sociais. Como dito anteriormente, além
do processo de socialização, são necessários meios de administração, controle
social e sanções dos comportamentos que ferem as práticas consideradas
aceitáveis e as leis estabelecidas pela sociedade.
O controle social, de acordo com Lucia Zedner (1996), diz respeito ao
processo de regulação social, bem como aos meios pelos quais a sociedade
induz submissão aos padrões estabelecidos. Tal conceito se opõe à visões
segundo as quais a ordem social seria natural ou fruto do consenso entre os
indivíduos. De acordo com a autora, nas sociedades urbanas, industriais e
modernas, o consenso se torna cada vez mais frágil e são necessárias novas
formas e instituições de controle social.
As instituições sociais modernas consolidam-se em meio ao processo de
racionalização, analisado pelo sociólogo Max Weber e que pode ser definido
como:

O resultado da especialização científica e da diferenciação técnica


peculiar à civilização ocidental. Consiste na organização da vida, por
divisão e coordenação das diversas atividades, com base em um
estudo preciso das relações entre os homens, com seus instrumentos
e seu meio, com vistas à maior eficácia e rendimento. Trata-se, pois,
de um puro desenvolvimento prático operado pelo gênio técnico do
homem. (FREUND,1975, p. 19).

Entre as instituições sociais analisadas por Weber, destaca-se o Estado


Moderno ocidental. Este é definido como uma comunidade humana para a qual
o território faz parte de suas características e reclama para si (com êxito) o
monopólio da coação física legítima (WEBER, 1982, p. 98).

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É importante destacar que o monopólio da força é uma das principais
características do Estado Moderno. Porém, a violência não é o único meio de
exercício do poder por parte do Estado. Como aponta Marcos Augusto Maliska
(2006) a família e até mesmo a igreja, ao longo do tempo, usaram a força física
como instrumento de poder e dominação.
Ao longo do processo evolutivo, os seres humanos, em diferentes
sociedades, desenvolveram diferentes formas de sociabilidades e culturas. É
importante reforçar que cultura constitui padrões de comportamento
socialmente transmitidos, que, por sua vez, geram coerção sobre os
comportamentos individuais. Ou seja, o convívio em sociedade implica que os
indivíduos não ajam pautados apenas em suas vontades, desejos ou
interesses.
O processo civilizador, conforme análise de Elias (1994), teve como
característica o controle dos instintos, afetos e sentimentos dos indivíduos e a
incorporação de regras de comportamento e civilidade. De acordo com o autor,
houve um processo de ruptura com os padrões de comportamentos medievais,
como a crueldade, tortura, pilhagem e uso da força e violência para resolução
de conflitos (como por exemplo nos duelos) e a imposição de um controle das
emoções da agressividade. A manifestação individual de agressividade e
violência foi gradativamente restringida e deslegitimada pelo Estado, que
passou a proibir duelos, a restringir o uso de armas, a criminalizar justiceiros e
à agressão física.
A pacificação da conduta tornou-se um padrão dos “civilizados” e os atos
associados à violência passaram a ser regulados e repudiados. Com a
consolidação do Estado Moderno, este passa a deter o monopólio da força. Ou
seja, os indivíduos e demais instituições “abrem mão” do uso da violência, em
detrimento da ação do Estado como regulador da vida social.
O exercício do poder é definido por Max Weber (1982-1999) como
dominação. De acordo com o autor, existem três tipos básicos de dominação:

 Dominação tradicional;
 Dominação carismática;
 Dominação racional-legal.

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Na dominação tradicional, o exercício do poder é legitimado pela
crença nas tradições e a autoridade baseada nos costumes. Na dominação
carismática, o exercício do poder é pessoal e a autoridade baseada na crença
nas qualidades do líder. Já a dominação racional-legal, típica do Estado
Moderno, é fundamentada no reconhecimento dos regulamentos estabelecidos
pela racionalidade e a autoridade legitimada pela lei (WEBER, 1999).
Como aponta Maliska (2006), um aspecto essencial no Estado Moderno
é a burocracia. Na medida em que o exercício do poder demanda a definição e
distribuição de competências e a aplicação de regulamentos e equipes
qualificadas para o exercício de diferentes funções. Para Weber (1999), a
burocracia representa uma organização racional, impessoal, eficiente e
pautada na legalidade para o exercício da autoridade racional-legal. Nesse
sentido, a burocracia na teoria weberiana favoreceria o cumprimento da lei, o
bem-estar e a manutenção da ordem social.
Para o exercício do poder e do monopólio legítimo da força, consolidam-
se instituições entre as quais podemos destacar o sistema prisional, o judiciário
e as polícias. Estas são instituições fundamentais no processo de controle
social, ou seja, conforme apontado anteriormente, no processo de regulação
social e na obediência aos padrões estabelecidos.
Cabe destacar a importância do Direito, que nas sociedades ocidentais
modernas substitui outros meios na solução dos conflitos de interesse, como a
violência. Nesse sentido, o Direito consolida orientações e parâmetros
racionais a serem aplicados nas relações sociais, atuando como um
mecanismo de controle. Entretanto, é necessária a consolidação de trâmites
burocráticos e instituições especificas:

[...] a lei implica a existência de várias instituições denominadas


instituições jurídicas, tais como tribunais, juízes, promotores,
advogados, assistentes jurídicos e outras tantas. Essas instituições
requerem o Estado e, por consequência, a autoridade, que entendida
como pessoa ou grupo de pessoas legalmente investida do poder de
execução das sanções cabíveis para cada caso individual.
(IAMUNDO, 2013. p.197).

Nas sociedades ocidentais, a partir da consolidação do Direito Moderno,


os conflitos passam a ser regulados pelo poder judiciário. A prisão, por sua vez,
como aponta Michel Foucault (1987), emerge como forma de punição em

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detrimento das formas medievais, como o suplício público e a tortura. A partir
do século XIX, a prisão impõe-se como principal mecanismo punitivo.
A polícia, por sua vez, deve ser compreendida como instituição essencial
no uso da força legítima por parte do Estado, na medida em que outras
instituições podem recomendar medidas coercivas e mesmo direcionar seu
uso, como fazem, respectivamente, as legislações e cortes, mas os policiais
são os agentes executivos da força (BAYLEY, 2001, p. 20).
É importante destacar, para os fins desta disciplina, que a consolidação
de instituições e mecanismos de controle social são essenciais nas sociedades
ocidentais modernas. Para tal, são definidas e distribuídas competências,
aplicações de regulamentos, bem como constituídas equipes para o exercício
de diferentes funções. Ou seja, o controle social demanda a organização
burocrática do Estado.
Entretanto, tendo em vista o conceito weberiano de burocracia, é
evidente a discrepância entre a realidade, em especial a brasileira e o tipo ideal
desenvolvido pelo autor. Cabe ressaltar que a Sociologia e mais
especificamente a Sociologia da Violência apontam a importância do bom
funcionamento do Estado, das instituições e da burocracia para a ordem social.
Por outro lado, demostram como a ineficiência do Estado, das instituições de
controle social e da burocracia podem favorecer a violência.

Resumo da aula 1

Nesta aula foi abordada a importância da interação social no


desenvolvimento, habilidades e potencialidades dos seres humanos.
Distinguindo-se de outros animais, o ser humano não apenas interage com
seus iguais, é capaz de representar, simbolizar, comunicar suas experiências e
sua compreensão do mundo.
Ou seja, o ser humano constrói e transmite suas formas de pensar, agir,
se comportar e seus costumes. Este conjunto de práticas e padrões de
comportamento constituem a cultura de determinado povo ou sociedade. A
cultura, por sua vez, também é uma forma de pressão sobre os
comportamentos individuais, influenciando os indivíduos a se comportarem de
acordo com o que é aceitável na sociedade em que vivem.

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A vida social exige previsibilidade e padrões de comportamento. Nesse
sentido, na vida em sociedade as vontades individuais são limitadas pelo
coletivo. As regras sociais são criadas e aceitas com base na compreensão da
necessidade de organizar as relações sociais.
O processo civilizador levou ao controle dos instintos, afetos e
sentimentos dos indivíduos e à incorporação de regras de comportamento e
civilidade. Houve, portanto, uma ruptura com os padrões de comportamentos
medievais, como a crueldade, a tortura, a pilhagem e o uso da força e violência
para resolução de conflitos (como por exemplo nos duelos) e a imposição de
um controle das emoções da agressividade. A manifestação individual de
agressividade e violência foi gradativamente restringida e deslegitimada pelo
Estado, que passou a proibir duelos, a restringir o uso de armas, a criminalizar
justiceiros e promover a agressão física.
O Estado, por sua vez, é fruto do processo de racionalização
característico da modernidade. Este se caracteriza pelo monopólio legítimo da
força, pela prevalência da dominação racional legal e pela organização da
burocracia. No campo do controle social, o Estado Moderno atua por meio do
Direito, do poder judiciário, do sistema prisional e da polícia.
Entretanto, o mal funcionamento das instituições acima podem favorecer
a violência e colocar em risco o bom funcionamento da sociedade, conforme
será abordado nas aulas a seguir.

Atividade de Aprendizagem
Com base nos argumentos apresentados nesta aula,
discorra sobre como o monopólio da violência por parte do
Estado favorece a manutenção da ordem nas sociedades
modernas.

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Aula 2 – O crime como problema social e sociológico

Apresentação da aula 2

Nesta aula abordaremos as principais contribuições das Ciências


Sociais, em especial da Sociologia, para a compreensão dos conflitos, do crime
e da violência. Para tanto, faz-se necessário compreender o contexto sócio-
histórico de surgimento da Sociologia, tendo em vista que os graves conflitos e
problemas sociais da época culminaram com o surgimento da disciplina.
Analisaremos, ainda, a concepção de criminologia, suas principais
vertentes e as principais ideias de cada uma delas. É importante destacar que
esta aula abordará o pensamento sociológico e da criminologia do século XVIII
e XIX. O objetivo é demostrar as bases teóricas consolidadas sobre o tema.

2.1 As transformações sociais na Europa e a consolidação das Ciências


Sociais

Como apontado anteriormente, no processo de interações entre os seres


humanos surgem conflitos. A natureza dos conflitos, bem como as formas
como são resolvidos se alteram ao longo da história e variam de acordo com as
diferentes culturas. O surgimento da Sociologia como ciência está diretamente
relacionado ao surgimento de conflitos e à busca por novas formas de
solucioná-los.
Desde a Antiguidade Clássica, autores como Platão e Aristóteles
debruçaram-se sobre o crime, suas causas e efeitos na sociedade. Na Idade
Média, a violência, o terror e o autoritarismo faziam parte das relações sociais.
O tratamento dado aos criminosos ou opositores era marcado pela violência e
terror. Execução pública, tortura, quebra de ossos, desmembramentos,
exposição das vísceras, entre outras práticas, reforçavam a violência como
forma de punição aos desvios da norma estabelecida.
Porém, o fim da Idade Média, a crise do feudalismo e a ascensão do
capitalismo são alguns dos fatores que levaram a uma profunda transformação
no continente europeu. Tais fatos culminam nas grandes revoluções, a
Revolução Industrial e a Revolução Francesa.

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A Revolução Industrial foi o conjunto de mudanças que aconteceram na
Europa nos séculos XVIII e XIX. A principal característica desta revolução foi o
processo de inovação tecnológica. A construção de máquinas a vapor leva a
substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e com o uso das máquinas.
Cabe ressaltar que até o final do século XVIII, a maioria da população europeia
vivia no campo, atuava na agricultura de subsistência ou na manufatura.
Com a Revolução Industrial, alteraram-se as relações econômicas,
sociais e de produção da época. O concomitante processo de cercamento
transformou as terras comunais em propriedades privadas, levando ao êxodo
rural e à ruptura com a organização econômica de base agrária. Os
camponeses dirigiram-se aos núcleos urbanos, propiciando mão de obra barata
e abundante. Entretanto, como dito anteriormente, as inovações tecnológicas e
o uso de máquinas no processo produtivo diminuíram significativamente a
oferta de postos de trabalho.
Um alto índice de desemprego, condições de trabalho aviltantes,
jornadas de trabalho que poderiam ultrapassar 16 horas diárias, acidentes de
trabalho, baixos salários são apenas alguns dos graves problemas sociais
gerados pela Revolução Industrial. As epidemias, altas taxas de violência, falta
de moradias, aumento da mendicância e criminalidade também colocavam a
sociedade da época em alerta.
A Revolução Francesa, por sua vez, corresponde ao conjunto de
agitações, de revoltas ocorridas entre 1789 a 1799 na França. O grande legado
desta revolução foi a mudança na concepção e na prática da política, fruto da
insatisfação com a monarquia absolutista e com os privilégios da aristocracia e
dos religiosos. A burguesia francesa, com apoio de trabalhadores urbanos e
camponeses, promoveu uma série de protestos e revoltas que culminaram com
o fim do Antigo Regime.
A Revolução Francesa buscou novos princípios para a ação política,
simbolizados no lema revolucionário: liberdade, igualdade e fraternidade.
Nesse contexto, a reorientação dos princípios do Estado, bem como a
participação da burguesia no poder político se consolidam. Entretanto, o
princípio de igualdade, tão caro aos revolucionários, não anula as
desigualdades sociais que permanecem, apesar do novo ordenamento jurídico.

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É nesse contexto de surgimento de novos conflitos que as Ciências
Sociais e em especial a Sociologia se desenvolvem. Em tal conjuntura, a
Sociologia foi compreendida como uma forma de buscar soluções para os
conflitos e problemas sociais europeus.

Vídeo
Tempos Modernos (1936, Charles Chaplin).
Este clássico do cinema apresenta uma
abordagem dos dilemas e conflitos da
sociedade moderna, bem como dos dramas e
dificuldades enfrentados pelos indivíduos que
buscam se adequar às novas normas, práticas
e comportamentos.

2.2 A criminologia e as concepções do crime

Como dito anteriormente, diferentes autores, desde a Antiguidade


Clássica, abordaram a questão do crime, suas causas e efeitos na sociedade.
No século XVIII, com as grandes transformações ocorridas na Europa, novas
abordagens de base científica sobre o crime se consolidaram.
De acordo com João Farias Júnior (1993), a criminologia pode ser
compreendida como o estudo do fenômeno da criminalidade e suas causas.
Conforme destaca o autor, a criminologia tem forte caráter interdisciplinar e
diferentes vertentes e perspectivas. Ainda de acordo com o autor, no seu início,
a criminologia buscava explicar as origens da delinquência. Pensava-se que
eliminando as causas seria possível extinguir seus efeitos, ou seja, prever e
eliminar o crime.
De acordo com Luiz Flávio Gomes (2002), entre as diferentes teses e
abordagens da criminologia, podemos destacar: a Escola Clássica, a Escola
Positiva e a Sociologia Criminal.
Na concepção da Escola Clássica, o crime era visto como fato
individual, isolado e concebido como uma ação contrária à norma jurídica.
Nesse sentido, não há foco na personalidade ou na realidade social do
criminoso para compreender o crime. Para os representantes desta escola de

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pensamento da criminologia, o criminoso escolheria de forma livre e soberana
infringir a lei.
Os principais representantes desta escola foram: Gian Domenico
Romagnosi (1761-1835), na Itália, Jeremias Bentham (1748-1832), na
Inglaterra e Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach (1775-1833), na
Alemanha (GOMES, 2002, p. 176). Ainda de acordo com Gomes (2002), a
Escola Clássica, apesar de suas contribuições, não aprofundava suas
investigações nas causas do crime, na medida em que considerava a livre
decisão do autor como foco de análise.
A Escola Positiva, por sua vez, teve como maior representante o
médico italiano Cesare Lombroso. Este autor desenvolveu, com base na teoria
da evolução das espécies de Darwin, a tese do criminoso nato. De acordo com
Gomes (2002), para Lombroso, o criminoso era um homem menos civilizado
que os demais membros da sociedade. A teoria lombrosiana partia do princípio
de que o comportamento era biologicamente determinado. Para construir sua
teoria, Lombroso utilizou o método da antropometria (medição de corpos),
com vistas a encontrar evidências no formato de crânios, olhos, nariz e boca
que apontassem para um padrão fenotípico (aparência) dos criminosos.

Vocabulário
Antropometria: método de identificação dos criminosos
apoiado na descrição do corpo humano (medidas, fotografias,
impressões digitais).

A partir do século XIX, em especial após o 3º Congresso Internacional


de Antropologia Criminal realizado em Bruxelas, em 1892, a Escola Positiva é
alvo de duras críticas e começa a se consolidar a Sociologia Criminal. De
acordo com Gomes (2002), a Sociologia Criminal busca na sociedade os
fatores que expliquem as causas que motivam o crime. O sociólogo francês
Émile Durkheim é um dos principais representantes desta escola de
pensamento.

20
2.3 As concepções sociológicas clássicas sobre conflitos, crime e
violência

Como dito anteriormente, as Ciências Sociais, em especial a Sociologia,


se desenvolvem em um contexto de fortes transformações e surgimento de
novos conflitos. Em tal conjuntura, a Sociologia foi compreendida como uma
forma de buscar soluções para os conflitos e problemas sociais da sociedade
europeia. Entre os estudiosos que refletiram sobre os dilemas deste tempo
estão: Augusto Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Em acordo
com os objetivos desta disciplina, abordaremos a seguir as principais reflexões
destes autores sobre os temas: conflitos, crime e violência.
O francês Augusto Comte é considerado o fundador da Sociologia e do
Positivismo. A perspectiva positivista de Comte rompeu com explicações
teológicas para os fenômenos naturais e sociais. Para Comte, os fenômenos
sociais, assim como os naturais, obedeciam a leis gerais que poderiam ser
observadas e explicadas de forma racional e científica. Sendo assim, Comte
defende a Sociologia como ciência própria para a investigação dos fenômenos
sociais. De acordo com o autor, a Sociologia tomaria como base os métodos
das ciências naturais.
De acordo com João Ribeiro Júnior (2003), um aspecto fundamental da
perspectiva de Comte é a compreensão de que a ciência pode entender e
prever os fenômenos sociais. E, mais do que isso, poderia orientar as
transformações da realidade social. Na perspectiva positivista de Comte, a
sociedade se assemelha a um organismo vivo, no qual cada parte desempenha
uma função. O bom funcionamento destas partes é essencial para a
manutenção da ordem, o desenvolvimento e o progresso da sociedade.
Ainda de acordo com Ribeiro Júnior (2003), na perspectiva positivista o
crime e a violência apontariam para a ineficiência dos processos coercitivos da
sociedade. Além disso, de acordo com o mesmo autor, Comte acreditava que
os indivíduos eram naturalmente egoístas. Sendo assim, a educação deveria
fomentar nos indivíduos o altruísmo e o senso de colaboração.
Comte é uma das importantes influências intelectuais do grande
pensador francês Émile Durkheim. Émile Durkheim nasceu em 1858, na
França, nomeado docente na Universidade de Bordeaux, em 1887, ajudando a

21
criar o primeiro curso de Ciências Sociais e, em 1990, fundando o
departamento de Sociologia nesta universidade. O positivismo, a abordagem
científica dos fenômenos sociais e a busca por uma metodologia para o estudo
da sociedade são parte do legado de Comte no pensamento durkheimiano.
É fundamental destacar que a sociedade, para Émile Durkheim, é mais
do que a soma dos indivíduos, é um sistema formado pela associação deles.
Não existe ser humano sem interação, não há, entretanto, uma decisão
deliberada por existir ou não interação. Pode-se afirmar que tanto os fatos
sociais quanto a própria sociedade são fruto das interações entre os indivíduos.
De acordo com Sidnei Ferreira Vares (2011), a sociedade, na concepção
durkheimiana, é um conjunto de regras, normas e padrões de conduta
produzidos pelos indivíduos em suas interações. Ou seja, uma síntese de
relações entre seus membros. Sendo assim, a sociedade, na perspectiva de
Durkheim, não pode ser compreendida com base em critérios biológicos ou
psicológicos. Nesse sentido, Durkheim sugere que a Sociologia tome como
objeto de análise os fatos sociais:

É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer


sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou então ainda, que é geral
na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência
própria, independente das manifestações individuais que possa ter.
(DURKHEIM, 2002, p.11).

A partir da concepção de fato social, é fundamental compreender as


suas características:

O fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que


exercer ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença
de poder é reconhecível por sua vez, seja pela existência de alguma
sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer
empreendimento individual que tenta violentá-lo. Todavia, podemos
defini-lo também pela difusão que apresenta no interior do grupo,
desde que, de acordo com as precedentes observações, se tenha o
cuidado de acrescentar como característica segunda e essencial, que
ele existe independentemente das formas individuais que toma ao se
difundir. (DURKHEIM,2002, p.8).

Em suma, o conceito de fato social, na teoria de Durkheim, aponta que a


sociedade influencia a forma de ser, pensar e agir dos indivíduos. Além disso,
de acordo com Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2002), para Durkheim, as

22
sociedades modernas geram um alto grau de interdependência entre os
indivíduos, ou seja, na medida em que há maior divisão social do trabalho,
cada indivíduo especializa-se em uma função/profissão, dependemos dos
demais membros da sociedade para sobreviver.
Além disso, para Durkheim, as sociedades se mantêm integradas em
função da existência da consciência coletiva, esta pode ser definida como um
conjunto de valores, normas, regras de conduta e prescrições. Nesta
perspectiva, o crime pode ser compreendido como uma ação que, vai contra as
normas estabelecidas, contra a consciência coletiva. Cabe ressaltar que, de
acordo com Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2002), Durkheim aponta que a
consciência coletiva e, portanto, a compreensão das regras e, por conseguinte,
o que é considerado crime, mudam ao longo do tempo e variam de sociedade
para sociedade.
Mais do que isso, o crime, para Durkheim, é normal e tem uma função
social, na medida em que a punição reforça a consciência coletiva e fortalece a
regra. Entretanto, se a taxa de criminalidade aumenta a cada dia ou assume
proporções que comprometem a vida social, isso indica que a sociedade está
em estado de anomia.
A anomia é definida por Durkheim (2010) como estado de ausência ou
desintegração das normas sociais, desrespeito às regras comuns, às tradições
e práticas estabelecidas. Sendo assim, o crime não é causa da desintegração
social, mas reflexo dela. As altas taxas de criminalidade, de acordo com a
abordagem de Durkheim, apontam que existem falhas nas regras de conduta
ou nos valores morais. Por outro lado, podem apontar que as instituições que
regulamentam o combate ao crime estão falhando.
A compreensão de Weber se distingue consideravelmente da
perspectiva de Durkheim. O pensador alemão Max Weber, nascido em 1864 e
jurista de formação, desenvolveu abordagem distinta sobre a própria
Sociologia, seus métodos e objetivos.
Para Weber, a ciência é procedimento racional, que busca explicar os
fatos. As ciências sociais, por sua vez, têm por objetivo reconstituir os atos
humanos, compreender o significado que estes tiveram para os agentes, o
universo de valores adotados por um grupo social ou indivíduo enquanto
membro de uma determinada sociedade.

23
Nesse sentido, a teoria weberiana se afasta de abordagens que utilizam
conceitos amplos, genéricos ou buscam por estabelecer leis gerais. Tais
abordagens, na perspectiva de Weber, afastam o cientista social da realidade e
da materialidade dos fenômenos. As construções teóricas devem ter coerência
com fatos e ações reais, caso contrário, são apenas hipóteses. Portanto, a
partir da realidade social infinita, cabe ao cientista social observar, selecionar,
organizar e identificar regularidades, com o intuito de compreender as
especificidades do objeto estudado e seus significados.
O crime e a violência não são objeto direito de análise de Weber. Porém,
uma contribuição fundamental da teoria de Weber para a compreensão dos
fenômenos do crime e da violência é sua análise do Direito. Jurista de
formação, Max Weber (1999) compreende o Direito Moderno como fruto de um
processo de racionalização, que contribui para diminuir o poder dos sistemas
tradicionais de dominação.
Nas sociedades ocidentais modernas, o Direito substitui outros meios na
solução dos conflitos de interesse, como a violência. Nesse sentido, o Direito
consolida orientações e parâmetros racionais a serem aplicados nas relações
sociais, atuando como um mecanismo de controle.
O conflito social é a base da análise da sociedade desenvolvida por Karl
Marx, pensador alemão nascido em 1818. Para o autor, as sociedades são
historicamente divididas em grupos em constante conflito. Tal conflito é
motivado pela disputa por poder e riqueza.
Cabe ressaltar que a violência e a exploração são, de acordo com Marx
e Engels (2007), características estruturais do capitalismo. Para os autores,
este sistema estaria pautado na propriedade privada dos meios de produção e
na exploração dos trabalhadores. Além disso, tal sistema geraria
desigualdades, miséria e exploração dos mais pobres.
Para Marx, o Estado configura-se como uma instituição de defesa dos
interesses da burguesia. Da mesma forma, o Direito atuaria como uma
ferramenta de legitimação da classe dominante. Um fator apontado por Marx e
Engels (2007) é a atuação do Estado e do Direito na tutela e proteção da
propriedade privada.
Nesse sentido, na perspectiva marxista, o crime pode ser compreendido
como fruto das condições da sociedade de classes. Porém, o crime como

24
reação individual à opressão é facilmente reprimido pelo Estado, pelo Direito e
pelas demais instituições de controle social. Entretanto, a repressão do crime
não o elimina, na medida em que suas causas remontam às características
estruturais da sociedade capitalista.
A principal contribuição das Ciências Sociais para a compreensão do
conflito, do crime e da violência é a ruptura com explicações religiosas,
biológicas ou estritamente psicológicas. Sendo assim, a despeito das
divergências quanto à compreensão do fenômeno, busca-se analisá-lo com
foco nos fatores sociais. Nesse sentido, o crime deixa de ser pensando como
desvio moral, psicológico para ser compreendido como problema social e
sociológico, conforme abordado pelos teóricos clássicos da Sociologia, em
especial por Émile Durkheim.

Resumo da aula 2

Nesta aula abordamos o contexto de fortes transformações e surgimento


de novos conflitos que marcaram o desenvolvimento das Ciências Sociais, em
especial da Sociologia. Em tal conjuntura, a Sociologia foi compreendida como
uma forma de buscar soluções para os conflitos e problemas sociais da
sociedade europeia.
Foram apontadas, ainda, as diferentes teses e abordagens da
criminologia dos séculos XVIII e XIX com destaque para: a Escola Clássica, a
Escola Positiva e a Sociologia Criminal.
Esta perspectiva de intervenção social esta fortemente presente no
pensamento de Augusto Comte, considerado o fundador da Sociologia e do
Positivismo. A perspectiva positivista de Comte rompeu com explicações
teológicas para os fenômenos naturais e sociais. Para Comte, os fenômenos
sociais, assim como os naturais, obedeciam a leis gerais que poderiam ser
observadas e explicadas de forma racional e científica. O crime e a violência,
para Comte, apontariam para a ineficiência dos processos coercitivos da
sociedade.
Abordamos, ainda, que Émile Durkheim, por sua vez, desenvolveu o
conceito de fato social, apontando para a influência da sociedade na forma de
ser, pensar e agir dos indivíduos. Durkheim analisou ainda o alto grau de

25
interdependência entre os indivíduos em função divisão social do trabalho. O
crime, para Durkheim, é normal e tem uma função social, na medida em que a
punição reforça a consciência coletiva, ou seja, fortalece a regra.
Por fim, foi abordada a perspectiva de Karl Marx segundo a qual o crime
pode ser compreendido como fruto das condições da sociedade de classes.
Como reação individual à opressão, o crime é facilmente reprimido pelo
Estado, pelo Direito e pelas demais instituições de controle social, fato que não
o elimina, na medida em que suas causas remontam às características
estruturais da sociedade capitalista.

Atividade de Aprendizagem
Com base nas contribuições de Émile Durkheim abordadas
nesta aula, discorra sobre a relação entre crime e anomia para
o autor.

Aula 3 – Uma arqueologia do crime e da violência na sociedade brasileira

Apresentação da aula 3

Nesta aula abordaremos as dinâmicas da violência na sociedade


brasileira. Partindo da contribuição do livro clássico Arqueologia da violência
(CLASTRES, 2004), no qual o autor aponta para o papel da guerra e da
violência para a manutenção das comunidades indígenas.
Publicado originalmente em 1977, o livro é fruto de longos anos de
pesquisa de campo entre comunidades indígenas Guayaki, Guarani, Chulupi e
Yanomami. Nesta obra, o autor demostra por meio de pesquisa etnográficas
que a guerra não é fruto apenas da violência e agressividades dos povos
indígenas, considerados primitivos e não civilizados por muitos teóricos. A tese
defendida por Clastres é de que a guerra cumpre uma função social nas
sociedades analisadas. Para o autor, os conflitos com outras etnias

26
fortaleceriam o senso de identidade dos grupos e impediria a construção de
uma sociedade pautada em um poder centralizado, hierárquico e com figura de
um líder.
A pesquisa de Clastres oferece perspectivas sobre a pergunta frequente
no que diz respeito ao crime e à violência: Seriam o crime e a violência
universais? Estariam presentes em todas as sociedades e épocas? Com base
nessas reflexões, serão abordados os diferentes usos da violência ao longo da
história do Brasil. Por fim, com base em alguns dados sobre a violência no
Brasil contemporâneo, buscaremos demostrar como estes apontam para a
necessidade de reflexão sobre a ação do Estado, das instituições e sobre o
modelo de segurança pública.

3.1 Crime e violência aspectos conceituais

Como abordado até o momento nesta disciplina o conflito, o crime e a


violência são fenômenos complexos e que permitem múltiplas abordagens.
Entretanto, é importante compreender as especificidades históricas e culturais
deste fenômeno, na medida em que as dinâmicas culturais estabelecem
diferentes padrões de conduta e comportamento e, por conseguinte, definem
aquilo que é considerado aceitável ou não em determinada sociedade e época.
Cabe ressaltar ainda que as culturas são dinâmicas; modificam-se ao
longo do tempo. Sendo assim, também os comportamentos considerados
aceitáveis se alteram.
De acordo com Arthur Arblaster (1996), não existe uma definição
consensual de violência. De modo geral, ela pode ser compreendida como
qualquer agressão física contra seres humanos, cometida com a intenção de
lhes causar dano, dor ou sofrimento. (ARBLASTER, 1996, p. 803). O autor
aponta, porém, algumas considerações necessárias sobre a concepção geral
de violência, entre as quais podemos destacar:

 A intencionalidade;
 A legitimidade;
 Os meios.

27
Quanto à intencionalidade, é importante considerar não apenas a
intenção explícita do autor, cabe também considerar as consequências dos
atos cometidos. Nesse sentido, para Arblaster (1996), ato de violência não é
apenas aquele em que se tem a intenção de gerar dano a outrem; também o
são atos que têm como consequência danos a outras pessoas.
No que diz respeito à legitimidade, é preciso considerar os aspectos
legais e/ou morais do uso da violência. Como abordamos anteriormente, com a
consolidação do Estado Moderno, esta passa a deter o monopólio da força, ou
seja, os indivíduos e demais instituições “abrem mão” do uso da violência em
detrimento da ação do Estado como regulador da vida social. Além disso,
conforme aponta Weber (1999), o Estado atua no campo da dominação
racional legal, ou seja, fundamentado no reconhecimento dos regulamentos
estabelecidos pela racionalidade e a autoridade legitimada pela lei. Sendo
assim, o uso da força legitimado pela lei não seria considerado violência, na
medida em que, de acordo Arblaster (1996), violência designa apenas o uso
ilegítimo da força.
Por fim, quanto aos meios de exercício da violência, Arblaster (1996)
aponta que esta não se limita aos meios que geram dano físico, ou ações que
possam gerar dano físico ou psicológicos indiretamente (como privação de
água, alimento ou sono, trabalhos forçados, entre outros) também são
considerados violência.
O crime, assim como a violência, não tem uma definição unânime. De
acordo com Paul Rock (1996), o crime pode ser compreendido como uma
infração do direito penal, ou uma infração ao bem público, passível de punição.
Esta definição, no entanto, tem caráter fortemente legalista e institucional. É
importante destacar de acordo com o autor, que mesmo em sociedade, sem a
figura do Estado e de códigos jurídicos, a concepção de crime está presente.
Sendo assim, uma concepção mais abrangente e cultural entende o
crime como uma violação de hábitos e costumes (ROCK, 1996, p. 150). Outro
aspecto importante é que, ao violar os hábitos e costumes estabelecidos, o
crime representa um ultraje à sociedade, gerando danos a comunidade.
Na atualidade, são comuns os debates sobre a violência e criminalidade.
Nos meios de comunicação ou nas redes sociais repercutem-se
cotidianamente crimes e casos de violência. Muitas vezes, diante desta

28
exposição, cria-se a impressão de que a sociedade está à beira de um colapso
e a criminalidade fora do controle.
Entretanto, análises mais aprofundadas produzidas no campo da
Sociologia da Violência podem contribuir para melhor compreensão do
fenômeno. Não se trata, portanto, de minimizar a criminalidade como problema
social. Assim, nos termos sugeridos por Émile Durkheim, compreender o crime
como fato social é questão sociológica.
Cabe, portanto, relembrar, que para Durkheim, o crime não é causa da
desintegração social, mas reflexo dela. Ou seja, as altas taxas de criminalidade
apontam que existem falhas nas regras de conduta, nos valores morais ou nas
instituições que regulamentam o combate ao crime.

3.2 A violência na história do Brasil

De acordo com a historiadora Mary Del Priori (2017), a violência é um


fenômeno social presente em diversos contextos da história brasileira. Mesmo
antes da chegada dos portugueses, a guerra era parte da dinâmica social das
diferentes etnias indígenas.
No Brasil Colônia (1540-1822), a violência foi amplamente utilizada
como forma de dominação das populações indígenas e na conquista de
território. Um dos agentes da violência no Brasil colonial foram os
bandeirantes, responsáveis por expedições que tinham a intenção de localizar,
combater e escravizar indígenas hostis à colonização, localizar e destruir
quilombos formados por negros e indígenas fugidos dos núcleos coloniais e a
busca por metais preciosos.
A mão de obra escravizada foi amplamente utilizada no Brasil até fim do
Império. No processo de escravização e controle dos escravizados, a violência
era amplamente aplicada, sendo:

Algo que radica no centro da vida social no Brasil escravista. Ela


refere-se ao fato de que boa parte daquilo que instituía a
possibilidade de um "campo" de negociação e conflito entre senhores
e escravos radicava na questão do exercício do castigo. O que se
negociava, basicamente, eram seus limites. (LIMA, 2002, p. 132).

29
De acordo com Prudente (1988), a violência no contexto escravocrata,
além de amplamente utilizada era considerada moral e juridicamente legítima.
Assim como a escravização de indígenas e africanos, além de ser um negócio
lucrativo, era legalmente regulamentado. Além disso, os castigos físicos como
forma de controle e punição dos escravizados era considerado prerrogativa do
senhor de escravos.
No período Imperial (1822-1889), destaca-se o uso da força para
controlar revoltas e rebeliões no território brasileiro. De acordo com Almeida
(2015), a repressão aos movimentos revoltosos se dava, via de regra, de forma
violenta e com muitas baixas. O autor destaca que a disparidade numérica e de
recursos bélicos transformava, muitas vezes, as batalhas em chacinas de
opositores. Além disso, a tortura, a execução e, em alguns casos, a exposição
dos líderes reforçava o uso da violência e do medo como forma de exercício do
poder.
Se a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República marcam a
modernização do Brasil, levam também ao surgimento de novos agentes e
formas de violência. No campo, os coronéis emergem como figuras que
mobilizam a violência como forma de dominação. No meio urbano, por sua vez,
os escravizados recém libertos enfrentam um contexto de pobreza, falta de
empregos e habitação que levaram ao surgimento das favelas.

Amplie Seus Estudos


SUGESTÃO DE LEITURA
Os Sertões é uma obra do escritor Euclides da
Cunha (1866-1909). A obra narra os
acontecimentos da sangrenta Guerra de
Canudos, liderada por Antônio Conselheiro (1830-
1897), que ocorreu no Interior da Bahia, durante
1896 e 1897.

Da Era Vargas (1930) à Ditadura Militar (1964-1985), a violência foi


utilizada como forma de ascensão e permanência no poder. Mais uma vez, a

30
repressão violenta de revoltas e protestos, a perseguição, prisão, tortura e
execução de opositores foi usada como forma de controle e poder.
Podemos observar que as formas, meios e agentes se alteram ao longo
dos diferentes períodos, porém, a violência é onipresente na História do Brasil.
No bojo do processo de redemocratização, a Constituição de 1988 lança novos
paradigmas para as relações sociais e políticas no Brasil. Porém, as mazelas
geradas pelo violento processo histórico permanecem e constituem desafios
para a democracia brasileira.

3.3 O crime no Brasil contemporâneo

Como citado anteriormente, são diversos os debates sobre a violência e


criminalidade no mundo contemporâneo. Além disso, a repercussão nos meios
de comunicação e redes sociais de crimes e casos de violência, gera, muitas
vezes, na opinião pública a sensação de medo diante do risco de um colapso
social e da criminalidade fora do controle.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2018, o
Brasil contava com aproximadamente 602 mil pessoas privadas de liberdade.
Sendo que homens representam 95% deste total. Quanto à distribuição
geográfica, cabe destacar que o estado de São Paulo concentrava 28,73 da
população carcerária masculina (BRASIL, 2018, p. 27).
O perfil da população carcerária brasileira aponta que cerca de 53,91%
eram jovens com idade entre 18 e 29 anos sendo que 54,96% eram negros. Já
no que diz respeito à escolaridade, 71,15 % tinham nível fundamental completo
e apenas 2% da população carcerária brasileira possui nível superior completo.
Quanto à tipificação penal, conforme aponta o gráfico abaixo, 27,58%
das pessoas privadas de liberdade no Brasil respondem por roubo. Cerca de
24,74% respondem por tráfico de drogas e 11,27% respondem por homicídio
(BRASIL, 2018, p.38). Sendo assim, 63,59% das pessoas privadas de
liberdade respondem aos tipos penais citados.

31
Fonte: BRASIL, 2018, p. 39.

De acordo com Andrade e Diniz (2013), a década de 1980 marca uma


alteração significativa na taxa de homicídios no Brasil. Segundo os autores, as
taxas de homicídios no Brasil possuem duas características. A primeira é que a
concentração ocorre nas capitais em relação às demais cidades dos estados.
Ou seja, de 1980 a 2000, as taxas de homicídios das capitais costumavam ser
maiores que a média do estado. Um segundo aspecto é que, no geral, no
período citado, havia uma concentração nas regiões metropolitanas. Ou seja,
havia uma tendência de as regiões metropolitanas apresentarem taxas de
homicídios maiores do que a média do estado e do que a média nacional.
Porém, a partir dos anos 2000, há uma alteração nos indicadores de
homicídios no Brasil. Ainda de acordo com Andrade e Diniz (2013), dados
apontam que a partir de 1999 houve uma desaceleração no aumento da taxa
de homicídios nas regiões metropolitanas. Entretanto, observou-se no mesmo
período o aumento das taxas em cidades do interior e com menor população,
com isso, a taxa de homicídios passa a crescer mais no interior do que nas
regiões metropolitanas e capitais.
Entretanto, de acordo com Andrade e Diniz (2013), a análise dos dados,
de 1980 a 2010, aponta não apenas para a interiorização ou disseminação da
violência. De acordo com os pesquisadores, as alterações na ocupação, a
consolidação de novas aglomerações urbanas, os ciclos econômicos e polos
de desenvolvimento regionais, a reorganização do espaço urbano e os
deslocamentos populacionais levam à redistribuição territorial do crime.

32
De acordo com o Atlas da Violência (IPEA, 2018), os homicídios
representam 10% das mortes no Brasil, sendo os homens e jovens as
principais vítimas. Ainda de acordo com dados do Atlas, a taxa de homicídios
no Brasil apresentou aumento de 14% entre 2006 e 2016. Cabe ressaltar,
entretanto, as enormes disparidades nos dados quando são distribuídos por
estado. Pois enquanto o estado de São Paulo teve uma redução de 46,7% na
taxa de homicídio no período analisado, o estado do Maranhão apresentou
aumento de 121%. Cabe destacar ainda que 71% dos homicídios são
cometidos como uso de armas de fogo.
A Lei 11.343/2006, conhecida como Lei Antidrogas, alterou a legislação
vigente e incluiu a distinção entre usuário e traficantes. Entretanto, não há
definição dos parâmetros da distinção entre o uso e o tráfico. A indefinição ou
brechas na lei é apontada por Cortina (2015) como um dos elementos que
podem explicar o aumento da taxa de encarceramento por tráfico de drogas.
Como destaca a autora, dados apontam para um aumento na taxa de
encarceramento por tráfico tanto entre os homens quanto entre as mulheres.
Ainda de acordo com Cortina (2015), pesquisas apontam para o
aumento do encarceramento feminino. No sistema prisional, 62% das mulheres
em privação de liberdade foram enquadradas no tipo penal de tráfico de
drogas.
É importante destacar que os dados de violência e criminalidade no
Brasil contribuem para o aumento da sensação de insegurança e para o medo
na população brasileira. O medo pode ser definido como o hábito que se tem,
em um grupo humano, de temer uma ameaça real ou imaginária (DELUMEAU,
1989, p. 24). Partindo desta definição, pode-se estabelecer uma distinção entre
medo e angústia, sendo o primeiro referente a algo que se pode fazer frente a
angústia referente ao desconhecido, a algo temido justamente por não ser
identificável.
Segundo o mesmo autor, a angústia no século XX tornou-se a
contrapartida da liberdade, na medida em que aventurar-se é abandonar a
segurança e enfrentar riscos. Sendo a angústia um “medo sem objeto”, o
homem incapaz de lidar com essa situação precisa transformá-la em medo de
algo ou alguém. Ou seja, o homem fabrica o medo, elege determinadas coisas,
pessoas ou grupos para evitar a angústia.

33
Contemporaneamente, a mídia tem importante papel na disseminação
do medo, como demonstra Glassner (2003), no que diz respeito à cobertura
dada ao crime, em grande medida sensacionalista, generalizadora, tomando
fatos isolados como tendências e espetacularizando a violência. De acordo
com o autor, pesquisas realizadas nos Estados Unidos constataram que os
principais medos dos americanos são baseados em dados/notícias veiculadas
pelos meios jornalísticos.
A produção deste clima de medo é fundamental para “legitimar” junto à
população as ações dos aparelhos estatais contra a violência. Porém,
conforme abordamos ao longo desta disciplina, os estudos sociológicos
sugerem que o enfretamento à ocorrência de altas taxas de criminalidade e
violência aponta para problemas de ordem estrutural na sociedade. Pode-se
observar que, sendo um sintoma da desregulação social e da falha das
instituições, o combate ao efeito não alcança os resultados necessários se não
são encarados os causadores do crime da violência. Diante deste cenário,
fazem-se necessárias reflexões sobre a eficiência das instituições de controle
social e de seus mecanismos. Nesse sentido, as últimas décadas têm sido
marcadas por discussões acerca do papel das polícias e a necessidade de
alterações nos modelos e padrões de policiamento.
O processo arqueológico de compreensão dos fenômenos sociais
pressupõe uma análise de múltiplas dimensões entre as quais: históricas, das
relações sociais, das transformações da sociedade, das visões de mundo e
ideologias.
Embora a violência esteja presente ao longo do processo histórico
brasileiro, suas formas de manifestação se alteram ao longo de tempo. Um
fator fundamental é a compreensão da legitimidade, dos agentes e instituições
que utilizam e controlam o uso da violência.
Sendo assim, ganha importância o papel do Estado na regulamentação,
em acordo com sua função social, dos conflitos ocorridos na sociedade, bem
como na construção de mecanismos burocráticos para controle da vida social.
Os dados sobre violência, crimes e o sistema carcerário podem nos oferecer
uma breve visão da dinâmica complexa do controle social da violência, bem
como reforçar a necessidade de reformulação da política de segurança diante

34
das demandas sociais, das mudanças de paradigma nos sistemas de
policiamento e no papel da repressão.

Resumo da aula 3

Nesta aula apontou-se uma perspectiva sobre o papel social da guerra e


da violência, podendo-se observar que o conflito pode cumprir um papel social
na manutenção da sociedade. Nesse sentido, apontamos para as diferentes
manifestações e usos da violência ao longo da história do Brasil.
Como vimos, a violência foi amplamente utilizada como forma de
dominação e controle das populações indígenas no processo de colonização.
Além disso, o uso da força e da violência como forma de punição estavam na
base do processo de controle da mão de obra no sistema escravocrata. Já no
Período Imperial, o uso da força e da violência foi uma ferramenta utilizada no
controle de revoltas, rebeliões e controle de núcleos de resistência, como os
quilombos.
Desde o coronelismo até a Ditadura Militar, o uso da força e da violência,
embora não exclusivamente, para o acesso e manutenção do poder foi
utilizado em diferentes momentos da história política do Brasil. A
redemocratização e a Constituição de 1988 trazem novos paradigmas e
fundamentam o Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, a legitimidade
do uso da força é regulamentada.
Entretanto, a violência e a criminalidade não apenas permanecem, como
aumentam ao longo dos anos. Sendo assim, colocam-se novos desafios ao
Estado, no que diz respeito a sua atuação nas politicas de segurança pública.
Alguns do novos debates e perspectivas sobre a atuação do Estado e da
sociedade civil nesse campo serão apresentados na próxima aula.

Atividade de Aprendizagem
Com base no conteúdo desta aula e em seus conhecimentos
prévios, discorra sobre um episódio, situação, fato da História
do Brasil em que a violência tenha sido utilizada. Aponte quais
foram as motivações do uso da violência, os meios utilizados,
a intencionalidade, bem como os agentes/autores da violência
e os principais afetados.

35
Aula 4 – Estado, Direito e polícia: perspectivas sobre segurança pública

Apresentação da aula 4

Nesta aula abordaremos algumas reflexões e contribuições sobre as


políticas públicas de segurança, partindo da compreensão de que as
demandas e expectativas da população podem ser influenciadas por
percepções distorcidas acerca do fenômeno da violência e da criminalidade.
Além disso, o Estado democrático de Direito pressupõe a ação do Estado na
garantia de direitos fundamentais e na manutenção da ordem.
Na medida em que compreendemos que uma sociedade de paz
absoluta é utópica, ao mesmo tempo que o medo e a sensação de insegurança
são bastante presentes, faz-se necessário refletir sobre o papel e função da
segurança pública e das instituições envolvidas.
Entretanto, como veremos ao longo desta aula, existem diferentes
visões sobre a polícia, seu papel, suas ações e a eficiência desta no
enfrentamento à criminalidade. Diante disso, o diálogo entre sociedade civil e
instituições tem sido apontado como uma estratégia para a melhoria da
efetividade das politicas públicas de segurança.

4.1 Violência, medo e repressão

Como afirmado ao longo desta disciplina, uma sociedade sem crime e


violência é utópica. A ocorrência destes fenômenos sociais é normal, sendo
necessária a atenção ao aumento repentino ou sucessivo na taxa de violência.
Diante não apenas do avanço quantitativo das situações de violência, mas
também da sensação de medo da população, buscam-se diversas formas de
controle do crime e da violência.
Paradoxalmente, em muitos casos, o meio utilizado para combate ao
crime é a repressão e a violência. Desse modo, muitas vezes a violência é
utilizada com o pretexto ou objetivo de garantir a paz e a ordem social. Nesse
contexto, é importante considerar o papel do medo na legitimação de posturas
violentas de repressão ao crime e à violência.

36
Como aponta Glassner (2003), a sensação de insegurança da
população e o medo podem ser frutos da difusão de notícias, dados sobre a
violência, de forma exacerbada ou sensacionalista. É importante destacar que
isso não significa que o medo da violência seja infundado, já que os dados
estatísticos apontam para a elevada taxa de criminalidade. O ponto levantado
pelo autor é que a propagação de casos de violência pode gerar ansiedade e
medo desproporcional nos indivíduos.
De acordo com o mesmo autor, pesquisas realizadas nos Estados
Unidos constataram que os principais medos dos americanos são baseados
em dados/notícias vinculadas pelos meios jornalísticos.
A produção deste clima de medo gera, em muitos casos, o clamor
popular pelo enfrentamento à violência e é usado para fundamentar e legitimar
as ações do Estado contra a violência. Entretanto, o enfrentamento, quando
realizado com base na repressão pode fortalecer a sensação de medo e
fomentar o aumento da criminalidade.
Com isso, a sensação de medo generalizado pode levar a uma cobrança
de ação cada vez mais “repressora” do Estado naturalizando-se as práticas
violentas e muitas vezes extremistas deste, dissimulando as causas da
violência. Além disso, observa-se que em contexto de medo generalizado há a
valorização do papel “combativo”, ao invés de preventivo da polícia.
Configura-se, então, um círculo vicioso, na medida em que o medo
generalizado legitima ações repressivas por parte do Estado. Estas ações, por
sua vez, podem ser violentas e, sendo amplamente divulgadas na mídia,
aumentam ainda mais a sensação de medo.
Como afirma Glassner (2003), é preciso considerar ainda que muitos
grupos se beneficiam desta sensação de medo generalizado, surgindo daí o
que alguns autores chamam de “indústria do medo”, que tem como objetivo
lucrar com a venda de produtos e serviços que passem uma impressão de
segurança aos seus consumidores.

4.2 Crime, violência e o Estado Democrático de Direito

De acordo com Breunig (2018), uma das explicações para as altas taxas
de criminalidade seria a ocorrência de uma crise ética na sociedade brasileira.

37
Ou seja, os indivíduos não adotam valores, práticas e normas previstas. Sendo
assim, as taxas de violência e criminalidade seriam sintoma de uma crise
profunda na sociedade.
Outro aspecto fundamental decorrente desta compreensão é que, se a
violência e a repressão são os únicos meios adotados no enfretamento à
criminalidade, isso denota a falta de adesão da população às regras. Isto é, se
o uso da força, da repressão e da polícia são os únicos meios de manter a
ordem, os indivíduos obedecem por medo e não por consciência ou
concordância com a norma. Além disso, como aponta Max Weber, existem
diferentes formas de dominação (dominação racional-legal, dominação
tradicional e dominação carismática) e alerta que o uso da força não pode ser a
única forma de gerar obediência.
De acordo com Aranão (2013), a nação brasileira enquadra-se na
categoria do Estado Democrático de Direito. Este caracteriza-se pela soberania
popular, pela democracia representativa e participativa e por sistemas de
garantia de direitos. No Estado Democrático de Direito, as leis são criadas pelo
povo, para o povo e respeitando a dignidade da pessoa humana.
Como apontando anteriormente, a consolidação do Estado-Nação foi
precedido pelo processo de pacificação da sociedade que, conforme citado
anteriormente, é um processo de ruptura com os padrões de comportamentos
medievais e a imposição de um controle das emoções da agressividade. A
manifestação individual de agressividade e violência foi gradativamente
restringida e deslegitimada pelo Estado, que passa a ter o monopólio do uso
legítimo da força.
Além de abrir mão do uso da força, nesse processo, os indivíduos abrem
mão de certas liberdades em prol da coletividade. Para Aranão (2013), diante
desta renúncia às liberdades individuais, caso os indivíduos não enxerguem
razões ou vantagens em obedecer ao pacto social, o crime e a violência podem
ocorrer.
Da mesma forma, ainda de acordo com o autor, a falha no cumprimento
dos direitos fundamentais garantidos nos instrumentos legais resulta em
desigualdades, discriminação e marginalidade. Nesse sentido, esses
fenômenos são efeitos da ineficiência de aplicação de políticas de garantia do
bem-estar social. Com isso, a falta de acesso à educação, saúde, emprego,

38
moradia, alimentação de qualidade caracterizam-se como violações aos
direitos fundamentais e dignidade de pessoa humana (ARANÃO, 2013).
A situação de violações de direitos e ineficiência das instituições pode
fomentar a violência e a criminalidade, na medida em que os indivíduos deixam
de ver benefício na adesão ao pacto social. É fundamental destacar que esta
perspectiva não equivale a dizer que a pobreza e as desigualdades são a
causa direta da criminalidade, ou que as populações pobres sejam por suas
condições sociais essencialmente criminosas e violentas, ou ainda que todos
os indivíduos em situação de exclusão social atuem de forma criminosa ou
violenta.
Como sugere Aranão (2013), em acordo com a perspectiva sociológica,
o crime e a violência são consequências, na perspectiva do autor das violações
de direitos. [Entretanto, historicamente, o enfretamento à criminalidade e à
violência se dão mediante políticas públicas de repressão do crime e não com
políticas públicas que ataquem as suas causas, ou seja que promovam os
direitos fundamentais].
De acordo com Dias (2012), as definições de “políticas públicas” são
diversas, mas guardam o ponto comum de identificá-las com a ação do Estado.
Estas estão, segundo o autor, identificadas com o poder social e correspondem
a formas e/ou estratégias de lidar com assuntos públicos.
O autor destaca a importância no campo dos estudos de políticas
públicas da distinção entre dois termos no idioma inglês: politics e policies. O
primeiro diz respeito aos processos de construção de consenso e às lutas pelo
poder relacionados, por exemplo, à dinâmica eleitoral e partidária. O segundo é
entendido como as ações do governo, que buscam assegurar a solidariedade
interna de determinado Estado.
O Estado é, por sua vez, ao mesmo tempo sujeito e objeto das políticas
públicas. Enquanto sujeito, cabe ao Estado comandar, legislar e normatizar,
impondo normas, arrecadando e distribuindo recursos etc, por outro lado, o
Estado é sujeito na medida em que é influenciado pela sociedade civil em suas
ações.

39
4.3 Polícia e novas perspectivas sobre segurança pública

Na Antiguidade Clássica, a polícia era compreendida como um


instrumento de organização da sociedade. Porém, a partir do século XVIII,
passa a ser compreendida como um órgão de controle social do Estado. No
Brasil, a polícia começa a se organizar com a chegada da família real
portuguesa e a transferência da corte para a cidade do Rio de Janeiro.
A polícia pode ser definida como o grupo de pessoas autorizadas por um
grupo, geralmente o Estado, para regular as relações interpessoais dentro de
uma comunidade mediante a aplicação da força física (BAYLEY, 2001, p.229).
Um aspecto fundamental das instituições policiais é a possibilidade do
uso da força. Entretanto, a questão dos limites ao uso da violência é também
um ponto de conflito e tensões. Cabe ressaltar que o limite entre força legítima
e violência está relacionado à forma como a sociedade interpreta a noção de
violência:
O paradoxo aqui é que, de um lado, é justamente a possibilidade de
usar da força física que distingue os policiais do cidadão comum,
desde que isso seja feito de forma legítima e dentro dos parâmetros
de legalidade, necessidade e proporcionalidade, protegendo a sua
vida e a de outro cidadão. Por outro lado, a fronteira entre o uso
legítimo e ilegítimo da força letal é tênue e, por isso, as circunstâncias
muitas vezes não são apuradas de forma adequada no Brasil. (IPEA,
2018, p. 29).

As formas de organização e atuação das polícias variam de acordo com


o país. Além disso, existem diferentes visões sobre a polícia, sua visão e
forma de atuação. De acordo com Bayle (2001), na visão tradicional, a polícia é
entendida como uma agência governamental responsável pela aplicação da lei.
O papel da polícia é a solução de crimes e sua eficiência analisada pelo
número de prisões. Nesse modelo, as formas de controle na polícia são
altamente centralizadas.
Nos anos 80, diante do aumento da violência e da criminalidade, este
modelo passa a ser criticado nos Estados Unidos, em especial diante de
estatística que indicavam que o aumento do efetivo de policiais não reduziu o
índice de criminalidade nem aumentava o número de crimes solucionado, e
que as patrulhas não reduziam o crime nem aumentavam o número de

40
suspeitos presos. Estes resultados, entre outros demonstraram que o modelo e
estratégias da polícia tradicional necessitavam ser revistos.
Já a polícia comunitária, de acordo com o mesmo autor, amplia o
conceito original de polícia, passando a compreendê-la como parte dos
serviços públicos de atenção integral aos cidadãos. Nesta perspectiva, o papel
da polícia vai além da solução de crimes e sua eficiência avaliada pela
ausência de crime e desordem. Nesse modelo, as relações com a comunidade
são vistas como essenciais e serviço policial amigável nos contatos nas ruas.
Um modelo de polícia comunitária pode ser uma forma de enfretamento
à violência policial e aos abusos de autoridade, tendo em vista que, muitas
vezes ocorrem divergências entre a lei e a prática policial efetiva. De acordo
com Vasconcelos (2011), este descompasso ocorre muitas vezes em função
da atividade prática contrastar fortemente com o conhecimento adquirido nos
cursos formais da Academia de Polícia.
Nesse sentido, assim como o crime na sociedade pode ser
compreendido como abordado ao longo desta disciplina, como um sintoma de
desregulação social, a violência policial, a corrupção e os conflitos com a lei por
parte de membros de corporações podem ser compreendidos como
sintomáticos da necessidade de reorganização dos modelos de polícia e
policiamento.
Assim, é necessária a construção de um consenso acerca da função
social da polícia, passando de um modelo guiado pela manutenção repressiva
da ordem para um modelo de diálogo com a sociedade, baseado no respeito
aos direitos humanos (VASCONCELOS, 2011, p. 95). Ainda de acordo com o
autor, o policial foi instituído pela sociedade para ser o principal defensor dos
direitos humanos.
Entretanto, como apontam Minayo, Assis e Oliveira (2011), pode-se
afirmar que os policias também têm seus direitos fundamentais violados. Um
indício é que um aspecto corriqueiramente negligenciado é a saúde física e
mental dos policiais. De acordo com as autoras, mesmo no campo de
pesquisas sobre segurança pública, são raros os estudos que abordam o tema:

De modo geral, o sofrimento físico e mental é resultante do conjunto


de situações vivenciadas no cotidiano do trabalho. Nesse contexto,
identificamos fatores que associam problemas de condições e
organização ocupacional – entre eles, escasso treinamento e falta de

41
planejamento das atividades – com excessiva jornada de trabalho,
pouco tempo para descanso e lazer, precárias condições materiais e
técnicas e baixos salário (MINAYO, ASSIS e OLIVEIRA, 2011, p.
2206).

Ainda de acordo com as autoras, é importante compreender as


especificidades dos agravos à saúde dos policiais, destacando as condições de
maior vulnerabilidade desses profissionais em relação à população em geral,
sendo que fatores como os apresentados acima contribuem para elevadas
taxas de adoecimento.
Por fim, de acordo com Cubas (2010), o controle da polícia, interno e
externo é fundamental nas sociedades democráticas. O controle interno é
exercido pela linha de comando, bem como por órgãos específicos, como
corregedorias que fiscalizam a atividade policial. Já o controle externo, ou
seja, o controle civil reforça o trabalho dos administradores, atesta a
legitimidade da atuação policial e favorece uma atuação cidadã e focada na
promoção do bem-estar social. Nesse sentido, a Constituição de 1988 atribuiu
ao Ministério Público o papel de fiscalização das polícias brasileiras.
Ainda de acordo com Cubas (2010), é fundamental que em um Estado
democrático existam estratégias democráticas e populares de controle da
polícia e da Justiça.

No caso do controle da atividade policial, a relação hierárquica parece


não ser suficiente, uma vez que os próprios profissionais da
segurança afirmam que a hierarquia da instituição, mesmo quando
rigorosa, não torna indispensável o controle externo. Isso reforça a
importância do trabalho em rede, conforme destacado por alguns
autores. Considerando que os ouvidores não têm poder de sanção
em relação às ilegalidades apuradas, a proximidade com outras
agências como o Ministério Público, Defensorias Públicas, inclusive
com os próprios comandos das polícias, pode acelerar o acesso às
informações e processos, bem como favorecer o desenvolvimento de
programas em conjunto para o aperfeiçoamento das atividades dos
profissionais da segurança. (CUBAS, 2010, p. 93).

É importante destacar que o controle das instituições policiais depende


da transparência institucional, ou seja, a sociedade precisa ter acesso a
informações e conhecer a organização da instituição. Cabe destacar ainda que
o profissionalismo, a legalidade e a qualidade do trabalho policial preservam a
própria democracia.

42
A formulação e efetivação de políticas públicas de segurança são
fundamentais para a manutenção da ordem social. Nesse campo, destaca-se,
portanto, o Estado como agente promotor destas políticas.
As polícias integram o sistema de controle social e são agentes de
efetivação de politicas de segurança. Entretanto, historicamente no Brasil, as
instituições policiais são utilizadas prioritariamente em ações de repressão.
Como disto anteriormente, a busca pela diminuição da criminalidade demanda
ações integradas com vistas, à compreensão das causas e atuação na ampla
garantia de direitos.
Diante de um processo dinâmico e multicausal, as forças policias não
podem ser responsáveis sozinhas pela resolução da criminalidade. Além disso,
é preciso a reflexão sobre o modelo de polícia e policiamento, bem como da
garantia de direitos dos profissionais ligados à segurança pública.

Resumo da aula 4

Nesta aula destacamos que a sensação de insegurança da população e


o medo podem ser fruto da difusão de notícias, ou dados sobre a violência, de
forma exacerbada ou sensacionalista. Entretanto, a despeito de muitas vezes
ser desproporcional, o medo pode gerar a demanda da população por
estratégias de enfrentamento à violência.
Abordamos ainda que uma das teses para as altas taxas de
criminalidade seria a ocorrência de uma crise ética na sociedade. Tal crise
significa que os indivíduos não aderem aos valores, práticas e normas
previstas.
A outra tese apresentada aponta que o Estado Democrático de Direito
pressupõe um sistema de garantia de direitos e o respeito à dignidade da
pessoa humana. Entretanto, o Estado muitas vezes falha no cumprimento dos
direitos fundamentais garantidos nos instrumentos legais, resultando em
desigualdades, discriminação e marginalidade. Diante de tais situações, caso
os indivíduos não enxerguem razões ou vantagens em obedecer ao pacto
social, o crime e a violência podem ocorrer.

43
A respeito disso, o enfretamento à criminalidade e à violência é feito por
meio de políticas públicas de repressão do crime e não com políticas públicas
que ataquem as suas causas, ou seja, que promovam os direitos fundamentais.
Nesse contexto, ganha importância a polícia e sua ação. Entretanto as
formas de organização e atuação das polícias variam de acordo com o país.
Além disso, existem diferentes visões sobre a polícia, sua função, formas de
atuação, de avaliação e monitoramento de sua eficiência.

Atividade de Aprendizagem
Com base nas informações apresentadas ao longo desta
aula, explique as principais características do modelo de
polícia tradicional e do modelo de polícia comunitária.

44
Resumo da disciplina

Nesta disciplina buscou-se compreender o crime e a violência como


fenômenos sociais e sociológicos e, desse modo, compreender suas
ocorrências nas sociedades contemporâneas, em especial a brasileira, bem
como as principais análises e contribuições que a Sociologia oferece para o
entendimento destes fenômenos.
Na primeira aula foi destacado o fato de o ser humano ser social, ou
seja, que necessita da convivência com seus semelhantes para seu
desenvolvimento. Destacou-se ainda que o processo de transmissão do
conhecimento é um aspecto fundamental que distingue os seres humanos dos
demais animais, na medida em que os seres humanos produzem, acumulam e
transmitem conhecimentos. Assim, o conjunto de conhecimentos, percepções,
visões de mundo compõem o que chamamos de cultura.
A cultura, por sua vez, caracteriza-se como um processo de coerção,
sendo assim, é uma forma de “imposição” de valores e práticas, na medida em
que as práticas culturais, com seu uso, passam a fazer parte do cotidiano e
influenciam os comportamentos coletivos. Tais práticas, com o tempo, geram
regras que orientam a convivência social.
Apontamos ainda que na vida em sociedade as vontades individuais são
limitadas pelo coletivo, e regras sociais são criadas e aceitas com base na
compreensão da necessidade de organizar as relações sociais.
Nesse sentido, o controle social é um processo de regulação social, bem
como um dos meios pelos quais a sociedade induz submissão aos padrões
estabelecidos. Como visto na primeira aula, o processo civilizador teve como
característica o controle dos instintos, afetos e sentimentos dos indivíduos e a
incorporação de regras de comportamento e civilidade. Com a pacificação da
conduta, os atos associados à violência passaram a ser regulados e
repudiados. Com a consolidação do Estado Moderno, este passa a deter o
monopólio da força.
Na segunda aula destacou-se que a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa geram novos conflitos e problemas sociais que demandavam uma
explicação. Objetivando compreender estes fenômenos sociais surge a
Sociologia. Os teóricos clássicos da Sociologia Émile Durkheim, Karl Marx e

45
Max Weber possuem importantes contribuições para a compreensão da
violência e do crime.
Como apontado, para Durkheim, o crime pode ser compreendido como
uma ação que vai contra as normas estabelecidas, então, contra a consciência
coletiva. Mais do que isso, o crime, para Durkheim, é normal e tem uma função
social, na medida em que a punição reforça a consciência coletiva. Entretanto,
se a taxa de criminalidade aumenta ou assume proporções que comprometem
a vida social, isso indicaria que a sociedade está em estado de anomia. Para o
autor, o crime, portanto, não é causa da desintegração social, mas reflexo dela,
sendo que altas taxas de criminalidade indicam que existem falhas nas regras
de conduta ou nos valores morais. Por outro lado, podem apontar que as
instituições que regulamentam o combate ao crime estão falhando.
Max Weber, por sua vez, embora não tenha tomado o crime e a
violência como objeto direito de suas obras, analisou o Direito e seu papel nas
sociedades modernas. O autor considera que o Direito consolida orientações e
parâmetros racionais a serem aplicados nas relações sociais, atuando como
um mecanismo de controle. Por fim, para Karl Marx, a violência e a exploração
são características estruturais do capitalismo. Para o teórico alemão, este
sistema estaria pautado na propriedade privada dos meios de produção e na
exploração dos trabalhadores. Além disso, tal sistema geraria, de acordo com
os autores, desigualdades, miséria e exploração dos mais pobres. Nesse
sentido, na perspectiva marxista, o crime pode ser compreendido como fruto
das condições da sociedade de classes.
Na terceira aula foram abordados diferentes usos da violência ao longo
da história do Brasil, demostrando que a violência é um fenômeno social
presente em diversos contextos da história brasileira, da colonização à
Ditadura Militar. Embora as formas, meios e agentes se alteram ao longo dos
diferentes períodos, a violência é onipresente na História do Brasil. Assim
mesmo com a redemocratização e a Constituição de 1988 que lançou novos
paradigmas para as relações sociais e políticas no Brasil, muitas mazelas
geradas pelo violento processo histórico permanecessem e constituem
desafios para a democracia brasileira.
Apontou-se ainda que, em 2018, o Brasil contava com aproximadamente
602 mil pessoas privadas de liberdade, sendo que homens representam 95%

46
deste total. Quanto à faixa etária, 53,91% eram jovens com idade entre 18 e 29
anos, sendo que 54,96% negros. Quanto à tipificação penal, 27,58% das
pessoas privadas de liberdade no Brasil respondem por roubo, cerca de
24,74% respondem por tráfico de drogas e 11,27% respondem por homicídio.
Por fim, na quarta aula destacou-se que a sensação de insegurança da
população e o medo podem ser explicadas pela difusão de notícias, ou dados
sobre a violência, de forma exacerbada ou sensacionalista. Destacou-se ainda
que a nação brasileira se enquadra na categoria do Estado Democrático de
Direito, caracterizado pela soberania popular, pela democracia representativa e
participativa e por sistemas de garantia de direitos. Nesse sentido, no Estado
Democrático de Direito, as leis são criadas pelo povo, para o povo e
respeitando a dignidade da pessoa humana.
Entretanto, como destacou-se, falhas no cumprimento dos direitos
fundamentais garantidos nos instrumentos legais resultam em desigualdades,
discriminação e marginalidade. A situação de violações de direitos e
ineficiência das instituições, por sua vez, podem fomentar a violência e a
criminalidade.
O aumento da sensação de medo e insegurança e das taxas de
criminalidade geram a demanda pela ação da polícia que, conforme destacado
anteriormente, pode ser definida como o grupo de pessoas autorizadas pelo
Estado para regular as relações interpessoais dentro de uma comunidade por
meio da aplicação da força física.
Entretanto, assim como o crime na sociedade pode ser compreendido
como abordado ao longo desta disciplina, como um sintoma de desregulação
social, a violência policial, a corrupção e os conflitos com a lei por partes de
membros de corporações podem ser compreendidos como sintomáticos da
necessidade de reorganização dos modelos de polícia e policiamento, tendo
em vista que, como apontado, os policiais, muitas vezes, também têm seus
direitos fundamentais violados.

47
Índice Remissivo

A criminologia e as concepções do crime ......................................................... 19


(Conceito; Efeitos; Social)

A violência na história do Brasil ........................................................................ 29


(Controle; Cultural; Violento)

As concepções sociológicas clássicas sobre conflitos, crimes e violência ....... 21


(Convívio; Criminal; Início)

As transformações sociais na Europa e a consolidação da ciência social ....... 17


(Conflito; Cultura; Revolução)

Controle social, Estado e instituições sociais ................................................... 12


(Agressivo; Convivência; Padrões)

Crime e violência, aspectos conceituais ........................................................... 27


(Análise; Intencional; Legitimidade)

Crime, violência e o Estado Democrático de Direito ......................................... 37


(Praticas; Previsto; Valores)

Cultura e controle social ................................................................................... 08


(Conhecer; Convívio; Real)

Estado, Direito político: perspectivas sobre segurança pública ........................ 36


(Compreende; Esperança; Influencia)

O crime como problema social e sociológico .................................................... 17


(Bases Teóricas; Contesto; Violência)

O crime no Brasil contemporâneo .................................................................... 31


(Criminalidade; Histórico; Violência)

Polícia e novas perspectivas sobre segurança pública .................................... 40


(Atuação; Espera; Organização)
Sociedade, cultura e controle social ................................................................. 08
(Conflitos; Desenvolver; Social)

Uma arqueologia do crime e da violência na sociedade brasileira ................... 26


(Dinâmico; Perspectiva; Violento)

Violência, medo e repressão ............................................................................ 36


(Fenômenos; Social; Utopia)

48
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