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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

HEMYLSON PORTO DE SOUZA

A REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE URBANO, COM


ÊNFASE NO TRANSPORTE PRIVADO INDIVIDUAL

SEROPÉDICA
2019
HEMYLSON PORTO DE SOUZA

A REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE URBANO, COM


ÊNFASE NO TRANSPORTE PRIVADO INDIVIDUAL

Monografia apresentada ao Instituto de


Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) para obtenção do Título de Bacharel
em Direito.

Orientador: Emerson Affonso da Costa Moura

SEROPÉDICA
2019
AGRADECIMENTOS

Desde junho de 2006, eu tenho tanto a agradecer a minha querida Universidade


Federal Rural do Rio de Janeiro, quando iniciei a primeira graduação no curso de
Agronomia. Antes mesmo de me formar e adquirir o título de engenheiro agrônomo, no
ano de 2011, iniciei o exercício no cargo de técnico de laboratório em janeiro de 2010, na
área de Fitopatologia/ ICBS/UFRRJ/Campus Seropédica, após aprovação em concurso
público. Desde então, venho atuando como servidor público da UFRRJ, quando, em 2014,
decidi prestar novamente o Exame Nacional do Ensino Médio, mas, dessa vez, para o
Curso de Graduação em Direito. Mais uma vez, a Rural me proporcionou a oportunidade
de aprender e me desenvolver como pessoa. Hoje, ao me aproximar do fim de mais uma
importante etapa da minha vida, faltando pouco para a aquisição do título de bacharel em
Direito, não me falta gratidão por tudo que esta grande instituição tem me proporcionado,
há mais de 13 anos, desde o aprendizado que obtive nas duas graduação e no exercício da
carreira pública, até o cotidiano maravilhoso em seu belíssimo Campus. Muito obrigado,
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO!
Não posso deixar de agradecer também ao professor João Pedro Pimentel, da área
de Fitopatologia/ ICBS/UFRRJ/Campus Seropédica, na qual trabalho como servidor. Em
um momento decisivo da minha vida, entre o fim da primeira e o início da minha segunda
graduação, quando ainda não havia nenhuma certeza da minha parte quanto a ideia de
iniciar mais um curso universitário, o professor Pimentel me incentivou a encarar essa
empreitada. Hoje, tendo em vista a imensa afinidade que tenho pela Ciência Jurídica,
devo agradecê-lo pelas valiosas dicas.
Quero também agradecer à minha mãe, Valéria Alves Porto, ao meu pai José
Geraldo de Souza, à minha avó Maria Veras Porto, e ao meu irmão Emerson Porto de
Souza, por sempre me apoiarem incondicionalmente em relação a todos os caminhos que
escolhi seguir até hoje.
Meus agradecimentos também vão, especialmente, para o professor Emerson
Affonso da Costa Moura, que além de ter sido meu orientador no ano de 2018, no qual
exerci a função de monitor em Direito Administrativo, também me ajudou muito como
orientador deste Trabalho de Conclusão de Curso. Suas orientações foram fundamentais
para a adequada condução deste trabalho. Sob sua orientação também participei de grupos
de estudos e pude escrever e apresentar trabalhos acadêmicos, o que auxiliou
consideravelmente no meu desenvolvimento técnico, tendo em vista o brilhantismo de
sua cátedra.
Agradeço, também, especialmente, aos professores Alexandre Mendes e Fernando
Bentes por aceitarem cordialmente compor a banca examinadora deste Trabalho de
Conclusão de Curso. Seus ensinamentos e orientações certamente contribuirão para o
engrandecimento do meu trabalho.
Minha imensa gratidão também vai para cada um dos professores que estiveram
comigo nesta jornada. Sem vocês não haveria Universidade. Sem vocês não passariam as
minhas dúvidas. Sem vocês não existiriam valiosos feedbacks. Não haveria
compartilhamento de experiências. Muito obrigado, mesmo, a cada um de vocês! Foi um
grande prazer fazer parte do belíssimo trabalho desenvolvido nas salas de aula da UFRRJ!
Pela experiência marcante que pude vivenciar neste décimo período, também
agradeço à professora Tatiana Cotta Gonçalves Pereira, que me orientou no
desenvolvimento do trabalho de extensão realizado em Jardim Marajoara, Japeri-RJ, em
nome do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup) Marli Coragem, da UFRRJ.
E como não poderia deixar de ser, gostaria de fechar estes agradecimentos
expressando o meu carinho pelos meus amigos e amigas que seguiram comigo, durante
estes cinco anos, enfrentando momentos difíceis, mas aproveitando todas as alegrias que
só a Rural pode oferecer! A faculdade de Direito está acabando, mas a nossa carreira
jurídica só está começando! Contem sempre comigo! Muito obrigado a todos vocês!
“A economia da regulação deve lançar luzes para orientar a
atuação regulatória do Estado no sentido da maximização de
objetivos socialmente desejáveis, mas também para revelar a
obsolescência e a ineficiência de seu sistema de incentivos
quando ele for superado em decorrência de inovações
tecnológicas e gerenciais, que se revelem aptas a gerar níveis mais
elevados de concorrência, eficiência e bem-estar para os
consumidores.” (GUSTAVO BINENBOJM, 2016, p. 226)
RESUMO

No presente trabalho, buscou-se esclarecer e analisar os graus juridicamente possíveis de


intervenção estatal regulatória sobre o setor de transporte urbano individual, tendo em
vista o novo panorama que vem se configurando a partir do advento da Uber e similares.
Foram examinadas, sobretudo, as variáveis regulatórias acerca do equilíbrio de mercado
no setor em tela (perspectiva do consumidor e da defesa da concorrência); e a regulação
do serviço na perspectiva do equilíbrio urbano (mobilidade urbana, acessibilidade, uso e
ocupação do solo, e meio ambiente). Os parâmetros jurídicos-dogmáticos empregados na
análise foram as normas constitucionais referentes à repartição de competências
federativas, e princípios, valores e direitos fundamentais, aplicáveis à regulação dos
transportes urbanos; e as leis federais nº 12.587/2012 e n° 10.233/2001, ambas
regulamentadoras do setor de transportes. Além de esclarecer várias nuances acerca da
regulação da atividade em tela, a realização do presente trabalho permitiu delimitar
tecnicamente a distinção entre o regime jurídico dos serviços táxi e o da Uber, além de
indicar limites claros à regulação restritiva a cargo dos municípios sobre os estes novos
serviços.

Palavras-chave: Uber; Táxi; Transporte Urbano; Intervenção Regulatória; Regulação


Econômica; Mobilidade Urbana; Regulação Municipal.
ABSTRACT

In the present work, we sought to clarify and analyze the legally possible degrees of
regulatory state intervention on the individual urban transport sector, in view of the new
panorama that has been shaped since the advent of Uber and the like. Above all, the
regulatory variables on market equilibrium in the sector in question (consumer
perspective and competition defense) were examined; and service regulation from the
perspective of urban balance (urban mobility, accessibility, land use and occupation, and
environment). The juridical-dogmatic parameters employed in the analysis were the
constitutional norms referring to the division of federative competences, and principles,
values and fundamental rights, applicable to the regulation of urban transport; and federal
laws No. 12,587 / 2012 and No. 10,233 / 2001, both regulating the transportation sector.
In addition to clarifying various nuances about the regulation of the activity in question,
the realization of the present work made it possible to technically delimit the distinction
between the legal regime of taxi services and that of Uber, as well as to indicate clear
limits to the restrictive regulation by the municipalities over them new services.

Keywords: Uber. Taxi; Urban transport; Regulatory Intervention; Economic Regulation;


Urban mobility; Municipal regulation.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11
CAPÍTULO 1. REGIME JURÍDICO CONSTITUCIONAL DOS TRANSPORTES ... 18
1. Transportes Urbanos ............................................................................................... 18
2. Transportes urbanos na distribuição de competências constitucionais .................. 20
2.1. competência legislativa concorrente nos transportes urbanos ......................... 25
3. Transporte urbano x transporte rural ...................................................................... 27
4. Os transportes urbanos intermunicipais nas regiões metropolitanas ...................... 30
5. Política Nacional de Transporte e Política Nacional de Mobilidade Urbana ......... 33
6. Transportes não urbanos ......................................................................................... 39
4.1. Transportes terrestres não urbanos .................................................................. 41
4.2. Transportes aquáticos ...................................................................................... 41
4.2. Transportes aéreos ........................................................................................... 43
CAPÍTULO 2. NÍVEIS DE INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE A ECONOMIA ... 45
1. Considerações iniciais ............................................................................................ 45
2. A definição do conceito de serviços públicos em face das outras atividades estatais
.................................................................................................................................... 49
3. Serviços públicos econômicos x atividades econômicas stricto sensu ................... 52
4. Atividades econômicas stricto sensu monopolizadas pelo Estado ......................... 55
5. Enquadramento legal das atividades concretas nas diferentes categorias .............. 57
6. Intervenção estatal sobre as atividades econômicas stricto sensu .......................... 60
6.1. A livre iniciativa como direito fundamental .................................................... 61
6.2 O núcleo essencial da livre iniciativa como limite à regulação ........................ 63
6.4. Autorizações administrativas ........................................................................... 67
CAPÍTULO 3. REGULAÇÃO DOS TRANSPORTES URBANOS, COM ÊNFASE NO
TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS ................................................... 72
1. Considerações iniciais ............................................................................................ 72
2. Classificação dos transportes urbanos segundo a Lei nº 12.587/2012 ................... 72
2.1. Transporte urbano de passageiros.................................................................... 74
2.1.1. Transporte coletivo de passageiros ............................................................... 76
2.1.1.1. Transporte público coletivo ....................................................................... 76
2.1.1.2. Transporte privado coletivo ....................................................................... 77
2.1.2. Transporte individual de passageiros ........................................................... 78
2.1.2.1. Transporte público individual.................................................................... 79
2.1.2.2. Transporte privado individual ................................................................... 80
3. Regime jurídico do transporte urbano individual ................................................... 82
3.1. Competência federativa para a definição do transporte individual como sendo
serviço público ou atividade econômica stricto sensu ............................................ 82
3.2. Regimes jurídicos do transporte urbano individual: Táxi x Uber ................... 85
3.3. Regulação interfederativa em regiões metropolitanas ..................................... 88
3.4. Cobrança por parte dos Municípios pelo uso do sistema viário urbano .......... 89
4. Diretrizes regulatórias do setor de transportes aplicáveis ao transporte individual
do modelo Uber .......................................................................................................... 90
4.1. O direito fundamental ao transporte ................................................................ 91
4.2. Regulação do transporte individual na perspectiva do equilíbrio urbano e
ambiental ................................................................................................................ 94
4.2.1. Possíveis impactos do transporte individual sobre o sprawl urbano ............ 95
4.2.2. Impactos sobre o tráfego urbano e sobre a emissão de gases poluentes....... 96
4.2.3. Possíveis vantagens dos novos serviços de transporte individual para o
equilíbrio urbano .................................................................................................... 99
4.3. Regulação do transporte individual com fundamento no equilíbrio de mercado
.............................................................................................................................. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 106
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 108
11

INTRODUÇÃO

De acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


(PNAD 2015), realizada pelo IBGE, a população urbana brasileira atingiu o patamar de
84,72%, ante os 15,28% referentes aos habitantes de zonas rurais1. Para se ter uma ideia,
em 1960, a proporção da população urbana no Brasil era de 44,7%2, o que revela a
magnitude do processo de êxodo rural vivenciado no país, sobretudo, a partir da segunda
metade do século XX. Marcado pela insuficiência do planejamento urbanístico estatal, o
modo pelo qual este fenômeno demográfico vem se desenvolvendo tem intensificado os
problemas das grandes cidades brasileiras. Cite-se, como exemplo notório, a ocupação
desordenada do solo urbano, associada à carência de serviços básicos, como saneamento
básico e destinação adequada de resíduos e rejeitos sólidos, gerando um elevado passivo
socioambiental.
Além disso, outra situação que tem sido uma das principais marcas negativas das
grandes cidades, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, são os problemas no setor de
transportes e mobilidade urbana. O crescimento urbano desordenado tem se tornado um
grande desafio para os planejadores do sistema viário e de transportes das grandes
cidades. Especialmente em países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, a
insuficiência dos investimentos nos transportes públicos coletivos, associada a políticas
econômicas de incentivo à indústria automobilística de carros, tem favorecido o
crescimento do uso do transporte individual no cotidiano dos citadinos3. Este tipo de
panorama tem sido decisivo para o aprofundamento da notória crise da mobilidade urbana

1
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Educa. Conheça o Brasil –
População: População rural e urbana. Disponível em <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-
brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html>. Acesso em 28/11/2019.
2
SIMÕES, Celso Cardoso Silva. Breve histórico do processo demográfico. In: FIGUEIREDO, Adma
Hamam (org.). Brasil: Uma visão geográfica e ambiental no início do século XXI. IBGE, Coordenação de
Geografia, Rio de Janeiro, 2016, p. 42.
3
A propósito, em 2015, foi concluída uma auditoria pelo Tribunal de Contas da União, que tinha por
objetivo avaliar a governança da Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU (instituída pela Lei nº
12.587/2012) nas cidades brasileiras por parte dos órgãos executivos da União. Neste sentido, os trabalhos
puderam identificar o seguinte panorama: “(1) Metas e indicadores incapazes de avaliar e medir o
progresso e alcance dos objetivos; (2) Objetivos e diretrizes da PNMU desconsiderados na seleção das
propostas de investimentos em mobilidade urbana; (3) Fragilidade na cooperação entre os entes federados
para a implementação da PNMU; (4) Falta de priorização dos modos de transporte não motorizados e dos
serviços de transporte público coletivo.” TRIBUNAL DE CONTAS D UNIÃO, Acórdão nº 2.430/2015-
TCU-Plenário; Data da sessão: 30/9/2015; Relator Ministro Augusto Nardes; TC: 020.745/2014-1.
Disponível em https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/politica-nacional-de-mobilidade-urbana.htm.
Acesso em: 16/09/2019. Nota-se, desse modo, a dificuldade do Poder Público em administrar a PNMU, a
qual foi instituída por lei federal no anterior ao das manifestações.
12

vivenciada por muitas cidades brasileiras, marcada pelos longos congestionamentos,


sobretudo em horários comerciais, gerando perda de produtividade econômica, redução
do tempo de lazer da população, e aumento da emissão de gases poluentes na atmosfera.
Não obstante, apesar da crise dos transportes ser frequentemente concebida dentro
desta perspectiva, há ainda outro grave passivo que merece a mesma atenção: o déficit
de acessibilidade, enfrentado todos os dias, sobretudo, pela faixa mais carente da
população. Mas qual seria a diferença entre mobilidade e acessibilidade?
A Lei federal nº 12.587/2012, que regula, em termos gerais, os transportes
urbanos, deixa clara a distinção dos dois termos:

“Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:


(...)
II - mobilidade urbana: condição em que se realizam os
deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano;

III - acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que


possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados,
respeitando-se a legislação em vigor;
(...)” (grifo acrescido)

Percebe-se que a mobilidade urbana está mais associada ao modo pelo qual se
desenvolve os deslocamentos de pessoas ou cargas, geralmente considerando-se aspectos
de qualidade, como o conforto nos veículos, qualidade das vias, segurança, e, sobretudo,
o tempo de deslocamento. Já a acessibilidade refere-se principalmente à autonomia das
pessoas em se deslocar para os destinos desejados, exigindo-se, para isso, a
disponibilidade de diferentes modos de transportes, sua integração, e a facilidade de
acesso a cada um deles.
Em grande parte das vezes, e com razão, o tema da acessibilidade é tratado com
especial atenção às pessoas portadoras de deficiência física. Não obstante, o conceito é
ainda mais amplo, aplicando-se a qualquer pessoa, no exercício do seu direito de ir e vir
(art. 5º, XV, da CRFB)4, que nos dias atuais, depende muito do acesso aos serviços de
transporte urbano.

4
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território nacional em
13

Deste modo, fica claro que a crise da mobilidade urbana, há pouco mencionada,
relaciona-se mais diretamente aos problemas de “imobilidade” causados, sobretudo,
pelos longos congestionamentos vivenciados nas grandes cidades. Já o problema na
acessibilidade refere-se à carência de alternativas de modos de transporte que se adequem
melhor às necessidades de cada pessoa, comprometendo-se, assim, a autonomia no
exercício da liberdade de locomoção.
Este discernimento introdutório é imprescindível para uma compressão mais
realista acerca dos principais problemas associados ao setor dos transportes urbanos,
sobretudo após advento da nova modalidade de negócios para a exploração do
transporte individual.
Trata-se dos serviços mediados por empresas do ramo da tecnologia, a exemplo da
Uber, da 99, e da Cabify. O nicho de mercado que, até então, era operado exclusivamente
pelo serviço de táxi, agora passa a ser explorado mediante um regime de pareceria entre
estas empresas e motoristas autônomos. Apenas usuários e motoristas previamente
cadastrados nas plataformas digitais das empresas (mediadas por aplicativos de
smartphones) podem participar do serviço.
A rápida expansão desta atividade, iniciada no Brasil em 2014, gerou a resistência
dos operadores de táxis, que alegaram se tratar de concorrência desleal, pressionando os
governantes de algumas cidades a proibirem a atividade. A Uber e as outras empresas do
ramo, por outro lado, aduziram argumentos baseados no princípio da livre iniciativa
contra a ação hostil de alguns governos, o que levou a questão para apreciação do
Supremo Tribunal Federal5. Por fim, antes mesmo da decisão do STF, tendo em vista a
insegurança jurídica que se instaurou na seara do transporte urbano individual, o
Congresso Nacional, em 2018, editou a Lei nº 13.360/2018, que alterou a Lei nº
12.587/2012 (Lei da Mobilidade Urbana), regulamentando os serviços do tipo Uber.
Sendo assim, é fato que hoje estes novos serviços já são uma realidade no Brasil.
Segundo informações fornecidas pela Uber, por exemplo, a empresa opera em mais de
100 cidades brasileiras, com mais de 600 mil motoristas parceiros e mais de 22 milhões

tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
bens;” (grifo acrescido)
5
Em maio de 2019, o STF decidiu pela constitucionalidade dos serviços do tipo UBER. “A proibição ou
restrição do transporte individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional em razão da
violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. (...) No exercício de sua competência
para a regulamentação e fiscalização no transporte privado individual de passageiros, os municípios e os
distritos federais não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador Federal”. RE 1.054.110 e
ADPF 449.
14

de usuários, chegando-se, até o momento, a totalizar mais de 2,6 bilhões de viagens e


mais de 17 bilhões de km percorridos pelas cidades do país 6. A magnitude que esta
expansão vem atingindo em tão pouco tempo (5 anos) revela a o tamanho da demanda (e
da carência de serviços) que havia no setor.
Isto posto, não resta dúvida de que este novo tipo de serviço mexeu com mercado
de transporte individual, tendo os táxis que passar a conviver com a Uber e similares,
considerando-se, inclusive, que a própria Lei da Mobilidade Urbana passou a prever os
dois regimes jurídicos. Não obstante, resta ainda vivo o debate acerca de como (e até que
ponto) o Direito Positivo vai (ou deve) regular o setor de transporte urbano individual,
dada a nova conjuntura que vem se configurando. A principal mudança, tanto em termos
econômicos, quanto em termos de regime jurídico, foi a quebra da reserva de mercado
dos táxis, passando o setor a operar sob o princípio da livre iniciativa e livre
concorrência7. Mesmo que a restrição de entrada de novos taxistas permaneça, por se
tratar do mesmo nicho de mercado que a Uber e similares exploram, em última análise,
sobre este setor passou a viger a livre concorrência (art. 170, IV, da CRFB).
Diante deste cenário, muitas questões acerca da regulação do setor em tela
começam a se apresentar: quais são os possíveis impactos da expansão deste setor sobre
o equilíbrio urbano e sobre o meio ambiente? Quais são os possíveis impactos sobre a
mobilidade urbana8? E no que se refere à acessibilidade9? E na perspectiva da defesa do
consumidor e da concorrência, que tipo de implicações o Poder Público deverá
considerar? Por certo, cada implicação a ser considerada poderá ser positiva e/ou
negativa.
Trata-se de questões de grande relevância, mas que, a princípio, a missão de
respondê-las cabe a ciências como a Economia, a Engenharia, o Urbanismo, as Ciências
Sociais, e a Geografia, dentre outros ramos do conhecimento.

6
UBER BRASIL. Newsroom. Uber completa 5 anos de Brasil com 2,6 bilhões de viagens realizadas.
17/07/2019. Disponível em <https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/uber-completa-5-anos-de-brasil-
com-26-bilhoes-de-viagens-realizadas/>. Acesso em 28/11/2019. A matéria ainda traz outros dados
interessantes: “Usuários já pagaram mais de 35 milhões de reais em valores extras aos motoristas parceiros,
como forma de reconhecer um bom serviço; (...) Sexta-feira, às 19h, é o período em que mais acontecem
viagens em todo o país;”
7
Abre-se o setor à livre concorrência, tanto para a entrada de novos motoristas, quanto para a entrada de
novas empresas mediadoras, como a Uber.
8
Conforme será analisado nos capítulos adiante, o ordenamento jurídico aplicável ao setor de transportes
tem como uma de suas diretrizes regulatórias, o estímulo a redução do uso do transporte individual nas
grandes cidades.
9
Por outro lado, também existem diretrizes previstas nas leis que orientam a intervenção regulatória no
sentido de garantir maior autonomia de escolha de modos de transporte para as pessoas, mediante a
disponibilização de alternativa de serviços.
15

À Ciência Jurídica, por outro lado, cabe reflexões acerca de cada uma destas
questões centrais, mas não com o intuito de encontrar respostas definitivas. A questão,
por exemplo, referente aos impactos negativos e positivos da Uber e similares sobre o
equilíbrio urbano deverá ser respondida com base em estudos empíricos a cargo das outras
ciências. Ocorre que a regulação jurídica das atividades econômicas nem sempre pode
aguardar pelos esclarecimentos que a pesquisa científica possa oferecer, haja vista o
dinamismo das transformações socioeconômicas. E não é só isso. Ainda que seja
desejável o respaldo científico para a tomada de decisão política no processo legislativo,
inclusive no âmbito da regulação setorial do domínio econômico, nem sempre a Política
e a Ciência caminham juntas. Mas é fato que o ordenamento jurídico vigente, e,
principalmente, a Constituição Federal de 1988, impõem limites em relação aos graus e
aos modos de intervenção regulatória do Estado sobre o domínio econômico.
Sendo assim, cabe à Ciência Jurídica esclarecer e analisar os limites e níveis
possíveis de ingerência regulatória permitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro,
sobretudo considerando-se a sistemática, os princípios, os valores e os direitos
fundamentais que a Constituição Federal fez incidir sobre cada atividade econômica.
Por meio desta abordagem jurídico-dogmática, propõe-se, no presente trabalho, uma
análise dos limites e diretrizes regulatórios referentes ao setor de transporte urbano
individual, tendo em vista o novo panorama que vem se configurando a partir do advento
da Uber e similares. Serão examinadas, sobretudo, as variáveis regulatórias acerca do
equilíbrio de mercado no setor em tela (perspectiva do consumidor e da defesa da
concorrência); e a regulação do serviço na perspectiva do equilíbrio urbano (mobilidade
urbana, acessibilidade, uso e ocupação do solo, e meio ambiente). De modo a cumprir
tal proposta, a abordagem do tema está dividida em três capítulos.
No capítulo 1, o objetivo central será o de situar e especificar o transporte urbano
a partir de um contexto mais amplo dos transportes em geral, que englobam tantos os
transportes urbanos, como os de percurso mais amplo (intermunicipal, interestadual e
internacional). Neste ponto, entende-se adequado que se inicie a reflexão sob a
perspectiva da Constituição Federal de 1988, analisando a repartição de competências
federativas na matéria, além de outras disposições constitucionais aplicáveis. Em seguida,
após a caracterização do regime jurídico-constitucional dos transportes urbanos, o
capítulo trará uma visão panorâmica do sistema nacional de transporte, permitindo situar
os transportes urbanos neste contexto, bem como visualizar a sua relação com outras
modalidades apresentadas (transportes não urbanos).
16

O Capítulo 2, a seu turno, tem como tema central o estudo conceitual, sob a
perspectiva jurídico-dogmática, dos diferentes níveis de intervenção do Estado sobre o
domínio econômico. Primeiramente, serão tratados os diferentes modelos de Estado, com
base nesta gradação interventiva. Em seguida, a abordagem buscará delimitar as
atividades econômicas com reserva de titularidade estatal (inclusive os serviços públicos)
e aquelas cujo exercício é baseado na livre iniciativa (atividade econômica em sentido
estrito), tratando-se de esclarecer o sentido adotado neste trabalho para o conceito de
serviços públicos, haja vista a falta de consenso da doutrina acerca desta terminologia.
Por fim, as atenções serão voltadas para as atividades econômicas stricto sensu,
analisando-se os mecanismos regulatórios previstos no ordenamento jurídico brasileiro,
especialmente as autorizações de funcionamento. A delimitação conceitual das categorias
estudadas neste capítulo mostra-se indispensável para a qualidade técnica da análise sobre
a regulação de qualquer setor da economia.
Por derradeiro, no Capítulo 3, busca-se realizar o objetivo principal do presente
trabalho: o estudo sobre a regulação do setor de transporte urbano individual. Não entanto,
é necessária a delimitação desta modalidade específica dentre outros tipos de transporte
urbano previstos na Lei nº 12.587/2012 (transporte de cargas, transporte coletivo público
e privado, etc.). Feito isto, o transporte individual passará a ser o foco de análise,
iniciando-se pela distinção do regime jurídico do serviço de táxi e o da Uber e similares.
Em seguida, a regulação destes últimos será examinada com base nas diretrizes acerca do
equilíbrio urbano, e depois com base nas diretrizes do equilíbrio de mercado, conforme
mencionado há pouco.
A metodologia utilizada foi baseada no método dedutivo, partindo-se de bases
gerais (doutrinárias, pesquisadas na literatura jurídica; jurisprudência; normas jurídicas;
dados estatísticos oficiais; e matérias jornalísticas), para o enquadramento teórico-
jurídico das categorias específicas (o transporte urbano individual, especialmente o
serviço Uber e similares). A literatura adotada é composta por livros doutrinários de
autores nacionais, sobretudo nos ramos do Direito Administrativo, Constitucional,
Econômico e Urbanístico; e também por artigos científicos obtidos em revistas
especializadas do ramo jurídico e econômico, na maioria dos casos, com no máximo 5
anos de publicação. A pesquisa bibliográfica teve como foco principal a doutrina e as
normas jurídicas, utilizando-se muito pouco a jurisprudência (utilizou-se, algumas poucas
vezes, a página de pesquisa jurisprudencial do sítio eletrônico do Supremo Tribunal
17

Federal, com base no período a partir de 2014, quando a Uber iniciou suas operações no
Brasil).
18

CAPÍTULO 1. REGIME JURÍDICO CONSTITUCIONAL DOS TRANSPORTES

1. Transportes Urbanos

Conforme já apontado na Introdução, não se pretende neste trabalho discutir


detalhadamente os transportes em todos os seus aspectos e modalidades possíveis, dado
que tal pretensão excederia em muito o escopo de um trabalho de conclusão de curso de
graduação. Desse modo, considerando a extensão que o tema pode alcançar, optou-se por
dar ênfase ao transporte urbano de passageiros e os aspectos gerias de suas
subcategorias10, e, de modo mais detalhado, os serviços de transporte oferecidos por
empresas como a Uber11.
Neste momento inicial, porém, o que se propõe é uma tentativa de caracterização
dos transportes urbanos, como categoria específica de transporte, partindo-se das
disposições constitucionais acerca do setor de transportes em geral, sobretudo em relação
à repartição de competências entre os entes federados neste setor.
Antes, porém, é preciso ressaltar que as “categorias” a que este trabalho se refere
não são necessariamente decorrentes de classificações consagradas pela doutrina
tradicional, ou pelo direito positivo12. O que se pretende com a classificação proposta é
facilitar o entendimento sobre o objeto em análise, de modo que fiquem bastante claros
os fenômenos materiais e jurídicos sobre os quais serão feitas constantes referências ao
longo deste trabalho. Anote-se, inclusive, que há doutrinadores que advogam em favor
desta liberdade metodológica, a fim de que se realize análises mais produtivas no âmbito
da ciência jurídica:

“As classificações não são nem verdadeiras nem falsas, são funcionais ou
inúteis; suas vantagens ou desvantagens dependem do interesse que guia quem
as formula, e a sua fecundidade para apresentar uma área de conhecimento
de maneira mais facilmente compreensível ou mais rica das consequências
práticas desejadas pelo autor que as elabora. Sempre há múltiplas maneiras
de agrupar ou classificar um campo de relações ou de fenômenos; o critério

10
Assunto a ser trabalhado no próximo capítulo.
11
Tema a ser trabalhado no terceiro capítulo.
12
Não obstante, busca-se neste trabalho caracterizá-las em conformidade com o ordenamento jurídico.
19

para se decidir por uma delas é dado apenas por critérios de conveniência
científica, didática ou prática”.”13

Sendo assim, propõe-se, a partir destes pressupostos, a divisão do setor dos


transportes em duas categorias distintas: os transportes urbanos e os transportes não
urbanos. Logo adiante, a análise sobre as competências dos entes federados no setor em
estudo demonstrará esta distinção. Não obstante, deve-se deixar consignado neste
momento que a Constituição da República Federativa do Brasil prevê: normas que se
aplicam especificamente aos transporte urbanos; normas que se aplicam
especificamente aos transportes não urbanos (intermunicipal, interestadual e
internacional); e as normas que se aplicam a ambas categorias indistintamente, ou seja,
as que se referem à categoria genérica aqui denominada como “transportes em geral”.
Usualmente, os trabalhos teóricos que tratam de classificações costumam iniciar a
sua abordagem pelas categorias genéricas, para prosseguir, logo após, pela discussão
acerca das categorias específicas. Não obstante, data maxima venia, optou-se neste
trabalho abordar o tema pelo sentido oposto, devido às peculiaridades que os transportes
urbanos apresentam. O caso é que, embora seja tratado aqui como uma categoria
específica, os transportes urbanos atraem a competência de todos os entes da federação,
enquanto que os não urbanos costumam ser atribuídos somente à União, aos Estados ou
ao DF. Já as normas constitucionais que tratam dos transportes de forma genérica,
englobando tanto transportes urbanos como os não urbanos, devido seu caráter geral,
costumam ser atribuídas apenas à União.
Tudo isto será discutido adiante. Sendo assim, entende-se ser mais interessante
iniciar a abordagem pelos transportes urbanos, pois esta categoria atrai a competência
de todos os entes da federação, o que, por sua vez, permitirá uma visão mais ampla, já de
início, em termos de repartição de competências. Anote-se que a análise dos transportes
urbanos será realizada de forma global, fazendo-se referências a todas as normas
constitucionais sobre competências que se apliquem a esta categoria, tanto as normas
que lhe são específicas, quanto as normas genéricas que lhe são aplicáveis (mas que
também se apliquem aos transportes não urbanos). Em seguida, serão apresentadas as
normas constitucionais mais genéricas, que se aplicam indistintamente a todas as

13
CARRIÓ, Genaro R. apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Editora
Fórum, 4 ed., 2017, Edição do Kindle (Locais do Kindle: p. 4035-4041). Ressalta-se que, na obra,
Alexandre Aragão concorda com o posicionamento do autor citado.
20

categorias de transportes, apenas para que se torne clara a identificação em apartado


destas normas. Ao final do capítulo, serão realizados comentários acerca dos transportes
não urbanos, mas apenas de modo sucinto, pois esta categoria não constitui o foco deste
trabalho.
Espera-se que a classificação proposta seja capaz de permitir, ao final, a melhor
caracterização dos transportes urbanos, e de seu regime jurídico-constitucional.

2. Transportes urbanos na distribuição de competências constitucionais

Pois bem, a partir da análise do tratamento conferido pela Constituição Federal de


1988 ao setor dos transportes, é possível perceber algumas especificidades atribuídas aos
transportes urbanos. Basicamente, esta peculiaridade decorre da especial atenção dada
pelo legislador constituinte ao desenvolvimento urbano e às funções sociais da cidade
(art. 21, XX e art. 182, caput, da CRFB), e, de fato, sendo o transporte um dos elementos
do desenvolvimento urbano (art. 21, XX, da CRFB), observa-se aí a razão para a
especificidade conferida aos transportes urbanos pela Carta Maior.
Nesta linha de intelecção, primeiramente, deve-se analisar os dispositivos
constitucionais que se refiram aos seguintes termos: transportes urbanos e mobilidade
urbana14; desenvolvimento urbano15; ou ainda, as referências a outros conceitos que
também incluam os transportes urbanos16.
Sendo assim, neste ponto da discussão, é interessante fazer uma remissão à análise
realizada por GUIMARÃES, em sua obra dedicada a comentar a LPNMU (Lei nº
12.587/12)17. Conforme entendimento do autor, o exame acerca da repartição de

14
Além da menção feita pelo art. 21, XX, da CRFB, ao termo “transportes urbanos” , a definição legal
destes termos encontra-se na LPNMU (Lei nº 12.587/2010): “Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: I
- transporte urbano: conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o
deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; II -
mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano;
(grifo acrescentado)
15
Além da referência feita pelo art. 21, XX, e pelo art. 182, caput, da CRFB, ao termo “desenvolvimento
urbano” (que será discutido a seguir), há também menção legal a este termo no Estatuto da Cidade (Lei nº
10.257/2001): “Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: (...) IV -
instituir diretrizes para desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico, transporte e
mobilidade urbana, que incluam regras de acessibilidade aos locais de uso público;
16
Por exemplo, o direito urbanístico e as regiões metropolitanas, conforme será visto adiante, são conceitos
que englobam de alguma forma o setor de transportes urbanos.
17
GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/12:
Essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade. Editora Fórum, 2012.
Edição do Kindle (Local do Kindle: p. 2180)
21

competências no âmbito dos transportes urbanos deve considerar, em conjunto, os artigos


21, XX, 22, XI, 30, I e V e 182 da CRFB. Sem embargo, entendo por caber neste rol os
artigos 24, I, e o 25, § 3º, da Lei Maior. Os dispositivos pertinentes serão arrolados abaixo
para que, em seguida, se faça a análise de forma conjunta.
Desse modo, os dois primeiros artigos tratam, respectivamente, de competências
materiais e legislativas da União:

“Art. 21. Compete à União: (...)


XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;”

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)


XI - trânsito e transporte;”

Já os outros dispositivos apontados pelo referido autor se referem às competências


dos Municípios18:

“Art. 30. Compete aos Municípios:


I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
(...)
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que
tem caráter essencial;;”

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder


Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.;”
(...)”

18
Muito embora o art. 182, caput, também preveja competência legislativa da União para fixar diretrizes
gerais sobre a política de desenvolvimento urbano.
22

Por fim, o art. 24 trata de competências legislativas concorrentes (entre União,


Estados e DF) e o art. 25 refere-se às competências dos Estados:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...)” (grifo acrescido)

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que


adotarem, observados os princípios desta Constituição. (...)
§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Pela análise dos dispositivos constitucionais indicados, em primeiro lugar, percebe-


se que as competências materiais e legislativas, em termos de transportes urbanos, não
são atribuídas somente aos municípios. Num primeiro momento, levando-se em
consideração que os aspectos relativos à urbe tendem a corresponder ao chamado
interesse local, poder-se-ia imaginar se tratar de competência exclusiva do município, já
que “compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local” (artigo 30, I,
CRFB), além de caber ao Poder Público municipal a execução da política de
desenvolvimento urbano19 (art. 182, caput, da CRFB).
No entanto, como se sabe, a CRFB adotou o princípio da predominância do
interesse20 para a repartição de competências entre os entes políticos. Sendo assim, o
artigo 21, XX, da CRFB, atribui expressamente à União a competência para instituir
diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive transportes urbanos. Na mesma
linha de intelecção, o caput do art. 182 afirma ser da União a competência para fixar, em
lei, as diretrizes gerais referentes à política de desenvolvimento urbano, cuja execução é
atribuída ao Poder Público municipal. O art. 22, XI, a seu turno, é norma genérica sobre

19
Os transportes urbanos incluem-se como um dos elementos do desenvolvimento urbano, conforme as já
citadas redações do artigo 21, XX, da CRFB, e do artigo 3 o, IV, do Estatuto da Cidade.
20
Segundo José Afonso da Silva, “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as
entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União
caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados
tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os
assuntos de interesse local, (...)”. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.
Malheiros Editores, 2014, p. 482.
23

transportes em geral (e também sobre trânsito). Enquanto que o art. 21, XX, e o art. 182,
caput, determinam à União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, o
que inclui o transporte urbano, o art. 22, XI, trata de transportes em geral, valendo tanto
para transportes urbanos quanto para transportes não urbanos. Este dispositivo (art. 22,
XI, da CRFB) será retomado na “seção 3” deste capítulo, mas vale lembrar, por hora, que
existe a possibilidade de delegação desta competência da União para os Estados, mediante
lei complementar, para legislar sobre questões específicas das matérias listadas no artigo
22, inclusive trânsito e transportes (art. 22, parágrafo único, da CRFB)21.
Prosseguindo, como se observou no artigo 24, I, ao atribuir à União, aos Estados e
ao DF, a competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, a Lex Mater
possibilitou que, em algum grau, estes entes políticos possam legislar sobre transportes
urbanos, por ser este um dos temas abordados pelo direito urbanístico. No entanto, em
conformidade com o princípio da predominância do interesse, certamente não será
cabível ao Estado legislar sobre transportes em assuntos que digam respeito apenas ao
âmbito local22-23.
Nada obstante, sabe-se que os aspectos que caracterizam a urbe muitas vezes
ultrapassam os limites territoriais do município, alcançando outros. É o que ocorre no
caso das metrópoles24, situação que certamente atrairá a incidência da competência de
interesse regional dos Estados e DF, para legislar, no que couber, sobre direito
urbanístico, inclusive transportes urbanos. Neste sentido, o artigo 25, §3º, da CRFB,
atribuiu aos Estados a competência para, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos
de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum. Este assunto será retomado em maiores detalhes
adiante, merecendo uma subseção dentro desta seção, que trata de transportes urbanos.
Por hora, deve-se apenas ressaltar que regulações e planejamentos sobre transportes

21
“Art. 22. (...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo.”
22
Não se olvide o art. 30, I, da CRFB, no qual atribui-se aos municípios a competência exclusiva para
legislar sobre assuntos de interesse local;
23
Anote-se, inclusive, as regras sobre predominância do interesse em legislar, previstas nos parágrafos
do art. 24.
24
Conforme a Lei nº 13.089, de 2015 (Estatuto da Metrópole), entende-se por metrópole o “espaço urbano
com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem
influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital
regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE;”
24

urbanos estão incluídos, no que couber, na esfera de competência dos Estados, à qual se
refere o art. 25, § 3º, da Constituição de 1988.
Em relação às competências municipais, além do art. 182, que confere ao Poder
Público municipal a atribuição de executar a política de desenvolvimento urbano (que
inclui os transportes urbanos), mediante, dentre outros instrumentos, a implantação do
plano diretor, há também as disposições do art. 30, da CRFB. Em primeiro lugar, o inciso
I, deste artigo, prevê a competência dos municípios para legislar sobre assuntos de
interesse local. Embora nem sempre haja um limite claro entre o que seja interesse local,
regional e nacional, fato é que deve-se respeitar o princípio da predominância do
interesse. No caso dos transportes, as competências municipais serão tratadas em detalhes
no “Capítulo 2”, o qual adentrará nas diretrizes regulatórias previstas na Lei de Política
Nacional de Mobilidade Urbana. Tendo em vista que a regulação municipal sobre o setor
em tela deve estar alinhada a estas diretrizes, maiores detalhes serão abordados no
próximo capítulo. Neste momento, é suficiente que, além do inciso I, do art. 30, da CRFB,
também se faça alusão a outros dois incisos deste mesmo artigo. O inciso II, prevendo
que “compete aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber”, possui praticamente o mesmo sentido do inciso I, pois suplementar a legislação
federal e estadual “no que couber” corresponde justamente à competência de legislar
sobre assuntos de interesse local. O outro dispositivo que não se deve olvidar é o inciso
V, deste mesmo artigo, que trata da competência material dos Municípios para prestar e
organizar serviços públicos de interesse local, ressaltando expressamente a essencialidade
do serviço público de transporte coletivo. Percebe-se que este último dispositivo já traz
algumas subcategorias nas quais os transportes urbanos podem ser enquadrados: a
modalidade de serviço público; e a modalidade de transporte coletivo. Evidentemente,
são duas modalidades baseadas em critérios distintos. Não obstante, estas subcategorias
serão tratadas no “Capítulo 2” deste trabalho.
Por fim, deve-se consignar que a verificação destes parâmetros constitucionais,
acerca da distribuição de competências em matéria de transportes urbanos, é
indispensável para a análise dos diferentes níveis de regulação estatal nesta área. É que
num Estado federativo, os diferentes setores da economia podem ser passíveis da
ingerência regulatória exercidas por diferentes entes políticos (União, Estados e
Municípios, no caso do Brasil). Sendo assim, no capítulo 3, quando as nuances
regulatórias referentes aos transportes urbanos forem mais detidamente examinadas, estes
parâmetros acerca das competências deverão ser cuidadosamente considerados.
25

2.1. competência legislativa concorrente nos transportes urbanos

Como se percebe, no tocante ao tema dos transportes urbanos, a repartição de


competências dos entes federados segue, com muita fidelidade, a lógica contida no
princípio da predominância do interesse25. Por este mesmo motivo, não seria um equívoco
considerar como concorrente a competência para legislar sobre transportes urbanos,
mesmo que esta não se encontre expressamente prevista no artigo 24, da Cara Maior.
Note-se, que o artigo 21, XX, CRFB, quando se refere à instituição, por parte da União,
de diretrizes para o desenvolvimento urbano, parece estar fazendo alusão a uma
competência legislativa, muito embora este dispositivo (art. 21, da CRFB) seja
usualmente associado às competências materiais (administrativas) exclusivas da União.
Em primeiro lugar, como está claro no texto da norma, a exclusividade da União refere-
se apenas à instituição de diretrizes para o setor em análise. Em segundo lugar, a inclusão
desta norma no rol do artigo 21 não parece ter traduzido a melhor técnica do constituinte
originário. De fato, ao se analisar os verbos previstos nos incisos deste artigo, em sua
maioria estão aqueles que se referem a ações executivas atribuídas à União26. Entretanto,
no inciso XX, o artigo fala em “instituir diretrizes”, o que, por certo, aponta para uma
competência de natureza normativa, com significativo grau de generalidade e abstração.
Tanto é assim que serão aplicadas as suas disposições à atuação dos outros entes políticos,
e evidentemente, à população em geral27.
Soma-se a tudo isso o fato de não ser permitido, no âmbito do ordenamento jurídico
brasileiro, a edição de regulamento autônomo28-29. De fato, basta lembrar que o art. 84,
IV, da Lei Maior, atribui ao Presidente da República a competência para “sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua

25
Isto não se aplica apenas aos transportes urbanos, mas também ao desenvolvimento urbano, que consiste
em um conceito mais amplo e que engloba os transportes urbanos, conforme se tem demonstrado.
26
“Manter”; “declarar”; “assegurar”; “permitir”; “decretar”; “autorizar”; “fiscalizar”; “emitir” moeda;
“administrar”; dentre outros.
27
No mesmo sentido, é o que ocorre com o inciso seguinte (inciso XXI, do art. 21, da CRFB): “estabelecer
princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;”
28
“Realmente, não conseguimos encontrar no vigente quadro constitucional respaldo para admitir-se a
edição de regulamentos autônomos. Está à mostra em nosso sistema político que ao Executivo foi apenas
conferido o poder regulamentar derivado, ou seja, aquele que pressupõe a edição de lei anteriormente
promulgada, que necessite do seu exercício para viabilizar a efetiva aplicação de suas normas.”
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas, 31 ed., São Paulo,
2017, p. 66.
29
O decreto autônomo, previsto no art. 84, VI, da CRFB, embora constitua exceção de ato administrativo
com fundamentação direta na Lei Maior, não são propriamente regulamentos, pois estes constituem atos
normativos (gerais e abstratos), enquanto que aqueles possuem a característica de atos concretos, lhes
faltando o caráter regulamentar.
26

fiel execução;”. Para o mesmo sentido, aponta o art. 49, V, da CRFB: “É da competência
exclusiva do Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo
que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
Ato contínuo, deve-se consignar que o artigo 182, ao tratar, em parte, do mesmo
assunto que o art. 21, XX, sobre desenvolvimento urbano, deixou claro que as diretrizes
gerais deverão ser fixadas em lei (lei federal). Sendo assim, a LPNMU (lei nº
12.587/2012), em seu art. 1º, caput, afirma ser a Política Nacional de Mobilidade Urbano
o instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o art. 182 e o inciso
XX do artigo 21, ambos da CRFB30.
Diante destes fatos, fica bastante claro que o art. 21, em seu inciso XX, da CRFB,
prevê hipótese de competência legislativa da União, e não de competência
administrativa, indo ao encontro da previsão do caput, do art. 182. Além disso, o mesmo
artigo 21, XX, prevê a exclusividade da União somente em relação à regulamentação
geral de interesse nacional (instituição de diretrizes gerais) acerca do tema
desenvolvimento urbano (incluindo os transportes urbanos). No entanto, ao se considerar
o assunto desenvolvimento urbano (ou transportes urbanos) no âmbito do sistema
federativo de repartição de competências, não resta dúvida de que esta é uma matéria de
competência legislativa concorrente31-32, entre União, Estados, DF e Municípios,
conforme o predomínio do interesse regulatório (interesse local, regional ou nacional).
Anote-se, ainda, que à cada competência legislativa atribuída a qualquer ente
político, sempre corresponderá a competência administrativa deste mesmo ente para
fiscalizar o cumprimento de suas leis. Fora isso, no tocante às competências
administrativas sobre transportes urbanos, repise-se que a Carta Política de 1988 trouxe
expressamente as seguintes atribuições: aos Municípios para “organizar e prestar,

30
O referido diploma legal poderia ser considerado como o “Estatuto da Mobilidade Urbana”, que veio
justamente para trazer a regulação geral sobre a matéria, incumbência da União. Não obstante, uma vez
preenchido este espaço de conformação legislativa por este ente político, cabem aos outros entes
(Municípios, Estados e DF) legislarem sobre os aspectos da matéria que lhe couberem., conforme a
predominância do interesse.
31
Este mesmo entendimento é sustentado pelo professor Geraldo Spagno Guimarães, e, segundo ele, a
mesma tese é também pelo professor Uadi Lamêgo Bulos. Op. Cit. (Local do Kindle: p. 2191). Porém, no
meu entender, o autor não deixa claro que concorrente é a competência sobre o tema dos transportes
urbanos, e não a atribuição literal prevista no dispositivo, que expressamente prevê como exclusiva da
União a competência de instituir diretrizes (normas e orientações gerais acerca do assunto).
32
Além dos dispositivos examinados, não se olvide o art. 24, I, da CRFB, que prevê como competência
concorrente o ato de legislar sobre direito urbanístico. Embora o artigo estenda a competência concorrente
apenas à União, Estados e DF, a sua leitura deve estar associada à leitura do art. 30, I (competência dos
municípios para legislar sobre assuntos de interesse local), e, também, do inciso II, deste mesmo artigo
(competência do município para suplementar a legislação federal e estadual no que couber).
27

diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse


local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (art. 30, V, da CRFB,
conforme já mencionado anteriormente); também aos Municípios, para executar a
política de desenvolvimento urbano (incluindo os transportes urbanos), utilizando para
tanto o plano diretor, dentre outros instrumentos (art. 182, da CRFB); aos Estados, no
que se refere à gestão de políticas de desenvolvimento urbano integrado, no âmbito das
regiões metropolitanas legalmente constituídas (art. 25, § 3º, da CRFB), conforme será
discutido mais adiante neste capítulo.
Da competência concorrente em matéria de transportes podem decorrer discussões
importantes acerca da eventual invasão que um ente federado poderá realizar sobre o
âmbito regulatório de outro ente. Se deste tipo de controvérsia não estão livres as
competências mais bem definidas constitucionalmente, muito menos estarão as
concorrentes, que, conforme se verificou, apresenta divisões bastante sutis. No capítulo
3, questões relevantes como, por exemplo, a competência para definir uma determinada
modalidade de transporte urbano como sendo ou não serviço público serão detidamente
abordadas.

3. Transporte urbano x transporte rural

Diante do que já foi discutido, neste momento já deve ter ficado claro que o
delineamento jurídico infraconstitucional acerca dos transportes urbanos inicia-se pela
lei federal nº 12.587/2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana – LPNMU).
Conforme o entendimento já exposto, trata-se da regulação geral decorrente da
competência legislativa da União, dado o caráter mais nacional/geral abordado pela lei,
que tem por objetivo conferir diretrizes para a regulação a ser exercida por parte dos
outros entes políticos.
Nada obstante, do fato da LPNMU expressamente se referir à mobilidade
“urbana”/transportes “urbanos” decorre o seguinte questionamento: se a lei nº 12.587,
de 3 de janeiro de 2012, institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana,
seria este diploma legal aplicável aos transportes situados estritamente na região rural do
Município?
28

Em primeiro lugar, e sem embargo da discussão acerca da dicotomia entre o rural


e o urbano (que ainda se faz atual)33, a resposta aponta para a análise do conceito de
Política de Desenvolvimento Urbano (art. 182, da CRFB), que, conforme já discutido
alhures, engloba a política de transportes. O resultado de um breve exame sobre este
conceito não deixa dúvidas de que, apesar do nome, a Política de Desenvolvimento
Urbano, em termos jurídicos, engloba necessariamente a zona rural do município, tanto
no tocante ao território quanto em relação às atividades ali desenvolvidas. Esta é uma das
diretrizes gerais de política urbana instituída pelo Estatuto da Cidade, em seu art. 2°, VII.
Veja-se in verbis:

“Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento


das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais: (...)
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,
tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território
sob sua área de influência;” (grifo acrescido)

“Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico
da política de desenvolvimento e expansão urbana.
(...)
§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um
todo.” (grifo acrescido)

Portanto, somente a partir destas considerações já seria possível concluir que a


Política de Mobilidade Urbana, como parte que é da Política de Desenvolvimento Urbano,
abrangeria os transportes realizados nas zonas rurais dos Municípios. Não obstante, para
eliminar eventuais dúvidas, a LPNMU, logo em sua abertura, no art. 1°, parágrafo único,
faz clara remissão aos dispositivos acima colacionados, do Estatuto da Cidade, indicando
que estas disposições se aplicam, no que couber, aos transportes rurais realizados no
âmbito do território municipal. Consigne-se in verbis:

“Art. 1º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política


de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182
da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos

33
Abordagem já empregada desde os tempos da Roma Antiga. CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Comentários ao Estatuto da Cidade. Editora Lumen Juris, 3 ed., 2009, p. 3.
29

de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e


cargas no território do Município.

Parágrafo único. A Política Nacional a que se refere o caput deve atender ao


previsto no inciso VII do art. 2º e no § 2º do art. 40 da Lei nº 10.257, de 10
de julho de 2001 (Estatuto da Cidade).” (grifo acrescido)

Para fechar esta questão, interessante trazer as lições do professor José dos Santos
Carvalho Filho acerca da integração das zonas urbana e rural, no âmbito da política
municipal de desenvolvimento urbano:

“Conquanto tenha por objetivo buscar o equilíbrio e a harmonia dos


centros urbanos, a política urbana não pode deixar de levar em conta o setor
rural do Município. Na verdade, o urbanismo, como ciência, técnica e arte,
não abdica de outras áreas além das que compõem o núcleo urbano da cidade.
Ao contrário, diante da certeza de que não se trata de compartimentos
estanques e isolados, sem vias de interação, o Poder Público não pode
simplesmente relegar a segundo plano a zona rural.
A interatividade entre as zonas urbana e rural se afigura bastante
intensa, ainda que cada uma delas guarde suas peculiaridades próprias, sua
cultura e tradições. Mas se tais particularidades existem, não é menos verdade
que há uma notória interação entre os dois setores. No setor econômico
produtivo, por exemplo, encontramos uma troca de produtos que, em termos
de troca, atendem as respectivas coletividades. O setor rural produz artigos
agrícolas, alimentícios, laticínios direcionados ao setor urbano, e este, a seu
turno, tem setores industrial, comercial e de prestação de serviços mais
desenvolvidos. Longe, portanto, a idéia de considerar-se isolados os setores
urbano e rural.
A estratégia de integração entre as atividades urbanas e rurais tem esse
exato significado. O próprio desenvolvimento urbano não pode elevar-se a
uma posição mais satisfatória se não houver a integração entre tais setores.
Integração significa harmonização, interatividade, compatibilização. Assim, o
que o Estatuto exige é que o Poder Público não esqueça o setor rural, mas
promova ações com vistas a estreitar as relações sociais e econômicas entre o
campo e a cidade.”34

34
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Editora Lumen Juris, 3
ed., 2009, p 29-30.
30

Feita estas ponderações, e, para que se evite confusões a respeito dos termos aqui
empregados, que fique consignado, desde já, que o termo “transporte urbano” será usado
para se referir aos transportes sobre os quais se aplica a Lei de Política Nacional de
Mobilidade Urbana. Logo, conforme acabou de se discutir, estão aí incluídos os
transportes rurais realizados no âmbito do território municipal. Seria possível optar-se
pelo emprego de termos que distinguissem as duas categorias, v. g., “transporte urbano
municipal “e “transporte rural municipal”. Entretanto, entende-se improdutiva tal opção,
primeiro porque a própria LPNMU não trata dessas duas categorias de modo apartado,
sendo, portanto, as suas normas aplicáveis a ambos os casos, no que couber. Em segundo
lugar, o termo “transporte urbano” tem sido frequentemente utilizado para discernir o
setor sobre o qual se aplica a competência municipal (e também a competência dos outros
entes, conforme já afirmado), discernindo-o dos transportes cuja competência regulatória
seja somente atribuída aos Estados, ao DF e à União. Nesta acepção comum, subtende-se
estar incluído neste termo os transportes municipais rurais. Portando, que fique claro que
será dessa forma que o termo “transporte urbano” será aqui empregado.

4. Os transportes urbanos intermunicipais nas regiões metropolitanas

Para fechar a “Seção 2” (transportes urbanos) do presente capítulo, cabe ainda a


discussão sobre o interessante caso que envolve as regiões metropolitanas. Trata-se de
uma situação especial prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 25, § 3º), em que,
embora sejam mantidas as competências constitucionais atribuídas ao Estado e aos
Municípios envolvidos, há a orientação para que “a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum” sejam realizados de forma integrada
pelos entes federados.
Sendo assim, no que tange às consequências sobre o setor de transporte, decorrentes
da instituição de região metropolitana, é preciso ressaltar primeiramente que, em regra, a
modalidade afetada será a dos transportes intermunicipais. Neste sentido, embora os
assuntos de interesse de cada município (como os transportes municipais) possam ser
regulados por cada um deles de forma integrada, no âmbito de determinada região
metropolitana, fato é que em termos de repartição constitucional de competências não
haverá nenhuma novidade neste caso, pois permanecerão sendo de competência dos
municípios os temas de interesse local. O caráter especial desta situação se faz, porém,
31

no caso dos transportes intermunicipais. Conforme será examinado adiante, em regra,


esta categoria de transporte é de competência dos Estados e, em princípio, não se
enquadram na categoria dos transportes urbanos; não têm relação direta com as
previsões constitucionais sobre a política de desenvolvimento urbano (art. 21, XX e art.
182, da CRFB), dada a extensão dos trajetos, que costumam exceder o âmbito do interesse
local; e, sendo assim, não atraem a incidência da LPNMU. Por tudo isto, em regra, os
transportes intermunicipais, assim como os interestaduais e o internacional, serão todos
incluídos na categoria dos transportes não urbanos, que serão tratados na “Seção 6” deste
capítulo.
Nada obstante, o que se busca sustentar neste momento é que os transportes
intermunicipais situados no âmbito de região metropolitana constituirão exceção à esta
lógica, pois serão considerados como transportes urbanos, regidos pela LPNMU35.
Conforme já apontado, a instituição de região metropolitana se dá mediante lei
complementar estadual36 (art. 25, § 3º, da CRFB). Neste caso, os Planos de Mobilidade
Urbana (art. 24, da LPNMU) de cada município integrante da região metropolitana
poderão (deverão, na verdade) estar alinhados ao Plano de Desenvolvimento Urbano
Integrado (art. 2º, VI, e art. 10, da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 - Estatuto da
Metrópole). Vale à pena a transcrição das normas previstas em cada uma das referidas
leis federais:

“Art. 24. O Plano de Mobilidade Urbana é o instrumento de efetivação da


Política Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios,
os objetivos e as diretrizes desta Lei, bem como:

35
Até certo ponto, a LPNMU não deixou de considerar o caráter urbano do transporte intermunicipal,
interestadual, e, até mesmo, do transporte internacional, quando realizado em municípios limítrofes
localizados em Estados ou em países diferentes (neste caso, as chamadas cidades gêmeas, localizadas em
fronteiras), desde que a região apresente características urbanas. Entretanto, este tratamento especial
adotado pela LPNMU se deu somente em relação ao transporte público coletivo. É o que está
expressamente previsto no art. 26: “Esta Lei se aplica, no que couber, ao planejamento, controle,
fiscalização e operação dos serviços de transporte público coletivo intermunicipal, interestadual e
internacional de caráter urbano.” (grifo acrescido). Já os incisos XI, XII e XIII, do art. 4º, da mesma lei,
define cada uma dessas modalidades de transporte público coletivo de caráter urbano (intermunicipal,
interestadual e internacional, respectivamente). Por fim, a Lei da Mobilidade Urbana ainda tratou da
possibilidade de delegação, mediante convênio ou consórcio, do transporte público coletivo interestadual
e internacional da União para os Estados, D.F. ou Municípios (art. 16, § 2º); e do transporte público
coletivo intermunicipal dos Estados para os Municípios (art. 17, parágrafo único). De todo modo, deve-se
consignar que a ideia que será defendida nesta seção é mais abrangente, pois, não será aplicada apenas
ao transporte público coletivo, mas à categoria dos transportes urbanos como um todo, abrangendo o
transporte coletivo ou individual, público ou privado.
36
Isto também vale para as aglomerações urbanas e microrregiões, conforme o dispositivo constitucional
mencionado.
32

(...)
§ 1º Em Municípios acima de 20.000 (vinte mil) habitantes e em todos os
demais obrigados, na forma da lei, à elaboração do plano diretor, deverá ser
elaborado o Plano de Mobilidade Urbana, integrado e compatível com os
respectivos planos diretores ou neles inserido.
§ 2º Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual,
o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado
e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé
e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente.
§ 3º O Plano de Mobilidade Urbana deverá ser compatibilizado com o plano
diretor municipal, existente ou em elaboração, no prazo máximo de 6 (seis)
anos da entrada em vigor desta Lei.
(...)”37 (grifo acrescido)

“Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:


(...)
VI - plano de desenvolvimento urbano integrado: instrumento que estabelece,
com base em processo permanente de planejamento, viabilização econômico-
financeira e gestão, as diretrizes para o desenvolvimento territorial
estratégico e os projetos estruturantes da região metropolitana e aglomeração
urbana;
(...)
Art. 10. As regiões metropolitanas e as aglomerações urbanas deverão contar
com plano de desenvolvimento urbano integrado, aprovado mediante lei
estadual.
(...)
§ 3º Nas regiões metropolitanas e nas aglomerações urbanas instituídas
mediante lei complementar estadual, o Município deverá compatibilizar seu
plano diretor com o plano de desenvolvimento urbano integrado da unidade
territorial urbana.”38

Como é possível notar, a política metropolitana, desenvolvida mediante a


governança interfederativa39, deverá articular as políticas de desenvolvimento urbano
locais dos municípios integrantes. Em outras palavras o que ocorre é que os planos

37
Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012 (LPNMU).
38
Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole).
39
Segundo a Lei nº 13.089/2015: “Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se: (...) IV – governança
interfederativa: compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de
organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum; (...) Art. 6º A governança
interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas respeitará os seguintes princípios:
(...) III – autonomia dos entes da Federação; (...)” (grifo acrescido)
33

diretores de cada Município deverão estar alinhados à política metropolitana (art. 10, §
3º, do Estatuto da Metrópole), mas, tendo em vista que as políticas municipais de
mobilidade urbana deverão ser compatibilizadas com os respectivos planos diretores
(art. 24, § 3º, da LPNMU), logo, impõe-se concluir que, em última análise, a política de
mobilidade urbana de cada Município deverá se adequar à política metropolitana.
No entanto, isto não permite que o Estado interfira na autonomia municipal sobre a
política local de mobilidade urbana (art. 6º, III, do Estatuto da Metrópole), muito embora
haja alguma ingerência indireta, pois o Estado participa, junto com os Municípios, da
elaboração do planejamento metropolitano, que vincula a política de mobilidade urbana
local, conforme se demonstrou. Pelo mesmo motivo, embora a competência federativa
sobre os transportes intermunicipais seja atribuição estadual, no âmbito do planejamento
metropolitano haverá participação dos Municípios em algum grau de regulação, atraindo,
assim, para esta modalidade de transporte, a incidência da LPNMU.
Portanto, esta é a ressalva que precisa ser feita em relação aos transportes
intermunicipais, pois não deixarão de ser considerados como transportes urbanos
quando situados no âmbito de região metropolitana legalmente instituída pelo Estado.
Dito isto, deve-se ressaltar que, neste trabalho, sempre que houver referência à
categoria dos transportes urbanos, entenda-se que estão aí incluídos tanto os transportes
municipais (urbanos e rurais, conforme já apontado) quanto os transportes
intermunicipais das regiões metropolitanas40.

5. Política Nacional de Transporte e Política Nacional de Mobilidade Urbana

Uma vez caracterizado o tratamento constitucional sobre o setor dos transportes


urbanos, cumpre agora apresentar as normas constitucionais referentes aos transportes em
geral. Antes disto, porém, é necessário ressaltar que o tratamento que estas normas
conferem ao setor dos transportes, dentro da sistemática constitucional, é o mais amplo
possível. Neste sentido, são aplicáveis tanto aos transportes urbanos, quanto aos relação
aos transportes não urbanos. A opção em se fazer esta análise agora, conforme se
justificou, se deve principalmente ao fato de que os transportes urbanos atraem a
competência de todos os entes da Federação, trazendo alguma complexidade ao tema,

40
Neste último caso (regiões metropolitanas), por extensão do raciocínio, também estarão incluídos na
categoria dos transportes urbanos os transportes intermunicipais rurais.
34

dadas as suas especificidades. Já as normas mais genéricas, justamente por tratar de


aspectos mais gerais sobre os transportes, atribuem competências apenas à União, dado o
interesse nacional desta dimensão do assunto. Por esta razão, entendo que a abordagem
desta seção, no contexto deste trabalho, apresenta menor complexidade que a da seção
anterior, o que facilitará a sua compreensão.
Sendo assim, os dispositivos constitucionais mais gerais sobre transporte são: o art.
21, XXI; o art. 22, IX e XI; e o artigo 178. Consigne-se, in verbis, as referidas normas:

Art. 21. Compete à União: (...)


XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


IX - diretrizes da política nacional de transportes;
(...)
XI - trânsito e transporte;

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e
terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar
os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Diante do exame das normas, fica claro que, conforme acabou de ser apontado, a
Carta Maior atribui à União a competência para a edição de normas gerais sobre
transporte. Mais uma vez, faz-se remissão ao princípio da predominância do interesse,
pois a regulamentação mais geral de determinado setor, numa Federação, tende a traduzir
um interesse de caráter nacional. No entanto, não se deve olvidar a possibilidade que o
parágrafo único, do art. 22, estende aos Estados para legislar sobre questões específicas
das matérias relacionadas no artigo, desde que haja, mediante lei complementar,
autorização prévia para tanto41. Desse modo, considerando os dois incisos do artigo 22,
da CRFB, colacionados acima (incisos IX e XI), os Estados poderão, desde que haja
autorização prévia em lei complementar, legislar sobre questões específicas referentes a
trânsito e a transportes, inclusive sobre as diretrizes da Política Nacional de
Transporte42.

41
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das
matérias relacionadas neste artigo.” (CRFB)
42
Questões de interesse regional, diga-se de passagem, conforme o princípio da predominância do
interesse.
35

Ademais, faz-se aqui, em relação ao art. 21, XXI, a mesma ressalva que se fez
alhures acerca do inciso XX, do mesmo artigo, da CRFB. Neste sentido, repisa-se que se
trata de competência legislativa da União, e não de competência administrativa, já que
não se admite regulamento autônomo no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo,
esta competência (legislativa) foi exercida pela União mediante a edição da lei nº
12.379/201143.

3.1. Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) x Política Nacional de


Transportes (PNT)

Neste ponto da abordagem, se faz necessário discernir a Política Nacional de


Mobilidade Urbana – PNMU (art. 21, XX, e art. 182, caput, da CRFB) da Política
Nacional de Transportes – PNT (art. 21, XXI; art. 22, IX e XI; e art. 178, da CRFB).
Embora ambas apresentem caráter nacional e sejam reguladas pela União, a PNT, em
termos de transporte, é mais abrangente que a PNMU, pois esta refere-se estritamente ao
transporte realizado no âmbito da urbe (transportes urbanos), ainda que associados a
outros aspectos relacionados às funções sociais da cidade, que incidem sobre este setor44.
Neste sentido, a PNMU são se aplica, a priori, aos transportes não urbanos, como, por
exemplo, o transporte aéreo, o transporte rodoviário interestadual e o transporte
marítimo, que serão sucintamente tratados mais adiante.
A PNT, a seu turno, se aplica tanto aos transportes urbanos quanto aos transportes
não urbanos. Isto ficará claro após uma análise, mesmo que breve, sobre as leis que
regulam a PNT. Enquanto que no caso da regulação da PNMU, com base no art. 21, XX,
e art. 182, caput, da CRFB, a União editou a lei nº 12.587/2012, no caso da PNT, foram
editadas a lei nº 12.379/2011 (com base no art. 21, XXI, da CRFB; trata do Sistema
Nacional de Viação) e a lei nº 10.233/ 2001 (baseada no art. 22, IX, XI, e art. 178, da

43
Inclusive a própria lei nº 12.379/2011 prevê disposição neste sentido: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o
Sistema Nacional de Viação - SNV, sua composição, objetivos e critérios para sua implantação, em
consonância com os incisos XII e XXI do art. 21 da Constituição Federal.”
44
Entendo ser válida afirmação sobre a maior abrangência da PNT em relação ao da PNMU apenas
considerando-se, para esta comparação, tão somente o transporte. Isso se justifica pelo fato de que a PNMU
se refere à mobilidade urbana, conceito que inclui outros aspectos além do transporte, v. g., o controle de
tráfego, além da PNMU também tratar de acessibilidade. Veja-se, in verbis, a definição de mobilidade
urbana e de acessibilidade pela LPNMU: “Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: (...) II - mobilidade
urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano; III -
acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos
desejados, respeitando-se a legislação em vigor;” (grifo acrescido)
36

CRFB). Mesmo evitando-se entrar em detalhes, não é difícil perceber que, conforme
afirmado, os transportes urbanos (além dos não urbanos) estão incluídos no âmbito
destas normas (constitucionais e infraconstitucionais).
A lei nº 10.233/ 2011, por exemplo, embora tenha maior foco sobre o transporte
interestadual e internacional (especificamente nos transportes terrestres e aquáticos),
inclui no Sistema Nacional de Viação (SNV) a infra-estrutura viária e a estrutura
operacional dos diferentes meios de transporte de pessoas e bens, que estejam sob
jurisdição dos Municípios, Estados e DF45. Essas estruturas sob jurisdição do Município,
a princípio, servem ao transporte urbano. Nota-se, então, que o SNV trata de aspectos
operacionais e estruturais dos transportes em geral, incluindo os associados ao transporte
urbano. Interessante ressaltar que estas disposições específicas da lei nº 10.233/2011,
referentes aos Municípios, correspondem ao previsto no art. 3º, caput, da LPNMU, que
trata justamente dos aspectos estruturais e operacionais da PNMU, que traduz o
Sistema Nacional de Mobilidade Urbana (SNMU)46. Daí, fica claro que as normas
constitucionais genéricas, abordadas nesta seção, tratam tanto dos transportes urbanos
quanto dos não urbanos. As referidas leis federais regulam as normas constitucionais em
tela.
Ato contínuo, a lei nº 12.379/2011 traz disposições nesta mesma linha de
entendimento, ou seja, deixando claro ser aplicável tanto aos transportes urbanos quanto
aos não urbanos (art. 2°, § 1º), ainda que o foco principal seja sobre a regulação do
Sistema Federal de Viação (SFV)47. Ainda assim, o referido diploma legal traz um
capítulo regulando exclusivamente os sistemas de viação dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (CAPÍTULO IV, artigos 38 ao 40).
De modo a facilitar a visualização das relações entre o SNV (Sistema Nacional de
Viação, incluindo sistemas federal, estaduais e municipais de viação) e o SNMU (Sistema
Nacional de Mobilidade Urbana), colaciona-se abaixo dois esquemas ilustrativos.

45
Conforme a lei nº 10.233/ 2011: “Art. 2º. O Sistema Nacional de Viação – SNV é constituído pela infra-
estrutura viária e pela estrutura operacional dos diferentes meios de transporte de pessoas e bens, sob
jurisdição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
46
Lei nº 12.587/2012: “Art. 3º O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e
coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de
pessoas e cargas no território do Município.” O tema será retomado em detalhes no Capítulo 2.
47
Lei nº 12.379/2011: “Art. 2º O SNV é constituído pela infraestrutura física e operacional dos vários
modos de transporte de pessoas e bens, sob jurisdição dos diferentes entes da Federação.
§ 1º Quanto à jurisdição, o SNV é composto pelo Sistema Federal de Viação e pelos sistemas de viação
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” (grifo acrescido) O SFV está mais associado aos
transportes não urbanos, de competência administrativa apenas da União.
37

Figura 1. Sistema Nacional de Viação

Figura 2. Sistema Nacional de Mobilidade Urbana

Destarte, diante do que se analisou, é importante consignar que, no âmbito da


regulação federal, embora os transportes urbanos tenham como principal fonte normativa
a lei nº 12.587/2012 (constitucionalmente o art. 21, XI), ainda assim, lhe são aplicáveis,
38

em parte, os diplomas legais que regulam os transportes em geral (baseados nos artigos
21, XXI, 22, IX e XI e 178, da CRFB)48.
Ademais, ainda que não se trate especificamente sobre transporte, mas sobre
trânsito49, também não se pode deixar se fazer nota ao Código de Trânsito Brasileiro (lei
nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) que é a norma vigente reguladora da primeira parte
do art. 22. XI, da CRFB. Fato é que, embora este tema trate de aspectos que vão além do
âmbito estrito dos serviços de transporte50, não há como negar que trânsito e transporte
são temas intimamente ligados, pois o segundo, para que se realize com qualidade,
depende da regulação do primeiro; o controle do trânsito, por outro lado, pressupõe a
existência do transporte. Tanto é assim que o legislador constituinte elencou os dois temas
num mesmo dispositivo (art. 22. XI, CRFB).
Por fim, é importante ressaltar que é indispensável o correto entendimento sobre os
temas tratados neste subseção, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU),
a Política Nacional de Transportes (PNT), o Sistema Nacional de Viação, o Sistema
Nacional de Mobilidade Urbana, a regulação sobre trânsito, pois, além de incidirem
diretamente na regulação dos transportes urbanos, apresentam regras sobre a delimitação
de competências regulatórias dos diferentes entes federativos. Conforme será abordado
no capítulo 3, estas matérias constituem parâmetros específicos para a regulação setorial
dos transportes.

48
Cabe aqui uma nova remissão à obra de Geraldo Spagno Guimarães, quando o professor compara as
competências previstas nos artigos 21, XX e 22, XI, da CRFB: “Por isso, é necessário um registro
importante para discernir entre o que a Constituição dispõe no artigo 21, XX e no artigo 22, XI. No
primeiro caso o alvo da norma é transporte como elemento de desenvolvimento urbano e, no segundo, o
foco é transporte nacional, em seus aspectos gerais sistêmico, estrutural e operacional.” GUIMARÃES,
Geraldo Spagno. Op. Cit. (Local do Kindle: p. 2211)
49
O CTB, em seu Anexo I, define o termo trânsito como sendo a “movimentação e imobilização de
veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.”
50
Basta remeter-se à redação do art. 5º, do CTB, para que se torne evidente a diversidade de aspectos
envolvidos no âmbito da regulação do trânsito: “Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de
órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o
exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento
de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do
sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de
penalidades.”
39

6. Transportes não urbanos

Conforme vem sendo ressaltado, o presente trabalho tem como objeto principal os
transportes urbanos de passageiros, com ênfase no transporte individual privado de
passageiros mediante emprego de aplicativos do tipo Uber, temas que serão abordados
no Capítulo 2 e no Capítulo 3, respectivamente. Tendo isto em vista, não cabe, no escopo
deste trabalho, discussões aprofundadas acerca dos transportes não urbanos. Nada
obstante, será brevemente apresentado, a seguir, o panorama normativo-constitucional
geral acerca deste setor.
Dito isto, o primeiro ponto a ser destacado é que, como o nome já indica (não
urbano), trata-se de uma categoria identificada por exclusão. Serão aqui incluídos os
transportes não regidos pela LPNMU, que serão necessariamente os modais de
transporte intermunicipal, interestadual e internacional.
Já de início, relembre-se que apenas os transportes intermunicipais não
desenvolvidos no âmbito de região metropolitana podem ser considerados como não
urbanos. Nesta situação, em regra, o Estado exercerá a regulação dos transportes
intermunicipais, a menos que se realize algum convênio de cooperação com os municípios
envolvidos51. Sendo assim, não se estará tratando, a priori, de transportes urbanos, e, por
essa razão, não haverá incidência das normas da LPNMU. Dito isto, daqui pra frente,
nesta seção, o emprego do termo “transporte intermunicipal” se fará com referência a
este último caso, do transporte intermunicipal não urbano, considerando não haver
regiões metropolitanas associadas.
Pois bem, além do transporte intermunicipal, já foi dito aqui que também estão
incluídos na categoria dos transportes não urbanos o transporte interestadual e o
internacional. As duas últimas categorias se incluem no âmbito de competência da União
e serão inicialmente tratadas. O transporte intermunicipal, a seu turno, será retomado no
final de cada subseção, haja vista o caráter residual que constituinte originário conferiu
às competências federativas estaduais.
A Constituição Federal de 1988, ao tratar da competência da União no setor dos
transportes, faz referência específica aos diferentes modos de transporte: transporte

51
Certamente, não se deve olvidar a competência de regulação da União sobre aspectos mais genéricos
acerca dos transportes em geral, conforme se discutiu na seção anterior.
40

terrestre (rodoviário e ferroviário); transporte aquaviário; e transporte aeroviário52.


Neste ponto, diferente das competências regulatórias genéricas da União, tratadas na
seção anterior, passa-se a abordar as competências (legislativas e administrativas) da
União em setores específicos de transportes não urbanos. Sendo assim, serão transcritos
abaixo os dispositivos constitucionais aplicáveis e, em seguida, serão tratados
sucintamente cada modo de transporte de competência federal.

“Art. 21. Compete à União: (...)


XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
(...)
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros
e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
(...)
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial;
(...)
Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e
terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar
os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.
Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as
condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação
interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.” (grifo acrescido)

52
Segundo a lei nº 12.379, de 6 de janeiro de 2011: “Art. 2º O SNV é constituído pela infraestrutura física
e operacional dos vários modos de transporte de pessoas e bens, sob jurisdição dos diferentes entes da
Federação. (...) § 2º Quanto aos modos de transporte, o SNV compreende os subsistemas rodoviário,
ferroviário, aquaviário e aeroviário.” (grifo acrescido)
41

4.1. Transportes terrestres não urbanos

Conforme se observa em relação aos transportes terrestres, as competências


materiais da União, prevista no art. 21, XII, da CRFB53, se referem transporte ferroviário
e rodoviário interestadual e internacional (alíneas “d” e “e”, respectivamente, do referido
artigo). De forma mais genérica, o art. 178 traz a competência legislativa federal para
ordenação do transporte terrestre (além de referir também aos outros modais), deixando
claro, inclusive, que ao transporte internacional incidirão as normas previstas em acordos
internacionais firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Buscando
regular os referidos dispositivos constitucionais, conforme já visto, foram editadas a lei
nº 10.233/2001, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre,
além de ter criado a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ e o Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de Transportes – DNIT; e a lei nº 12.379/2011, que dispõe sobre o Sistema
Nacional de Viação, onde se incluem o Subsistema Rodoviário Federal e o Subsistema
Ferroviário Federal.
Já em relação aos Estados, são a estes atribuídos os transportes rodoviários e
ferroviários intermunicipais, pois, embora não haja previsão constitucional expressa
neste sentido, deve-se aplicar o artigo 25, § 1º, da CRFB, cuja previsão é no sentido de
que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição.” Assim, excluídas as competências federais e as municipais em transportes
terrestres, restam os transportes terrestres intermunicipais.

4.2. Transportes aquáticos

Ato contínuo, maior complexidade apresenta o transporte aquático em relação aos


terrestres. No âmbito da competência material, à União são atribuídos os serviços de
transporte aquaviário “entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham
os limites de Estado ou Território” (art. 21, XII, “d”). Constitui a mesma regra válida ao
transporte terrestre. Mas a alínea “f”, do mesmo dispositivo, também atribui competência

53
Consigne-se que os institutos da concessão, permissão e autorização, serão trados no próximo capítulo
em maiores detalhes.
42

material à União para “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou


permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres”.
Além das competências materiais sobre o setor em tela, “compete privativamente à
União legislar sobre direito marítimo” (art. 22, I); e sobre regime dos portos, navegação
lacustre, fluvial e marítima (art. 22, X). Ademais, há aqui a aplicação do art. 178, sobre
ordenação do setor, mas com a regra específica trazida pelo seu parágrafo único: “Na
ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte
de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações
estrangeiras.”
Conforme já afirmado, cabe nesta seara a aplicação da lei nº 10.233/2001, que trata
sobre transportes terrestres e aquaviários e, conforme já apontado, cria a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ. Do mesmo modo, cabe a lei nº 12.815,
de 5 de junho de 2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de
portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores
portuários, e dá outras providências. Aplica-se ainda a lei nº 9.432, de 8 de janeiro de
1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário e dá outras providências.
Nota-se que neste setor, diferente dos transportes terrestres, não basta observar se
o transporte é interestadual ou internacional para se identificar a competência da
União, haja vista o constituinte originário ter concentrado grande parte das atribuições
legislativas e executivas deste setor na União Federal. Não obstante, considerando-se que
são bens dos Estados “as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em
depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”
(art. 26, I, da CRFB), é possível que os Estados operem ou regulem, no que couber, os
transportes aquaviários, desde que respeitada a legislação federal aplicável ao setor54.
Neste sentido, cite-se como exemplo da CCR Barcas, concessionária de serviços públicos
dedicada à operação de transporte de massa no modal aquaviário, com direito de atuação
no Estado do Rio de Janeiro55. Trata-se de um contrato de concessão de serviço público
celebrado entre o Estado do Rio de Janeiro e a empresa operadora.

54
Anote-se também a possibilidade de delegação, da União para os Estados e DF, em relação às
competências legislativas privativas sobre transporte aquaviário (art. 22, parágrafo único, da CRFB).
55
CCR BARCAS. Sobre a CCR Barcas. Disponível em: http://www.grupoccr.com.br/barcas/sobre-a-ccr-
barcas. Acesso em 16/09/2019.
43

4.2. Transportes aéreos

Se o transporte aquático já apresenta maior complexidade em relação aos terrestres,


o setor de transporte aéreo é o mais peculiar: não há, em regra, espaço para competência
para os outros entes políticos além da União56. Desse modo, a competência material
sobre o setor está prevista na alínea “c”, do inciso XII, do artigo, 21, da CRFB: “Compete
à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão a
navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária.”. Já o art. 22, I, prevê,
dentre outras, a competência da União para legislar sobre direito aeronáutico. Tendo isto
em vista, as principais normas federais a respeito do tema é a Lei nº 7.565, de 19 de
dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica) e a Lei nº 11.182, de 27 de
setembro de 2005, que “cria a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, e dá outras
providências.”
A grande peculiaridade do transporte aeroviário é o modo distinto pelo qual se
aplica o princípio da predominância do interesse, pois, como se observa, trata-se de um
setor que, pela sua natureza, traduz interesse de caráter nacional em todos os seus
aspectos. Primeiro, pela maior complexidade quanto à segurança e à tecnologia
apresentados nesta modalidade de transporte. Segundo, pela velocidade de deslocamento,
que permite que o trajeto geralmente exceda o âmbito territorial do Município, ou mesmo
do Estado. Cabe ressalvar, porém, os casos de helicópteros que fazem o chamado “táxi-
aéreo”, cujo trajeto pode se situar mesmo em um único município. Só que, mesmo neste
caso, a competência do serviço não se torna municipal (ou estadual), permanecendo no
âmbito federal57.

56
Digo “em regra” baseado na possibilidade aberta pelo parágrafo único, do art. 22, da CRFB: “Lei
complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas
neste artigo.”. De fato, uma das matérias relacionadas neste artigo é justamente o direito aeronáutico (art.
22, I) e a navegação aérea (art. 22, X).
57
Ocorre que as inovações tecnológicas podem trazer no futuro alguma mudança da dinâmica municipal
dos táxi-aéreos. Ainda que a atividade já exista há algum tempo, fato que é que não se trata de um serviço
de fácil acesso pelos citadinos. No entanto, o site de notícia Forbes Brasil publicou recentemente uma
matéria que aponta para uma possível revolução que estar por vir no âmbito do setor de transporte aéreo
urbano. Vale a transcrição de um trecho da matéria: “O conglomerado aeroespacial Embraer está
apostando suas fichas no desenvolvimento de produtos e serviços em torno do transporte aéreo urbano. A
gigante brasileira está convencida de que este será o próximo grande passo no que diz respeito
à mobilidade. Terceira maior fabricante de aeronaves do mundo, atrás apenas da Boeing e da Airbus, com
receita de US$ 5,8 bilhões, a companhia lançou seu braço de mobilidade urbana, Embraer X, há dois anos,
depois de reconhecer que o setor aeroespacial passará por uma transformação inédita. ‘A próxima onda
de evolução nos transportes mudará a sociedade como a conhecemos. Nosso papel é desenvolver negócios
disruptivos no setor aeroespacial antes que outras empresas interfiram na área em que operamos’, diz
Antonio Campello, diretor executivo da Embraer X. A Embraer é uma das fabricantes por trás da Uber
Air, iniciativa de mobilidade urbana planejada para 2023. Aos 49 anos, a empresa brasileira é uma das
44

Sem embargo do que foi dito até aqui sobre o transporte aéreo, não se deve
confundir a competência exclusiva (ou privativa) da União, no tocante aos aspectos
específicos deste setor, com as possíveis conexões que possam haver com outros temas,
a exemplo do direito ambiental ou do direito urbanístico. Tais conexões não afastam as
competências atribuídas aos Estados e aos Municípios nas matérias associadas. Neste
sentido, existem precedentes do Supremo Tribunal Federal que confirmam este
entendimento.
Finalizando, repise-se que as modalidades de transportes tratadas nesta última seção
não serão analisadas neste trabalho. A apresentação sucinta destes setores foi proposta
somente com o intuito de delimitar de forma mais exata os transportes urbanos, estes sim,
objeto de análise no presente estudo.
. Sendo os transportes urbanos um dos setores mais importantes do domínio
econômico, uma vez delineado, neste capítulo inicial, o regime-jurídico constitucional do
setor em tela, no próximo capítulo será abordada, de modo abstrato, a disciplina legal e
constitucional acerca dos diferentes níveis de intervenção estatal na economia. Após a
apresentação e análise deste arcabouço teórico, no capítulo 3, o setor dos transportes
urbanos será detidamente analisado sob esta perspectiva, dando-se ênfase, no final, aos
transportes individuais mediante aplicativos do tipo Uber.

parceiras mais experientes do projeto e pode ajudar a superar as questões regulatórias e obstáculos de
infraestrutura em torno das viagens aéreas para colaborar com o cronograma da Uber”. (grifo no
original). MARI, Angelica. Como a Embraer planeja vencer a guerra aérea urbana. Forbes Brasil,
26/04/2019. Disponível em: https://forbes.uol.com.br/negocios/2019/04/como-a-embraer-planeja-vencer-
a-guerra-aerea-urbana/. Acessado em 16/09/2019.
45

CAPÍTULO 2. NÍVEIS DE INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE A ECONOMIA

1. Considerações iniciais

Tradicionalmente, os debates sobre os diferentes níveis de ingerência estatal sobre


a economia pressupõem uma distinção geral em algumas categorias, consagradas na seara
da Economia Política58. Segundo Leonardo Vizeu Figueiredo:

“Trata-se (...) da forma de participação do Estado nas atividades de cunho


econômico, desenvolvida em seu respectivo território. O estudo do
posicionamento econômico do Estado é essencial para a segurança jurídica e
o bem-estar econômico dos indivíduos, uma vez que vai dar a estes o
conhecimento prévio dos mecanismos legítimos para o exercício de liberdades
econômicas e para a individualização de bens na esfera de domínio
privado.”59 (grifo acrescido)

O mesmo autor, baseando-se nas formas de participação do Estado nas atividades


econômicas, distingue cinco categorias gerais: o Estado Liberal, o Estado
Intervencionista Econômico, o Estado Intervencionista social, o Estado Intervencionista
Socialista, e o Estado Regulador60.
De modo sucinto, neste momento serão destacadas as características principais de
cada categoria. O Estado Liberal é identificado como aquele onde se valoriza a livre
iniciativa de modo mais radical. Atribui-se ao Poder Público atribuições estritamente
relacionadas com a manutenção da ordem pública, e também da proteção e garantia dos
contratos e da propriedade privada, havendo intervenção mínima nas atividades
privadas. Credita-se ao laissez-faire61 a garantia de que o desenvolvimento social e
econômico dos países seria naturalmente concretizado, em decorrência de um mecanismo
denominado de “mão invisível” por Adam Smith. Ocorre que a experiência empírica dos
países que adotaram este sistema mostrou resultados bem distintos dos previstos por esta

58
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Editora Forense, 7ed., Rio de Janeiro,
2012, p. 70-76.
59
Ibidem, p. 70.
60
Ibidem, p. 70-76.
61
Tradução literal: “deixe fazer”; traduz a ideia da livre iniciativa, em sua acepção mais radical ou pura.
46

corrente liberal clássica, a exemplo do desemprego, do aumento da desigualdade social,


e profunda redução do padrão de vida de grande parte da população destes países62.
Ato contínuo, a segunda e a terceira categoria podem ser tradas conjuntamente, em
razão da grande proximidade que há entre elas (Estado Intervencionista Econômico e
Estado Intervencionista Social). Trata-se, na verdade, de duas propostas de solução que
muitos países encontraram para resolver ou atenuar os problemas decorrentes da adoção
do modelo liberal clássico. O Estado Intervencionista Econômico foi adotado sobretudo
nos EUA, por ocasião da implantação do New Deal, pelo então presidente Franklin
Delano Roosevelt, em resposta à crise econômica gerada pela Grande Depressão, de 1929.
Tendo sido fortemente influenciado pelas ideias de John Maynard Keynes, o New Deal
caracterizou-se pela forte intervenção do Estado na economia, tendo como objetivos
principais o alcance do pleno emprego, e o desenvolvimento de setores considerados
estratégicos para o desenvolvimento do país (infraestrutura, agricultura, indústria de
base), além da defesa da concorrência nos mercados. No campo da regulação, o New Deal
também impulsionou a maior ingerência estatal na economia mediante a criação de
inúmeras agencies, que, nos anos 90, serviriam de inspiração no Brasil para a instituição
das agências reguladoras. A respeito das agencies, é oportuno fazer remissão aos
exemplos elencados por Leonardo Vizeu Figueiredo:

“Como resultado direto do New Deal foram criadas nos Estados Unidos
dezenas de agências federais, cujo paradigma no direito brasileiro são as
autarquias sob regime especial, as quais receberam a alcunha de alphabet
agencies (agências alfabéticas, minha livre tradução), devido à profusão das
siglas com que eram designadas: CCC (Civilian Conservation Corps), TVA
(Tennessee Valley Authority), AAA (Agricultural Adjustment Administration),
PWA (Public Works Administration), FDIC (Federal Deposit Insurance
Corporation), SEC (Securities and Exchange Commission), CWA (Civil Works
Administration), SSB (Social Security Board), WPA (Works Progress
Administration), NLRB (National Labor Relations Board).”63 (grifo acrescido)

Do mesmo modo que ocorreu no Estado Intervencionista Econômico, o Estado


Intervencionista Social também instituiu mecanismos de intervenção na economia, mas

62
Os principais exemplos da adoção deste sistema foram o dos países pioneiros na implantação da primeira
fase da Revolução Industrial, sobretudo no século XIX, em países como EUA, Inglaterra, Alemanha,
França, dentre outros exemplos.
63
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit., p. 72.
47

com a diferença de que também passou a atuar diretamente na assistência social da


população. Por essa razão, também se atribui a esse tipo estatal a denominação de Estado
de Bem-Estar Social, no qual o bem estar da população passa a constituir responsabilidade
fundamental do Estado, a exemplo do que ocorreu nos setores da previdência social,
saúde, habitação, educação, saneamento, assistência social, dentre outros serviços
considerados essenciais. Neste caso, o intervencionismo social é baseado no princípio da
solidariedade, o qual preconiza tanto a distribuição equitativa dos custos e riscos sociais
quanto a melhor distribuição de renda. No entanto, o principal problema que vem sendo
associado a estes modelos de intervenção estatal é o aumento do déficit fiscal, implicando
em progressiva redução da capacidade financeira do Estado de concretizar suas funções64-
65
.
O Estado Intervencionista Socialista, a seu turno, constitui a experiência de maior
grau de intervenção estatal na economia já constatado, pelo menos desde a Revolução
Industrial. De fato, trata-se de um modelo em que, ao vedar a propriedade privada dos
meios de produção, confere ao Estado a função de planejar e executar as atividades
econômicas, a partir de políticas centralizadas pela burocracia estatal. Como se sabe, a
partir do final dos anos 80, com a queda do muro de Berlim e a extinção da União
Soviética, os países do Leste Europeu, e também a China, vêm gradativamente admitindo
a propriedade privada dos meios de produção e a adoção de mecanismos típicos da
economia de mercado em seus territórios.
Por último, o chamado Estado Regulador foi concebido como uma resposta à crise
fiscal e inflacionária que ocorreu na maioria dos países que adotaram modelos de maior
intervencionismo estatal na economia66. O acirramento da competição no comércio
internacional, impulsionado a partir da segunda metade do século XX pela globalização,
também impôs aos países a necessidade de alcançar maior eficiência econômica. Foi o
que se buscou, a partir dos anos 80, em países desenvolvidos67, e a partir dos anos 90, em
países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Em relação a este ponto, cabe fazer

64
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Ibidem, p. 74.
65
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle.
Cadernos MARE da reforma do estado, v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do
Estado, 1997, p. 13-14.
66
BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas,
econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Editora Fórum, 7ed., Belo Horizonte,
2016, p. 160.
67
Anote-se os EUA, de Ronald Reagan, e a Inglaterra, de Margaret Thatcher, experiências marcadas pela
redução do intervencionismo estatal na economia, como alternativa política de solução da crise fiscal.
48

remissão às ideias de Luiz Carlos Bresser Pereira, um dos idealizadores da Reforma de


Estado implementada no Brasil nos anos 90:

“Reconstrução do Estado que significa: recuperação da poupança pública e


superação da crise fiscal; redefinição das formas de intervenção no
econômico e social através da contratação de organizações públicas não-
estatais para executar os serviços de educação, saúde, e cultura; e reforma da
administração pública com a implantação de uma administração pública
gerencial. Reforma que significa transitar de um Estado que promove
diretamente o desenvolvimento econômico e social para um Estado que atue
como regulador e financiador a fundo perdido desse desenvolvimento .”68
(grifo acrescido)

O mesmo autor, em outro trabalho, ao considerar as mudanças que historicamente


vem ocorrendo nos modelos de intervencionismo econômico adotados pelos Estados,
sustenta haver uma natureza cíclica nestas mudanças. Para ilustre autor, a intervenção
estatal tende a expandir-se e contrair-se ciclicamente, conforme as mudanças conjunturais
dos períodos históricos considerados:

“Minha asserção básica é que a intervenção estatal expande-se e contrai-se


ciclicamente, e que a cada novo ciclo o modo de intervenção muda. Por um
determinado período a intervenção estatal aumenta, o Estado assume um
papel crescente na coordenação do sistema econômico, na microalocação de
recursos, na macrodefinição do nível de poupança e investimento (ou do
equilíbrio entre oferta e demanda agregada), e na micro-macrodeterminação
da distribuição de renda entre as classes sociais e entre os setores da
economia. Mas como a intervenção estatal aumenta, seja em termos de
participação do Estado e das empresas estatais no PIB, seja em termos do
grau de regulação ao qual a economia é submetida, ela começa a ficar
disfuncional. O excesso de regulação, que retarda ao invés de estimular e
orientar a atividade econômica, e enormes déficits públicos no lugar da
obtenção de poupança forçada, são os dois sintomas básicos a indicar que a
expansão do Estado excedeu. É o momento de reverter o ciclo, de contrair o
Estado e expandir o controle do mercado, é tempo de desregular e
privatizar.”69 (grifo acrescido)

68
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ibidem, p. 17.
69
Idem. O Caráter Cíclico da Intervenção Estatal. Revista de Economia Política. Vol.9, n.3, julho 1989, p.
121.
49

A última categoria analisada na presente seção (Estado Regulador), conforme já


mencionado, foi adotada no Brasil como modelo mediante a Reforma de Estado dos anos
90, consubstanciada, sobretudo, na Emenda Constitucional nº 08, de 1995 (que permitiu
a abertura do setor de Telecomunicações à iniciativa privada); na Emenda Constitucional
nº 19, de 1998 (Reforma Administrativa); e na Lei nº 9.491, de 1997 (Lei que institui o
Programa Nacional de Desestatização). Isto posto, a partir desta nova conjuntura, ainda
que se considere a alternância que tem ocorrido entre governos federais mais ou menos
intervencionistas, fato é que a abertura de setores da economia à iniciativa privada tem
se tornado uma tendência, havendo, assim, um claro afastamento do nível de estatização
vivenciado em períodos anteriores, a exemplo das “Eras Vargas e JK”, do regime militar
e da transição democrática.
Sendo assim, diante do panorama jurídico que vem sendo delineado a partir da
última década do século XX, muito se discute acerca dos diferentes níveis de intervenção
estatal decorrentes do atual modelo de Estado Regulador, previsto na Constituição
Federal de 1988. Tendo isto em vista, neste capítulo buscar-se-á examinar os parâmetros
definidos pelo ordenamento jurídico acerca do intervencionismo estatal sobre a
economia, incluindo as suas nuances e as diferentes categorias de atividades econômicas
explícita ou implicitamente previstas, decorrentes do modelo adotado, a exemplo dos
serviços públicos e das atividades econômicas em sentido estrito. No capítulo 3, dando
continuidade ao trabalho, o setor dos transportes urbanos será analisado sob esta
perspectiva, tendo como foco principal os transportes individuais por aplicativos do tipo
Uber.

2. A definição do conceito de serviços públicos em face das outras atividades


estatais

O estudo dos níveis de intervenção do Estado sobre a economia, sob a perspectiva


do atual ordenamento jurídico brasileiro, pode ser iniciado pela divisão fundamental que
há entre as atividades classificadas como serviços públicos e as atividades econômicas
em sentido estrito. Antes, porém, impõe-se a necessidade do estudo apartado dos serviços
públicos como categoria específica de atividade estatal, pois há uma grande variação no
entendimento da doutrina sobre este aspecto da matéria.
50

Neste sentido, de acordo com Alexandre Santos de Aragão, já há algum tempo o


tema serviços públicos carece de consenso entre os doutrinadores administrativistas,
havendo uma indesejável variação conceitual, desde concepções muito abrangentes até
concepções excessivamente restritas.
Diante deste panorama confuso, o ilustre doutrinador propõe uma interessante
delimitação das principais acepções possíveis acerca dos serviços públicos: a concepção
amplíssima; a concepção ampla; a concepção restrita; e a concepção restritíssima70. Esta
divisão permite uma visão mais nítida sobre as possíveis definições do termo.
A primeira acepção (amplíssima) advém da escola clássica do serviço público de
Léon Duguit, na qual admite-se como serviços públicos todas as atividades estatais
(incluindo as legislativas e as jurisdicionais), ou como sinônimo de funções
administrativas, em uma acepção menos ampla. Ainda assim, nesta última concepção,
estariam incluídos não só os serviços públicos econômicos (delegáveis à iniciativa
privada mediante concessão ou permissão, e de fruição individual pelo usuário – art. 175,
da CRFB), os serviços sociais (saúde e educação, v.g.), e os serviços uti universi (obras e
serviços de fruição difusa pela coletividade, a exemplo da iluminação pública, limpeza
dos espaços públicos, e manutenção de estradas). Estão também incluídas na acepção
amplíssima, o exercício da polícia administrativa, e o fomento.
Nesta concepção tão abrangente, o que une todas estas distintas atividades em uma
só categoria é a finalidade da busca pelo bem-estar da coletividade, mediante o
cumprimento dos princípios da universalidade, regularidade, igualdade e continuidade
dos serviços. A amplitude de tal conceito, conforme Aragão pontua em sua obra aqui
mencionada, é indesejável para o Direito, enquanto ciência, dada a grande variação de
regimes jurídicos que incidem sobre as diferentes atividades abrangidas por tal conceito.
O autor indica, com razão, que o emprego da referida concepção talvez tenha maior
utilidade para outros ramos do conhecimento, a exemplo da Ciência Política, onde
provavelmente não será de maior relevância os aspectos distintos específicos dos
diferentes regimes jurídicos incluídos nesta mesma categoria.
Ato contínuo, na concepção ampla estão incluídas as atividades mencionadas na
acepção anterior, com exceção apenas das atividades de polícia administrativa e do
fomento. Sendo assim, são mantidas as atividades prestacionais em geral: serviços
públicos econômicos; serviços públicos sociais; e serviços públicos uti universi.

70
Ibidem, Locais do Kindle: p. 4476-4577.
51

A terceira acepção é a restrita, na qual há a exclusão também dos serviços uti


universi. Esta é a acepção adotada pelo autor em sua proposta de definição de serviços
públicos, que inclui apenas os serviços públicos econômicos e os serviços públicos
sociais:

“serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas


a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo
do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas
diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com
vistas ao bem-estar da coletividade.”

Por fim, há que se falar da acepção restritíssima, que exclui os serviços sociais e
mantém apenas os serviços públicos econômicos (art. 175, da CRFB). Embora o autor
reconheça haver distinção dos regimes jurídicos destas duas subcategorias, ele entende
que há um regime jurídico mínimo “significativo”71, posição que, data maxima venia,
não parece ser a mais adequada. Ao defender esta tese, o autor sustenta que a maioria das
atividades estatais, além dos serviços públicos econômicos, estão passando por um
processo de “economicização”, sobretudo no que se refere a certos mecanismos de gestão,
como as Parcerias Pública-Privadas, aplicáveis aos serviços sociais (saúde, v.g.).
Porém, entendo que isto não traduz a existência de um regime jurídico mínimo
significativo entre as subcategorias, pois há diferenças importantes entre os regimes
jurídicos dos serviços públicos econômicos e dos serviços públicos sociais, sendo a
principal delas a possibilidade de atuação dos agentes privados no mesmo setor em que
o Estado presta os serviços sociais (saúde, educação, etc.), havendo incidência do direito
à livre iniciativa, sem necessidade de delegação estatal, o que não ocorre com os serviços
públicos econômicos (tratados no art. 175, da CRFB)72.

71
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 4706-4707.
72
De fato, a Carta Maior prevê expressamente a possibilidade do fornecimento de serviços de saúde pelo
setor privado (art. 199, caput). O mesmo se aplica à área da educação, conforme o art. 209, da CRFB. Mas
Alexandre Aragão faz uma importante advertência, ao defender que os serviços sociais só devem ser
considerados como serviços públicos quando prestados pelo Estado, pois independente da possibilidade
de complementação pelo setor privado, por livre iniciativa, a CFRB confere a obrigação do Estado em
fornecê-los à população. Quando prestados de modo complementar pela iniciativa privada, serão
considerados como atividades econômicas em sentido estrito, evidentemente sob forte regulação estatal
em razão do interesse coletivo na atividade. Por esse motivo, anote-se também que, evidentemente, não há
que se falar em proteção da livre concorrência (art. 173, da CRFB) como garantia aos agentes privados em
relação à atuação do Estado nestas áreas. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 5201-
5204.
52

No entanto, há uma razão levantada pelo autor para incluir os serviços sociais
na categoria dos serviços públicos, afastando a acepção restritíssima, que é o fato de a
própria Constituição Federal de 1988 se referir aos serviços de saúde como serviços
públicos (art. 198, caput, § 2º, e art. 166, §§ 9º e 10).
Portanto, será adotado neste trabalho o conceito de serviços públicos adotado por
Alexandre Santos de Aragão, o qual, já transcrito acima, inclui tantos os serviços
públicos econômicos e os serviços públicos sociais (acepção restrita de serviços
públicos).
Não obstante, como o objetivo deste capítulo é analisar os níveis de intervenção do
Estado na ordem econômica, será necessário, daqui em diante, diferenciar os serviços
públicos econômicos das atividades econômicas em sentido estrito. Por não estarem
associados aos transportes urbanos, que é o tema geral do presente trabalho, bem como
por estarem mais diretamente relacionados à ordem social do que à ordem econômica, os
serviços públicos sociais (saúde, educação, assistência social, dentre outros) não serão
considerados nas discussões adiante, devendo-se deixar consignado, porém, que os
considero como uma subcategoria de serviço público, conforme os ensinamentos de
Aragão.

3. Serviços públicos econômicos x atividades econômicas stricto sensu

Conforme se verificou na seção anterior, o estudo dos serviços públicos apresenta,


como ponto de partida, insuperáveis controvérsias acerca da terminologia e da
delimitação das categorias associadas. No entanto, o que se viu até agora foram as
dificuldades encontradas na delimitação conceitual dos serviços públicos em face de
outras atividades estatais, análise tal que pressupõe a adoção do chamado critério
subjetivo73.
Ao se adotar o critério subjetivo, pressupõe-se que as atividades privadas, cujo
exercício decorre do princípio da livre iniciativa (atividades econômicas stricto sensu),

73
A concepção de serviços públicos que adota o critério subjetivo pressupõe o enquadramento apenas de
atividades de titularidade estatal no conceito. Mas também há autores que adotam o critério objetivo, que
é aquele que define o interesse no bem-estar coletivo como sendo a condição essencial do conceito, sendo
irrelevante o fato de ser a atividade de titularidade ou não do Estado, o que poderá até incluir,
equivocadamente, conforme será visto, atividades econômicas em sentido estrito no conceito de serviços
públicos. JUSTEN, Mônica Spezia apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p.
4710-4712 (nota de rodapé nº 75).
53

necessariamente estarão fora do conceito de serviços públicos. Cabe, então, a seguinte


questão: qual são os limites conceituais que separam os serviços públicos das atividades
econômicas em sentido estrito? E, ainda: como se verifica se uma determinada atividade
concreta, ou setor da economia, será enquadrado em um ou no outro conceito?
Em primeiro lugar, deve-se anotar que tanto os serviços públicos econômicos
quanto as atividades econômicas stricto sensu são atividades econômicas (lato sensu),
atraindo ambos a incidência do Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade
Econômica), do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), da Constituição Federal
de 198874.
De fato, os serviços públicos, embora possuam regramento específico no art. 175,
da CRFB, são atividades que além de envolverem a alocação de recursos materiais
escassos para a satisfação de necessidades humanas75, também atraem a incidência do
Direito do Consumidor76, e dos outros princípios da Ordem Econômica (art. 170, da
CRFB), salvo algumas exceções77. Portanto, enquadram-se os serviços públicos no
sentido amplo de atividade econômica.
Nada obstante, o art. 175, da Carta Magna, bem como a legislação
infraconstitucional decorrente desta norma, estabelece um regime jurídico especial, que
separa a categoria serviços públicos econômicos demais atividades econômicas em
sentido amplo. As principais diferenças decorrem da reserva de titularidade estatal dos
serviços públicos econômicos. A redação do referido dispositivo constitucional aponta
claramente para essa direção:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob


regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos.”

74
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 4416-4419.
75
JUSTEN FILHO, Marçal apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 4760 (nota
de rodapé nº 78).
76
Além da defesa do consumidor ser prevista como direito fundamental (art. 5º, XXXII, da CRFB); também
está previsto expressamente na Lei nº 8.987/1995 a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos
serviços públicos (“Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são
direitos e obrigações dos usuários: ...”); além disso, o próprio CDC faz referência aos serviços públicos
(“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: ... X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos
em geral”).
77
Por conta da incompatibilidade com os preceitos do art. 175, da CRFB, alguns princípios do art. 170 não
são aplicáveis aos serviços públicos, a exemplo da livre iniciativa (há a necessidade de delegação estatal
para o exercício da atividade), e da possibilidade de exigência de autorização, prevista no parágrafo único
do art. 175 (o regime de delegação se dá por permissão ou concessão, sendo incoerente a necessidade de
autorização).
54

Percebe-se que os serviços públicos poderão ser prestados diretamente pelo Poder
Público, ou pelos agentes privados apenas mediante delegação (concessão ou
permissão)78. Sendo assim, pode-se concluir que os serviços públicos econômicos
constituem um microssistema jurídico-normativo dentro da Ordem Econômica, com
peculiaridades nítidas.
Primus, trata-se de atividades fora do âmbito da livre iniciativa, pois só poderão
ser exercidas pelos agentes privados caso o Estado decida delegar a atividade (decisão
predominantemente política). Secundus, uma vez que o Poder Público tenha optado por
delegar o exercício da atividade, os interessados em prestar o serviço deverão anuir com
contrato de adesão (contrato administrativo) proposto pelo ente estatal, nas condições
por este estipuladas. Tertius, por se tratar de vínculo contratual, serão estabelecidas
obrigações positivas ao contratante privado, cujo inadimplemento implicará em sanções
contratuais. Ademais, desde que garantida a indenização por perdas e danos, será sempre
possível que a Administração Pública encerre o contrato por razões de conveniência e
oportunidade.
A todas estas condições, somam-se, é claro, a aplicabilidade da regulação prevista
na lei n° 8.987/1995, e das regulações específicas, a exemplo da lei n° 12.587/2012 (Lei
da Política Nacional de Mobilidade Urbana), que, do art. 8° ao 10, trata especificamente
dos serviços públicos de transporte urbano coletivo. Também não se deve olvidar a
sujeição dos serviços públicos à regulação geral sobre temas como meio ambiente,
Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, etc.79
Como é fácil notar, o fundamento que possibilita a prestação de serviços públicos
econômicos pelos agentes privados permite, em sua essência, um elevado grau de
ingerência estatal na atividade. É claro que, muitas vezes, o interesse dos governos em
atrair o setor privado para a prestação de serviços públicos poderá favorecer propostas de
contratos mais vantajosas e flexíveis para o operador privado. Por outro lado, também é
possível que atividades econômicas stricto sensu de relevante interesse coletivo (v.g.,
saúde suplementar, farmácias, setor financeiro), que prescindem de delegação estatal,
apresentem regulações muito rigorosas, muitas vezes superando a regulação de certos
serviços públicos. Ainda assim, as referidas peculiaridades do regime jurídico dos
serviços públicos possibilitam um grau maior de ingerência estatal, havendo, inclusive,

78
Os institutos da concessão e da permissão serão abordados mais adiante.
79
Anote-se que as atividades econômicas em sentido estrito também estão sujeitas a este último tipo de
regulação.
55

a possibilidade de retirada total de determinado setor do âmbito privado de prestação


delegada, caso o Poder Público opte pela prestação direta do serviço.
Diferentemente, no caso de atividade econômica em sentido estrito, mesmo
existindo relevante interesse coletivo a ela associado, sujeitando-a a um alto rigor
regulatório, a referida atividade só poderá ser retirada totalmente do âmbito do setor
privado (livre iniciativa) mediante alteração na lei ou na Constituição Feral de 1988, o
que equivale a transformá-la em serviço público econômico. Mesmo nesta última
hipótese, haverá ainda a necessidade de se observar os princípios da proporcionalidade
e da subsidiariedade, e o direito fundamental à livre iniciativa80.
Considere-se, por fim, que dentro do conceito de atividades econômicas lato sensu
(art. 170, CRFB), as atividades econômicas stricto sensu são identificadas por exclusão
das atividades que se enquadrem no conceito de serviços públicos (art. 175, CRFB).

4. Atividades econômicas stricto sensu monopolizadas pelo Estado

Seguindo a linha de entendimento que vem sendo construída, deve-se fazer nota a
um caso especial previsto na Ordem Econômica Constitucional. Em regra, conforme já
pontuado, o que separa fundamentalmente os serviços públicos das atividades
econômicas stricto sensu é o fato destas se situarem no âmbito da livre iniciativa,
enquanto que aqueles estão fora deste âmbito. No entanto, há uma exceção de atividades
econômicas stricto sensu que também estão fora da seara da livre iniciativa: as atividades
econômicas stricto sensu monopolizadas pelo Estado (atividades dos setores do petróleo,
gás natural e minérios nucleares – art. 177, CRFB).
Segundo o § 1º, do referido artigo, algumas dessas atividades podem ser delegadas
a empresas privadas81. Neste caso, a atuação dos agentes privados também estará
fundamentada na possibilidade de contratação com o Poder Público, sujeitando-se os
agentes privados a boa parte das prerrogativas contratuais do Estado aplicáveis aos
serviços públicos. Não se trata de delegação, mas de meros ajustes de contratos

80
Mais adiante, ainda neste capítulo, será realizada uma análise mais detida a esta questão.
81
O § 1º apenas não prevê a possibilidade de delegação ao setor privado das atividades previstas no inciso
V, do mesmo art. 177 (“a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja
produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as
alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.”).
56

administrativos, evidentemente sob a luz dos respectivos marcos regulatórios referentes


a cada um destes setores.
Diante deste panorama, cabe a seguinte questão: o que separa, conceitualmente, as
atividades econômicas monopolizadas pelo Estado dos serviços públicos econômicos?
Para responder a esta pergunta, faz-se pertinente repisar, mais uma vez, a definição de
serviços públicos de Alexandre Aragão, adotada neste trabalho:

“serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a


indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do
Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas
diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com
vistas ao bem-estar da coletividade.”. (grifo acrescido)

Dentro desta definição, a parte que afasta as atividades econômicas de monopólio


estatal do conceito de serviços públicos é a associação destes ao bem-estar da
coletividade. Destrinchando este ponto, o autor traz uma interessante análise que
considera esta acepção de bem-estar coletivo como um aspecto mais diretamente
relacionado ao interesse público primário do que ao interesse público secundário, sendo
este último mais intimamente ligados aos objetivos fiscais e estratégicos do Estado. Não
obstante, aduz ainda, o ilustre doutrinador, que o interesse público secundário também
está ligado ao bem-estar da coletividade, só que de forma mediata82.
Sendo assim, fica fácil perceber que as atividades relacionadas no art. 177, da
CRFB, associam-se mais propriamente ao interesse público secundário do que ao
primário. Não se tratando, então, de serviços públicos, só lhe restam ser enquadradas em
uma categoria excepcional de atividades econômicas stricto sensu, conforme o seguinte
esquema:

82
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 4837-4839.
57

ATIVIDADES ECONÔMICAS STRICTO


SENSU SOB MONOPÓLIO ESTATAL
(ART. 177, DA CRFB)
ATIVIDADES ECONÔMICAS
STRICTO SENSU
ATIVIDADES ECONÔMICAS ATIVIDADES ECONÔMICAS STRICTO
LATO SENSU SENSU SOB LIVRE INICIATIVA
(ART. 170-181, DA CRFB) (ART. 170, 173, DA CRFB)
SERVIÇOS PÚBLICOS
(ART. 175, DA CRFB)

Figura 3. Classificação das atividades econômicas, conforme a Constituição Federal de 1988 (art. 170
ao 181).

5. Enquadramento legal das atividades concretas nas diferentes categorias

Conforme se analisou na primeira seção deste capítulo, cada Estado soberano detém
plena autonomia para definir a amplitude de sua participação no domínio econômico.
Neste sentido, verificou-se que a experiência recente, pelo menos desde o século XIX até
o momento atual, apresentou diversas opções de graus interventivos, desde os modelos
mais estatizantes, cujo extremo poderia ser constatado nas experiências socialistas; até os
modelos mais liberais, a exemplo das experiências de muitos países ocidentais no XIX.
As principais variáveis desta escala são: (1) a abrangência, em concreto, do âmbito
de exercício da livre iniciativa (atividades econômicas stricto sensu não monopolizadas),
inversamente proporcional à (2) amplitude da reserva estatal de atividades econômicas
(serviços públicos e atividades econômicas monopolizadas). Quanto maior a segunda
variante, menor será a primeira, resultando em um modelo de Estado Provedor. Por outro
lado, quanto maior a primeira, menor será a segunda variável, tendo por resultado um
modelo Estado Liberal83.
Vale relembrar que, segundo Luiz Carlos Bresser Pereira, as diferentes
conjunturas que se seguiram ao longo destes últimos séculos revelaram um caráter cíclico
do intervencionismo estatal, que tem traduzido a resiliência das sociedades ao adotarem

83
Considero estas duas variáveis como sendo as principais na escala que mede o tamanho da participação
do Estado na economia, mas não as únicas. Há outra variável importante, que será analisada mais adiante:
o nível de regulação estatal sobre o domínio econômico, pois mesmo em modelos que definam uma menor
amplitude da reserva estatal de atividades econômicas, nada impede que a regulação e, portanto, o nível de
intervenção estatal sobre atividades não reservadas, inclusive, seja elevado. Esta hipótese acabaria também
por resultar em um Estado “gigante” sobre a economia,
58

diferentes modelos de Estado ao longo do tempo. Conforme as grandes crises


socioeconômicas se apresentam, as sociedades substituem os modelos, variando ora para
um lado ora para o outro lado da referida escala de participação estatal no domínio
econômico.
Isso posto, cabe, então, examinar os mecanismos jurídicos utilizados pelo Estado
brasileiro para criar ou extinguir a sua reserva de titularidade sobre cada atividade
econômica. Em outras palavras, passa-se a analisar, com base no ordenamento jurídico
brasileiro, a lógica de enquadramento, em concreto, de cada atividade ou setor da
economia em uma ou outra categoria. Complementa-se, desse modo, o exame realizado
na seção anterior, onde se buscou definir, sob o ponto de vista abstrato, as distinções
conceituais destas classes de atividades econômicas lato sensu.
Em primeiro lugar, deve-se consignar que é a lei ou a Constituição que definirá o
enquadramento de determinada atividade ou setor da economia dentro ou fora do âmbito
da livre iniciativa84. Caso haja essa retirada, a atividade se tornará de titularidade
exclusiva do ente estatal, podendo ser caracterizada como serviço público ou atividade
econômica em sentido estrito monopolizada, de acordo com os parâmetros da seção
anterior.
Tendo em vista a hierarquia que há entre as normas jurídicas, a análise de
determinado setor ou atividade deverá sempre ser iniciada a partir da Constituição Federal
de 1988. Caso a Lei Maior enquadre determinada atividade como serviço público, a
princípio, a sua liberação para o âmbito da livre iniciativa só será possível mediante
emenda constitucional, desde que não haja violação de cláusula pétrea. Se, por outro lado,
a Carta Política não definir a atividade como serviço público (ou como atividade
econômica stricto sensu monopolizada pelo Estado), será o caso de atividade econômica
stricto sensu, no âmbito da livre iniciativa85. Neste último caso, haverá a possibilidade de
lei ordinária transformar a atividade em serviço público (e posteriormente excluir esta
qualificação).

84
Esta necessidade de positivação na Lei ou na Constituição é um dos aspectos contidos na definição de
serviços públicos de Alexandre Aragão, adotada neste trabalho, e há pouco repisada. O autor contesta a
concepção de Duguit, na qual entende-se que a caracterização de determinada atividade como serviço
público decorreria não do Direito Positivo, mas sim da “natureza das coisas”, tendo em vista o bem-estar
da coletividade como caráter essencial do conceito. Afasta, ainda, o doutrinador, a possibilidade de ato
administrativo retirar determinado setor do âmbito da livre iniciativa, já que este é um direito fundamental
expressamente previsto na Lei Maior. Ibidem, Locais do Kindle p. 4795.
85
Rever o esquema da figura 3, que delimita estas categorias de atividades econômicas.
59

Pois bem, a Constituição Federal de 1988 qualificou expressamente algumas


atividades econômicas como serviço público. Por exemplo, no art. 25, § 2º, a Lei Maior
prevê que “Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado (...)”. Conforme será visto na próxima seção, a concessão e a
permissão são os meios jurídicos mediante os quais o Poder Público delega a prestação
de serviços públicos aos agentes privados. Sendo assim, o dispositivo é claro em afirma
que cabe aos Estados-Membros explorar diretamente o referido serviço, ou delegá-lo à
inciativa privada. Há também outro exemplo, este mais relacionado ao tema central deste
trabalho, que se refere aos serviços públicos de transporte coletivo, atribuídos aos
Municípios pela Constituição Federal86.
Há outro exemplo que, diferente dos ora consignados, tem sido fonte de inúmeras
controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais: as atividades econômicas relacionadas no
art. 21, XI, e XII, da CRFB. Trata-se de um artigo que elenca as competências materiais
exclusivas da União. Toda a controvérsia gira em torno da seguinte redação adotada pelo
legislador constituinte: “Compete à União explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão: (...)”. Como já foi afirmado, concessão e
permissão são meios jurídicos de delegação de serviços públicos à iniciativa privada.
Porém, a redação da norma também fala em autorização, que, conforme será
discutido na próxima seção, é ato de manifestação do poder de polícia, portanto, não tendo
qualquer relação com a delegação de serviços públicos, mas sim com o exercício do poder
de polícia sobre atividades privadas. Desse modo, a previsão da autorização deixa em
aberto ao o legislador a caracterização daquelas atividades como sendo serviços públicos
ou atividades econômicas stricto sensu, impondo-se, neste último caso, a necessidade de
autorização do Poder Público87, em razão do relevante interesse coletivo nestes setores.
O tema será retomado quando do exame das autorizações, no próximo capítulo.
Para fechar este ponto, não se pode olvidar que a transformação de determinada
atividade econômica stricto sensu em serviço público deverá sempre guardar
conformidade com a Lei Maior, respeitando-se os princípios da proporcionalidade e da
subsidiariedade88. É que, embora seja constitucionalmente possível a retirada de

86
Art. 30, V, da CRFB: “Art. 30. Compete aos Municípios: (…) V - organizar e prestar, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial;”
87
Este é o entendimento defendido por Alexandre Aragão.
88
O princípio da subsidiariedade refere-se à atuação estatal no domínio econômico, que deverá ocorrer em
último caso, somente quando indispensável para atender o interesse público.
60

determinada atividade do âmbito da livre iniciativa, reservando-a ao Estado, fato é que,


por se tratar de um fundamento da Ordem Econômica Constitucional e também da
República Federativa do Brasil89, a livre iniciativa não poderá ser restringida a este
ponto, senão em razão de outros valores fundamentais, e respeitando-se o princípio da
proporcionalidade.
Neste sentido, tendo em vista que Alexandre Aragão defende esta mesma tese em
relação às atividades elencadas no art. 21, XI, e XII, da CRFB90, há pouco comentadas,
não seria um equívoco adotar esta mesma lógica para qualquer setor que não tenha sido
previsto na Carta Política como serviços públicos, havendo uma margem de
conformação atribuída ao legislador ordinário.
Seguindo esta mesma sistemática, entendo que, mesmo havendo definição
constitucional de alguma atividade como serviço público, será possível ao legislador
constitucional derivado privatizá-la91 e posteriormente, se for o caso, qualificá-la mais
uma vez como serviço público, desde que não haja violação de cláusula pétrea, e, que,
repisando, seja observado o princípio da proporcionalidade.

6. Intervenção estatal sobre as atividades econômicas stricto sensu

Conforme pontuado na seção anterior, o intervencionismo econômico Estado pode


ser concebido em dois níveis distintos. O primeiro corresponde à amplitude da fatia do
domínio econômico cuja titularidade é reservada ao ente estatal. O segundo nível de
intervenção consiste nos graus de regulação estatal a que as atividades econômicas

89
Este ponto será abordado na próxima seção.
90
“A Constituição Federal deu, então, certa margem de discricionariedade ao Legislador em relação às
atividades enumeradas nos incisos X a XII do art. 21 para que, diante das evoluções tecnológicas
propiciadoras da concorrência e do Princípio da Proporcionalidade na sua expressão de subsidiariedade,
enquadre-as como serviços públicos ou como atividades privadas de interesse público sujeitas a uma
regulação de natureza autorizativo-operacional.” ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do
Kindle p. 6749-6753.
91
Neste trabalho, entende-se por privatização a transferência da titularidade de determinada atividade ou
bens patrimoniais do Estado para a iniciativa privada. A desestatização, a seu turno, é aqui entendida sob
uma concepção mais abrangente, envolvendo não só a privatização de bens ou atividades, como também a
mera delegação do exercício de determinada atividade estatal para a iniciativa privada. Esta linha de
entendimento, além de guardar conformidade com as disposições da Lei n° 9.491/1997, também é adotada
por José dos Santos Carvalho Filho. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. Editora Atlas, 31ed., São Paulo, 2017, p. 364-367.
61

stricto sensu sob livre iniciativa estão sujeitas92. É justamente este segundo aspecto que
será objeto de análise, na presente seção. Propõe-se, para melhor organização das ideias,
a divisão em quatro subseções: (6.1) a livre iniciativa como direito fundamental; (6.2) o
núcleo essencial da livre iniciativa como limite à regulação; (6.3) noções gerais sobre a
Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica); e (6.4) Autorizações administrativas.

6.1. A livre iniciativa como direito fundamental

O legislador constituinte originário concedeu posição de destaque à livre iniciativa,


considerando-a não só como um dos fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput,
e parágrafo único), mas também como um dos cinco fundamentos da República
Federativa do Brasil (art. 1°, IV). De fato, os efeitos da livre iniciativa transcendem os
domínios da ordem econômica, tendo relação direta com o direito à liberdade (art. 5º,
caput, da CRFB), liberdade de associação (art. 5°, XVII), e liberdade de exercício de
profissão e trabalho (art. 5°, XIII, e art. 170, caput, e parágrafo único). Além disso, por
estar relacionada com o livre desenvolvimento da personalidade, a livre iniciativa deve
estar inserida no conceito de dignidade da pessoa humana.
Muito se discute sobre a possibilidade ou não de haver direitos fundamentais
extensíveis às pessoas jurídicas, e consequentemente, às empresas. Neste debate,
Alexandre Aragão sustenta que:

“As pessoas jurídicas são titulares dos direitos fundamentais assegurados


pela Constituição, salvo aqueles que, por sua natureza, só possam concernir
às pessoas físicas (ex., o direito à integridade física, o direito de constituir
família). Isso se dá tanto pelo imediato reflexo que os direitos das pessoas
jurídicas têm sobre os direitos das pessoas físicas que constituem o seu corpo
social, como em razão da tutela que o ordenamento jurídico dá a esses entes

92
É preciso consignar que dentro das categorias do domínio econômico que vem sendo trabalhadas no
presente capítulo, o art. 173, da CRFB, refere-se às atividades econômicas stricto sensu exercidas pelo
Estado, em regime de concorrência com a iniciativa privada (diferente do que ocorre na seara dos serviços
públicos). Desse modo, o referido dispositivo determina que, apenas subsidiariamente, o Estado atuará
neste domínio (situações de imperativos de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo).
Ademais, os parágrafos do art. 173 trazem disposições que buscam limitar os efeitos que a atuação estatal,
ainda que em regime de concorrência, poderiam gerar sobre os agentes privados. Trata-se de garantia de
defesa da concorrência justamente para que este tipo de atuação estatal não constitua ingerência
indevida nas atividades privadas. Portanto, embora haja algum impacto no domínio econômico, não se
trata de um modo de intervenção estatal na atuação dos agentes privados.
62

intermédios da sociedade, essenciais para o desenvolvimento econômico e


social do país.”93.

Sendo assim, negar o direito de livre iniciativa a um agente econômico pessoa


jurídica seria o mesmo que, por extensão, negar tal direito fundamental às pessoas físicas
que constituíram a sociedade empresária.
Pois bem, o status de direito fundamental conferido à livre iniciativa pela Lex Mater
implica em importantes consequências no âmbito do intervencionismo estatal sobre a
economia. Diante disto, é certo que o constituinte originário estabeleceu limites à
expansão do tamanho do Estado em relação domínio econômico, havendo, é claro,
alguma margem de elevação e redução deste intervencionismo, de acordo com a
perspectiva política de cada governo.
Esta margem de intervenção corresponde ao limite de conformação do legislador
no que se refere à regulação das atividades econômicas. De fato, as razões legítimas para
a conformação legislativa que resultar em restrições à livre iniciativa devem estar
fundamentadas em outros valores ou direitos constitucionais. Sendo assim, não seria um
equívoco concluir que toda regulação sobre atividades econômicas envolverá um certo
grau de colisão entre o direito fundamental à livre iniciativa e os direitos/valores
fundamentais dos quais decorram a necessidade de regulação. Não obstante, o que nunca
poderá ocorrer é o esvaziamento de qualquer valor/ direito fundamental, inclusive o
direito à livre iniciativa. Impõe-se, como meio de superação deste conflito, o respeito ao
núcleo essencial94(“limite dos limites”) da livre iniciativa e a técnica de ponderação de
Robert Alexy95, na qual o princípio da proporcionalidade ocupa um papel decisivo.

93
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 6356-6361. Neste trecho, o doutrinador
ainda cita um interessante posicionamento de MARTIN H. REDISH sobre o assunto: “As pessoas jurídicas
são apenas uma forma de associação voluntária, uma conjunção de talentos e recursos nelas
conscientemente aportados por indivíduos” (trecho em nota de rodapé n° 15).
94
Sobre o núcleo essencial dos direitos fundamentais, Gilmar Ferreira Mendes afirma que: “A ordem
constitucional brasileira não contemplou qualquer disciplina direta e expressa sobre a proteção do núcleo
essencial de direitos fundamentais. É inequívoco, porém, que o texto constitucional veda expressamente
qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4º, IV).
Tal cláusula reforça a ideia de um limite do limite também para o legislador ordinário. Embora omissa no
texto constitucional brasileiro, a ideia de um núcleo essencial decorre do próprio modelo garantístico
utilizado pelo constituinte. A não admissão de um limite ao afazer legislativo tornaria inócua qualquer
proteção fundamental.” MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. Editora Saraiva, 12 ed., São Paulo, 2017, p. 192.
95
“Para Alexy, a ponderação realiza-se em três planos. No primeiro, há de se definir a intensidade da
intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção.
No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito. Alexy enfatiza que o
postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação
63

Isto posto, cabe agora analisar os limites da regulação estatal sobre as atividades
econômicas, tendo em vista a inviolabilidade do núcleo essencial do direito à livre
iniciativa.

6.2 O núcleo essencial da livre iniciativa como limite à regulação

Primeiramente, cabe consignar que o art. 174, da CRFB, trata especificamente da


função regulatória do Estado:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o


Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado.”

Conforma aponta a redação do dispositivo, cabe ao Poder Público regular as


atividades econômicas, mediante a edição de atos normativos (legais e infralegais), bem
como exercer a fiscalização do cumprimento destas normas por parte dos agentes
econômicos. Ademais, cabe ao Estado planejar setores da economia, de modo
determinante para o setor público, mas meramente indicativo para o setor privado,
mediante incentivos.
O art. 174 permite identificar dois modos de intervenção do Estado na economia:
(1) a intervenção positiva ou promocional; (2) a intervenção negativa.
O primeiro modo corresponde ao dirigismo estatal sobre a economia. Trata-se da
promoção de políticas públicas setoriais, decorrentes do planejamento estratégico do
Estado. Ocorre que o artigo em tela deixou claro que o planejamento estatal da economia,
embora seja determinante para o setor público, será apenas indicativo para o setor
privado. Neste último caso, a intervenção estatal nas atividades privadas poderá ocorrer
apenas mediante incentivos, cuja adesão por parte dos agentes econômicos será
facultativa96.
Consigne-se que esta distinção corresponde justamente àquela que há entre o
regime jurídico dos serviços públicos e o das atividades econômicas em sentido estrito.

segundo a qual, quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, mais
significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção”. Ibidem, p. 214.
96
BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 166-168.
64

Ao combinar a interpretação do art. 174, da CRFB, com os dispositivos constitucionais


que definem expressamente a livre iniciativa como fundamento da Ordem Econômica
(art. 170, caput) e como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1°, IV), fica
nítido que a Lei Maior impõe um limite claro ao intervencionismo estatal na economia.
Não seria um equívoco concluir que o núcleo essencial da livre iniciativa estará, em parte,
resguardado quando o Poder Público observar o art. 174, da CRFB, limitando seu
planejamento sobre setores privados da economia a um caráter meramente indicativo,
mediante incentivos.
Nesta seara, do dirigismo estatal, o núcleo essencial da livre iniciativa impede a
imposição estatal de obrigações positivas prestacionais aos agentes privados. É que a
implementação de políticas públicas não é uma atribuição a priori da iniciativa privada,
mas sim do Estado. Fato é que o direito à livre iniciativa confere aos particulares a
faculdade de exercer as atividades econômicas visando seus próprios interesses privados,
desde que, é claro, observados os valores e direitos fundamentais, previstos na Lex Mater.
Sendo assim, o dirigismo estatal, conforme claramente prevê o art. 174, somente será
legítimo quando se fizer mediante incentivos, cuja adesão por parte dos agentes privados
sempre será facultativa97. Situação distinta será aquela em que o particular atuar como
prestador de serviços públicos, pois no regime contratual de delegação o Poder Público
estabelecerá obrigações positivas prestacionais ao operador, que, tendo anuído com o
contrato, deverá cumprir com o estipulado.
No campo da intervenção estatal negativa98, a seu turno, a necessidade de tutela
dos diversos valores e direitos fundamentais previstos na Carta Política legitima a
imposição estatal de obrigações negativas e positivas aos agentes privados. Dos valores
constitucionais protegidos decorrem dois tipos de regulação.
A primeira envolve direitos e valores associados diretamente ao setor em questão.
Trata-se de aspectos intrínsecos à atividade econômica em tela, como a defesa da

97
“A maioria das obrigações positivas cuja imposição aos empresários privados é vedada ao Estado
geralmente constituem ações que o Governo deveria executar per se. O Estado não pode, em razão de
eventuais dificuldades financeiras ou mero comodismo, determinar a uma empresa privada, não
prestadora de serviço público, que as execute em seu lugar. Se ele realmente quiser desenvolver essas
ações, deve fazê-lo às suas expensas, eventualmente até mesmo contratando a empresa prestadora do
serviço privado de interesse público, ou requisitando os seus serviços mediante indenização, se estiverem
presentes os pressupostos legais para tanto.” ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle
p. 6549-6554.
98
Corresponde à “regulação por normas de comando e controle”. BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p.
164-166.
65

concorrência, do consumidor, bem como a inibição de abusos do poder econômico. É o


que se costuma chamar de regulação das falhas de mercado99.
A segunda categoria trata da tutela de valores extrínsecos às relações econômicas
do setor, a exemplo da defesa do meio ambiente e da ordem pública100. Trata-se, portanto,
de regulação geral, à qual todas as atividades, econômicas ou não, estão sujeitas.
Tanto a regulação das falhas de mercado quanto a regulação geral constituem
modos de intervenção negativa do Estado na economia, que, a despeito do nome,
possibilita que o Poder Público imponha obrigações positivas ou negativas ao agente
privado, sendo negativa (a intervenção) na medida em que se busca inibir a violação dos
direitos e valores fundamentais. Daí o art. 174, da CRFB, prever a função estatal de
normatizar, regular e fiscalizar as atividades econômicas.
Sendo assim, cabe consignar que mesmo neste caso, da intervenção negativa, a
regulação deverá observar o núcleo essencial do direito à livre iniciativa. Neste sentido,
a imposição de obrigações negativas e positivas não poderá atingir um nível tal a ponto
de impossibilitar o exercício da atividade em questão, tanto na regulação geral101 quanto
na setorial102. Havendo colisão de valores/direitos fundamentais, a necessidade e a
proporcionalidade dos mecanismos regulatórios deverão ser analisadas mediante a
técnica da ponderação103.

99
“ (...) afinal, por que regular? Pela ótica da ciência econômica, a resposta segue uma lógica simples:
sempre que o mercado concretamente analisado apresentar falhas estruturais e comportamentais vis-à-vis
das características do modelo ideal de mercado em concorrência perfeita (hipóteses i a v supra), está-se
diante de falhas de mercado que justificam a regulação estatal.” BINENBOJM. Gustavo. Op. Cit., p. 176.
100
“Além disso, sempre será possível orientar a escolha regulatória pela busca de outros valores
considerados relevantes no processo democrático, seja para a inibição de efeitos indesejáveis (degradação
ambiental, lesão a consumidores, discriminação de grupos minoritários), seja para a promoção de efeitos
desejáveis pelo mercado (higidez do meio ambiente, ampliação da oferta de bens essenciais, inclusão de
pessoas com necessidades especiais ou historicamente discriminadas).” Ibidem, p. 176.
101
“As limitações são gerais e se inserem no próprio conteúdo do direito; não chegam a coarctar os
atributos concernentes ao seu núcleo essencial para torná-los despiciendos ou pouco significativos. Por
essas razões, não são indenizáveis. Se ultrapassar esses lindes, a limitação legal ou administrativa na
verdade terá deixado de o ser, constituindo uma servidão administrativa, uma requisição, uma
desapropriação ou um confisco puro e simples. Não é por outra razão que o núcleo essencial dos direitos
fundamentais é chamado de ‘limite dos limites”. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle
p. 6421-6425.
102
“O Estado pode exigir das empresas alguns comportamentos, sempre acessórios às suas atividades
principais – via de regra consequências lógicas do seu exercício –, que contribuam para realizar o
interesse público setorial ligado à atividade principal. As empresas podem ter a atividade funcionalizada
para a realização das políticas públicas do setor em que atuam, mas não podem ser forçadas elas próprias
a executá-las, salvo se o Estado contratá-las ou indenizá-las.” ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit.
Locais do Kindle p. 6513-6517.
103
“As limitações à liberdade de empresa são legítimas sempre que não constituam limitações irracionais,
desproporcionais ou arbitrárias, que possam impedir ou reduzir consideravelmente o exercício da
atividade empresarial”. ORTEGA, Ricardo Rivero apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais
do Kindle p. 7114-7116 (nota de rodapé n° 30).
66

Por fim, anote-se que as possíveis colisões de valores e direitos fundamentais


podem envolver outros direitos, além da livre iniciativa, que imponham uma regulação
mais permissiva à atividade. Trata-se de direitos legítimos de interessados na
continuidade na atividade, a exemplo do direito fundamental ao transporte (art. 6º, da
CRFB), que está envolvido na regulação dos serviços de aplicativos do tipo Uber.

6.3. Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica)

Não se pode deixar de fazer nota, ainda que de forma sucinta, sobre Lei nº
13.874/2019. Trata-se da chamada “MP da Liberdade Econômica” (Medida Provisória nº
881, de 2019), que foi convertida em lei em setembro de 2019. O diploma legal “institui
a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à
livre iniciativa e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e
regulador” (art. 1º, caput).
O referido dispositivo faz menção ao art. 170, parágrafo único, da CRFB, que prevê
que apenas a lei poderá exigir autorização de órgãos públicos para o exercício das
atividades econômicas. Ademais, o mesmo art. 1º, da Lei nº 13.874/2019, também faz
alusão ao art. 174, da CRFB, o qual também afirma que, na forma da lei, o Estado, como
agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.
Percebe-se, diante destas remissões, que a Lei da Liberdade Econômica veio
exercer o papel de norma geral sobre a proteção da livre iniciativa, de modo a
regulamentar os referidos dispositivos constitucionais que tratam dos limites que a
intervenção estatal sobre a economia deverá observar.
Além de trazer um catálogo de direitos e garantias relacionados à liberdade
econômica (art. 3º e 4º), a Lei também traz alterações em inúmeros diplomas legais,
inclusive o Código Civil de 2002 (do art. 6º ao 15). Ademais, o art. 2º, em seus incisos,
define os seguintes princípios norteadores da Lei 13.874/2019: (I) a liberdade como uma
garantia no exercício de atividades econômicas; (II) a boa-fé do particular perante o
poder público; (III) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício
67

de atividades econômicas; e (IV) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular


perante o Estado104.
Em termos gerais, o referido diploma legal traduz a busca do fortalecimento do
princípio da subsidiariedade e da livre iniciativa, ambos previstos constitucionalmente.
Trata-se de mais um movimento no sentido de diminuir o tamanho do Estado sobre a
economia, tendência que vem se acentuado desde a crise do Estado Intervencionista
Econômico nos anos 70 e 80, sobretudo em razão da elevação do déficit fiscal e dos surtos
inflacionários, conforme se verificou na primeira seção deste capítulo.

6.4. Autorizações administrativas

Um dos principais mecanismos adotados no âmbito da regulação das atividades


econômicas são as autorizações administrativas. Trata-se de uma espécie de ato de
consentimento da Administração Pública que possui duas acepções distintas.
A primeira está associada à gestão do uso de bens públicos, em que a autorização é
ato precário e discricionário do Poder Público, que legitima o uso privativo de
determinado bem público pelo particular, no seu interesse privado105. Não obstante, essa
primeira acepção não será objeto de análise neste capítulo, pois o tema é voltado para os
níveis de intervenção estatal nas atividades econômicas.
A segunda acepção do termo autorização, a seu turno, traz o sentido que interessa
para o estudo em tela. Sendo assim, conforme os ensinamentos de José dos Santos
Carvalho Filho:

“autorização é ato administrativo pelo qual a Administração consente que o


particular exerça atividade (...) no seu próprio interesse. (...) No exercício de
seu poder de polícia, porém, o Poder Público dá o seu consentimento no que

104
Art. 2º, parágrafo único, da Lei da Liberdade Econômica: “Regulamento disporá sobre os critérios de
aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo, limitados a questões de má-fé,
hipersuficiência ou reincidência.”
105
Na seara da gestão de bens públicos, a autorização difere em um aspecto em relação à permissão:
enquanto esta é concedida ao particular quando existe interesse público no uso que este pretende realizar
sobre o bem público, na autorização, a princípio, predomina o próprio interesse privado do particular. A
concessão de uso de bens públicos, a seu turno, difere da autorização e da permissão por ser
consubstanciada mediante contrato administrativo, enquanto que as outras duas constituem atos
administrativos. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas,
31ed., São Paulo, 2017, p. 1250-1257.
68

se refere ao desempenho da atividade, quando não encontra prejuízo para o


interesse público” 106

O doutrinador segue, porém, a doutrina clássica que considera a discricionariedade


e a precariedade como sendo características essenciais da autorização, diferindo, neste
sentido, da licença, que seria o ato de consentimento vinculado e definitivo107.
Alexandre Aragão, por outro lado, adota o termo autorização em sentido amplo,
englobando tanto as licenças como as autorizações na acepção clássica. Desse modo,
para o autor, as autorizações podem ser tanto vinculadas quanto discricionárias; e tanto
precárias quanto definitivas108. Sustenta ainda, e com razão, que, para a promoção do
investimento privado em diversos setores essenciais da economia, é imprescindível que
as atividades que dependam de consentimento do Poder Público tenham a garantia de um
nível adequado de segurança jurídica no seu desenvolvimento, condição que se mostra
incompatível com autorizações discricionárias e precárias109.
Outro ponto que merece destaque em relação ao delineamento conceitual da
autorização é a controvérsia referente à possibilidade de aplicação do instituto na
delegação de serviços públicos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende tal possibilidade,
concebendo a autorização como um terceiro modo de delegação de serviços públicos, ao
lado da permissão e da concessão110. A ilustre doutrinadora se baseia na redação do art.
21, XI e XII, da CRFB, cuja abordagem foi iniciada na seção 5, do presente capítulo111.
Não cabe aqui analisar minuciosamente este ponto, mas sim consignar o
posicionamento que entendo mais adequado para a questão. Neste sentido, anote-se que
José dos Santos Carvalho Filho112 e Alexandre Santos de Aragão discordam da autora,
sustentando ambos, e com razão, não haver um terceiro modo de delegação de serviços

106
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 151.
107
Ibidem, p. 147-148
108
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 6637-6657.
109
“A limitação conceitual das autorizações a atos discricionários seria, assim, meio inadequado ao
alcance dos objetivos do marco regulatório da maior parte dos setores da economia em que é utilizada,
qual seja, a atração de capitais, para o que é imprescindível um nível satisfatório de segurança jurídica,
ainda mais se considerarmos os elevados investimentos que esses setores demandam.” Ibidem, Locais do
Kindle p. 6665-6668.
110
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Editora Atlas, 27 ed., São Paulo, 2014, p.
238.
111
Cabe relembrar a parte da norma constitucional (art. 21, XI e XII) cuja redação é objeto de controvérsia:
“Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...)”. (grifo
acrescido)
112
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 152 (nota de rodapé nº 133).
69

públicos, além da permissão e da concessão, apesar da ambígua redação do referido


dispositivo constitucional.
Em primeiro lugar, a utilização dos termos em tela é frequentemente adotada de
forma atécnica pelo legislador, inclusive o constituinte113. Em segundo lugar, Alexandre
Aragão apresenta um argumento que parece ser decisivo: a Constituição Federal de 1988
trata especificamente da distribuição de competências para os entes federados nos artigos
20 ao 33114, enquanto que o art. 175 trata especificamente sobre serviços públicos e suas
formas de delegação115. Neste último dispositivo não se fala em autorização, mas apenas
em permissão e concessão como formas de delegação de serviços públicos116.
Consigne-se que esta discussão não é meramente linguística, pois da interpretação
adotada por Di Pietro decorre que todas as atividades elencadas no art. 21, XI e XII, da
CRFB, seriam consideradas serviços públicos, entendimento este que não tem sido
adotado pelo Supremo Tribunal Federal117. Sendo assim, a jurisprudência se posicionou,
com razão, no sentido de que a previsão da autorização como uma das formas de acesso
dos agentes privados ao exercício daquelas atividades deixa em aberto ao legislador a
caracterização de cada uma delas como serviços públicos ou atividades econômicas em
sentido estrito, conforme foi afirmado na seção 5, do presente capítulo.
Sendo assim, fica o entendimento de que a autorização é ato de polícia
administrativa. Conforme já pontuado, trata-se de um importante mecanismo associado
à regulação das atividades econômicas stricto sensu, não se aplicando aos serviços
públicos, pois pressupõe-se haver, neste caso, o consentimento estatal nos contratos de
concessão ou permissão. No entanto, não são todas as atividades econômicas em sentido
estrito que exigem autorização. Inclusive, não se pode deixar de consignar que, de acordo
com o texto constitucional, a autorização operativa118 deve ser entendida como condição

113
Esse descompasso entre denominação e natureza de institutos provoca indesejável confusão entre os
operadores do direito e é inegavelmente contraproducente para a ciência jurídica. Daí a importância de
perquirir-se o conteúdo e a natureza do instituto, e não apenas a sua forma ou denominação.” Ibidem, p.
153.
114
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. Locais do Kindle p. 6864-6865. O Autor cita o argumento
usado pelo Ministro Nelson Jobim, em sede do RE n°220.99-7.
115
Ibidem, Locais do Kindle p. 6881-6882.
116
No mesmo sentido é o que dispõe a Lei n° 8.987/1995, que trata sobre a delegação de serviços públicos
em geral.
117
RE n°220.99-7 e ADI n°1668.
118
Há quem diferencie as autorizações em (1) operativas e (2) por operação:” Não se deve, por isso,
confundir ‘autorização operativa’ ou ‘de funcionamento’ com ‘autorização por operação’: ‘Sem renunciar
à função primária de controle, que também canaliza, pretende ir mais além dela, disciplinando e
orientando positivamente a atividade do seu titular na direção previamente definida por planos ou
programas setoriais (...). Já nas autorizações por operação, a relação entre o poder público e o
autorizatário é episódica. E não cria nenhum vínculo estável entre eles. Realizada a operação comercial
70

excepcional para o exercício da livre iniciativa. A Constituição Federal de 1988 dispõe


claramente neste sentido, conforme aponta a leitura do art. 170, parágrafo único:

“Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer


atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,
salvo nos casos previstos em lei.” (grifo acrescido)

Sendo assim, a autorização é medida excepcional a ser adotada, na forma da lei,


em atividades econômicas cujo especial interesse público demande um maior rigor
regulatório. O próprio art. 21, XI e XII, da CRFB, a título de exemplo, elenca uma série
de setores da economia que ora serão exercidos mediante delegação estatal (serviços
públicos) ora mediante autorização (atividades econômicas em sentido estrito) a
depender do legislador. Em outros casos, a lei poderá prever a exigência de autorização
para atividades sobre as quais a Lei Maior silenciou sobre este aspecto.
Ato contínuo, sabendo-se que não serão todas as atividades econômicas stricto
sensu que exigirão autorização de funcionamento, pode-se subdividir esta categoria da
seguinte forma: atividades econômicas stricto sensu gerais, que não demandam
autorização operativa; e atividades econômicas stricto sensu com relevante de interesse
coletivo, que se sujeitam a regulações mais rigorosas, incluindo a necessidade de
autorização operativa, a exemplo das atividades financeiras, da saúde suplementar, das
farmácias, dentre outras atividades.
Segundo Alexandre Aragão, rigor regulatório associado a estes setores da economia
implicam em peculiaridades que o aproximam do regime jurídico dos serviços públicos,
havendo a possibilidade de controle de entrada de operadores119, exigindo-se licitação,
em respeito ao princípio da impessoalidade; e também de controle de preços, mas
somente de modo a evitar abusos, diferente do que ocorre com os serviços públicos, em
que há maior margem de ingerência estatal sobre a definição do valor da tarifa, mediante
mecanismos contratualmente estipulados. O alto nível regulatório a que estas atividades

ou construído o edifício autorizado, os efeitos da autorização outorgada se esgotam”. ENTERRÍA,


Eduardo Garcia de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón apud ARAGÃO, Alexandre Sandos de. Op. cit. Locais
do Kindle p. 6571-6576.
119
“Há ainda a possibilidade de, mesmo nos casos de autorizações vinculadas, o acesso à atividade ser
submetido a prévio procedimento licitatório no caso de limite econômico, urbanístico ou técnico para o
número de autorizatários (ex., art. 136, Lei Geral de Telecomunicações – LGT) (...) autorizações em que
o número de possíveis autorizatários é limitado, inclusive para evitar o desequilíbrio de determinado
mercado em razão do excesso do número de operadores econômicos (...)”. ARAGÃO, Alexandre Santos
de. Op. cit. Locais do Kindle 7273-7277 (nota de rodapé n° 56).
71

estão sujeitas, em razão do elevado interesse público a elas associado, levaram alguns a
chamá-los de serviços públicos impróprios. No entanto, de modo a evitar confusão na
sistemática que vem sendo delineada no presente capítulo, é mais prudente que se afaste
esta terminologia.
Para concluir, cabe colacionar mais uma ilustração, com o intuito de resumir, em
uma única imagem, as diferentes categorias de atividades econômicas lato sensu,
baseadas nos diversos níveis de intervenção estatal examinados ao longo deste capítulo.

ATIVIDADES ECONÔMICAS LATO SENSU


(ART. 170-181, DA CRFB)

ATIVIDADES ECONÔMICAS SERVIÇOS PÚBLICOS


STRICTO SENSU (ART. 175, DA CRFB)

ATIVIDADES ECONÔMICAS COM ATIVIDADES ECONÔMICAS STRICTO SENSU


MONOPÓLIO ESTATAL DE LIVRE INICIATIVA
(ART. 177, DA CRFB) (ART. 170, 173, 174, DA CRFB)

ATIVIDADES ECONÔMICAS STRICTO


ATIVIDADES ECONÔMICAS STRICTO SENSU SENSU DE RELEVANTE IINTERESSE
GERAIS COLETIVO (EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
OPERATIVA)

Figura 4. Classificação das atividades econômicas, conforme a Constituição Federal de 1988 (art. 170
ao 181).

No próximo capítulo, os transportes urbanos serão analisados dentro da sistemática


teórica até aqui delineada.
72

CAPÍTULO 3. REGULAÇÃO DOS TRANSPORTES URBANOS, COM ÊNFASE


NO TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS

1. Considerações iniciais

No Capítulo 1, analisou-se o regime-jurídico constitucional e legal dos transportes


urbanos, relacionando-os com outros tipos gerais de transporte. Em seguida, no Capítulo
2, buscou-se delimitar e esclarecer conceitualmente os diferentes graus de intervenção do
Estado sobre o domínio econômico e os regimes jurídicos decorrentes desta gradação,
conforme as previsões do Direito Positivo brasileiro.
A partir deste momento, diversos pontos discutidos e examinados nos capítulos
anteriores serão resgatados e utilizados como parâmetros teóricos e normativos nas
análises do setor de transporte urbano.
Sendo assim, no presente capítulo a abordagem será realizada em três seções: (1)
classificação dos transportes urbanos segundo a Lei nº 12.587/2012 (Lei da Política
Nacional de Mobilidade Urbana – LPNMU); (2) classificação dos transportes urbanos
quanto à natureza jurídica (conforme a Lei n° 12.587/2012 e a Lei nº 10.233/2001); (3)
princípios e diretrizes regulatórias setoriais do transporte individual de passageiros
(conforme a CRFB, a Lei n° 12.587/2012 e a Lei nº 10.233/2001);

2. Classificação dos transportes urbanos segundo a Lei nº 12.587/2012

Conforme se observou no Capítulo 1, a Lei nº 12.587/2012 (LPNMU), que instituiu


a Política Nacional de Mobilidade Urbana, é o diploma legal que trata especificamente
dos transportes urbanos.
Neste sentido, em seus artigos 3º e 4º, combinados, a LPNMU prevê diversas
categorias de transporte urbano, baseando-se em diferentes critérios. No art. 3º, § 1º,
combinado com o art. 4º, IV e V, está prevista a classificação do transporte urbano como:
motorizados ou não motorizados, baseando-se no tipo de tração. Por mais que nos dias
de hoje os deslocamentos urbanos sejam realizados mais frequentemente por meio de
veículos motorizados, existem também os meios não motorizados, a exemplo dos
73

veículos de tração animal, das bicicletas, e dos deslocamentos a pé120. Estes últimos têm
sido vistos como uma forma de solução para congestionamentos e emissões de gases
poluentes tão frequentes na maioria das cidades, tendo recebido inclusive o status de
modo preferencial de transporte na LPNMU (art. 6º, II)121. Este tema será mais
detidamente discutido mais adiante.
O § 2º, do art. 3º, da LPNMU, traz outras três classificações, desta vez “quanto ao
objeto”, “quanto às características do serviço”, e “quanto à natureza do serviço”.
Neste sentido, “quanto ao objeto” (art. 3º, § 2º, inciso I), o dispositivo distingue o
transporte urbano de passageiros e o de cargas. Quanto a esta última categoria, o art. 4º,
inciso IX, a define da seguinte maneira: “transporte urbano de cargas: serviço de
transporte de bens, animais ou mercadorias”. Uma rápida reflexão sobre estas duas
categorias, no que se refere aos direitos fundamentais envolvidos em cada tipo de serviço,
permite constatar que, enquanto que o transporte de passageiros, em regra, está mais
intimamente ligado ao direito de liberdade, de ir e vir (art. 5°, caput, e inciso XV, da
CRFB), o transporte de cargas está mais relacionado ao direito de propriedade (art. 5º,
XXII, da CRFB) e ao direito de livre iniciativa, de exercício das atividade econômicas
(art. 170, caput e parágrafo único, da CRFB).
Cabe, em relação a este ponto, trazer as lições de Geraldo Spagno Guimarães:

“O inciso IX do artigo 4º trata do transporte de cargas,


típica atividade econômica de livre mercado, que pode
legalmente ser explorada mediante inscrição no Registro
Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTR-C)
da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em uma

120
Os transporte não motorizado “já conta com regulamentação em cidades brasileiras que legislaram
organizando e autorizando, com exigências e limites, o transporte de tração animal, os quais devem ser
identificados, sujeitando-se às normas de circulação do Código de Trânsito Brasileiro e as que vierem a
ser fixadas pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via, admitida a circulação à direita da pista
no sentido da via ou pelo acostamento onde houver (artigo 52 do CTB).” GUIMARÃES, Geraldo Spagno.
Comentários à Lei de Mobilidade Urbana – Lei nº 12.587/12 – Essencialidade, sustentabilidade, princípios
e condicionantes do direito à mobilidade. Editora Fórum. 1 ed., Belo Horizonte, 2012. Edição do Kindle.
Locais do Kindle: p. 2644-2651.
121
“Na onda ecológica, vários Municípios estão implantando ciclovias e paraciclos (dispositivos para
estacionamento de bicicletas). Em 25.04.2012, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos
Deputados aprovou o PL nº 1.346/11, do Deputado Lucio Vieira Lima. Com relatoria do Deputado
Valadares Filho, o projeto propõe a criação do Estatuto dos Sistemas Cicloviários, com o objetivo de
vincular os entes federativos à promoção do uso de bicicletas como meio de transporte viável e efetivo,
implementando infraestrutura e articulação com a malha viária, além de outras facilidades”. Ibidem,
Locais do Kindle: p. 2651.
74

das categorias previstas no artigo 2º da Lei Federal nº 11.442,


de 05 de janeiro de 2007 (LTRC – Lei do Transporte Rodoviário
de Cargas). São elas as categorias TAC (Transportador
Autônomo de Cargas) ou ETC (Empresa de Transporte
Rodoviário de Cargas).” 122 (grifo acrescido).

É fato que a Lei n° 11.442/2007 em nenhum momento fala em autorização de


funcionamento, mas tão somente em inscrição no Registro Nacional de Transportadores
Rodoviários de Cargas - RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres –
ANTT. Não obstante, deixa claro que “No caso de transporte de produtos perigosos, será
observado exclusivamente o disposto em lei federal, considerando-se as competências
estabelecidas nos arts. 22 e 24 da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001” (art. 1º, § 1o).
É que estes casos específicos podem atrair a incidência de normas regulamentares na área
de meio ambiente, saúde pública, etc., nas quais poderá haver necessidade de autorização.
Diferente do que ocorre com o setor rodoviário, a Lei nº 10.233/2001123 prevê
expressamente a necessidade de autorização para o transporte ferroviário de cargas,
como operador independente, que não explore a infraestrutura associada (art. 13, V, “d”).
Mas fala em concessão quando se trate de transporte ferroviário de cargas associado à
exploração da infraestrutura ferroviária (art. 14, I, “b”, da referida lei federal). Só que o
termo concessão, neste caso, só pode ser interpretado como modalidade de gestão do uso
de bens públicos, e, não, de concessão de serviços públicos, pois se trata de atividade
econômica em sentido estrito.

2.1. Transporte urbano de passageiros

Especificamente em relação ao transporte urbano de passageiros, a Lei nº


12.587/2012 o classifica em quatro subcategorias, baseando-se, de modo combinado, nos
dois próximos critérios do art. 3º, § 2º: “quanto às características do serviço” (inciso II),
e “quanto à natureza do serviço” (inciso III). Sendo assim, quanto às características do
serviço, o transporte urbano de passageiros pode ser coletivo ou individual.

122
Ibidem, Locais do Kindle: p. 2805-2812.
123
Verificou-se, no Capítulo 1, a aplicabilidade da referida Lei aos transportes urbanos, no que couber.
75

Há autores que entendem que o caráter coletivo ou individual do transporte é


determinado pelo tipo de viagem. Conforme esta concepção, se a viagem é personalizada,
a exemplo do que ocorre com os táxis, seria o caso de transporte individual de
passageiros. Por outro lado, se a viagem é realizada em itinerários fixos, como ocorre
com os serviços públicos municipais de ônibus, estaria se falando em transporte
coletivo124. Com a devida vênia, tal entendimento não parece ser o mais adequado, pois
é possível que se tenha serviços de transporte coletivo e personalizado ao mesmo tempo,
a exemplo do transporte fretado, que será analisado adiante. Sendo assim, o critério
numérico parece ser o mais adequado para que a distinção feita pelo legislador, entre
transporte coletivo e individual, faça mais sentido.
Embora a LPNMU não estabeleça o limite exato de passageiros que caracterize o
transporte como coletivo ou individual, deve-se ter em mente que este último é
frequentemente prestado a poucas pessoas, podendo mesmo haver somente um
passageiro/cliente, o que, inclusive, é bastante comum. Isto posto, diante de uma análise
tanto do ponto de vista econômico, quanto em relação a aspectos ecológicos e
urbanísticos, quanto maior a capacidade dos veículos que operem neste setor, maior será
a ociosidade do serviço. Evidentemente, o aspecto econômico, por si só, já é suficiente
para adequar os veículos utilizados no que se refere à sua capacidade. Tanto é assim que
as regulações sobre os serviços de táxi125 e as referentes aos serviços de transporte
individual por aplicativos126 definem expressamente um limite de passageiros para a
atividade.
Continuando, o outro critério de classificação dos transportes urbanos de
passageiros previsto nos art. 3º e 4º, da Lei nº 12.587/2012, é o que se refere à “natureza

124
“Ajuda na compreensão do tema o que já explicamos, nos comentários ao artigo 4º, VIII, sobre o
enquadramento do táxi como um transporte individual de passageiros, e o que o distingue do transporte
coletivo não é o número de passageiros, mas justamente o fato da viagem ser individualizada, isto porque
se trata de serviço específico, aleatório, personalizado, sem itinerário ou rota predefinidos.” (grifo
acrescido) GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Op. cit., Locais do Kindle: p. 4192. Com a devida vênia, este
aspecto apontado pelo autor não distingue o serviço de transporte individual de passageiros do transporte
coletivo, pois há casos em que este também podem apresentar personalização de viagens, a exemplo dos
transportes fretados.
125
lei nº 12.468/2011 (Lei que regulamenta a profissão de taxista): “Art. 2º É atividade privativa dos
profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público
individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros.” (grifo
acrescido).
126
Decreto nº 44399/2018, do Município do Rio de Janeiro (regulamenta os serviços do tipo Uber e
similares): “Art. 10. Para cadastrar-se nas PROVER os motoristas deverão, cumulativamente, atender aos
seguintes requisitos: (...) VI - operar veículo motorizado: a) com capacidade de até seis passageiros,
excluído o condutor, obedecida a capacidade do veículo; (...)”. (grifo acrescido) OBS: De acordo com o
Decreto, PROVER significa “plataformas digitais gerenciadas por Provedoras de Redes de
Compartilhamento”.
76

do serviço”: transporte público ou privado de passageiros. Trata-se do enquadramento


do transporte urbano de passageiros no conceito de serviço público ou de atividade
econômica stricto sensu, duas categorias de atividade econômica lato sensu às quais se
atribuem regimes jurídicos de regulação bastante diferenciados, conforme se analisou no
Capítulo 2. Na próxima seção do presente capítulo serão examinadas as implicações que
estes diferentes enquadramentos determinam aos transportes urbanos de passageiros.
Antes, porém, deve-se analisar as quatro classes que resultam da combinação dos
últimos critérios analisados (coletivo/individual e público/privado). Cada uma delas estão
expressamente definidas no art. 4°, da LPNMU (incisos VI, VII, VIII e X).

2.1.1. Transporte coletivo de passageiros

2.1.1.1. Transporte público coletivo

A abordagem se iniciará pelos transportes coletivos de passageiros. De acordo com


a Lei nº 12.587/2012, os transportes coletivos tanto podem ser serviços públicos ou
quanto atividade econômica em sentido estrito. Neste sentido, o art. 4º, VI, define
transporte público coletivo como sendo “o serviço público de transporte de passageiros
acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e
preços fixados pelo poder público”. Anote-se que se estar a tratar de uma atividade que
foi expressamente prevista pela Constituição federal de 1988 como um serviço público,
de “caráter essencial” (art. 30, V, da Lei Maior)127.
Por se tratar de serviço público, haverá a incidência do art. 175, da Carta Política,
conforme discutido no capítulo anterior, havendo a possibilidade de delegação da
operação à iniciativa privada, mediante permissão ou concessão. O parágrafo único do
dispositivo constitucional, por sua vez, prevê algumas peculiaridades deste regime
jurídico, a exemplo da política tarifária, da garantia dos direitos dos usuários, da
obrigação em manter o serviço adequado, além das prerrogativas da Administração
Pública na fiscalização do cumprimento do contrato pelo delegatário. São diretrizes
regulatórias que estão consubstanciadas nos art. 8°, 9º, 10º e 14º, da Lei nº 12.587/2012,

127
“Art. 30. Compete aos Municípios: (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial; (...)” (grifo acrescido).
77

e subsidiariamente na Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral da Concessões e Permissões de


Serviços Públicos).
Também não se deve olvidar o disposto no art. 30, V, da Lex Mater, no qual atribui-
se aos Municípios a competência para “organizar e prestar diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos” de transporte coletivo. Ademais, o inciso
I, do mesmo artigo, prevê que também compete aos Municípios “legislar sobre assuntos
de interesse local”. Sendo assim, deve-se ter em mente que, embora as leis federais (Lei
nº 12.587/2012 e Lei nº 8.987/1995) tratem dos aspectos gerais acerca do transporte
público coletivo, haverá a possibilidade da regulação municipal no que tange aos
impactos locais do serviço, a exemplo da definição de itinerários dos ônibus municipais,
dos pontos de embarque, etc.
Por fim, como exemplos de transporte público coletivo podem ser citados os ônibus
municipais e o modal ferroviário situado no âmbito dos municípios, como é o caso do
VLT do Rio de Janeiro128.

2.1.1.2. Transporte privado coletivo

A segunda categoria de transporte coletivo é uma atividade econômica em sentido


estrito. Desse modo, segundo o art. 4º, VII, da LPNMU, transporte privado coletivo é o
“serviço de transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens
com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda”. A
característica distintiva desta categoria é o fato de que o serviço não é aberto ao público
em geral, sendo regidos por contratos privados livremente negociados. Sendo assim,
vigora a livre iniciativa e a livre concorrência, não havendo que se falar, a princípio, de
controle de preços ou de definição de trajetos e itinerários pelo Poder Público.

128
Lembre-se as ressalvas feitas no Capítulo 1 acerca dos transportes intermunicipais realizados no âmbito
das regiões metropolitanas, que, por se enquadrarem excepcionalmente no conceito de transporte urbano,
também podem se definir como transporte urbano público coletivo, incidindo, porém, a governança
interfederativa (Estatuto da Metrópole). O exemplo da CCR Barcas, no Estado do Rio de Janeiro, usado no
primeiro capítulo, enquadra-se, portanto, nesta categoria, por se situar em região metropolitana. Outro
exemplo é a Supervia, que opera o serviço de transporte ferroviário de passageiros, também metrópole
fluminense.
78

Não obstante, o art. 11, da LPNMU, prevê expressamente a necessidade de


autorização129 do ente público competente, conferindo a este a função de regulação e
fiscalização da atividade, “com base nos princípios e diretrizes desta lei”. Diante desta
sistemática, fica claro que, consideradas as categorias de atividades econômicas tratadas
no Capítulo 2, está a se tratar neste momento de uma atividade econômica stricto sensu
de relevante interesse coletivo.
O exemplo mais notável é o transporte fretado130, sendo muito comum que algumas
empresas contratem este tipo de serviço para auxiliar no deslocamento de seus
funcionários no trajeto de casa para o trabalho. Além disso, também é possível que o
transporte privado coletivo seja contratado de forma episódica, sobretudo em razão de
eventos específicos.
Por se tratar de atividade econômica em sentido estrito de relevante interesse
coletivo, a Lei n° 10.233/2001 prevê expressamente a exigência de autorização de
funcionamento para a “prestação não regular de serviços de transporte terrestre coletivo
de passageiros” (art. 13, V, “a”) e para “o transporte rodoviário de passageiros, sob
regime de afretamento” (art. 14, III, “b”).
Além disso, tratando do transporte coletivo de passageiros em geral (público e
privado), o mesmo diploma legal deixa claro que “É vedada a prestação de serviços de
transporte coletivo de passageiros, de qualquer natureza, que não tenham sido
autorizados, concedidos ou permitidos pela autoridade competente”.

2.1.2. Transporte individual de passageiros

O transporte individual de passageiros é a categoria sobre a qual será conferida


maior ênfase neste último capítulo. Trata-se de um setor que vem sofrendo profundas

129
Conforme consignado no Capítulo 2, adota-se neste trabalho o conceito de autorização definido por
Alexandre Santos de Aragão, o qual inclui atos discricionários ou vinculados, e atos precários ou
definitivos. Assim sendo, o a licença é entendida como uma autorização vinculada e definitiva.
130
Conforme o entendimento de Geraldo Spagno Guimarães, sobre o qual já consignei discordância, o
transporte fretado não é classificado como transporte coletivo, mas sim como transporte individual. Veja-
se in verbis: “(...) É provável que essa opção se dê em face do que prescreveu o §2º, do artigo 14 da Lei
Federal nº 10.233/2001, quando vedou a prestação de serviços de transporte coletivo de passageiros
(embora não possa o fretado ser considerado transporte coletivo na medida em que as viagens são
individualizadas) (...)” (grifo acrescido) GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Op. cit., Locais do Kindle: p.
2792.
79

mudanças, desde profundas alterações no regime jurídico dos táxis, até o advento dos
novos serviços mediados por aplicativos, a exemplo da Uber. Já se aproximando do fim
da presente seção, serão agora apresentadas apenas algumas noções iniciais sobre estes
serviços, tendo em vista a abordagem mais detalhada que se seguirá ao longo do capítulo.

2.1.2.1. Transporte público individual

De acordo com o art. 4º, VIII, da Lei n° 12.587/2012, o transporte público


individual é definido como sendo o “serviço remunerado de transporte de passageiros
aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens
individualizadas”. Percebe-se que se trata de um serviço que tem as mesmas
características do já analisado transporte público coletivo, com a exceção da viagem ser
individual em vez de coletiva, conforme o critério numérico, abordado há pouco. Desde
já, consigne-se que esta é a categoria à qual os serviços de táxis sempre foram
enquadrados.
O referido dispositivo combinado com a redação original do art. 12, da LPNMU,
não deixava dúvida de que se tratava de serviço público, tal qual o transporte público
coletivo. Veja-se, in verbis, a redação original do art. 12:

“Art. 12. Os serviços públicos de transporte individual de passageiros,


prestados sob permissão, deverão ser organizados, disciplinados e
fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos
de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação
prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.” (grifo acrescido)

Ocorre o dispositivo foi profundamente alterado pela Lei nº 12.865/2013,


resultando na vigente redação do referido dispositivo:

“Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de


passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder
público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de
conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores
máximos das tarifas a serem cobradas.” (grifo acrescido)
80

Percebe-se facilmente que a mudança mais radical sobre o art. 12, da LPNMU, foi
a exclusão do transporte público individual da categoria jurídica de serviço público.
Prevê, ainda, funções estatais similares às previstas para o transporte privado coletivo, a
serem exercidas sobre a transporte público individual (disciplina e fiscalização). A única
diferença, neste aspecto, é a previsão da função estatal de organização no art. 12, mantidas
as diretrizes regulatórias sobre a qualidade do serviço (segurança, conforto, higiene, etc.)
e sobre a fixação de valores máximos dos preços. Estas características aproximam muito
este tipo de transporte à categoria das atividades econômicas stricto sensu de relevante
interesse coletivo, do mesmo modo que ocorre com o transporte privado coletivo,
conforme já analisado.
Ora, se esta categoria de transporte individual não é mais considerada serviço
público, então qual a sua diferença em relação ao transporte privado individual? Está
aí uma grande questão que será discutida mais adiante neste capítulo.

2.1.2.2. Transporte privado individual

Finalizando esta primeira seção, o transporte público individual é o setor dos


transportes urbanos que tem sofrido uma verdadeira revolução, com o advento de
modalidades inovadoras de tecnologia e de arranjos de negócios, sobretudo a chamada
economia compartilhada, que será mais bem abordada adiante. Estas inovações, no setor
dos transportes urbanos têm sido consubstanciadas em modelos empresariais como o da
Uber, o da 99 e o da Cabify.
A previsão expressa deste tipo de serviço na Lei nº 12.587/2012 só foi inserida com
o advento da Lei nº 13.640/2018, que foi a lei editada com o objetivo específico de trazer
regras gerais sobre o serviço e, sobretudo, tornar mais clara a opção do legislador pela
sua legalidade, que era até então contestada por grupos de pressão.
Sendo assim, consigne-se, in verbis, a definição legal deste serviço, denominado
pela lei como transporte remunerado privado individual de passageiros131 (art. 4º, X, da
LPNMU):

131
Tendo em vista a extensão do nome escolhido pelo legislador, neste trabalho será empregado o termo
transporte privado individual para se referir a esta modalidade de transporte urbano.
81

“Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:


(...)
X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço
remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a
realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas
exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou
outras plataformas de comunicação em rede.” (grifo acrescido)
Ademais, a Lei nº 13.640/2018 ainda acrescentou no texto da LPNMU os artigos
11-A e 11-B, que trazem aspectos gerais sobre a regulação do transporte privado
individual. Estes e outros pontos acerca desta modalidade de transporte urbano serão mais
detidamente analisados ao longo do capítulo.
Por fim, de modo a resumir em um único esquema as principais categoriais de
transporte urbano previstas na Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, colaciona-
se a seguinte ilustração.

TRANSPORTES URBANOS
(art. 4°, I, da LPNMU)

TRANSPORTE DE PASSAGEIROS TRANSPORTE DE CARGAS


(ART. 3º, § 2º, I, “a”, da LPNMU) (ART. 3º, § 2º, I, “b”, da LPNMU)

TRANSPORTE COLETIVO TRANSPORTE INDIVIDUAL


(ART. 3º, § 2º, II, “a”, da LPNMU) (ART. 3º, § 2º, II, “b”, da LPNMU)

TRANSPORTE PÚBLICO TRANSPORTE PRIVADO TRANSPORTE PÚBLICO TRANSPORTE PRIVADO


COLETIVO COLETIVO INDIVIDUAL INDIVIDUAL
(ART. 4º, VI, da LPNMU) (ART. 4º, VII, da LPNMU) (ART. 4º, VIII, da LPNMU) (ART. 4º, X, da LPNMU)

figura 5. Categorias de transportes urbanos previstos na LPNMU


82

3. Regime jurídico do transporte urbano individual

A partir deste momento, maior ênfase será dada ao transporte urbano individual.
Nesta seção, especificamente, será realizada uma comparação entre as noções gerais dos
regimes jurídicos do transporte público individual (táxi) e do transporte privado
individual (Uber, v. g.). Em seguida, nas próximas seções, o foco será sobre esta última
categoria.
Não obstante, antes de mais nada, é importante esclarecer alguns pontos
importantes acerca da competência federativa para a definição das referidas categorias de
transporte individual como sendo serviços públicos ou atividade econômica em sentido
estrito.

3.1. Competência federativa para a definição do transporte individual como sendo


serviço público ou atividade econômica stricto sensu

Já foi apresentado, na seção anterior, que o transporte público individual (serviço


de táxi) foi definido como serviço público na redação original da do art. 12, da Lei nº
12.587/2012. No entanto, a Lei nº 12.865/2013 alterou o referido dispositivo, mudando a
caracterização da atividade para serviços de utilidade pública, excluindo também a
condição de delegação do serviço mediante permissão. Isto posto, afirmou-se há pouco
que os serviços de táxi, de acordo com a LPNMU não são mais considerados serviços
públicos, mas sim atividades econômicas stricto sensu de relevante interesse coletivo,
conforme a classificação adotada neste trabalho132. Na próxima subseção serão
comparados o regime jurídico dos táxis em relação aos serviços do tipo Uber.
Neste momento, porém, cabe analisar a seguinte questão: se a Lei nº 12.865/2013,
que é uma lei ordinária federal, alterou a classificação dos serviços de táxi, poderiam os
Municípios redefinirem esta atividade como serviço público?
Para Alexandre Santos de Aragão, a resposta é afirmativa. A seguir, veja-se, in
verbis, a opinião do autor em uma passagem de sua obra em que se realizava uma
comparação entre os serviços do tipo Uber e os táxis. Observe-se, especialmente, a

132
Ver Capítulo 2.
83

questão acerca da competência federativa, pois a referida comparação dos serviços será
realizada mais adiante.

“No que diz respeito aos táxis, conveniente salientar a discussão acerca da
natureza desta atividade, provocada sobretudo pelo recente surgimento e
popularização, no Brasil, de serviços de transporte individual de passageiros
solicitados por meio de aplicativo eletrônico, que acabam por criar uma
concorrência anteriormente inexistente. Em nossa opinião, faz-se necessária,
para se averiguar se este novo serviço invade, sem delegação, um espaço
reservado a serviço público, a análise da legislação de cada município. Isso
porque, independentemente de ser um serviço público ou uma atividade
privada regulamentada, trata-se, em qualquer dos casos, de um serviço de
interesse predominantemente local, atraindo a competência legislativa
municipal (art. 30, I, CF). A Lei federal nº 12.587/2012, que instituiu as
diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, traça apenas algumas
linhas mestras sobre o tema, sendo do município a titularidade para a
regulação do serviço em si (e a sua determinação como serviço público ou
não).”133 (grifo acrescido)

Fica claro que, para o ilustre doutrinador, a questão de se definir o transporte


urbano individual como sendo ou não serviço público é tema de interesse local, atraindo,
por isso, a competência legislativa dos Municípios (art. 30, I, da CRFB). Desse modo,
faz parecer que a alteração que o legislador federal realizou sobre a Lei de Mobilidade
Urbana (LPNMU), alterando o regime jurídico dos táxis, não seria de cumprimento
obrigatório por parte dos entes municipais.
Neste sentido, data maxima venia, este não parece ser o entendimento mais
adequado ao sistema constitucional de repartição de competências no setor dos
transportes urbanos, conforme o que foi discutido no Capítulo 1. De fato, verificou-se
que a União tem competência para “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (art. 21, XX, da CRFB –
grifo acrescido). A Lei federal nº 12.587/2012, foi editada justamente para atender a esta
previsão constitucional. A questão central, porém, se resume em saber se a definição de
determinada categoria de transporte urbano como serviço público é algo que possa ser
enquadrado na competência prevista no art. 21, XX, da CRFB. Para Alexandre Aragão,

133
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Editora Fórum, 4º ed., Belo Horizonte,
2017. Edição Kindle. Locais do Kindle: p.6971-6980 (nota de roda pé nº 11).
84

a resposta parece ser negativa, sendo tal classificação do transporte urbano um tema de
interesse local. No entanto, me parece que se estar a tratar de uma característica
fundamental das atividades de transporte, que envolveria restrições ao direito
fundamental da livre iniciativa.
Ademais, relembre-se que os transportes urbanos em geral, em todas as suas
categorias, estão associados ao interesse local, sendo a Política Nacional de Mobilidade
Urbana parte integrante da Política de Desenvolvimento Urbano, conforme a discussão
realizada no Capítulo 1. Diante deste fato, do posicionamento ora questionado, decorreria
ampla margem de conformação legislativa para que cada Município defina uma série de
categorias de transportes urbanos (não apenas os individuais) como serviços públicos, o
que, por sua vez, geraria uma elevada insegurança jurídica no setor, tendo em vista haver
mais de 5.500 Municípios integrando a Federação.
Parece que, justamente para evitar este tipo de inconveniente, o constituinte
originário definiu a competência da União Federal para instituir diretrizes para o setor de
transporte urbano, o que está consubstanciado na Lei nº 12.587/2012. Sendo assim, os
regimes jurídicos gerais definidos pela LPNMU para cada categoria de transporte
urbano deverão ser observados pelos Municípios, inclusive no caso dos táxis134 e dos
serviços de transporte privado individual (Uber), dado o caráter nacional deste diploma
legal.
Isto posto, cabe agora entender melhor o delineamento básico que a Lei da
Mobilidade Urbana conferiu a cada uma destas duas categorias de transporte urbano
individual.

134
Em relação aos táxis, Thiago Marrara, tratando da referida alteração que a Lei nº 12.865/2013 realizou
sobre o art. 12 da LPNMU, elenca, dentre outras, as seguintes implicações no regime jurídico da atividade:
“(1) Os antigos ‘serviços públicos de transporte individual de passageiros’ (redação originária do art. 12)
transformam-se em ‘serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros’ (redação atual
do art. 12); (2) Os serviços continuam sob a competência municipal, mas não mais como modalidade de
serviço público sob titularidade estatal; (3) Os serviços passam a constituir atividade econômica privada
e não monopolizada, sujeita unicamente à regulação pelo poder local mediante técnicas de polícia
administrativa e/ou fomento;(...)” (grifo acrescido). MARRARA, Thiago. Serviços de táxi: aspectos
jurídicos controvertidos e modelos regulatórios. Revista de Direito da Cidade, v. 08, nº3, Rio de Janeiro,
2016, p. 1057.
85

3.2. Regimes jurídicos do transporte urbano individual: Táxi x Uber

Até o memento, de acordo com o exposto no presente capítulo, a seguinte questão


permanece: se os táxis não são mais considerados como serviços públicos pela LPNMU,
qual a diferença deste regime jurídico em relação ao que foi conferido ao Uber, no mesmo
diploma legal?
Conforme já afirmado, trata-se de duas categorias de transporte enquadradas como
atividade econômica stricto sensu pela Lei da Mobilidade Urbana, muito embora esta
mesma lei tenha conferido denominações diferentes para cada categoria135. Sendo assim,
o que poderá distinguir as duas atividades será o grau de intervenção estatal regulatória
sobre cada uma delas. Poderá porque, embora já exista uma distinção de tratamento pela
LPNMU, cada Município, aí sim, no âmbito de sua competência para legislar sobre
assuntos de interesse local (art. 30, I, da CRFB), poderá tornar maior ou menor a diferença
no grau de intervenção regulatória sobre os táxis ou sobre a Uber, Cabify, e outros
serviços semelhantes. O grau de intervenção poderá variar em cada Município, sem que,
no entanto, estes possam transformar tanto uma quanto outra atividade em serviço
público, repisando o que já foi dito.
A Lei nº 12.587/2012 já traz algumas diferenças quanto as diretrizes regulatórias
para os dois tipos de transporte individual. No caso dos táxis, por exemplo, há previsão
expressa no art. 12 sobre o poder-dever dos Municípios para fixar previamente os valores
máximos dos preços a serem cobrados pelos taxistas. Esta previsão, porém, não existe
na lei em relação aos serviços do tipo Uber (art. 4º, X, art. 11-A e art. 11-B, da LPNMU).
Entendo, porém, que, a princípio, seja possível aos Municípios, com base no art. 30, I,
da CRFB, alguma ingerência sobre a fixação de preços máximos em relação ao transporte
privado individual (Uber), desde que sejam ponderados os direitos fundamentais em
questão, com base na proporcionalidade da medida. Entretanto, como será analisado mais
adiante, a elevada capacidade de auto-regulação que estes serviços inovadores têm
apresentado parece dispensar a intervenção estatal, sobretudo no que se refere à dinâmica
de preços. Sendo assim, uma vez constatado um maior prejuízo a direitos fundamentais

135
Transporte público individual (art. 4º, VIII, da LPNMU) e transporte remunerado privado individual
de passageiros (art. 4º, X, da LPNMU) para os serviços de táxis e do Uber, respectivamente. Repise-se que,
embora haja essa distinção em “público” e “privado” na terminologia, ambos são considerados pela lei
como atividade econômica stricto sensu.
86

decorrente da intervenção estatal, o princípio da proporcionalidade deverá ser invocado


contra a pretensa ingerência estatal.
Ato contínuo, anote-se que, conforme analisado no Capítulo 2, o controle de preços
e até mesmo o controle de entrada não são possibilidades exclusivas dos serviços
públicos. Repise-se a existência das atividades econômicas stricto sensu de relevante
interesse coletivo, como subcategoria das atividades econômicas stricto sensu. O elevado
interesse público sobre estas atividades exige maior rigor regulatório estatal.
Sendo assim, o art. 12-A da Lei da Mobilidade Urbana parece pressupor um maior
rigor sobre controle de entrada no mercado dos táxis. Primeiro, o caput do artigo afirma
que qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local terá
o direito à exploração do serviço. Este nível de exigência do Poder Público Municipal
poderá ser maior ou menor, conforme a margem de conformação legislativa atribuída pelo
constituinte originário. Ocorre que os parágrafos do mesmo artigo tratam da possibilidade
de transmissão inter vivos e causa mortis da outorga concedida pelo Município, o que só
parece fazer algum sentido quando se tratar de atividades sujeitas a um considerável nível
de restrição de entrada.
Nos serviços do modelo Uber, a seu turno, as exigências da LPNMU são mínimas.
Neste sentido, o art. 11-B, da LPNMU, prevê os seguintes requisitos para os motoristas:

“I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que


contenha a informação de que exerce atividade remunerada;
II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às
características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público
municipal e do Distrito Federal;
III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo
(CRLV);
IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. ”(grifo
acrescido)

Percebe-se que se trata de requisitos básicos, alguns coincidentes com os exigidos


pelos órgãos de trânsito para qualquer condutor de veículo automotor (incisos III e I, este
com algumas especificidades). Há também exigências relacionadas à segurança e
qualidade do serviço, como ocorre com os requisitos dos incisos IV e II, respectivamente.
Além disso, ainda em relação à Uber, o parágrafo único, incisos, do art. 11-A, da
LPNMU, traz outros requisitos quanto à arrecadação tributária sobre a atividade (I); a
87

exigência da realização de seguros (II); e a inscrição do motorista como contribuinte


individual do INSS.
No tocante ao serviço de táxi, o art. 12 também prevê expressamente o poder-dever
dos Municípios para disciplinar aspectos relacionados à segurança, conforto, higiene e
qualidade dos serviços. Há também a previsão expressa da obrigatoriedade de reserva de
10% das outorgas para condutores com deficiência.
Há ainda um aspecto importante que merece nota. Embora possa parecer, a
contrario sensu, haver mais regras previstas na LPNMU para o modelo Uber de transporte
do que para os táxis, é fato que estes últimos, por serem de longa data atribuídos aos
Municípios, já contam com a regulação municipal em grande parte das cidades brasileiras.
Já as regras sobre a Uber previstas na Lei de Mobilidade Urbana foram incluídas pela Lei
nº 13.640/2018 justamente para conferir regularidade jurídica ao serviço, que já vinha
sendo praticado desde 2014 no Brasil. Não obstante, conforme os Municípios, dentro de
sua esfera de competência, forem regulando a atividade, os operadores deverão ir se
adequando às normas municipais. Não se olvide que as disposições da Lei nº 12.587/2012
sobre o serviço de táxi devem ser consideradas em conjunto com as normas da Lei Federal
nº 12.468/2011, que regulamente a profissão de taxista e traz algumas regras parecidas
com as previstas na LPNMU acerca do Uber (inscrição do motorista no INSS, habilitação
para conduzir veículo automotor, veículo regular conforme as regras do órgão de trânsito,
etc.), além de outras regras específicas.
Além disso,
Por fim, o que deve ficar claro é que, no tocante ao regime jurídico, tanto os serviços
do modelo Uber quanto os serviços de táxi são, atualmente, considerados atividades
econômicas em sentido estrito pelo ordenamento jurídico brasileiro. A Lei da Mobilidade
Urbana traz, porém, disposições expressas relativas ao controle de preços e controle de
entrada mais restritivo nos serviços de táxi, o que não há no caso do modelo Uber. Desse
modo, a princípio, o que varia nos regimes jurídicos é o grau de intervenção estatal nas
atividades, que, considerando-se apenas a legislação federal, é maior sobre os serviços
de táxis.
Não obstante, conforme se verificou, as regulações de cada Município sobre cada
uma das duas modalidades de transporte individual poderão diminuir esta diferença entre
ambos, em primeiro lugar, em razão de uma regulação menos restritiva sobre os táxis,
aproximando-se estes do modelo Uber, com maior liberdade no setor. Em segundo lugar,
é possível também que o Município siga pela via oposta, tornando o serviço do tipo Uber
88

mais restritivo, aproximando-o do modelo dos táxis. Só que neste último caso, repise-se
que a elevação da restrição estatal deverá observar os direitos fundamentais envolvidos,
como o direito fundamental ao transporte (art. 6º, da CRFB), direito fundamental à livre
iniciativa (art. 170, caput, da CRFB), direito à liberdade de locomoção, e o princípio da
proporcionalidade, conforme será visto a seguir.

3.3. Regulação interfederativa em regiões metropolitanas

No Capítulo 1 (seção 4), analisou-se as influências do Estatuto da Metrópole (Lei


nº 13.089/2015) na regulação dos transportes urbanos. Neste sentido, sustentou-se que
sobre o transporte intermunicipal realizado no âmbito das regiões metropolitanas deve-se
aplicar a Lei nº 12.587/2012, por se tratar de uma modalidade de transporte com caráter
eminentemente urbano136.
Ocorre que o transporte urbano individual, por se tratar de um serviço que permite
a realização de viagens personalizadas, não deve ser tratado como uma atividade de
interesse exclusivamente local, do Município, especialmente quando este integrar região
metropolitana. Embora seja mais comum a realização de viagens de táxis e de Uber dentro
dos limites territoriais de cada município, nas regiões metropolitanas, também são muito
frequentes os trajetos entre Municípios adjacentes.
Esta característica impõe a necessidade da regulação conjunta, do Estado que
instituiu a região metropolitana e dos Municípios membros, para que se evitem regras
muito discrepantes entre as municipalidades limítrofes, de modo a convergir os esforços
para a tutela do equilíbrio urbano e ambiental, mas também visando a defesa do
consumidor do serviço de transporte individual. Neste sentido, o Estatuto da Metrópole
oferece instrumentos aos gestores municipais, a exemplo da governança federativa,
devendo-se sempre observar, porém, a autonomia dos entes federativos137.

136
Conforme ressaltado no Capítulo 1, esta é a conclusão obtida a partir da interpretação harmônica dos
artigos 21, XX e 182, da CRFB, e dos regimes jurídicos previstos no Estatuto da Cidade, no Estatuto da
Metrópole e na Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
137
Segundo a Lei nº 13.089/2015: “Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se: (...) IV – governança
interfederativa: compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de
organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum; (...) Art. 6º A governança
interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas respeitará os seguintes princípios:
(...) III – autonomia dos entes da Federação; (...)” (grifo acrescido)
89

3.4. Cobrança por parte dos Municípios pelo uso do sistema viário urbano

Para a análise deste ponto, cabe trazer à discussão a doutrina de Maria Sylvia Z. Di
Pietro acerca do uso de bem público por particular. A ilustre doutrinadora sistematiza o
tema de um modo muito coerente e adequado, delimitando-o a partir de dois critérios de
classificação: (1) quanto à conformidade da utilização do bem com o destino principal a
que está afetado (uso normal e anormal); (2) quanto à exclusividade ou não do uso (uso
comum ou privativo)138.
No que se refere ao primeiro critério, deve-se caracterizar o uso do sistema viário
urbano pelos operadores da Uber e similares como uso normal, pois, embora se trate
de uma atividade econômica, o uso das vias está conforme a destinação a qual este bem
público foi afetado. Já em relação ao segundo critério, tal uso deve ser considerado como
comum, por não se caracterizar pela exclusividade. Sendo assim, a princípio, por se
tratar de uso normal e comum, ao transporte urbano individual não deveriam ser aplicados
os institutos da autorização ou da permissão139.
No entanto, a autora traz uma subdivisão da dentro da categoria do uso comum:
(I) uso comum ordinário e (II) uso comum extraordinário. A doutrinadora caracteriza esta
segunda categoria (uso comum extraordinário), sendo a primeira identificada por
exclusão. Veja-se in verbis:

“Trata-se de utilizações que não se exercem com exclusividade (não


podendo, por isso, ser consideradas privativas), mas que dependem de
determinados requisitos, como o pagamento de prestação pecuniária ou de
manifestação de vontade da Administração, expressa por meio de ato de
polícia, sob a forma de licença ou de autorização. O uso é exercido em comum
(sem exclusividade), mas remunerado ou dependente de título jurídico
expedido pelo Poder Público.
(...)
Essas exigências constituem limitações ao exercício do direito de uso,
impostas pela lei, com base no poder de polícia do Estado, sem desnaturar o
uso comum e sem transformá-lo em uso privativo; uma vez cumpridas as
imposições legais, ficam afastados os obstáculos que impediam a utilização.

138
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Editora Atlas, 27 ed., São Paulo, 2014, p.
762.
139
Autorização e permissão como atos de gestão do uso de bens públicos por parte da Administração
Pública não se confundem com a autorização de funcionamento de atividades privadas, ou com a
permissão como ato de delegação de serviços públicos, conforme discutido no Capítulo 2 (subseção 6.4).
90

Tem-se, nesse caso, uso comum – já que a utilização é exercida sem o caráter
de exclusividade que caracteriza o uso privativo – porém sujeito à
remuneração ou ao consentimento da Administração. Essa modalidade é a que
se denomina de uso comum extraordinário, acompanhando a terminologia de
Diogo Freitas do Amaral.”140 (grifo no original)

Diante destas explicações, fica claro que é nesta categoria (uso comum
extraordinário) que o uso das vias públicas por parte dos operadores do transporte urbano
individual. Não obstante, de acordo com a sistemática normativa prevista na LPNMU
para os serviços da Uber e similares, não está dentre as exigências atribuídas aos
condutores o pagamento referente à utilização das vias, fato que os Municípios não
poderão deixar de observar141. No entanto, não há nenhum óbice legal para que esta
cobrança seja imputada às empresas mediadoras, conforme já ocorre nas regulações de
alguns Municípios142.
Por fim, deve-se consignar que este valor a ser pago pelas empresas enquadra-se no
conceito de preço público, e não no de taxa. Não se trata de taxa por não se enquadrar no
art. 145, inciso II, da CRFB: (a) pagamento do tributo em razão do exercício do poder de
polícia; (b) pagamento por serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua disposição. No máximo, o serviço de manutenção do sistema
viário urbano poderia ser considerado como serviços uti universi, não sendo nem
específico nem divisível. Desse modo, em razão de estarem associados à gestão dos bens
públicos, constituem preços públicos (receita pública originária).

4. Diretrizes regulatórias do setor de transportes aplicáveis ao transporte


individual do modelo Uber

Na presente seção passa-se a analisar a aplicação de diretrizes regulatórias do setor


de transportes, previstas tanto na Constituição Federal de 1988 quanto em leis federais,

140
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 764.
141
Como abordado neste capítulo, esta é uma das diferenças entre a Uber e o serviço de táxi. Enquanto que
neste, os motoristas é que podem pagar pela outorga para a prestação do serviço, no caso da Uber e
similares, o pagamento é imputado diretamente às empresas mediadoras, o que caracteriza a maior liberdade
de entrada no mercado para os motoristas interessados em prestar o serviço.
142
Cite-se como exemplo a regulação municipal do Rio de Janeiro sobre os serviços prestados pela Uber e
similares, que, mediante o Decreto nº 44.399/2018 (arts. 5º, 6º e 7º), atribuiu às empresas mediadoras a
exigência do pagamento de percentual do valor total das viagens cobrado pelos seus condutores.
91

sobre os serviços de transporte individual. Algumas aparentes contradições se apresentam


entre algumas destas diretrizes, impondo-se ao aplicador do Direito uma interpretação
conjunta dos diversos dispositivos referentes ao setor em tela, tendo-se como um norte
inafastável a concretização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, iniciar esta análise a partir do direito fundamental ao transporte, previsto
no art. 6º, da Lei Maior, parece ser o caminho mais adequado.

4.1. O direito fundamental ao transporte

A Constituição Federal de 1988 prevê o transporte como sendo direito fundamental


social, o que está expresso no artigo 6º da Carta Maior:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.” (grifo acrescentado)

Consigne-se que é recente a inclusão deste direito no texto do referido dispositivo,


que se deu por meio da Emenda Constitucional nº 90, de 2015, consubstanciando a sua
terceira alteração, desde o início da vigência da atual Lex Mater. De fato, anteriormente,
o artigo 6º sofreu mudanças mediante as Emendas Constitucionais nº 26, de 2000 e nº 64,
de 2010, para incluir os direitos à moradia, e à alimentação, respectivamente.
Quanto ao direito ao transporte, mesmo antes da sua inclusão no artigo 6º, já havia
autores que defendiam o seu status de direito fundamental:

“Antes da referida Emenda podia-se entender o direito ao transporte, também,


como
direito social e fundamental? No entender dos ora Autores, sim. Mas um
direito social e fundamental em torno do qual dúvidas interpretativas podiam-
se mostrar mais constantes; um direito mais suscetível a entendimentos
variados sobre sua vigência e validade; enfim, um direito ao transporte, antes
da Emenda nº 90, mais limitado à ideia de função social da cidade, exportada
92

do caput do Art. 182 da Constituição da República para as Constituições


Estaduais e Leis Orgânicas Municipais”143 (grifo acrescentado)

Observa-se que os autores associam o direito ao transporte como englobado no


conceito de função social da cidade. No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho,
ao discorrer sobre o conceito, afirma que:

“Desenvolver as funções sociais de uma cidade representa implementar uma


série de ações e programas que tenham por alvo a evolução dos vários setores
de que se compõe uma comunidade, dentre eles os pertinentes ao comércio, à
indústria, à prestação de serviços, à assistência médica, à educação, ao
ensino, ao transporte, à habitação, ao lazer e, enfim, todos os subsistemas que
sirvam para satisfazer as demandas coletivas e individuais. Ora, esse
desenvolvimento social, que lato sensu inclui também o desenvolvimento
econômico, não tem outra finalidade senão a de, em última instância,
proporcionar e garantir o bem-estar dos habitantes”144 (grifo acrescentado)

Ademais, deve ser ressaltado que, além de estar englobado no conceito de função
social da cidade, é fácil perceber que o direito ao transporte também assume um caráter
instrumental para o exercício de outros direitos sociais, como a educação, a saúde, o
trabalho, a alimentação e o lazer, dada a necessidade de deslocamento físico para
acessar os serviços, tanto no meio urbano quanto no meio rural.
Até mesmo o exercício da livre iniciativa, no âmbito econômico, depende do
transporte de cargas, que é indispensável para o desenvolvimento nacional145. Estes
aspectos inerentes ao direito ao transporte foram ressaltados na justificação da Proposta
de Emenda Constitucional, da Deputada Luiza Erundina:

Vetor de desenvolvimento relacionado à produtividade e à qualidade de vida


da população, sobretudo do contingente urbano, o transporte destaca-se na
sociedade moderna pela relação com a mobilidade das pessoas, a oferta e o

143
BONIZZATO, L.; BOLONHA, C. e BONIZZATO, A. R. D. Consequências institucionais do revigorado
direito constitucional ao transporte: questões, indagações e desenvolvimentos urbanísticos e institucionais
após a emenda constitucional nº 90 à constituição brasileira de 1988. Revista de Direito da Cidade, v. 09,
nº1, Rio de Janeiro, 2017, p. 213.
144
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Editora Lumen Juris, 3 ed.,
2009, p 14.
145
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) II - garantir o
desenvolvimento nacional; (...)” CRFB 1988.
93

acesso aos bens e serviços. Como é de amplo conhecimento, a economia de


qualquer país fundamenta-se na produção e no consumo de bens e serviços,
como também no deslocamento das pessoas, ações que são mediadas pelo
transporte.”146

Sendo assim, fica claro que a inclusão do direito ao transporte no artigo 6º, da Carta
Magna, trouxe maior destaque à sua relevância, sendo agora expressamente considerado
como um direito fundamental social. Além do mais, não se deve olvidar que o direito em
tela não deixa de se caracterizar como uma das faces do direito de ir e vir, previsto no
artigo 5º, caput (direito à liberdade), e inciso XV (direito a locomoção, entrada,
permanência e saída, no território nacional)147.
Para fechar esta subseção, faz-se necessário examinar um último ponto, não menos
importante, a respeito do tema. No que se refere à efetiva garantia do direito ao
transporte, o que mudou com a sua inclusão no artigo 6º da constituição? O ponto
principal a ser analisado, ainda que de forma breve, para que não se fuja do objeto deste
trabalho, é sobre a possibilidade (ou não) do pleito, inclusive individual, deste direito em
face do Poder Judiciário, como já acontece com outros direitos sociais, a exemplo da
saúde e da educação. Alguns autores defendem a possibilidade desta hipótese:

“Nesta linha, entendendo os direitos sociais como expectativas positivas, deve


o cidadão interessado agir em busca da satisfação do seu direito, invocando,
repita-se, a prestação jurisdicional ou qualquer outro meio de acesso ao
Poder Estatal para a consecução de seus objetivos. (...)

Portanto, confirmando-se o entendimento que se esboça e, a partir da


mencionada, necessária e constante dialogia institucional no país, por
também serem os direitos sociais considerados fundamentais, devem poder
ser, a qualquer tempo, pleiteados perante o Estado, conferindo-se aos

146
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de emenda à constituição nº 90-a, de 2011, da Sra. Luiza
Erundina, que “Dá nova redação ao art. 6º da constituição federal, para introduzir o transporte como
direito social". 2011, p. 02 Disponível em
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=522343. Acesso em
16/09/2019.
147
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele
sair com seus bens;” (grifo acrescentado)
94

cidadãos brasileiros a garantia de inúmeros direitos estampados na Carta


Magna nacional.”148 (grifo acrescentado)

De todo modo, para os objetivos do presente trabalho, o mais importante é que a


noção da abrangência conferida pela Constituição de 1988 sobre o direito ao
transporte, como um direito fundamental social, jamais poderá deixar de ser
considerada pelo Estado, sobretudo por ocasião do emprego de medidas restritivas
sobre serviços de transporte.

4.2. Regulação do transporte individual na perspectiva do equilíbrio urbano e


ambiental

Conforme se verificou no Capítulo 2, os fundamentos que justificam a intervenção


regulatória do Estado sobre determinado setor da economia podem ser, para fins
didáticos, separados em dois grupos: (1) a busca do equilíbrio de mercado, mediante a
correção de suas falhas no setor em tela, o que engloba temas como a defesa do
consumidor e da concorrência; (2) a tutela de outros valores constitucionais influenciados
pelo exercício de determinada atividade econômica. Nesta subseção, a abordagem será
em torno deste segundo tipo de fundamento regulatório, mais especificamente no que se
refere ao impacto do transporte privado individual sobre o equilíbrio urbano. Na subseção
seguinte, serão considerados os aspectos relacionados ao equilíbrio de mercado, do setor
em tela.
O transporte individual de passageiros, tradicionalmente associados aos serviços de
táxis, tem sido quase sempre enquadrado em modelos de negócios fortemente regulados
pelas Administrações Públicas locais. No entanto, a literatura especializada tem apontado
para o caráter cíclico da regulação do setor em diversas cidades do mundo, indicando
inclusive que tais serviços “nasceram” privados, tendo-se, porém, aumentado a regulação
sobre eles em decorrência de imperfeições de mercado (assimetria de informações,
externalidades negativas, etc.). Neste sentido, a experiência mostra que em determinados
períodos, desde século XX, o mercado de transporte individual de passageiros sofreu
processos de desregulação, diminuindo-se as restrições de entrada e o controle estatal

148
BONIZZATO, L.; BOLONHA, C. e BONIZZATO, A. R. D. Op. cit., p. 221-222.
95

sobre os preços, por exemplo. O exemplo mais lembrado de êxito na desregulamentação


do setor é o da Holanda.149
Não obstante, o advento de novas tecnologias baseadas no modelo da economia
compartilhada150 trouxe um novo horizonte de desafios regulatórios para a gestão do
equilíbrio urbano. Trate-se dos modelos de negócios implementados por empresas como
a Uber, as 99 e a Cabify, caracterizados como inovações disruptivas151.
Na seção anterior foram analisados os aspectos relacionados ao regime jurídico
atualmente previstos tanto para estes serviços quanto para os táxis. No momento, passa-
se a abordar os aspectos regulatórios aplicáveis aos novos modelos de transporte
individual, sob a perspectiva do equilíbrio urbano.

4.2.1. Possíveis impactos do transporte individual sobre o sprawl urbano

Antes de mais nada, deve-se consignar que o impacto nos custos de deslocamento
urbano provocados pelo advento do novo modelo é capaz de gerar consequências
significativas na dinâmica das cidades. Neste sentido, o principal efeito atribuído à
redução no custo do transporte é o espraiamento urbano (ou sprawl urbano), que consiste

149
“Os holandeses não apenas desregulamentaram o mercado de táxis, mas também criaram incentivos
para que tal mercado operasse em consonância com as outras políticas urbanas. Por exemplo, o mercado
de táxis foi estimulado a operar como um modal interligado à rede de transporte coletivo das cidades,
contrapondo a lógica de que os táxis são substitutos dos veículos particulares e que concorrem com o
transporte coletivo (argumento que tem sido desafiado pela evidência empírica recente). Em suma, os
holandeses compatibilizaram os benefícios trazidos pela desregulamentação do mercado de táxis (análise
de equilíbrio parcial) com os demais objetivos dos planejadores urbanos (análise de equilíbrio urbano).”
ESTEVES, Luiz Alberto. O Mercado de Transporte Individual de Passageiros: Regulação, Externalidades
e Equilíbrio Urbano. Documentos de Trabalho 001/2015. Departamento de Estudos Econômicos - DEE,
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, Ministério da Justiça, Brasília, setembro de 2015,
p. 46.
150
“A economia de compartilhamento, nesse sentido, decorre da união de diversas necessidades sociais,
dentre elas, crises econômicas, e de facilidades tecnológicas: nasce da confluência de diversas demandas
e tendências econômicas e sociais, e mais importante, de um conjunto de inovações tecnológicas. De um
lado, consumidores cada vez mais conscientes, que preferem alugar a comprar e de outro, um sistema
tecnológico que permite isso”. RAUCH, Daniel e SCHLEICHER, David apud TELÉSFORO, Rachel
Lopes. Uber: Inovação disruptiva e ciclos de intervenção regulatória. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2017, p. 29-30.
151
“Inovações disruptivas são caracterizadas, entre muitos fatores, por gerarem mudanças abruptas em
modelos de negócio, além de atuarem como uma plataforma em um mercado de dois lados, ligando
diversos fornecedores e consumidores. Portanto, garantem ao consumidor a oportunidade de desfrutar de
substitutos imperfeitos para hotéis e táxis, por exemplo. A plataforma on-line tende a reduzir os custos de
procura dos consumidores, ao mesmo tempo que permite que mais fornecedores possam entrar no
mercado, ao reduzir barreiras à entrada. Portanto, pode-se concluir que tais plataformas melhoram a
correspondência eficiente entre compradores e vendedores. Ao fazê-lo, tais plataformas entram em
concorrência com segmentos onde incumbentes históricos oferecem serviços semelhantes.” Ibidem, p. 15.
96

na expansão da dimensão territorial da zona urbana, caracterizado por alguns padrões de


uso e ocupação do solo urbano, dentre eles:

“(i) desenvolvimento em áreas com baixa densidade populacional, geralmente


por meio do uso e da ocupação de áreas até então agricultáveis nos limites
das cidades; (ii) efeito “scattered development”, ou seja, ênfase na
segmentação e especialização do uso do solo, onde grandes áreas são
exclusivamente dedicadas ou para uso comercial, ou para uso industrial, ou
ainda para uso residencial, em oposição às composições mistas encontradas
nas áreas centrais das cidades; e (iii) efeito “leapfrog development”, ou seja,
áreas de solo vagas entre aglomerações urbanas localizadas nas franjas das
cidades. Tal efeito é geralmente motivado por questões de especulação
imobiliária.”152

Alguns problemas de ordem ambiental, econômica e de saúde pública estão


associados ao sprawl urbano153, sendo por isso desaconselhado por instituições como a
OCDE e o Banco Mundial154.

4.2.2. Impactos sobre o tráfego urbano e sobre a emissão de gases poluentes

Além espraiamento, o problema dos congestionamentos urbanos é uma das


principais preocupações dos gestores públicos municipais em relação à expansão dos
serviços de transporte individual de passageiros. Este tipo de problema, muito comum
nas grandes cidades de todo o mundo, implica não só na perda de produtividade
econômica e de horas de lazer para os citadinos, como também na elevação da emissão
de gases poluentes na atmosfera. Não é por outro motivo que tanto a Lei nº 12.587/2012

152
ARCHER, R. apud ESTEVES, Luiz Alberto. Op. cit., p. 38.
153
“Dentre os problemas ambientais, um de especial destaque é o aumento do escoamento das águas
pluviais, além do agravamento gerado pelo espraiamento das cidades nas periferias, onde geralmente são
concentrados os mananciais43. Outros problemas ambientais incluem: redução da diversidade de
espécies, aumento do risco de enchentes e inundações, remoção excessiva de vegetação nativa,
fragmentação de ecossistemas, etc (... ) redução da qualidade do ar (doenças respiratórias, do coração e
alguns tipos de câncer), acidentes com colisões de veículos automotores (traumas e ferimentos, fatais ou
não), isolamento social e estresse (impactos de saúde mental).” Ibidem, p. 38-39.
154
Ibidem, p. 13.
97

(art. 6º, II)155 quanto a Lei nº 10.233/2001 (art. 11, IX)156 preveem expressamente a
prioridade do uso das vias públicas pelos meios de transporte público coletivo e os não
motorizados em detrimento do transporte individual.
Sobre esta questão, entendo que a regulação municipal dos transportes urbanos deva
necessariamente considerar alguns pontos importantes. Em primeiro lugar, não se deve
contestar as referidas diretrizes regulatórias previstas em ambas as leis federais, pois não
há controvérsias quanto ao impacto negativo que a expansão do transporte individual
possa causar no tráfego urbano. Só que algo que pouco se discute precisa também ser
considerado. Os referidos dispositivos legais não se referem exclusivamente aos
serviços de transporte urbano individual, que englobam os táxis e os novos modelos do
tipo Uber. No conceito de transporte individual também deve ser incluído o transporte
individual privado, mediante veículo próprio, o que, a seu turno, não configura
nenhum tipo de serviço.
Diante desta situação, tendo em vista o direito fundamental ao transporte (art. 6º,
da CRFB), o direito de liberdade de locomoção (art. 5º, XV, da CRFB), e o princípio da
isonomia (art. 5º, caput, da CRFB), a regulação estatal não poderá conferir tratamento
mais gravoso aos usuários de serviços de transporte privado individual, quando
comparado ao tratamento conferido àqueles que se locomovem por meio de veículos
automotores próprios. Esta acepção da matéria, porém, somente deve ser observada
quando os fundamentos da regulação se aplicarem indistintamente a ambas as situações.
Ora, é justamente isso que ocorre quando considerados os aspectos relativos à
qualidade do tráfego urbano, à emissão de gases poluentes na atmosfera, ao
espraiamento urbano e a outros aspectos influenciados pelo transporte individual,
independentemente se configurado como serviço ou como uso de veículo automotor
próprio.
Portanto, a principal implicação deste entendimento é que as restrições e controle
de entrada no mercado de transporte individual não poderão ser implementados com
fundamento na qualidade do tráfego urbano e na redução emissão de gases poluentes, sob
pena de clara violação do princípio da isonomia, e dos direitos fundamentais ao transporte

155
Lei nº 12.587/2012: “Art. 6º. A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes
diretrizes: (...) II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos
serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. (grifo acrescido)
156
Lei nº 10.233/2001: “Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes
aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...) IX – estabelecer prioridade
para o deslocamento de pedestres e o transporte coletivo de passageiros, em sua superposição com o
transporte individual, particularmente nos centros urbanos;” (grifo acrescido)
98

e à livre locomoção. É que, neste caso, os usuários dos serviços de táxis, Uber, e similares,
suportarão um ônus não estendido àqueles que se locomovem mediante veículos próprios.
Não obstante, há uma série de mecanismos jurídicos disponíveis aos gestores das
cidades para promover a prioridade dos transportes públicos coletivos e não motorizados
sobre os transportes individuais (incluindo os serviços e o uso de veículo próprio):

“Esses gestores têm focado suas políticas no sentido de criar incentivos para
que as pessoas substituam o transporte individual de passageiros (públicos ou
privados) por transporte coletivo. Neste sentido, os gestores urbanos
manipulam “carrots & sticks”, ou seja, buscam reduzir custos pecuniários
(subsídios) e de oportunidade (aumento na velocidade de deslocamento) dos
transportes coletivos e imputam custos adicionais aos veículos que servem de
transporte individual de passageiros, tais como impostos sobre propriedade
de veículos, taxas, seguros, pedágios urbanos, não utilização de linhas e
canaletas exclusivas para ônibus, rodízios de placas, (...)” (grifo
acrescido)157

Não resta dúvida de que, considerados estes pontos importantes, a gestão do


equilíbrio urbano e ambiental por parte do Município158,159 é indispensável para a
concretização dos direitos e valores fundamentais previsto na Carta Política.

157
ESTEVES, Luiz Alberto. Op. cit., p. 13.
158
Lei nº 12.587/2012: “Art. 5º A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos
seguintes princípios: (...) II - desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e
ambientais; (...) Art. 6º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:
(...) IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na
cidade; (...) Art. 7º A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos: (...) IV -
promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos
deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades;”
159
Lei nº 10.233/2001: “Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes
aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...)V – compatibilizar os transportes
com a preservação do meio ambiente, reduzindo os níveis de poluição sonora e de contaminação
atmosférica, do solo e dos recursos hídricos; VI – promover a conservação de energia, por meio da redução
do consumo de combustíveis automotivos; VII – reduzir os danos sociais e econômicos decorrentes dos
congestionamentos de tráfego; (...) Art. 12. Constituem diretrizes gerais do gerenciamento da infra-
estrutura e da operação dos transportes aquaviário e terrestre: (...) V – promover a adoção de práticas
adequadas de conservação e uso racional dos combustíveis e de preservação do meio ambiente ”
99

4.2.3. Possíveis vantagens dos novos serviços de transporte individual para o


equilíbrio urbano

Embora uma das maiores vantagens associadas aos transportes individuais por
aplicativos tenha sido a redução dos preços e maior democratização do acesso a este tipo
de serviço160, é fato notório que seus preços não se comparam com aqueles praticados no
âmbito dos transportes públicos coletivos. Neste sentido, não parece razoável imaginar
que haverá competição entre estas duas categorias de transporte urbano, sobretudo ao se
considerar as viagens de ida e volta no trajeto casa-trabalho de longas distâncias. Seria
mais razoável pensar que a concorrência dos motoristas da Uber e similares se dê no nicho
de mercado dos táxis, que envolve viagens mais curtas e/ou esporádicas, evidentemente
ampliando o acesso pela população ao serviço, tendo em vista a redução dos preços.
Considerando-se tal peculiaridade, é de se esperar que os novos serviços possam
melhorar a acessibilidade das vias expressas de maior mobilidade urbana161, atuando de
forma complementar aos transportes públicos urbanos. Foi justamente neste sentido que
se configurou o exemplo holandês por ocasião da desregulamentação dos serviços de
táxis, há pouco mencionado. Evidentemente, é necessário, para que sistema funcione, que
o Poder Público disponibilize serviços públicos de transporte com qualidade (segurança,
conforto, razoável rapidez, etc.), de modo a alcançar as diretrizes setoriais do transporte
que tratam da integração dos modais162.
Além destas implicações, o compartilhamento oneroso de um mesmo veículo
automotor ao longo do dia tende a diminuir a demanda por estacionamento nas regiões
centrais das cidades, considerando-se a possibilidade de cidadãos que possuam veículos
próprios optem por utilizar a Uber ou similares em determinadas circunstâncias 163. Este
tipo de uso do serviço possivelmente também ocorrerá para o lazer, em horários e dias
não comerciais, inclusive por consumidores de bebidas alcoólicas, evitando-se acidentes
de trânsito.

160
Este ponto será abordado na seção seguinte.
161
As definições dos termos acessibilidade e mobilidade foram abordadas no Capítulo 1.
162
Lei nº 12.587/2012: “Art. 6º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes
diretrizes: (...) III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano; ”. E Lei nº 10.233/2001:
“Art. 12. Constituem diretrizes gerais do gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos transportes
aquaviário e terrestre: (...) II – aproveitar as vantagens comparativas dos diferentes meios de transporte,
promovendo sua integração física e a conjugação de suas operações, para a movimentação intermodal
mais econômica e segura de pessoas e bens;”.
163
ESTEVES, Luiz Alberto. Op. cit., p. 15.
100

Por fim, deve-se ressaltar que a democratização do acesso aos novos serviços de
transporte individual garante a um número maior de pessoas uma melhora na
autonomia164 do uso do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana (art. 3º, da LPNMU)165,
e, portanto, em maior acessibilidade (art. 4º, III, da LPNMU)166. Contribui-se, assim, para
uma maior inclusão social neste tipo de serviço, tradicionalmente elitizado167.

4.3. Regulação do transporte individual com fundamento no equilíbrio de mercado

Nesta última subseção do capítulo, passa-se para a abordagem dos mecanismos


regulatórios empregados pelo Poder Público para a correção das falhas do mercado de
transporte individual.
Além dos aspectos urbanísticos e ambientais analisados na subseção anterior, as
justificativas que tradicionalmente têm sido alegadas pelo Estado para a regulação dos
serviços de táxis estão associadas ao equilíbrio de mercado. Trata-se, sobretudo, da
necessidade de: (1) redução da assimetria de informação; (2) garantia de segurança na
atividade; (3) e melhoria da qualidade do serviço.168 Não obstante, as inovações
tecnológicas implementadas por empresas como a Uber169 parecem garantir maior
efetividade no alcance destas diretrizes, atribuindo a estes serviços uma considerável
capacidade de auto-regulação170.
No tocante à assimetria de informação, pode-se dizer que o modelo Uber reduziu
consideravelmente os custos de transação do serviço, tanto para o motorista quanto para

164
Lei nº 10.233/2001: “Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes
aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...) VIII – assegurar aos usuários
liberdade de escolha da forma de locomoção e dos meios de transporte mais adequados às suas
necessidades; (...);”
165
Lei nº 12.587/2012: “Art. 3º O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e
coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de
pessoas e cargas no território do Município.”
166
Lei nº 12.587/2012: “Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: (...) III - acessibilidade: facilidade
disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando-se
a legislação em vigor;”
167
Lei nº 12.587/2012: “Art. 7º A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos:
I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; II - promover o acesso aos serviços básicos e
equipamentos sociais; III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere
à acessibilidade e à mobilidade;”
168
BINENBOJM, Gustavo. Op. Cit. , p. 216.
169
“Em termos práticos, o UBER é um aplicativo (mobile app), disponível para download em smartphones,
que permite a qualquer usuário requisitar um veículo de motorista profissional, previamente credenciado
no UBER, para transporte individual de passageiros.” Ibidem, p. 218.
170
Ibidem, p. 225-226.
101

o usuário. Para o usuário, existe a disponibilidade, em tempo real, de informações acerca


da quantidade e proximidade de veículos disponíveis, além da estimativa, quase sempre
exata, do preço a ser pago no trajeto escolhido. Muito embora já existam há algum tempo
aplicativos associados ao serviço de táxis que forneçam informações acerca da
disponibilidade e proximidade dos veículos (99 Táxi, v.g.), nada informam sobre as
estimativas de preços a serem pagos pelo usuário, informação esta que, em muitos casos,
é decisiva para a escolha do transporte individual. Além destas, Gustavo Binenbojm
chama a atenção para outros tipos de informações acessíveis pelo usuário da Uber e
similares:

“Ao contrário do táxi, o UBER fornece ao potencial usuário diversas


informações relevantes, notadamente (i) informações sobre o perfil do
motorista, (ii) grau de segurança e conforto de veículo, (iii) trajeto a ser
percorrido e (iv) estimativa de preço, diminuindo intensamente assimetrias de
informação relacionadas à qualidade do serviço a ser prestado. Vale registrar
que o aplicativo fornece ainda a avaliação dos usuários daquele motorista
especificamente designado para atendimento ao consumidor do serviço
(sistema de scoring)” (grifo acrescido)

Desse modo, fica claro que a plataforma tecnológica fornecida pelo aplicativo
garante amplo acesso a informações relevantes para a tomada de decisão. No serviço de
táxis, durante muito tempo, o controle dos preços pelos Municípios foi o único
mecanismo adotado para a amenizar os efeitos da assimetria de informação. Na Uber, a
seu turno, por utilizar um sistema dinâmico de formação de preços, baseado na oferta e
demanda do serviço em determinado momento, além de permitir que o usuário tenha
conhecimento prévio do preço a ser pago, também é capaz de auto-regular o excesso de
oferta e de demanda, contribuindo para o a eficiência e equilíbrio deste mercado.
Quanto ao parâmetro da segurança, dois aspectos merecem ser abordados. O
primeiro diz respeito à segurança pública, que, no caso da Uber, o próprio fornecimento
amplo de informações sobre o motorista, sobre o usuário, sobre o veículo e sobre a viajem,
trazem maior sensação de segurança tanto aos usuários quanto aos motoristas. Com a
tecnologia de GPS largamente utilizada nos dias de hoje, é possível até mesmo que ambos
compartilhem a viagem com amigos ou familiares, em tempo real, para fins de segurança.
Ademais, exige-se dos motoristas a certidão negativa de antecedentes criminais,
exigência que está expressa na LPNMU (art. 11-B, IV).
102

Em segundo lugar, a segurança quanto a acidentes é garantida mediante a


imposição de requisitos para a entrada, que assegurem as condições adequadas do veículo,
bem como a habilitação do motorista, além da obrigatoriedade da contratação de seguros
(Lei 12.587/2012, art. 11-A e art. 11-B). Alguns destes requisitos já eram exigidos pelas
empresas mediadoras (Uber, v.g.) antes mesmo do advento da regulamentação federal
inserida na LPNMU.
Continuando, a regulação da qualidade do serviço é um dos parâmetros que mais
avançou com o novo modelo de transporte individual. Em primeiro lugar, um aspecto que
o diferencia substancialmente do modelo clássico adotado no serviço de táxis é a livre
concorrência. Neste sentido, há um estímulo à competição entre as empresas mediadoras,
a exemplo da Uber, da 99, e da Cabify, o que implica em permanente estímulo à inovação
tecnológica na busca de maior qualidade do serviço. Essa é talvez seja a maior diferença
entre o modelo novo e o tradicional, pois incorporou-se o notório processo de evolução
tecnológica, atualmente vivenciado, no (até então) estático setor de transporte urbano
individual171.
Associa-se à concorrência das empresas mediadoras o controle de qualidade dos
usuários sobre os serviços prestados por cada motorista, pelo já mencionado sistema de
notas (scoring). Além da média das notas acumuladas pelo motorista estar disponível para
o usuário no momento da solicitação da viagem, a eventual redução do valor da avaliação
abaixo de um patamar estipulado pela empresa ensejará o banimento do motorista do
aplicativo. O mesmo sistema scoring também é aplicado ao usuário, com os mesmos
efeitos.
Este novo panorama trazido pelas referidas inovações disruptivas no setor de
transporte urbano individual se contrapõe consideravelmente ao modelo tradicional.
Neste sentido, segundo Gustavo Binenbojm:

“o advento desse novo modelo de negócios, utilizado para facilitar o


relacionamento entre motoristas e usuários do serviço de transporte
individual de passageiros, afetou todas as bases regulatórias relacionadas ao
modelo tradicional de concessão de outorgas de autorizações a taxistas Até

171
Lei 10.233/2012: “Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes aquaviário
e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...) XII - estimular a pesquisa e o
desenvolvimento de tecnologias aplicáveis ao setor de transportes. (...) Art. 12. Constituem diretrizes gerais
do gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos transportes aquaviário e terrestre: (...) IV –
promover a pesquisa e a adoção das melhores tecnologias aplicáveis aos meios de transporte e à
integração destes;”
103

aquele momento, os taxistas gozavam de exclusividade na prestação do serviço


de transporte individual de passageiros e a entrada de novos prestadores no
mercado era – e ainda é – muito difícil, tendo em vista obstáculos burocráticos
e limites no número de concessões de outorga de autorizações para táxi,
arbitrariamente definidos nas legislações locais.
Bem organizados, os sindicatos de taxistas exercem lobby constante
sobre políticos, o que explica as diversas isenções tributárias aos
proprietários de táxis, bem como a manutenção das aludidas limitações no
número de outorga de autorizações nas legislações locais que constituem
indícios fortes de captura regulatória.”(grifo crescido)172

Acrescenta, ainda, o ilustre doutrinador, que geralmente as barreiras de entrada


tradicionalmente adotado por muitos Municípios:

“não encontram respaldo em evidências empíricas sobre as reais


necessidades percebidas no mercado. (...) Porém, o que é certo é a existência
– notória nos maiores Municípios – de um mercado secundário marginal
operado por titulares de autorizações, em que as licenças são controladas por
oligopólios de grupos empresariais que efetuam o ‘aluguel’ dos táxis a
terceiros interessados através do mecanismo de ‘diárias’, o que sugere um
forte indício de prática de sobrepreço no mercado de prestação de serviço de
transporte público de passageiros por táxi.”(grifo acrescido)

Antes de finalizar, não se pode deixar de comentar sobre a recente decisão do


Supremo Tribunal Federal em sede do Recurso Extraordinário nº 1054110/SP (relatoria
do Ministro Roberto Barroso), acerca da “proibição ou do uso de carros particulares
para o transporte remunerado individual de pessoas” (tema de repercussão geral nº 967).
O RE foi interposto pela Câmara Municipal de São Paulo contra decisão do TJ/SP, que
declarou a inconstitucionalidade da Lei municipal 16.279/15, que proibiu o transporte
nesta modalidade na capital paulista. Por decisão unânime pelo plenário, em maio de
2019, o STF firmou as seguintes teses de repercussão geral:

I - A proibição ou restrição da atividade de transporte privado


individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por
violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência;

172
BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 222.
104

II - No exercício de sua competência para regulamentação e


fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios
e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo
legislador federal (CF/1988, art. 22, XI).

Note-se que, de forma unânime, a Suprema Corte adotou o entendimento que vem
sendo defendido ao longo deste trabalho, especialmente no Capítulo 3, no que se refere
aos limites que deverão ser observados pelos entes federativos no âmbito da intervenção
regulatória sobre as atividades econômicas, neste caso, em relação ao serviço de
transporte urbano individual. Neste sentido, vale colacionar a ementa do referido
julgado, que resume, de modo muito esclarecedor, grande parte das ideias que foram
trabalhadas na presente monografia:

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


REPERCUSSÃO GERAL. TRANSPORTE INDIVIDUAL REMUNERADO DE
PASSAGEIROS POR APLICATIVO. LIVRE INICIATIVA E LIVRE
CONCORRÊNCIA. 1. Recurso Extraordinário com repercussão geral
interposto contra acórdão que declarou a inconstitucionalidade de lei
municipal que proibiu o transporte individual remunerado de passageiros por
motoristas cadastrados em aplicativos como Uber, Cabify e 99. 2. A questão
constitucional suscitada no recurso diz respeito à licitude da atuação de
motoristas privados cadastrados em plataformas de transporte compartilhado
em mercado até então explorado por taxistas. 3. As normas que proíbam ou
restrinjam de forma desproporcional o transporte privado individual de
passageiros são inconstitucionais porque: (i) não há regra nem princípio
constitucional que prescreva a exclusividade do modelo de táxi no mercado
de transporte individual de passageiros; (ii) é contrário ao regime de livre
iniciativa e de livre concorrência a criação de reservas de mercado em favor
de atores econômicos já estabelecidos, com o propósito de afastar o impacto
gerado pela inovação no setor; (iii) a possibilidade de intervenção do Estado
na ordem econômica para preservar o mercado concorrencial e proteger o
consumidor não pode contrariar ou esvaziar a livre iniciativa, a ponto de
afetar seus elementos essenciais. Em um regime constitucional fundado na
livre iniciativa, o legislador ordinário não tem ampla discricionariedade para
suprimir espaços relevantes da iniciativa privada. 4. A admissão de uma
modalidade de transporte individual submetida a uma menor intensidade de
regulação, mas complementar ao serviço de táxi afirma-se como uma
estratégia constitucionalmente adequada para acomodação da atividade
inovadora no setor. Trata-se, afinal, de uma opção que: (i) privilegia a livre
105

iniciativa e a livre concorrência; (ii) incentiva a inovação; (iii) tem impacto


positivo sobre a mobilidade urbana e o meio ambiente; (iv) protege o
consumidor; e (v) é apta a corrigir as ineficiências de um setor submetido
historicamente a um monopólio “de fato”. 5. A União Federal, no exercício
de competência legislativa privativa para dispor sobre trânsito e transporte
(CF/1988, art. 22, XI), estabeleceu diretrizes regulatórias para o transporte
privado individual por aplicativo, cujas normas não incluem o controle de
entrada e de preço. Em razão disso, a regulamentação e a fiscalização
atribuídas aos municípios e ao Distrito Federal não podem contrariar o
padrão regulatório estabelecido pelo legislador federal. 6. Recurso
extraordinário desprovido, (...).” (grifo acrescido)

Por fim, diante do exposto nesta última subseção acerca da regulação equilíbrio de
mercado de transporte urbano individual, ao que tudo indica, os novos modelos de
serviços por aplicativos do tipo Uber parecem cumprir melhor as diretrizes sobre defesa
do mercado de transportes, previstos na Lei n° 12.587/2012173, na Lei nº 10.233/2001174,
e na Constituição Federal de 1988, especialmente quanto à livre concorrência e à defesa
do consumidor (art. 170, IV e V, respectivamente). Para fechar o capítulo, consigne-se,
in verbis, uma reflexão de Gustavo Binenbojm acerca do tema em estudo:

“A economia da regulação deve lançar luzes para orientar a atuação


regulatória do Estado no sentido da maximização de objetivos socialmente
desejáveis, mas também para revelar a obsolescência e a ineficiência de seu
sistema de incentivos quando ele for superado em decorrência de inovações
tecnológicas e gerenciais, que se revelem aptas a gerar níveis mais elevados
de concorrência, eficiência e bem-estar para os consumidores.” 175

173
Lei n° 12.587/2012: “Art. 5º A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos
seguintes princípios: (...) IV - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte
urbano; (...)VI - segurança nos deslocamentos das pessoas; (...) IX - eficiência, eficácia e efetividade na
circulação urbana.”
174
Lei n° 10.233/2001: “Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes
aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...) III – proteger os interesses dos
usuários quanto à qualidade e oferta de serviços de transporte e dos consumidores finais quanto à
incidência dos fretes nos preços dos produtos transportados; (...) Art. 12. Constituem diretrizes gerais do
gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos transportes aquaviário e terrestre: (...) VII – reprimir
fatos e ações que configurem ou possam configurar competição imperfeita ou infrações da ordem
econômica.”
175
BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 226.
106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi analisado, a principal constatação, em termos gerais, se deu
em torno do caráter desafiador que regulação econômica apresenta. Trata-se de um campo
de aplicação do Direito, que, pela sua própria definição, envolve uma série de conflitos
de interesses políticos, econômicos e sociais, implicando, muitas das vezes, em colisão
de direitos e valores fundamentais. De fato, esta caraterística da regulação econômica
decorre de sua própria definição, pois os requisitos e restrições impostos pelo poder
público ao desenvolvimento das atividades econômicas geram aumentos dos custos na
geração de bens e serviços. Geralmente, o resultado deste tipo de intervenção estatal é o
aumento nos preços e a redução da oferta destes bens e serviços ao consumidor final.
Por outro lado, não se pode olvidar que a Carta Política e ordenamento jurídico
como um todo estabelecem um sistema amplo e harmônico de valores e direitos
fundamentais que orientam a vida em sociedade, a exemplo do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, da saúde pública, dos direitos da personalidade, do direito
à privacidade, dos direitos trabalhistas, da redução das desigualdades sociais e
regionais, do princípio da solidariedade, da dignidade da pessoa humana, e dentre tantos
outros. Sendo assim, e sabendo-se que em nosso sistema constitucional nenhum direito
ou valor fundamental é absoluto, no âmbito da regulação econômica, todos os interesses
deverão ser considerados, decidindo-se casuisticamente a eventual prevalência de uns
sobre outros, mediante a ponderação dos interesses em jogo.
Ocorre que o setor de transportes de passageiros, tema central deste trabalho,
envolve direitos fundamentais centrais à dignidade da pessoa humana, como o direito de
liberdade, de ir e vir, e de ter acesso aos outros direitos fundamentais que demandem
serviços de transportes, como, por exemplo, a saúde e a educação. Deste modo, de todos
os pontos levantados ao longo deste trabalho, acerca dos limites à regulação do transporte
urbano individual, dois deles parecem ter um peso maior. Trata-se, primeiramente, da
obrigatoriedade dos entes federados, sobretudo dos Municípios, em observar o princípio
da isonomia quando cogitarem a possibilidade de impor restrições ao fornecimento do
serviço de transporte individual, quando estas mesmas restrições não forem extensíveis
aos proprietários de veículos utilizados no próprio transporte. Ora, conforme bastante
repisado neste trabalho, não se está a ignorar a necessidade de redução do uso de veículos
particulares nas grandes cidades, exigência necessária para a diminuição dos
congestionamentos e das emissões de gases poluentes na atmosfera, principalmente. A
107

questão é que não se justifica, com base nestes mesmos fundamentos, onerar, de forma
mais gravosa, os usuários dos serviços de transporte individual em face daqueles que se
utilizam do próprio veículo para se locomover pela cidade.
Por outro lado, as restrições baseadas na correção das falhas de mercado do setor
de transporte individual são específicas da atividade econômica em tela, não se aplicando
aos que se deslocam por meio do próprio veículo. Mas, mesmo assim, constatou-se neste
trabalho que, até o momento, em relação ao equilíbrio de mercado (defesa do consumidor
e defesa da concorrência) a auto-regulação decorrente das inovações gerenciais e
tecnológicas da Uber e similares parecem estar sendo mais efetivas do que a regulação
estatal, que vinha sendo aplicada aos serviços de táxis. Dessa forma, pretensões
regulatórias dos entes políticos (sobretudo, os Municípios), neste âmbito de proteção,
exigem estudos empíricos que demonstrem possíveis falhas neste mercado.
Ante o exposto, estas parecem ser as principais limitações da regulação estatal
sobre o setor em estudo: na seara da tutela do equilíbrio urbano e ambiental, somente
restrições extensíveis às pessoas que utilizam o próprio veículo para se locomover
poderão ser aplicados aos serviços de transporte urbano individual (pedágios, aumento
de impostos sobre veículos de pequeno porte, definição de faixas seletivas nas vias
públicas, aumento nos preços de estacionamentos, etc.), em razão do princípio da
isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade; já as restrições que visem a correção
de falhas de mercado exigirão o ônus da prova, mediante estudos científicos, ao poder
público regulador, sob o risco de captura regulatória e desvio de finalidade. Nenhuma
regulação se justifica por si só, a priori, sendo sempre necessário que se apresente
fundamentos razoáveis pelo poder público, sob pena de ilegalidade ou
inconstitucionalidade da medida.
108

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