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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Marina Faraco Siqueira e Silva

A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto como

técnica decisória autônoma da justiça constitucional brasileira

Mestrado em Direito

São Paulo

2010
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Marina Faraco Siqueira e Silva

A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto como

técnica decisória autônoma da justiça constitucional brasileira

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Direito Constitucional,

sob a orientação do Professor Livre Docente

Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos.

São Paulo

2010
BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________
Ao meu avô, Hermínio Faraco, que, desde

sempre, nos ensinou que “o Homem que lê vale

mais”.
AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos, em primeiro lugar, ao meu estimado orientador,


Professor Doutor Marcelo Figueiredo, pela orientação, paciência e amizade ao
longo da elaboração deste trabalho.

Agradeço, igualmente, aos Professores Doutores Roberto Baptista Dias da


Silva e Antonio Carlos Mendes, pelas preciosas sugestões e críticas oferecidas no
exame de qualificação.

Ao Professor Doutor André Ramos Tavares, de cujas aulas surgiu a


inspiração para a escolha do tema aqui estudado, meus agradecimentos por toda a
colaboração e pelas preciosíssimas sugestões.

Pelo inestimável apoio durante a realização deste trabalho e pelas valiosas


lições diárias de Direito e de Filosofia, agradeço ao Professor Doutor Dirceu de
Mello, em cujo nome estendo minhas homenagens a todos os professores e
colegas da Reitoria da PUC/SP, especialmente à Elisabete Marangon e ao Luis
Felipe Palermo Pardal, que, no convívio diário, deram-me força e suporte
fundamentais para a conclusão deste estudo.

Aos meus pais, Alberto e Arlete, pelo incentivo incondicional e por terem,
desde sempre, investido em minha formação, minha eterna gratidão.

Meu muitíssimo obrigada, ainda, ao meu tio Carlos, pela mais que
qualificada revisão ortográfica, e ao meu irmão, Thiago, pela amizade e amor
fraternal que nos une.

Não poderia deixar de externar também a minha gratidão aos meus queridos
assistentes, os jovens advogados Guilherme Carvalho, Rosângela Duarte e Daniel
Rodrigues, sem cujo auxílio na condução das aulas de Prática Forense do Estado
no ano letivo de 2010 a conclusão deste trabalho não teria sido possível, e em
especial ao Guilherme, pela preciosa ajuda também na pesquisa bibliográfica
realizada para este trabalho.

I
RESUMO

SILVA, Marina Faraco Siqueira e. A declaração parcial de inconstitucionalidade


sem redução de texto como técnica decisória autônoma da justiça constitucional
brasileira. Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
São Paulo, 2010.

O presente trabalho tem por intuito examinar a declaração parcial


de inconstitucionalidade sem redução de texto, desde o seu conceito, origem e
fundamentos até a sua aplicação prática no sistema brasileiro de fiscalização das
leis, objetivando demonstrar a sua autonomia enquanto técnica decisória do
controle de constitucionalidade.

Com efeito, a aplicação da nulidade parcial sem redução de texto


pelo Supremo Tribunal Federal tem, invariavelmente, se realizado mediante o
emprego simultâneo da interpretação conforme à Constituição, como se
equiparadas ou indissociáveis fossem ditas técnicas, incitando críticas e
divergências doutrinárias.

Entretanto, nada obstante a proximidade dos resultados práticos


obtidos com a aplicação de ambas, trata-se, de fato, de técnicas autônomas e
distintas, que pressupõem diferentes hipóteses de incidência e que, inclusive,
operam efeitos díspares no tocante ao resultado da demanda em sede de controle
abstrato.

Partindo da análise da teoria geral da inconstitucionalidade e das


espécies de decisão em sede de fiscalização vertical das leis, passaremos ao
detido exame da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de
texto para, a partir do seu cotejo com as diferentes técnicas e da análise da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria, firmar a sua autonomia
como técnica decisória da justiça constitucional brasileira.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Controle de Constitucionalidade.


Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Parcelaridade.
Interpretação conforme à Constituição. Supremo Tribunal Federal.

II
ABSTRACT

SILVA, Marina Faraco Siqueira e. Partial declaration of unconstitutionality


without curtailment of text as an independent decision making technique of
Brazilian Constitutional Justice. Master of Law Degree Thesis. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2010.

The purpose of this study is to examine the partial declaration of


unconstitutionality without curtailment of text, from its concept, origin and basis
to its practical application in the Brazilian system of control of legislation, with
the aim of demonstrating its independence as a decision making technique for the
control of constitutionality.

In effect, the application of partial nullity without curtailment of


text by the Federal Supreme Court has invariably occurred through the
simultaneous use of interpretation in accordance with the Constitution, as if such
techniques were equal or inseparable, giving rise to criticism and divergence of
doctrine.

Nevertheless, notwithstanding the proximity of the practical results


obtained through their application, they are, in fact, independent and distinct
techniques, the incidence of which is presumed to be based on different
hypotheses and which, in addition, have disparate effects with regard to the result
of the claim within the sphere of absolute control.

Following an analysis of the general theory of unconstitutionality


and of the kinds of decisions in the sphere of control, we move on to the
examination itself of the partial declaration of unconstitutionality without
curtailment of text, based on its comparison with the different techniques and the
examination of Federal Supreme Court jurisprudence on the matter, so as to
confirm its independence as a decision making technique of Brazilian
Constitutional Justice.

Keywords: Constitutional Law. Control of Constitutionality. Partial declaration


of unconstitutionality without curtailment of text. Partial textual
unconstitutionality (Parcelaridade). Interpretation in accordance with the
Constitution. Federal Supreme Court.

III
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................1

1. TEORIA GERAL DA INCONSTITUCIONALIDADE...............................5

1.1. PRESSUPOSTO TEÓRICO E PRÁTICO: A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO........5

1.2. A INCONSTITUCIONALIDADE E SUAS FORMAS.............................................11

1.2.1. Inconstitucionalidade por ação...............................................................14

1.2.1.1. A extensão do vício ativo: inconstitucionalidade total e parcial.......15

1.2.2. Omissão inconstitucional.......................................................................17

1.3. EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE........................................................19

1.3.1. Teoria da nulidade..................................................................................20

1.3.2. Teoria da anulabilidade..........................................................................25

1.3.3. A mitigação das teorias da nulidade e da anulabilidade no direito

comparado........................................................................................................28

1.4. O SISTEMA BRASILEIRO................................................................................32

1.4.1. Modulação de efeitos: o Art. 27 da Lei n. 9.868/99...............................40

2. O JUÍZO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA FISCALIZAÇÃO

VERTICAL DAS LEIS NO BRASIL...............................................................45

2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SISTEMA JURISDICIONAL BRASILEIRO

DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE..........................................................45

IV
2.2. A DECISÃO NA FISCALIZAÇÃO VERTICAL DE CONSTITUCIONALIDADE.........50

2.2.1. A declaração de constitucionalidade “pura”, “natural” ou

“tradicional”.....................................................................................................52

2.2.2 A declaração de constitucionalidade mediante interpretação

conforme...........................................................................................................54

2.2.3. A declaração de inconstitucionalidade e suas variantes.........................56

2.2.3.1. Com pronúncia de nulidade: total ou parcial; com ou sem redução de

texto...............................................................................................................60

2.2.3.2. Sem pronúncia de nulidade...............................................................65

3. TÉCNICAS DE DECISÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

CONSTITUCIONAL.........................................................................................71

3.1. DIFERENÇAS.................................................................................................71

3.2. A INTERPRETAÇÃO COMO PRESSUPOSTO PARA A DECISÃO..........................74

3.3. DISTINÇÃO ENTRE TEXTO E NORMA.............................................................77

3.4. A INTERPRETAÇÃO COMO PRODUÇÃO NORMATIVA.....................................81

4. A DECLARAÇÃO PARCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM

REDUÇÃO DE TEXTO.....................................................................................86

4.1. ORIGEM........................................................................................................86

4.2. CONCEITO E NATUREZA...............................................................................87

V
4.3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS.........................................................93

4.3.1. O princípio da parcelaridade..................................................................93

4.3.2. A indivisibilidade do texto normativo....................................................96

4.4. LIMITES........................................................................................................97

4.5. EFEITOS......................................................................................................103

4.6. DISTINÇÕES EM RELAÇÃO A OUTRAS TÉCNICAS DECISÓRIAS.....................104

4.6.1. Declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de texto.....104

4.6.2. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade........106

4.6.3. Declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a

inconstitucionalidade......................................................................................109

4.6.4. Interpretação conforme à Constituição.................................................112

5. DA APLICAÇÃO DA DECLARAÇÃO PARCIAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO NO

SISTEMA BRASILEIRO................................................................................121

5.1. NATUREZA DA DECISÃO QUE APLICA A DECLARAÇÃO PARCIAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO .......................................121

5.2. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.............................123

5.2.1. Aplicação conjunta com a interpretação conforme..............................125

5.2.2. Reconhecimento da sua autonomia enquanto técnica decisória...........130

CONCLUSÕES.................................................................................................135

REFERÊNCIAS................................................................................................140

VI
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por intuito examinar a declaração parcial

de inconstitucionalidade sem redução de texto, desde o seu conceito, origem e

fundamentos até a sua aplicação prática no sistema brasileiro de fiscalização das

leis, com o específico objetivo de demonstrar a sua autonomia como técnica

decisória do controle de constitucionalidade.

A aplicação da técnica em questão, pelo Supremo Tribunal Federal,

tem invariavelmente se realizado mediante o emprego simultâneo da

interpretação conforme à Constituição, como se equiparados ou indissociáveis

fossem tais modelos decisórios.

A utilização indiscriminada de ambas, contudo, tem incitado

críticas e divergências doutrinárias, já que díspares os efeitos obtidos a partir de

uma ou outra fórmula no tocante ao juízo de (in)constitucionalidade sobre a

norma impugnada.

Nada obstante as semelhanças presentes nesses dois métodos de

trabalho, trata-se, de fato, de técnicas autônomas e distintas, que pressupõem

diferentes hipóteses de incidência e que operam resultados opostos quanto ao

resultado da demanda.

1
Se de um lado a declaração de inconstitucionalidade sem redução

de texto enseja o reconhecimento de hipóteses emergentes do enunciado

normativo, conflitantes com o texto constitucional, na interpretação conforme à

Constituição, ao revés, constata-se justamente a existência de possibilidades

interpretativas consoantes à norma fundamental.

No âmbito do sistema brasileiro de controle, portanto, a aplicação

da nulidade parcial sem redução de texto culmina na declaração de

inconstitucionalidade da parcela normativa incompatível com a Carta

Constitucional.

Pela via da interpretação conforme à Constituição, ao contrário, a

decisão resulta no reconhecimento da constitucionalidade de, ao menos, uma das

várias possibilidades interpretativas emergentes do programa normativo.

Em ambos os casos, todavia, tem-se, como resultado prático da

fiscalização da constitucionalidade, a manutenção, in totum, do dispositivo

impugnado.

É que tanto no reconhecimento da inconstitucionalidade parcial da

norma, pela técnica da nulidade sem redução de texto, quanto na declaração de

constitucionalidade mediante interpretação conforme, a decisão se processa sem

a efetiva supressão de qualquer elemento linguístico do texto normativo.

2
Afora tais semelhanças, o Parágrafo único do Artigo 28 da Lei

Federal n. 9.868/99 equiparou as ditas técnicas quanto aos efeitos decorrentes da

sua aplicação em sede de fiscalização concentrada, atribuindo-lhes a eficácia

erga omnes e vinculante própria das demais variantes decisórias do controle

abstrato.

As semelhanças ficam ainda mais evidentes quando se tem em vista

que a interpretação conforme à Constituição congrega, implicitamente, uma

espécie de inconstitucionalidade parcial1.

Isso porque o reconhecimento da conformidade vertical de

determinados significados contemplados no programa normativo afasta, a

contrario sensu, aqueles que se incompatibilizariam com a Constituição.

A recíproca, no entanto, não é verdadeira. Nem toda declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto comporta, por implícito, uma

interpretação conforme à Constituição.

A pronúncia de nulidade da parcela viciada sem a correspondente

alteração do substrato jurídico da norma, determinada, por sua vez, pela

indivisibilidade do texto normativo, prescinde que a parte tida por constitucional

o seja em virtude de interpretação conforme à Constituição.

1
André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p. 289.
3
Tais considerações introdutórias denotam, portanto, a relevância da

presente análise, que objetiva a delimitação da declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto como técnica decisória autônoma da

justiça constitucional.

Para tanto, partiremos, no Capítulo 1, do exame da teoria geral da

inconstitucionalidade, passando à análise, no Capítulo 2, das variantes decisórias

da justiça constitucional.

A partir da diferenciação entre as denominadas técnicas de decisão

da justiça constitucional e dos métodos de interpretação do direito constitucional,

realizada no Capítulo 3, analisaremos, em seguida, as características próprias da

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto para, ao final,

examinarmos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria.

É o que passamos a fazer de imediato.

4
1. TEORIA GERAL DA INCONSTITUCIONALIDADE

1.1. PRESSUPOSTO TEÓRICO E PRÁTICO: A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

O exame da inconstitucionalidade e das suas diversas formas

pressupõe prévia e indispensável referência ao princípio da supremacia da

Constituição2, pressuposto teórico e prático dos institutos em questão.

Isto porque o princípio da supremacia constitucional informa que a

lei fundamental de organização do Estado, a Constituição, é a norma de mais alto

grau hierárquico do ordenamento jurídico, ocupando, portanto, o seu ápice, na

clássica representação piramidal e hierarquizada idealizada por Hans Kelsen3.

Num ordenamento jurídico caracterizado pela supremacia

constitucional, as normas jurídicas encontram-se dispostas de maneira

escalonada, de modo que cada uma consiste no fundamento de validade de sua

consequente e, simultaneamente, em aplicação direta de sua antecedente4, – que,

aliás, consiste no seu próprio fundamento de validade –, de tal forma que todas as

normas acabam por encontrar seu fundamento de validade último na norma

2
Sobre as origens históricas do princípio da supremacia da Constituição, vide André Ramos
Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, p. 49-56.
3
Vide, a esse respeito, Teoria Pura do Direito, p. 246-308.
4
Dessa relação hierarquizada e escalonada que une as normas jurídicas, integrando-as num
mesmo ordenamento, excetuam-se, tão-somente, o seu vértice, integrado pela norma hipotética
fundamental – que apenas cria Direito –, e a sua base, consistente nos atos de execução – que
apenas aplicam normas individuais.
5
fundamental pressuposta, que, por sua vez, determina que se cumpra a

Constituição, posicionada imediatamente abaixo daquela5.

Do ponto de vista da nomodinâmica6, portanto, cada grau da ordem

jurídica consiste, simultaneamente, em ato de aplicação do direito, relativamente

ao seu grau superior, e de criação do direito, em relação ao seu grau inferior,

operações todas essas prefixadas pelo próprio direito, que regula a sua criação7,

sob o primado da Constituição, que, ocupando o grau máximo da ordem jurídica,

vincula às suas regras todo o ordenamento.

Desse modo, todas as normas do sistema jurídico devem se

compatibilizar com a Constituição, porque é nela, em última instância, que

repousam seu fundamento de validade.

5
Como descreve Hans Kelsen:“A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas
ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada
de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de
dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com
outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por
outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. (...) Se
começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o
escalão de Direito positivo mais elevado.” (op. cit., p. 247.)
6
Ibidem, p. 79-80.
7
Nas palavras de Hans Kelsen:“o direito regula sua própria criação e o Estado se cria e recria
sem cessar com o direito.” (Jurisdição Constitucional, p. 125), o que, do ponto de vista da teoria
social de Niklas Luhmann (El derecho de la sociedad, passim) significa dizer que o direito
consiste num sistema operativamente fechado, na medida em que ele mesmo cria e estabelece a
forma de sua produção. Com efeito, embora firmadas sobre pressupostos absolutamente
distintos, a par das diferenças terminológicas, de se verificar, aqui, um ponto de contato entre as
teorias de ambos os autores. Isto porque a autopoieses a que Luhmann alude significa que o
sistema jurídico se auto-reproduz internamente a partir de seus próprios elementos e de seu
código binário interno, com o que se diferencia de outros sistemas e se fecha operativamente. É
o que também se deduz do trecho de Kelsen acima transcrito, que vê em cada grau da pirâmide
um ato criativo e simultaneamente executivo de direito, o que, noutras palavras, é a autopoieses
do sistema. Vale lembrar, no entanto, que a construção kelseniana é hierarquizada e piramidal,
fundada num sistema científico cartesiano. Luhmann funda sua teoria social do direito numa
concepção cientifica pós-moderna, baseada na interdisciplinaridade, sustentando uma
construção circular e auto-referencial do sistema jurídico.
6
Isso significa, noutras palavras, que todas as normas que integram o

ordenamento jurídico encontram-se material e formalmente subordinadas à lei

fundamental do Estado, devendo, portanto, guardar plena consonância com os

seus ditames, sob pena de caracterizarem-se por inconstitucionais8 e, assim,

serem inválidas9, ensejando a sua necessária retirada do sistema.

O princípio da supremacia da Constituição, portanto, impõe ao

Poder Legislativo, no mister de legislar que lhe é incumbido, a estrita

observância dos preceitos constitucionais10, porquanto torna inadmissível a

existência e, porventura, a permanência, na ordem jurídica, de normas que se

afigurarem incompatíveis com o texto constitucional.

Regra idêntica resta imposta ao Poder Executivo, no exercício de

sua competência regulatória, que, ao expedir decretos, regulamentos e todos os

demais atos normativos que lhe incumbe, deve igualmente observar os preceitos

contidos na norma fundamental.

A supremacia hierárquica da Constituição, por sua vez, decorre

imediatamente da sua rigidez11, característica que determina a observância de

8
Conceito que será analisado no próximo item.
9
Abordaremos especificamente essa questão no item 1.3. adiante.
10
Nas palavras de Pontes de Miranda (Fundamentos Atuais do Direito Constitucional, p. 107-
108, 1932, apud Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p.
58): “(...) se o poder legislativo é um dos poderes, se da Constituição provém a competência de
cada um dêles, óbvio é que se superponha aos poderes constituidos (sic) o poder que os
constituiu.”
11
Conforme ressalta José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 45): “A
‘rigidez constitucional’ decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a
alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial
conseqüência, o ‘princípio da supremacia da constituição’ que, no dizer de Pinto Ferreira, ‘é
7
procedimento mais complexo e solene para a reforma do texto constitucional em

em relação ao exigido para a elaboração das normas infraconstitucionais.

Desse modo, as denominadas Constituições rígidas, conquanto

possam ter seus dispositivos alterados, somente poderão ser reformadas por meio

de procedimento mais rigoroso – como sugere, aliás, a própria denominação – do

que o necessário à produção das demais espécies legislativas, estipulado pelo

próprio texto constitucional12.

É justamente dessa rigidez que emana a supremacia da Constituição

sobre todo o sistema jurídico, impondo às demais normas que o integram a

necessária e estrita conformidade para com os seus ditames.

Ora, se “o poder de fazer a lei não compreende o de reformar a

Constituição”13, decerto, portanto, que esta se mostra superior àquela.

Com efeito, sendo a Constituição a norma imperativa que funda o

ordenamento estatal, para cuja alteração se requer um procedimento especial,

reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político’.
Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere
validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na
proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram
a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as ‘normas
fundamentais’ de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas
jurídicas.” (grifamos).
12
Nas palavras de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (A Teoria das Constituições Rígidas, p.
28): “Compreende-se, perfeitamente, que a distinção entre a lei constitucional e a lei ordinária,
implicando na superioridade daquela sôbre esta, reclame sistema de reforma mais difícil que a
da última, exigindo-se requisitos especiais e solenes, preestabelecidos no próprio corpo da
Constituição.”
13
Rui Barbosa, Atos Inconstitucionais, p. 36.
8
mais dificultoso do que o exigido para a produção das demais normas – as quais,

por isso, não são aptas a modificar o seu texto – é inadmissível, no sistema

jurídico, a existência de qualquer ato normativo com ela incompatível14.

De fato, se o procedimento de elaboração de uma emenda

constitucional, norma destinada à reforma da Constituição, fosse idêntico ao de

formação de uma norma infraconstitucional qualquer, a essa última seria possível

a revogação de um dispositivo constitucional, caso lhe fosse posterior e regulasse

inteiramente, e de modo diverso, a matéria nele contemplada.

Neste caso, portanto, não se vislumbraria qualquer superioridade

hierárquica do texto constitucional em face das demais normas jurídicas, as quais

poderiam, inclusive, derrogá-la ou ab-rogá-la15, como ocorre, aliás, nas

denominadas Constituições flexíveis.

Não é, contudo, o que se dá nos sistemas de Constituição rígida,

nos quais “a Constituição prescreve para a sua modificação ou supressão um

14
Em termos mais precisos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (op. cit., p. 35-36) define:
“Portanto, no sistema das Constituições rígidas, a Constituição é a autoridade mais alta, e
derivante de um poder superior à legislatura, o qual é o único poder competente para alterá-la. O
poder legislativo, como os outros poderes, lhe são subalternos, tendo as suas fronteiras
demarcadas por êle, e, por isso, não podem agir senão dentro destas normas.”
15
Nas palavras de Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito, p. 248):“A Constituição estadual pode
– como Constituição escrita – aparecer na específica forma constitucional, isto é, em normas
que não podem ser revogadas ou alteradas como as leis normais mas somente sob condições
mais rigorosas. Mas não tem de ser necessariamente assim; e não é assim quando nem sequer
exista Constituição escrita, quando a Constituição surgiu por via consuetudinária, quer dizer:
através da conduta costumeira dos indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual, e não foi
codificada. Nesse caso, também as normas que têm o caráter de Constituição material podem ser
revogadas ou alteradas por leis simples ou pelo Direito consuetudinário.” (grifamos).
9
processo mais exigente, diferente do processo legislativo usual; que, além da

forma legislativa, existe uma específica forma constitucional.”16

Assim, a rigidez constitucional impõe a posição de superioridade

hierárquica da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, implicando, de

um lado, que o processo de alteração da Constituição assume condições mais

rigorosas do que o processo de elaboração das leis comuns – como, verbi gratia,

a exigência de um quórum qualificado –, e, de outro, que uma “simples lei não

possui força para revogar a lei constitucional que lhe determina a criação e o

conteúdo”17, de tal forma que as normas jurídicas somente serão válidas se, e na

medida em que, guardarem perfeito nexo de conformidade com a Constituição18.

É esse, exatamente, o caso da Constituição brasileira de 198819,

que, em seu Artigo 60, estabelece um complexo processo legislativo de

elaboração das emendas constitucionais – com a imposição de limites formais,

materiais e circunstanciais ao exercício do Poder Constituinte Derivado

Reformador, incumbido da reforma do texto constitucional – se comparado ao


16
Ibidem, p. 249.
17
Idem, Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do direito, p. 103.
18
Nas palavras de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (Curso de Direito
Constitucional, p. 24-25): “Nos países que possuem Constituições rígidas, ou seja, aquelas que
prevêem, para sua própria alteração, um procedimento legislativo mais gravoso do que o
estipulado para as leis ordinárias, institui-se uma espécie de pirâmide normativa, em cujo ápice
se localiza a Constituição. Dessa maneira, todos os atos normativos infraconstitucionais devem,
por princípio, guardar compatibilidade com a respectiva Constituição. (...) Assim sendo, a
existência de uma Constituição rígida cria uma relação piramidal entre esta e as demais normas
do mesmo ordenamento jurídico, que com ela devem guardar relação de necessária lealdade.”
(grifamos).
19
Conforme anota André Ramos Tavares (Teoria da Justiça Constitucional, p. 57): “No Brasil a
superioridade se colhe pela visualização de inúmeros dispositivos (em especial os arts. 60, 102 e
103 da Constituição de 1988, podendo-se acrescentar o art. 23, I, que estabelece ser da
competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios ‘zelar pela guarda da
Constituição’, e o art. 78, que prevê a submissão do Executivo à Constituição – e às leis).”
10
estatuído, a partir de seu Artigo 61, para a formação das demais espécies

normativas.

Consequentemente, a incompatibilidade das normas e demais atos

infraconstitucionais em face da Constituição Federal culminará na sua

inconstitucionalidade20, anomalia do sistema a ser combatida pela via do controle

de constitucionalidade, mecanismo destinado a suprimir do ordenamento os

preceitos normativos desconformes aos comandos constitucionais.

Deste modo, é da supremacia hierárquica da Constituição que

emerge a todas as normas que integram o sistema jurídico, a necessidade de

estrita observância do texto constitucional, sob pena de se caracterizar sua

inconstitucionalidade.

1.2. A INCONSTITUCIONALIDADE E SUAS FORMAS

Sendo a Constituição o Código estatal supremo que determina a

elaboração e o conteúdo de todos os atos normativos do sistema jurídico, que lhe

são subordinados, sujeitando, assim, os Poderes Legislativo e Executivo na sua

20
Como explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Curso de Direito Constitucional, p. 34), ao
discorrer acerca do surgimento do controle de constitucionalidade, fundado justamente sobre os
pressupostos da rigidez e da supremacia da Constituição: “No caso ‘Marbury versus Madison’,
esse juiz (Marshall) demonstrou que, se a Constituição americana era a base do direito e
imutável por meios ordinários, as leis comuns que a contradissessem não eram verdadeiramente
leis, não eram direito. Assim, essas leis seriam nulas, não obrigando os particulares.”
(grifamos).
11
produção, a inadequação desses em face daquela culminará na sua

inconstitucionalidade.

A inconstitucionalidade consubstancia-se, pois, no vício decorrente

da violação, por parte da legislação infraconstitucional, das regras e demais

preceitos da Constituição, sejam eles atinentes à sua produção, sejam

relacionados à sua matéria.

É, assim, defeito que macula a norma ou o ato normativo

contrários, dissonantes à Constituição, que, em razão da sua supremacia

hierárquica, vincula todo o ordenamento jurídico, impondo-lhe o dever de plena

conformidade com os seus ditames, sob pena de inconstitucionalidade.

Nas exatas palavras de Jorge Miranda21, “constitucionalidade e

inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece

entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – uma norma ou um acto – que

lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não

cabe no seu sentido.”

Nessa medida, a inconstitucionalidade não importa,

necessariamente, em reprovação, mas em oposição à Constituição. Por isso, o ato

21
Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, p. 11 (grifamos).
12
inconstitucional pode até traduzir benefícios ao país e à sua população22, mas

será contrário à Constituição, e nisso não há qualquer incongruência23.

Logo, o ato inconstitucional é aquele proibido pela Constituição e,

assim, sem nenhum valor24. Se não se encontram presentes os requisitos, se não

foram observadas as formalidades e o conteúdo prescritos no estatuto

fundamental para que uma lei seja feita, decerto que ela, portanto, não existe.25

Em resumo: tudo quanto colide com o texto constitucional

qualifica-se como inconstitucional, já que “a Constituição senhoreia a lei”26.

A desconformidade com o texto constitucional, dessa forma, eiva

de inconstitucionalidade o ato normativo, tornando-o írrito, fazendo nascer, ao

Poder Judiciário, o dever-poder de negar-lhe execução27.

E, a depender da espécie de violação perpetrada pela norma

infraconstitucional, a inconstitucionalidade comportará diferentes graus e

modalidades28. Vejamos.

22
Tais hipóteses justificam, por exemplo, a aplicação da técnica da declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, como veremos adiante.
23
Cf. Dicey, Lectures Introductory To The Study Of The Law Of The Constitution, London,
1885, p.165-166, apud Rui Barbosa, Atos Inconstitucionais, p. 39.
24
Cf. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 144.
25
Ibidem, p. 142.
26
Rui Barbosa, op. cit., p. 61.
27
Como prevê expressamente o art. 204º da Constituição da República Portuguesa, in verbis:
“Artigo 204.º Apreciação da inconstitucionalidade. Nos feitos submetidos a julgamento não
podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios
nela consignados.” Disponível em: <http://www.parlamento.pt>. Acesso em: 9 set. 2010.
28
Por não constituírem o objeto precípuo do presente estudo, não serão, aqui, abordados todos
os tipos de inconstitucionalidade referenciados pela doutrina, mas tão-somente, e de forma
13
1.2.1. Inconstitucionalidade por ação

A inconstitucionalidade por ação configura-se pela atuação29 do

legislador infraconstitucional contrária aos preceitos da Constituição, tendo por

resultado o surgimento de uma norma inconstitucional.

Nas palavras de Flávia Piovesan30, tal vício corresponde “a um

comportamento ativo, a uma ação, a um ‘facere’ violador e contrário à

Constituição. Resume-se na conduta positiva incompatível com os princípios

constitucionalmente assegurados.”

Tal incompatibilidade pode residir tanto no descumprimento das

regras constitucionais do processo legislativo31, relativas à forma de elaboração

da norma, quanto na inadequação do seu conteúdo, da sua substância, em face da

Constituição, caracterizando, respectivamente, a inconstitucionalidade formal ou

extrínseca e a inconstitucionalidade material ou intrínseca32.

A inconstitucionalidade formal, por sua vez, pode resultar do

descumprimento das regras subjetivas – relativas à competência do órgão ou da

autoridade de que emana o ato – ou objetivas – concernentes ao próprio

sintética, os principais, assim considerados os perfilhados de maneira uniforme na ciência


jurídica e que importam às finalidades deste trabalho.
29
Cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 46-47.
30
Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por
omissão e mandado de injunção, p. 76.
31
Estatuídas nos arts. 59 a 69 da Constituição Federal de 1988.
32
Cf. Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 21.
14
procedimento e às formalidades exigidos para a sua elaboração – inerentes ao

trâmite estatuído na Constituição para a produção dos atos infraconstitucionais.

A inconstitucionalidade por ação, destarte, compreende a produção

de atos normativos desconformes aos princípios e às regras constitucionais, seja

do ponto de vista formal ou material.

1.2.1.1. A extensão do vício ativo: inconstitucionalidade total e

parcial

O vício ativo de inconstitucionalidade pode comprometer a norma

na sua íntegra, caracterizando a denominada inconstitucionalidade total, ou

apenas parte dela, culminando na sua inconstitucionalidade parcial.

A inconstitucionalidade total resulta, por conseguinte, da plena

desconformidade da norma para com a Constituição, afetando-a como um todo.

Na inconstitucionalidade parcial, ao contrário, prejudica-se a norma

apenas em parte, uma vez que nem toda ela se afigura incompatível com a

Constituição.

O vício parcial, por sua vez, pode recair sobre um ou vários

dispositivos da norma – abarcando, assim, o texto integral de artigos, parágrafos,

15
incisos, alíneas ou itens –, como sobre uma fração de determinado dispositivo,

isto é, sobre parcelas destacadas do dispositivo normativo, como, por exemplo,

trechos ou vocábulos isoladamente considerados33.

Na primeira hipótese, a inconstitucionalidade parcial afetaria

“partes-inteiras”34 da norma, isto é, um ou mais de seus dispositivos, na íntegra,

comprometendo, na segunda hipótese, “parte da parte”, ou seja, trechos,

expressões ou até mesmo uma única palavra de um deles35.

O vício formal, via de regra, acarretará a inconstitucionalidade total

da norma, comprometendo-a como um todo36.

Isso porque, no tocante ao vício formal subjetivo, sendo o agente

incompetente para deflagrar o processo legislativo, o será em relação à norma

toda, e não apenas à parte dela. De igual forma, tratando-se de vício formal

objetivo, o desvio procedimental na elaboração da norma – como, exempli gratia,

a inobservância do quórum exigido para sua aprovação – acarretará prejuízo ao

seu conjunto, e não apenas à sua parcela.

33
Cf. afirmamos em A parcelaridade no Controle de Constitucionalidade das Leis (disponível
em <http://www.memesjuridico.com.br/jportal/portal.jsf?post=4780>. Acesso em 21 set. 2010).
34
Ibidem.
35
Importa mencionar, a título comparativo, que, ao vetar um projeto de lei, o Presidente da
República somente pode fazê-lo de forma parcial em relação ao texto integral de parcelas da lei,
isto é, sobre “partes-inteiras” da norma, e nunca sobre “partes da parte”, ou seja, sobre palavras
ou expressões isoladas do seu texto, nos termos do Art. 66, §2º da Constituição Federal
(Ibidem).
36
Cf. Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 39.
16
Mas nem sempre é assim. Pode ocorrer, por exemplo, de um único

dispositivo da norma importar em violação da competência do órgão produtor – o

que se verificaria, por exemplo, se uma lei federal contivesse um artigo dispondo

sobre matéria reservada à lei estadual. Ou, ainda, de um artigo isolado incorrer

em vício procedimental diverso – como ocorreria, verbi gratia, se um dispositivo

específico de dada lei ordinária veiculasse matéria reservada à lei complementar,

como bem exemplifica Luís Roberto Barroso37.

Em ambos os casos, a norma padeceria, portanto, de

inconstitucionalidade formal parcial, que, como visto, consubstancia exceção.

Já o vício material – que afeta a própria substância da norma,

essência de seu conteúdo – poderá, em regra, macular o ato normativo na íntegra

ou apenas em parte, caracterizando, respectivamente, a inconstitucionalidade

material total e a parcial.

1.2.2. Omissão inconstitucional

A compatibilidade do ordenamento jurídico com o texto

constitucional imposta pela sua supremacia hierárquica não se satisfaz apenas

com a ação legislativa conforme à Constituição, como visto acima; “exige mais”,

nas palavras de José Afonso da Silva38, “pois omitir a aplicação de normas

37
Ibidem.
38
Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 46-47.
17
constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui

conduta inconstitucional.”

A inconstitucionalidade por omissão, por isso, configura-se, como a

própria denominação sugere, pela inação do legislador infraconstitucional, que

deixa de elaborar o ato normativo exigido pelo texto constitucional, violando,

com isso, tal comando.

Trata-se de ausência normativa contrária à Constituição e, assim,

inconstitucional, porquanto desconforme à regra que determina a elaboração da

norma infraconstitucional faltante.

Verifica-se, pois, nas palavras de Marcelo Figueiredo39, quando “do

não-cumprimento de imposições constitucionais legiferantes em sentido estrito,

ou seja, do não cumprimento de normas que, de forma permanente e concreta,

vinculam o legislador à adopção de medidas legislativas concretizadoras da

Constituição.”

O descumprimento dos preceitos constitucionais, neste caso, ocorre

em razão da ausência de atuação legislativa, isto é, da omissão do legislador

infraconstitucional, que deixou de produzir a norma por ela, Constituição,

requerida.

39
O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão, p. 45.
18
A omissão normativa, no caso, pode ser total, isto é, qualificar-se

pela absoluta ausência da norma cuja elaboração fora determinada pela

Constituição, ou parcial, decorrente da insuficiência da norma produzida para dar

efetivo cumprimento ao dispositivo constitucional que impôs a sua criação40.

Logo, a inconstitucionalidade será por omissão quando

caracterizada a ausência total ou parcial de atuação das funções legislativa e ou

administrativa necessárias ao efetivo cumprimento das disposições

constitucionais.

Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 instituiu dois

mecanismos aptos à repressão das omissões legislativas inconstitucionais41, quais

sejam, o mandado de injunção, previsto no seu Artigo 5°, inciso LXXI42, e a

ação direta de inconstitucionalidade por omissão, inserta no Artigo 103, §2°43 da

Carta Constitucional.

1.3. EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE

40
Cf., aliás, expressa previsão do art. 12-B, I, da Lei Federal n. 9.868/99.
41
Acerca dos institutos em questão, vide as obras de Flávia Piovesan (Proteção judicial contra
omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de
injunção) e de Marcelo Figueiredo (O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por
omissão).
42
“Art. 5° (...) LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;(...)”
43
“Art. 103. (...) §2° Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”
19
Vistos o conceito e as formas de inconstitucionalidade, resta

analisar se tal estado jurídico afeta a norma desde a sua origem, tornando-a nula,

ou se implica a sua nulidade.

Com efeito, historicamente, duas foram as teorias desenvolvidas a

esse respeito: a da nulidade da norma inconstitucional e a da sua anulabilidade.

Vejamos.

1.3.1. Teoria da nulidade

Emerge da teoria da nulidade o entendimento de que a norma

inconstitucional é absolutamente nula e írrita (null and void and of no effect)44,

estado que afeta, portanto, sua validade e eficácia desde a sua existência45.

44
Cf. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 311.
45
Impõe referenciar a distinção entre os planos da existência, validade e eficácia da norma
jurídica aqui adotada. Existência significa que há ou não há norma; que ela existe ou não existe;
é ou não é. Dizer que a norma existe, portanto, equivale a reconhecer que ela entrou (válida ou
invalidamente) no sistema jurídico, integrando-o. Já a validade é a qualidade de que se reveste a
norma jurídica compatível com o sistema jurídico no qual se insere. A norma válida é, assim, a
que existe validamente, por ter sido produzida de acordo com os preceitos constitucionais, assim
considerada a norma superior do sistema. Eficácia, por seu turno, reside na aptidão que a norma
tem de produzir efeitos jurídicos. Vê-se, assim, que, embora interligados, trata-se de atributos
independentes. Certo é que muitos autores, fundados na teoria da nulidade, sustentam a
inexistência da norma inconstitucional (como, entre nós, Francisco Campos, Direito
Constitucional, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1956, vol. I, p. 430 apud Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71),
o que não nos afigura exato. Ou a norma existe – e, nesta medida, é ou não conforme à
Constituição – ou sequer passou de projeto. E, se existe, pode existir válida ou invalidamente,
isto é, ser ou não constitucional. Existindo, pode, ainda, reunir todas as condições para a
produção de efeitos (e tê-los mesmo produzido, a despeito da sua invalidade), ou não – o que a
tornará, embora existente, ineficaz.
20
Isso porque, nas palavras de H. C. Black46, a Constituição “obriga

tôda a legislação ordinária” de maneira que “uma lei inconstitucional é nula e de

nenhum efeito; de fato não é lei”.

Dizer que a norma inconstitucional é nula significa, portanto,

reconhecer que o ato normativo contrário ao texto constitucional é, em verdade,

absolutamente inválido e ineficaz, já que não reuniu a condição mínima e sine

qua non para que pudesse validamente produzir efeitos, qual seja, estar conforme

à Constituição.

Com efeito, admitir-se que a lei inconstitucional possa ter

produzido algum efeito equivale a reconhecer que teria ela o condão de revogar a

própria Constituição, “o que é absurdo e compromete toda a estrutura escalonada

de nosso sistema jurídico”, como afirma Zeno Veloso47.

Essa teoria encontra suas origens históricas no sistema americano

de controle difuso, consagrado, embora anteriormente já verificado na

jurisprudência americana48, na célebre decisão do Chief Justice John Marshall49,

cujas palavras impende trasladar:

“É uma proposição por demais clara para ser contestada, que a


Constituição veta qualquer deliberação legislativa incompatível
46
Handbook of American Constitutional Law, p. 5, 1910, apud Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 73.
47
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 185.
48
Como anotam Rui Barbosa (Atos Inconstitucionais, p. 47-49) e André Ramos Tavares (Teoria
da Justiça Constitucional, p. 52)
49
Decisões Constitucionais, p. 24-27, trad. portuguesa, 1903, apud Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 89-90.
21
com ela; (...). Não há meio têrmo entre estas alternativas. A
Constituição ou é uma lei superior e predominante, e lei
imutável pelas formas ordinárias; ou está no mesmo nível
juntamente com as resoluções ordinárias da legislatura e, como
as outras resoluções, é mutável quando a legislatura houver por
bem modificá-la. Se é verdadeira a primeira parte do dilema,
então não é lei a resolução legislativa incompatível com a
Constituição; (...) é nula tôda a resolução legislativa com ela
incompatível.” (grifamos)

Hodiernamente, além dos Estados Unidos, Portugal, Alemanha e

Espanha, entre outros, são países adeptos da teoria da nulidade, tendo os dois

últimos, inclusive, positivado em seus sistemas jurídicos a regra de que a

declaração de inconstitucionalidade da lei implica a sua nulidade50, operando,

como prevê a Constituição Portuguesa51, efeitos retroativos.

Assim, sendo a inconstitucionalidade vício congênito52 que afeta a

norma desde a sua origem, comprometendo não só a sua validade como também

toda a sua eficácia, a decisão que reconhece tal condição assume caráter

declaratório53, pois que consigna estado pré-existente de nulidade.

Dessa maneira, a declaração de inconstitucionalidade produz

efeitos retroativos ao início da vigência da norma, isto é, ex tunc, o que equivale

50
Cf. Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 177-180.
51
Conforme estabelece o seu art. 282.º 1, in verbis: “Artigo 282.º Efeitos da declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela,
eventualmente, haja revogado.” Disponível em <http://www.parlamento.pt>. Acesso em: 18 set.
2010.
52
José Carlos Francisco, Natureza das normas e atos inconstitucionais, p. 630.
53
“O papel do tribunal é apenas declaratório; não desata conflitos: indica-os, como a agulha de
um registro, e, indicando-os, indicada está por sua natureza a solução. A lei mais fraca cede à
superioridade da mais forte.” (Rui Barbosa, Atos Inconstitucionais, p. 57).
22
ao reconhecimento de que aquela lei54, em verdade, nunca foi eficaz; é, assim,

“natimorta”55.

Isso faz com que todos os efeitos pretéritos produzidos sob a égide

daquela norma sejam desconsiderados, já que o reconhecimento da sua

invalidade se dá ab initio, isto é, desde a sua entrada em vigor.

A declaração de inconstitucionalidade opera, assim, a destruição de

todas as consequências jurídicas que a norma tenha produzido desde a sua

origem56, na medida em que equivale ao reconhecimento de que ela, em verdade,

nunca foi apta a produzir qualquer efeito.

Consequentemente, a declaração de nulidade da norma acarretará a

restauração da eficácia dos atos normativos anteriormente revogados por aquele

que, agora, se reconhece por inconstitucional, fenômeno que se denomina efeito

repristinatório.

Nas palavras do Ministro Celso de Mello57, a “lei declarada

inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica, não pode gerar

quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria

revogação dos diplomas normativos a ela anteriores”.


54
De se ressaltar que o vocábulo, aqui, é empregado em seu sentido lato, significando, portanto,
todo e qualquer ato normativo produzido de acordo com os procedimentos estabelecidos na
Constituição para tanto e que tem o condão de criar, originariamente, direitos e obrigações,
observação que se aplica às demais remissões no presente Capítulo 1.
55
Zeno Veloso, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 777.
56
Ibidem, p. 785.
57
ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 9 set. 2010.
23
Outro entendimento, de fato, não seria possível, por absoluta

incongruência lógico-jurídica. Ora, se a lei inconstitucional é nula desde a sua

origem, não tendo, portanto, produzido efeito qualquer, não poderia ela ter tido

força para inovar a ordem jurídica, revogando a norma anterior58.

Deste modo, a lei inconstitucional, porquanto inválida, não assume

sequer eficácia derrogatória59, sendo o efeito repristinatório decorrência imediata

da própria declaração de inconstitucionalidade.

É o que expressamente prevê a Constituição Portuguesa, como

anota Zeno Veloso60.

Ocorrendo, contudo, de a norma restaurada pela declaração de

nulidade daquela que a havia revogado ser também inconstitucional, ter-se-ia,

com isso, a ocorrência de efeito repristinatório dissonante com a própria

Constituição, pois que, suprimindo-se uma lei inconstitucional, restaurar-se-ia,

com isso, outra igualmente contrária ao texto constitucional.

Analisando tal hipótese, Jorge Miranda61 afirma que não haveria

sentido a Corte Constitucional expelir do ordenamento norma conflitante com a

58
Cf. Zeno Veloso, op. cit., p. 787.
59
Ibidem.
60
“A Constituição portuguesa, artigo 282.1, dispõe que a declaração de inconstitucionalidade ou
de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela,
eventualmente, haja revogado.” (op. cit., p. 785)
61
Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, p. 287-288.
24
Carta Magna e, ao mesmo tempo, revigorar norma anterior que, além de mais

antiga, poderia afrontar de forma ainda mais agressiva o Texto Fundamental.

Na mesma linha de raciocínio, Zeno Veloso62 conclui que, nesses

casos, em prestígio à supremacia constitucional, deve a declaração de

inconstitucionalidade expandir-se a normas outras que, embora não indicadas

expressamente no pedido, guardem correlação com os preceitos impugnados.

É o que ocorre na denominada inconstitucionalidade por

arrastamento, por atração, consequencial, derivada ou consequente de preceitos

não impugnados, que se analisa adiante63.

Deste modo, a título conclusivo, temos que a teoria da nulidade

encerra o princípio de que a lei inconstitucional é nula e, assim, inválida e

ineficaz, de forma que a decisão que reconhece a sua invalidade produz efeitos

retroativos ao início da sua vigência, culminando na desconstrução de tudo

quanto produzido sob a sua égide e, assim, na restauração de eventuais atos

normativos por ela revogados.

1.3.2. Teoria da anulabilidade

62
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 193-194.
63
Vide item 3.7.5.
25
A teoria da anulabilidade, ao revés, qualifica a norma

inconstitucional como anulável – e não nula –, condição que afeta a sua eficácia a

partir da constituição desse estado de invalidade.

Tal entendimento encontra suas origens históricas no sistema

austríaco de controle abstrato de constitucionalidade, fundado sob o modelo

kelseniano, cujo escólio cumpre transcrever:

“A afirmação de que uma lei válida é ‘contrária à Constituição’


(anticonstitucional) é uma ‘contradictio inadjecto’; pois uma lei
somente pode ser válida com fundamento na Constituição. (...)
Do que acima fica dito também resulta que, dentro de uma
ordem jurídica não pode haver algo como a nulidade, que uma
norma pertencente a uma ordem jurídica não pode ser nula mas
apenas pode ser anulável. Mas esta anulabilidade prevista pela
ordem jurídica pode ter diferentes graus. Uma norma jurídica
em regra somente é anulada com efeitos para futuro, por forma
que os efeitos já produzidos que deixa para trás permanecem
intocados. Mas também pode ser anulada com efeito retroativo,
por forma tal que os efeitos jurídicos que ela deixou atrás de si
sejam destruídos (...). Não é, portanto, correto o que se afirma
quando a decisão anulatória da lei é designada como ‘declaração
de nulidade’, quando o órgão que anula a lei declara na sua
decisão essa lei como ‘nula desde o início’ (‘ex tunc’). A sua
decisão não tem caráter simplesmente declarativo, mas
constitutivo. (...) A norma questionada não é nula desde o
início.”64

A decisão que reconhece a inconstitucionalidade, portanto, tem

natureza constitutiva, na medida em que constitui, a partir da sua prolação, a

norma neste estado, reconhecendo, desde então, a sua invalidade.

64
Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 300-307.
26
Neste caso, a anulação da norma em razão da sua

inconstitucionalidade não opera, em regra, efeito retroativo, mas prospectivo, ex

nunc, subsistindo, pois, todos os efeitos jurídicos por ela produzidos

anteriormente ao reconhecimento da sua invalidade.

Isso porque a decisão que reconhece a inconstitucionalidade da

norma, neste caso, “não declara uma nulidade, mas anula, cassa (‘aufhebt’) uma

lei que, até o momento em que o pronunciamento da Corte não seja publicado, é

válida e eficaz, posto65 (sic) que inconstitucional”, como explica Mauro

Cappelletti66.

Consequentemente, a declaração de inconstitucionalidade não terá

como resultado imediato o denominado efeito repristinatório, pois que afeta

apenas a validade da norma a partir daquela decisão, e não a sua eficácia67.

A tese em questão encontra fundamento no princípio da segurança

jurídica, em cujo prestígio os efeitos já produzidos pela norma devem

permanecer intocados68, tendo a sentença que reconhece a sua

inconstitucionalidade retroatividade limitada, conforme a decisão proferida em

cada caso, como ensina Hans Kelsen69:

65
No texto de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (O valor do ato inconstitucional, em face do
direito positivo brasileiro, p. 59-71) a expressão foi, mais coerentemente, traduzida como “não
obstante”.
66
O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, p. 116.
67
Nada obstante a Constituição Austríaca preveja, expressamente, que a lei revogada pela que
foi declarada inconstitucional volte a vigorar, a despeito da irretroatividade daquela decisão,
como esclarece Zeno Veloso (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 181).
68
Cf. Hans Kelsen, op. cit., p. 306.
69
Jurisdição Constitucional, p. 145-146.
27
“O ideal da segurança jurídica requer que, geralmente, só se
atribua efeito à anulação de uma norma geral irregular ‘pro
futuro’, isto é, a partir da anulação. Deve-se considerar inclusive
a possibilidade de não se deixar a anulação entrar em vigor antes
de expirar certo prazo. Do mesmo modo que pode haver razões
válidas para fazer a entrada em vigor de uma norma geral ser
precedida por uma ‘vacatio legis’, também poderia haver
motivos para que uma norma só deixasse de vigorar expirado
certo prazo a partir da sentença de anulação. No entanto, certas
circunstâncias podem tornar necessária uma anulação retroativa.
(...) Deve-se considerar antes de mais nada um efeito retroativo
excepcional, limitado a certos casos específicos ou a uma certa
categoria de casos.” (grifamos)

Exatamente nesta linha, a Constituição austríaca estabelece, em seu

Artigo 140.5, que a ineficácia da lei ocorre a partir da publicação da sentença de

inconstitucionalidade, salvo se a Corte fixar outro prazo, posterior a essa

publicação, desde que não superior a um ano. Respeitados os casos julgados,

poderá o Tribunal Constitucional, contudo, conceder efeitos retroativos à

anulação da lei, que vigoram, em regra, para o caso concreto, como relata Zeno

Veloso70.

De acordo com a teoria da anulabilidade, portanto, a norma

inconstitucional não é inválida desde o seu início, conservando, via de regra, a

sua força jurídica até que seja cassada por decisão judicial71.

1.3.3. A mitigação das teorias da nulidade e da anulabilidade no

direito comparado

70
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 180.
71
Ibidem, p. 181.
28
Diante das desvantagens práticas decorrentes da aplicação pura e

irrestrita de uma ou outra teoria, verificou-se no direito comparado, como

verdadeira tendência universal72, o desenvolvimento de mecanismos aptos a

promover a mitigação dos princípios da nulidade ou da anulabilidade da lei

inconstitucional.

Com efeito, a introdução de temperamentos a ambas as teorias foi

movimento inspirado por questões eminentemente pragmáticas, diante da

possibilidade, em certos casos, da declaração de inconstitucionalidade acarretar

prejuízos a direitos adquiridos e à segurança jurídica, desprestigiando valores

igualmente consagrados pela ordem constitucional.

Basta imaginar, verbi gratia, uma norma que tenha instituído há

mais de dez anos determinado tributo. Com a declaração de sua

inconstitucionalidade e seus consequentes efeitos retroativos – caso adotada a

teoria da nulidade –, impõe-se, ao Estado, a devolução do montante recolhido

durante todo o seu período de vigência, o que, na prática, enseja inúmeros

inconvenientes, sobretudo diante da provável aplicação integral da verba.

De outro lado, vigorando, na mesma situação hipotética, a teoria da

anulabilidade, os efeitos prospectivos decorrentes da declaração de

inconstitucionalidade da norma importarão situação altamente prejudicial aos

72
Cf. Zeno Veloso, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 789.
29
contribuintes, que sofreram significativa diminuição patrimonial sem qualquer

respaldo constitucional e sequer fazem jus à repetição do indébito.

Por essas e outras razões, já anunciadas por Hans Kelsen73, é que

ambas as teorias foram, com o tempo, sofrendo mitigações no direito comparado,

de forma a autorizar, de acordo com a situação fática presente no caso, a sua

relativização.

E isso se verificou tanto em países que adotaram a teoria da

nulidade – cuja aplicação ilimitada, por afetar situações já consolidadas sob a

égide da lei inconstitucional, acaba prejudicando direitos adquiridos – quanto nos

que se filiaram à tese da anulabilidade – que, em certas situações, possibilita

desprestígio à própria força normativa da Constituição74, por ignorar o poder

derrogatório que lhe é inerente em razão da sua supremacia.

Assim é que, na Áustria, verificou-se a atenuação do rigor teórico

da doutrina da não retroatividade, relativizando-se a tese kelseniana da eficácia

prospectiva da decisão, ao mesmo tempo em que, nos sistemas americano,

alemão e italiano, foram introduzidos mecanismos de temperamentos à regra

geral da retroatividade, como relata Mauro Cappelletti75.

73
Teoria Pura do Direito, p. 306; Jurisdição Constitucional, p. 145.
74
Cf. Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, passim.
75
O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, p. 122.
30
Nos Estados Unidos, lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho76,

nos anos cinquenta, a Corte Warren atenuou esse posicionamento em diversas

decisões, tendo a Suprema Corte rejeitado expressamente “a tese do

desfazimento ex tunc dos efeitos do ato inconstitucional”.

Como anota Laurence H. Tribe77:

“(…) the Court insisted that ‘the nature of judicial review’ strips
it of the quintessentially ‘legislat[ive]’ prerogative to make rules
of law retroactive or prospective as the court sees fit. (…) There
are two important caveats in Harper´s rule of retroactivity. First,
the Court did not hold that all decisions of federal law must
necessarily be applied retroactively. (…) Second, the Federal
Constitution does not usually prescribe the precise form of the
remedy that a state is required to provide for a constitutional
violation, so that a state frequently retains some degree of
latitude even when a decision is held to be retroactive.”

[(...) o Tribunal insistiu que ‘a própria natureza do recurso


judicial’ despoja-lhe a prerrogativa fundamentalmente
‘legislat[iva]’ de tornar retroativas ou prospectivas as regras da
lei conforme o tribunal bem entender. (...)Há duas ressalvas
importantes na lei de retroatividade de Harper. Primeiro, o
Tribunal não decidiu que todas as decisões relativas à legislação
federal devem necessariamente ser aplicadas retroativamente.
(…) Segundo, normalmente a Constituição não estabelece a
forma exata do remédio que o Estado deve providenciar em caso
de violação constitucional, de modo que frequentemente ao
Estado resta algum grau de flexibilidade mesmo quando se
determina que a decisão é retroativa.]

De igual forma, na Espanha e em Portugal, ensina Zeno Veloso78,

os respectivos Tribunais Constitucionais passaram a flexibilizar, em certos casos,

76
O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
77
American Constitutional Law, p. 219-226.
78
Op. cit., 789-790.
31
o princípio da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade,

desde que presentes determinados requisitos.

De sorte que, atualmente, como assevera Manoel Gonçalves

Ferreira Filho79, é possível identificar verdadeira tendência a um novo

posicionamento, intermediário entre o rigor teórico de uma ou outra tese e

condizente com os temperamentos introduzidos paulatinamente num e noutro

sistemas.

1.4. O SISTEMA BRASILEIRO

Apesar de autorizadas vozes em sentido oposto80, a doutrina81 e a

jurisprudência brasileiras filiaram-se majoritariamente à tese da nulidade da lei

inconstitucional, sendo este o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal

Federal82.

79
Op. cit., p. 59-71.
80
Vide, a esse respeito, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 53;
Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, p. 163 ss;
Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, v. 4, t. III, p. 85 apud Zeno
Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 183; Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71, dentre
outros.
81
Nas palavras de Zeno Veloso: “A doutrina clássica, nos Estados Unidos – Marshall, Charles
Kent, Black, dentre outros –, firmou o princípio de que todo ato legislativo contrário à
Constituição é nulo, e a este entendimento aderiram, no Brasil, Ruy Barbosa e Alfredo Buzaid.
Mais radical, Francisco Campos expõe que a lei inconstitucional não é nula, nem anulável, mas
inexistente.” (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 784).
82
“O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do direito brasileiro. A
teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas. Fundada na antiga
doutrina americana, segundo a qual the inconstitutional statute is not law at all, significativa
parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e
nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei
inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.” AI 631.533,
32
Como anota Zeno Veloso83, registra-se no Supremo Tribunal

Federal apenas uma decisão que “aderiu à tese kelseniana da anulabilidade e não

da nulidade da lei inconstitucional”, prolatada no Recurso Extraordinário

79.343/BA, em 31.05.1977, tendo sido Relator o Ministro Leitão de Abreu.

Nada obstante, e a despeito da inexistência de dispositivo

constitucional específico sobre a questão, como se verifica em alguns países84,

firmou-se no Brasil o entendimento de que a lei inconstitucional é nula desde a

sua origem85, produzindo efeitos retroativos a decisão judicial que assim a

reconhece.

Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 12-3-07. No mesmo sentido:
ADI 652-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-92; ADI 1.434–MC, Rel. Min.
Celso de Mello, julgamento em 29-8-96; ADI 2.215-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, julgamento em 17-4-01; RE 392.139-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
26-4-05; RE 395.902-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06; ADI 2.994-ED,
Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 31-5-06; RE 364.304-AgR, voto do Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 3-10-06; ADI 2.728-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-
10-06; AI 472.768-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-11-06; ADI 2.996-ED,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-12-06; AI 457.766-AgR, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 3-4-07; AI 474.708-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão
monocrática, julgamento em 17-3-08, dentre outros. Disponíveis em: <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em: 09 set. 2010.
83
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 182.
84
Como é o caso de Alemanha, Portugal e Espanha, que contemplam dispositivos expressos
acerca da nulidade da lei inconstitucional, como visto acima.
85
Apesar da incoerência, como aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (O valor do ato
inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71), que tal entendimento suscita
frente ao sistema brasileiro de controle difuso, no qual, inexistindo o stare decisis próprio do
direito norte-americano, a norma declarada inconstitucional continua, embora nula, sendo
aplicada noutros casos, já que a decisão colhe apenas as partes litigantes, dependendo a sua
suspensão geral do crivo do Senado Federal (Art. 52, X, CF/88) – o que, na prática, não se tem
observado. De se notar, contudo, que o STF tem admitido a eficácia “transcendente dos motivos
determinantes subjacentes à decisão declaratória de inconstitucionalidade”, reconhecendo que
“a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios
fundamentos determinantes (“ratio decidendi”) do julgado declaratório de
inconstitucionalidade emanado do Supremo Tribunal Federal”, como restou consignado no
voto do Rel. Min. Celso de Mello na ADI 3.345 (julgamento em 25-08-05). Disponível em
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
33
De se inferir, da análise sistemática da Constituição de 1988, que a

tese da nulidade da lei inconstitucional parece encontrar guarida no sistema

constitucional brasileiro.

Se a Constituição Federal exige, em seu Artigo 97, o quórum de

maioria absoluta dos tribunais ou de seus respectivos órgãos especiais para a

declaração de inconstitucionalidade das leis, atribuindo-se ao Supremo Tribunal

Federal, em seu Artigo 102, caput e inciso III, respectivamente, a guarda da

Constituição e a competência para, via recurso extraordinário, conhecer as causas

em que a decisão recorrida tenha contrariado dispositivo constitucional ou

declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, claro está, neste

ponto, que o próprio texto constitucional reconhece a todos os juízes e tribunais

não apenas a autoridade para discutir e “conhecer da legitimidade das leis perante

a Constituição” bem como a de “aplicá-las, ou desaplicá-las, segundo esse

critério”86.

Aliás, como assevera Gilmar Mendes87:

“Esse entendimento tem base constitucional. (...) O poder de que


dispõe qualquer juiz ou Tribunal para deixar de aplicar a lei
inconstitucional a determinado processo (CF, arts. 97 e 102, III,
a, b e c) pressupõe a invalidade da lei e, com isso, a sua
nulidade. A faculdade de negar aplicação à lei inconstitucional
corresponde ao direito do indivíduo de recusar-se a cumprir a lei
inconstitucional, assegurando-se-lhe, em ultima instância, a
possibilidade de interpor recurso extraordinário ao Supremo
Tribunal Federal contra decisão judicial que se apresente, de

86
Rui Barbosa, Atos Inconstitucionais, p. 53.
87
Jurisdição Constitucional, p. 325-326.
34
alguma forma, em contradição com a Constituição (art. 102, III,
a)”.

É da índole do regime constitucional brasileiro, portanto, e não

tanto de seus textos, que emerge o dogma da nulidade da norma inconstitucional,

tal como se verifica no sistema americano88.

Hodiernamente, porém, a dita teoria parece ter sofrido abalamentos

pelo vigente Artigo 2789 da Lei Federal n. 9.868/99.

É que, embora da exegese do dispositivo em questão reconheça-se,

a contrario sensu, que a declaração de inconstitucionalidade em regra produz

efeito retroativo, pois que admitida a possibilidade dela, excepcionalmente,

vigorar a partir de momento diverso, não se pode olvidar que o mesmo

dispositivo acaba por reconhecer a possibilidade de restrição dos efeitos da

nulidade da lei.

E, com isso, também ocorre a possibilidade de um ato

inconstitucional, embora nulo – como preconizado pela doutrina e a

jurisprudência nacionais – continuar vigendo e produzindo efeitos, mesmo depois

de ter reconhecida a sua invalidade.

88
Cf. Rui Barbosa, op. cit., p. 41-42.
89
Que, a despeito de ter tido sua constitucionalidade questionada perante o STF, permanece em
vigor, pois que pendente de julgamento, desde o ano de 2000, as ADI´s 2.154 e 2.258 (conforme
o acompanhamento processual disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 21 set. 2010).
35
O que, por consequência, implica a “flexibilização”, para usar a

expressão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho90, da própria supremacia

constitucional.

De qualquer modo, persistiu o entendimento majoritário – repita-se,

na doutrina e na jurisprudência do STF – de que a declaração de

inconstitucionalidade no sistema brasileiro ordinariamente produz efeitos

retroativos à edição da norma, dada a sua nulidade, invalidando-se, com isso,

todos os atos jurídicos dela decorrentes, com exceção das hipóteses legais de

modulação, como veremos a seguir.

Certo é que, parafraseando o Justice Cardozo91, nossa Constituição

nem proíbe nem reclama o efeito retroativo.

Consequentemente, sendo a retroação dos efeitos a regra geral

adotada, tem-se como decorrência natural da declaração de inconstitucionalidade

da lei o efeito repristinatório, consistente na restauração da eficácia dos atos

normativos anteriormente revogados em razão da posterior declaração de

inconstitucionalidade da sua norma revogadora.

De fato, se, em regra, a declaração de inconstitucionalidade de uma

norma produz efeitos ex tunc, retroagindo ao início da sua vigência, tudo quanto

tenha sido por ela produzido restará nulo ipso jure.

90
O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
91
Apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., mesma página.
36
É, conforme visto alhures, como se a norma declarada

inconstitucional, em verdade, nunca tivesse sido eficaz. Portanto, se uma

primeira lei for revogada por uma segunda e esta, por sua vez, for posteriormente

declarada inconstitucional, a primeira voltará a valer, já que a declaração de

inconstitucionalidade da segunda produzirá, por regra, efeitos retroativos,

fazendo com que toda a eficácia pretérita da lei declarada inconstitucional seja

desconsiderada.

Tanto é que as medidas cautelares deferidas em sede de ação direita

de inconstitucionalidade também produzem, em regra, o denominado efeito

repristinatório, por expressa disposição do §2º do Artigo 1192 da Lei Federal n.

9.868/99, in litteris:

“§ 2º A concessão da medida cautelar torna aplicável a


legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação
em sentido contrário.”

Ora, se o efeito repristinatório da legislação anterior comumente

decorre da prolação de decisão provisória acerca da inconstitucionalidade da

norma, com mais razão se verificará quando da manifestação final do Supremo

Tribunal Federal a esse mesmo respeito, como, aliás, entende a própria Corte93.

92
Dispositivo que também teve a sua constitucionalidade questionada perante o STF, estando
pendente de julgamento as ADI´s 2.154 e 2.258 (conforme acompanhamento processual
disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 21 set. 2010).
93
Cf. Zeno Veloso, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 787.
37
Na hipótese de a norma restaurada pela declaração de nulidade

daquela que a havia revogado ser igualmente inconstitucional, entende o

Supremo Tribunal Federal que, por estar jungido ao princípio da inércia da

jurisdição e, assim, restrito ao texto impugnado na demanda, não pode estender a

declaração de inconstitucionalidade a dispositivos que não integraram o pedido94,

ainda que configurado nexo de dependência entre esses e aquele95.

Nesse caso, portanto, ao autor da demanda incumbe requerer, na

própria exordial, que a declaração de inconstitucionalidade se estenda também

àqueles dispositivos que, por consequência, se afigurarão contrários ao texto

constitucional caso restaurados pela pronúncia de nulidade da sua norma

revogadora96.

Embora seja esse o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal

Federal97, já se verificou, tal como admitido na jurisprudência portuguesa98, a

aplicação da técnica da inconstitucionalidade por arrastamento ou consequencial

94
“Controle normativo abstrato de constitucionalidade e efeito repristinatório. A questão do
efeito repristinatório indesejado. Necessidade, em tal hipótese, de formulação de pedidos
sucessivos de declaração de inconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das
normas por ele revogadas, desde que também eivadas do vício da ilegitimidade constitucional.
Ausência de impugnação, no caso, do diploma legislativo cuja eficácia restaurar-se-ia em
função do efeito repristinatório. Hipótese de incognoscibilidade da ação direta. Precedentes.
Ação direta não conhecida.” ADI 2.215-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 17-4-01. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 09 set. 2010.
95
Cf. Zeno Veloso, op. cit., p. 787-788.
96
Ibidem, mesma página.
97
“Efeito repristinatório. Norma anterior com o mesmo vício de inconstitucionalidade. No caso
de ser declarada a inconstitucionalidade da norma objeto da causa, ter-se-ia a repristinação de
preceito anterior com o mesmo vício de inconstitucionalidade. Neste caso, e não impugnada a
norma anterior, não é de se conhecer da ação direta de inconstitucionalidade.” ADI 2.574, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento em 2-10-02. No mesmo sentido: ADI 2.938, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 5-6-05. Disponíveis em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 09 set. 2010.
98
Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1017.
38
de preceitos não impugnados em julgados isolados, como o que transcrevemos a

seguir:

“No que se refere à norma final do § 2º do art. 11 da Lei


9.868/99 (...), o Tribunal, por maioria, julgou improcedente o
pedido formulado. Salientou-se, inicialmente, que a ação direta
foi instituída como instrumento de salvaguarda da higidez da
ordem jurídica e não para a tutela de pretensões de direito dos
sujeitos legitimados para propô-la e que, em razão disso, a
recepção do princípio do pedido no processo objetivo da
jurisdição constitucional há de ser dimensionada a partir dessa
perspectiva institucional do sistema de controle abstrato de
normas. Tendo isso em conta, entendeu-se, na linha adotada pela
doutrina portuguesa e pequena parte da brasileira, que o
Tribunal pode sobrepor apreciar incidentemente a
constitucionalidade da lei precedente à impugnada para,
julgando-a igualmente inválida, impedir sua revivescência
decorrente da declaração de inconstitucionalidade da que a tenha
revogado. Ressaltou-se que a recusa da repristinação se baseará
em juízo similar ao da declaração incidente de
inconstitucionalidade de norma cuja validade seja prejudicial da
decisão principal a tomar, a qual sempre se pode dar de ofício e
que nada exclui possa ocorrer no julgamento de uma ADI, onde
um mesmo Tribunal, como o STF, cumule as funções de órgão
exclusivo do controle abstrato com o de órgão de cúpula do
sistema difuso.” (ADI 2.154 e ADI 2.258, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 14-2-07, Informativo 456)99

De toda sorte, como bem argumenta Zeno Veloso100, ainda que se

entenda ser impossível a extensão de ofício da declaração de

inconstitucionalidade a preceitos não impugnados expressamente, por

arrastamento à nulidade do preceito principal, teria o Supremo Tribunal Federal

outro mecanismo apto a evitar que o efeito repristinatório fizesse revigorar

normas inconstitucionais: a modulação dos efeitos da sentença, expressamente

prevista na Lei Federal n. 9.868/99.

99
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 09 set. 2010.
100
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 194.
39
1.4.1. Modulação de efeitos: o Art. 27 da Lei n. 9.868/99

Seguindo a tendência da mitigação da teoria da nulidade verificada

no direito comparado101, também o Brasil acabou por instituir mecanismos legais

aptos a, presentes determinados requisitos, relativizar os efeitos da decisão que

reconhece a nulidade da norma inconstitucional.

Positivou-se, então, que a decisão que reconhece a

inconstitucionalidade da norma no controle abstrato opera, em regra, efeitos

retroativos, salvo se o Tribunal entender que deve fixar outro momento para o

início da ineficácia da norma, como prevê o Artigo 27102 da Lei n. 9.868/99, in

verbis:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato


normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.”

Assim, diante de situações em que a retroação dos efeitos

decorrentes da declaração de inconstitucionalidade pode abalar a segurança

jurídica, afetando, ainda, o interesse social, o Supremo Tribunal Federal poderá

modificar o efeito retroativo geral da decisão, determinando que a declaração de


101
Como visto anteriormente (item 1.3.3.).
102
Lembrando, como já aludido, que continua pendente no STF o julgamento das ADI´s 2.154 e
2.258 em que se questiona a constitucionalidade desse e outros dispositivos da Lei n. 9.868/99
(conforme o acompanhamento processual disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 21
set. 2010).
40
inconstitucionalidade produza efeitos pro futuro ou a partir de outro momento

fixado na decisão.

Trata-se da denominada modulação de efeitos, por meio da qual se

modifica, por decisão de dois terços dos membros do Supremo, o efeito temporal

da decisão de inconstitucionalidade.

Desde que presentes aqueles requisitos, portanto, os efeitos em

regra decorrentes da declaração de nulidade da lei poderão, excepcionalmente,

ser alterados, para atendimento das finalidades prescritas no caput do trasladado

Artigo 27, cuja redação, diga-se de passagem, foi inteiramente inspirada no

Artigo 282.º 4. da Constituição Portuguesa103.

Neste caso, havendo a modificação temporal dos efeitos que a

declaração de nulidade da lei em regra produziria, não se verificará, por

consequência, o efeito repristinatório que lhe seria inerente, já que a decisão de

inconstitucionalidade vigorará a partir de outro momento, não retroagindo,

portanto, à entrada em vigor da norma.

Tal mecanismo poderá, por isso, ser utilizado para evitar que a

declaração de inconstitucionalidade da norma opere a repristinação de normas

103
“Artigo 282.º Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (...) 4. Quando
a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá
ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.os 1 e
2.” Disponível em <http://www.parlamento.pt>. Acesso em: 09 set. 2010.
41
igualmente dissonantes com o texto constitucional, em homenagem à segurança

jurídica cuja preservação objetiva o citado dispositivo legal.

É que, fixando momento diverso para que a decisão produza

efeitos, poderá se evitar, com isso, a restauração da eficácia de normas também

eivadas de nulidade e que haviam sido preteritamente revogadas pela que, agora,

se declara inconstitucional, restando assim prestigiada a supremacia da

Constituição.

É preciso frisar, contudo, parafraseando o entendimento esposado

por Jorge Miranda104, que a modulação autoriza a restrição dos efeitos da

inconstitucionalidade, e não o seu “alargamento na cadeia temporal das normas

jurídicas”, de forma a alcançar, via reflexa, norma anterior igualmente tida por

inválida.

A eficácia retroativa da decisão no sistema brasileiro, portanto, é a

regra, constituindo exceção a sua modulação. Assim, presentes os pressupostos

do excepcional interesse social ou da necessidade de preservação da segurança

jurídica105, modifica-se o efeito da decisão, impedindo as eventuais

consequências gravosas que a declaração de inconstitucionalidade possa acarretar

104
Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, p. 288-289.
105
De se notar que os requisitos em questão mereceram inúmeras críticas por parte da doutrina,
dada sua indeterminabilidade, característica que torna eminentemente política a decisão do STF,
posto que dependente de juízo de conveniência e oportunidade da maioria qualificada de seus
membros. Tanto que arguida, embora ainda não apreciada pelo STF, a inconstitucionalidade do
dispositivo. Vide, nesse sentido, os comentários de Manoel Gonçalves Ferreira Filho em O
valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
42
– e em virtude das quais, inclusive, poderia ser o Supremo Tribunal Federal

compelido a evitar o reconhecimento da invalidade da norma106.

Nesta medida, a adoção da técnica em referência deve ser sempre

acompanhada das devidas cautelas, a fim de evitar que seja tornada regra a

exceção107.

Mencione-se ainda que, mesmo quando a modulação esteja

positivamente prevista apenas para o controle abstrato, o Supremo Tribunal

Federal tem admitido a sua aplicação também em sede de controle incidental,

como se verifica no voto do Ministro Maurício Corrêa exarado no Recurso

Extraordinário 197.917108, in verbis:

“Municípios. Câmara de vereadores. Composição. Autonomia


municipal. Limites constitucionais. Número de vereadores
proporcional à população. CF, artigo 29, IV. (...)
Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal.
Efeitos para o futuro. Situação excepcional. (...) Efeitos.
Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a
declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc,
resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente.
Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de
exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de
inconstitucionalidade.” (grifamos)

106
Cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 1991, n. 143, p. 500 apud Zeno
Veloso, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, p. 791.
107
Nas palavras de Zeno Veloso (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 791): “Na
doutrina européia – especialmente na portuguesa – tem sido exposta a preocupação com o
excesso ou a generosidade com que os Tribunais Constitucionais vêm limitando os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade, apontando-se o perigo que representa a transformação da
exceção em regra (...). No Brasil, muito preocupa a influência que possa exercer um Poder
Executivo forte e autoritário, para reverter a seu favor a possibilidade de se conferir limitações
ou restrições materiais e temporais à declaração de inconstitucionalidade.”
108
RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 6-6-02. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 09 set. 2010.
43
No mesmo sentido são os entendimentos já esposados pelos

Ministros Gilmar Mendes109 e Celso de Mello110, reconhecendo, igualmente, a

possibilidade de mitigação do dogma da nulidade da norma inconstitucional

também na fiscalização concreta de constitucionalidade das leis.

109
Pet 2.859-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 6-4-04; AC
189-MC-QO, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-6-04. Disponíveis em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 08 set. 2010.
110
“O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de
proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade,
mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso.” RE 395.902-AgR, Rel.
Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em
08 set. 2010.
44
2. O JUÍZO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA FISCALIZAÇÃO

VERTICAL DAS LEIS NO BRASIL

2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SISTEMA JURISDICIONAL

BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Embora o exame pormenorizado do sistema de fiscalização da

constitucionalidade das leis no Brasil não constitua o objeto precípuo deste

trabalho, torna-se imprescindível procedermos a uma análise, ainda que em

breves e sintéticas linhas, da evolução e das atuais características do sistema

jurisdicional brasileiro de controle, como pressuposto para o exame futuro das

possíveis variantes decisórias em sede de controle abstrato.

No que concerne ao controle jurisdicional da constitucionalidade

das leis, historicamente, o Brasil adotou o sistema difuso, originado nos Estados

Unidos, como fruto da atividade pretoriana111, contemplado já na Carta de

1891112, sob cuja égide o §10 do Artigo 13 da Lei n. 221, de 30 de novembro de

1894113, estabeleceu, in verbis:

111
Cf. Zeno Veloso, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 771.
112
De se notar que a Constituição do Império, de 1824, não estabelecia um controle
jurisdicional de fiscalização das normas, incumbindo, ao revés, ao próprio Poder Legislativo o
papel de velar pela guarda da Constituição bem como o de elaborar, interpretar, suspender e
revogar as leis, como lembra Zeno Veloso (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p.
29).
113
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1851-1900/L0221.htm>. Acesso
em 20 set. 2010.
45
“§ 10. Os juizes e tribunaes apreciarão a validade das leis e
regulamentos e deixarão de applicar aos casos occurrentes as
leis manifestamente inconstitucionaes e os regulamentos
manifestamente incompativeis com as leis ou com a
Constituição.”

Assim, desde a Constituição da República de 1891 até o advento da

Carta de 1934, adotou-se no Brasil, por influência direta do sistema norte-

americano, o modelo difuso ou incidental como meio de controle jurisdicional de

constitucionalidade das leis.

A par das importantes inovações introduzidas pela Constituição de

1934, como a exigência do quórum de maioria absoluta dos membros dos

tribunais para a declaração de inconstitucionalidade das leis e a possibilidade de

suspensão, pelo Senado, da execução dos atos declarados inconstitucionais pelo

Poder Judiciário114 – regras ainda hoje presentes em nosso sistema115 – a

principal delas certamente residiu na instituição da representação interventiva,

inaugurando mecanismo apto à verificação direta da lei federal que houvesse

decretado a intervenção no Estado membro, embora não constituísse típico

controle abstrato116.

A despeito do enfraquecimento do poder decisório dos tribunais

acerca da inconstitucionalidade das leis, introduzido pela Carta de 1937 – que

permitia ao Legislativo tornar, por iniciativa do Presidente da República, sem

114
Cf. Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 31.
115
Conforme estabelecem os arts. 97 e 52, X, da Constituição de 1998, respectivamente.
116
Cf. Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p.
95-96.
46
efeito a decisão judicial117 –, as Constituições que se seguiram em 1946,

sobretudo com a Emenda n. 16 de 1965 – que ampliou o objeto do controle por

via de ação, então restrito às hipóteses de intervenção federal118–, e em

1967/1969 – que conservou119 a competência do Supremo Tribunal Federal para

processar a representação por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual120 –, introduziram no sistema brasileiro, ao lado da já adotada

via incidental, mecanismos aptos ao controle abstrato, ampliado, finalmente, pela

Carta de 1988.

Com a Constituição de 1988, consagrou-se, efetivamente, o típico

sistema misto ou híbrido de controle inaugurado em 1965121, que combina,

simultaneamente, mecanismos próprios do modelo difuso e do concentrado, tal

como se verifica no direito português122.

Com efeito, a Constituição de 1988 e as subsequentes Emendas

Constitucionais n. 03/93 e n. 45/04, reforçaram consideravelmente o sistema

abstrato de controle jurisdicional brasileiro, hoje predominante123 – seja em razão

da ampliação da legitimidade para instauração da ação direta, seja em virtude da

117
Cf. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 328-329.
118
Ibidem, p. 330.
119
Embora tenha suprimido a competência dos Tribunais de Justiça dos Estados introduzida
pela Emenda n. 16/65 para controlar, originariamente, as leis ou atos municipais conflitantes
com as Constituições Estaduais respectivas, como bem lembra Regina Maria Macedo Nery
Ferrari (op. cit., p. 99-100).
120
Cf. Paulo Bonavides, op. cit., p. 330-331.
121
Cf. Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 34.
122
Idem, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 778.
123
Cf. Gilmar Ferreira Mendes, O controle de constitucionalidade das leis na atualidade, p.
300.
47
criação de novos mecanismos para tanto124 –, sem embargo do modelo americano

tradicionalmente adotado entre nós.

Assim, o vigente sistema jurisdicional brasileiro de controle

congrega, de um lado, a verificação incidental da constitucionalidade das leis,

realizada diante do caso concreto, no curso de qualquer demanda e de forma

prejudicial ao mérito, por qualquer juiz ou tribunal, conforme se depreende da

exegese sistemática dos Artigos 5º, LXXI; 52, X; 97 e 102, III, a, b e c da

Constituição de 1988.

Trata-se, neste caso, do sistema difuso ou por via de exceção,

inspirado no modelo americano, cuja decisão, entre nós, alcança apenas as partes

do processo, nos termos do Artigo 468 do Código de Processo Civil, ressalvada a

possibilidade de extensão pelo Senado Federal, caso o julgamento tenha sido

proferido pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do Artigo 52, X, da

Constituição Federal.

A par desse modelo incidental, nossa Constituição também estatui

mecanismos destinados especificamente à verificação abstrata das leis125,

desvinculada do caso concreto, de instauração privativa de determinados órgãos e

124
Como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental decorrente da Constituição e, posteriormente, a ação declaratória de
constitucionalidade, introduzida pela EC 03/93, além da restauração do controle abstrato das leis
estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, instituído pela Emenda n. 16/65 à
Constituição de 1946 e posteriormente suprimido pela Constituição de 1967 e pela Emenda n.
01/69.
125
Que são: a ação direta de inconstitucionalidade; a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão; a ação direta de inconstitucionalidade interventiva; a ação declaratória de
constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, conforme os arts.
36, III; 102, I, a e §1º e 103, §2º da Constituição de 1988.
48
autoridades, expressamente legitimados para tanto126, e julgamento concentrado

no Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma consistir na Constituição

Federal, ou nos Tribunais de Justiça locais, se a análise se der em relação à

respectiva Constituição Estadual, na forma dos Artigos 102, I, a e §1º e 125, §2º

da Carta de 1988.

A decisão, nesse caso, alcança a todos, isto é, opera efeitos erga

omnes, vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração

Pública direta, indireta, federal, estadual e municipal, nos exatos termos do

Artigo 102, §2º, da Constituição Federal.

E tal modelo concentrado, como visto, vem sendo paulatinamente

fortalecido no Brasil, tendência corroborada pelo advento das Emendas

Constitucionais n. 03/93 e n. 45/04.

De sorte que, presentemente, o sistema brasileiro de fiscalização

das leis consubstancia-se – ao menos do ponto de vista formal – num dos mais

amplos e criativos127 da atualidade, “dados os moldes e a extensão em que foram

aproveitados – com adaptações – os dois modelos”128, contemplando inclusive

126
Na forma dos arts. 36, III e 103, I a IX, da CF/88.
127
Cf. Marcelo Figueiredo, O controle de constitucionalidade: algumas notas e preocupações,
p. 185.
128
Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 34.
49
mecanismos sem precedentes no direito comparado129, como é o caso da ação

declaratória de constitucionalidade130.

Vistas, assim, em breves linhas, as principais características do

sistema jurisdicional brasileiro de fiscalização da constitucionalidade,

debruçaremo-nos, a seguir, sobre o exame da decisão produzida em sede de

controle abstrato, considerando o corte epistemológico aqui pretendido.

2.2. A DECISÃO NA FISCALIZAÇÃO VERTICAL DE CONSTITUCIONALIDADE

Diante dos atuais contornos do sistema brasileiro de controle

concentrado, sobretudo após o advento das Leis Federais n. 9.868/99 e n.

9.882/99, temos, por certo, que a decisão proferida em sede de fiscalização

abstrata comporta, entre a constitucionalidade e a inconstitucionalidade do ato,

diferentes graus.

Com efeito, o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão

pela Carta de 1988, aliada às possibilidades de modulação temporal dos efeitos

129
Cf. Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, p. 229.
130
Cuja instituição, à época da edição da EC 03/93, recebeu severas críticas por boa parte da
doutrina nacional, dentre as quais podemos destacar a violação da separação dos poderes, com a
atribuição ao STF da competência política de chancelar as leis, e a própria inversão do princípio
da presunção de constitucionalidade, além de outras (cf. Marcelo Figueiredo, A ação
declaratória de constitucionalidade – inovação infeliz e inconstitucional, p. 155-181). De se
frisar, entretanto, a par da confirmação da constitucionalidade da EC 03/93 pelo STF (cf. André
Ramos Tavares, Constituição do Brasil Integrada, p. 214), que a Lei Federal n. 9.868/99 e,
posteriormente, a EC 45/04 acabaram sanando em grande medida tais questionamentos ao
exigir, por exemplo, prova da controvérsia judicial relevante para cabimento da ação e equiparar
seus legitimados ativos aos da ADI, respectivamente.
50
da decisão, da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e da

interpretação conforme – introduzidas, ao menos positivamente, pelos citados

diplomas normativos –, corroboraram a tese, já conhecida da prática

pretoriana131, de que o ato inconstitucional pode assumir variantes valorativas,

em oposição ao rigor teórico do dogma da nulidade, tradicional no direito

brasileiro.

De forma que o tripé nulidade, caráter declaratório da decisão e

efeito ex tunc da desconstituição132, próprio da tese da nulidade, nem sempre se

verificará nas decisões proferidas em sede de fiscalização abstrata, ora objeto do

nosso exame.

Isto porque, nas palavras de Gilmar Mendes133, a aceitação do

princípio da nulidade não impede “que se reconheça a possibilidade de adoção,

entre nós, de uma declaração de inconstitucionalidade alternativa. É o que

demonstra a experiência do direito comparado”, como visto alhures134:

“O recurso a técnicas inovadoras de controle da


constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral tem
sido cada vez mais comum na realidade do direito comparado,
na qual os tribunais não estão mais afeitos às soluções ortodoxas
da declaração de nulidade total ou de mera decisão de

131
Com efeito, mesmo antes das Leis n. 9.868/99 e 9.882/99 o STF já vinha reconhecendo a
necessidade de se aplicar restrições temporais e materiais às decisões de inconstitucionalidade,
seja no sistema difuso, seja na via concentrada, conforme anota Gilmar Mendes (Controle
Concentrado de Constitucionalidade, p. 454-459 e 493 ss).
132
Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O valor do ato inconstitucional, em face do direito
positivo brasileiro, p. 59-71.
133
Controle Concentrado de Constitucionalidade, p. 545.
134
Cf. item 1.3.3. supra.
51
improcedência da ação com a conseqüente declaração de
constitucionalidade.”135

A inconstitucionalidade, destarte, é vício que compreende

diferentes sanções136.

Por conseguinte, a decisão judicial proferida em sede de controle

concentrado comporta gradações diversas, muito além da dualidade conceitual

constitucionalidade – inconstitucionalidade137, como expressamente prevê nosso

sistema jurídico.

Vejamos.

2.2.1. A declaração de constitucionalidade “pura”, “natural” ou

“tradicional”

Temos, primeiramente, que a decisão proferida em sede de

fiscalização abstrata pode reconhecer a conformidade do ato em face da

Constituição e, nesta medida, a sua constitucionalidade.

135
Trecho do voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
136
Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 953.
137
Nas precisas palavras de Jorge Miranda: “Mais do que qualquer outro aspecto torna-se aqui
patente como o juízo de inconstitucionalidade não se reduz a algo de lógico-formal ou
silogístico; como se torna ainda mais indispensável apreciar o acto frente à norma
constitucional, bem como às relações e situações da vida que visa conformar. E tal juízo ainda
mais complexo se recorta, quando recai sobre um acto normativo – então a norma, que é um
dever ser ou um valor, é também objecto de um juízo de valor.” (Manual de Direito
Constitucional, Tomo VI, p. 94).
52
E mesmo a compatibilidade vertical da norma comporta ao menos

duas variantes: uma que se pode chamar “natural” e outra que se dá mediante

interpretação conforme.

No primeiro caso, o reconhecimento de que o ato é constitucional

de forma “pura” equivale ao de que ele o é em sua própria natureza, por si só,

sem que para tal conclusão sejam necessárias maiores ilações; decorre ela

diretamente do próprio enunciado normativo138.

Poder-se dizer, nesse caso, que a constitucionalidade é patente,

posto que a literalidade do enunciado não admite outra opção. É que o texto

normativo, neste caso, naturalmente não comporta qualquer hipótese

interpretativa contrária à Constituição. A norma, assim, é constitucional em sua

essência, tal qual se apresenta.

Teremos, nesta hipótese, a declaração “tradicional” de

constitucionalidade a que alude o Artigo 24 da Lei Federal n. 9.868/99139, in

litteris:

“Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á


improcedente a ação direta ou procedente eventual ação
declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á
procedente a ação direta ou improcedente eventual ação
declaratória.” (grifamos)

138
Trataremos, adiante, no item 2.3.1.3, das diferenças entre texto e norma.
139
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em 22 set.
2010.
53
2.2.2 A declaração de constitucionalidade mediante interpretação

conforme

A par dessa primeira, o diploma normativo referenciado admite,

ainda, outra espécie de declaração de constitucionalidade, a que se chega

mediante interpretação conforme à Constituição.

A compatibilidade vertical da norma, aqui, decorre não diretamente

do seu texto, mas, ao contrário, do sentido dele emergente, que se coaduna com a

Constituição.

É que a literalidade do enunciado, neste caso, contempla hipóteses

interpretativas conformes e outras desconformes à Constituição, restando as

primeiras assim reconhecidas, sem que com isso se declare, necessariamente, a

inconstitucionalidade das últimas140.

Assim, nas palavras de Paulo Bonavides (curso):

“Uma norma pode admitir várias interpretações. Destas,


algumas conduzem ao reconhecimento da inconstitucionalidade,
outras, porém, consentem tomá-la por compatível com a
Constituição. O intérprete, adotando o método ora proposto [a
interpretação conforme a constituição], há de inclinar-se por esta
última saída ou via de solução. A norma, interpretada ‘conforme
a Constituição’, será portanto considerada constitucional.”

140
Conforme analisaremos adiante (item 3.7.1.).
54
A constitucionalidade da norma, portanto, seria, por assim dizer,

“artificial”, porquanto decorrente da atividade exegética, e não naturalmente dos

seus próprios termos, como na hipótese acima analisada.

Por certo, não se está a afirmar que haveria na espécie uma “falsa”

constitucionalidade. Não se trata disso. A norma, de fato, é constitucional. No

entanto,/ contudo/, o reconhecimento de tal estado jurídico é fruto mais da

atuação do intérprete do que do enunciado normativo em si.

O Parágrafo único do Artigo 28 da Lei Federal n. 9.868/99141

conferiu status de técnica decisória à interpretação conforme, que, como a

declaração tradicional de constitucionalidade, também produz efeitos erga omnes

e vinculante, in verbis:

“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de


inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade
sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.”
(grifamos)

Não se pode olvidar que a interpretação conforme à Constituição

assume natureza plurissignificativa142. É, ao mesmo tempo, princípio

141
Ibidem.
142
Cf. André Gustavo C. de Andrade, Dimensões da interpretação conforme a Constituição, p.
02 ss. Disponível em
<http://www.tjrj.jus.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_const
/dimensoes_da_interpretacao_conforme_a_constituicao.pdf>. Acesso em 7 set. 2010.
55
hermenêutico143 e técnica de decisão da justiça constitucional144, como veremos

adiante.

E, no ponto que agora nos interessa, consiste, pois, em variante

decisória da fiscalização das leis, distinta da declaração tradicional de

constitucionalidade acima examinada.

Em ambos os casos, portanto – declaração “tradicional” de

constitucionalidade ou mediante interpretação conforme –, o que se tem, como

resultado, é um juízo de não inconstitucionalidade145, que enseja o julgamento

improcedente da ação direta ou procedente da ação declaratória de

constitucionalidade146, dado caráter dúplice ou ambivalente dessas ações.

2.2.3. A declaração de inconstitucionalidade e suas variantes

Também o reconhecimento da inconstitucionalidade pode acarretar

resultados distintos, a depender da “gravidade do vício que macula o ato”147.

143
Cf. Silvio Luiz Maciel, Interpretação conforme a Constituição, p. 15-19.
144
Cf. André Ramos Tavares, Fronteiras da Hermenêutica, e Luís Henrique Martins dos Anjos,
A interpretação conforme a constituição enquanto técnica de julgamento do Supremo Tribunal
Federal, p. 02-04 ss. Disponível em
<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/15728/15292>.
Acesso em 7 set. 2010.
145
Cf. Jorge Miranda, Os tipos de decisões na fiscalização da constitucionalidade, p. 34.
146
Cf. art. 24 da Lei n. 9.868/99.
147
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O valor do ato inconstitucional, em face do direito
positivo brasileiro, p. 59-71.
56
J. J. Gomes Canotilho148 chega a sugerir uma “teoria da

pluralidade de consequências ou resultados jurídicos derivados da

inconstitucionalidade de actos normativos”.

Para Jorge Miranda149, o destino do ato inconstitucional e de seus

efeitos depende da gravidade maior ou menor da infração. Assim:

“Quanto mais próxima do cerne da Constituição material se


situar a norma violada, mais forte será a reacção contra o acto
inconstitucional. Quanto mais valioso for o seu conteúdo – seja
um direito fundamental, seja um princípio de participação
política, de organização económica ou de interdependência de
órgãos de soberania – menor valor será atribuído ao
comportamento que lhe seja desconforme. Quanto mais
intangível se almejar, menor protecção será dada aos eventuais
efeitos que em concreto do acto tenham resultado.”150

O ilustre doutrinador português distingue quatro diferentes valores

jurídicos negativos da inconstitucionalidade, conforme o grau da violação: (i) a

inexistência, que independe de declaração, não produzindo o ato quaisquer

efeitos desde a sua origem; (ii) a invalidade stricto sensu, que comporta (ii.1) a

nulidade (que, embora dependa de declaração, importa ineficácia ab initio do ato)

e a (ii.2) anulabilidade (que enseja a sua ineficácia prospectiva, a partir da

decisão que assim o constituir), e, por fim, (iii) a irregularidade, que não

prejudica a produção de efeitos pelo ato151.

148
Op. cit., p. 952-953.
149
Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, p. 93-95.
150
Ibidem, p. 95.
151
Ibidem, p. 97-98.
57
Também no Brasil, como frisado pelo Ministro Gilmar Mendes, “há

muito vem a doutrina ressaltando as limitações da simples pronúncia da nulidade

ou da mera cassação da lei para solver todos os problemas relacionados à

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.”152

Manoel Gonçalves Ferreira Filho153, por exemplo, admitindo a

desconstituição graduada do ato inconstitucional, propõe que ela se dê conforme

a violação seja material – o mais grave dos vícios, a ser sancionado com a

nulidade – ou formal – cuja gravidade comporta diferentes graus, acarretando

desde a inexistência até a validação do ato.

Verifica-se, com efeito, em nosso vigente direito positivo, a

previsão de consequências distintas e de graus variados à incompatibilidade

vertical dos atos normativos.

É o que se depreende da expressa dicção do Artigo 27 da Lei

Federal n. 9.868/99, que, a par das possibilidades de modulação temporal que

contempla, viabiliza também a modificação material dos efeitos da

inconstitucionalidade:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato


normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir

152
Trecho do voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
153
O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
58
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.”

A separação dessas duas regras pela cláusula alternativa “ou” não

significa, contudo, que não se pode, ao mesmo tempo, restringir material e

temporalmente os efeitos da declaração, senão que se trata de coisas distintas.

A primeira implica na possibilidade de limitação material, isto é,

dos efeitos da decisão, e a segunda a de limitação temporal da decisão, ou seja,

quanto ao momento em que a declaração de inconstitucionalidade produzirá

efeitos.

No primeiro caso, o dispositivo abre ao Supremo Tribunal Federal a

possibilidade de modular o efeito material decorrente da declaração de

inconstitucionalidade, podendo manter a vigência e a eficácia do ato, o que

equivaleria, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho154, a uma

convalidação do ato inconstitucional, já que, com isso:

“(...) pode ser reconhecido valor ao ato inconstitucional, valor de


ato válido – enfatize-se – a um ato inconstitucional. Disto não
apenas resulta salvarem-se efeitos já produzidos pelo ato
inconstitucional (que, portanto, não mais se desconstitui ex
tunc), mas também lhe é conservada a aptidão a produzir efeitos
para o futuro. A sua eficácia é conseqüentemente mantida. Isto
importa na sua convalidação, o que exclui a nulidade da doutrina
tradicional...”

154
O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
59
Diante do permissivo emergente do dispositivo legal em questão e

das características do sistema brasileiro de fiscalização abstrata das leis, portanto,

temos que a declaração de inconstitucionalidade pode ensejar a nulidade do ato –

total ou parcial; com ou sem redução de texto; com eficácia retroativa ou

prospectiva – ou a sua não-nulidade.

Vejamos.

2.2.3.1. Com pronúncia de nulidade: total ou parcial; com ou sem

redução de texto

A declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade

equivale ao reconhecimento da invalidade da norma. Afeta, assim, o ato jurídico

nos planos da validade e da eficácia, atingindo os efeitos por ele produzidos155.

Essa ineficácia pode se dar de forma retroativa — comprometendo

os efeitos jurídicos produzidos pela norma no passado — ou prospectiva,

preservando a sua eficácia pretérita e mesmo futura, a depender do momento

fixado para tanto na decisão156.

A decisão que pronuncia a nulidade do ato normativo pode, ainda,

atingi-lo na sua íntegra, reconhecendo a sua total invalidade, ou em parte,

155
Conforme vimos no item 1.3.1. supra.
156
Na forma do art. 27 da Lei n. 9.868/99, analisado no item 1.4.1.
60
declarando a sua inconstitucionalidade parcial157, sem prejuízo das anunciadas

consequências quanto à sua ineficácia.

No primeiro caso – inconstitucionalidade total com pronúncia de

nulidade – a decisão se processa com a integral supressão do texto normativo do

sistema jurídico, posto que reconhecida a sua invalidade como um todo. Ocorre,

então, a redução do texto, já que a norma é inteira nula.

No segundo caso – inconstitucionalidade parcial com pronúncia de

nulidade – a parte declarada nula pode ou não sofrer redução, a depender da

divisibilidade do texto normativo.

A decisão que pronuncia a nulidade da norma e opera a redução do

seu texto (ou de parte dele), expurgando-o do sistema jurídico, caracteriza a

modalidade comum158 de declaração de inconstitucionalidade, porquanto o

resultado ordinário do controle de constitucionalidade é a supressão do ato

inconstitucional.

Há, contudo, hipóteses em que a literalidade do dispositivo pode se

apresentar de forma tal que se impossibilite sejam dele destacadas apenas as

partes inconstitucionais sem danificar as demais, que permanecerão em vigor, já

que válidas.

157
Como analisamos no item 1.2.1.1.
158
Cf. José Carlos Francisco, Natureza das normas e atos inconstitucionais, p. 630.
61
Nesses casos, como a parcela inconstitucional não guarda suficiente

independência em relação às restantes, compatíveis com a Constituição, a sua

supressão sem prejuízo dessas últimas torna-se inviável.

A indivisibilidade do texto normativo, assim, impede a retirada do

trecho viciado sem afetar a subsistência da parte válida. Neste caso, apesar da

pronúncia de nulidade da parte inválida, o texto não sofrerá redução,

permanecendo inalterado o programa normativo.

A declaração parcial com pronúncia de nulidade, portanto, poderá

ser processada com ou sem a redução do texto, na medida em que seja ou não

possível suprimir a parcela inconstitucional sem prejuízo do que será mantido.

É o que ocorreu, por exemplo, no julgamento da medida cautelar na

ADI n. 491159, de relatoria do Ministro Moreira Alves160. Diante da

impossibilidade de divisão do dispositivo impugnado para alcançar apenas a

parte que se afigurava inconstitucional, o Tribunal determinou a suspensão da

aplicação da parcela viciada sem a redução do texto normativo.

Tratava-se, no caso, do Parágrafo único do Artigo 86 da

Constituição do Estado do Amazonas, que determinava a aplicação, aos membros

do Ministério Público, dos princípios estabelecidos nos incisos I, II e IV a XIII

do seu Artigo 64.

159
Cf. Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 282-283.
160
Julgamento em 13-06-91. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=346419>. Acesso em 22 set. 2010.
62
O problema estava na remissão à regra constante no inciso V do

Artigo 64, relativa ao escalonamento de vencimentos da magistratura e ao teto

equivalente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, garantia não

contemplada na Constituição Federal aos membros do Ministério Público.

A inconstitucionalidade, portanto, estava na extensão dessa garantia

que o Parágrafo único do Artigo 86 da Constituição do Amazonas implicitamente

fazia aos membros do Ministério Público.

E a supressão, no dispositivo impugnado, apenas da alusão ao

inciso V do Artigo 64 não se fazia possível, já que ela se dava de forma implícita,

inviabilizando o fracionamento do texto para a retirada da parte inconstitucional.

Optou-se, assim, pela suspensão parcial da eficácia do dispositivo

impugnado apenas no tocante à remissão ao inciso V do Artigo 64 da

Constituição do Amazonas, sem a redução da sua expressão literal.

Já na ADI n. 1.127161, o STF declarou a inconstitucionalidade

parcial do §2º do Artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/94),

suprimindo-se dele a expressão “ou desacato”, dada a divisibilidade do texto

impugnado.

161
Rel. Min. Marco Aurélio. Julgamento em 17-05-06. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612210>. Acesso em 21 set. 2010.
63
Neste caso, a redação do dispositivo permitia a retirada da sua

única parcela inconstitucional, que guardava independência suficiente em relação

ao restante do texto, não ofensivo à Constituição:

“§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo


injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação
de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora
dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB,
162
pelos excessos que cometer.” (grifamos)

Em relação a esse artigo, assim, a ação, foi julgada parcialmente

procedente para declarar, com pronúncia de nulidade e redução de texto, a

inconstitucionalidade daquela expressão.

A título conclusivo, podemos assim sintetizar: a declaração de

inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade pode reconhecer a invalidade

de toda a norma ou de parte dela e, nessa medida, a sua inconstitucionalidade

total ou parcial.

Sendo total, se processa com redução de texto, posto que tudo foi

declarado nulo; sendo parcial, se processa com ou sem a redução do texto, a

depender da possibilidade ou não de supressão da parcela inconstitucional sem

prejuízo da parte válida, que será mantida.

162
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em 21 set.
2010.
64
Em ambos os casos, as decisões poderão ter eficácia retroativa ou

prospectiva, a depender da manifestação do Supremo Tribunal Federal a

respeito163, produzindo, igualmente, efeitos erga omnes e vinculante, nos termos

do Parágrafo único do Artigo 28 da Lei Federal n. 9.868/99:

“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de


inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade
sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.”
(grifamos)

2.2.3.2. Sem pronúncia de nulidade

A declaração de inconstitucionalidade pode, ainda, se efetivar sem

a pronúncia de nulidade, seja em razão do reconhecimento da omissão

inconstitucional, seja no caso de vício ativo.

Embora inexista no direito positivo brasileiro dispositivo legal que

regulamenta expressamente a técnica decisória em questão, sua aplicação em

nosso sistema abstrato de fiscalização tem se verificado na prática pretoriana do

Supremo Tribunal Federal164 dado o permissivo emergente do Artigo 27 da Lei

Federal n. 9.868/99.

163
Na forma do já examinado art. 27 da Lei n. 9.868/99.
164
Cf. ADI 3.316, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-07; ADI 3.689, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 10-5-07; ADI 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-07; ADI
3.489, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-07. Disponíveis em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 16 set. 2010.
65
Nesse tipo de decisão, como se depreende da sua própria

nomenclatura, apesar da declaração de inconstitucionalidade, afasta-se a natural

incidência do princípio da nulidade165 que daí adviria.

Reconhece-se, então, uma patente situação de

inconstitucionalidade166 sem que, com isso, haja a sua invalidação. Isto ocorre ou

porque a norma não existe, não havendo, portanto, o que se declarar nulo, ou

porque a anulação do ato inconstitucional acarretaria situação ainda mais

prejudicial ao sistema jurídico.

No primeiro caso, declarada a inconstitucionalidade por omissão –

que se caracteriza, como visto anteriormente167, pela ausência normativa

desconforme aos comandos constitucionais –, não há o que se invalidar, pois se

está justamente reconhecendo um vazio jurídico incompatível com a

Constituição. A sanção da nulidade mostra-se, então, inadequada168.

É o que se conclui, como explica Manoel Gonçalves Ferreira

Filho169, da simples leitura do Artigo 102, §2º da Constituição Federal: “a

inconstitucionalidade por omissão não se coaduna com a sanção de nulidade.

Nulidade do que não se fez?”

165
Cf. voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
166
Cf. Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 292.
167
Cf. item 1.2.2. supra.
168
Cf. voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
169
O valor do ato inconstitucional, em face do direito positivo brasileiro, p. 59-71.
66
Pode ocorrer, ainda, de a pronúncia de nulidade do vício ativo

comportar consequências ainda mais intoleráveis para o sistema jurídico, com

ameaça de caos e insegurança jurídica170, do que a própria manutenção do

dispositivo, apesar da sua inconstitucionalidade.

Isso porque, se inexistente direito anterior válido a ser repristinado,

a nulificação do ato poderá causar vazio normativo ainda mais lesivo à

Constituição, deixando sem respaldo jurídico situações já consolidadas ou

dependentes de regulamentação.

“A lacuna resultante da declaração de nulidade”, desse modo, como

explica Gilmar Mendes171, “poderia fazer surgir uma situação ainda mais

afastada da vontade constitucional”.

E, como lembra Jorge Miranda172, “a verdade é que um resultado

injusto, ou por qualquer outra razão duvidoso, é também em regra – embora nem

sempre – um resultado juridicamente errado.”

A não nulidade da norma inconstitucional, por conseguinte,

apresenta-se como fórmula intermediária apta a resguardar, na maior medida

170
Cf. voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
171
Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade da lei, na jurisprudência da
Corte Constitucional Alemã, p. 69.
172
Os tipos de decisões na fiscalização da constitucionalidade, p. 45.
67
possível, os efeitos por ela produzidos173, os quais não podem ser

desconsiderados pelo sistema jurídico.

Foi o que se deu no julgamento da ADI n. 2.240174, em que, apesar

de reconhecida a inconstitucionalidade da Lei n. 7.619/00 do Estado da Bahia,

que havia criado, há mais de sete anos, o Município de Luís Eduardo Magalhães,

não se podia deixar de igualmente reconhecer a existência de situação fática

consolidada sob a égide da norma inconstitucional.

Coube, então, ao Tribunal, nas palavras do Ministro Eros Grau175:

“(...) verificar o que menos compromete a força normativa


futura da Constituição e sua função de estabilização. No
aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o
reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que
se afaste a agressão à federação. O princípio da segurança
jurídica prospera em benefício da preservação do Município.”

Julgou-se, portanto, procedente a ação direta para declarar a

inconstitucionalidade da lei estadual, mas não pronunciar a sua nulidade,

concedendo-se prazo de vinte e quatro meses para o legislador estadual

estabelecer novo regramento a partir da legislação federal a ser editada, nos

173
Cf. voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
174
Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 16 set. 2010.
175
Ibidem.
68
termos da decisão proferida na ADI n. 3.682176, para colmatar a lacuna relativa

ao §4º do Artigo 18 da Constituição Federal.

Em ambas as hipóteses – omissão inconstitucional ou necessidade

de preservação da segurança jurídica – o afastamento da incidência do dogma da

nulidade, que continua sendo a regra no direito brasileiro, por força do que

emerge, a contrario sensu, do enunciado do Artigo 27 da Lei Federal n. 9.868/99,

dependerá, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes:

“(...) de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista


análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça
prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio
constitucional manifestado sob a forma de interesse social
relevante.”177

Ainda incerta na doutrina, contudo, é a questão relativa aos

resultados práticos decorrentes deste tipo de decisão. Discute-se, por exemplo, se

a lei ainda seria aplicável ou se o seria apenas enquanto não editada outra, já que,

nesta hipótese, não se declara nem a constitucionalidade e tampouco a nulidade

da norma.

De se questionar, diante disso, se a técnica em questão não

traduziria, em verdade, um falso estado de constitucionalidade, sendo, nessa

176
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 16 set. 2010.
177
Voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
69
medida, uma contradição em si ou, nas palavras de Vitalino Canas178, uma

decisão de provimento fictício.

De qualquer forma, não se pode ignorar a importância, reconhecida

tanto na doutrina quanto na prática jurisdicional brasileira, do desenvolvimento

desta técnica decisória para solucionar situações jurídicas complexas sem que se

afaste, simultaneamente, da vontade constitucional e das necessidades do

Estado179, como se deu no julgamento da ADI n. 2.240.

178
Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional, 2ª ed. Lisboa, 1994, p.
104 ss. e 203 ss apud Jorge Miranda, Os tipos de decisões na fiscalização da
constitucionalidade, p. 45.
179
Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 292-296.
70
3. TÉCNICAS DE DECISÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Analisadas as espécies de decisão produzidas em sede de

fiscalização abstrata de constitucionalidade no sistema brasileiro, importa, agora,

distinguir as técnicas de decisão da justiça constitucional dos métodos de

interpretação do direito constitucional, o que faremos a partir do cotejo entre

ambos os institutos para, à luz das suas diferenças, singularizá-los.

3.1. DIFERENÇAS

As denominadas técnicas de decisão da justiça constitucional180

consistem nos específicos processos decisórios levados a efeito no âmbito do

controle abstrato de constitucionalidade das leis, com vistas à verificação da sua

compatibilidade vertical.

As ditas técnicas consagram os parâmetros jurídico-processuais181

nos quais se pautam os órgãos incumbidos da realização da justiça constitucional

para a formação de suas decisões.

180
Expressão que se utiliza, aqui, como sinônima de controle de constitucionalidade das leis, cf.
André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional, p. 147-151.
181
Ibidem, p. 391.
71
A partir das diferentes técnicas decisórias é que será construída a

decisão na fiscalização abstrata, formando-se o juízo de constitucionalidade ou

de inconstitucionalidade – e suas possíveis variantes – acerca da norma

impugnada.

Trata-se, pois, dos variados métodos e instrumentos decisórios de

que dispõe a justiça constitucional para a formação do resultado do controle por

via de ação da constitucionalidade das leis.

No capítulo anterior, analisamos as diferentes técnicas de decisão

admitidas no sistema brasileiro de fiscalização abstrata e suas possíveis

gradações, entre as quais a da interpretação conforme e a da declaração de

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, adotadas igualmente em

diversos sistemas de controle no direito comparado.

Diferente dessas técnicas são os métodos de interpretação do direito

constitucional, consistentes nos mecanismos próprios da hermenêutica

constitucional. São, assim, os meios aptos à interpretação do texto constitucional,

específicos em relação à atividade exegética das demais normas jurídicas.

Com efeito, sendo a Constituição a norma suprema, cujos ditames

irradiam efeitos sobre todo o sistema jurídico, sua interpretação requer a adoção

de mecanismos próprios, compatíveis com a função vinculante que o texto

fundamental desempenha no ordenamento fundado sob a sua égide.

72
A interpretação constitucional, por isso, vale-se de métodos

próprios, dada a “peculiar estrutura normativo-material das cartas políticas”,

cujas normas “nem sequer traduzem decisões inequívocas do legislador, muito

menos uma suposta ou imaginária vontade da própria Constituição – limitando-

se, no mais das vezes, a enunciar princípios ou a indicar objetivos a serem

comunitariamente alcançados e/ou renovados ao longo do tempo”, como explica

Inocêncio Mártires Coelho182.

Os métodos de interpretação do direito constitucional consistem,

por isso, nos instrumentos próprios à exegese constitucional, ao passo que as

técnicas de decisão são os mecanismos de que se vale a justiça constitucional

para a formação do juízo de compatibilidade dos atos normativos em face da

Constituição

Disso decorre a diferença que ambos os institutos guardam

relativamente aos objeto a que se referem, enquanto os primeiros dizem respeito

à própria interpretação da Constituição, as segundas concernem à formação da

decisão sobre a norma infraconstitucional em face da Constituição.

Métodos há, contudo, que simultaneamente consistem tanto em

técnicas decisórias quanto em modelos hermenêuticos propriamente ditos, como

é o caso da interpretação conforme à Constituição. Já nos referimos

anteriormente à natureza polissêmica desse instituto que é, ao mesmo tempo,

182
Interpretação Constitucional, p. 40 e 61.
73
princípio de interpretação e técnica de decisão, assim reconhecida pelo próprio

Artigo 28, Parágrafo único da Lei Federal n. 9.868/99.

Deve-se frisar, todavia, que embora frequentemente referenciada

pela doutrina como princípio ou método de interpretação constitucional, a

interpretação conforme à Constituição é, em verdade, mecanismo destinado à

exegese do direito infraconstitucional, já que “não é a constituição que deve ser

interpretada em conformidade com ela mesma, mas as leis infraconstitucionais”,

como distingue Virgílio Afonso da Silva183.

Está claro, portanto, que as técnicas de decisão da justiça

constitucional e os métodos de interpretação do direito constitucional não se

confundem; possuem, ao contrário, referenciais objetivos distintos, visando, as

primeiras, à formação do juízo de (in)constitucionalidade dos atos normativos e,

os segundos, à exegese própria da Constituição.

Nada obstante, a formação da decisão na fiscalização abstrata, a

partir de uma ou outra técnica decisória, tem como necessário pressuposto a

interpretação da Constituição e do direito impugnado, como passamos a analisar.

3.2. A INTERPRETAÇÃO COMO PRESSUPOSTO PARA A DECISÃO

183
Interpretação constitucional e sincretismo metodológico, p. 132-133.
74
Praticamente despiciendo afirmar, na atualidade, que a

interpretação normativa tem lugar apenas quando equívoco ou obscuro o teor

literal do dispositivo em causa, como já observava Savigny184.

Há muito que a doutrina jurídica tem se ocupado do tema,

concluindo que o brocardo in claris cessat interpretatio é, hoje, “afirmativa sem

nenhum valor científico”, como bem sintetiza Carlos Maximiliano185:

“Os domínios da Hermenêutica se não estendem só aos textos


defeituosos; jamais se limitam ao invólucro verbal: o objetivo
daquela disciplina é descobrir o conteúdo da norma, o sentido e
o alcance das expressões do Direito. Obscuras ou claras,
deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia,
todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como
suscetíveis de interpretação.”186

A interpretação tem por finalidade a compreensão, a determinação

do sentido das normas jurídicas, tendo em vista “a pluralidade de significações de

uma palavra ou de uma seqüência de palavras em que a norma se exprime” já que

“o sentido verbal da norma não é unívoco”187.

Com efeito, o substrato textual da norma veicula várias

significações possíveis188; por conseguinte, a aplicação do direito pressupõe a

prévia e necessária interpretação das normas a aplicar.

184
Cf. André Ramos Tavares, Fronteiras da hermenêutica constitucional, p. 135-142.
185
Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 27.
186
Ibidem, p. 29.
187
Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 389.
188
Ibidem, p. 390.
75
O operador do direito necessita então, nas palavras de Hans

Kelsen189, “fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas

normas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o

processo de aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para

um escalão inferior.”

E com muito mais razão a interpretação se mostra necessária no

âmbito do Direito Constitucional, cujas normas têm como tônica a

indeterminação, engendrando, por si só, diversos sentidos190.

Para conhecer o regime constitucional de um país, portanto, não

basta ler a sua Constituição191; é preciso interpretá-la.

Na seara do controle de constitucionalidade, sobretudo, que tem por

objetivo justamente aferir a compatibilidade do ato normativo em face da

Constituição, a interpretação para a formação da decisão.

Isso porque, no cotejo entre a lei e a Constituição, próprio da

fiscalização vertical dos atos normativos, o que se busca é aferir a congruência

do sentido emergente do texto legal àquele que resulta dos dispositivos

constitucionais.

189
Ibidem, p. 387.
190
Cf. André Ramos Tavares, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 137-138.
191
Cf. Jean Cruet, A Vida do Direito, p. 88, trad. portuguesa, 1908 apud Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 70.
76
Está-se a comparar, portanto, não a literalidade dos diplomas entre

si, mas a relação de coerência que se deve estabelecer entre a significação

imanente a ambas as proposições.

Há, aí, nas palavras de André Ramos Tavares192, “uma dupla tarefa,

qual seja, a de estipular o significado da própria norma constitucional e,

posteriormente, o de estipular os diversos significados da norma ordinária.”

Ademais, a diferenciação, quanto ao valor, entre a lei ordinária e a

Constituição, característica nos sistemas de Constituição rígida, como é o

brasileiro, acaba indubitavelmente outorgando ao Judiciário a competência de

interpretar antes de julgar193.

A interpretação do objeto e a do parâmetro de controle, desse

modo, apresentam-se como pressuposto sine qua non para a formação do juízo de

(in)constitucionalidade.

3.3. DISTINÇÃO ENTRE TEXTO E NORMA

É necessário, nesse ponto, à vista de tudo quanto se afirmou, tecer

considerações acerca das diferenças entre texto, ou programa normativo, e

norma.

192
Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 137-138.
193
Cf. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 82.
77
Texto e norma, com efeito, não se identificam. O primeiro leva à

produção, pela via da interpretação, da segunda. Logo, é da interpretação dos

textos jurídicos que resultam as normas194.

Os textos e o ordenamento jurídico, como um todo, são, nas

palavras de Eros Grau195, em seu sentido “histórico-concreto”, um “conjunto de

possibilidades” interpretativas; um apanhado de normas potenciais que, através

da atividade exegética, transformar-se-ão em normas jurídicas.

A norma, portanto, é o resultado da interpretação196 do seu

correspondente substrato jurídico, ou seja, do texto legal. O texto, por sua vez, é

o invólucro da norma, a ser descortinado pelo intérprete197, para aferição do seu

sentido.

Nessa medida, é pressuposto da teoria da interpretação oferecida

por Hans Kelsen198 a de que “cada enunciado normativo [o texto] apresenta

diversos significados [as normas] (...) e não, apenas, um único, que imporia uma

apreciação maniqueísta de sua constitucionalidade”.199

194
Cf. Eros Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 27.
195
Ibidem, mesma página.
196
Ibidem, mesma página.
197
Ibidem, p. 30-31.
198
Teoria Pura do Direito, p. 387-397.
199
Cf. André Ramos Tavares, Fronteiras, p. 135-142.
78
Friedrich Müller200 também estrutura a sua teoria da hermenêutica-

concretizante a partir do pressuposto da não identidade entre norma e texto,

rompendo, nesse ponto, ao aproximar norma e fato, com o clássico dualismo

metodológico ser/dever-ser.

Para Müller, a norma jurídica é mais do que o seu teor literal; ela é

o resultado da concretização do seu texto ao caso individual através dos

postulados da metódica jurídica estruturante. A norma surge, portanto, como

fruto do trabalho ativo dos operadores do direito, só podendo ser determinada

concretamente à luz dos aspectos factuais do caso sob decisão.

Nesse processo, o programa normativo – o texto em si – é o ponto

de partida do intérprete, constituindo-se na sua diretriz e no limite máximo da

concretização.

O teor literal da norma expressa o programa ou núcleo da norma,

consistente na ordem jurídica tradicionalmente compreendida. Esses elementos

linguísticos sugerem o âmbito da norma, que é o recorte da realidade social à

qual a norma se encontra voltada.

Do processo estruturado que se estabelece no cotejo entre o texto da

norma e a realidade fática visada na decisão – que Müller denomina

200
Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 47 ss.
79
normatividade – resulta a estruturação da norma, a aferição do seu sentido frente

ao caso concreto.

Para Konrad Hesse201, igualmente, a Constituição tem a sua eficácia

condicionada pelos fatos concretos da vida. As condições reais dominantes numa

certa situação devem, portanto, ser correlacionadas às proposições

constitucionais (texto) para se extrair delas o seu verdadeiro sentido (norma).

Mas é o sentido da proposição jurídica, isto é, a norma em si,

emergente do seu substrato legal (do texto), que estabelece o limite da

interpretação202.

Com base nessas lições, pode-se concluir, com efeito, que o

processo de interpretação mostra-se fundamental também para viabilizar a

aproximação da norma constitucional (texto) à realidade por ela visada e, com

isso, aferir o seu verdadeiro sentido (norma).

E no mister que lhe incumbiu a Constituição de ser dela

guardião203, o Supremo Tribunal Federal não pode subordinar a si – poder

constituído – o próprio poder que o constituiu – a Constituição. Está, ao

contrário, na interpretação do seu texto, jungido à sua literalidade e à teleologia

dos comandos normativos dele emergentes para a construção da norma

constitucional.

201
A força normativa da Constituição, p. 22-23.
202
Ibidem.
203
Conforme a literalidade do caput do art. 102 da Constituição de 1988.
80
3.4. A INTERPRETAÇÃO COMO PRODUÇÃO NORMATIVA

Por tudo o que se expôs anteriormente, revela-se inegável,

mormente na seara do Direito Constitucional, o caráter produtivo que a

interpretação assume, a partir do texto normativo.

Assim, “a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito”,

assevera Hans Kelsen204, “é sempre autêntica. Ela cria Direito”.

Isso porque o Direito não é construído simplesmente da

objetividade normativa, mas da conjugação da atividade exegética perpetrada

sobre os elementos linguísticos que conformam os textos normativos e dos dados

factuais que cerceiam a realidade a que seja aplicável205.

Como explica Eros Grau206, a interpretação do direito assume

“caráter constitutivo – não meramente declaratório, pois – e consiste na

produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um

determinado caso”.

A Constituição, desse modo, fatalmente se constrói pela

interpretação jurídica, desenvolvendo-se não apenas através da modificação

204
Teoria Pura do Direito, p. 394 (grifamos).
205
Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, passim.
206
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 38.
81
formal de seu texto207 mas também pela mutação informal resultante da

interpretação judicial. E isso se constitui em verdadeira garantia de estabilidade,

já que representa instrumento de progresso208.

Impedir o desenvolvimento da Constituição pela interpretação de

seus textos implica desconhecer, de um lado, a falibilidade da obra humana,

sobretudo diante da evolução da sociedade a que está dirigido o texto

constitucional209, e, de outro, propiciar a sua própria violação.

Com efeito, a Constituição “precisa ficar de acôrdo com as

condições sociais e políticas da época. Sem isso, inobservada ou violada, irá,

pouco a pouco, perdendo a sua autoridade com evidente descrédito das

instituições e grave inconveniente para a vida nacional.”210

Desse modo, a interpretação constitucional com vistas à evolução,

ao desenvolvimento do seu texto, constitui-se em verdadeira garantia da força

normativa da Constituição, a que alude Konrad Hesse211.

207
Cf. A. Esmein, Droit Constitutionnel, p. 619, v. I, 1927 apud Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 69.
208
Cf. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, op. cit., p. 29.
209
“As Constituições, como obras humanas, não podem ser perfeitas; demais, a sociedade
evolve, pois certos preceitos convenientes em determinadas situações sociais e políticas já se
não amoldam exatamente a outras, e surge, naturalmente, a necessidade de reformá-las, para não
ficarem sendo objetos de museu de antiguidades. Impossível se admitirem leis imutáveis em
tôdas as suas disposições.” (Ibidem, p. 27).
210
Araujo Castro, Reforma Constitucional, p. 7, 1924 apud Oswaldo Aranha Bandeira de Mello,
op. cit., p. 27-28.
211
A força normativa da Constituição, passim.
82
Evidentemente que aqui se está a referir a um processo

hermenêutico idôneo, que cria a norma a partir do seu texto, sem dele se

distanciar, pois é na abertura cognitiva do programa normativo que a atividade

exegética encontra seus limites.

Não se pode, com efeito, negar a influência que os valores

subjetivos do exegeta exercem na sua pré-compreensão da objetividade jurídica.

Na aplicação do direito, como esclarece Hans Kelsen212, o

conhecimento da norma a aplicar combina-se, necessariamente, “com um ato de

vontade” do aplicador do direito, que escolhe uma entre as diversas

possibilidades normativas reveladas pela apreensão cognoscitiva do seu texto.

Reconhecer que não há interpretação isenta, contudo, não permite

torná-la ato de vontade absoluta do intérprete, como bem pondera André Ramos

Tavares213:

“Em outras palavras, não se pode pretender a inovação plena,


quando da atividade exegética, distorcendo, de forma
descompromissada e repudiável, o que consta do enunciado
normativo escrito. Esta é a lição clássica de SAVIGNY (1949:
105), ao afastar os intentos de corrigir o próprio pensamento da
lei, por meio da justificativa não-aceitável do valor intrínseco do
conteúdo resultante dessa interpretação, que consistiria, como
lembra o autor, numa tentativa de corrigir o próprio pensamento
do legislador.”

212
Teoria Pura do Direito, p. 394.
213
Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 139.
83
A Constituição, sem dúvida, tem como complemento a

interpretação judiciária214, que deve sempre se dar conforme o fio condutor da

formulação lingüística do seu texto215.

E justamente sob tais premissas é que se encontram fundadas a

teoria da interpretação formulada por Kelsen216 e a teoria hermenêutico-

concretizadora proposta por Friedrich Müller217, já anteriormente referenciadas.

Kelsen propugna pela possibilidade de criação do direito através da

interpretação judicial218, que se encontra plenamente vinculada à moldura

emergente do texto normativo e dos seus significados possíveis219.

“A decisão judicial é”, nas suas palavras, “a continuação, não o

começo, do processo de criação jurídica”220.

Pela teoria da concretização de Müller, a norma jurídica é

construída através de um processo hermenêutico estruturante que tem,

igualmente, como ponto de partida o seu texto.

214
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, p. 135.
215
Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 47 ss.
216
Teoria Pura do Direito, p. 387-397.
217
Op. cit., mesma página.
218
Op. cit., p. 277-278.
219
Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 390-391.
220
Ibidem, p. 283.
84
Müller propõe uma interpretação eminentemente vinculada ao

conteúdo normativo, ao texto da norma, que deve dirigir toda a atividade

exegética, limitando as possibilidades legítimas e admissíveis da concretização.

Ao romper com o paradigma positivista da estrita identificação da

norma com o seu texto, Müller rejeita a tese segundo a qual o direito esteja pré-

concebido, pré-existente na sua literalidade, reconhecendo, desse modo, o

trabalho ativo do operador do direito na construção da norma pela interpretação

normativa.

O processo interpretativo, portanto, não é apenas cognitivo, mas

eminentemente volitivo, criativo221, constituindo verdadeira produção normativa,

na qual o juiz se insere como órgão ativo, construindo a norma a partir da

conjunção dos seus elementos linguísticos e da realidade por ela visada.

221
André Ramos Tavares, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 135-142.
85
4. A DECLARAÇÃO PARCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM

REDUÇÃO DE TEXTO

4.1. ORIGEM

A técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto tem origem na prática do Bundesverfassungsgericht, a Corte

Constitucional Alemã222, em cuja jurisprudência adquiriu maior significado do

que o atribuído à declaração parcial de nulidade “quantitativa”223, que se processa

com a redução parcial da literalidade normativa.

Desenvolveu-se na práxis da Corte Alemã como solução aos casos

em que a inconstitucionalidade não estava contemplada expressamente no texto

da lei em razão da sua formulação ampla ou geral, representativa de verdadeiro

complexo de normas224.

A declaração de inconstitucionalidade, nessa hipótese, se

processava de forma “qualitativa” – e não “quantitativa” –, isto é, sem redução de

texto (qualitative Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung).225

222
Cf. Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 281.
223
Cf. Gilmar Mendes, Jurisdição Constitucional, p. 281.
224
Ibidem.
225
Ibidem.
86
No Brasil, pode-se afirmar que a técnica surgiu também no seio da

prática pretoriana do Supremo Tribunal Federal, que remonta a decisões de 1966,

ainda que não sob essa específica nomenclatura226, tendo só depois sido

positivada pela Lei Federal n. 9.868/99.

Nada obstante, já em 1949, como recorda Gilmar Ferreira

Mendes227, Lúcio Bittencourt apontava a possibilidade de, em razão da amplitude

dos textos normativos, a inconstitucionalidade parcial se verificar apenas em

relação a determinadas situações contempladas na norma, mas não a outras, o

que imporia a invalidação do seu âmbito normativo apenas em relação àquelas,

mantendo-se válida para essas.

4.2. CONCEITO E NATUREZA

A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto

é a fórmula pela qual se reconhece, em sede de controle de constitucionalidade, a

invalidade de parte do dispositivo impugnado sem que, contudo, haja a redução

do texto, dada a sua indivisibilidade.

226
Cf. Gilmar Mendes, Jurisdição Constitucional, p. 343-346, que cita decisões do STF de 1966
nas quais, apesar de reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança de tributo sem a
observância do princípio da anterioridade, não se cassava, necessariamente, a norma, que
poderia perfeitamente ser aplicada no exercício financeiro seguinte sem que nisso residisse
qualquer inconstitucionalidade.
227
Ibidem, p. 343.
87
O instituto em questão assume, pois, natureza de técnica decisória

da justiça constitucional, já que consiste em mecanismo voltado à formação do

juízo de inconstitucionalidade dos atos normativos no âmbito da fiscalização

vertical das leis.

É, nessa medida, específica forma de decisão da justiça

constitucional, tal como estabelece o Parágrafo único do Artigo 28 da Lei

Federal n. 9.868/99:

“Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado


da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção
especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a
parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante
em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração
Pública federal, estadual e municipal.” (grifamos)

Não podemos deixar de anotar que a redação do dispositivo em

questão não resultou da melhor técnica legislativa, já que a regra emergente do

parágrafo não contempla qualquer explicitação do caput do dispositivo, como

determina a Lei Complementar n.º 95/98.

88
Veicula, ao revés, matéria de natureza completamente distinta e

infinitamente mais importante do que a versada naquele, o que justificaria,

portanto, que se constituísse em dispositivo apartado228.

Voltando ao exame da técnica, temos que a sua aplicação conduz,

portanto, a um juízo parcial de inconstitucionalidade, o que significa que apenas

parte do comando normativo impugnado é desconforme à Constituição

(=declaração parcial de inconstitucionalidade).

Pronuncia-se, então, a nulidade da parcela viciada, sem, contudo,

reduzir o texto legal, que permanece no sistema sem qualquer modificação (=sem

redução de texto).

Isso se dá em razão da impossibilidade de se destacar, do programa

normativo, apenas a parte que se afigura inconstitucional sem prejudicar o

restante da norma, que terá a sua vigência preservada em razão da sua

conformidade vertical.

Como a parcela contrária à Constituição não é suficientemente

autônoma em relação às demais, impossível fica a supressão literal do texto para

a retirada apenas do seu sentido inconstitucional.

228
Zeno Veloso, Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 782-783.
89
Não se consegue, por isso, fracionar o texto – o substrato jurídico, o

invólucro linguístico da norma – para alcançar exclusivamente a parcela inválida

emergente do seu comando – a norma em si, o sentido normativo.

Isso porque a inconstitucionalidade não se manifesta exatamente

numa ou noutra expressão autônoma da norma em si, mas no significado

emergente do seu conjunto normativo, o que inviabiliza a supressão textual.

Desse modo, embora haja a pronúncia de nulidade da parte

maculada, o correspondente programa normativo permanece inalterado.

Apesar de tais características denotarem que se trata de uma

específica técnica de decisão da justiça constitucional, pois que consiste em

mecanismo próprio à formação do juízo de inconstitucionalidade, há autores que

classificam a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto como

técnica de interpretação constitucional, como faz Celso Bastos229.

Não nos parece, contudo, que tal classificação mereça prosperar.

Como analisamos no capítulo 3, os métodos de interpretação constitucional são

instrumentos destinados à interpretação da própria Constituição, como bem

define o mesmo autor230.

229
Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 269; 281.
230
Ibidem, p. 267.
90
Já as técnicas decisórias da justiça constitucional consistem nas

variadas fórmulas de construção da decisão sobre a (in)constitucionalidade dos

atos normativos em sede de controle de constitucionalidade.

A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto

tem por objeto a norma infraconstitucional. É maneira de decidir sobre a

incompatibilidade da norma infraconstitucional no seu confronto com a

Constituição, destinando-se à formação do juízo de inconstitucionalidade acerca

da norma infraconstitucional. Não se presta, pois, a instrumentalizar a

interpretação da Constituição, mas a do direito infraconstitucional em face dela.

Ainda que se vislumbre, pelo uso da técnica em questão, a

ocorrência de uma forma de interpretação – o que não se pode negar, já que a

interpretação, como visto no capítulo anterior, é pressuposto para a decisão –

tratar-se-á, nessa hipótese, de meio voltado à exegese da norma

infraconstitucional no seu cotejo com a Constituição.

Como bem lembra, aliás, o referido autor, não se pode confundir “a

interpretação da própria Lei Maior” com a “interpretação constitucional que diz

respeito à inteligência das normas infraconstitucionais quando postas sob

confronto com a Carta Magna”231.

231
Ibidem, p. 267.
91
Ora, se pela via da declaração de inconstitucionalidade sem redução

de texto, assim considerada como método hermenêutico, chega-se à compreensão

da parcial desconformidade da norma diante dos preceitos constitucionais, temos

que seu objeto imediato consiste no direito infraconstitucional, e não na

Constituição.

Certo é que toda interpretação normativa realizada em sede de

controle de constitucionalidade compreende também uma interpretação da

própria Constituição, como afirmamos no capítulo anterior. Todavia, o Texto

Magno, nessa hipótese, é objeto mediato da atividade exegética, sendo o ato

normativo o seu objeto imediato.

Sem embargo do entendimento esposado pelo respeitável

doutrinador, vê-se que, por quaisquer dos ângulos analisados, a conclusão não

pode ser outra senão a de que o instituto em exame compreende verdadeira

técnica decisória, e não método de interpretação constitucional.

Temos, portanto, que a declaração de inconstitucionalidade parcial

sem redução de texto é a técnica decisória da justiça constitucional apta a

promover a invalidação da parte nula da norma, sem acarretar a supressão de

qualquer trecho do seu texto, pela absoluta impossibilidade de fazê-lo, dada a sua

indivisibilidade.

92
4.3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS

4.3.1. O princípio da parcelaridade

Pressuposto teórico da declaração de nulidade parcial sem redução

de texto, o princípio da parcelaridade informa a possibilidade de reconhecimento

da inconstitucional de a apenas parte da norma incompatível com a Constituição,

preservando-se as demais que sejam com ela consonantes.

Isso significa que a desconformidade com o texto constitucional

nem sempre maculará a norma por inteiro, sendo possível, mesmo diante da

existência desse vício, preservar-se o ato normativo, ao menos naquilo que não

represente afronta à Constituição.

A parcelaridade viabiliza, desse modo, que a sanção da

inconstitucionalidade afete somente o fragmento maculado do ato, com a

consequente manutenção da sua parcela válida.

Por conseguinte, admite-se, pela parcelaridade, que a declaração de

inconstitucionalidade recaia unicamente sobre as palavras ou expressões

conflitantes com o texto constitucional, desde que, com isso, não haja prejuízo ao

sentido ou à aplicabilidade do que texto preservado.

93
É exatamente o que se depreende das lições de Hans Kelsen232:

“Cumpre notar enfim que a anulação não deve se aplicar


necessariamente à lei inteira ou ao regulamento inteiro, mas
também pode se limitar a algumas das suas disposições,
supondo-se naturalmente que as outras permanecerão apesar de
tudo aplicáveis ou ainda não tenham seu sentido modificado de
modo inesperado. Caberá ao tribunal constitucional apreciar
livremente se quer anular a lei ou o regulamento inteiros, ou
simplesmente algumas das suas disposições.”

Posição idêntica é compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal,

que já se manifestou no sentido da impossibilidade de aplicação da parcelaridade

caso haja nítida inversão do significado da lei, como se verificou nos seguintes

julgados:

“O STF como legislador negativo: A ação direta de


inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de
transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em
legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema
normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da
instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede
de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal
Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso
normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual
criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do
conteúdo material que lhe deu o próprio legislador.”233
“Ação direta de inconstitucionalidade e impossibilidade jurídica
do pedido: não se declara a inconstitucionalidade parcial quando
haja inversão clara do sentido da lei, dado que não é permitido
ao Poder Judiciário agir como legislador positivo (...).”234

232
Jurisdição Constitucional, p. 173.
233
ADI n. 1.063-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-94. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 18 set. 2010.
234
ADI n. 1.949-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-11-99. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 18 set. 2010.
94
O princípio da parcelaridade, portanto, consagra a possibilidade de

a declaração de inconstitucionalidade se dar de forma parcial, seja com ou sem

redução de seus elementos linguísticos.

No primeiro caso, a invalidação de apenas algumas disposições da

lei, com a supressão literal do seu texto, pressupõe que a parte mantida seja

autônoma em relação à que for declarada inconstitucional.

Tal hipótese encerra a denominada divisibilidade da lei,

característica que possibilita a fragmentação do texto normativo em partes

independentes entre si e, com isso, a supressão, pela via do controle de

constitucionalidade, apenas das parcelas maculadas.

Dizer que a norma é divisível equivale a reconhecer que “a parte

ameaçada de ser declarada inconstitucional pode ser separada ou se mostrar

divisível, sem que se retire a qualidade de norma da parte subsistente”235.

Nesse caso, portanto, a autonomia da parcela inconstitucional em

relação ao restante do programa normativo possibilita que a declaração parcial

seja processada com a redução do texto viciado, preservando-se a parte

constitucional.

235
Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional, p. 260.
95
Do contrário, porém, a declaração parcial não poderá ser perpetrada

com redução do texto.

4.3.2. A indivisibilidade do texto normativo

A indivisibilidade da norma caracteriza justamente a

impossibilidade de fragmentação do texto normativo em partes autônomas e

independentes entre si. Tal particularidade impede, portanto, que a decisão no

controle de constitucionalidade opere a supressão literal de trechos isolados da

norma.

Nessa medida, a indivisibilidade da norma consiste em pressuposto

prático para a observância da técnica excepcional da declaração de

inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade, já que o resultado

comum236 do juízo de inconstitucionalidade é a retirada do ato inconstitucional

ou de parte dele do sistema jurídico, e não a sua manutenção.

A aplicação da técnica em questão, ao contrário, culmina

justamente na preservação in totum do dispositivo impugnado, apesar de

acarretar a pronúncia de nulidade da parte inválida.

236
Cf. José Carlos Francisco, Natureza das normas e atos inconstitucionais, p. 630.
96
A parcelaridade – consistente na possibilidade invalidação, através

do controle de constitucionalidade, somente das partes viciadas da norma – e a

indivisibilidade do texto normativo – característica que impede o seu

fracionamento em parcelas autônomas – apresentam-se, portanto, como

pressupostos teórico e prático da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto.

4.4. LIMITES

Com base no conceito aqui adotado e considerando os fundamentos

e pressupostos de aplicabilidade da técnica sob exame, podemos firmar, agora, os

limites que devem reger a sua utilização no âmbito da fiscalização jurisdicional

das leis.

Tais limites encontram-se implicitamente delineados tanto pelas

próprias finalidades visadas pelo instituto em questão quanto pelos pressupostos

necessários à sua aplicação, acima analisados.

À vista desses critérios, podemos afirmar que o uso da declaração

parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto encontra-se

simultaneamente limitado:

97
(i) às hipóteses de inconstitucionalidade parcial, caracterizada

pelo comprometimento parcial da norma, em razão da sua

incompatibilidade vertical;

(ii) às hipóteses em que seja cabível a pronúncia de nulidade da

parcela normativa tida por inconstitucional, com a sua consequente

invalidação e ineficácia;

(iii) às hipóteses de indivisibilidade do texto normativo.

Disso resulta que a utilização da técnica decisória em questão

mostrar-se-á inadequada em situações dissociadas de quaisquer desses limites

objetivos, pois que inerentes à sua natureza e às suas finalidades próprias.

Além desses limites, evidenciados pelos pressupostos teórico e

prático da técnica sob exame, sua utilização também se encontra restrita às

possibilidades emergentes do texto normativo, não se permitindo que pela via da

declaração parcial sem redução de texto afaste-se da literalidade da norma

evidenciando sentidos diversos dos contidos no seu substrato jurídico.

98
Tomemos como exemplo o julgamento da ADI n. 2.652237, em que

a inobservância de uma dessas limitações comprometeu o uso da declaração

parcial sem redução de texto na formação do juízo de inconstitucionalidade.

A Referida demanda tinha por objeto a norma constante no

Parágrafo único do Artigo 14 do Código de Processo Civil, assim redigido, in

litteris:

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de


qualquer forma participam do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que
são destituídas de fundamento;
IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou
desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não
criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de
natureza antecipatória ou final
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam
exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto
no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da
jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais,
civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em
montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e
não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga
no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da
decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida
ativa da União ou do Estado.”238 (grifamos)

A ação, proposta pela Associação Nacional dos Procuradores de

Estado, tinha por objeto justamente a expressão inicial do dispositivo, acima

grifada, ao argumento de que, ao ressalvar a imposição de multa por obstrução à


237
Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 08-05-03. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 19 set. 2010.
238
Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em 19 set. 2010.
99
Justiça aos advogados sujeitos exclusivamente aos estatutos da OAB, a regra

incorria em violação dos princípios constitucionais da isonomia e da

inviolabilidade no exercício da profissão, diante da ausência de fator de

discrímen idôneo em relação aos advogados do setor público.

Ainda segundo o argumentado na inicial, o dispositivo acabava, da

forma como foi redigido, veiculando permissivo à aplicação da multa aos

advogados públicos – que não se sujeitam apenas aos estatutos da OAB, mas

também ao regime estatutário próprio da entidade – imunizando, ao mesmo

tempo, os advogados do setor privado daquela sanção.

Ocorre, contudo, como foi ventilado no voto do Relator, Ministro

Maurício Corrêa, que a expressão “que se sujeitam exclusivamente aos estatutos

da OAB”, é, em verdade, explicativa em relação à primeira (“Ressalvados os

advogados”), já que todos os advogados, públicos ou privados, se sujeitam, entre

outros diplomas, aos estatutos da OAB, na forma do §1º do Artigo 3º da Lei n.

8.906/94239.

A falta da sua grafia entre vírgulas, de forma a explicitar o seu

caráter explicativo, é que deu margem à interpretação equivocada do dispositivo,

possibilitando a diferenciação anti-isonômica entre tais profissionais.

239
“Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de
advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio
a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda
Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e
fundacional.” (grifamos)
100
Se interpretada no sentido de que a ressalva à aplicação da multa

alcança tanto advogados do setor público como do setor privado, que se sujeitam

igualmente aos estatutos da OAB, a norma não importaria qualquer violação à

Constituição.

Como, porém, não pode o Supremo atuar como legislador

positivo240 – grafando a vírgula faltante para “corrigir” o dispositivo –, senão

como legislador negativo, suprimindo as disposições contrárias à Constituição,

poderia ter afastado a inconstitucionalidade constatada com a redução da

expressão “que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB”, mantendo

inalterado o texto remanescente.

Isso porque a referida expressão apresenta-se absolutamente

autônoma em relação ao restante do enunciado, podendo, portanto, ser suprimida

sem qualquer prejuízo à compreensão do texto mantido, que restaria assim

redigido:

“Parágrafo único. Ressalvados os advogados, a violação do


disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao
exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das
sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao
responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a
gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor
da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do
trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será
inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.”

240
Cf. Hans Kelsen, Jurisdição Constitucional, p. 181 ss.
101
Da leitura do trecho acima, fica patente a independência da

expressão viciada em relação ao restante do dispositivo, cuja aplicabilidade

restou preservada mesmo com a supressão daquela parte.

A divisibilidade do texto normativo impunha-se, portanto, como

limite à aplicação da técnica da declaração sem redução de texto, impedindo o

seu uso na hipótese, diante da flagrante possibilidade de supressão da parcela

responsável pelo sentido inconstitucional da norma.

A ação, contudo, foi julgada procedente para, sem redução de texto,

emprestar à expressão “Ressalvados os advogados que se sujeitam

exclusivamente aos estatutos da OAB”, interpretação conforme à Constituição de

forma a abranger advogados do setor privado e do setor público.

Sem mencionar a aplicação conjunta da declaração sem redução de

texto e da interpretação conforme, por si só já questionável, como veremos

adiante, temos, na hipótese, que o manejo inadequado da primeira técnica em

situação absolutamente incompatível com o seu cabimento – caracterizada pela

divisibilidade do texto normativo – dá ensejo à violação da segurança jurídica, na

medida em que prejudica a compreensão e a correta aplicação da norma tida por

inconstitucional.

A ameaça ao postulado da segurança jurídica fica ainda mais

evidente quando se tem em vista que não há, no sistema brasileiro de controle, a

102
obrigatoriedade de republicação da lei241, impondo ao operador do direito a

verificação, caso a caso, do entendimento firmado na decisão.

O que, mais uma vez, denota os prejuízos do manejo inadequado da

técnica em questão, já que a própria interpretação da decisão emanada pelo

Judiciário pode suscitar entendimentos divergentes.

Vistos, portanto, os limites impostos pela natureza e finalidade da

declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, além dos pressupostos

teóricos e práticos da sua aplicação, passemos ao exame dos seus efeitos.

4.5. EFEITOS

A decisão que reconhece a invalidade da norma por meio da técnica

da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto tem como

efeito material a pronúncia de nulidade da parcela tida por inválida.

Reconhece-se, então, a desconformidade vertical daquela parte da

norma, pronunciando-se a sua nulidade. Isso leva, por sua vez, ao

reconhecimento da sua invalidade e da sua ineficácia, sem, contudo, afetar a

integralidade do invólucro linguístico da norma, isso é, o seu texto.

241
Cf. José Carlos Francisco, Natureza das normas e atos inconstitucionais, p. 630.
103
Do ponto de vista temporal, a ineficácia, que atinge os efeitos

produzidos pela norma, dá-se, em regra, retroativamente à sua edição, ou,

excepcionalmente, a partir do momento fixado para tanto na própria decisão, nos

termos do Artigo 27 da Lei Federal n. 9.868/99.

Em síntese, temos que os efeitos imediatos decorrentes do uso da

técnica em questão são: (i) o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial da

norma; (ii) a pronúncia da sua nulidade; (iii) a consequente ineficácia retroativa

ou prospectiva de tudo quanto sob a sua égide se produziu, e (iv) a manutenção

in totum do dispositivo impugnado.

Firmados tais pressupostos, passemos ao cotejo da técnica decisória

em análise com outras, de forma a, uma vez mais, demonstrar a sua

singularidade.

4.6. DISTINÇÕES EM RELAÇÃO A OUTRAS TÉCNICAS DECISÓRIAS

4.6.1. Declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de

texto

A distinção entre uma e outra técnica é bastante elementar, embora

mereça ser mencionada, na medida em que ambas se encontram firmadas sobre

pressupostos de aplicabilidade opostos.

104
A declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de

texto, como sugere a própria denominação, culmina na supressão, dos elementos

linguísticos da norma eivados de inconstitucionalidade; a que se opera sem a

redução do texto, ao contrário, mantém inalterado o substrato textual da norma,

embora reconheça a nulidade de parte do enunciado dele emergente.

A nulidade parcial com redução de texto traduz, nas palavras de

Gilmar Mendes, uma “intervenção no complexo normativo concebido pelo

legislador como um todo”242. Com a supressão normativa de parte da lei, embora

lacunosa, ela continua aplicável nessa nova conformação243.

Daí porque ser denominada declaração parcial quantitativa, em

oposição à sem redução de texto, que é qualitativa.

A declaração parcial com redução de texto mostra-se cabível,

portanto, na hipótese da norma inconstitucional ter encontrado “expressão

lingüística autônoma na lei, ainda que através de palavras, fragmentos de frase,

ou de uma frase”. Com a declaração de nulidade, “ocorrerá também a eliminação

do texto correspondente”244.

As técnicas em questão assemelham-se, portanto, no que concerne

ao reconhecimento de uma inconstitucionalidade parcial, perpetrada com a

242
Jurisdição Constitucional, p. 259.
243
Ibidem, p. 260.
244
Ibidem, mesma página.
105
pronúncia de nulidade da fração viciada. Diferenciam-se, porém, quanto ao

resultado material da decisão: numa há a supressão do texto, noutra não.

Tais diferenças denotam que as ditas técnicas têm a sua

aplicabilidade delimitada por pressupostos distintos: na primeira, que se opera

com a redução do texto, a divisibilidade da norma é pressuposto; a segunda, ao

revés, tem lugar justamente quando e se indivisível o texto normativo.

O exemplo que citamos no item precedente, relativo ao julgamento

da ADI n. 2.652245, ilustra bem a importância da distinção entre uma e outra

técnica, de forma a evitar a aplicação de uma a situações que ensejariam a

observância de outra, tudo em prol do postulado da segurança jurídica.

4.6.2. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade

Igualmente originada na prática da Corte Constitucional Alemã246,

a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade processa-se sem

que o reconhecimento da incompatibilidade da norma em face da Constituição

acarrete a sua invalidade.

245
Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 08-05-03. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 19 set. 2010.
246
Cf. Gilmar Mendes, Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade da lei,
na jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, p. 61.
106
Diferentemente da declaração de inconstitucionalidade sem redução

de texto – em que a parcela viciada é declarada nula – a técnica decisória em

apreço não induz à pronúncia de nulidade da norma que decorreria naturalmente

da afirmação da sua desconformidade diante do texto fundamental.

Em ambos os casos, o substrato textual da norma permanece

inalterado. Não há, nem numa ou noutra técnica, a supressão de elementos

linguísticos da norma. A diferença, pois, está justamente no que concerne ao

reconhecimento ou não da nulidade da norma ou de parte dela.

Portanto, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de

nulidade também não enseja, como a declaração parcial sem redução de texto,

qualquer supressão ou modificação textual do ato normativo. Eis a semelhança

entre ambas.

A ausência de pronúncia da nulidade, porém, diferentemente do que

se verifica na declaração de nulidade sem redução de texto, tem lugar diante da

incompatibilidade total ou parcial da norma, ao passo que a última, conforme se

viu, tem como pressuposto de aplicabilidade justamente a inconstitucionalidade

parcial.

A declaração total de inconstitucionalidade com pronúncia de

nulidade só pode, logicamente, se operar com a redução do texto, pois, do

contrário – isto é, reconhecida a incompatibilidade total sem que haja a supressão

107
do texto, preservando-se a norma – haverá, em verdade, a declaração de

inconstitucionalidade total sem pronúncia de nulidade, pois mantido no sistema

jurídico, e sem invalidação, o ato normativo totalmente inconstitucional.

A declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade,

equivaleria, pois, na prática, à convalidação247 do ato inconstitucional, que, a

despeito de ter reconhecida a sua desconformidade com o texto magno, não sofre

qualquer invalidação, preservando-se os seus efeitos.

No sistema brasileiro, a possibilidade de restrição material dos

efeitos da declaração de inconstitucionalidade decorrente da aplicação da técnica

decisória em questão encontra fundamento na regra emergente do Artigo 27 da

Lei Federal n. 9.868/99, conforme analisamos no item 2.2.3. supra.

Também distintos são os pressupostos de aplicabilidade de ambas

as técnicas: a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade tem lugar nas

hipóteses de omissão inconstitucional ou, no caso de vício ativo, de necessidade

de preservação da segurança jurídica, que ficaria mais afetada com a invalidação

do ato inconstitucional do que com a sua própria preservação.

No primeiro caso, a aplicação da técnica se justifica porque não

havendo norma, não há o que se pronunciar nulo; no segundo, o postulado da

247
Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O valor do ato inconstitucional.
108
nulidade deixa de ser aplicado com supedâneo no princípio da segurança

jurídica248.

Já a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de

texto mostra-se adequada diante da impossibilidade de supressão literal do

dispositivo para retirada do seu sentido viciado, que não está presente em

expressão autônoma da norma, senão no conjunto do seu texto.

Nesse caso, a técnica é usada com a finalidade específica de

invalidar a parcela inconstitucional da norma, de pronunciar a sua nulidade,

perpetrando-se sem a respectiva supressão do texto, por completa

impossibilidade prática de fazê-lo.

Na declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade,

a finalidade é justamente oposta, já que a sua utilização visa à não invalidação da

norma, ou da sua parte, desconforme à Constituição.

4.6.3. Declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a

inconstitucionalidade

248
Cf. voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010.
109
Pelo uso da técnica decisória em questão reconhece-se, a priori, a

constitucionalidade da norma, que pode, em razão da situação fática ou do

contexto jurídico em que estiver inserida, vir a ser inconstitucional.

Sua utilização pode vir acompanhada de recomendações ao

legislador para que edite uma nova regulamentação, o que se denomina apelo ao

legislador (“Appellentscheidung”)249.

Daí o motivo da nomenclatura comumente utilizada para sua

identificação: declara-se que a norma está em trânsito para a

inconstitucionalidade ou que ainda é constitucional.

O resultado da aplicação dessa técnica, portanto, é a declaração da

constitucionalidade do ato impugnado, anunciando-se na decisão “uma possível

conversão dessa situação ‘ainda’ constitucional (noch verfassungsgemäss) num

estado de inconstitucionalidade”, como explica Gilmar Mendes250.

Diferentemente da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto, portanto, que produz um juízo de inconstitucionalidade parcial

acerca da norma em exame, a técnica em questão enseja o reconhecimento da sua

constitucionalidade, ao menos provisoriamente.

249
Cf. Gilmar Mendes, Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade da lei,
na jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, p. 63.
250
Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade da lei, na jurisprudência da
Corte Constitucional Alemã, p. 63.
110
Certo é que ambas mantêm o dispositivo atacado intocado, embora

com consequências distintas: o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial

numa hipótese e de constitucionalidade noutra.

Foi o que ocorreu no julgamento do HC n. 70.514251, em que o

Supremo Tribunal Federal rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do §5º do

Artigo 1º da Lei Federal n. 1.060/50, com a redação dada pela Lei Federal n.

7.871/89, que confere prazo recursal em dobro no processo penal às Defensorias

Públicas.

Entendeu o STF que a norma impugnada “ainda era

constitucional”, ao menos até que a organização das Defensorias Públicas nos

Estados alcançasse “o nível de organização do respectivo Ministério Público, que

é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal

pública.”252

Desse modo, embora a mesma prerrogativa não fosse outorgada ao

Ministério Público, considerou o STF inexistir afronta ao princípio da isonomia e

do devido processo legal, ao menos até que as Defensorias Públicas se

instalassem efetivamente, adquirindo aparelhamento semelhante ao do respectivo

Parquet.

251
Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 23-03-94. Disponível em
<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72491>. Acesso em 24 set.
2010.
252
Ibidem.
111
A aplicação da técnica decisória em referência, destarte, conduz à

pronúncia da constitucionalidade da norma, ainda que temporária, ao passo que a

decisão que declara a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto traduz,

diversamente, a desconformidade daquela aos ditames constitucionais.

4.6.4. Interpretação conforme à Constituição

Não é tão simples a diferenciação entre a declaração de

inconstitucionalidade sem redução de texto e a interpretação conforme, menos

em função em virtude das características próprias dessas técnicas, mas,

sobretudo, por conta da prática pretoriana, que não raras vezes as aplica

conjuntamente, apesar de conduzirem a resultados distintos em sede de controle

de constitucionalidade.

Já nos referimos anteriormente à natureza polissêmica da

interpretação conforme à Constituição: ela é, simultaneamente, técnica decisória

do controle de constitucionalidade e princípio hermenêutico.

Aduzimos, ainda, o fato de a interpretação conforme à Constituição

constituir princípio destinado à exegese do direito infraconstitucional em face do

texto constitucional, não caracterizando, portanto, senão indiretamente,

verdadeiro método de hermenêutica do texto constitucional.

112
Nas palavras de Virgílio Afonso da Silva253:

“(a) embora a interpretação conforme a constituição, seja uma


interpretação da lei, o parâmetro para tanto é a constituição; (b)
ao definir a constituição como parâmetro para se saber como a
lei deve ser interpretada, não há como escapar de um mínimo de
interpretação da própria constituição. Mas, repita-se, na
interpretação conforme a constituição o objetivo principal não é
interpretar a própria constituição, mas as leis
infraconstitucionais, razão pela qual ela não pode ser
considerada um princípio de interpretação constitucional”
(grifamos)

A interpretação conforme, nessa medida, assume dúplice natureza:

consiste, simultaneamente, em método hermenêutico próprio do controle de

constitucionalidade e de técnica de decisão da justiça constitucional.

A partir dessa primeira constatação, uma das semelhanças e das

diferenças entre os institutos em questão já ficam evidenciadas: como a

interpretação conforme, a declaração de inconstitucionalidade consiste em

método próprio à formação do juízo de inconstitucionalidade no âmbito da

fiscalização vertical das leis, mas, diferente daquela, não se presta a

instrumentalizar a compreensão de diplomas normativos, pelo que não assume

natureza de método hermenêutico constitucional.

Com efeito, a declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto é fórmula destinada à construção da decisão acerca da

253
Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial, p. 192.
113
desconformidade do ato em face da Constituição, não se prestando, pois, a

conduzir um processo hermenêutico sobre as suas normas.

Outra distinção flagrante entre ambos os institutos diz respeito ao

resultado da demanda em sede de controle de constitucionalidade a partir do uso

de uma ou outra técnica.

Aplicada a declaração parcial sem redução de texto, reconhece-se a

inconstitucionalidade de parte do dispositivo normativo; há, aí, um juízo negativo

acerca da conformidade constitucional do ato.

Já a interpretação conforme à Constituição, no sistema brasileiro254,

enseja o reconhecimento da constitucionalidade da norma à vista da interpretação

que dela se fez com base nas normas constitucionais. Há, portanto, um juízo

positivo sobre a compatibilidade vertical do ato.

Sem embargo, inúmeras são as decisões do Supremo Tribunal

Federal em que se aplicam, indiscriminada e conjuntamente, ambas as técnicas,

apesar da contradição que o método revela.

Isso porque, embora o dispositivo normativo impugnado não sofra

qualquer alteração, seja pela aplicação de uma ou de outra técnica – o que revela

254
Cf. André Ramos, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 135 ss.
114
outra semelhança entre elas –, tal fato não justifica, por si só, a sua

equiparação255 e, tampouco, a sua aplicação conjunta.

Merece destaque o fato de tal semelhança, aliás, encontrar-se

igualmente presente entre a declaração de nulidade parcial sem redução e, com

exceção da nulidade parcial com redução de texto, as demais técnicas acima

analisadas, sem que isso as torne num mesmo e único modelo decisório.

A aplicação conjunta de ambas pelo Supremo Tribunal Federal,

todavia, não é incomum, sendo as decisões comumente assim enunciadas: “julga-

se procedente, em parte, a ação para, sem redução de texto, dar ao artigo (...)

interpretação conforme à Constituição.”

Ora, quando se julga procedente a ação direta de

inconstitucionalidade, está-se a reconhecer a desconformidade do ato em face da

Constituição. E isso se dá, nos termos das mencionadas decisões, mediante a sua

interpretação conforme à Carta, método pelo qual se reconhece justamente a

constitucionalidade da norma.

A ambiguidade emergente da fórmula é, portanto, notável, como

bem sintetiza Virgílio Afonso da Silva256:

“O Supremo Tribunal Federal, na maioria das vezes, refere-se a


uma ‘interpretação conforme a constituição sem redução de
texto’. A redundância – ou confusão – é patente, pois parece

255
Virgilio Afonso da Silva, op. cit., 201.
256
Ibidem.
115
claro que, se é mera interpretação (conforme a constituição), a
redação do texto não poderá ser modificada. A diferença
primordial entre interpretação conforme a constituição e
declaração de nulidade parcial sem modificação do texto
consiste no fato de que, a primeira, ao pretender dar um
significado ao texto legal que seja compatível com a
constituição, localiza-se no âmbito da interpretação da lei,
enquanto a nulidade parcial sem modificação de texto localiza-
se no âmbito da aplicação, pois pretende excluir alguns casos
específicos da aplicação da lei.”

Sem dúvida, a interpretação é pressuposto para a formação do juízo

de (in)constitucionalidade no âmbito da fiscalização vertical das leis. E um dos

métodos utilizados para a compreensão da norma no seu cotejo com a

Constituição é o da interpretação conforme.

Por esse método hermenêutico (note-se que, aqui, estamos tratando

da interpretação conforme enquanto princípio de interpretação), o intérprete

identifica, dentro da moldura definida pelo programa linguistico da norma, as

possibilidades interpretativas compatíveis com a Constituição.

Nisso reside, implicitamente, uma espécie de

“inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”, porquanto, ao reconhecer

que somente aqueles significados possíveis contidos na literalidade da norma são

conformes à Constituição, excluem-se, implicitamente e a contrario sensu, os

demais, desconformes.

116
A recíproca, contudo, não é verdadeira257. A pronúncia de nulidade

de parte da norma sem a alteração da sua literalidade prescinde que a parte

reconhecida por constitucional o seja em virtude de interpretação conforme.

A aplicação da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto, portanto, tem por finalidade precípua aferir o sentido

inconstitucional emergente da norma, sem que para tanto seja necessário

proceder a uma interpretação conforme da parcela constitucional, que será

mantida.

A interpretação conforme, ao revés, está eminentemente destinada à

identificação, dentre as possibilidades interpretativas contempladas no invólucro

textual da norma, daquelas que sejam compatíveis com a Constituição.

Da análise dessas características emerge, contudo, outra

semelhança entre elas: ambas as técnicas encontram-se firmadas sob o

pressuposto teórico kelseniano de que a interpretação de um único texto

normativo admite variáveis258.

Por outro lado, não podemos deixar de mencionar o pleonasmo que

a expressão “interpretação conforme à Constituição” encerra. É que, sendo a

Constituição a norma suprema do ordenamento, na qual todas as demais fundam

sua validade, e que irradia efeitos sobre todo o sistema jurídico, não há como

257
Cf. André Ramos, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 135 ss
258
Ibidem, p. 137.
117
conceber válida qualquer interpretação normativa dissociada dos preceitos

constitucionais259.

De maneira que todo operador do direito tem, em verdade, o dever

de sempre realizar uma interpretação conforme à Constituição260. E nisso não há

novidade, uma vez que decorre diretamente da supremacia da Constituição.

Aliás, como argumenta Virgílio Afonso da Silva, “em todos os

processos de controle abstrato de constitucionalidade em que se decida pela

constitucionalidade de um dispositivo legal estaremos (...) diante de uma

interpretação conforme a constituição.”261

Nada obstante tais críticas262, o fato é que a interpretação conforme

constitui técnica decisória reconhecida não apenas pela doutrina e jurisprudência

259
Cf. Virgílio Afonso da Silva, op. cit., p. 192.
260
Cf. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Tomo VI, p. 73.
261
Cf. Virgílio Afonso da Silva, op. cit, p. 199.
262
Merece citação a crítica peculiar que Virgílio Afonso da Silva (trivialidade, p. 204-205)
desenvolve sobre o instituto: “E o que sobra da interpretação conforme a constituição?
Desempenha ela alguma função no modelo brasileiro de controle de constitucionalidade? Sim,
mas nenhum daqueles que a doutrina costuma identificar. A interpretação conforme a
constituição desempenha uma função de sutil legitimação da centralização da tarefa
interpretativa – não só da constituição, mas de todas as leis – nas mãos do Supremo Tribunal
Federal. O parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/1999 prescreve que as declarações de
constitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a constituição, têm eficácia contra
todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública
federal, estadual e municipal. Quais as conseqüências desse dispositivo? Elas são muito maiores
do que se costuma crer. Basta que o Supremo Tribunal Federal dê o nome de interpretação
conforme a constituição a qualquer esclarecimento de significado de qualquer termo de qualquer
dispositivo legal, na forma como já vista acima, para que qualquer interpretação divergente,
ainda que seja também no sentido de manter a constitucionalidade de uma lei, torne-se
impossível. Com isso, o Supremo Tribunal Federal não somente desempenha sua função de
guardião da constituição de forma cada vez mais centralizada, como passa a ter a possibilidade
quase que ilimitada de excluir qualquer ‘desobediência’ interpretativa por parte de quase todos
os órgãos estatais. Para tanto, a interpretação conforme a constituição cai como uma luva.”
118
brasileiras como também positivada no Parágrafo único do Artigo 28 da Lei n.

9.868/99.

Tal dispositivo, encerra outra semelhança entre as técnicas em

questão, já que equiparou os efeitos decorrentes da sua aplicação, in verbis:

“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de


inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade
sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito
vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.”
(grifamos)

Também a aplicabilidade de ambas as técnicas encontra-se limitada

às hipóteses interpretativas emergentes da literalidade do dispositivo normativo.

Nisso reside outra semelhança, qual seja, a impossibilidade de se

realizar, quer pela via da nulidade parcial sem redução, quer pela da interpretação

conforme, “inovação plena”, distorcendo, por meio da atividade exegética, “de

forma descompromissada e repudiável, o que consta do enunciado normativo

escrito.”263

A justificar, contudo, a singularidade de cada uma, cabe ainda

mencionar outra distinção metodológica apontada por Virgílio Afonso da Silva,

que afirma:

263
Cf. André Ramos, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 139.
119
“(...) a interpretação conforme a constituição tem como objetivo
evitar, em abstrato, a inconstitucionalidade de uma norma. Já a
nulidade parcial sem modificação de texto não se refere à
definição do conteúdo da norma em abstrato, mas de sua
aplicação em concreto.”264

Explica-se: ao se destacar, pela via da interpretação conforme, as

possibilidades interpretativas consoantes à Constituição, a análise da norma

opera em tese, em abstrato, e não diante de determinada situação fática a que seja

aplicável.

Já a identificação do sentido inconstitucional da norma pela via da

pronúncia parcial de nulidade com redução de texto se dá a partir do cotejo das

diversas possibilidades de aplicação a situações concretas da regra nela

contemplada.

Pode-se concluir, portanto, que se trata de técnicas autônomas e

distintas, firmadas sobre diferentes hipóteses de incidência e que operam efeitos

díspares no tocante ao resultado da demanda, embora culminem, igualmente, na

manutenção integral do texto normativo impugnado.

264
Op. cit., p. 202.
120
5. DA APLICAÇÃO DA DECLARAÇÃO PARCIAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO NO

SISTEMA BRASILEIRO

5.1. NATUREZA DA DECISÃO QUE APLICA A DECLARAÇÃO PARCIAL DE

INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO

No capítulo 2, analisamos as variantes decisórias em sede de

fiscalização vertical das leis no sistema jurisdicional brasileiro de controle de

constitucionalidade.

Vimos que, na prática pretoriana brasileira, o Supremo Tribunal

Federal, seguindo tendência anunciada no direito comparado, reconheceu a

necessidade de aplicar restrições temporais e materiais às decisões de

inconstitucionalidade proferidas tanto em sede de controle difuso quanto de

controle concentrado265.

O desenvolvimento de variantes decisórias aptas a solucionar

situações nas quais não incidentes, de forma absoluta, os juízos de

constitucionalidade ou de inconstitucionalidade pela jurisprudência brasileira se

deu mesmo antes do advento da Lei Federal n. 9.868/99, que, em seu Artigo 27,

positivou a referida possibilidade.

265
Cf. Gilmar Mendes, Controle Concentrado de Constitucionalidade, p. 454-459 e 493 ss.
121
A introdução de permissivo legal ao desenvolvimento de

possibilidades decisórias alternativas ao binômio purista constitucionalidade-

inconstitucionalidade só corroborou, portanto, aquilo que já em 1991, sob a égide

do atual regime constitucional266, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das

ADIs n. 513 e n. 1.116, havia verificado, ou seja, a possibilidade de se afastar o

princípio da nulidade da lei inconstitucional em certas situações.

A Lei Federal n. 9.868/99 abriu, portanto, “uma nova via para a

mitigação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade”267, já antes verificada

na práxis do Supremo Tribunal Federal.

A decisão que aplica a técnica da declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto se insere nessa categoria

intermediária de juízo de inconstitucionalidade, na medida em que pronuncia a

nulidade de parte do dispositivo impugnado sem conduzir à redução do texto

respectivo.

Processa-se, portanto, de forma especial em relação à declaração

comum268 de inconstitucionalidade, a que enseja a supressão do ato

inconstitucional do sistema jurídico, já que opera a redução material do âmbito

normativo do ato impugnado sem, contudo, afetar o seu invólucro linguístico.

266
Cf. Gilmar Mendes, Controle de Concentrado de Constitucioanlidade, p. 545-547.
267
Trecho do voto-vista do Min. Gilmar Mendes na ADI n. 2.240, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 09-05-07. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 set. 2010
268
Cf. José Carlos Francisco, Natureza das normas e atos inconstitucionais, p. 630.
122
Encerra-se, pois, pela técnica da declaração parcial de nulidade sem

redução de texto, um juízo parcial de inconstitucionalidade sem que haja a

alteração do substrato textual da norma cuja parcela viciada se invalidou269.

5.2. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem oscilado de

maneira cronológica não linear em relação à aplicação autônoma da técnica da

decisão parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Isso porque o Excelso Pretório ora a aplica com expressa

diferenciação em relação à técnica da interpretação conforme, ora aplica ambas

conjuntamente, como se indistintas fosse as ditas técnicas decisórias.

Vimos no item final do capítulo anterior que, apesar das

semelhanças que aproximam ambos os institutos, trata-se de modelos decisórios

singulares, seja no tocante aos seus pressupostos próprios de aplicabilidade, seja

269
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (O valor do ato inconstitucional, em face do direito
positivo brasileiro, p. 59-71) entende que a decisão que utiliza a técnica decisória em comento
não se coaduna com a doutrina tradicional da nulidade, já que “não importa na nulidade da
norma, mas sim na sua mera ineficácia, num determinado quadro.” Entendemos, contudo, que
essa espécie de decisão contempla, em relação à parcela tida por inconstitucional, uma
pronúncia parcial de nulidade, que afeta apenas as significações inconstitucionais emergentes da
norma, com efeitos erga omnes e vinculante, como estabelece o Parágrafo único do Art. 28 da
Lei n. 9.868/99. A pronúncia parcial de nulidade comporta, também nessa espécie, a modulação
temporal a que alude o Art. 27 da Lei n. 9.868/99, podendo operar efeitos retroativos ou
prospectivos no tocante à invalidação dos efeitos pretéritos e/ou futuros da parcela tida por
inconstitucional, conforme analisamos no Capítulo 2.
123
no que concerne ao resultado da demanda quanto ao juízo de

(in)constitucionalidade.

Em momentos históricos próximos e inclusive com idêntica

composição orgânica, o Supremo Tribunal Federal tem, contudo, proferido

decisões díspares sobre o assunto, o que denota a ausência de um entendimento

unívoco, num ou noutro sentido, quanto à aplicação prática de ambos os

institutos.

De forma que não podemos utilizar, aqui, o termo “evolução” para

designar a análise cronológica das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal

Federal na matéria, uma vez que não se pode identificar, no seu

desenvolvimento, verdadeira sequência progressiva de decisões adotadas numa

mesma direção.

Ao revés, a análise da experiência jurisprudencial do Supremo

Tribunal Federal no assunto denota a ausência, em um mesmo momento

histórico, de univocidade quanto às diferenças práticas concernentes à formação

do juízo de (in)constitucionalidade em sede de fiscalização vertical das leis pela

adoção de uma ou de outra técnica.

Dentro do extenso número de decisões igualmente significativas e

juridicamente ricas sobre o tema, aptas a demonstrar justamente o que estamos a

argumentar, selecionamos quatro julgados representativos de tal constatação.

124
Tais decisões, embora lavradas m momentos temporais

aproximados da história jurisprudencial da Excelsa Corte, fixam premissas

distintas quanto à aplicabilidade das técnicas decisórias em questão,

estabelecendo entendimentos dissonantes na matéria.

Tudo a demonstrar a impossibilidade de, ao menos até o presente

momento, identificar-se verdadeira evolução jurisprudencial, caracterizada pela

concatenação cronológica de decisões orientadas por um sentido unívoco,

voltadas para quaisquer dos entendimentos possíveis sobre o tema.

Vejamos.

5.2.1. Aplicação conjunta com a interpretação conforme

No julgamento da ADI n. 1.377270, relatada pelo Ministro Octavio

Gallotti, as técnicas da declaração parcial de inconstitucionalidade e da

interpretação conforme à Constituição foram aplicadas conjuntamente, como se

fossem métodos únicos.

Nos exatos termos da ementa, a ação foi julgada parcialmente

procedente para:

270
Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 03-06-98. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 11 mar. 2010.
125
“sem redução de texto, conferir, ao inciso V do art. 44 da Lei
n.º 8.625, de 12/02/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público), interpretação conforme a Constituição, definindo
como única exegese constitucionalmente possível aquela que
apenas admite a filiação partidária de representante do
Ministério Público dos Estados-membros, se realizada nas
hipóteses de afastamento, do integrante do Parquet, de suas
funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei,
vencido o Ministro Octavio Gallotti (Relator) que julgava
integralmente improcedente a referida ação direta.” (grifado no
original)

Ora, se a decisão logra reconhecer, como única exegese

constitucionalmente possível, a fixada no seu dispositivo, reconhece-se, com

isso, que há uma possibilidade interpretativa emergente do ato normativo

impugnado que se afigura compatível com a Constituição, ainda que seja a única.

Mas há.

E, nessa medida, o julgamento parcialmente procedente da ação

direta de inconstitucionalidade, que induz a um juízo negativo acerca da

conformidade constitucional do ato, apresenta-se incompatível com o resultado

decorrente da decisão proferida, que não afasta um sentido inconstitucional da

norma, mas, ao contrário, revela o único que seria compatível com a

Constituição.

O uso conjugado das técnicas no caso em apreço mostrou-se,

portanto, inadequado, já que no julgamento da ação o Tribunal identificou, entre

as hipóteses interpretativas possíveis, uma que se mostrava constitucional,

mediante interpretação conforme à Carta.

126
O juízo de constitucionalidade do ato mediante interpretação

conforme à Constituição a que chegou o Tribunal na demanda não se coaduna,

portanto, com o resultado manifestado na correspondente decisão, voltado ao

reconhecimento da inconstitucionalidade parcial do ato mediante procedência

relativa da demanda.

Em 2004, igualmente, outra decisão do Supremo Tribunal Federal

revelou a aplicação conjunta das técnicas decisórias em questão, apesar da

contradição disso decorrente.

Isso se deu na ADI n. 1.695271, de relatoria do Ministro Maurício

Corrêa, em que se julgou parcialmente procedente a ação direta de

inconstitucionalidade para, “sem redução de texto, dar ao §2º do artigo 70 da Lei

Estadual n.º 10.219, de 21 de dezembro de 1992, interpretação conforme a

Constituição Federal.”

Tratava-se de lei ordinária do Estado do Paraná que, no dispositivo

atacado, importava a aplicação do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis

daquele Estado aos servidores até então regidos pela Consolidação das Leis do

Trabalho e que tiveram seus empregos transformados em cargos públicos.

Prescrevia o dispositivo atacado, in litteris:

271
Rel. Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 03-03-04. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 11 mar. 2010.
127
“§2º. Aplicar-se-á aos servidores neste artigo, a Lei Estadual n.º
6.174, de 16 de novembro de 1970, de conformidade com as
disposições constitucionais aplicáveis.”

A inconstitucionalidade suscitada na hipótese dizia respeito à

remissão indistinta ao Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Paraná,

sobretudo na parte concernente às garantias adquiridas mediante efetividade no

serviço público.

Entendendo pela procedência da alegação nesse ponto, o Ministro

Relator assim sustentou o seu posicionamento:

“Os servidores que tiveram seus empregos públicos


transformados em cargos não são efetivos, ainda que sejam
detentores da estabilidade excepcional prevista nas disposições
transitórias. Isso porque, embora tenham passado a ocupar
cargos públicos, não exercem aqueles de provimento efetivo
reservados apenas aos nomeados após aprovação em concurso
público. A efetividade leva à estabilidade, mas o contrário não
se verifica. Tanto que o §1º do mencionado artigo 19 prevê a
contagem do tempo de serviço sob referida condição como
título, quando os servidores se submeterem a concurso para fins
de efetivação (...). Assim sendo, e tendo em vista que o §2º do
artigo 70 da Lei estadual 10219/92 faz remissão ao Estatuto,
porém de conformidade com as disposições constitucionais
aplicáveis, merece procedência a ação apenas para fixar exegese
no sentido de que os servidores oriundos do regime celetista,
mesmo considerados estáveis no serviço público (ADCT-CF/88,
artigo 19), enquanto nessa situação, não se equiparam aos
efetivos, no que concerne aos efeitos legais que dependam da
efetividade. Ante essas circunstâncias, julgo procedente, em
parte, a ação para (...), sem redução de texto, dar ao §2º do
artigo 70 da Lei Estadual 10219/92 interpretação conforme a
Constituição Federal.” (grifado no original)

128
O caso em exame denota a inadequação ainda mais flagrante da

aplicação conjugada das técnicas decisórias em espeque.

Da própria literalidade do dispositivo impugnado emergia a

possibilidade de interpretação conforme à Constituição da regra nele

contemplada, porquanto expressamente determinada a aplicação do Estatuto dos

Funcionários Públicos Civis daquele Estado aos servidores até então regidos pela

Consolidação das Leis do Trabalho “de conformidade com as disposições

constitucionais aplicáveis.”

Tal expressão, contida na lei, por si só, já demonstrava a

constitucionalidade do dispositivo relativamente à vedação de equiparação das

garantias outorgadas aos servidores públicos e àqueles agora incorporados ao

serviço público que não fossem compatíveis com as disposições constitucionais

aplicáveis, afastando, consequentemente, a incidência dos direitos que só com a

efetividade se adquire.

Por certo que o dispositivo em questão não comporta, portanto,

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, sobretudo

porque inexistente em sua moldura textual qualquer possibilidade interpretativa

diversa das que se afigurarem compatíveis com a Constituição, por expressa

previsão da norma.

129
Nem tampouco era o caso de se dar ao artigo impugnado

interpretação conforme à Constituição, já que o seu próprio teor literal

determinava, expressamente, a restrição da sua aplicabilidade às hipóteses

compatíveis com a Constituição.

A fixação da decisão no sentido da procedência parcial da ação

direta de inconstitucionalidade mediante interpretação conforme do dispositivo

em questão, desse modo, denota, mais uma vez, a ameaça à segurança jurídica

que o uso conjunto e indiscriminado dessas técnicas decisórias enseja.

5.2.2. Reconhecimento da sua autonomia enquanto técnica decisória

Em 1995, no julgamento da medida cautelar na ADI n. 1.344272,

relatada pelo Ministro Moreira Alves, delimitou-se, objetivamente, o âmbito de

aplicabilidade de uma e outra técnica, embora, como vimos acima, tal

entendimento tenha sido modificado três anos depois.

O aresto do julgado em referência restou assim redigido:

“Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à


Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma
impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis,
uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o
sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente.
Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma

272
Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-12-95. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 11 mar. 2010.
130
que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir
dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a
utilização da técnica de concessão da liminar ‘para a suspensão
da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua
expressão literal’, técnica essa que se inspira na razão de ser da
declaração de inconstitucionalidade ‘sem redução do texto’ em
decorrência de este permitir ‘interpretação conforme à
Constituição’.”

A cautelar fora deferida para suspender, sem redução da letra de

seu texto, a aplicação de dispositivos das Leis Complementares de n. 46/94 e n.

50/94 do Estado do Espírito Santo na parte que faziam remissão implícita a

normas constantes na mesma Lei Complementar n. 46/94 e na de n. 93/94.

A técnica da nulidade parcial sem redução de texto teve lugar em

razão da impossibilidade de supressão do sentido inconstitucional emergente da

literalidade dos dispositivos impugnados.

Consignou-se, ainda, a opção pela técnica decisória em questão

para evitar o prejuízo à integralidade cognoscitiva do comando legal, que ficaria,

nas palavras do Ministro Relator, “sem sentido” com a retirada provisória da

alusão a dispositivos da norma diversa.

Da mesma forma, no julgamento da ADI 3.324273, relatada pelo

Min. Marco Aurélio, em 2004 – mesmo ano em que prolatada a decisão na ADI

1.695 em sentido totalmente oposto, acima analisada – a técnica da declaração de

273
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-12-04. Disponível em <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em 11 mar. 2010.
131
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto foi utilizada com a finalidade

específica de reconhecer a inconstitucionalidade de determinado entendimento

emergente do texto normativo.

A demanda tinha por objeto o Artigo 1º da Lei Federal n. 9.536/97,

de cuja literalidade o Supremo Tribunal Federal afastou, sem a redução do texto,

a interpretação inconstitucional dele emergente, julgando, assim, parcialmente

procedente a ação direta de inconstitucionalidade:

“A constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.536/97,


viabilizador da transferência de alunos, pressupõe a observância
da natureza jurídica do estabelecimento educacional de origem,
a congeneridade das instituições envolvidas – de privada para
privada, de pública para pública –, mostrando-se
inconstitucional interpretação que resulte na mesclagem – de
privada para pública. (...) O Tribunal, por unanimidade, julgou
procedente, em parte, a ação para, sem redução do texto do
artigo 1º da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, assentar a
inconstitucionalidade no que se lhe empreste o alcance de
permitir a mudança, nele disciplinada, de instituição particular
para pública, encerrando a cláusula “entre instituições
vinculadas a qualquer sistema de ensino” a observância da
natureza privada ou pública daquela de origem, viabilizada a
matrícula na congênere. Em síntese, dar-se-á a matrícula,
segundo o artigo 1º da Lei nº 9.536/97, em instituição privada se
assim o for a de origem e em pública se o servidor ou o
dependente for egresso de instituição pública, tudo nos termos
do voto do Relator.” (grifamos)

Nota-se, nesse caso, a nítida distinção perpetrada entre a aplicação

da técnica da nulidade parcial sem redução de texto e a da interpretação

conforme à Constituição, também presente no caso.

132
O julgamento parcialmente procedente da demanda, sem a redução

do texto do dispositivo impugnado, se deu para assentar a inconstitucionalidade

parcial de um dos sentidos emergentes do programa normativo, qual seja, o que

permitia a efetivação da transferência ex officio de servidores públicos entre

instituições de ensino não congêneres, isto é, privadas e públicas.

Além disso, explicitou-se, na decisão, qual o sentido que deveria

ser observado da exegese da expressão cuja literalidade ensejava a

inconstitucionalidade declarada, sem, com isso, declarar-se a constitucionalidade

da norma mediante interpretação conforme à Constituição, o que implicaria

contradição face ao juízo negativo de constitucionalidade contemplado na

decisão.

A análise desses quatro julgados, que, embora proferidos em épocas

próximas, consignaram entendimentos nitidamente opostos, demonstra a

ausência de univocidade de entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à

aplicabilidade das técnicas da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto e da interpretação conforme à Constituição, métodos próprios e

autônomos que conduzem à juízos distintos quanto à (in)constitucionalidade do

ato impugnado.

Não se pode verificar, portanto, ao menos por ora, um movimento

progressivo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal propenso a

consolidar um entendimento único, ficando evidenciada, pela maioria das

133
decisões exaradas na matéria, a tendência à aplicação indistinta de ambas as

técnicas, não obstante a disparidade quanto aos resultados formais da demanda

que um ou outro modelo decisório ensejam.

134
CONCLUSÕES

1. O dogma da supremacia da Constituição impõe a todas as

normas do sistema jurídico o dever de compatibilidade com os preceitos

constitucionais.

2. A eventual inobservância das regras emergentes da

Constituição por parte da legislação infraconstitucional enseja a sua

inconstitucionalidade, vício que comporta diferentes sanções.

3. A inconstitucionalidade assume variadas formas, a depender

da espécie e da extensão da violação aos ditames constitucionais perpetradas pelo

ato infraconstitucional.

4. De acordo com as teorias tradicionalmente desenvolvidas

acerca dos efeitos do ato inconstitucional, o reconhecimento da

inconstitucionalidade pode conduzir à sua nulidade ou à sua anulabilidade,

embora haja a possibilidade, adotando-se uma ou outra teoria, de mitigação dos

resultados daí advindos.

135
5. No Brasil, adotou-se a teoria da nulidade do ato

inconstitucional, conquanto se tenham desenvolvido mecanismos aptos a

relativizar os efeitos da nulidade do ato em determinadas situações e presentes

certos requisitos.

6. O vício da inconstitucionalidade comporta diferentes

sanções, podendo a decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade

conduzir a diferentes juízos, muito além do binômio constitucionalidade-

inconstitucionalidade.

7. A formação do juízo de (in)constitucionalidade e suas

variantes na fiscalização vertical das leis se processa mediante o uso das diversas

técnicas de decisão da justiça constitucional.

8. Toda decisão sobre a (in)constitucionalidade da norma tem

como necessário pressuposto não apenas a interpretação do ato impugnado como,

via indireta, também da própria Constituição.

9. A interpretação constitucional assume características

próprias, dada a sua supremacia hierárquica, desenvolvendo-se a partir dos

denominados métodos de interpretação constitucional.

136
10. Métodos hermenêuticos do Direito Constitucional e técnicas

decisórias da justiça constitucional não se confundem, prestando-se a finalidades

distintas.

11. A norma jurídica é construída a partir da interpretação do

substrato textual a ela inerente, assumindo a atividade exegética papel ativo na

construção do direito.

12. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução

de texto consiste em técnica decisória do controle de constitucionalidade

destinada a reconhecer a incompatibilidade vertical de parte do dispositivo

impugnado, pronunciando a sua nulidade, sem acarretar a supressão literal do seu

programa normativo, dada a sua indivisibilidade.

13. Apesar das semelhanças que aproximam a declaração parcial

de inconstitucionalidade sem redução de texto e as variantes decisórias da

declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de texto, da declaração

de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e da declaração de

constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade, admitidas

pelo sistema brasileiro de controle, trata-se de métodos distintos de formação do

juízo de (in)constitucionalidade acerca do ato impugnado.

137
14. Embora constituam, igualmente, técnicas decisórias da

justiça constitucional, declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de

texto e interpretação conforme à Constituição não se confundem.

15. Firmadas sobre pressupostos distintos de aplicabilidade, as

técnicas em questão ensejam a produção de resultados díspares na formação do

juízo de (in)constitucionalidade das leis.

16. Pela declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução

de texto, reconhece-se a desconformidade de parte do dispositivo impugnado sem

que haja a supressão literal do seu texto; pela via da interpretação conforme à

Constituição, a decisão exarada em sede de controle de constitucionalidade

conduz, no sistema brasileiro, à declaração de constitucionalidade da norma.

17. Dadas as diferenças entre ambos os institutos, sua aplicação

conjugada encerra a produção de decisões contraditórias, dando ensejo à violação

do postulado da segurança jurídica.

18. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha firmado em

diferentes decisões o entendimento no sentido da diferenciação das técnicas

decisórias em questão, também promoveu, em diversos outros julgados, a sua

aplicação conjunta e indistinta.

19. A análise cronológica das decisões proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal na matéria não conduz à constatação da existência de um

138
processo evolutivo voltado à unificação do entendimento no sentido da

impossibilidade ou não de aplicação conjugada das técnicas da declaração de

nulidade parcial sem redução de texto e da interpretação conforme à

Constituição;

20. Não obstante, considerando a natureza, as características, os

pressupostos práticos e teóricos, os limites e os efeitos inerentes à declaração

parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, é inexorável a conclusão

quanto à sua autonomia como técnica decisória da justiça constitucional

brasileira.

139
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