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FACULDADE DE ENSINO E CULTURA DO CEARÁ – FAECE

CURSO DE DIREITO

FRANCISCA JOSYANY OLIVEIRA LEMOS

A INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE CONDENAÇÕES CRIMINAIS: ANÁLISE


DOS CRITÉRIOS PARA INELEGIBILIDADE DEVIDO A CONDENAÇÕES PENAIS
E OS REFLEXOS NO PROCESSO ELEITORAL

FORTALEZA – CE
2023
FRANCISCA JOSYANY OLIVEIRA LEMOS

A INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE CONDENAÇÕES CRIMINAIS: ANÁLISE


DOS CRITÉRIOS PARA INELEGIBILIDADE DEVIDO A CONDENAÇÕES PENAIS
E OS REFLEXOS NO PROCESSO ELEITORAL

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em Direito,
pela Faculdade de Ensino e Cultura do
Ceará - FAECE.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Rodrigues


Melo.

FORTALEZA – CE
2023
34 Lemos, Francisca Josyany Oliveira
L557i
A inelegibilidade decorrente de condenações criminais: Análise dos
critérios para a inelegibilidade devido a condenações penais e os reflexos
no processo eleitoral. Francisca Josyany Oliveira Lemos.2023.
41f.

Orientador (a): Prof. Márcio Rodrigues Melo


Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade de Ensino
e Cultura do Ceará, Curso de Direito, 2023.

1. Inelegibilidade 2. Condenações criminais 3. Processo eleitoral.


Autor. II. Título
Dedico esse trabalho primeiramente a
Deus, que foi essencial em todas as
minhas conquistas e superações, meus
pais, pelo amor, pelas abdicações,
incentivo e apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por tudo, pela minha vida, família, amigos e por ter me
concedido saúde e força para superar as dificuldades. Agradeço a todos os
professores por proporcionarem não apenas conhecimento racional, mas também a
manifestação do caráter e afetividade da educação no processo de formação
profissional. Agradeço, em especial, àqueles que se dedicaram a mim, não só por me
ensinarem, mas por me fazer aprender. A palavra "mestre" nunca fará justiça aos
professores dedicados, aos quais, mesmo sem mencionar nomes, expresso meus
eternos agradecimentos.
Expresso minha gratidão a meu pai e minha mãe por estarem sempre
presentes e me apoiarem. Ao meu pai, agradeço especialmente pelo possível e
impossível que fez para que eu pudesse realizar mais uma etapa em minha vida, um
sonho não só meu, mas também dele.
Aos meus irmãos, Weslley, Sheron, Mel e Joseph, que muitas vezes foram
minha força, agradeço por tudo. Tudo por vocês, sempre!
Aos meus colegas, Rafael Silva Alves, obrigado por todo o apoio e ajuda
durante a graduação. E à minha amiga, Antônia Tauanne Rodrigues de Sousa,
agradeço pela amizade, companheirismo e incentivo ao longo de todos esses anos.
Serei eternamente grata por tudo.
Ao André William de França Gurgel e a toda a equipe da 005ª Zona Eleitoral,
agradeço por todo o aprendizado, conhecimento e amizade.
A todos que, de forma direta ou indireta, fizeram parte da minha formação, o
meu muito obrigado.
“A Lei contém em si muito de arbítrio; é
obra humana; tal como a arte e a ciência,
é imperfeita”.

(Clóvis Bevilácqua)
RESUMO

A presente monografia busca dispor sobre a inelegibilidade decorrente de


condenações criminais, bem como os reflexos no processo eleitoral a fim de garantir
a transparência e credibilidade do sistema democrático. A inelegibilidade por
condenações criminais é estabelecida pela Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010, e
visa filtrar aqueles candidatos que possuem um passado criminoso e, portanto,
poderiam comprometer a moralidade e a ética no exercício do mandato eletivo. A lei
prevê que políticos condenados por órgãos colegiados em decisões irrecorríveis ficam
inelegíveis por um determinado período. Essa medida acaba por contribuir para um
processo eleitoral mais sério e qualificado e evita que pessoas condenadas por crimes
graves tenham acesso a cargos públicos, nos quais poderiam utilizar seu poder para
fins ilícitos ou prejudiciais à sociedade. Além disso, a inelegibilidade também deixa
claro para a população que aqueles que têm um histórico criminal não são aptos a
representar o interesse público. No entanto, há certas controvérsias em relação aos
critérios estabelecidos para a inelegibilidade. A definição de “órgão colegiado” tem
sido alvo de discussões, já que algumas pessoas argumentam que isso abriria espaço
para interpretações distintas e, consequentemente, influenciar na elegibilidade de
candidatos. Ademais, há divergências relacionadas ao tempo de inelegibilidade
imposto, quando é questionado sua suficiência para reabilitação do candidato
condenado.

Palavras-chave: Inelegibilidade. Condenações Criminais. Processo Eleitoral.


ABSTRACT

The presente monograph seeks to address ineligibility resulting from criminal


convictions as well as the consequences in the electoral process in order to guarantee
the transparency and credibility of the democratic system. Ineligibility for criminal
convictions is established by the Clean Record Law, approved in 2010, and aims to
filter out those candidates who have a criminal past and, therefore, could compromise
morality and ethics in the exercise of elective office. The law provides that politicians
convicted by collegial bodies in unappealable decisions are ineligible for a certain
period. This measure ends up contributing to a more serious and qualified electoral
process, preventing people convicted of serious crimes from accessing public
positions, where they could use their power for illicit purposes or those harmful to
society. Furthermore, ineligibility also makes it clear to the population that those who
have a criminal history are not fit to represent the public interest. However, there are
certain controversies regarding the criteria established for ineligibility. The definition of
"collegiate body" has been the subject of discussions, as some people argue that this
can open space for different interpretations and, consequently, influence the eligibility
of candidates. Furthermore, there are disagreements related to the period of ineligibility
imposed, and it is questioned whether it is sufficient to rehabilitate the convicted
candidate.

Keywords: Ineligibility. Criminal Convictions. Electoral Process.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11
1. A LEI DA FICHA LIMPA COMO BASE LEGAL PARA A INELEGIBILIDADE.... 13
1.1. Impactos na elegibilidade e possíveis divergências............................................ 15
1.2. Adequação do período para reabilitação do candidato..................................... 16
1.3. Questionamentos acerca da proporcionalidade da punição.............................. 18
2. REFLEXOS NO PROCESSO ELEITORAL........................................................... 21
2.1. Equilíbrio entre moralidade e os princípios democráticos…............................... 23
2.2. Garantia de idoneidade sem a escolha do eleitorado......................................... 25
2.3. Aspectos acerca do impedimento de renovação política.................................... 27
3. PARTICIPAÇÃO ATIVA E DISCUSSÕES............................................................ 29
3.1. Restrição de candidatos com histórico criminal.................................................. 30
3.2. Importância do envolvimento popular na discussão........................................... 33
3.3. Métodos alternativos de avaliação para a elegibilidade dos
candidatos................................................................................................................. 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 37
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 39
11

INTRODUÇÃO

Ao analisar a pertinência da temática, torna-se imperativamente evidente que


as condenações criminais possivelmente teriam reflexos significativos na elegibilidade
de candidatos, o que afeta a legitimidade e a integridade dos processos eleitorais de
forma significativa.
Conforme a Constituição Federal da República de 1988, em seu artigo 14, §9º,
são inelegíveis aqueles que tiverem suas condenações criminais confirmadas em
segunda instância. Esse dispositivo tem o objetivo de preservar a lisura do processo
eleitoral e assegurar que cidadãos comprovadamente envolvidos em crimes não
assumam cargos eletivos.
Diante disso, a inelegibilidade decorrente de condenações criminais busca
proteger a sociedade e a democracia como um todo. Afinal, a existência de candidatos
com histórico criminal potencialmente compromete a confiança dos eleitores nos
representantes eleitos e, consequentemente, enfraquece o sistema democrático.
Mormente, a inelegibilidade busca coibir a impunidade política. Casos de
condenações criminais de políticos que, mesmo após uma condenação, conseguem
se manter ativos na vida política geram descrédito e desconfiança na sociedade. A
aplicação dessa medida serve como um mecanismo de responsabilização e um freio
para a corrupção e o abuso de poder.
Assim, é imperativo reiterar que a inelegibilidade decorrente de processos de
condenações criminais está intimamente relacionada ao princípio da moralidade
administrativa, presente no artigo 37 da Constituição Federal. Este princípio
estabelece que a administração pública deve se pautar por critérios éticos e morais,
excluir indivíduos que tenham praticado atos ilícitos do exercício de cargos públicos.
Destarte, é necessário ponderar os possíveis reflexos dessa medida no
processo eleitoral. A discussão sobre a constitucionalidade e a eficácia da prisão em
segunda instância, por exemplo, traz questionamentos sobre a aplicação da
inelegibilidade. Afinal, em casos em que a condenação ainda está sujeita a recursos,
a inelegibilidade pode ser vista como uma antecipação da pena e uma violação do
princípio da presunção de inocência.
Por conseguinte, alguns críticos argumentam que a inelegibilidade pode acabar
por excluir potenciais candidatos que, mesmo autores de erros no passado, sejam
12

capazes de se reinserir na vida política de forma ética e comprometida e com o


interesse público. Essa perspectiva defende que a sociedade deve ter o direito de
decidir, através do voto, se um candidato é merecedor de uma nova oportunidade.
Desse modo, o estudo em voga tratou de expor em três momentos distintos,
mas, igualmente imperiosos as circunstâncias atinentes relativas ao processo de
inelegibilidade eleitoral decorrente de condenações na esfera criminal, inicialmente
por meio do instituto da Lei da Ficha Limpa, do mesmo modo que seus impactos e
repercussões sócio normativas.
Sobretudo, tratou-se de avaliar o desencadear de processos no tangente a
sistemática eleitoral a ser debatida. Pautou-se nos princípios da moralidade e das
garantias individuais e se finda no aspecto das causas de impedimento da renovação
política.
Portanto, optou-se pelo encerramento da temática ao destacar o papel da
participação política e da intervenção de terceiros dentro da sistemática eleitoral.
Tratou-se ainda de métodos avaliativos e mecanismos de participação na garantia da
ordem democrática.
Para tanto, fez-se imperativo o uso de metodologia de viés qualitativo
exploratório, por meio de pesquisa de caráter bibliográfico mediante o entendimento
de autores especializados na temática como Mirabete (2008), Bonavides (2000),
Ferrajoli (2014) dentre outros.
Logo, torna-se perceptível a necessidade de se ponderar os efeitos da
inelegibilidade decorrente de condenações criminais no processo eleitoral. A
discussão segue em diversos âmbitos, como no Judiciário e no Legislativo em uma
busca para encontrar um equilíbrio entre a preservação da moralidade política e o
respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
13

1. A LEI DA FICHA LIMPA COMO BASE LEGAL PARA A INELEGIBILIDADE

A Lei da Ficha Limpa tem se consolidado como um importante marco no cenário


político brasileiro, estabelece critérios mais rígidos para a elegibilidade de candidatos
a cargos públicos. Com o objetivo de combater a corrupção e a improbidade
administrativa, a legislação estabelece uma série de condições que devem ser
cumpridas pelos políticos que buscam concorrer a um mandato eletivo.
Particularmente, a lei formalmente conhecida como Lei Complementar nº 135,
foi aprovada em 2010 e desde então é aplicada nas eleições brasileiras. Seu principal
objetivo é garantir que os candidatos possuam uma "ficha limpa", ou seja, não tenham
sido condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, abuso de poder
econômico ou político, entre outros.
Consoante as disposições do mestre professor José Jairo Gomes (p. 176,
2006):
É despiciendo relevar a oportunidade dessa medida. Sabedor que o
candidato responde a processo criminal, dificilmente o eleitor se animará a
nele votar; mas se votar, o fará com consciência e vontade, dentro da
liberdade que lhe é assegurada pela Lei Maior. Isso certamente contribui para
o amadurecimento do eleitorado, a melhoria da qualidade da representação
popular e o aperfeiçoamento das práticas democráticas.

Um dos aspectos fundamentais da Lei da Ficha Limpa é a ampliação dos


prazos de inelegibilidade. Anteriormente, candidatos condenados por crimes eleitorais
ficavam inelegíveis por um período específico, determinado pelo Código Eleitoral.
Com a nova lei, o prazo de inelegibilidade foi ampliado, chegará a até oito anos após
o cumprimento da pena. Isso significa que um candidato condenado por corrupção,
por exemplo, poderá ser impedido de se candidatar por um período significativo.
Nesse sentido, outro ponto importante da legislação é o estabelecimento da
"inépcia moral" como critério para a inelegibilidade. Isso significa que candidatos que
cometam atos e por estes atentem contra a moralidade administrativa, também podem
ser barrados. Dessa forma, a Lei da Ficha Limpa permite uma análise mais ampla do
histórico dos candidatos, porquanto leva em consideração não apenas sua
condenação por crimes, mas também suas condutas éticas.
Para Lâmmego Bulos (2011), as inelegibilidades possuem um fundamento
ético. Elas objetivam proteger a probidade administrativa, a normalidade e a
legitimidade das eleições, considerar-se-ia, para tanto, a vida pregressa do candidato.
14

Desde sua implementação, a Lei da Ficha Limpa é alvo de diversas polêmicas


e questionamentos. Alguns argumentam que a legislação viola o princípio da
presunção de inocência, já que impede a candidatura de pessoas mesmo antes de
uma condenação em última instância. Além disso, há quem acredite que a lei seja
uma forma política de "caça às bruxas", meramente utilizada com interesses
partidários e eleitoreiros.
Isto posto, é inegável que a Lei da Ficha Limpa representa um avanço na luta
contra a corrupção e a impunidade no país. Ela busca estabelecer critérios mais
rigorosos para a escolha dos representantes políticos, visa garantir uma maior
idoneidade dos candidatos e maior transparência no exercício do poder.
Djalma e Petersen (p. 9, 2014), argumentam de forma expositiva:

A Lei da Ficha Limpa traduz a mais veemente exigência, feita pela sociedade,
de pessoas comprometidas com a ética e não apenas com seus interesses
pessoais para a investidura no poder político. A necessidade dessa norma e
de outras ainda mais rigorosas sobre inelegibilidade reflete o profundo déficit
do Brasil, no preparo para a cidadania, expressamente exigido no art. 205 da
Constituição.

Apesar das críticas, a aplicação da Lei da Ficha Limpa inegavelmente gerou


resultados positivos. Desde sua implementação, diversos políticos com histórico de
improbidades foram impedidos de se candidatar, o que contribui para o fortalecimento
do sistema democrático e para a reconstrução da confiança do eleitorado nas
instituições políticas.
Afere-se que a Lei da Ficha Limpa também tem estimulado uma maior
conscientização por parte dos candidatos e partidos políticos. Os políticos passaram
a ter maior cuidado com suas condutas e declarações públicas, evitam também, em
respeito à lei, situações que possam colocar em risco sua elegibilidade.
Por conseguinte, trata-se de uma importante ferramenta na busca por maior
transparência na política nacional. Embora existam críticas em relação à sua
aplicação, sua implementação mostra-se fundamental para o estabelecimento de um
ambiente político mais íntegro e confiável.

1.1. Impactos na elegibilidade e possíveis divergências


15

A Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010 no Brasil, teve um impacto


significativo na elegibilidade de candidatos, consequentemente levantou uma série de
discussões e plausíveis divergências. Essa lei foi um marco na história política do país
ao estabelecer critérios mais rigorosos para os políticos que buscam se candidatar a
cargos eletivos. Dessa forma, a principal intenção por trás da Lei da Ficha Limpa foi
combater a corrupção e a improbidade administrativa no âmbito político. Ela
estabelece que pessoas que foram condenadas por órgãos colegiados da Justiça,
como tribunais superiores, não podem se candidatar a cargos públicos. Além disso, a
lei também inclui outras situações que levam à inelegibilidade, como a renúncia ao
mandato para evitar processo de cassação, entre outras condutas que são
consideradas atos de improbidade administrativa.
Conforme as disposições presentes na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, verifica-se o instituto das inelegibilidades caracterizado como:

Art. 14 § 9º, Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e


os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para o exercício de mandato considerada vida pregressa do
candidato, e a normalidade de legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta (BRASIL, 1988).

De acordo com a doutrina, por natureza, as inelegibilidades têm a função de


vedar ao cidadão a capacidade eleitoral passiva. Ou seja, “inelegibilidade é a
impossibilidade legal de alguém pleitear seu registro como postulante a todos ou a
alguns cargos eletivos” (JARDIM, 1998, p. 68). Corroborando com essa
argumentação, em relação à inelegibilidade, infere-se que:

Consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição


de ser candidato e, consequentemente, poder ser votado, constituindo-se,
portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania.
(MORAES, 2006, p. 218)

Um dos principais impactos da Lei da Ficha Limpa foi o aumento da exigência


de honestidade e idoneidade dos candidatos. Antes dessa lei, muitos políticos que
foram condenados por corrupção ou outros crimes relacionados ainda conseguiam se
candidatar e ocupar cargos públicos. Com a entrada em vigor da Ficha Limpa, essas
pessoas passaram a ser inelegíveis, o que contribuiu para uma maior confiança da
população no processo eleitoral.
16

Cada vez é mais comum, sobretudo em pleitos municipais, a checagem da


alfabetização dos candidatos, através de provas aplicadas pelo juiz eleitoral
de tal circunscrição. As hipóteses de inelegibilidade constitucionais relativas
são as decorrentes de parentesco ou afinidades, de motivo de domicílio
eleitoral, de motivos funcionais e as de abuso do poder político ou econômico.
(MATTOS, 2010, p. 145)

À vista disso, a Lei da Ficha Limpa também gerou algumas divergências e


debates em relação aos seus efeitos. Uma das principais questões é o fato de que a
lei pode, eventualmente, ferir o princípio da presunção de inocência. Isso ocorre, pois,
a inelegibilidade é aplicada mesmo antes de uma condenação definitiva, ou seja,
antes do trânsito em julgado da sentença.
Outra divergência diz respeito à retroatividade da lei. A Lei da Ficha Limpa foi
aplicada a candidatos que já tinham cometido crimes, mesmo antes da promulgação
da lei. Isso gerou discussões sobre a constitucionalidade da retroatividade da lei
penal, uma vez que a retroatividade é normalmente proibida pela Constituição.
Além disso, a aplicação da Lei da Ficha Limpa também pode ser questionada
em alguns casos de improbidade administrativa, porque nem sempre é fácil distinguir
entre atos dolosos e culposos, o que pode levar a injustiças ou aplicação incorreta da
inelegibilidade.
Apesar dessas possíveis divergências e debates, é indiscutível que a Lei da
Ficha Limpa trouxe avanços significativos no combate à corrupção no Brasil. Ela
estabeleceu um padrão mais elevado de moralidade na política e contribuiu para uma
maior transparência e responsabilização dos candidatos a cargos eletivos.
Afere-se que a Lei da Ficha Limpa teve impactos profundos na elegibilidade de
candidatos ao estabelecer critérios mais rigorosos para aqueles que desejam
participar da vida política brasileira.

1.2. Adequação do período para reabilitação do candidato

A Lei da Ficha Limpa estabelece uma série de prazos e condições para tornar-
se um determinado indivíduo inelegível. Tais prazos variam de acordo com a natureza
da infração cometida e podem ter duração específica, de 8 anos, por exemplo.
17

Consoante a classificação decorrente do entendimento doutrinário e


jurisdicional, há de se dispor de forma transitória ou permanente. Assim preleciona
Coelho (p. 76, 2008):

Transitória, ou temporária, é quando há um período determinado para que


torne a elegibilidade. Permanente, como já diz o nome, se dá quando não há
previsibilidade jurídica para o retorno da elegibilidade do cidadão

Após o cumprimento do período de inelegibilidade, o candidato tem o direito de


concorrer novamente a cargos eletivos, desde que atenda a todos os requisitos legais
estabelecidos pelo sistema jurídico eleitoral brasileiro. Nesse sentido, é relevante que
tanto a sociedade quanto o próprio candidato tenham ciência desses prazos e das
condições impostas pela Lei da Ficha Limpa.
A Lei da Ficha Limpa, ao estabelecer critérios rigorosos para a elegibilidade de
candidatos, busca preservar a moralidade administrativa e a ética no exercício dos
cargos públicos. Aumentar o período de inelegibilidade pode ser interpretado como
uma medida eficaz para inibir a entrada de indivíduos com histórico de condutas
questionáveis na disputa eleitoral.
No entanto, é importante analisar a questão também sob outra perspectiva. A
adequação do período para o candidato inelegível deve levar em consideração a
justiça e a proporcionalidade da medida. É necessário garantir que, após o
cumprimento do prazo de inelegibilidade, o candidato tenha a oportunidade de se
reabilitar e retornar à vida política, caso tenha cumprido todas as exigências legais.
Nesse sentido, é fundamental que o sistema jurídico eleitoral brasileiro analise
cada caso individualmente, considere o histórico do candidato, a natureza da infração
cometida e outros elementos relevantes para determinar a adequação do período de
inelegibilidade.
Logo, a adequação do prazo para um candidato inelegível também deve
considerar os princípios da proporcionalidade e da equidade. Embora seja crucial
responsabilizar os indivíduos pelas suas ações e evitar que aqueles com um histórico
de má conduta ocupem cargos públicos, é igualmente importante garantir que a
punição imposta seja proporcional ao delito cometido.
Mormente, em alguns casos determinados, pode-se argumentar que o período
de inelegibilidade prescrito pela lei é excessivamente longo, nega aos indivíduos a
oportunidade de se reabilitarem e de contribuírem para a sociedade por meio da
18

participação política. Isto levanta questões sobre o equilíbrio entre a punição e a


possibilidade de redenção. Ao proporcionar um período de tempo razoável para
reflexão e crescimento pessoal, o sistema poderia potencialmente promover a
reintegração dos indivíduos na vida pública como cidadãos reformados e
responsáveis.
Alguns casos específicos condicionam-se tanto de modo transitório quanto
permanente, fato que exige uma atenção mais comedida, como exemplo, tem-se a
perda de direitos políticos (estrangeiro, interdição). A perda de direitos políticos tem o
caráter de definitividade, enquanto uma das características da inelegibilidade é
justamente a temporariedade (COELHO, p. 77, 2008).
Não obstante, de uma perspectiva diferente, períodos prolongados de
inelegibilidade também podem ser vistos como fundamentais para salvaguardar a
integridade do processo eleitoral. Ao garantir que indivíduos com antecedentes de
corrupção ou outros crimes graves sejam impedidos de procurar cargos públicos,
mitiga-se o risco de maiores danos ao sistema democrático e ajuda a manter a
confiança do público na esfera política.
Em última análise, encontrar o equilíbrio certo entre o período de inelegibilidade
e a oportunidade de reabilitação é uma tarefa complexa. Requer uma consideração
cuidadosa de vários fatores, inclui a gravidade da infracção, o risco potencial para o
processo democrático e os princípios da justiça e da proporcionalidade.
Ipso facto, a adequação do prazo para um candidato inelegível, à luz do sistema
jurídico eleitoral brasileiro e da Lei da Ficha Limpa, envolve um delicado equilíbrio. Por
um lado, o objetivo é defender os princípios de integridade e moralidade nos cargos
públicos e impor períodos adequados de inelegibilidade. Por outro lado, é crucial
garantir que os indivíduos tenham a oportunidade de resgate e reintegração na vida
política após cumprirem os requisitos exigidos pela lei. Esforçar-se para alcançar um
resultado justo que considere o bem-estar geral do processo democrático continua a
ser da maior importância na formação de um sistema eleitoral eficaz e equitativo.

1.3. Questionamentos acerca da proporcionalidade da punição

A lei da ficha limpa foi promulgada em 2010 como uma resposta à necessidade
de moralização e transparência no processo eleitoral. Ela estabelece critérios mais
rígidos para a elegibilidade de candidatos, impede a participação daqueles que
19

possuem condenações por crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro,


crime organizado, entre outros. Essa medida tem o objetivo de proteger a vontade
popular e preservar a integridade do sistema democrático.
Contudo, surgem questionamentos acerca da proporcionalidade das punições
estabelecidas pela lei da ficha limpa. Alguns argumentam que ela pode ser
excessivamente severa, limita o direito de participação política de indivíduos que
cometeram crimes eleitorais de menor gravidade ou que já tenham cumprido suas
penas. Outros defendem que a rigidez da lei é necessária para impedir a perpetuação
da corrupção no cenário político e evitar que políticos desonestos continuem
ocupando cargos públicos.
Um dos pontos de debate são as penas de inelegibilidades fixadas pela lei.
Estas variam de acordo com a gravidade da infração cometida e, em alguns casos,
podem chegar a oito anos de inelegibilidade. Alguns críticos argumentam que essas
penas são desproporcionais aos crimes eleitorais praticados, especialmente quando
comparadas a outras infrações penais que recebem punições menos severas. Eles
afirmam que a lei da ficha limpa poderia ser mais flexível, estabelecer critérios mais
adequados para determinar a gravidade das infrações e as penas correspondentes.
Obsta-se que consoante ao que prevalece sobre o princípio da presunção de
inocência, embora se trate de um direito fundamental, considera-se por parte da
doutrina, detentor de natureza processual penal, no qual o bem jurídico a ser tutelado
é por conseguinte, a liberdade individual. Impera-se que o processo penal e o eleitoral
não dispõem de dependência.
Ao passo, Marcus Vinicius Furtado (p. 55, 2010), afere:

Inelegibilidade, em definitivo, distancia-se do conceito de pena, permitindo-se


o seu reconhecimento sem o requisito de trânsito em julgado de sentença
condenatória. O abuso de poder não mais depende da presença da
potencialidade para influenciar no resultado das eleições, bastando o
requisito da gravidade das circunstâncias. A presença do dolo, ainda que com
as especificidades eleitorais, torna-se critério de aferição da inelegibilidade.
Eis três alterações estruturais do Direito Eleitoral.

Continua o autor:

Pela nova lei, a declaração de inelegibilidade, suspensão temporária da


cidadania passiva ou do direito de ser votado, não se condiciona ao trânsito
em julgado de sentença, sendo suficiente a condenação por órgão colegiado
do judiciário. Tal regra se aplica às decisões da justiça eleitoral reconhecendo
o abuso de poder e a corrupção eleitoral, gênero de que são espécies a
20

captação ilícita de sufrágio, a ilegalidade na arrecadação e gastos de


campanha e a prática de condutas vedadas da administração pública no
período eleitoral passível de cassação de mandato. A regra do colegiado de
juízes também é aplicável às condenações por improbidade administrativa,
desde que presentes os pressupostos de dolo, lesão ao patrimônio e
enriquecimento ilícito e às condenações penais em crimes contra a
administração pública, contra a vida, tráfico de entorpecentes, hediondos e
eleitorais, dentre outros. São excluídos da incidência da lei os crimes
culposos, os de menor potencial ofensivo e os de ação penal privada.

Por outro lado, defensores da lei da ficha limpa argumentam que a punição
rigorosa é fundamental para fortalecer a moralidade no ambiente político. Eles alegam
que o combate à corrupção deve ser prioritário, mesmo que isso signifique penalizar
candidatos por crimes eleitorais menores. Além disso, afirmam que a lei é resultado
de um anseio popular por mudanças e um instrumento eficaz na promoção de uma
cultura de integridade e transparência nas eleições.
Singularmente, os questionamentos sobre a proporcionalidade da punição dos
crimes eleitorais ainda não chegaram a um consenso absoluto. O debate é saudável
e necessário para aprimorar a legislação e garantir que ela seja equilibrada, justa e
efetiva na sua finalidade de preservar a probidade no processo eleitoral.
Diante disso, é fundamental que os poderes legislativo, judiciário e a sociedade
civil continuem engajados no debate sobre a lei da ficha limpa, buscar
incansavelmente aperfeiçoá-la de acordo com as necessidades do país. A
proporcionalidade da punição dos crimes eleitorais é um tema complexo, que requer
reflexão e análise criteriosa para encontrar o equilíbrio entre a proteção do sistema
democrático e a garantia dos direitos individuais dos candidatos.
21

2. REFLEXOS NO PROCESSO ELEITORAL

Conforme preceitua Vasconcelos (2014), há uma característica singular


presente no processo eleitoral brasileiro, pelo fato de um só órgão controlar as
eleições do ponto de vista executório e também do ponto de vista jurisdicional. O
controle das eleições no Brasil, a partir de 1932, mudou do sistema legislativo para o
sistema judicial, com a instituição do primeiro Código Eleitoral Brasileiro. Estabeleceu-
se o instituto da Justiça Eleitoral e sua independência funcional para o controle e
organização das eleições.
A inelegibilidade por condenações criminais encontra-se prevista na Lei
Complementar nº 64/1990, conhecida como Lei de Inelegibilidades. Esta estabelece
critérios para a capacidade eleitoral passiva, ou seja, quem pode se candidatar a um
cargo público eletivo. Dentre os critérios estabelecidos, destaca-se a inelegibilidade
decorrente de condenação criminal transitada em julgado ou proferida por órgão
colegiado.
Dessa forma, aqueles que tenham condenação por crimes, como corrupção,
lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros, são considerados inelegíveis.
Essa medida possui como objetivo impedir que pessoas condenadas por crimes
contra a administração pública ou outros delitos graves possam concorrer a cargos
eletivos, de forma a proteger o interesse público.
Compete, portanto, à Justiça Eleitoral julgar as ações relativas ao processo
eleitoral. Originários desde a inscrição, com os pedidos de filiação partidária,
reconhecimento de domicílio eleitoral, reconhecimento de partidos políticos, diretórios
regionais e municipais, registro de candidaturas, Ação de Impugnação de Registro de
Candidatura, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo etc. (VASCONCELOS, p. 10,
2014)
Além disso, a inelegibilidade também exerce uma função educativa e
preventiva. A possibilidade de um candidato ser considerado inelegível, caso
condenado criminalmente, funciona como um fator dissuasor o qual desencoraja a
prática de condutas ilícitas por parte de políticos, bem como de pessoas que possam
estar planejando ingressar na política. Sobre a temática, dispõe Reis (p. 284, 2012):

Preocupou-se o legislador com a situação daquele que, tendo praticado falta


considera grave, foi punido com a sanção administrativa máxima. Não se
ocupou o legislador de dirigir a inelegibilidade a fatos específicos. Todo
22

processo que culmine com a pena de demissão tornará incidente a hipótese


de inelegibilidade. Assim, o servidor que praticou desvios graves estará
sempre sujeito à privação temporária da capacidade eleitoral passiva, para
isso bastando que tenha sido punido com pena de demissão.

Gomes (p. 197, 2012), por sua vez, complementa esse entendimento:

Para gerar inelegibilidade, a fraude no desfazimento do vínculo deve ser


proclamada pelo Poder Judiciário. A questão é saber de quem é a
competência para conhecer e julgar a demanda: da Justiça Comum ou da
Justiça Eleitoral? Pela lógica do sistema, a ação declaratória de fraude (e não
condenatória, como erroneamente consta da alínea n) deve ser ajuizada na
Justiça Comum Estadual. Nesse caso, a sentença transitada em julgado ou
o acórdão prolatado pelo órgão colegiado deve instruir a arguição de
inelegibilidade feita no processo de registro de candidatura

O legislador, preocupado com as irregularidades nas doações de campanha e


com vistas a proteger a legitimidade do processo eleitoral contra o abuso de poder
econômico, trouxe a previsão da inelegibilidade para aqueles que realizarem doações
ilegais em campanhas eleitorais (VASCONCELOS, p. 10, 2014).
No entanto, é importante destacar que a inelegibilidade por condenações
criminais também pode suscitar debates e polêmicas. A possibilidade de candidatos
com condenações criminais transitadas em julgado ou proferidas por órgão colegiado
se candidatarem gera discussões quanto à efetividade dessa medida. Alguns
questionam se tal inelegibilidade é suficiente para garantir a moralidade e a ética no
processo eleitoral, argumentando que outros critérios deveriam ser estabelecidos,
como a comprovação da reabilitação do candidato.
Por conseguinte, ações como donativos para campanhas eleitorais são alvo
dos órgãos fiscalizadores do processo eleitoral, principalmente do Ministério Público
Eleitoral, com atuação incansável no sentido de coibir e buscar punição para aqueles
que descumprem as regras vigentes. (VASCONCELOS, p. 10, 2014)
Ademais, é necessário ressaltar que a inelegibilidade por condenações
criminais não é uma medida absoluta. Existem mecanismos judiciais que possibilitam
a revisão de condenações e a reavaliação da condição de inelegibilidade. Nesses
casos, é necessária uma análise criteriosa das circunstâncias da condenação.

2.1. Equilíbrio entre moralidade e os princípios democráticos


23

A moralidade, entendida como o conjunto de princípios éticos e valores que


orientam a conduta humana, e os princípios democráticos, baseados em ideais de
igualdade, participação popular e liberdade de escolha, podem entrar em conflito
quando se trata da elegibilidade de candidatos envolvidos em atividades criminosas.
A busca por um sistema político justo e funcional requer a conciliação desses
dois pilares fundamentais. Por um lado, a moralidade exige que aqueles que tenham
cometido crimes, especialmente aqueles que refletem falta de ética, sejam impedidos
de participar ativamente do cenário político. Isso se justifica pelo pressuposto de que
indivíduos condenados criminalmente não possuem o caráter adequado para
representar e governar a sociedade, além de poderem utilizar o poder político para
benefício próprio, algo que agrava os problemas sociais.
Nas lições do mestre Cavalcante (2016), há de se ponderar essa disposição
dicotômica principiológica, conforme preceitua:

Trata-se de analisar, na seara das restrições aos direitos fundamentais, se


há adequação (proporção) entre a importância do fim da medida restritiva e a
gravidade do sacrifício imposto, não sendo, portanto, o ato de ponderar (no
sentido de avaliar) dois bens para se verificar qual deles prepondera
(prevalece), mas sim, o de avaliar a adequação (proporcionalidade), entre
uma medida restritiva de direitos fundamentais [...] e o fim visado por esta
medida.

Por outro lado, os princípios democráticos valorizam a igualdade e a liberdade


de escolha, estes garantem que qualquer cidadão tenha a oportunidade de se
candidatar e concorrer a cargos públicos.
Restringir a elegibilidade de candidatos por conta de condenações criminais
pode ser visto como uma violação desses princípios, pois impede a participação
efetiva de indivíduos que, apesar de seus erros passados, podem ter se reformado e
estar aptos a contribuir de maneira positiva para a sociedade.
Bonavides (2006) justapõe um modelo de superação da aparente problemática
ao tratar da proporcionalidade:

[...] contribui o princípio notavelmente para conciliar o direito formal com o


direito material em ordem a prover exigências de transformações sociais
extremamente velozes, e doutra parte juridicamente incontroláveis caso
faltasse à presteza no novo axioma constitucional.

Nesse contexto, torna-se crucial estabelecer critérios claros e objetivos para a


inelegibilidade de candidatos por condenações criminais. A legislação eleitoral deve
24

definir quais tipos de crimes são considerados incompatíveis com o exercício de


cargos públicos, leva em consideração tanto a gravidade do delito quanto a
proporcionalidade da pena aplicada.
Além disso, é preciso garantir que existam mecanismos eficientes para aferir o
cumprimento dos requisitos de inelegibilidade, como certidões atualizadas de
antecedentes criminais.
Particularmente, entende-se que, enquanto um indivíduo não tiver sua
condenação criminal transitada em julgado, deve ser considerado inocente e ter todos
os seus direitos políticos preservados. Caso contrário, a proibição da elegibilidade de
candidatos com base em condenações não definitivas abre espaço para abusos e
perseguições políticas, compromete assim a própria essência democrática.
Cavalcante (2016) preleciona que o fato de restringir direitos fundamentais
poderá implicar na promoção de bens constitucionais de interesse geral. De tal modo,
os questionamentos que permeiam a ideia de existência da colisão entre princípios
fundamentais, regem-se da verificação posta quando na relativização do princípio da
não culpabilidade e se esta não está amparada pela proporcionalidade, o que
aumenta as possibilidades de uma ação estatal abusiva.
Ocorre que esta conclusão pode ser reconhecida como verdadeira desde o
primeiro momento, quando observada a presunção de inocência como irrestrito
princípio em todo o ordenamento jurídico pátrio.
Um exemplo de como lidar com essa questão pode ser observado em alguns
países em que as condenações criminais não implicam automaticamente na
inelegibilidade de candidatos. Nesses casos, é comum que os tribunais eleitorais
analisem individualmente cada caso, na ocasião levam em consideração a gravidade
do crime, as circunstâncias, o tempo transcorrido desde a condenação e a conduta
posterior do candidato. Essa abordagem mais flexível permite uma análise mais justa
e equilibrada das circunstâncias específicas de cada caso.

2.2. Garantia de idoneidade sem a escolha do eleitorado

A democracia pressupõe que a sociedade possua o poder de eleger seus


representantes. No entanto, a escolha do eleitorado nem sempre é fácil, uma vez que
nem sempre há informações suficientes sobre os candidatos disponíveis. Além disso,
o sistema eleitoral muitas vezes se baseia em questões como popularidade e poder
25

econômico, em vez de qualificações técnicas, morais e integridade. Resultado disso


é a eleição de candidatos inadequados e corruptos, que não representam
verdadeiramente os interesses do povo.
Almeida (p. 82, 2016) conceitua esse regime de maneira dinâmica e ponderada,
onde a população, devidamente subdividida entre ativa e passiva, intervém
ocasionalmente de maneira direta e indireta e exerce influência determinante sobre
os destinos governamentais do Estado. Destaca-se que o regime político, instituído
por meio da promulgação da Carta Constitucional de 1988, abrange a participação
indireta nas eleições destinadas à escolha de representantes, bem como a
participação direta em processos eleitorais referentes a plebiscitos, referendos e
iniciativas populares.
Diante desse cenário, é imperativa a necessidade de garantir que os candidatos
tenham idoneidade comprovada antes mesmo de quando colocados no processo
eleitoral. Isso significa que os postulantes a cargos públicos devem passar por um
rigoroso processo de avaliação que leve em consideração sua trajetória profissional,
histórico de envolvimento em casos de corrupção, transparência em suas ações, entre
outros critérios proeminentes.
Tal garantia encontra-se em título específico da Constituição Federal de 1988,
em que a mesma Carta apresenta também específicos requisitos a serem preenchidos
pelo candidato de modo a participar da corrida eleitoral. Esses requisitos serão
apresentados em tópico específico (BRASIL, 1988).
Existem diferentes mecanismos que serão adotados para garantir a idoneidade
dos candidatos antes da escolha do eleitorado. Ressalta-se, apesar disso, que a
busca pela idoneidade não pode se fundar em uma ferramenta restritiva, a qual limite
a participação de todos aqueles que, por alguma razão, já estiveram envolvidos em
algum tipo de irregularidade. É preciso estabelecer critérios claros e justos, levar em
consideração o contexto e a gravidade dos eventuais problemas encontrados.
Uma das possibilidades é a criação de uma comissão independente, formada
por especialistas de diversas áreas, para analisar a idoneidade dos candidatos. Essa
comissão seria responsável por investigar o histórico de vida de cada postulante,
checar suas ligações com casos de corrupção, transparência de suas declarações de
bens, revisão dos processos judiciais em que ele tenha se envolvido, assim como a
verificação da sua qualificação profissional.
26

Para Zavascki (2016) os direitos políticos de cidadania se tratam de um


conjunto de direitos que foram precisamente confiados ao povo, faz com que mediante
o voto, à semelhança do exercício de cargos públicos e da utilização de demais
mecanismos constitucionais, o cidadão tenha participação efetiva e grande influência
nas atividades governamentais.
Consoante ao ex-ministro, a plena fruição dos direitos políticos por parte do
cidadão atesta sua capacidade para se alistar eleitoralmente e pleitear candidatura a
cargos públicos não eletivos. Ademais, esse indivíduo está apto a participar
ativamente do sufrágio, exercer seu direito de voto em eleições, plebiscitos e
referendos, além de poder apresentar propostas legislativas por meio da iniciativa
popular e instaurar ação popular. Por derradeiro, aquele que não preenche
determinados critérios não desfruta da plenitude de seus direitos políticos, vedar-lhe-
á filiação a partidos políticos e impedir qualquer investidura em cargos públicos,
mesmo que não eletivos (ZAVASCKI apud TSE, 2016, s.p).
Essa análise mais aprofundada objetiva garantir que os candidatos eleitos
tenham um passado limpo e que não representem riscos de corrupção ou má
administração. Além do mais, poderia ser estabelecido um compromisso legal dos
candidatos em se submeter a um código de ética que garanta a conduta adequada no
exercício do mandato.
Por conseguinte, é imperativo que, mesmo diante da garantia de idoneidade
prévia dos candidatos, a participação popular continue a ser um elemento-chave do
sistema político. Afinal, a democracia é fundamentada na vontade coletiva e no poder
do povo. Porém, ao garantir a idoneidade dos candidatos, a escolha do eleitorado
poderia ser facilitada, dessa maneira, permitir uma seleção entre postulantes que
tenham comprovada competência e integridade.
Em seguida, a criação de mecanismos que permitam a avaliação prévia da
idoneidade dos postulantes ao exercício de cargos públicos é uma solução a ser
considerada, desde que seja garantida a participação popular no processo. A busca
pela idoneidade é um caminho importante para garantir a confiança da população em
seus representantes e fortalecer as bases democráticas de um país.
27

2.3. Aspectos acerca do impedimento de renovação política

Ao se referir aos impedimentos, entende-se as barreiras e obstáculos que


dificultam a renovação dos atores políticos, a entrada de novas lideranças e a
mudança de ideias e práticas no cenário político.
Limongi (2006) acredita que o modelo brasileiro se trata de um presidencialismo
de coalizão, justamente porque os governos recorrem à formação de coalizões para
obter apoio para suas iniciativas. Entretanto, ele não vê em tal característica motivo
para apontar originalidade, já que os indicadores das taxas de sucesso e dominância
revelam um quadro bastante estável do sistema político no Brasil. Desse modo, afirma
o autor:

Pois muito bem, e o Brasil? (...) Estaríamos diante de problemas de


governabilidade se o governo se mostrasse incapaz de governar. Partidos
seriam frágeis se incapazes de dar sustentação política às propostas do
governo. No entanto, o exame dos dados revela quadro radicalmente inverso.

Um dos principais impedimentos é o poder das estruturas partidárias e o


domínio dos partidos políticos tradicionais. Muitas vezes, esses partidos têm um
controle rigoroso sobre a seleção de seus candidatos, favorecem aqueles que já estão
inseridos na máquina partidária, em vez de permitir a entrada de novos membros e
perspectivas. Esse controle exerce uma pressão significativa para evitar a renovação
política e perpetua os interesses e dinâmicas existentes.
Abranches (1988) identifica três principais falhas no presidencialismo de
coalizão: os parlamentares não possuem incentivos em cooperar com o presidente,
que por sua vez se isolam do apoio do Congresso; a legislação eleitoral contém fortes
incentivos para o comportamento individualista dos parlamentares; a coalizão
partidária não pode usufruir de seus mecanismos de dissolução, fator que contribui
para uma oposição impotente.
Além disso, o financiamento de campanhas eleitorais é um obstáculo
considerável para a renovação política. Em muitos países, as eleições são altamente
dependentes de contribuições privadas e doações políticas. Isso favorece candidatos
que possuem conexões com grandes empresas ou grupos de interesse, isso torna
difícil o pleito para aqueles sem recursos financeiros significativos e os oportunizar
competir de forma justa. A falta de financiamento adequado desencoraja novos
28

candidatos a se envolverem na política, dificulta sua sobrevivência durante o processo


eleitoral.
Mezzabora (2006) identifica o conteúdo das leis orgânicas dos partidos políticos
como limitador da autonomia e liberdades partidárias, “refletindo uma política de
interferência estatal”. A incongruência está no fato de que o limite do
constitucionalmente aceitável é de legislações que se atenham em regulamentar os
princípios constitucionais estabelecidos no intuito de facilitar o exercício deles.
Outro impedimento fundamental é o papel da mídia e sua influência na
construção da imagem política. Em alguns casos, a cobertura midiática tende a
favorecer os candidatos estabelecidos e suas narrativas, muitas vezes, negligencia e
subestima vozes e ideias alternativas. Essa falta de espaço na mídia pode dificultar a
visibilidade e o reconhecimento dos novos candidatos, tal situação corrobora um
desafio ainda maior para eles construírem uma base eleitoral sólida e ganhar o apoio
popular.
Ademais, a falta de educação política e cívica da população também coopera
para os impedimentos da renovação política. A falta de consciência política e a
compreensão limitada dos problemas enfrentados pelo país levariam a uma aceitação
passiva dos candidatos tradicionais e uma relutância em apoiar novas perspectivas.
Sem o engajamento ativo dos cidadãos na política é difícil haver uma demanda por
mudança e renovação.
Panebianco (1999) evoca o papel da ideologia como a base constitucional dos
partidos, já que aquele é o melhor indicador dos objetivos partidários. O cenário
brasileiro, por sua vez, mostra-se pessimista quanto ao caráter ideológico dos
partidos, como é abordado no artigo “Conhecendo o vazio: congruência ideológica e
partidos políticos no Brasil.”
Destarte, o medo do desconhecido e da instabilidade política é um fator que
impede a renovação. Muitas pessoas serão relutantes em apoiar novos candidatos e
suas propostas devido à incerteza sobre suas capacidades e a falta de experiência
comprovada. A preferência por líderes políticos testados e com histórico pode limitar
a oportunidade para indivíduos talentosos e com ideias inovadoras se envolverem na
política.
Os impedimentos de renovação política estão enraizados em uma série de
fatores, como o domínio dos partidos políticos tradicionais, o financiamento de
campanhas, o papel da mídia, a falta de educação política e o medo do desconhecido.
29

3. PARTICIPAÇÃO ATIVA E DISCUSSÕES

A democracia constitui-se como instituto que rompe a antiga estrutura de poder


“incontestável, divino, absoluto e herdado, para se tornar um poder temporário,
contestável e conferido pelo povo para ser utilizado em benefício do povo” (MILLON,
2010).
Ao permitir que os cidadãos tenham voz e influência nas decisões políticas,
cria-se um ambiente de transparência e responsabilidade, no qual os interesses da
coletividade serão adequadamente representados.
Silva (2005) argumenta que a democracia “Não é um mero conceito político
abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos
direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”.
O exercício por meio de representantes consubstancia um segundo princípio
fundamental da democracia que é a participação, direta ou indireta, do povo no poder,
para que se proceda à efetiva expressão da vontade popular. A participação indireta
culmina assim no princípio da representação (FERREIRA, 2011).
A participação popular ativa no processo eleitoral ocorre de diferentes formas.
Uma das mais tradicionais é por meio do voto. Ao exercer seu direito de escolha, os
cidadãos tornam-se parte integrante do sistema democrático, contribuem para a
formação do governo e a direção do país. O voto é uma maneira efetiva de expressar
as preferências e opiniões políticas, consolidado como um dos principais meios de
participação popular em uma sociedade democrática.
Além do voto, existem outras formas de participação ativa no processo eleitoral.
Os debates e discussões políticas são espaços nos quais os cidadãos podem
expressar suas opiniões, trocar ideias e argumentos e influenciar o curso das eleições.
Essas discussões ocorreram tanto em ambientes virtuais como em redes sociais e
fóruns de discussão, quanto ainda em espaços físicos na forma debates públicos e
reuniões partidárias.
Conceitua Ferreira (2011):

Forçoso concluir que na democracia o exercício do poder reside na vontade


popular, diversamente dos regimes autocráticos em que o poder emana do
ditador. Assim a democracia é orientada pela técnica da maioria, no sentido
de que as decisões governamentais serão tomadas atendendo o interesse
geral. Do mesmo modo, a fim de atender tais interesses é que se
30

convencionou a figura de representantes da maioria nos órgãos


governamentais.

Uma forma crescente de participação popular ativa é o engajamento em


campanhas eleitorais. Os cidadãos se envolvem ativamente na divulgação e apoio
aos candidatos de sua escolha, seja através de doações financeiras, trabalho
voluntário, ou simplesmente ao gerar informações sobre os candidatos e seus
programas. Essa forma de participação contribui para a conscientização política da
sociedade e para aumentar o interesse e o engajamento dos cidadãos no processo
eleitoral.
Dallari (2001) e Bonavides (2000) classificam o referendo, o plebiscito, a
iniciativa popular e o recall (este último não adotado pela CRFB/88), como institutos
da democracia semidireta, justifica que estes não possibilitam ampla discussão antes
da deliberação. Lenza (2010) diverge e classifica os institutos acima como
pertencentes da democracia direta, acresce a estes o ajuizamento da ação popular.
A importância da participação popular ativa no processo eleitoral e nas
discussões políticas vai além de simplesmente garantir a representatividade
adequada dos interesses da sociedade. Ela também contribui para o fortalecimento
da democracia, pois permite que as decisões políticas sejam tomadas de forma mais
justa e transparente. Ao permitir que todos os cidadãos tenham voz e influência nas
decisões políticas, a participação popular ativa ajuda a evitar a concentração de poder
nas mãos de poucos e a garantir que os interesses da maioria sejam adequadamente
representados.
Além disso, a participação popular ativa no processo eleitoral e nas discussões
políticas também contribui para uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Ao permitir
que todos os cidadãos tenham igual oportunidade de expressar suas opiniões e
influenciar as decisões políticas, independentemente de sua origem social, econômica
ou cultural, cria-se um ambiente no qual os interesses de todos os segmentos da
sociedade são levados em consideração.
Logo, ao participar ativamente, os cidadãos exercem seu papel fundamental na
construção de uma sociedade democrática, responsável, e que busca representar os
interesses de todos os seus membros.

3.1. Restrição de candidatos com histórico criminal


31

A restrição de candidatos eleitorais com histórico criminal tem se mostrado alvo


de uma série de debates contínuos tanto no campo político quanto jurídico. A ideia
por trás dessa restrição é impedir que aqueles que cometeram crimes graves ocupem
cargos públicos e exerçam influência sobre a sociedade.
Mormente, essa questão não é tão simples quanto parece à primeira vista. Há
quem argumente que a restrição representa uma violação dos direitos civis,
especialmente se uma pessoa condenada já cumpriu sua pena e demonstrou
reabilitação. Além disso, também existe o risco de que a restrição possa ser usada
politicamente para excluir certos grupos de pessoas da política.
Conforme dispõe Mirabete (2008):

[...] a nossa Constituição Federal não “presume” a inocência, mas declara que
ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante
o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma
sentença final que o declare culpado.

Um dos principais argumentos em favor da restrição de candidatos eleitorais


com histórico criminal é a necessidade de manter a integridade do sistema
democrático. Aqueles que cometem crimes graves terão uma predisposição para
condutas antiéticas, o que pode levar a abusos de poder, corrupção e violações dos
direitos dos cidadãos. Portanto, impedir que essas pessoas ocupem cargos públicos
pode ser uma maneira eficaz de proteger a sociedade.
Ferrajoli (2014) apresenta imperiosa argumentação em face ao princípio da
presunção de não culpabilidade decorrente do princípio da jurisdicionalidade:

Se a jurisdição é a atividade necessária para a obtenção da prova de que


alguém cometeu um delito, até que essa prova não se produza, mediante um
processo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e ninguém
pode ser considerado culpado e nem submetido a uma pena.

Por conseguinte, Pacelli (2014) complementa o entendimento:

[...] impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas com


relação ao acusado: uma de tratamento segundo a qual o réu, em nenhum
momento do inter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas
exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório,
a estabelecer que todos os ônus da prova relativos à existência do fato e sua
autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação.
32

Outro aspecto importante a ser considerado é a confiança do público na política


e nos políticos. A inclusão de candidatos com histórico criminal pode minar essa
confiança, já que as pessoas podem se sentir inseguras em confiar seu voto a alguém
que demonstrou uma conduta criminosa no passado. Por isso, a restrição busca
manter um mínimo de integridade e ética na política.

[...] todo o ônus da prova relativa à existência do fato à sua autoria deve recair
exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria apenas a demonstração
de eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e
culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada.” (RANGEL apud
OLIVEIRA, p. 27, 2004)

Deste modo, é preciso considerar também o princípio da reabilitação e


ressocialização. A privação de direitos políticos por muito tempo após o cumprimento
de uma pena pode ser contraproducente, uma vez que a pessoa pode se encontrar
excluída da sociedade e sem oportunidades de reintegração. Além disso, a restrição
poderia ser usada como uma forma de discriminação e exclusão de determinados
grupos, especialmente se não houver critérios claros e justos para a aplicação dessa
restrição.
Por essa razão, muitos países têm adotado abordagens mais flexíveis em
relação a essa questão. Em vez de proibir automaticamente candidatos com histórico
criminal, eles consideram fatores como o tipo de crime cometido, o tempo transcorrido
desde a condenação e a demonstração de reabilitação. Essa abordagem permite uma
avaliação mais justa e individualizada, pois leva em conta a natureza do crime e o
comportamento subsequente do indivíduo.
À vista disso, embora evidencie-se argumentos fortes, é fundamental encontrar
um equilíbrio entre a necessidade de proteger a integridade do sistema democrático
e os direitos civis dos indivíduos. A adoção de critérios claros e justos para a aplicação
dessa restrição é essencial para garantir a justiça e a equidade na política.

3.2. Importância do envolvimento popular na discussão

A ideia de povo participar da gestão pública – pela via não eleitoral, na forma
de Conselhos, data da Revolução Francesa, na Comuna de Paris, nos Soviets na
Revolução Russa e dos conselhos operários na Alemanha (FARIA, 2005; TEIXEIRA,
1996).
33

Crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crimes contra


a administração pública, por exemplo, são lesivos ao bem estar coletivo e à estrutura
da democracia. O envolvimento do público nessa questão é importante por várias
razões. Em primeiro lugar, a condenação criminal geralmente está ligada a condutas
que afetam diretamente a sociedade como um todo.
A participação popular na definição das regras para inelegibilidade é
fundamental para evitar que líderes corruptos ou criminosos condenados sejam eleitos
ou voltem a ocupar cargos públicos. Mediante mecanismos de consulta pública,
debates e participação cidadã, é possível estabelecer critérios claros sobre quem
pode ou não se candidatar a cargos políticos, isso com base em critérios éticos e
morais.
Além disso, o envolvimento popular na inelegibilidade decorrente de
condenações criminais também promove a transparência e a legitimidade do processo
democrático.
Quando a sociedade tem voz e participa ativamente na tomada de decisões
sobre quem pode ocupar cargos eletivos, a confiança nas instituições e nos
representantes políticos é fortalecida. Isso torna o sistema político mais robusto e
eficiente.
Na concepção de Ferreira (2011), o instituto da audiência pública possibilita um
ambiente de proximidade entre o cidadão e a administração pública, traduzida em uma
troca de experiências e informação, da mesma forma denota a transparência na
gestão pública. Esse cenário permite ainda ao gestor decisões acertadas em
consonância com a necessidade social.
No Brasil, a participação popular teve início na década de 70, com os
movimentos sociais, tais como os conselhos populares em que participavam apenas
representantes do povo e as comissões de fábrica (FARIA, 2005).
Teixeira (1996) ratifica a informação de que os conselhos foram inseridos na
agenda política nas décadas de 70/80, na forma de conselhos comunitários e
conselho popular. Prossegue e afirma que o primeiro é criado “[...] pelo poder público
para negociar demandas dos movimentos populares, face à crescente mobilização
das populações, principalmente as residentes nos bairros de periferia”. A segunda
modalidade de conselho “[...] criado a partir dos próprios movimentos, sem uma
estrutura formal e se fundamenta em ações diretas sem nenhum envolvimento
institucional, a não ser os contatos com autoridades para pressionar sobre
34

reivindicações, com a proposta de se constituir em força política autônoma em relação


aos partidos e ao Estado”.
Outro aspecto importante é que a participação popular na definição dessas
regras pode contribuir para evitar arbitrariedades e excessos na aplicação da
inelegibilidade. É fundamental que o processo seja justo, cristalino e tenha como base
critérios legais e legítimos, e não seja utilizado como uma configuração de
perseguição política ou instrumentalização do sistema jurídico.
Complementarmente, o envolvimento popular também pode contribuir para
uma maior conscientização e educação da população sobre a importância da
integridade e da ética na política.
Ao discutir e deliberar sobre a inelegibilidade decorrente de condenações
criminais, a sociedade se engaja em um debate sobre os valores que pautam os
representantes políticos e os princípios que regem uma democracia saudável.
Teixeira (1996) contribui com uma definição acertada ao afirmar que o conselho
consiste em uma “[...] das formas de participação visando mudanças na gestão pública
e na elaboração de políticas, tendo em vista sua democracia e transparência, portanto,
como canal de relação entre Estado e sociedade, espaço de administração de
conflitos”.
Por conseguinte, é válido pontuar que o envolvimento popular não se limita
apenas à participação na definição das regras de inelegibilidade decorrente de
condenações criminais, mas também deve se estender à fiscalização e
acompanhamento dos processos eleitorais.
Imperativamente, a sociedade deve ser ativa na busca de informações sobre
os candidatos, na análise de seus históricos criminais e na cobrança por transparência
e responsabilidade dos candidatos e das autoridades eleitorais.
Por meio da participação cidadã é possível estabelecer critérios justos e
transparentes, alinhados com os interesses e valores dos cidadãos, dessa forma
fortalecer a confiança nas instituições democráticas.

3.3. Métodos alternativos de avaliação para a elegibilidade dos candidatos

Os métodos alternativos de avaliação para a elegibilidade dos candidatos


eleitorais representam uma mudança em relação às formas tradicionais de avaliação,
35

como a filiação partidária e a aceitação de uma candidatura por meio de um processo


interno do partido.
Essas formas alternativas de avaliação buscam oferecer uma maior
participação dos cidadãos no processo de seleção e avaliação dos candidatos, bem
como promover uma maior diversidade e representatividade política. É importante
destacar que esses métodos não são mutuamente exclusivos e podem ser
combinados para melhorar a qualidade da democracia e fortalecer a confiança dos
eleitores no sistema político.
Há que se estabelecer um justo equilíbrio entre os institutos para que não se
desdobrem juízos políticos em processos judiciais, tampouco se judicializem
processos claramente políticos, com seus ritos e códigos próprios (TAMASAUSKAS,
2018).
A chave para que esse equilíbrio se apresente é justamente a oferta abundante
de informações sobre candidatos e gestões; planos de governo e contas prestadas,
enfim, de accountability, ou melhor, full accountability (POWER & TAYLOR, p. 10,
2011).
Um dos métodos alternativos de avaliação é o uso de eleições primárias. Nesse
sistema, todos os eleitores registrados têm o direito de votar em um candidato
preliminar dentro de cada partido político. Os candidatos que ganham as primárias se
tornam os candidatos oficiais do partido nas eleições. Esse método permite que os
eleitores influenciem diretamente na seleção dos candidatos e tenham mais voz na
política.
Outro método alternativo é a utilização de processos de seleção feitos por
sorteio ou sorteio aleatório. Essa abordagem trabalha em conjunto com os partidos
políticos, todavia retira a seleção direta dos candidatos dos políticos e a transfere para
um sistema imparcial, no qual uma amostra representativa de cidadãos é selecionada
aleatoriamente. Essa amostra de cidadãos é então envolvida em um processo de
avaliação dos candidatos, que leva em consideração diferentes critérios, como
qualificações, ética e representatividade.
Por conseguinte, tem-se a avaliação participativa dos eleitores, que envolve a
inclusão direta do eleitor no processo de seleção e avaliação dos candidatos. Nesse
sistema os eleitores têm a oportunidade de participar de debates públicos e fóruns de
discussão, ocasiões onde podem interagir diretamente com os candidatos e fazer
perguntas sobre suas propostas e visões. Essa abordagem busca capacitar os
36

eleitores, dando-lhes informações mais claras e a oportunidade de avaliar diretamente


os candidatos.
A implementação desses métodos alternativos de avaliação não é uma tarefa
fácil. Requer mudanças nos sistemas políticos e processos eleitorais existentes, bem
como a criação de mecanismos de transparência e responsabilidade. No entanto, os
benefícios desses métodos são significativos.
Inicialmente, esses artifícios aumentam a participação cívica e a
conscientização política dos eleitores. Ao se envolverem diretamente no processo de
seleção e avaliação dos candidatos, os eleitores têm a oportunidade de se informar
sobre as propostas e qualificações dos candidatos, tornam-se eleitores mais
informados e engajados.
Mormente, esses métodos alternativos podem promover uma maior
diversidade e representatividade política. Ao permitir que uma variedade de pessoas
sejam selecionadas como candidatas, independentemente de sua filiação partidária
ou conexões políticas, esses procedimentos podem abrir espaço para uma maior
representação de grupos minoritários e vozes sub-representadas na política.
Todavia, é importante destacar que esses métodos não são uma solução
perfeita. Eles também enfrentam desafios e críticas. Por exemplo, alguns argumentam
que as eleições primárias podem favorecer candidatos populistas ou que têm mais
recursos financeiros para campanhas eleitorais. Além disso, a seleção aleatória de
candidatos por sorteio pode levar a uma falta de experiência política e conhecimento
específico dos problemas políticos.
Logo, os métodos alternativos de avaliação para a elegibilidade dos candidatos
eleitorais representam uma mudança na forma tradicional de seleção e avaliação dos
políticos. Esses processos buscam aumentar a participação dos eleitores, promover
uma maior diversidade e representatividade política e fortalecer a confiança dos
eleitores no sistema político. Embora enfrentem desafios e críticas, esses métodos
oferecem uma alternativa para melhorar a qualidade da democracia e expandir a
participação política dos cidadãos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal, de forma cristalina, delineia as condições para a


inelegibilidade de um indivíduo. O artigo 14, parágrafo 9º, preceitua que são
considerados inelegíveis aqueles que tenham sofrido condenação em decisão
transitada em julgado ou emanada de órgão judicial colegiado, por delitos que afetam
a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o
mercado financeiro, a ordem econômica e financeira, ou que configurem ato de
improbidade administrativa.
Nessa perspectiva, a análise meticulosa dos parâmetros de inelegibilidade,
ancorados em condenações penais, assume um papel crucial na preservação do
exercício do poder político. Com efeito, torna-se imperativo garantir que pessoas
devidamente implicadas em atividades ilícitas não venham a ocupar posições eletivas,
uma vez que tal situação comprometeria irremediavelmente a integridade do sistema
democrático.
Todavia, é necessário questionar se os critérios estabelecidos para a
inelegibilidade são aplicados de maneira correta e coerente. Muitas vezes, verifica-se
certa subjetividade nas decisões judiciais, o que pode gerar dúvidas quanto à lisura
dos processos eleitorais.
Além disso, é preciso analisar se a inelegibilidade é uma medida proporcional
e efetiva para combater a corrupção e a improbidade no exercício de mandatos
políticos.
Destacam-se os impactos da inelegibilidade fundamentada em condenações
criminais no contexto do processo eleitoral. Ao vetar a candidatura de pessoas
condenadas, ocorre uma redução na diversidade de escolhas disponíveis para os
eleitores, restringe, desse modo, a liberdade de decisão e limitando a pluralidade
política.
Essa restrição pode ser vista como um obstáculo ao pleno exercício da
democracia, uma vez que reduz a representação de determinados segmentos sociais.
Particularmente, é importante ponderar que a inelegibilidade não deve ser vista
apenas como uma punição, mas também como uma forma de proteção da sociedade.
Afinal, é papel do Estado garantir a integridade do processo eleitoral e evitar que
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indivíduos comprovadamente envolvidos em práticas criminosas possam assumir


cargos públicos.
Por conseguinte, os critérios para inelegibilidade decorrente de condenações
criminais são de extrema importância para a preservação da lisura do processo
eleitoral e para a salvaguarda da integridade do sistema democrático.
No entanto, urge que tais critérios sejam aplicados de maneira adequada e
congruente, assegurar livre de quaisquer suspeitas a imparcialidade das decisões e a
plenitude do exercício democrático. Faz-se necessário ponderar os desdobramentos
dessa medida, levar em conta tanto a imprescindibilidade de combater a corrupção
quanto a preservação da diversidade política e da autonomia de escolha dos eleitores.
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