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UNINOVE – UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO

Direito

Diana Pedro

DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E SUA EXIGIBILIDADE


PELO PODER JUDICIÁRIO

São Paulo
2015
UNINOVE – UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
Direito

Diana Pedro

DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E SUA EXIGIBILIDADE


PELO PODER JUDICIÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


banca examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de graduação no curso de
Direito pela UNINOVE – Universidade Nove de
Julho, sob orientação da Professora Paula
Zambelli Salgado.

São Paulo
2015
AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus, por me


possibilitar saúde e disposição para concluir
mais esta etapa, à Professora Carla Angélica
Moreira, pelo incentivo inicial ao tema, à
Professora Paula Zambelli pela orientação
durante todo o percurso do desenvolvimento do
trabalho e à minha família e amigos, pela
paciência e compreensão.
RESUMO:

O objetivo desta pesquisa é buscar uma definição do que pode ser considerado como
qualidade na oferta da Educação Básica para, dentro desse conceito, realizar uma
análise do que pode ser exigido por meio de demandas judiciais. A partir de um breve
resgate histórico da evolução do Direito à Educação, que possibilitará compreender a
legislação educacional atual, serão extraídas as definições de qualidade da legislação
e de documentos oficiais. Em seguida será realizada um levantamento de quais
mecanismos judiciais estão disponíveis para exigir o Direito à educação, finalizando
com um diagnóstico a partir de decisões recentes do Judiciário sobre o tema, que
possibilitarão uma visão de quais instrumentos jurídicos têm sido mais utilizados,
quais os aspectos do Direito à Educação têm sido mais exigidos e qual o
comportamento do Poder Judiciário diante dessas demandas, para concluir qual papel
tem assumido o Poder Judiciário na efetivação do Direito Fundamental à uma
Educação de qualidade.

Palavras-chave: Direito à Educação; qualidade de ensino; exigibilidade; Poder


Judiciário.
ABSTRACT:

The objective of this research is to find a definition of what can be considered as quality
in the Basic Education to offer, within that concept, conduct an analysis of what may
be required by lawsuits. From a brief historical review of the evolution of the right to
education, which will allow understand the current educational legislation, the quality
settings of legislation and official documents will be produced. Then a survey of which
judicial mechanisms will be made available to demand the right to education, ending
with a diagnosis from recent decisions of the judiciary on the issue that will allow a
vision of what legal instruments have been most used, what aspects the right to
education have been most demanded and what the Judiciary behavior towards these
demands, to complete what role the judiciary has played in the realization of the
fundamental right to a quality education.

Keywords: Right to Education; teaching quality; liability; Judicial power.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 7

1. A EDUCAÇÃO COMO DIREITO................................................................... 9


1.1 A Educação como Direito Humano........................................................ 9
1.2 A Educação como Direito brasileiro....................................................... 11
1.3 Direito à Educação em âmbito internacional......................................... 16

2. QUALIDADE NA EDUCAÇÃO: DEFINIÇÕES LEGAIS E TEÓRICAS.......... 19


2.1 Definições históricas.............................................................................. 19
2.2 Definições legais.................................................................................... 24
2.3 Análise das teorias e práticas atuais e da posição do país nos rakings
educacionais.......................................................................................... 29

3. POSSIBILIDADES JURÍDICAS PARA EFETIVAÇÃO DA QUALIDADE NO


DIREITO À EDUCAÇÃO............................................................................... 37

4. ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO... 50

CONCLUSÃO...................................................................................................... 58

REFERÊNCIAS................................................................................................... 60
7

INTRODUÇÃO

Reconhece-se amplamente a importância da Educação nas legislações e


documentos oficiais e também nos principais documentos internacionais que tratam
do tema, sendo cada vez maior a quantidade de materiais que se ocupam do tema
sobre qualidade do ensino e suas implicações para o avanço das sociedades.

No campo das normas nacionais e das decisões judiciais, até recentemente a


preocupação com o ensino mantinha-se no campo da quantidade, na garantia da
ampliação do número de vagas. Com a ampliação das discussões sobre o tema a
inquietação com relação ao Direito à Educação vem se deslocando para a garantia do
ensino de qualidade, que passa a também ser exigido por meio do Sistema Judiciário.

Esta pesquisa tem a preocupação de analisar o Direito à Educação, mais


precisamente à garantia de respeito à padrões de qualidade mínimos na oferta desse
direito. A Educação, por si só, é reconhecida como um dos Direitos sociais mais
importantes, sendo elevada ao rol dos Direitos Fundamentais porque, de sua oferta
com qualidade formam-se cidadãos que serão capazes de participar da vida em
sociedade e garantir os demais direitos

O Direito a Educação, no entanto, é muito amplo e pode ser abordado por


diferentes ângulos. O que se pode afirmar com certeza, é que apenas a garantia
constitucional à Educação como direito de todos e dever do Estado e da sociedade
não tem sido suficiente para proporcionar às crianças e jovens uma educação de
qualidade, realmente emancipadora e que proporcione a formação integral do ser
humano capaz de atuar na sociedade atual, informatizada, tecnológica e que precisa
cada vez mais de pessoas íntegras e comprometidas com o futuro do planeta.

Por este motivo a presente pesquisa buscará localizar o Direito à Educação


em nosso Sistema Jurídico, investigando o conjunto de normas brasileiras e as
possibilidades de nosso sistema jurídico em assegurar o Direito a uma Educação de
qualidade para todos, norteando, para o operador do Direito, quais os possíveis
caminhos para exigir/ garantir a oferta de uma educação dentro de parâmetros que
possibilitem o atendimento à uma demanda por educação que requer muito mais do
que acessar os muros escolares e ter direito a uma cadeira e uma carteira em um
prédio com o título de Escola.
8

Qualidade de Educação passa por índices de qualidade que precisam ser


esclarecidas. Também é preciso buscar as possibilidades jurídicas de intervenção nas
políticas públicas, investigando em nosso próprio sistema jurídico a oferta dos
instrumentos e caminhos necessários para a realização do desafio de envolver todos
os entes públicos e a sociedade na garantia da oferta de Educação de qualidade para
todos.

Por fim, esta pesquisa permitirá, pela análise não exaustiva de decisões
judiciais que tratem do tema Educação, observar qual tem sido o objetivo das
demandas que atingem a busca por esse direito, relacionando as soluções fornecidas
pela Justiça brasileira com o intuito de verificar se a qualidade na Educação já foi
incorporada enquanto direito, passível de ser buscada e viabilizada juridicamente.

Essa breve análise permitirá uma conclusão simplificada sobre os caminhos


que vêm sendo trilhados na justiciabilidade do Direito à Educação; quais pedidos são
recorrentes; se a procura por qualidade já é uma realidade e onde estão situadas as
pretensões de quem busca o Judiciário.

O exame dos caminhos jurídicos possíveis e dos instrumentos mais utilizados


pela observação e análise das decisões fornecidas pelo Sistema Judiciário permitirá
ampliar a visão dos diferentes recursos que dispõe um operador do Direito para
assegurar o maior Direito de todos, a Educação, único que permitirá realmente ao
Direito fazer justiça. Porque Justiça só se conquista plenamente quando a educação,
no sentido superior da palavra, é garantida a todos sem distinção, possibilitando a
formação de indivíduos conscientes de seu papel de cidadãos, cônscios de seus
direitos e deveres, integrados à sociedade, capazes de contribuir social, civil e
politicamente para a coletividade e que estejam aptos a preservar e colaborar com o
mundo cada vez mais integrado.
9

1. A Educação como Direito

1.1 Educação como Direito humano

Que a Educação consta no rol de direitos constitucionalmente garantidos não


é novidade. Entretanto é preciso analisar de que forma ela se apresenta nos textos
legais para definir as características desse Direito tão complexo, que pode ser definido
como um bem público, tornando-o mais acessível e efetivo por meio dos instrumentos
jurídicos.
O termo Educação comporta diferentes interpretações, desde instruir, ensinar,
formar, até a demonstração de civilidade e comportamento social aceitável. Utilizando
a acepção que reconhece a Educação como o ato de formação e construção do
conhecimento é ainda possível separá-lo em um ato formal ou informal, sendo este o
que ocorre no seio das famílias e no contato com outras pessoas. Esta pesquisa,
entretanto, utilizará o termo Educação em sua abordagem formal, que ocorre no
interior de estabelecimentos com propostas organizadas para promover a
aprendizagem, e que conta com profissionais preparados para esses objetivos.
A Educação formal, por sua vez, também permite divisões de acordo com a
função e as especificidades dos estudantes, abrangendo desde a etapa da educação
infantil em creches e pré-escolas até os processos formativos em Universidades,
formação profissional e programas de Educação de Jovens e Adultos. Apesar disso,
esta pesquisa ocupar-se-á apenas dos níveis da Educação Básica obrigatórias
constitucionalmente, incluindo-se a Educação Infantil a partir dos quatro anos e o
ensino fundamental de nove anos, que devem ser assegurados para todos.
A partir de uma concepção solidária de Estado, apresentada por Oliveira
Júnior1, que compreende os direitos fundamentais como um conjunto
interdependente; desde que os Direitos Humanos foram reconhecidos como
prerrogativas invioláveis dos homens se colocou um fim à concepção de direitos como
decorrência do Estado, adotada por Hobbes, onde o governante era responsável por

1 Os direitos fundamentais apenas existem solidariamente, a negação de determinado direito


fundamental acarreta a negação de todos os demais (solidariedade objetiva). OLIVEIRA JUNIOR,
Valdir Ferreira de. In Tratado de Direito Constitucional I
10

garantir Direitos, encontrando-se o homem desprotegido longe da organização da


sociedade.
Desde Locke, que fundamenta a existência do Estado na liberdade,
propriedade e igualdade entre os indivíduos 2, sendo esses direitos inerentes à pessoa,
é possível concluir a necessidade da atividade estatal – ainda que mínima – na
garantia desses direitos, o que não implicava que o povo estivesse à mercê da
vontade do Estado, sendo-lhe lícito inclusive irem contra o poder do governante
quando este atenta contra seus direitos.
Locke afirmava ainda que o governo, no cumprimento de sua finalidade – o
bem da comunidade – deve fixar as regras e difundir o seu conhecimento 3, o que pode
ser compreendido como uma das facetas da Educação, pois impossível compreender
o ideal da igualdade e da justiça, proposto pelo teórico, dissociado da expansão do
saber. A liberdade, assim como os demais direitos individuais não anula os direitos
coletivos, senão lhes dão mais força. Assim já propagavam os gregos com a definição
da educação como direito dos homens livres, visto que os habilitava a utilizar a
liberdade com proveito.
Passeando pelo pensamento de alguns filósofos sobre o Direito e a
sociedade, apesar das discordâncias entre Locke e Rousseau quanto ao papel da
propriedade para a sociedade, este último, assim como muitos outros que o
sucederam, concorda com o ideal de igualdade entre os indivíduos, que por ser direito
inerente à condição humana, se vincula a concretização de outros direitos que a
garantam efetivamente. E, apesar das restrições impostas ao Estado, nos modelos
genuinamente liberais, o início do século XX trouxe a necessidade de incorporação
dos Direitos de segunda geração às obrigações de prestações positivas por parte do
Estado, naqueles onde estes Direitos ainda não haviam sido assegurados
constitucionalmente.

2 Idem, Locke fundamenta a existência do Estado na garantia da liberdade, propriedade e igualdade entre os
indivíduos.
3 ...quem quer que detenha o poder... de qualquer Estado está obrigado a governá -lo por meio de leis fixas

estabelecidas, promulgadas e conhecidas pelo povo... MORRIS, Clarence. Os grandes filósofos do Direito.
11

1.2 Educação como Direito brasileiro

Descrevendo brevemente o caminho histórico percorrido pelo Direito à


Educação na legislação brasileira constatamos que, enquanto muitos países
organizavam seus sistemas públicos de Educação, ainda durante o século XIX,
influenciados pelas revoluções inglesa, francesa e norte-americana, o Brasil mantinha
a Educação como privilégio da classe mais abastada.

A Independência do Brasil, em 1822, favoreceu a promulgação de uma lei em


1827 que determinava a abertura de escolas em todas as comarcas, entretanto ela
não foi implantada e, em 1834 um Ato Adicional delegou as províncias a
responsabilidade pela abertura de escolas. Infelizmente a precária situação da época
não facilitou o cumprimento da medida.

Com a proclamação da República, ocorreu a criação do Ministério da


Instrução Correios e telégrafos, que não teve vida longa, e colocou-se em prática o
princípio federativo, com a descentralização da Educação Fundamental para os
planos locais, dando início a desarticulação das ações no âmbito do Direito
educacional.

No início do século XX, em São Paulo, Sampaio Dória inicia um ciclo de


reformas educacionais no ano de 1920, envolvendo outras unidades da federação,
com a proposta de garantir a escola primária gratuita e obrigatória, promovendo a
alfabetização popular. O envolvimento de outros estados culminou no “Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, que anunciava, logo em seu início, a
necessidade do desenvolvimento cultural e criativo da população para que houvesse
desenvolvimento das forças econômicas nacionais, concluindo com a consideração
de que com a Educação, como função pública, erros e negligências afetariam
gravemente as gerações futuras. 4

Finalmente, em 1934, a Constituição pela primeira vez afirmou, em seu artigo


149, a Educação como um Direito de todos, sendo exigível do poder público o ensino
primário integral e gratuito. O artigo 156 estabeleceu, também de forma inaugural, a

4 ... impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais
... [educação é o direito com o qual] não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações... –
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, AZEVEDO, F. apud CUNHA, Célio da in Justiça pela qualidade na
Educação, Saraiva, 2013
12

vinculação de recursos de todas as esferas de governo para manutenção e


desenvolvimento de seus sistemas de ensino – União e Municípios deveriam aplicar
o mínimo de 10% de sua receita e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de
20% de suas receitas. Entretanto foi um avanço que não se manteve diante da postura
autoritária do governo de Getúlio Vargas, que em 1937 outorga uma nova Constituição
deturpando o caráter democrático do ensino público e condicionando a matrícula a
uma contribuição mensal.

Apenas com o fim da ditadura em 1945, a nova Constituição de 1946 retoma


as garantias constitucionais de 1934 e amplia a gratuidade na sequência ao ensino
primário aos que comprovassem escassez de recursos, obriga empresas a oferecer
cursos aos trabalhadores menores de idade e prevê a elaboração de uma Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação nacional, que foi encaminhada à Câmara Federal
em 1948, mas arquivada e retomado apenas em 1957.

A retomada do projeto da LDB em 1957 acontece um ano após uma


conferência de Anísio Teixeira intitulada “A escola pública, universal e gratuita”, que
apesar de render acusações de comunista à Anísio Teixeira, teve o condão de
despertar uma mobilização nacional em defesa da Escola Pública, tanto que em 1959
constrói-se o segundo “Manifesto dos Educadores – mais uma vez convocados”,
reafirmando a defesa pela educação pública, sua importância para o país e criticando
a omissão do poder Público na garantia desse Direito e na possibilidade dos
signatários do Manifesto deterem autoridade política para realizarem as mudanças
que alardeavam.

Anísio Teixeira, por sua vez, não manteve sua defesa pela Educação Pública
apenas no âmbito da universalização; ele vai além e afirma a indissociabilidade entre
qualidade e cultura, defendendo uma escola integral que não se limitasse apenas ao
ensino da escrita, leitura e operações, mas que possibilitasse a prática e a construção
de hábitos saudáveis de socialização, apreciação, pensamento e reflexão para os
direitos, enfim, produtora da democracia.

Apesar de todas as discussões em torno do tema, a primeira LDB só foi


publicada em 1961 com diversos retrocessos em relação aos debates sobre o tema,
restringindo a obrigatoriedade da educação nos casos de insuficiência de escolas ou
insuficiência de recursos dos responsáveis. Mas após sua aprovação Anísio Teixeira
teve oportunidade de coordenar a elaboração do Plano Nacional de Educação, onde
13

pode propor ampliação do repasse da União para a Educação, entretanto o golpe


militar de 1964, com as consequentes Constituições de 1967 e 1969, extinguiram a
vinculação de receitas.

Durante a segunda ditadura enfrentada pelo país foram editadas algumas


medidas que expandiram o direito à Educação, como ampliação da obrigatoriedade
da educação escolar para oito anos, a lei do salário-educação e o plano nacional de
pós-graduação. Entretanto, nunca se pode falar em conquistas quando o direito
natural à liberdade sofre prejuízos.

O fim do regime militar se fez acompanhar do endividamento externo, da


diminuição do poder econômico da população, de uma queda da qualidade na
Educação e de inúmeras greves e mobilizações realizadas pelos profissionais do
magistério da Educação Básica em luta pelos direitos da Educação, o que fez com
que em 1985 fosse aprovada a Emenda Calmon que retomava e ampliava a
vinculação de recursos com a Educação em 13% para a União e 25% para os Estados
e Municípios.

Todo esse percurso brasileiro, embora tardio se comparado a outros países,


embasou o que se pode reconhecer como maior conquista do país em relação aos
direitos educacionais: a Constituição de 1988, a qual dedicou um capítulo inteiro à
Educação, tratando de diferentes temas, inclusive da garantia de qualidade, que
apesar de não especificado o que se considera padrão de qualidade, possibilitou a
discussão e elaboração de propostas e textos normativos sobre a questão, sendo
também utilizado como princípio nas decisões judiciais que envolvem o direito à
Educação.

O Direito à Educação tratado pela Constituição de 1988, chamada de


Constituição Cidadã5, abarcou diferentes aspectos da Educação, mas não só, tratou
também da Proteção Integral à Infância e à Juventude e garantiu todos os Direitos de
primeira, segunda e terceira geração, que influenciam diretamente na forma como a
Educação deve ser garantida. O preâmbulo da Carta Magna já afirma que o Estado
Democrático de direito deve assegurar os direitos sociais e individuais entre outros

5CAGGIANO, Monica Hermano S. A Educação. Direi to Fundamental, pag. 29. In RANIERI, Nina Beatriz Stocco.
Direito à Educação – aspectos constitucionais, EDUSP, 2009
14

para a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, o que só


se conquista pela Educação.

Apesar de o direito à Educação encontrar-se no capítulo II, no Título sobre os


Direitos e Garantias fundamentais, o que por si só já tem enorme relevância, é
possível observar que, no Título dos Princípios fundamentais, no artigo 3º que elenca
os objetivos fundamentais da República, qualquer leigo conclui que, para construir
uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar
a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais; bem como promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação, o ponto de partida deve ser uma Educação de qualidade,
oferecida a todos sem distinção. Apesar de ser uma medida a longo prazo, é a mais
eficaz para os objetivos e facilitar a todos os demais direitos constitucionais, sem
desconsiderar a importância dos demais Direitos e Garantias, para os quais a
Constituição não estabeleceu hierarquia e que, em conjunto com a Educação, visam
efetivar a dignidade dos cidadãos brasileiros.

Além de Direito e Garantia Fundamental, a Educação é direito Social, porque


visa garantir aos indivíduos o exercício dos direitos fundamentais. É também direito
individual, pois diz espeito a cada cidadão isoladamente, e direito difuso e coletivo,
pois refere-se à toda população ou a todo um grupo definido de indivíduos que podem
reivindica-lo. O que aproxima essas definições é ser o Direito à Educação regido pelo
conceito de dignidade humana.

A efetividade do Direito à Educação de qualidade traz benefícios tanto ao


indivíduo quanto à coletividade, e pode ser reivindicado tanto pelo titular do direito
prejudicado de forma isolada, como pela sociedade, que também é lesada quando a
Educação oferecida é reduzida em qualidade ou quantidade. Conclui-se com isso que
a Educação é um direito amplo, que comporta obrigações de fazer e não fazer tanto
dos titulares quanto dos sujeitos passivos, responsáveis pela efetivação desse direito,
que devem agir de forma a garantir e preservá-lo, adotando condutas de cooperação
e colaboração, omitindo-se de qualquer postura que provoque redução ou retrocesso
na educação oferecida.

Por ser direito fundamental, goza das prerrogativas de imprescritibilidade –


não se perde pelo decurso do tempo; inalienabilidade – não pode ser transferido;
irrenunciabilidade – dele não se pode abrir mão; inviolabilidade – sua violação importa
15

responsabilização administrativa, civil e criminal; universabilidade – abrange todos os


indivíduos que se enquadram nas situações constitucionalmente definidas como
destinatárias do direito à Educação, independente de condição econômica; efetividade
– supõe ação do Poder Público e instrumentos judiciais que imponham sua execução;
interdependência – se relaciona e depende da efetivação de outros direitos e garantias
para ser concretizado de forma plena; e complementaridade – Educação tem papel
fundamental na realização dos fundamentos e objetivos constitucionais, auxiliando na
construção de uma sociedade justa e solidária.

Apesar de não haver hierarquia entre os princípios nem entre os Direitos e


garantias fundamentais, o Direito à Educação pode ser considerado instrumento para
concretização dos demais direitos, ao mesmo tempo que depende das demais
proteções e garantias constitucionais para que se efetive de forma democrática e
libertadora. RANIERI6 desdobra esse direito em Direito à Educação: onde se
consideram as prestações positivas materiais e principiológicas referentes à
Educação, tais como acesso e permanência, gratuidade do ensino público,
atendimento que respeite às individualidades dos educandos como atendimento
especializado aos portadores de deficiência, garantia da presença da língua materna
para as comunidades indígenas ou oferta de ensino noturno, entre outras prestações
em caráter obrigatório; e Direito na Educação: desdobramentos dos demais direitos
aplicados à Educação, como a liberdade de aprender e ensinar, a garantia da
diversidade cultural, artística, de gênero e de concepções, bem como o pluralismo de
ideias nos espaços educacionais, a gestão democrática, autonomia universitária e
outras garantias e princípios que devem permear as ações e políticas de qualquer
cidadão ou ente público.

Esses Direitos e garantias constitucionais são esmiuçados e reforçados nas


legislações infraconstitucionais, como a Lei 8069/ 90, Estatuto da Criança e do
adolescente; Lei 9394/ 96, Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, além de
normas e decretos que regulamentam o oferecimento e os padrões em que deve ser
ofertada a Educação.

6RANIERI, Nina Beatriz Stocco, O direito educacional no sistema jurídico brasileiro. In Justiça pela qualidade na
Educação, Saraiva
16

1.3 Direito à Educação em âmbito internacional

Historicamente, a criação da ONU em 1945 e a publicação da Declaração


Universal dos Direitos Humanos em 1948 conservam enorme importância para a
definição do Direito à Educação, pois lhe atribuem caráter instrumental na
emancipação dos indivíduos, vinculam a Educação à dignidade humana e a
consideram como direito transversal aos direitos de liberdade e igualdade, pois em
um Estado Democrático deve ser efetivada de maneira a promover semelhantes
direitos.

O direito internacional trata a Educação como direito público subjetivo,


relacionando diferentes obrigações estatais para sua efetivação dentro dos princípios
e propósitos das Nações Unidas e a cercando de diversas garantias.

A partir da década de 1960 se iniciou um movimento de especialização das


normas referentes aos Direitos Educacionais e das crianças, um exemplo disso foi a
publicação da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959 e da
Convenção contra a Discriminação na Escola em 1960, que trataram da proteção
integral das crianças, tornando-se os princípios da Declaração obrigações para os
Estados a partir da Convenção sobre os Direitos das Crianças em 1989.

Em 1966 a ONU adotou o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais – PIDESC, que apesar de ter sido ratificado pelo Brasil apenas em
1992, já vinculava a Educação à dignidade humana e à liberdade:

Art. 13 – Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito


de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá
visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido
de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e
liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá
capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade
livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todos
os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover e promover as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

A partir desses documentos seguem-se diversos pactos, declarações e


recomendações que interferem no Direito à Educação e demonstram que cada vez
17

mais a Educação encontra-se incorporada ao sistema jurídico internacional, e


consequentemente aos sistemas jurídicos dos Estados-partes e daqueles que
mantém relações econômicas ou qualquer ligação com aqueles.

Essa preocupação com a Educação ultrapassou o plano de identificação da


Educação como Direito, definição de suas características, reconhecimento de seu
caráter instrumental para promoção dos direitos humanos e construção de uma
sociedade livre e democrática. Com a adoção do Programa Educação para todos, em
1998, resultado da Conferência Mundial de Educação para todos, realizada em
Jomtien, no ano de 1990 pela UNESCO, deslocou-se o foco da caracterização do
Direito à Educação para a definição de metas e necessidades básicas de
aprendizagem que a Educação deve garantir, demonstrando aumento da
preocupação com a qualidade. Momento propício para essa mudança de paradigma,
visto que o direito à Educação já havia sido incorporado pelos sistemas jurídicos dos
Estados envolvidos na elaboração do Programa Educação para Todos.

Essa característica tem reflexão explícita no direito brasileiro com a


Constituição de 1988, que não só inscreveu a Educação no rol de direitos
fundamentais, como também lhe deu visibilidade por meio de sua inserção em
diferentes artigos do texto constitucional, contemplando a obrigatoriedade de garantia
de padrões mínimos de qualidade no ensino. Além da Carta Magna, leis e documentos
dos órgãos e secretarias responsáveis pela Educação também têm cuidado de
produzir material para expandir cada vez mais as definições, parâmetros e objetivos
da educação nacional.

A Educação é direito público subjetivo, conforme §1º do artigo 208 da


Constituição Federal, pois confia ao seu titular o poder de invocá-lo, entretanto, ele
não é um Direito Social puro, dever apenas do Poder Público a ser invocado de
maneira coletiva, ele também é direito e dever da família e dever individual de cada
cidadão, que tem à sua disposição mecanismos para buscar a efetivação do direito
naquilo que esteja sendo descumprido. “Essa forma de operar o direito à educação
resulta do novo paradigma – igualmente contido no corpo constitucional – seguindo
os princípios da descentralização, da mobilização e da participação. ” 7

7 COSTA,A. C. G. e LIMA, I. M. S. O. Estatuto e LDB: Direito à Educação in Pela Justiça na Educação – FUNDESCOLA/
MEC, 2000.
18

O governo deve manter políticas públicas de educação, que se diferenciam


as políticas de governo, sendo mais abrangentes e mais duradouras que estas últimas
porque visam criação de espaço para a cidadania, criando mecanismos para que o
direito positivado se transforme em realidade, por meio da criação de órgãos e
instrumentos que possibilitem a participação da sociedade e a busca pela
concretização da Educação.

Apesar das divergências que circundam o tema, a Educação pode ser


analisada sob o prisma do “mínimo existencial”8, pois tem um núcleo que deve ser
garantido e pode ser exigido do poder público, como a obrigatoriedade da oferta de
vagas desde a Educação Infantil, a partir dos quatro anos, até o Ensino Fundamental,
sem que o judiciário precise analisar o sentido da legislação, descartando inclusive a
alegação da “reserva do possível”, que tantas vezes é utilizada como justificativa para
a inércia do Poder Público 9.

A despeito da legislação tratar de diferentes questões que compõe o Direito à


Educação e atrelar ao Direito garantias para sua efetivação, essa positivação nem
sempre se presenta de maneira objetiva, explicitando o objetivo do dispositivo legal,
como no caso da obrigatoriedade da matrícula na Educação infantil e ensino
fundamental. Um exemplo disso é a questão a qual se refere o artigo 206, inciso VII,
da Constituição Federal, ao tratar da garantia de padrão de qualidade como princípio
sob o qual deve ser ministrado o ensino, em que, qualquer demanda que envolva a
discussão sobre a falta de qualidade no ensino ofertado deverá ser analisada e
ponderada pelo Judiciário, pois não existem parâmetros legais que definam o que
significaria um “padrão mínimo de qualidade” ao qual se refere a Lei Maior.

8 OLIVEIRA JÚNIOR, Valdir Ferreira de. O Estado solidarista: estratégias para sua efetivação. “O mínimo existencial
tem regime jurídico previsto na Lei n. 8742/ 1993 (...). Em seu art. 1º estabelece: A assistência social, direito do
cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais,
realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas”. Em sentido contrário AGRA, Walber de Moura. Direitos Sociais. “Não se
defende a terminologia conteúdo mínimo dos direitos humanos porque se passa a ideia de que a intensidade
normativa protegida, inexoravelmente teria que ser mínima”
9 A esse respeito pronuncia-se o STF na ADPF 45-9, pelo Ministro Celso de Melo: “Ao apurar os elementos

fundamentais dessa dignidade [o mínimo existencial], estar -se-ão estabelecendo exatamente os alvos
prioritários dos gastos públicos. (...) O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de
prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível (...) se tais poderes
do Estado ... procederem com ... injustificável inércia estatal ou abusivo comportamento governamental... , aí
então, justificar-se-à, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um
imperativo ético-jurídico – a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário...” in GRINOVER, A. P. O controle
das Políticas Públicas pelo Judiciário.
19

Para essas situações é imperioso o papel dos magistrados, que cada vez mais
precisam buscar fundamentação para suas decisões, embasando-as em argumentos
relevantes e justificáveis, amparados pelos objetivos e princípios constitucionais, de
forma equilibrada e pragmática, para que não se distancie da Lei e se torne arbitrário,
sem tampouco transformar suas determinações em um emaranhado de teoria, que na
prática não consegue atingir a função social da justiça, que é a de garantir os Direitos
conquistados historicamente, colaborando para a construção dos direitos das novas
gerações.

2. Qualidade na Educação: definições legais e teóricas

2.1 Definições históricas

Para se estudar e reivindicar avanços na qualidade da Educação é necessário


definir o que se entende pelo termo qualidade em todos os seus aspectos legais e
doutrinários. Saber o que a legislação vigente define como qualidade e as metas que
propõe para a melhoria da qualidade de ensino é fundamental para analisar se o que
pesquisadores e estudiosos sobre o assunto propõe é viável e pertinente diante do
contexto atual da Educação brasileira e o que é possível ser alcançado pelo viés da
Justiça nas questões de melhoria do ensino.

No levantamento histórico sobre o Direito à Educação foi possível concluir que


a inserção constitucional dessa garantia é recente e que o termo qualidade só passou
a ser incluído no texto legal a partir da Constituição de 1988, a despeito de todas as
discussões paralelas sobre o tema e das políticas públicas de ampliação de vagas e
recursos, que tacitamente visavam uma melhoria nas condições educacionais do país.

Em 1934 a constituição tratava, em seu artigo 149, da Educação como meio


de possibilitar eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, para
desenvolver, num espírito brasileiro, a consciência da solidariedade humana. A
Constituição de 1937 suprimiu este dispositivo, que reapareceu no texto de 1946, em
seu artigo 166, afirmando que a Educação deve inspirar-se nos princípios de liberdade
e ideais de solidariedade humana. Além desses a Constituição de 1967 inclui os
20

princípios de igualdade de oportunidade e unidade nacional em seu artigo 168,


inspirada pela Lei de Diretrizes e bases de 1961 que tratava mais amplamente dos
objetivos e princípios da educação. Em suma, havia uma preocupação de assegurar
condições mínimas para a oferta do ensino pautado na liberdade, na solidariedade e
na igualdade de oportunidades, que também são vieses da qualidade.

Gramaticalmente, entretanto, a garantia de padrão de qualidade é uma


novidade em nossa Carta Magna, que influenciou a busca pela qualidade em
diferentes frentes e possibilitou a ampliação dos debates sobre o tema, incluindo a
incorporação das discussões internacionais a respeito da questão.

De acordo com XIMENES 10, ainda que não expressa no mundo jurídico, não
se pode aceitar que se oferte uma educação de má qualidade apenas porque a
legislação tenha se omitido, pois trata-se de um princípio, que de acordo com
DWORKIN, “é um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas
porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da
moralidade.”11

Logo, percebe-se a existência de uma obrigação moral do Estado com a oferta


do ensino de qualidade, independente de positivação, porque os princípios são
anteriores à norma, e sua positivação apenas vem afirmar um fato que já é
amplamente aceito e esperado pela sociedade. Seu cumprimento apenas se reforça
pela lei, mas sua exigência já é verificável como uma condição lógica, sine qua non
ao dever da oferta da Educação pelo Estado, pois como esperar que o poder público,
que tem a obrigação de garantir o desenvolvimento e a segurança da nação, possa
ofertar à sociedade uma educação desvinculada da qualidade, que irá refletir a longo
prazo no desenvolvimento social e econômico do país? Sem esse dever intrínseco ,
de garantia de qualidade na Educação ofertada, não seria necessária a atuação do
Estado no âmbito educacional.

10 XIMENES, Salomão Barros. Padrão de Qualidade do Ensino: desafios institucionais e bases para a construção
de uma teoria jurídica. “Com anterioridade lógica ao fenômeno j urídico poderíamos concluir, inclusive, que é
moralmente inaceitável a oferta de uma educação de má qualidade ou ainda que o Estado se mantenha omisso
em tal dimensão. (...) haveria, independente da positivação constitucional, um argumento de princípio em favor
do reconhecimento da qualidade do ensino como componente universal do direito à educação.”
11 DWORKIN, 2002, p. 36. In XIMENES, S. B. Padrão de Qualidade do Ensino: desafios institucionais e bases para

a construção de uma teoria jurídica


21

A preocupação com a qualidade só precisou ser positivada diante da queda


da suposta qualidade que existia nos sistemas públicos educacionais. Entretanto,
esse nível de qualidade só era observado diante de uma realidade de escolas que
privilegiavam uma parcela da sociedade e que trabalhava dentro de sistemas
pedagógicos que exigiam dos alunos passividade e memorização, considerando
apenas o contexto de avaliação do próprio sistema de ensino.

Essa noção de qualidade existente foi descontruída pela ampliação do acesso


à escolarização básica para todas as classes sociais, pelo aumento do número de
estudantes que acessaram às escolas, pelas mudanças sociais que tratam a
informação de maneira cada vez mais rápida e por instrumentos cada vez mais
tecnológicos e atrativos, estando todos estes fatores aliados à inclusão, no Sistema
de Ensino brasileiro, de avaliações externas e indicadores internacionais sobre metas
de aprendizagem, que buscam a formação de pessoas capazes de refletir sobre o
conhecimento de forma crítica, que construam estratégias e soluções e não apenas
reproduzam fórmulas e modelos.

As condições de produção e de emprego eram muito diferentes das que


existem atualmente, o que facilitava a visão da escola como um espaço de
aprendizagem, capaz de formar as classes operárias, que viriam a atuar no mercado
de trabalho pela reprodução de informações, muitas vezes de forma mecanizada .
Entretanto a sociedade enfrentou transformações em suas diversas áreas, mas a
escola não acompanhou muitas dessas mudanças e se tornou ultrapassada, além de
não conseguir ensinar aos alunos de diferentes classes sociais e com diferentes
necessidades individuais. Mudou-se a sociedade, mas a escola permaneceu a
mesma, com as mesmas características estruturais (materiais, conteúdo e quantidade
de alunos), exigências e expectativas, o que ocasionou a exclusão de muitos
estudantes, por não se adequarem à escola ou por não encontrarem motivação para
frequentarem o ambiente escolar, sendo fato que muitos dos que concluem a
formação escolar não conseguem demonstrar sua capacidade para interagir em um
mundo globalizado.

Aliada à essa estagnação da instituição escolar vieram as mudanças na


família e no papel desempenhado pelos responsáveis, que deveriam zelar pela
construção da base afetiva, emocional e inter-relacional das crianças, acompanhando
a frequência e realização das atividades escolares, garantindo estímulos, amparo,
22

proteção e noções de convivência social saudável às crianças e jovens. Todos esses


são fatores que de alguma forma são atribuídos à falta de qualidade na educação de
crianças e jovens brasileiros.

Mas o que é qualidade? O que define uma educação de qualidade?

Buscando um conceito gramatical, qualidade é relacionada como:


1 Dom, virtude.

2 Grau de perfeição, de precisão, de conformidade a um certo padrão.

3 Categoria, espécie, tipo. 12

Para o nosso estudo basta o segundo conceito, segundo o qual qualidade na


educação seria o seu grau de perfeição, de precisão e de conformidade a certos
padrões, que no caso seriam os indicadores de qualidade nacionais e internacionais,
aos quais o Brasil se filia.

De acordo com Cury13, “qualidade advém do latim qualitas, mas cuja


procedência mais funda é a de poiótês do grego e que significa um título definidor de
uma categorização ou classificação”, o que é compreensível diante da realidade
educacional que norteia a qualidade na Educação por indicadores que comparam
aprendizagens e habilidades para definir avanços e retrocessos.

Seguindo a ideia de classificação, DAVOK14 esclarece que “qualidade implica


em uma ideia de comparação: poder-se-ia dizer que um objeto tem qualidade se suas
características permitem afirmar que ele é melhor que aqueles objetos que não as
possuem ou que não as possuem em igual grau”.

Por estas definições é possível afirmar que a qualidade só pode ser afirmada
dentro de parâmetros pré-estabelecidos que indiquem o que é esperado da educação
para que ela seja considerada de boa qualidade, sendo que as características serão
definidoras das ações em políticas educacionais, na busca de uma equiparação aos
padrões e às metas definidas.

O conceito de qualidade, como se pode observar, é anterior à sua positivação,


e apresenta diferentes entendimentos, podendo ser considerado um direito ilimitado,

12 MICHAELIS. Dicionário escolar de Língua Portuguesa, 2008


13 CURY, Carlos Roberto Jamil. Qualidade em educação: Nuances: estudos sobre educação. 2010 in CABRAL,
Karina Melissa e DI GIORGI, Cristiano Amaral Garboggini
14 DAVOK, DelsiFries. Qualidade em educação: avaliação, 2007 in CABRAL, K. M. e DI GIORGI, C. A. G
23

que pode abarcar uma gama de providências em diferentes caminhos. É, portanto,


um ato iminentemente político, que jamais pode ser analisado sob a ótica da
neutralidade, se considerarmos que as ações que se desenvolverão para sua
concretização estão intimamente ligadas às concepções sobre Educação e às
ideologias de quem as promove.

Nesse sentido a UNESCO, em seu relatório “Educação de Qualidade para


Todos: um assunto de direitos humanos”15:

As qualidades que se exigem do ensino estão condicionadas por


fatores ideológicos e políticos, pelos sentidos que se atribuem à
educação num momento dado e em uma sociedade concreta,
pelas diferentes concepções sobre o desenvolvimento humano
e a aprendizagem, ou pelos valores predominantes em uma
determinada cultura. Esses fatores são dinâmicos e mutantes,
razão porque a definição de uma educação de qualidade
também varia em diferentes períodos, de uma sociedade para
outra e de alguns grupos ou indivíduos para outros. (2008, p. 29)

Dependendo do momento histórico a qualidade na Educação se voltou para a


promoção de determinadas características que se esperavam ver reproduzidas na
sociedade. Da mesma forma, a aferição do quanto de qualidade existe na Educação
brasileira também é uma escolha ideológica, podendo ser analisada a partir da
quantidade de insumos destinados às escolas; aos profissionais; à formação dos
professores; no aumento do número de horas que um estudante permanece na
instituição escolar; pela classificação do país em rankings internacionais ou por
qualquer outra forma que espelhe o que se considera essencial em matéria de
qualidade nos processos educativos formais.

Observando a classificação do Brasil no ranking educacional tanto nacional


quanto entre as nações com maior nível de desenvolvimento 16, bem como os pontos

15 In CABRAL, K. M. e DI GIORGI, C. A. G.
16 O Brasil foi classificado na 38ª posição, em uma lista de 40 países analisados pela PEARSON, empresa britânica
de publicação em Educação, que compara diferentes rankings internacionais e combina dados de aprendizagem
e fatores sociais para determinar o Índice Global de habilidades cognitivas e desempenho escolar. In The Larning
Curve. PEARSON, 2014. E dentre os 65 países participantes do PISA em 2012 – Programa Internacional de
avaliação de alunos - da OCDE – Organização para cooperação e desenvolvimento econômico – , o Brasil obteve
24

que a Educação atual vem deixando de atender, como acompanhar o avanço


tecnológico, as concepções de ensino-aprendizagem e das modernas práticas
pedagógicas atuais, é possível retirar conclusões superficiais do que venha a ser
qualidade na oferta do ensino e em quais frentes é preciso demandar mais atenção,
não só do poder Executivo e legislativo, mas também do judiciário, que precisa de
parâmetros para definir posições e fundamentar decisões.

2.2 Definições legais

Uma análise das legislações pertinentes e dos rumos das políticas públicas
no que se refere à Educação brasileira torna possível extrair os sentidos de qualidade
e requisitos de exigibilidade possíveis de serem utilizados no âmbito jurídico.

A Constituição Federal se refere à garantia de qualidade em quatro artigos:


Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: (...)

VII - garantia de padrão de qualidade.

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as


seguintes condições: (...)

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder


Público.

(...)

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios organizarão em regime de colaboração seus
sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o


dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas
federais e exercerá, em matéria educacional, função

55º lugar nas habilidades de leitura e interpretação, o 58º lugar nas habilidades matemáticas, e o 59º lugar nas
habilidades de Ciências, enquadrando-se dentro de níveis e pontuações abaixo da média definida pela
Organização, que realiza uma avaliação internacional a cada três anos e compara diferentes habilidades e fatores
sociais na elaboração de seus indicadores. Resultados do PISA 2012 em foco: o que os alunos sabem aos 15 anos
de idade e o que podem fazer com o que sabem. OCDE, 2014.
25

redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de


oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do
ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de


dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e
cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino. (...)

§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará


prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional
de educação.

(...)

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação,


de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema
nacional de educação em regime de colaboração e definir
diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para
assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações
integradas dos poderes públicos das diferentes esferas
federativas que conduzam a: (...)

III - melhoria da qualidade do ensino;

A Lei de Diretrizes e bases da educação – LDB, também se refere explicitamente


à qualidade em seus artigos:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos


seguintes princípios: (...)

IX - garantia de padrão de qualidade;

(...)

Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar


pública será efetivado mediante a garantia de: (...)
26

IX – padrões mínimos de qualidade de ensino definidos


como a variedade e quantidade mínimas por aluno, de insumos
indispensáveis ao desenvolvimento do processo ensino-
aprendizagem;

(...)

Art. 7º. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas


as seguintes condições: (...)

II - autorização de funcionamento e avaliação de


qualidade pelo Poder Público;

Art. 9º. A União incumbir-se-á de: (...)

VI - assegurar processo nacional de avaliação do


rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em
colaboração com os sistema s de ensino, objetivando a definição
de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;

O Parecer 8/2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de


Educação, que estabelece normas para aplicação dos padrões mínimos de qualidade
para a Educação Básica Pública, previstos na LDB, relaciona a posição de alguns
países no ranking do PIB, do PIB per capita, do Índice de Desenvolvimento Humano
– IDH e no Índice de Desenvolvimento Educacional – IDE e conclui que “há claramente
uma melhor relação entre a posição do país no PIB per capita e o seu IDH, como
também o seu IDE”.17 O mesmo documento relaciona três grandes desafios que se
apresentam para o alcance da qualidade na Educação Básica, sendo o primeiro a
necessidade de valorização da carreira do magistério, o segundo a ampliação do
financiamento da educação e o terceiro uma melhor organização da gestão.

O parecer também apresenta o trabalho da Campanha Nacional pelo Direito


à Educação, intitulado Custo Aluno Qualidade Inicial – CAQi, que identificam um
conjunto de insumos essenciais e padrões mínimos referenciados na legislação
educacional que garantiriam uma qualidade inicial para melhora nos processos de
ensino e aprendizagem e avanço nos índices nacionais e internacionais.

17 PARECER CNE/ CEB nº 08/ 2010, in custoalunoqualidade.org.br>pceb008_10 consulta em 18/11/2014


27

O CAQi considera entre outros parâmetros a qualificação dos professores,


com remuneração adequada e compatível a de outros profissionais com igual nível de
formação; a existência de pessoal de apoio técnico e administrativo que assegure o
bom funcionamento da escola e dos espaços como biblioteca e sala de informática; a
existência de creches e pré-escolas com infraestrutura e equipamentos adequados; a
definição de uma relação adequada entre número de alunos por turma e por professor,
que garanta uma aprendizagem de qualidade, considerando uma média de 22 alunos
por turma na pré-escola e 24 nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Quando relaciona os insumos mínimos necessários, além dos itens de


escritório, cozinha e papelaria, o documento relaciona materiais e mobiliário para
biblioteca, parque, laboratório de ciências, laboratório de informática, quadra
poliesportiva, sala de TV/ DVD e outros equipamentos como projetores, rádios e
máquinas fotográficas que auxiliam no processo de construção do conhecimento e
que têm a função de ampliar a aprendizagem e elevar a posição do país nos rankings
educacionais.

O último Plano Nacional de Educação – PNE de 2014, que tem vigência de


dez anos e apresenta princípios norteadores e metas a serem alcançadas nesse
período, também define a qualidade da educação como uma de suas diretrizes:

Art. 2º São diretrizes do PNE: (...)

IV – melhoria da qualidade na Educação;

Art. 11. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação


Básica, coordenado pela União, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e o s Municípios, constituirá fonte de
informação para a avaliação da qualidade na Educação Básica
e para orientação das políticas públicas desse nível de ensino.

(...)

ANEXO

(...)
28

Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em


todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e
da aprendizagem (...)

Meta 20.7) implementar o Custo Aluno Qualidade -


CAQ como parâmetro para o financiamento da educação de
todas etapas e modalidades da educação básica, a partir do
cálculo e do acompanhamento regular dos indicadores de
gastos educacionais com investimentos em qualificação e
remuneração do pessoal docente e dos demais profissionais da
educação pública, em aquisição, manutenção, construção e
conservação de instalações e equipamentos necessários ao
ensino e em aquisição de material didático-escolar, alimentação
e transporte escolar;

(...)

Percebe-se que, apesar de a legislação não definir literalmente o que seja


qualidade, ela é citada reiteradas vezes e em dois momentos aparece vinculada às
avaliações do rendimento escolar, definindo-os como fonte de verificação da
qualidade; também à quantidade de verbas disponibilizadas para a Educação e em
dois momentos, na LDB e no PNE, há uma vinculação da qualidade à quantidade e
variedade de insumos e à implementação do Custo aluno qualidade, que relacionam
a melhoria da Educação com os recursos, profissionais e equipamentos a ela
destinados.

O Plano Nacional de Educação, entretanto, como a própria Constituição


afirma, foi elaborado para conduzir a melhoria da qualidade do ensino, o que nos leva
a concluir que cada diretriz e cada meta de seu conteúdo representa uma fração do
que o Estado define como qualidade na educação, possibilitando uma visão prática
do que se pretende e, consequentemente do que se pode exigir que seja
implementado.

O Foro Mundial da Educação 2015 produziu uma Declaração onde apresenta


uma definição do que seja qualidade na Educação:

A educação de qualidade vai mais além da alfabetização e das


noções de aritmética, abarca a aquisição de um amplo conjunto
29

de conhecimentos, competências e valores, bem como o


fomento do pensamento crítico, da criatividade, da
solidariedade, o diálogo e a solução de problemas. Esta
Educação se fundamenta em experiências cognitivas
gratificantes e inclusivas, que requerem contextos de
aprendizagem seguros e integradores; docentes motivados e
valorizados; materiais didáticos adequados e de qualidade;
planos de ensino de grande abrangência, que abarquem a
educação relativa aos seres humanos, a educação para o
desenvolvimento sustentável e a educação para a cidadania
mundial. A Educação de qualidade valoriza a diversidade
pessoal, cultural e linguística, fortalece a democracia e foment a
a paz. O processo de aprendizagem deve basear-se em um
enfoque centrado no aluno. 18

Essas definições, interpretadas em conjunto com os demais princípios


constitucionais, legais e presentes nos diferentes documentos que tratam da
Educação de qualidade nos levam a algumas conclusões que possibilitam definir o
que representa a oferta de um ensino de qualidade pelo Poder Público, com vistas a
conferir aos alunos uma formação que permita seu pleno desenvolvimento.

2.3 Análise das teorias e práticas atuais e da posição do país nos rankings
educacionais

Uma Educação de qualidade pressupõe, entre outras coisas, além da


igualdade no acesso para todos os que a ele tenham direito, independente de
diferenças, classe social e características individuais, também condições de
permanência na escola, para que os alunos se sintam acolhidos em suas ideias,
pensamentos e diferentes formas de aprender e possam ter acesso aos
conhecimentos construídos historicamente de forma atrativa e significativa.

Apesar de todas as definições legais, a destinação de verbas ainda se


encontra muito aquém do definido pelo CAQi, que até hoje não foi regulamentado e

18 Declariación del Foro ONG 2015. Hacia el derecho a la Educación Pública, inclusiva y de calidad y el aprendizaje
a lo largo de toda la vida después de 2015.
30

posto em prática, e que em 2010 foi estabeleceu o valor de R$ 2.776,34 por aluno nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo que o repasse real realizado pelo
FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica foi de R$ 1.413,15 no
mesmo ano.19

Outros pontos definidos pelo CAQi também são facilmente observáveis:


reduzidas unidades escolares contam com bibliotecas, salas de informática e
laboratório e o número de alunos por turma está muito acima dos 22 na Educação
Infantil e dos 24 previstos para os anos iniciais do Ensino Fundamental, que continuam
admitindo o mínimo de 30 alunos na rede de ensino do município de São Paulo.

Essa breve análise nos leva a percepção de que além da garantia de vagas,
são necessárias condições que permitam ao aluno não se evadir, ser estimulado a
frequentar a escola, e isso só se conquista quando ele acredita na necessidade de
frequentar a as aulas, adquire novos conhecimentos e se sente acolhido pela
instituição, o que requer que as instituições escolares estejam prontas para atender
às diferenças individuais, até mesmo no que diz respeito a oferta de formas
alternativas de ensino para os que vivem no campo, em comunidades indígenas ou
quilombolas; e que os profissionais que atuam na escola tenham condições de lhes
proporcionar atividades estimulantes, valorização e atenção às suas necessidades
individuais no que diga respeito à sua forma de aprender.

Uma implicação direta dessa conclusão é a importância de se proporcionar


formação aos professores e valorização na carreira do magistério, o que por si só não
trará mudanças significativas se esse profissional não puder contar com um espaço
adequado e equipado para proporcionar diferentes experiências de aprendizagem e
com uma quantidade de alunos que possibilite a ele atender as demandas individuais
de cada estudante.

Por essa breve síntese já é possível elencar alguns aspectos que devem ser
garantidos e que fundamentam o direito à qualidade na Educação, podendo ser
exigidos quando observadas sua violação:

19 Direito Humano â Educação – Plataforma Dhesca Brasil e Ação Educativa. 2011


31

 Garantia de vaga em escola próxima à residência do aluno ou transporte


que possibilite sua locomoção, garantindo a facilidade no acesso e a redução das
ausências;
 Garantia de quantidade de alunos por professor adequada, para que
exista possibilidade de os alunos terem atenção por tempos maiores e haja uma
promoção do entrosamento da turma;
 Condições físicas e mobiliárias do prédio escolar adequadas às
especificidades dos alunos e considerando as diferentes formas de locomoção e
formas de aprender;
 Variedades de materiais pedagógicos e possibilidades de acesso aos
bens científicos, culturais e tecnológicos da sociedade, equipando-se as escolas com
recursos e verbas que possibilitem a elaboração de planejamentos voltados às
aprendizagens significativas;
 Formação dos profissionais de Educação e valorização das carreiras do
magistério, para que os melhores alunos das graduações sejam estimulados a
trabalhar na formação das novas gerações e para os que já atuam na área tenham
incentivos e apropriem-se das novas tecnologias e conhecimentos sobre as diferentes
formas de construção do conhecimento;
 Possibilidade de construção de currículos e propostas pedagógicas que
considerem a Gestão Democrática, em parceria com a comunidade e que preveja
conteúdos relevantes e integradores a partir de uma base curricular comum; e
 Garantia de destinação de verbas pelo poder Público às atividades
educacionais: construção de escolas, recursos pedagógicos, compras de materiais,
valorização e formação dos profissionais da Educação, atividades extracurriculares e
outros que se destinem à melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Todas essas garantias não podem ser consideradas dissociadas dos índices
das avaliações nacionais e internacionais (às quais o Brasil é vinculado) sobre a
aprendizagem dos alunos, seus indicadores e metas; nem tampouco da
disponibilização de receitas a serem destinadas à sua concretização, que são fatores
que estruturam e norteiam os rumos da Educação, respeitando vinculações
constitucionais e dispositivos legais de percentuais mínimos a serem destinados às
atividades de ensino.
32

Observa-se, pela leitura da legislação que nem sempre os enunciados


normativos incluem-se dentro da mesma tipologia normativa 20. Existem normas de
princípios, que orientam a promoção dos direitos fundamentais educacionais de forma
ampla, e normas de regramento, que estabelecem orientações específicas.

É possível perceber essa diferença na comparação de princípios como o da


garantia de padrão de qualidade, na igualdade de condições ao acesso e permanência
na escola, na liberdade acadêmica e de concepções pedagógicas, na gestão
democrática e na valorização dos profissionais da educação, analisados em conjunto
com outros que apontam para a determinação de piso salarial dos profissionais da
educação, para a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino, para a
determinação de padrões mínimos de qualidade e de custo por aluno, para a garantia
de ingresso mediante concurso público e plano de carreira para os profissionais entre
outros.

Os primeiros podem ser considerados normas de princípios, permitindo ampla


interpretação e apenas norteiam os rumos das políticas educacionais, enquanto que
os do segundo grupo podem ser definidos como normas de regras e apresentam
definições prontas para serem cumpridas. Em situações jurídicas, fica a critério do
julgador analisar em que condições podem as normas de princípio se efetivarem,
considerando que não existe definição legal do que é a efetivação do princípio. Já com
as normas de regras não existe muita discricionariedade, pois a lei já determinou o
que precisa ser garantido e não há grande margem para se discutir, por exemplo, o
pagamento de um professor abaixo do piso salarial determinado por regulamentação
federal.

A observação das normas e princípios referentes à educação nos levam a


perceber que ele não existe isolado dos outros Direitos e Garantias Fundamentais,
podendo algumas vezes aparentar que existe colisão entre eles quando se precisa
priorizar algum direito em detrimento de outro, entretanto a relação entre eles é quase
sempre de concorrência. Esta “concorrência entre direitos se dá quando um

20 XIMENES, S. B.
33

determinado bem, pretensão ou posição jurídica preenche os pressupostos de fato de


vários direitos fundamentais”21

Os Diretos e Garantias fundamentais são interdependentes, sendo tranquilo


concluir que, apesar de garantias como a assistência social, saúde, emprego,
alimentação e acesso aos bens culturais não deverem constar no rol de proteção do
Direito à Educação, sem eles a garantia de padrão de qualidade tampouco será
conquistada. O progresso da Educação e avanços mínimos nos índices de
aprendizagem só podem existir paralelamente ao avanço na qualidade da oferta dos
demais direitos e garantias fundamentais, formando uma rede onde se assegurem as
condições de existência da sociedade dentro de padrões de dignidade e possibilidade
de acesso à saúde, empregos e aos bens culturais, e onde uma garantia fortaleça o
desenvolvimento da outra.

A ampliação do acesso às escolas favoreceu a percepção das desigualdades


sociais, culturais e de oportunidades, que deixaram mais visível o sucesso de alguns
e o insucesso de muitos que, apesar de serem submetidos às mesmas situações de
aprendizagem não possuíam a mesma estrutura e contexto extraescolares de suporte
para as aprendizagens escolares. A igualdade permaneceu no acesso, mas gerou
desigualdade na permanência, que está intrinsecamente relacionada às
desigualdades extraescolares.

Trata-se de enfrentar o “mito da igualdade de oportunidades” 22, segundo a


qual todos teriam as mesmas oportunidades, independente da classe social, e o que
determinaria o sucesso de cada um seria unicamente seu esforço pessoal,
desconsiderando as diferenças entre as escolas públicas e aquelas frequentadas
pelos filhos da elite econômica. E não se quer demonstrar aqui que o esforço e
determinação individuais não sejam importantes e necessários, mas apenas que, na
maioria das vezes, as condições extraescolares e a importância que as famílias das
classes menos favorecidas economicamente podem dispensar às atividades
escolares e culturais exercem influência determinante no sucesso das aprendizagens ,

21 CANOTILHO, 1999, p. 1135 in XIMENES, S. B.


22 DUBET, 2004, p.173 in XIMENES, S. B.
34

e que esses fatores, aliados a uma escola que oferece menos oportunidades e
condições, apenas perpetuam diferenças sociais, de conhecimento e oportunidades.

Ainda segundo Dubet (2011)23, “há uma incompatibilidade manifesta entre a


adoção da meritocracia na faixa da escolaridade obrigatória e o direito à educação de
crianças e adolescentes, já que o mérito é necessariamente um critério comparativo
que pressupõe perdedores”. Para o autor, a construção de uma escola básica justa
deve possibilitar a todas as crianças e adolescentes o acesso a bens e recursos que
lhes garanta uma igualdade de base, uma formação inicial que possibilite a aquisição
de conhecimento dentro de parâmetros e condições estruturais de igualdade.

A referência ao padrão de qualidade encontrado na Constituição é uma


demonstração de que a educação deve respeitar a igualdade na construção dos
conhecimentos, o que significa dizer que deve haver equiparação nos insumos,
recursos e também nos resultados, que comprovam a qualidade na atualidade.

Baseados nestes índices, o que se observa e que já se tornou senso comum


afirmar é que as escolas da rede privada praticam mais qualidade em relação àquelas
da rede pública.

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)24

Ensino Fundamental – Anos iniciais


META DEFINIDA ATÉ 2021 6,0

REDE PÚBLICA REDE PRIVADA

REGIÃO 2005 2007 2009 2011 2013 2005 2007 2009 2011 2013
Brasil 3,6 4,0 4,4 4,7 4,9 5,9 6,0 6,4 6,5 6,7
Norte 2,9 3,3 3,8 4,2 4,3 5,5 5,6 5,9 6,1 6,1
Nordeste 2,7 3,3 3,7 4,0 4,1 5,4 5,5 5,8 6,0 6,2
Sudeste 4,4 4,6 5,1 5,4 5,6 6,3 6,3 6,8 6,8 6,9
Sul 4,3 4,6 5,0 5,4 5,6 6,2 6,3 6,7 7,0 7,2
Centro-oeste 3,8 4,2 4,8 5,1 5,3 5,9 5,9 6,4 6,7 6,8

23 XIMENES, S. X.
24 Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2015
35

Ensino Fundamental – Anos Finais

META DEFINIDA ATÉ 2021 5,5


REDE PÚBLICA REDE PRIVADA
REGIÃO 2005 2007 2009 2011 2013 2005 2007 2009 2011 2013
Brasil 3,2 3,5 3,7 3,9 4,0 5,8 5,8 5,9 6,0 5,9
Norte 3,0 3,3 3,5 3,6 3,6 5,4 5,3 5,3 5,6 5,5
Nordeste 2,6 2,9 3,1 3,2 3,4 5,3 5,4 5,5 5,6 5,6
Sudeste 3,6 3,9 4,1 4,2 4,3 6,1 6,1 6,0 6,2 6,1
Sul 3,6 3,9 4,1 4,1 4,1 6,1 6,1 6,2 6,2 6,3
Centro-oeste 3,2 3,6 3,9 4,0 4,2 5,5 5,7 5,8 5,9 5,9

Devemos considerar, a partir desses dados, que as escolas da rede privada


possuem maiores condições estruturais, recursos e insumos para atender aos alunos,
mas também não se pode ignorar que são instituições que recebem os alunos de
classes sociais mais elevadas e que, teoricamente têm maior acesso à cultura e
dispõem de maior tempo para se dedicarem às atividades escolares. É preciso
analisar ainda que a proposta pedagógica dos dois grupos é diferente, o que dificulta
a visão de um padrão de qualidade que estaria sendo praticado pelas instituições
particulares e que poderia ser exigido, sendo necessário uma definição para que reste
claro o que pode ser exigido para a melhoria das condições educacionais.

É preciso não esquecer, ao discutirmos qualidade em Educação, a


necessidade da Gestão Democrática das escolas, o que representa tanto a abertura
para a escuta das famílias sobre o ensino que é oferecido e as condições das escolas,
quanto a possiblidade de cada estabelecimento de ensino definir o que representa
qualidade dentro de suas especificidades, de acordo com a população atendida e
características locais.

Não se pode esperar que a mesma proposta pedagógica adotada por uma
escola da área urbana de uma região centralizada, quando utilizada por uma escola
da área rural ou que se localize na área urbana, mas em regiões mais distantes do
centro produza os mesmos resultados. Tampouco se deseja que cada escola construa
36

seus objetivos e elenque as competências que espera desenvolver nos alunos sem
respeitar nenhum parâmetro.

A liberdade, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a autonomia


relativa das escolas caminham em conjunto com o princípio da gestão democrática,
que prevê a inclusão dos estudantes, responsáveis e demais atores da comunidade
escolar na definição de objetivos e na tomada de decisões das instituições. A liberdade
pedagógica existe para que o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas possa
ser praticado em benefício da aprendizagem, entretanto sempre atento às Diretrizes
e Bases estipulados pela matéria que rege o direito da educação.

A participação de todos os envolvidos e interessados na Educação é essencial


para melhorar a qualidade do ensino oferecido, permitindo o equilíbrio dos interesses
de todos e uma relativa autonomia para adaptar as normas gerais às características
particulares de cada realidade. Envolve também a liberdade dos professores
escolherem métodos, recursos e caminhos diferentes de acordo com as necessidades
dos estudantes, desde que respeitados os objetivos constitucionais e legais da
educação naquilo que compreende os princípios e direitos basilares da formação da
sociedade. Por fim, está relacionada com a liberdade de criação de escolas, que
precisam promover educação de qualidade, respeitando os padrões mínimo s
estabelecidos, e possibilidade de escolha da instituição escolar pelos responsáveis
pelos estudantes.

XIMENES25 considera que “a própria configuração jurídica do regime de


autonomia e os demais princípios, portanto, levam a que uma parcela relevante do
sentido da qualidade do ensino deva ser delimitada democraticamente em cada
estabelecimento de ensino público, levando-se em conta as condições fáticas de
realização e os limites jurídicos materiais e procedimentais já apresentados”.

Percebe-se, por todo o exposto, que a qualidade da Educação é tema


complexo e que comporta diferentes dimensões que compõe a noção de qualidade,
devendo todas elas serem garantidas para compor um todo, um sistema educacional

25 XIMENES, S. B., 2014


37

comprometido e capaz de contribuir para a formação de crianças e jovens que


participem da sociedade de forma justa, crítica e participativa.

Não basta a garantia de matrícula em uma instituição escolar, pois a vaga, por
si só, não significa o cumprimento da garantia do Direito à Educação de qualidade,
que só se efetivará se a Educação for oferecida dentro de padrões mínimos que
respeitem a garantia de professores valorizados e que participem de formações
constantes; a existência de recursos e insumos mínimos por aluno; prédios com
condições físicas e estruturais inclusivas, para que as escolas permitam uma
educação contextualizada e a maior autonomia dos estudantes na construção de seu
conhecimento; garantia de adequação entre número de alunos por turma e professor,
com carga horária que possibilitem o ensino; recursos humanos e pedagógicos
adequados e em quantidade suficiente por escola; verbas e destinação orçamentária
coerentes com as necessidades de cada realidade; conteúdos curriculares mínimos e
avaliação adequada às diferentes realidades e o exercício da Gestão Democrática,
que possibilitará a participação de todos os envolvidos e interessados na construção
da Educação de Qualidade, que formará as futuras gerações.

3. Possibilidades jurídicas para efetivação da qualidade no Direito à


Educação

Se a Educação Básica é Direito Fundamental subjetivo e só cumpre realmente


o seu papel de promotora do desenvolvimento humano para a construção de um país
mais justo, igualitário e sustentável, aliado ao desenvolvimento econômico e social
quando é oferecida dentro dos padrões de qualidade analisados, ela pode e deve ter
os meios de sua exigibilidade garantidos legalmente.

Apenas a possibilidade de reivindicação perante o Poder Judiciário, para o


cumprimento dos padrões mínimos estabelecidos, é capaz de gerar efeitos práticos,
em âmbito geral que possibilitem resultados concretos para a sociedade.
38

Uma análise superficial do que se considera como padrão mínimo de


qualidade, comparado com a realidade educacional do país, nos leva a fácil conclusão
de que padrões como valorização salarial dos profissionais de educação, quantidade
mínima de alunos por turma e quantidade/ variedade mínima de insumos e materiais
por estudante não estão sendo respeitados na Educação Básica pública.

Resta saber se demandas dessa natureza podem ser levadas ao Poder


Judiciário e se este tem competência para decidir e determinar ações a serem
realizadas pelo Poder Executivo naquilo que se refere a implementação de políticas
públicas e garantia dos Direitos Fundamentais.

A Constituição Federal, em seu artigo 208, §1º e §2º considera o ensino


obrigatório, atualmente toda a Educação Básica, como direito público subjetivo, sendo
o seu não-oferecimento ou sua oferta irregular passível de responsabilização da
autoridade competente.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 5º, afirma que


qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical,
entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público
podem acionar o Poder Público para exigir o direito ao ensino obrigatório.

Também o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 208, incisos


I,II,III, IV e V, elenca os direitos referentes à Educação, assegurados às crianças e
adolescentes que, quando não oferecidos ou ofertados de maneira irregular, permitem
proteção judicial, com ação de responsabilidade.

Apesar de caber ao Poder Executivo a elaboração de políticas públicas,


BUCCI26 afirma que a possibilidade de submeter uma política pública a controle
jurisdicional é inquestionável, pois “o Judiciário tutela as políticas públicas na medida
em que elas expressam direitos”.

Nesse sentido também a ADPF 45-9, sob relatoria do Ministro Celso de Mello,
julgada em 2004, ao analisar o descumprimento do princípio da Separação dos

26BUCCI, 2006, p.31 in SILVEIRA, Adriana A. Dragone. Judicialização da Educação para a efetivação do Direito à
Educação Básica
39

Poderes nas decisões que determinam direitos fundamentais, afirma que, apesar de
não estar incluída entre as funções do Poder Judiciário a atribuição de formular e
implementar políticas públicas, por ser encargo dos Poderes Legislativo e Executi vo,
“tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade dos direitos individuais e/ ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas
de conteúdo programático.”

Daí se conclui a legitimidade das decisões judiciárias para garantir o Direito à


Educação, que possui normas de princípios e normas de conteúdo programático, que
quando não efetivadas sem justo e relevante motivo podem ser tuteladas por meio do
acionamento do judiciário, que verificará o descumprimento das normas e determinará
medidas a serem cumpridas pelo órgão competente.

Na mesma decisão, discute-se a questão da “reserva do possível” como


justificativa ao não cumprimento das prestações estatais em matéria de direitos
individuais e coletivos, por falta de possibilidade orçamentária à execução das
medidas. A esse respeito, manifesta-se o relator, que “não se mostrara lícito, no
entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele
o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições
materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula
reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível
– não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento
de suas obrigações constitucionais, notadamente quando dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou até mesmo aniquilação de
direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”,
como é o caso da Educação.

Apesar dessa visão, adquirida ao longo da história brasileira dos Direitos


Sociais, que com o modelo neoliberal possibilitou a ampliação do judiciário e das
demandas sociais, os grupos da sociedade que mais sofrem com a lesão aos seus
40

direitos nem sempre reclamam por não saberem como fazê-lo ou não ter real
consequência de que tiveram um direito ferido. Também é preciso considerar a
existência de cidadãos que se consideram totalmente impotentes para reivindicar seus
direitos diante das dificuldade de acesso ao Judiciário, conforme afirma SADEK 27,
quando diz que “expressivos setores da população acham-se marginalizados dos
serviços judiciais”.

A esse processo de utilização do judiciário para tomada de decisões de cunho


essencialmente executivo, na proteção dos direitos fundamentais, chama-se
judicialização, ocorrendo muitas vezes a utilização do termo ativismo judicial em seu
lugar, desconsiderando a grande diferença que existe entre ambos os fatos sociais:

A judicialização é um fato, uma circunstância do desenho


institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de
um modo específico e proativo de interpretar a Constituição,
expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala
– e esse é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder
Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e
a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sejam
atendidas de maneira efetiva. BARROSO, 201228

O Brasil, sob esse olhar, não carece tanto de legislações em âmbito


educacional como de ações de concretização das orientações normativas. Se não
existe toda uma rede de normas que abranjam todos os pontos em matéria
educacional, é preciso considerar que as legislações existentes ainda não foram
plenamente cumpridas, o que demanda, neste momento histórico-social em que
vivemos, que o Judiciário venha sendo utilizado mais para efetivar as normas já
existentes do que para garantir aspectos sobre o qual a legislação ainda não se
posicionou. Trata-se do movimento de judicialização pela Educação, da busca do
poder Judiciário para efetivar o que já foi garantido legalmente, mas que na prática
continua existindo apenas no papel e não na realidade da Educação Brasileira.

27 SADEK, 2004 in SILVEIRA, Adriana A. Dragone. Judicialização da Educação para a efetivação do direito à
educação básica
28 BARROSO, Luis Roberto. O novo direito constitucional brasileiro. In CASTRO, Alessandra Rodrigues e COSTA,

Lucas Sales. Ativismo Judicial e política pública de educação: estudo de caso do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, 2014.
41

“Todavia, algumas questões se colocam ao utilizar o Judiciário como um


recurso para questionar e/ ou reclamar a efetivação de direitos: Quem são os titulares
desse direito? É possível exigi-lo individual ou coletivamente? A exigibilidade judicial
destina-se para a determinação de vagas ou para a criação de políticas públicas?
Quais mecanismos podem ser acionados em caso de sua oferta irregular ou
insuficiente?”29

Nesse ponto é preciso analisar quem está legitimado e em quais condições


poderá ocorrer essa procura pelas soluções jurisdicionais em matéria educacional.

É compreensível que uma maior demanda por questões que envolvam a


qualidade da educação ofertada tenha ligação umbilical com a maior participação da
sociedade na gestão da coisa e das atividades públicas, na fiscalização,
monitoramento e envolvimento nas ações deliberativas. O controle social deve ocorrer
antes do controle jurisdicional, pois apenas pode cobrar quem está ciente da violação
ocorrida. Aquele que acompanha as ações do Poder Público e tem consciência de
seus direitos e dos meios para exigi-lo saberá reivindicá-los quando algum deles for
desrespeitado.

Desse modo, é possível avaliar que um dos institutos que possibilitam a


participação dos cidadãos é o Conselho de direitos da Criança e do Adolescente,
previsto pelo artigo 88 do ECA e com função definida pela Constituição Federal em
seus artigos 227, §7º e 204, que em seu inciso II garante a participação da população
por meio de ações representativas, na formulação das políticas e no controle das
ações em todos os níveis.

Os Conselhos de Educação, nas diferentes esferas de governo, previstos pela


LDB de 1996, em seus artigos 51, 60 e 90 e pela Constituição Federal em seu artigo
206, inciso VI também têm a função de organizar o sistema de ensino dos quais façam
parte, com atribuições deliberativas e representativas.

Por fim os Conselhos Tutelares, definidos pelo artigo 131 do ECA como
órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, com a função de zelar pelo

29 DUARTE, Clarice Seixas, 2006 in SILVEIRA, Adriana Dragone. Atuação do Tribunal de Justiça de são Paulo com
relação ao direito de crianças e adolescentes à Educação. 2012
42

cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, são outra instituição que
tem plenas condições de prestar auxílio na melhoria das condições do ensino, pois
detém o poder de requisição em relação a serviços públicos, após deliberação pelos
seus membros.

Apesar de não serem órgãos do poder judiciário, esses institutos configuram


possibilidade de participar das decisões que influenciarão na qualidade da educação,
tendo eles legitimidade para acionar tal poder e exigir o cumprimento das legislações
que dizem respeito à garantia de educação de qualidade. É uma forma política de
exigibilidade dos direitos à Educação.

Juridicamente, existem diferentes possibilidades de acionar o sistema de


justiça para impedir que os direitos à educação sofram violação ou sejam garantidos
de forma precária, tanto por ação quanto pela omissão dos responsáveis por este
direito em cada esfera de governo.

A exigibilidade jurídica pode ser realizada em três âmbitos: administrativo,


judicial e internacional.

Na esfera administrativa, é possível reivindicar medidas diretamente nos


órgãos da administração pública que sejam responsáveis de alguma forma pela
garantia da Educação, Diretorias de Ensino, Coordenadorias, Secretarias Municipais
ou o Ministério da Educação. São formas de exigibilidade que não requerem a ação
do advogado e não exigem o pagamento de custas, e que podem acontecer de forma
direta ou indireta.

As formas diretas, quando a exigência é feita diretamente à autoridade


responsável, podem ser efetivadas pelo:

a. Direito de petição os órgãos públicos – assegurado pelo artigo 5º, inciso


XXXIV, da Constituição Federal, em defesa de direitos, contra a ilegalidade
ou abuso de poder, é um pedido formal, por escrito, feito ao poder público,
que tem o dever de responder formalmente ao questionamento. De acordo
com José Afonso da Silva 30, ele “se reveste de dois aspectos: pode ser

30 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2013


43

uma queixa, uma reclamação, e então aparece como um recurso não


contencioso formulado perante as autoridades representativas; por outro
lado, pode ser a manifestação da liberdade de opinião e revestir-se do
caráter de uma informação ou de uma aspiração dirigida a certas
autoridades.

b. Direito às informações públicas – previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da


Constituição Brasileira, garante que qualquer cidadão possa receber dos
órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral,
prestadas no prazo da lei, excetuando-se àquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança nacional. Esse prazo, de acordo com a Lei
12.527/ 2011 deve ser imediato, no caso de informações disponíveis, ou
não sendo possível, devem ser prestadas em 20 dias no máximo, sob pena
de responsabilidade. Podem ser solicitadas informações sobre políticas
educativas, investimentos em educação, matrículas.

c. Direito de contestar critérios avaliativos – garantido pelo ECA, em seu


artigo 53, inciso III, que permite ao estudante contestar os critérios
avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores.

As formas indiretas, quando a exigência é realizada por outros órgãos, ao qual


se recorre para que acionem às autoridades responsáveis:

a. Conselho Tutelar – o ECA, em seu artigo 136, determina, que esses


órgãos podem requisitar serviços públicos em educação e encaminhar
denúncias ao Ministério Público, podendo apurar e resolver denúncias de
violação a direitos educativos de crianças e adolescentes, devendo suas
decisões serem cumpridas pelos órgãos públicos, escolas e responsáveis.

b. Comissões Legislativas de Direitos Humanos, Educação, Criança e


adolescente – são comissões temáticas organizadas para discutir e
44

analisar projetos de Lei antes que sejam votados pelos parlamentares,


mas que também recebem queixas sobre violações ao direito à Educação,
podendo convocar as autoridades responsáveis, realizar visitas, organizar
audiências públicas e tomar providências no sentido de resolver a
situação.

c. Ouvidorias Públicas – órgãos públicos com a função de receber queixas e


reclamações da população. Podem ser buscadas para sugerir melhorias,
comunicar falhas ou registrar reclamações sobre a qualidade da educação
prestada pelo Poder Público, bem como para denunciar casos de
corrupção ou mau uso das verbas públicas.

Apesar de não envolverem os órgãos do Poder Judiciário, a via administrativa


é muito útil como esfera inicial de ação, por sua maior rapidez ao possibilitar soluções
diretas, gratuidade e por possibilitarem instrumentos comprobatórios da situação de
violação ao Direito à Educação, no caso de ser necessário acionar o Poder Judiciário,
demonstrando que o interessado já recorreu à outras instâncias.

Entretanto há casos que exigem a atuação do âmbito judicial como primeira


possibilidade, pela utilização dos instrumentos jurídicos de acesso ao sistema de
justiça, possibilitando a formação de jurisprudência e também o cumprimento de
medidas por ordem judicial, que não podem ser desrespeitadas.

Além dos pais e responsáveis, o Ministério Público é instituição legitimada


para a tomada de providências de natureza judicial em defesa do direito à Educação
de crianças e adolescentes, seja a lide individual, difusa ou coletiva, conforme os
artigos 127 e 129 da Constituição Federal e artigo 201 do ECA.

Dentro do Poder Judiciário, o juiz da Infância e da Juventude é o maior


legitimado para exercer a garantia dos direitos das crianças e adolescentes à
educação.

Os instrumentos mais úteis para a defesa desses direitos são:


45

a. Mandado de Segurança ou Ação Mandamental – ação constitucional


prevista no artigo 5º, incisos LXIX e LXX da Constituição Federal, que tem
a função de garantir direitos líquidos e certos, individuais ou coletivos,
contra atos praticados de forma ilegal, com abuso de poder ou ainda por
omissões ilegais por parte da administração pública ou de algum
funcionário público ou que a ele se equipare. O mandado de segurança
individual obedece ao rito sumaríssimo e é preciso desde a propositura
demonstrar a titularidade do direito e provar o direito ameaçado. O
mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político
com representação no Congresso Nacional ou organização sindical,
entidade de classe ou associação em defesa de seus membros ou
associados; no caso da Educação, associações que defendam a garantia
desse direito, bem como o Ministério Público, que busquem o benefício de
toda uma coletividade são legitimados a impetração de um mandado de
segurança. A ação mandamental segue as regras do mandado de
segurança, mas é proposta contra violações dos direitos das crianças e
adolescentes previstos no ECA, como informa o artigo 212, § 2º dessa lei.

b. Ação popular – com fundamento no artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição


Federal, legitima qualquer cidadão para buscar a anulação de ato lesivo
ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico-cultural, praticado pelo Poder Público ou por entidade
da qual ele participe. A sentença, em caso de procedência da ação,
anulará os atos impugnados e condenará os responsáveis ao pagamento
de perdas e danos. É uma ação que visa proteger direitos coletivos. “Como
exemplos, são passíveis de impugnação via ação popular tanto os atos
que importem desvios de recursos do FUNDEB ou da merenda escolar
quanto a simples falta de repasse de recursos para a manutenção das
escolas da rede pública de ensino, tal qual previsto em orçamento, com a
utilização dos recursos disponíveis em outras áreas não relacionadas com
46

a educação e/ ou não alcançadas pelo princípio constitucional da


prioridade absoluta à criança e ao adolescente”.31

c. Ação civil pública – prevista pela Lei 7.347 de 1985, é instrumento jurídico
para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo que tenha sido
ameaçado ou violado por ação ou omissão de agentes públicos ou
particulares e pode ter como sentença a condenação em perdas e danos
ou a obrigação de fazer ou não fazer. Pode ser proposta pelo Ministério
Público, que também tem o dever de atuar como fiscal da lei, ainda que
não seja parte, por órgãos públicos bem como associações que defendam
os interesses indisponíveis, entre eles a Educação, ressaltando que o
Ministério Público é o único órgão que possui legitimidade extraordinária
para o manejo da Ação Civil Pública também na esfera de interesses
individuais relativos à infância e à adolescência, nos termos do artigo 201,
inciso V, do ECA. Permite a concessão de tutela antecipada para proteger
de forma mais célere o direito ameaçado. O Ministério Público, conforme
prevê o artigo 129, inciso III da Constituição Federal, pode promover o
Inquérito civil, procedimento administrativo investigatório para a coleta de
elementos de convicção que sirvam de elemento à propositura de uma
ação civil pública. “Dada a amplitude que lhe conferem, tanto a Lei 8069/
1990 quanto à Lei 7347/ 1985, a ação civil pública presta-se não apenas
para garantir a oferta do ensino fundamental e demais níveis do ensino,
mas também (...) para assegurar que a educação básica como um todo
atenda aos princípios e objetivos estabelecidos pela Constituição Federal
e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tendo em vista que a
garantia de acesso, permanência e sucesso na escola faz parte de um
contexto mais amplo de proteção integral aos direitos infanto-juvenis, ação
civil pública pode ser também manejada de modo a compelir o sistema de
ensino a, nesse sentido, desenvolver ações e programas específicos, de

31 DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos Jurídicos para Garantia do Direito à Educação. 2004
47

forma articulada com outros órgãos e serviços públicos e particulares, no


mais puro espírito do previsto no artigo 86 da Lei 8069/ 1990.” 32

d. Ação Inominada da Lei de Diretrizes e Bases – tratada pela LDB em seu


artigo 5º, constitui-se na possibilidade de qualquer cidadão, grupos de
cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de
classe ou outra legalmente constituída, além do Ministério Público e do
próprio Poder Público defenderem o direito subjetivo ao ensino de
qualquer pessoa ou grupo. “Dadas sua natureza jurídica, relevância e
urgência, a ação deve ser processada e julgada de forma prioritária
(atendendo também ao disposto no artigo 4º, parágrafo único, ‘b’, da Lei
8069/ 1990) de modo a minimizar as consequências deletérias da oferta
do ensino fundamental por qualquer dos coobrigados.”33

e. Ações para controle de constitucionalidade: Ação Direta de


Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Arguição
de descumprimento de preceito fundamental– previstos respectivamente
nos artigos 103 e 102, § 1º da Constituição Federal, são ações de controle
de constitucionalidade que visam declarar a constitucionalidade ou não de
lei ou ato normativo do Poder Público. Ao contrário das ações anteriores,
estas visam questionar o ordenamento jurídico em face da Constituição,
não apreciando as práticas do Poder Público lesivas aos Direitos
Fundamentais. Por estas ações é possível questionar ilegalidades das
legislações federais, estaduais ou municipais, que violem direitos,
garantias e princípios constitucionalmente garantidos. Os legitimados para
a propositura de referidas ações são restritos, limitando-se ao Presidente
da República, à Mesa da Câmara, Mesa do Senado, Procurador Geral da
República, Governadores, Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara
Legislativa do DF, Confederação Sindical, Entidade de Classe de âmbito

32 DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos Jurídicos para a garantia do Direito à Educação. 2004
33 DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos Jurídicos para a garantia do Direito à Educação . 2004
48

nacional, partido político com representação no Congresso Nacional e


Conselho Federal da OAB. Entretanto são ações importantes para garantir
o cumprimento dos Direitos e Garantias Fundamentais, pois suas decisões
são erga omnes, vinculando as decisões do Judiciário e as ações do Poder
Executivo, impedindo novas violações aos Direitos.

f. Mandado de Injunção – previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição


Federal, constitui remédio constitucional para assegurar o exercício de
qualquer direito ou liberdade previsto constitucionalmente, mas não
regulamentados por lei ou outra medida que torne efetiva a norma
constitucional. Desse modo é possível obter a aplicação desde logo de
uma norma não regulamentada, a fim de evitar prejuízos ao titular do
direito. A decisão, entretanto, terá eficácia inter partes, mas não sofrerá
alteração ainda que a norma sofra regulamentação posterior. É uma ação
muito importante na garantia do Direito à Educação, que como foi
observado no capítulo sobre a qualidade na garantia do ensino, possui
legislações abrangentes que carecem de interpretação para serem
aplicadas. “As normas regulamentadoras hoje existentes,
consubstanciadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Plano Nacional de Educação, bem como outras leis, decretos e resoluções
expedidos por autoridades diversas em todos os níveis de governo, muitas
vezes se mostram insuficientes para permitir o integral cumprimento do
mandamento constitucional insculpido no pluricitado art. 205 de nossa
Carta Magna, segundo o qual, como visto, a Educação é direito de todos
e sua oferta irrestrita é dever do Poder Público.”34

g. Ações ordinárias – sempre que o Direito à Educação não puder ser


garantido por nenhuma ação específica, pode ser proposta uma medida
comum, principalmente nos casos individuais de violação ao direito à

34 DIGIÁCOMO, Murillo José. Instrumentos Jurídicos para a garantia do Direito à Educação. 2004
49

Educação, quando há necessidade de apresentação de provas e escuta


de testemunhas.

No âmbito internacional também há possibilidade de buscar a efetivação da


qualidade na Educação, quando as vias nacionais já tiverem sido esgotadas, sem
resultados.

O Sistema internacional de proteção dos direitos humanos é formado pelo


Sistema da ONU e pelos sistemas regionais, como a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte, que tem a função de promover a proteção
dos Direitos Humanos na América, fazendo recomendações aos governos dos
estados-membros, prevendo a adoção de medidas adequadas à proteção desses
direitos e adotando outras medidas no sentido de quantificar e analisar as medidas
adotadas por esses Estados, realizando funções conciliadoras, de assessoria, crítica,
legitimadora, promotora e protetora.

Conciliadora entre um governo e grupos sociais que vejam violados os direitos


de seus membros; assessora no aconselhamento dos governos para que adotem
ações adequadas à promoção dos Direitos Humanos; crítica ao elaborar relatórios e
informativos sobre os direitos Humanos em determinado Estado membro; legitimadora
no apoio aos Governos que decidem reparar as falhas de seus processos internos,
sanando violações; promotora quando elabora estudos sobre o tema de direitos
humanos; e protetora quando intervém em casos urgentes para atuar junto ao governo
contra o qual se apresentou queixa no sentido de que suspenda a sua ação.

A Comissão também é competente para examinar comunicações


encaminhadas por indivíduos ou grupos de indivíduos e também entidades não
governamentais que contenham denúncias de violação a direito consagrado pela
Convenção Americana de direitos Humanos. A petição deve demonstra o prévio
esgotamento dos recursos internos, exceto nos casos de injustificada demora
processual ou quando o devido processo legal não for promovido internamente.

Recebida a petição a Comissão investigará os fatos e assegurará ao governo


o direito ao contraditório, julgando o mérito da ação se entender que todos os
50

requisitos de admissibilidade estão presentes, podendo buscar uma solução amistosa


ou realizando recomendações que deverão ser cumpridas em três meses, sob pena
de o caso poder ser encaminhado à Corte Interamericana, que tem o poder de
determinar a adoção de medidas e ainda condenar o Estado ao pagamento de uma
compensação à vítima. Essa decisão tem força jurídica vinculante e obrigatória.

4. Atuação do Judiciário na garantia do Direito à Educação

Considerando a ampliação dos mecanismos jurídicos de exigibilidades dos


Direitos constitucionais, o aumento das demandas requerendo a garantia do Direito à
Educação é uma consequência natural e lógica desse processo.

Uma análise das produções sobre o tema revela que também é crescente o
número de pesquisas e produções bibliográficas que investigam a crescente procura
pelo Sistema Judiciário para exigir o Direito à Educação.

Nesse sentido, alguns autores realizaram levantamentos de decisões judiciais


envolvendo o Direito à Educação de crianças e adolescentes, que expressam a
realidade da etapa da educação Básica, que é investigada por esta pesquisa. Uma
autora bastante presente quando buscamos esse tema é SILVEIRA, Adriana a.
Dragone, que tem se dedicado ao estudo da judicialização do Direito à Educação,
investigando e realizando levantamentos das decisões judiciais sobre o caso.

De acordo com pesquisa realizada por referida autora, envolvendo as


decisões do Tribunal de São Paulo, após a implantação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre o período de 1991 e 2008, analisou 483 decisões conclui que
houve um aumento crescente a partir de 1998 na propositura de demandas sobre a
Educação, mas destaca que essas demandas são ampliadas em períodos
característicos em que existe alguma modificação legislativa ou em períodos
escolares específicos de matrícula ou aumento de mensalidade na rede privada de
ensino.
51

Organização das decisões por categorias e temas:35

Nº DE
CATEGORIAS TEMAS
DECISÕES
EDUCAÇÃO INFANTIL 175
ENSINO FUNDAMENTAL 73
ENSINO MÉDIO 1
ACESSO À EDUCAÇÃO
EJA 6
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL 10
BÁSICA
EDUCAÇÃO ESPECIAL 17
NÃO DEFINE A ETAPA/ MODALIDADE 2

VIOLAÇÃO ÀS NORMAS ESCOLARES 15


CANCELAMENTO DE MATRÍCULA EM
11
PERMANÊNCIA CURSO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
EVASÃO ESCOLAR 4
OUTRAS 6
TRANSPORTE 14
RESPONSABILIDADE AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS 18
ESTATAL CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO
3
DAS ESCOLAS
PODER DE REGULAÇÃO MENSALIDADE ESCOLAR 46
ESTATAL AUTORIZAÇÃO/ CREDENCIAMENTO 21
COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR 23
REORGANIZAÇÃO DAS ESCOLAS
2
DECISÕES ESTADUAIS
ADMINISTRATIVAS E MUNICIPALIZAÇÃO 3
PÚBLICAS FECHAMENTO DE CRECHE NO
2
PERÍODO DE FÉRIAS
OUTRAS 6
APLICAÇÃO MÍNIMA DE RECURSOS 8
FUNDEF 1
GESTÃO DOS RECURSOS
CONTRATOS 2
PÚBLICOS
REPASSE DE RECURSOS PÚBLICOS
3
ÀS INSTITUIÇÕES PRIVADAS
RESPONSABILIDADE DOS PAIS E
DEVERES DOS PAIS 11
RESPONSÁVEIS

Esses resultados são exemplificativos, pois retratam a realizada do estado de


São Paulo. Entretanto, uma análise da tabela nos informa que grande parte das
decisões encontra-se ainda nas questões de acesso, além das questões relacionadas
a garantia de vagas, também àquelas relacionadas a transporte e mensalidade

35SILVEIRA, Adriana A. Dragone. Judicialização da Educação para a efetivação do Direito à Educação Básica.
2011
52

escolar mantêm relação com a garantia de acesso, pois são demandas que visam
garantir a matrícula e a frequência da criança e adolescente na unidade escolar.

Idêntico movimento é realizado por Carlos Roberto Jamil Cury e Cláudia


Tavares do Amaral, em pesquisa de 2013, onde realizaram levantamento das
decisões do Tribunal de Minas Gerais, relacionadas ao Direito à Educação.

Acórdãos elaborados no Tribunal de Justiça de Minas Gerais com tratamento de questões relacionadas
à educação básica no período de 1999 a 2013.36

Conforme informam os autores trata-se de pesquisa inicial, mas onde já é


possível perceber o aumento significativo de ações envolvendo o direito à Educação.
“... à primeira vista parece constar um número elevado de Mandados de Segurança
contendo decisão por força de liminar, o que compromete o efeito que se espera de
um provimento final. Todavia, os Acórdãos encontrados no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG) que tratam do direito à Educação Básica demonstram que a
busca pela resolução de conflitos relacionados a esse nível de ensino tem sido
crescente...”37

36 CURY, Carlos roberto Jamil; AMARAL, Cláudia Tavares do. O Direito à Educação básica: análise inicial dos
julgamentos do tribunal de Justiça de Minas Gerais. 2013
37 Ibdem
53

Os autores ainda elencam os temas tratados e produzem uma tabela sobre


as 962 decisões encontradas entre 1999 e 2013.

Requer matrícula após vencido o período


Requer matrícula mesmo sem a existência de vagas
Requer a continuidade de frequência de presidiário na educação básica
Requer acessibilidade para portadores de deficiência
Requer acesso a programa de aceleração de estudos
Requer acompanhamento para pessoa com necessidades especiais na escola
Requer continuidade ensino fundamental noturno
Requer exibição de documentos de aluno indicado como excluído
Requer exibição de documentos escolares mesmo com inadimplência
Requer garantia de continuidade na ed. Básica a adolescente em medida sócio- educativa
Requer inserção de disciplina obrigatória em matriz curricular
Requer investigação sobre irregularidade no curso supletivo
Requer matrícula aluno em situação de risco
Requer certificado após aprovação em vestibular sem finalização da educação básica
Requer matrícula de aluno em escola distante da residência
Requer matrícula em estabelecimento de ensino especial
Requer matrícula independente de limitação etária
Requer matrícula mesmo após reprovação
Requer matrícula mesmo com débitos anteriores
Requer matrícula próxima à residência
Requer participação de aluno em solenidade mesmo tendo sido reprovado em algumas
disciplinas
Requer revalidação de escolarização obtida no exterior
Requer revisão do valor de mensalidade
Requer solução de conflito de competência (esfera municipal e estadual)
Requer transporte escolar
Requer validação de certificado de escolaridade irregular

Assuntos dos Acórdãos elaborados no Tribunal de Justiça de Minas Gerais com tratamento das questões
relacionadas à Educação Básica no período de 1999 a 2013. 38

A despeito da pesquisa não fazer referência expressa à quantidade de


decisões sobre cada tema, os autores explicitam relações proporcionais entre os
assuntos, onde “70% das decisões trataram de situações nas quais houve recusa de
matrícula devido ao limite de idade fixado pelas instituições escolares para
parametrizar os alunos por escola. Apenas 6,5% pleiteou matrícula em escola que
alegou não existir vagas, 5,6% buscou a validação de certificados escolares
irregulares ou com possibilidade de ser fraudado e 4,7% requereu certificado de

38 CURY, Carlos Roberto Jamil; AMARAL, Cláudia Tavares do. O Direito à Educação básica: análise inicial dos
julgamentos do tribunal de Justiça de Minas Gerais. 2013
54

conclusão da educação básica visto que havia sido aprovado em vestibular sem ter
finalizado a educação em pauta”39

Apesar de retratar as decisões de Minas Gerais, fica evidente a reprodução


da mesma realidade encontrada em São Paulo, onde a maior parte dos motivos que
ocasionaram a procura pelo Sistema Judiciário tiveram origem na procura pela
matrícula, não mantendo qualquer relação com a qualidade do ensino oferecido pelas
instituições.

Passo agora a expor os resultados da pesquisa particular de decisões


envolvendo o conteúdo do Direito à Educação.

Em pesquisa sobre decisões judiciais que tratassem sobre Educação, elevado


número de ações buscavam a obtenção de vagas, principalmente na Educação
infantil, e por representarem fato já conhecido a partir das pesquisas anteriormente
citadas, a quase totalidade dessas decisões não aparecerão na tabulação efetuada.

Foram separadas as decisões que versavam sobre outros temas


relacionados à educação básica, com o intuito de analisar quais os assuntos mais
presentes no Judiciário após a procura pela garantia de vagas e/ ou matrículas nas
unidades escolares desse nível de ensino.

A maioria das ações foi proposta pelo Ministério Público e após o Mandado
de Segurança, a Ação Civil Pública aparece como ação mais utilizada na busca por
aspectos do Direito à Educação.
AÇÃO ASSUNTO POLO ATIVO POLO PASSIVO
Confederação nacional
Presidente da
ADPF 71 Definição do CAQi dos trabalhadores em
República
educação – CNTE
Ação Civil Pública Regularização do fornecimento da Município de Sapé -
Ministério Público
2007.82.00.008137-5 merenda escolar PB
Ação Civil Pública Fornecimento de merenda escolar do Município de Olinda
Ministério Público
ensino infantil e fundamental PE
Apelação Cível Município de Itupeva
Fornecimento de transporte escolar Cidadão
59.494-0/0 SP
Mandado de Segurança Município de Buritizal
Fornecimento de transporte escolar Cidadão
5383415200 SP
Ação Civil Pública Município de Teodoro
Fornecimento de transporte escolar Ministério Público
241.185-5/0-00 Sampaio – SP

39 CURY, Carlos Roberto Jamil; AMARAL, Cláudia Tavares do. O Direito à Educação básica: análise inicial dos
julgamentos do tribunal de Justiça de Minas Gerais. 2013
55

Mandado de segurança Promotor da Vara da Município de São


Transporte especializado a estudante
110.690-0/5-00 Infância e da Juventude Paulo - SP
Município de
Agravo Regimental
Transporte escolar Ministério Público Cachoeira do Sul –
646.240/ RS
RS
Ação Civil pública
Contratação de professores Ministério Público Estado do Amapá
0000623-74.2012.8.03
Ação Civil Pública Matrícula de criança portadora de
Ministério Público
149.237-0/9-00 paralisia cerebral na educação infantil
Ação Civil pública Educação especializada – tratamento a
Cidadão Estado de São Paulo
564.314.5/5-00-00 portador de autismo
Mandado de segurança Educação especializada – portador de Município de
Cidadão
279.484-5/7-00 deficiência física Araçatuba - SP
Mandado de Segurança Ensino especializado – criança com Município de Paulínia
Cidadão
752.718.5/4-00 retardo neuropsicomotor – SP
Ação Civil Pública Adaptação de prédio escolar para Município de Ribeirão
Ministério Público
231.136-5/9-00 portadores de deficiência física Preto / SP
Ação Civil Pública Facilitação de acesso à deficiente físico Município de Ribeirão
Ministério Público
244.235-5/5-00 em escola Preto / SP
Ação Civil Publica Acesso às salas de aula dificultado por Município de Ribeirão
Ministério Público
275.964-5/9-00 escada Preto / SP
Mandado de Segurança Diretor de Escola de
Transferência compulsória de aluno Cidadão
252.557-5/3-00 Votuporanga
Mandado de Segurança
Transferência compulsória de aluno Cidadão Município de Garça
148.524-5/0
Mandado de Segurança Diretor de escola em
Transferência de aluno por indisciplina Cidadão
115.743-5/2-00 Serra Negra / SP
Ação Civil Pública Criação de vaga em curso no Ensino
Ministério Público Estado de São Paulo
335.913.5/3-00 Médio
Mandado de segurança Supressão de sala pela Autoridade de
Ministério Público Estado de São Paulo
427.364-5/ 2-00 ensino
Ação Civil Pública Cancelamento de matrícula por falta no
Ministério Público Estado de São Paulo
60.258-0/6-00 início do ano
Mandado de Segurança Indeferimento de matrícula em curso
Cidadão Estado de São Paulo
465.757-5/4 estadual
Ação Civil Pública Avaliação que comprove absorção de Município e Estado de
Ministério Público
50% do conteúdo ministrado São Paulo
Ação Civil Pública
Prejuízos da classe multisseriada à Estado do Rio Grande
70036424315 Ministério Público
qualidade do ensino do Sul
Fechamento das creches no período de Município de São
Ação Civil Pública Defensoria Pública
férias Paulo
Criação de 284 vagas em creche e pré-
Ação Civil Pública Ministério Público Município de Criciuma
escola
Diretor de escola do
Mandado de Segurança Proibição de entrada sem o uniforme Cidadão
Estado de São Paulo
Município de
Ação Civil Pública Transporte escolar Ministério Público
Cachoeira do Sul
Mandado de Segurança Vagas para irmãos gêmeos na mesma Município de Varzea
Cidadão
868.020.5/0-00 unidade Paulista
Vaga em escola particular diante da data
Mandado de Segurança Cidadão Município de Itu
corte de matrícula na rede pública
Ação Civil Pública Criação de vagas de Ensino Médio para
Ministério Público Município de Bauru
107397-0 anos subsequentes
Vaga, transporte e obrigação de não
Ação Civil Pública Município de Bauru e
entregar moradias onde não haja Ministério Público
120.673-0 outros
estabelecimento de ensino
Ação Civil Pública Manutenção do Programa de Transporte
Ministério Público Estado de São Paulo
166.348.0/0-00 Escolar
56

Cidadão e Ministério
Mandado de Segurança Vaga na Educação Infantil e garantia dos
Público em sede de Prefeito de Paulínia
362.019.5/6-00 insumos básicos
apelação
Mandado de Segurança Transporte Escolar para limite de Prefeitura de
Cidadão
683.982.5/0-00 município vizinho Auriflama
Representação de Cidadão e
Impedimento de frequência à escola por Conselho Tutelar de
Infração Administrativa estabelecimento de
falta de uniforme Itapira
140.739.0/4-00 ensino
Ação Civil Pública Critérios de classificação dos alunos para Escola de São
Ministério Público
150.094.0/8-00 o Ensino Fundamental Caetano do Sul
Representação de
Infração Administrativa Falta de frequência à Educação Básica Ministério Público Cidadão
700.324.4/5-64
Ação Civil Pública Estado do Rio Grande
Transporte escolar na zona rural Ministério Público
700.601.1/2-33 do Sul
Prefeitura do
Ação Civil Pública
Transporte Escolar Ministério Público Município de São
004.09.200304-08
Paulo
Modificação na formação das turmas de Prefeito de Presidente
Ação Civil Pública Ministério Público
Ensino Fundamental Prudente
Interrupção do período integral por falta
Ação Civil Pública Ministério Público Estado de São Paulo
de qualidade nas condições do ensino
Forma de avaliação que comprove
Município de Várzea
Ação Civil Pública absorção de pelo menos 50% do Ministério Público
Paulista
conteúdo
Ação Civil Pública Garantia de intérpretes em LIBRAS para Estado de São Paulo
Ministério Público
Autos 1760/09 os alunos com deficiência auditiva Presidente Prudente
Garantia de intérprete de LIBRAS para Estado de São Paulo
Ação Civil Pública Ministério Público
alunos portadores de deficiência auditiva Marília
Ação Civil Pública Estado do Rio de
Falta de professores no ensino público Ministério Público
594.018.7 Janeiro
Ação Civil Pública Estado de Santa
Transporte escolar Ministério Público
603.575 Catarina
Ação ordinária Responsabilidade do estado por Professor do ensino
Distrito Federal
1.142.245 agressão ao professor público
Ação Civil Pública Garantia de intérprete de LIBRAS para
Ministério Público Estado de São Paulo
990.1009541-3 alunos portadores de deficiência auditiva

Foram pesquisadas o total de cem decisões, das quais cinquenta versavam


sobre a obtenção de vagas na Educação Infantil, sendo a maioria pela via do mandado
de segurança, chegando algumas a atingir a esfera recursal perante o STF. Em todas
as ações pesquisadas o conteúdo decisório afirmava a obrigatoriedade da concessão
da vaga solicitada.

Por serem recorrentes não as situei na tabulação, mas é possível analisar,


diante desse elevado número de ações, que a procura pelo Judiciário por parte dos
cidadãos quase sempre está relacionada à procura pelo acesso.

Em segundo lugar estão as ações sobre a obrigatoriedade do transporte


escolar concedido pelo Poder Público, que também mantém seu objeto no acesso à
Educação, pois visa garantir a frequência do aluno ao ensino obrigatório.
57

O Ministério Público, embora timidamente, vem ampliando o objeto de sua


atuação e já é possível encontrar demandas em que o conteúdo versava sobre a
qualidade do ensino, nas ações que questionavam o sistema avaliativo, a organização
das turmas e a necessidade de atendimento às especificidades dos alunos com
necessidades educacionais diferenciadas.

A leitura das decisões explicita por diferentes formas a importância da


educação de qualidade, que realmente garanta a aprendizagem dos alunos. Os textos
dos acórdãos que dispõe sobre temas da qualidade do ensino são recheados de
legislações e textos doutrinários que embasam essa garantia e se justificam no direito
público subjetivo à Educação, independente da reserva do possível alegada pelos
governos.

Estas demandas ainda aparecem em pouca quantidade, mas geram


precedentes para que essa busca se amplie, e não apenas pela ação do Ministério
Público, mas também pela mudança de postura dos cidadãos, que podem, precisam
e possuem à sua disposição instrumentos capazes de acionar os responsáveis pela
oferta de uma educação de qualidade.

Todas as transformações sociais são gradativas, e a presença de ações e


decisões que buscam a Educação além do acesso, são indícios de que a mudança
na Educação Básica brasileira que se iniciou com a mudança legislativa, no
reconhecimento da Educação como direito fundamental a ser garantido dentro de
padrões de qualidade, está conquistando maior visibilidade e deve ser ampliada pelo
engajamento dos cidadãos nessa busca, que aos poucos refletirá nos padrões da
Educação ofertada pelo Estado, que refletirá nas próximas gerações, que ao
desfrutarem de mais qualidade formarão consequente e gradativamente uma
população mais consciente e atuante.
58

CONCLUSÃO

A partir da análise histórica do Direito à Educação foi possível comprovar que


a busca e a garantia da qualidade no ensino são ainda muito recentes no ordenamento
pátrio, diante de um Estado que até pouco tempo focava sua atuação legislativa,
executiva e judiciária na efetivação da quantidade de vagas, independente da
qualidade da Educação ofertada.

A presença da garantia de qualidade na Constituição, em documentos oficiais


e internacionais nos quais o Brasil é parte, garantem mais do que visibilidade, a
necessidade de se buscar sua efetivação prática. E nesse ponto pudemos observar
que diferentes documentos buscam definir o que deve ser entendido por qualidade,
abrindo um leque de campos de atuação e decisão que implicam na qualidade do
ensino ofertado.

Nossa Constituição disponibiliza diferentes instrumentos e caminhos para


buscar a efetivação dos Direitos fundamentais, pela via administrativa e judiciária,
legitimando diferentes interessados a promoverem a luta pela sua realização, o que
nos permitiu analisar, ainda que de forma restrita, em que temas do Direito à Educação
têm sido propostas mais ações, e qual objetivo elas buscavam.

Após essa análise foi possível uma comparação entre o que se entende por
qualidade e o que se busca pelo Sistema de Justiça, que é utilizado na maioria das
vezes como último recurso, verificando se a busca pela qualidade na educação já está
presente nas demandas que chegam ao judiciário.

Apesar de diferentes instrumentos estarem à disposição da população para


acionar o Judiciário na busca de uma Educação realmente definida dentro de padrões
de qualidade, o que mais se observa é utilização de medidas que apenas garantem o
acesso à vaga na escola pública, ainda que ela implique em ultrapassar os limites
existentes nas escolas e prejudique ainda mais o ensino deficitário que é oferecido
pelo Poder Público.
59

A despeito da legislação prever instrumentos específicos para obrigar o Poder


Público a oferecer melhores condições de Educação, muitas são desconhecidas e
muitos juízes não adentram o mérito do envolvimento estatal na garantia dos Direitos
Sociais, por envolverem questões políticas, limitando-se assim a elucidarem os textos
legais. Em contrapartida já existem decisões que demonstram modificações do
Judiciário na era do Estado Social na qual estamos inseridos e demonstram uma
preocupação em efetivar o Direito à Educação com qualidade, ainda que isso implique
assumir uma atuação com contornos políticos.

Enfim, não obstante o dever do Judiciário de tutelar as garantias gravadas


pela legislação e a percepção de sua atuação cada vez maior na garantia ao direito à
Educação, nem sempre ela vem acompanhada da consequência de realmente
garantir o Direito à Educação de qualidade, essa sim perseguida pela Constituição.
60

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