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Os princípios do direito securitário

Frank Larrúbia Shih

Sumário
1. O risco permeia a vida. 2. A origem do
seguro. 3. A formação do Direito Securitário. 4.
Seguro social e seguro privado. 5. Os princí-
pios do Direito Securitário. 6. Princípio do mu-
tualismo. 7. Princípio da dispersão dos riscos.
8. Princípio do absenteísmo. 9. Princípio da pul-
verização dos riscos. 10. Princípio da boa-fé se-
curitária. 11. Princípio indenitário. 12. Princí-
pio da irredutibilidade do ‘pretium periculi’.
13. Conclusão.

1. O risco permeia a vida


A aventura da humanidade sempre foi
marcada por infortúnios de toda ordem. As
tragédias e as desgraças que abatem os ho-
mens são uma constante, provocando per-
das de vidas e de patrimônio, sendo históri-
ca a arguta frase de Montesquieu de que “a
adversidade é a nossa mãe, a prosperidade
é apenas nossa madrasta”.
Presos às adversidades da vida e às an-
gústias das necessidades, os homens neces-
sitam de bens materiais para a resolução de
suas vidas terrenas, o que gera um natural
apego aos bens da vida – uns mais, outros
menos –, mas sempre inclinados a essa in-
discutível verdade1. Aliás, não toca como
exagero quando se diz que “os homens es-
quecem a morte do pai antes que a perda do
patrimônio” (Maquiavel).
Frank Larrúbia Shih é Procurador Federal Desastres horríveis e cinematográficos
e Professor na Pós-Graduação da Universidade que vão desde o Titanic até ao World Trade
Estácio de Sá/RJ. Center revelam que absolutamente ninguém
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escapa das contingências da vida. É uma fizesse apreensivo pela sorte do meu
morte, um acidente, um incêndio, uma en- carregamento”.
chente, um desabamento, em qualquer mo- E como as idéias governam o mundo, o
mento, em qualquer lugar. Tudo isso assus- aprimoramento do seguro não tardou de
ta o homem e causa enorme sofrimento, per- acontecer, em especial na Revolução Indus-
turbando o seu instinto de sobrevivência. trial, que inseminou o capitalismo industri-
Tentando entender a vida, os homens al e financeiro já sob o prisma de uma eco-
logo percebem que a vida ultrapassa qual- nomia internacional.
quer entendimento e o sofrimento causado No Brasil, o surgimento do seguro foi
pelas perdas cria um sentimento de união, uma decorrência da influência européia e
de solidariedade entre os homens, não por- ganhou maior intensidade com a vinda da
que ficaram bons e purificados, mas porque Família Real Portuguesa, em 1808. A partir
aquela é um fator imprescindível para supe- de então, foram diversas as regulamentações
ração das dificuldades, que, em quantidade e que se seguiram, encontrando pouso nos
qualidade, são maiores que os homens. Códigos Civil e Comercial, sendo igualmente
E nisso tudo reside a mais antiga semen- relevante o atual Decreto-lei 73/66.
te do que hoje denominamos seguro, um Mas a compreensão atual do seguro exi-
mecanismo criado pelo homem para tentar ge do estudioso ultrapassar aqueles diplo-
reparar ou amenizar as perdas da vida, pois, mas legais, até porque o processo de globa-
como já dizia Guimarães Rosa, “viver é ne- lização tem causado profundo impacto na
gócio muito perigoso”. produção do direito interno por meio da fun-
ção ordenadora expletiva, que conforma, legi-
2. A origem do seguro tima e hegemoniza os valores do capitalis-
mo dentro do ordenamento jurídico. É uma
Os contratos de seguros que são realiza- nova dimensão e complexidade que exami-
dos todos os dias em nossa época atual de- naremos adiante.
safiam a criatividade, tamanha a diversifi-
cação que alcançou esse instituto. Mas nem 3. A formação do Direito
sempre foi assim. A própria origem do se- Securitário
guro é desconhecida, pois não poderia sur-
gir, por óbvio, como um produto perfeito e Se o comércio nacional e internacional
acabado. Decorrente de uma lenta evolu- do seguro está sob os holofotes do requinte
ção, a maturidade do seguro seguiu a mes- e da modernidade, o mesmo não se pode
ma sorte da maturidade do comércio, coin- dizer da legislação interna que o rege. Os
cidindo a intensificação do seguro com a diplomas legais são peças de antiquário – o
expansão marítima nos séculos XIV e XV. Código Comercial de 1850; o Código Civil
Aliás, já na obra de Shakespeare, O mercador de 1916 e um Decreto-lei de 1966 – que, em-
de Veneza, ato I, cena I, tem-se o registro dessas bora ainda cumpram sua importante fun-
preocupações, quando Salânio assevera: ção, reconhecidamente estão devassados
“Podeis crer-me senhor: caso eu para a dinamização atual do seguro. Está
tivesse tanta carga no mar, a maior na jurisprudência a tarefa de interpretar
parte de minhas afeições navegaria aquelas normas jurídicas de forma adequa-
com minhas esperanças. A toda hora da à nova realidade. Conseqüência disso é
folhinhas arrancara de erva, para ver que, às vezes, publicam-se decisões malfaze-
de onde sopra o vento; debruçado nos jas em matéria securitária, que não guardam
mapas, sempre, procurava portos, nenhuma sintonia com a realidade presente.
embarcadoiros, rotas, sendo certo que Com o advento do novo Código Civil –
me deixara louco tudo o quanto me Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –,

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uma nova roupagem jurídica será dada à Cabe agora uma indagação: se a legisla-
matéria securitária, com inovações substan- ção que disciplina o seguro brasileiro é tão
ciais importantes, mas se observa em alguns antiquada, como é possível a existência de
dispositivos um lamentável retrocesso, de- contratos de seguros tão modernos e diver-
safiando a proteção dada pela legislação sificados? Em parte, já respondida, a juris-
consumerista ao segurado-consumidor. Po- prudência tem proporcionado adequação
lêmicas surgirão. da legislação aos novos modelos contratu-
No direito pátrio, há uma antiga tendên- ais. Por outro lado, existe uma situação pe-
cia em não se reconhecer a autonomia cien- culiar em que as normas infralegais ditadas
tífica do direito securitário porque o estudo pelo Executivo ou órgãos públicos acabam
do seguro sempre partiu do Direito Civil, criando ou inovando figuras contratuais
sendo aquele um ramo deste. Assim, estu- sem que sejam acoimadas de ilegais porque
da-se o contrato de seguro, ao lado dos de- são coordenadas pelas forças do mercado e
mais contratos que são regidos pelo Código a sua complexidade não permite a fácil cons-
Civil. Aliás, não é por outra razão que a mai- tatação. Essas normas infralegais vêm pre-
or parte das obras jurídicas disponíveis atu- enchendo sutilmente os espaços vazios dei-
almente – e não são muitas – partem sempre xados pela legislação antiquada e propor-
da noção elementar do contrato de seguro. cionam ampla liberdade “legislativa” aos
Essa situação estagnada deve-se ao fato interesses de grupos empresariais. Por essa
da inexistência de um Código de Seguros razão, continuar louvando um modelo jurí-
no Brasil. O estudo dos seguros no direito dico que negue a autonomia do Direito Se-
pátrio fica formalmente encarcerado dentro curitário é colocar uma enorme pedra nos
do Código Civil e Comercial, sem que o es- avanços de modernidade que o instituto re-
tudioso perceba, às vezes, a atual existência clama. A realidade é o funeral das ilusões.
de princípios específicos e diferenciados que O Brasil precisa de um Código de Se-
dão novo contorno à matéria securitária, guros 2.
digna de métodos próprios. Vale dizer, ci-
entificamente autônomo em relação ao Di- 4. Seguro social e seguro privado
reito Civil. É claro que muitos princípios do
Direito Civil são aplicáveis à matéria secu- O regime de seguridade social no Brasil
ritária, até porque inexiste autonomia abso- é disciplinado na Constituição Federal e
luta entre os ramos do Direito. Mas, no Di- compreende um conjunto integrado de ações
reito Securitário, há princípios que lhe são de iniciativa dos Poderes Públicos e da so-
exclusivos. ciedade, destinadas a assegurar os direitos
Situação semelhante ocorre com as socie- relativos à saúde, à previdência e à assis-
dades comerciais. Têm suas origens formais tência social. É financiada por toda socie-
no Código Comercial, mas atualmente têm dade na forma quatripartite do art. 195 da
autonomia científica dada pela legislação Lex Magna. Na parte de previdência social,
superveniente, com novos conceitos, prin- o art. 202 (redação dada pela Emenda Cons-
cípios e métodos próprios, configurando o titucional nº 20/98) estabelece expressamen-
chamado Direito Societário, apesar de inexis- te o regime de previdência privada, de cará-
tir um Código para tanto. ter complementar e organizado de forma
Como a proposta de nosso trabalho é o autônoma em relação ao regime de previ-
exame do seguro sob o prisma de conceitos dência social, com modelo facultativo. Via
e princípios atuais, passamos a reconhecer de conseqüência, editou-se a Lei Comple-
a autonomia científica do Direito Securitário, mentar nº 109/2001, que deu nova perfor-
libertando-se do regime antigo que não mais mance jurídica ao regime de previdência pri-
se compraz com os dias atuais. vada no país.

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A medida tem o claro sinal de aliviar o mandamento nuclear de um sistema, irra-
peso orçamentário do Governo na parte de diando sobre as normas para lhes definir
previdência social e favorece a classe em- espírito e fixar critério para a exata compre-
presarial, que ganhou novo fôlego nesse seg- ensão e inteligência das normas que regem
mento do mercado. Quanto ao consumidor, a matéria securitária.
ainda não é possível prever os verdadeiros Cabe anotar que, no excelso magistério
resultados, pois geralmente os planos são de Pedro ALVIM (Op. Cit., p. 59-65), alguns
de longa duração e têm sua sorte definida dos princípios são tratados – meramente –
pela estabilidade econômica. Mas a verda- como normas técnicas, o que a nosso ver tra-
de é filha do tempo. O que se tem certeza é duz-se em uma capitis deminutio no exame
que o passado do regime de previdência do tema, pois aqueles têm previsão jurídico-
privada no país foi catastrófico, no qual normativa dentro do sistema (normas-prin-
muitos beneficiários investiram anos a fio cípio), orientadora da função social, econô-
em fundo vazio. Uma espalhafatosa barba- mica e jurídica dos seguros, a justificar ple-
ridade, tudo aos olhos do Poder Público. namente a sua inserção dentro da categoria
A propósito do tema, paira atualmen- de princípios jurídicos.
te no mercado previdenciário um grande Para J. M. Leoni Lopes de OLIVEIRA
atrativo sobre os Planos Geradores de Be- (2001, p. 179-180), os princípios dizem
nefício Livre – PGBL, que conferem ao respeito ao Direito Natural ou a um orde-
consumidor, além da dedução no imposto namento jurídico determinado: “entretan-
de renda, uma ampla margem de flexibi- to, a forma ampla adotada em nosso art.
lidade em seu perfil, tais como rendimen- 4º, LICC (‘quando a lei for omissa, o juiz
tos, portabilidade e resgate. decidirá o caso de acordo com (...) os prin-
O objeto de nosso trabalho é o seguro pri- cípios gerais de direito’), nos permite en-
vado, que pressupõe o consenso das partes tender como princípios, tanto os ligados
para sua ultimação. É explorado pela inici- ao ideal de justiça, como os que informam
ativa privada, realizado sob a forma contra- o nosso ordenamento jurídico” 4.
tual e regido atualmente por princípios di- O princípio reina sobre todas as normas.
ferenciados que informam o Direito Securi-
tário. Como o olho de todas as virtudes é a 6. Princípio do mutualismo
prudência, não deve ser confundido o segu-
ro privado com o seguro social. Para tanto, O alicerce do seguro é o mutualismo, que
reside na própria lei o divisor entre um e pressupõe a contribuição de várias pessoas
outro: “consideram-se operações de segu- para a formação de um fundo comum, pois
ros privados os seguros de coisas, pessoas, este é que suportará o pagamento dos sinis-
bens, responsabilidades, obrigações, direi- tros. Portanto, o mutualismo se efetiva não
tos e garantias”. E ainda: “ficam excluídos pela relação jurídico-contratual isolada, mas
das disposições deste Decreto-lei os segu- sim pela rede formada pelo plexo contratual
ros do âmbito da Previdência Social, regi- dos inúmeros segurados. Por outro lado, o
dos pela legislação especial pertinente” fundo comum não é propriedade da segu-
(Dec.-lei nº 73/66, art. 3º, parágrafo único). radora, mas sim propriedade e destinação
Aqui, interpretatio cessat in claris. comunitária de todos os segurados, ou, no
elegante magistério de J.J. Calmon de Passos,
5. Os Princípios do Direito “o fundo comum é uma universalidade que
Securitário se qualifica por interesses transindividuais
por força de sua destinação” (RT 763/98).
Trata-se de princípios que regem o direi- O princípio do mutualismo é, assim, a
to securitário porque exprimem a noção de necessária cooperação da coletividade de

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segurados para a formação do fundo co- do o risco, em previsão do qual se faz o segu-
mum, sem o qual o seguro não pode existir. ro, não exime o segurado de pagar o prêmio”).
Esse princípio encontra sua consagra- No exame de casos concretos, a aplica-
ção em vários dispositivos do Decreto-lei nº ção do princípio do mutualismo tem sua
73/66, todos indicativos de que o prêmio é colmatação quando conjugado com outros
a essência do próprio seguro. Não se trata princípios do direito securitário, conforme
de preservar o lucro da seguradora, porque se denota no percuciente aresto do Desem-
as indenizações, como visto, não saem do bargador Sérgio Cavalieri Filho, com a ma-
seu patrimônio. O lucro da seguradora, que estria que lhe é peculiar:
obviamente existe, não constitui a integri- SEGURO SAÚDE. CONTRATO ALE-
dade do prêmio. Daí a importância dada ATÓRIO. OMISSÃO DE DOENÇA
pela lei para a preservação do fundo comum: PELO SEGURADO. MÁ-FÉ DO SEGU-
“A obrigação do pagamento do prêmio pelo RADO. EXCLUSÃO DA INDENIZA-
segurado vigerá a partir do dia previsto na ÇÃO.
apólice ou bilhete de seguro, ficando sus- “Seguro de saúde. Declaração feita
pensa a cobertura do seguro até o pagamen- a Seguradora com omissão de doença
to do prêmio e demais encargos”. E ainda: pré-existente. Violação do Princípio
“qualquer indenização decorrente do con- da boa-fé. A responsabilidade do se-
trato de seguros dependerá de pagamento gurador é fundada no risco contratual,
do prêmio devido, antes da ocorrência do isto é, nos riscos assumidos no con-
sinistro”. Até mesmo para participar de li- trato, razão pela qual, mais do que em
citações abertas pelo Poder Público, é indis- qualquer outro negócio jurídico, as
pensável comprovar o pagamento dos prê- cláusulas do contrato de seguro, des-
mios de seguros legalmente obrigatórios (lei de que válidas e não abusivas, devem
cit., arts. 12 e seu parágrafo único e 22, pará- ser respeitadas por ambas as partes.
grafo único). Disso depende também o seu equilí-
Medindo cem vezes, mas cortando uma brio econômico, porquanto o valor do
só, o art 30 do Dec-lei nº 73/66 extrai o prin- prêmio é estabelecido com base nos
cípio do mutualismo em sua clareza solar: cálculos estatísticos e atuariais; qual-
“as sociedades seguradoras não poderão quer alteração nessa equação impor-
conceder aos segurados comissões ou boni- ta em quebra da mutualidade. Risco e
ficações de qualquer espécie, nem vantagens mutualismo, entretanto, não andarão
especiais que importem em dispensa ou re- juntos sem a boa-fé, razão pela qual
dução de prêmio”. exige-se a mais estrita boa-fé tanto do
Ao contrário do atual, o novo Código segurado como do segurador. A omis-
Civil acentuou, com insistência, o princípio são intencional do segurado, a respei-
do mutualismo, alertando expressamente to de doença anterior ao contrato, é
que não há indenização sem o correspon- causa de exclusão da cobertura, con-
dente pagamento do prêmio (art. 757. “Pelo soante artigo 1.444 do C. Civil, pois
contrato de seguro, o segurador se obriga, afasta o próprio risco, a álea, que é ele-
mediante o pagamento do prêmio, a garan- mento essencial do seguro. Assim, pro-
tir interesse legítimo do segurado, relativo à vado que a beneficiária do seguro nas-
pessoa ou coisa, contra riscos predetermi- ceu com gravíssimos problemas de
nados”; art. 763. “Não terá direito à indeni- saúde, e já havia sido submetida à ci-
zação o segurado que estiver em mora no rurgia cardíaca pouco antes da cele-
pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro bração do contrato, circunstâncias
antes de sua purgação”; art. 764. “Salvo dis- essas omitidas quando do preenchi-
posição especial, o fato de se não ter verifica- mento da proposta, resulta evidencia-

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da a má-fé do segurado capaz de en- na lei, necessita impreterivelmente dos
sejar a exclusão da cobertura. Provi- recursos próprios para ultimar as in-
mento do recurso. (LCR) Vencido o denizações sofridas pelas vítimas de
Des. Gustavo Leite que negava provi- trânsito. Há nisso um consenso óbvio
mento ao recurso” (TJERJ, Apelação porque é um fato incontestável que o
Cível nº 2000.001.01442, Segunda prêmio pago no seguro obrigatório é o
Câmara Cível, Rel. Des. Sergio Cava- recurso indeclinável e essencial à existên-
lieri Filho, j. em 21/03/2000). cia desse próprio sistema securitário.
Todavia, a aplicação desse princípio Ora, a se admitir como constitucional
nem sempre sugere a simplicidade que sus- o art. 7º da Lei nº 6.194/74, teremos
cita, pois impia sub dulci melle venena latent uma interpretação cujo resultado fla-
(“sob o doce mel escondem-se venenos ter- grante é a quebra do próprio sistema,
ríveis”). Isso porque o Supremo Tribunal pois será imposto ao Convênio o dever
Federal tem lealdade cartaginesa em rela- legal de custear indenizações sem o res-
ção ao princípio em exame, a exemplo da pectivo lastro. É dizer, mutila-se o objeto
ADIN Nº 1.003-DF, no polêmico art. 7º da primário da lei que é justamente ampa-
Lei nº 6.194/74 (DPVAT), que autoriza o rar e proteger as vítimas de trânsito”.
pagamento da indenização ainda que o prê- Compreenda-se: o cunho social que re-
mio do seguro não esteja pago ou vencido. veste o seguro DPVAT foi o argumento mais
Nessa mesma esteira, o Superior Tribunal eloqüente e arvorado para o sacrifício da-
de Justiça editou a Súmula n º 257: “a falta de quele princípio, que na sua essência tem um
pagamento do prêmio do seguro obriga- cunho social tão importante quanto – senão
tório de Danos Pessoais Causados por mais – o alegado. Como se vê, na jurispru-
Veícu los Automotores de Vias Terrestres dência há vícios com aparência de virtudes:
(DPVAT) não é motivo para a recusa do pa- em matéria de DPVAT, prevalece o teor da
gamento da indenização. Além disso, a des- súmula nº 257, do STJ. Aqui, o princípio do
peito da jurisprudência encontrar-se então mutualismo está relativizado, para os que
dividida em relação ao tema, já havia uma adotam palavras otimistas.
onda caminhando nesse sentido, sendo dig- Esse arcabouço jurisprudencial mudará
no de nota a própria Federação Nacional com o Código Civil venturo? Creio que não.
das Empresas de Seguros Privados e de Ca- A Lei do DPVAT é especial em relação ao
pitalização – FENASEG, em sua Circular Codex Civil e o artigo 7º daquela lei consti-
DPVAT SIN 049/96 (“enquanto o Supremo tui justamente uma exceção às normas ge-
não decidir, as seguradoras conveniadas rais e assim permanecerá em relação às vin-
devem pagar normalmente o sinistro, inde- douras, ou seja, permanecerá o substrato do
pendentemente da prova do pagamento do sistema, de modo que a disposição geral não
prêmio, no prazo de 15 dias a contar da en- revogará a especial.
trega da documentação, conforme estabele-
cem as normas”), e a posição da Superin- 7. Princípio da dispersão dos riscos
tendência de Seguros Privados – SUSEP (Pa-
receres/PRGER/Contencioso/nos: 10/95; Referido princípio preconiza a responsa-
785/96; 883/96 e 891/96). bilidade do segurador dentro dos riscos pro-
Em nosso ensaio “atualidades jurídicas no váveis e sujeitos a uma regularidade, excluí-
seguro privado” (1999, p. 137-144), já alertá- dos – ou dispersados – aqueles eventos isola-
vamos que decisões naquele aporte viola- dos que – embora da mesma natureza – pos-
vam o princípio do mutualismo: sam inviabilizar a performancedo seguro con-
“O Convênio DPVAT, para cum- tratado. É princípio vivo na contratação dos
prir a relevante função social exigida seguros, caracterizado na forma de riscos ex-

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cluídos na apólice. Sua fonte legal é o art. 1.460, limitativa de risco. Admissibilidade.
do Codex Civil, assim disposto: “quando a Dano não alcançado pela cobertura
apólice limitar ou particularizar os riscos do contratada. Não reconhecimento do
seguro, não responderá por outros o segura- dever de indenizar. Quer pelo regime
dor”. Por outro lado, o contrato sempre con- do Código Civil (art. 1460), quer à luz
signará os riscos assumidos (art. 1434). O novo dos princípios que inspiram o siste-
Código Civil não esqueceu desse princípio, ma de defesa do consumidor (art. 54,
dando-lhe, porém, uma redação mais ele- par. 4.), não estão proibidas, nos con-
gante: art. 759. “A emissão da apólice deve- tratos de seguro, as cláusulas limitati-
rá ser precedida de proposta escrita com de- vas de risco, desde que redigidas com
claração dos elementos essenciais do inte- destaque e não contenham restrições
resse a ser garantido e do risco”. abusivas. Não se pode ter como abu-
Assim, por exemplo, é comum no seguro siva cláusula inserida em contrato de
automóvel a chamada cobertura compreensi- seguro de imóvel, situado em região
va, que garante os riscos de colisão, incên- montanhosa e sujeita a intensas pre-
dio, roubo e furto, como sinistros mais co- cipitações pluviométricas, que exclui
muns no dia-a-dia. Mas geralmente são ex- da cobertura a recomposição de da-
cluídos sinistros como ato de hostilidade nos causados por chuvas, o que, cer-
(v.g. depredação popular), causado por guer- tamente, por elevação do risco, impor-
ra ou radiação nuclear, pois, embora tam- taria sensível encarecimento do prê-
bém causem danos, constituem riscos isola- mio. Fundando-se o contrato de seguro
dos, com índice de sinistralidade diferencia- principalmente no risco, calculado por
do. A inclusão desses riscos isolados afe- operações estatísticas e atuariais, a in-
tam a performance econômica do seguro. Ex- terpretação extensiva da cláusula limi-
plica-se: para as seguradoras, o seguro au- tativa de risco, para fazer compreender
tomóvel é um produto comercial, que compete na cobertura riscos que dela estavam
vorazmente no mercado. A inclusão daque- excluídos, importa desequilíbrio do con-
les riscos mais raros encarece o prêmio sem trato em prejuízo do segurador, pela
que haja expectativa de retorno por parte do defasagem do prêmio. Se o contrato li-
consumidor, que vê e prefere contratar por mita a cobertura ao ressarcimento dos
um preço mais em conta a cobertura contra danos diretamente causados por ven-
os riscos que acredita mais prováveis em seu daval, não se pode entender que nela
automóvel. Juridicamente, a dispersão ou está incluída a reparação daqueles de-
não do risco isolado aumenta ou atenua a correntes de chuvas intensas, sob pena
responsabilidade do segurador. de alterar-se a equação atuarial de equi-
O princípio da dispersão dos riscos en- líbrio do contrato. Recurso provido nos
contra na jurisprudência a sua instrumen- termos do voto vencido”. (TJERJ, Emb.
tação mais útil à elucidação de controvérsias Infring. na Ap. Cível nº 15.838/99, Rel.
envolvendo liquidação de sinistros: Des. Carlos Raymundo Cardoso, ac.
SEGURO HABITACIONAL. SEGURO unân., j. em 14/06/2000).
DE RISCOS DIVERSOS. DANOS De igual medida, a consideração e com-
CAUSADOS POR VENTOS. VIOLEN- preensão do princípio da dispersão dos ris-
TOS. CLÁUSULA CONTRATUAL. cos tem especial importância na seara ad-
LIMITAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. ministrativa, nos embates envolvendo segu-
CHUVAS TORRENCIAIS. EXCLU- rados e seguradoras, sob o ponto de vista
SÃO DA INDENIZAÇÃO. infracional:
“Embargos infringentes. Contrato Processo SUSEP nº: 15414.002059/
de seguro. Seguro de imóvel. Cláusula 97-36.

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Parecer/PRGER/Contencioso/nº 5º, inciso VII, das Normas Anexas à
1.377/97. Resolução CNSP nº 14/95.
DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGU- Pela APLICAÇÃO DA PENALI-
RO DE VIDA. ALEGAÇÃO DE DOEN- DADE é o meu parecer.”
ÇA PREEXISTENTE. PROVAS FRA- PRGER, 30 de setembro de 1997.
CATIVAS. DEVER DE INDENIZAR. Frank Larrúbia Shih, Procurador
APLICAÇÃO DA PENALIDADE. Federal.
“Trata o presente processo de de- Em outras situações, mesmo com toda a
núncia oferecida por Josélia Trinda- proteção hoje deferida ao consumidor, ain-
de Pinheiro contra Sul América Segu- da assim há segurados que contratam segu-
ros S.A., por recusa de indenização ros em tabula rasa, alimentando uma expec-
em seguro de vida, sob o argumento tativa otimista de que o seguro contratado o
de doença preexistente. põe a salvo de todos os infortúnios, descu-
Acolho o parecer circunstanciado rando-se em saber o que exatamente contra-
de fls. 33/4, como relatório dos fatos tou. Pode também ser vítima quando con-
(Deliberação SUSEP nº 007/97, art. 14). trata seguro como operação casada de um
Tenho exposto em meus pareceres empréstimo que obteve no banco ou, ainda,
que a comprovação da doença pree- nos casos de desinformação completa do
xistente há que ser séria e contunden- segurado nos seguros coletivos, em que so-
te, mostrando o nexo de causalidade mente se ouve a voz altiva do estipulante e
bem como prova inequívoca de que o da seguradora. Ora, “o que não se compre-
segurado tinha conhecimento de sua ende não se possui” (Goethe), resultando
doença ao tempo de sua proposta. que o princípio da dispersão dos riscos, nes-
Nos autos, verifico que as declara- ses casos, é um vetor absolutório para a res-
ções médicas são posteriores à aceita- ponsabilidade do segurador, conforme já
ção do seguro (01.04.96) e que não evi- constatamos na prática:
denciam tratamento médico de ne- Processo SUSEP nº: 15414.003005/
nhuma doença antes do laço contratu- 97-41.
al, razão pela qual vejo afastadas as Parecer/PRGER/Contencioso/nº
sanções do art. 1.444, do Código Civil 1.925/97.
(fls. 21/4 e 29). DIREITO CIVIL. SEGURO DE ACI-
De igual partida opinei no Pare- DENTES PESSOAIS. RISCO NÃO
cer/PRGER/Contencioso/nº 631/97 ASSUMIDO. IMPROCEDÊNCIA DA
(Processo SUSEP nº 15414.000565/ DENÚNCIA. INAPLICABILIDADE
97-90): ‘5. o ponto de prova é, portan- DE SANÇÃO.
to, saber se o segurado tinha conheci- “José Estrela reclama contra Sul
mento de sua moléstia ANTES da con- América Cia. de Seguros por recusa
tratação do seguro; 6. De início, con- na liquidação de sinistro, face à invali-
vém lembrar que não é a pré-existên- dez permanente causada por doença.
cia da doença que exclui os efeitos do Adoto o relatório circunstanciado
contrato, mas sim o conhecimento da- de fls. 39 (Deliberação SUSEP nº 07/
quela pelo segurado na época da cele- 97, art. 14).
bração deste, que, se verificada a má-fé, O DEFIS entende que a denúncia é
sofrerá os rigores do art. 1.444, do CC’. improcedente porque o contrato de
Neste passo, a recusa da segura- seguro firmado não compreende aque-
dora em liquidar o sinistro tipifica a la modalidade de risco.
infração ao art. 88, do Decreto-lei nº A apólice nº 04809 (fls. 28/36) es-
73/66, com penalidade prevista no art. pecifica as modalidades de riscos as-

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sumidas pela seguradora, não com- atento às circunstâncias reais, e não em pro-
preendendo, realmente, nenhum ris- babilidades infundadas, quanto à agrava-
co decorrente de invalidez permanen- ção dos riscos.
te por doença. Anote-se que o princípio do absenteís-
Por sua vez, às fls. 03 bem eviden- mo refere-se aos atos do segurado que pos-
cia que a invalidez foi motivada por sam agravar os riscos, o que não se confun-
doença, tornando claro e veraz que a de com os incidentes agravadores do risco, pois
recusa da seguradora é justificada. nestes há o dever jurídico do segurado em
Portanto, não há justa causa para comunica ao segurador e, portanto, exige-
impor qualquer penalidade, razão se uma postura comissiva. O novo Código
pela qual opino neste sentido”. Civil contempla o presente princípio: art.
PRGER, 10 de dezembro de 1997. 768. “o segurado perderá o direito à garan-
Frank Larrúbia Shih, Procurador tia se agravar intencionalmente o risco obje-
Federal. to do contrato”. A mesma sanção civil está
O art. 2º do Decreto-lei nº 73/66 informa prevista no art. 769, para as hipóteses de
que “o controle do Estado se exercerá pelos omissão dolosa.
órgãos instituídos neste decreto-lei, no inte- O princípio do absenteísmo tem impor-
resse dos segurados e beneficiários dos con- tantíssima e laureada função jurídica por-
tratos de seguro”. Neste controle – poder de que, uma vez violado, traz como sanção ci-
polícia – foram editados os Enunciados de vil a perda da indenização. A aplicação
nº 18 e 19 da Procuradoria-Geral da SUSEP 3, desse princípio envolve um dos temas mais
significativos na restrição imposta ao prin- em voga que é a fraude no seguro e os meios
cípio da dispersão dos riscos: para sua prevenção. Os ramos de incêndio,
Enunciado nº 18-PRGER: “é veda- automóvel facultativo e DPVAT são as áre-
da a inclusão de cláusula excluindo o as mais sensíveis, sendo marcados por pre-
suicídio não premeditado em contra- juízos que se estendem para toda a coletivi-
to de seguro de vida e de previdência dade, conforme a proficiente exposição de
privada”4. José SOLLERO FILHO:
Enunciado nº 19-PRGER: “a mera “As seguradoras resultaram o
alegação de excludente de cobertura crescimento do número de casos frau-
não é suficiente para desobrigar a se- dulentos e dos valores envolvidos.
guradora, impondo-se para a isenção Mas o prejuízo não é só das segura-
da responsabilidade, a demonstração doras, mas também da economia na-
do nexo de causalidade entre a exclu- cional e de cada um de nós em par-
dente alegada e o sinistro ocorrido”. ticular, pois quando pagamos ele-
vadas taxas pelo seguro de nossa
8. Princípio do absenteísmo casa ou de um automóvel, isso é con-
seqüência da fraude que campeia,
É princípio peculiar do Direito Securitá- pelo que dizem os jornais, na pró-
rio e tem aplicação em todas as espécies de pria polícia”(1994, p. 30).
seguro. Tem sua fonte no art. 1.454 do Co- Em um caso concreto de seguro de trans-
dex Civil: “enquanto vigorar o contrato, o porte terrestre, verificamos que o segurado
segurado abster-se-á de tudo quanto possa confessou nos autos que a embalagem para
aumentar os riscos ou seja contrário aos ter- o transporte do material segurado era mes-
mos do estipulado, sob pena de perder o mo imprópria, muito embora tenha imputa-
direito ao seguro”. Em sede judicial, a ma- do essa responsabilidade ao fabricante, es-
téria é muito delicada, tanto que o art. 1.456 tranho da relação jurídico-securitária. Nes-
autoriza o magistrado aplicar a eqüidade, sas circunstâncias, presente a disponibili-

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dade do direito patrimonial envolvido, en- se de RISCO NÃO COBERTO, pois “a
tendemos que a produção de prova pericial Cia. não toma a seu cargo as perdas e
era dispensável ante as afirmações do pró- danos direta ou indiretamente resul-
prio reclamante e dos termos do contrato, tante de: atos ou fatos do segurado,
prestigiando a aplicação tanto do princípio do embarcador, do destinatário ou
da dispersão dos riscos quanto do princípio seus empregados, prepostos, agen-
do absenteísmo: tes representantes ou seus sucesso-
Processo SUSEP nº: 15414.002530/ res: mau condicionamento, insufici-
97-86. ência ou impropriedade da embala-
Parecer/PRGER/Contencioso/nº gem” (Condições Gerais – itens 2.1 e
1.654/97. 2.1.3 – fls. 04).
DIREITO ADMINISTRATIVO. SE- Não se pode olvidar, outrossim, que
GURO DE TRANSPORTE. ROMPI- é obrigação do segurado abster-se de
MENTO DE EMBALAGENS. RISCO tudo quanto possa aumentar os riscos
NÃO COBERTO. FALTA DE PRO- ou seja contrário aos termos estipula-
VAS PARA O EMBASAMENTO DA dos, sob pena de perder o direito ao se-
DENÚNCIA. INAPLICABILIDADE guro (art. 1. 454, CC).
DE SANÇÃO. Se é certo que a comprovação da
“Centrais Elétricas do Norte do Bra- culpa do segurado recomenda a pro-
sil – ELETRONORTE denuncia Sul dução de perícia e outras provas em
América Cia. Nacional de Seguros, face direito, conforme anotado pelo DEFIS,
à recusa desta em liquidar sinistro em mostra-se certo também que o próprio
seguro de transporte terrestre. segurado reconheceu a fragilidade das
Recebo o relatório circunstancia- embalagens, muito embora imputan-
do de fls. 31/2 (Deliberação SUSEP do essa responsabilidade ao fabrican-
07/97, art. 14). te. Vale dizer: há forte indício de que o
Denoto nos autos que a recusa da segurado não teve o zelo que dele se
seguradora deu-se em razão de rompi- espera para evitar a ocorrência do si-
mento das embalagens que transporta- nistro, conforme o espírito do art.
vam os equipamentos segurados, sen- 1.454, do Codex Civil.
do aguçada a observação do DEFIS, Nesta linha de idéias, não concor-
neste sentido: “considerando-se os do com a conclusão do DEFIS no sen-
argumentos das partes, constatamos tido de que não compete à SUSEP a
que ambos giram em torno do mesmo apreciação do caso por falta de atri-
ponto, ou seja: fragilidade da embala- buição legal. Não é assim. A matéria é
gem, pois a reclamada alega que o si- securitária, de competência desta au-
nistro ocorreu devido a precariedade tarquia, mas a insuficiência de pro-
do material utilizado para embalar o vas não permite um juízo de valora-
equipamento, visto que era do conheci- ção repressivo com relação à segura-
mento da ELETRONORTE as péssimas dora, fato este que me parece mais do
condições de conservação das estradas que evidente nos autos.
na região. Por outro lado, a reclamante Isto posto, opino pela INAPLICA-
alega que a responsabilidade pela em- BILIDADE de qualquer sanção à se-
balagem para o transporte do equipa- guradora.
mento seria do fabricante” (fls. 82). É o parecer.”
Assiste razão à seguradora. PRGER, 30 de outubro de 1997.
Isto porque o contrato de seguro Frank Larrúbia Shih, Procurador
não deixa margem de dúvida tratar- Federal.

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9. Princípio da pulverização DE RESSEGUROS DO BRASIL – IRB”.
dos riscos ADMISSIBILIDADE. CERCEAMEN-
TO DE DEFESA. PROVA PERICIAL.
Esse princípio é de aplicação exclusiva “Ainda que revogado o art. 68 do
do Direito Securitário e preconiza transferir Decreto-lei nº 73, de 21.11.66, pelo art.
(pulverizar) os riscos para outro ente segu- 12 da Lei nº 9.932, de 20.12.99, é cabí-
rador toda vez que excedida a capacidade vel a denunciação da lide pela compa-
de retenção de responsabilidade de uma nhia de seguros ao “IRB”, a fim de as-
seguradora. Tem seu baldrame no art. 79 do segurar o direito regressivo contra este.
Decreto-lei nº 73/66, assim disposto: “é ve- - Realização da prova pericial que
dado às sociedades seguradoras reter res- não foi definitivamente afastada pelo
ponsabilidades cujo valor ultrapasse os li- Juízo de Direito. Imprescindibililda-
mites técnicos, fixados pela SUSEP, de acor- de, de todo modo, de reexame da ma-
do com as normas aprovadas pelo CNSP, e téria probatória, a fim de certificar-se
que levarão em conta: (…)” 5 sobre a pertinência de sua efetivação
À evidência, a capacidade econômico- no caso (súmula 07-STJ). Recurso es-
financeira de qualquer seguradora tem seus pecial conhecido, em parte, e provi-
limites. A concentração excessiva de riscos do”. (REsp 125573/PR, Min. Barros
anormais em sua carteira pode comprome- Monteiro, D.J. 24/09/2001).
ter seriamente a estabilidade da mesma, si- Cumpre alertar, não obstante, que em
tuação em que a sua insegurança não seria sede de defesa do consumidor a denuncia-
– formalmente – muito diferente da insegu- ção da lide ao órgão ressegurador é vedada
rança do próprio segurado. pelo art. 101, inciso II, da Lei nº 8.078/90.
O nivelamento dos riscos dar-se-á por Acerca do panorama que envolve o IRB
três práticas muito conhecidas no ramo se- atualmente, remetemos o leitor à polêmica
curitário: o resseguro, a retrocessão e o cossegu- Lei nº 9.932/99.
ro. No primeiro, há transferência total ou
parcial da responsabilidade para o resse- 10. Princípio da boa-fé securitária
gurador (seguro do seguro); a retrocessão é o
resseguro em segundo grau, ou seja, o resse- O princípio da boa-fé securitária está fun-
guro do resseguro. No cosseguro, o que existe dado nos arts. 1.443 e 1.444 do Código Civil
é a contratação simultânea do segurado com (“o segurado e o segurador são obrigados a
várias seguradoras. Todos têm em comum o guardar no contrato a mais estrita boa-fé e
fracionamento do seguro e aplicação des- veracidade, assim a respeito do objeto, como
ses institutos na cobertura de sinistros vul- das circunstâncias e declarações a ele con-
tosos, de bens como satélites, aviões de cernentes” ; “se o segurado não fizer decla-
companhias aéreas, navios de empresas ma- rações verdadeiras e completas, omitindo
rítimas, etc. Por critério de coerência, voltare- circunstâncias que possam influenciar na
mos a esse tema em capítulo mais oportuno. aceitação da proposta ou na taxa do prê-
A reflexão sobre o princípio da pulveri- mio, perderá o direito ao valor do seguro, e
zação dos riscos não é mero exercício aca- pagará o prêmio vencido”).
dêmico, porquanto esse princípio qualifica Com mais performance técnica, o novo
a responsabilidade dos órgãos seguradores, Código Civil também assinala a presença
vertido em uma estreita relação com o fenô- do princípio da boa-fé securitária: art. 765.
meno processual do litisconsórcio, confor- “O segurado e o segurador são obrigados a
me se denota na jurisprudência: guardar na conclusão e na execução do con-
INDENIZAÇÃO. SEGURO. DENUN- trato a mais estrita boa-fé e veracidade, tan-
CIAÇÃO DA LIDE AO “INSTITUTO to a respeito do objeto como das circunstân-

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cias e declarações a ele concernentes”; art. prêmio e assumir o risco. É induvidoso que
766. “Se o segurado, por si ou por seu repre- a má-fé do segurado produz conseqüências
sentante, fizer declarações inexatas ou omi- muito mais graves que a do segurador, o que
tir circunstâncias que possam influir na justifica o tratamento mais rigoroso dado
aceitação da proposta ou na taxa do prê- pelo Código Civil. Observe-se que, quando
mio, perderá o direito à garantia, além de o segurado faz declarações falsas, que pos-
ficar obrigado ao prêmio vencido”. sam influenciar na aceitação da proposta
O princípio da boa-fé é um princípio ge- ou na taxa do prêmio, ele perde o valor do
ral do direito e tem valor genérico que orien- seguro (indenização) e ainda tem de pagar
ta a compreensão e aplicação do sistema o prêmio vencido. Vale dizer, o Código Civil
jurídico. Isso porque as relações jurídicas dá dupla chibatada no segurado insincero.
devem ser laureadas de comportamento éti- Ora, o modo diferenciado como a lei trata as
co, honesto e leal. Por vezes, é a própria lei declarações nos contratos de seguro revela
que sinaliza expressamente a boa-fé como a elevada importância da boa-fé nessas es-
principal rumo a ser considerado nos casos pécies contratuais, o que – igualmente –
concretos, como por exemplo, “o possuidor qualifica com traje diferenciado o princípio
de boa-fé não responde pela perda ou de- da boa-fé.
terioração da coisa a que não der causa;” ou Portanto, a par dessas considerações,
ainda, “o pagamento feito de boa-fé ao credor preferimos adotar a expressão “princípio da
putativo é válido, ainda provando-se depois boa-fé securitária” uma vez que ela revela e
que não era credor” (CC, arts. 514 e 935). informa ao intérprete do direito as especifi-
Na doutrina, a boa-fé pode ser subjetiva cidades a serem seguidas no trato das ques-
ou objetiva. Na primeira, indaga-se a inten- tões que envolvem a matéria securitária. É
ção do sujeito, considerado o seu prisma verdadeira bússola de orientação.
psicológico. São as atitudes que irradiam do Em sede de legislação consumerista, a
seu caráter, o seu feitio moral. Como se sabe, aplicação desse princípio qualificado exige
o talento educa-se na calma, mas o caráter é maior habilidade do intérprete uma vez que
no tumulto da vida. Na boa-fé objetiva, o a sua inteireza somente será preservada se
que se tem é um critério objetivo de valora- o segurador não infringir as disposições
ção da conduta, fundado em regras objeti- protetivas do consumidor. Imagine-se um
vas, um stantard. segurado que preste informações incorretas
Didaticamente, adotamos a expressão ou omita dados importantes motivado pela
princípio da boa-fé securitária porque, em ma- orientação de funcionário da própria segu-
téria securitária, a boa-fé é analisada sob o radora. Ou então a contratação de seguro
prisma objetivo, fundado em regras objeti- como exigência para a obtenção de um em-
vas de valoração. Aqui, pouco importa se o préstimo bancário. Essas situações consti-
homem é mais volúvel que uma pluma. É o tuem práticas abusivas (CDC, art. 39, I e IV)
fato concreto definido em lei que é apurado: e podem flagelar o argumento da violação
veracidade do objeto; das circunstâncias; do princípio da boa-fé securitária, na medi-
das declarações. Assim, quando no contra- da em que a própria seguradora é a precur-
to de seguro o proponente faz declarações sora da situação sobre a qual se insurge. É a
falsas, presume-se que agiu de má-fé, ainda hipótese do acórdão abaixo transcrito:
que tenha apenas assim agido por levian- SEGURO DE VIDA. INCAPACIDA-
dade ou falta de zelo. Compreenda-se: en- DE PARA O SERVIÇO. INDENIZA-
tre todos os contratos existentes, o contrato ÇÃO. RECUSA DE PAGAMENTO.
de seguro é fundamentalmente bonae fideli, OMISSÃO DE DOENÇA PELO SEGU-
pois o segurador fica à mercê dos elementos RADO. INOCORRÊNCIA. BOA-FÉ.
fornecidos pelo segurado para calcular o CULPA IN ELIGENDO. CULPA IN VI-

120 Revista de Informação Legislativa


GILANDO. RESPONSABILIDADE Enunciado nº 41 – PRGER: “Para
DA SEGURADORA. justificar o não cumprimento da obri-
”Ação Ordinária. Seguro de vida. gação ajustada, cabe à sociedade fis-
Incapacidade profissional que, confi- calizada o ônus de provar a ocorrên-
gurada, justifica o pedido de paga- cia de má-fé quanto às circunstâncias,
mento da indenização. Seguradora que, objeto e declarações concernentes ao
alegando doença pretérita, sustenta contrato firmado”.
cerceamento de defesa porque não te- Nessa esteira, trago à colação o pare-
ria sido deferida oitiva do perito em cer aprovado pela Procuradoria-Geral da
audiência. Manifestação da parte so- SUSEP, como paradigma para situações en-
bre o laudo pericial que não foi no sen- voltas em declarações argüidas como falsas
tido de qualquer falha ou obscurida- pela seguradora, em seguros de vida, espé-
de da prova técnica, ocorrendo pre- cie contratual mais sensível ao princípio da
clusão lógica do direito de inquirir o boa-fé securitária.
“expert”. Julgamento antecipado da Processo SUSEP nº 005.016/95.
lide que se impunha. Contratação do Parecer/PRGER/Contencioso/nº
seguro que, tendo se dado por inter- 1.133/95.
médio do Banco do Brasil, foi feita com EMENTA: SEGURO DE VIDA. DE-
a orientação da funcionária respon- CLARAÇÕES FALSAS DO SEGURA-
sável para não preenchimento da in- DO. ÔNUS DA PROVA. PROCEDÊN-
formação sobre a doença pretérita, que CIA DA DENÚNCIA.
seria irrelevante, porque ocorrida há “O Conselho Diretor da SUSEP,
mais de três anos. Declaração da refe- através de reunião ordinária realiza-
rida funcionária em Juízo que assim da em 25.09.95, decidiu pela baixa dos
confirma. Omissão de informação que, autos em epígrafe, com o fito de que a
sendo derivada de ato praticado por PRGER elabore competente parecer
agente da instituição delegada e au- conclusivo tocante à matéria em exa-
torizada pela seguradora, importa me, inclusive para adoção do mes-
para ela inequívoca responsabilida- mo como referência para casos se-
de por culpa “in eligendo” e “in vigi- melhantes.
lando”, obrigando-a a indenizar, mor- Trata-se de contrato de seguro de
mente porque a segurada não teve vida individual realizado por Paulo
qualquer culpa ou dolo na omissão. Camargo Arruda e AGF Brasil Segu-
Prova pericial, ademais, no sentido de ros, ocorrendo posteriormente o fale-
que a incapacidade presente não guar- cimento do segurado, na vigência da
da qualquer relação com a doença pre- apólice, em 17.07.94, conforme com-
térita. Recurso desprovido”. (TJERJ, prova a cópia do atestado de óbito
Ap. Cív. 2000.001.17522, Décima Oi- acostado às fls. 10.
tava Câm. Cív., ac. unân, Des. Binato Em razão da recusa de indenizar a
de Castro, j. em 20/02/2001 – emen- beneficiária (esposa), a seguradora
tário 25/2001 - nº 36 –30/08/2001). foi regularmente notificada para se
Cumpre acentuar que o princípio da boa- manifestar, apresentando como de-
fé securitária não exime a seguradora do fesa o argumento da ausência de ve-
ônus de provar a má-fé do segurado, mas se racidade nas informações prestadas
exonera da responsabilidade – em regra – pelo segurado, por fato de doença
com a demonstração objetiva. Aliás, em sede preexistente, configurando-se a má-
de fiscalização, deve-se observar o enuncia- fé tipificada nos arts. 1.433 e 1.444,
do abaixo: do Codex Civil.

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Houve o regular trâmite do feito, pois, mesmo no processo adminis-
observados os preceitos processuais trativo há que se observar o princí-
da Res. CNSP nº 16/91. pio do tratamento de igualdade en-
No mérito, a DERSP concluiu pela tre as partes, pois aquele subsume-se
procedência da denúncia, com ampa- aos princípios diretivos da teoria
ro em judicioso parecer da Procura- geral do processo, respeitadas as
dora em exercício naquela regional (fls. suas peculiaridades.
74/9). O impasse em questão não se de-
Irresignada com a decisão supra- preende insuperável, pois o Judiciá-
citada, a seguradora interpôs recurso rio já enfrentou, à saciedade, o item
direcionado ao Conselho Diretor, sus- em análise, razão pela qual filio-me à
tentando substancialmente as mes- corrente majoritária da jurisprudên-
mas razões anteriormente esposadas. cia para propor a solução do presente
Contra-razões da denunciante às processo, tendo em vista as reiteradas
fls. 99/101, prestigiando a decisão decisões judiciais no mesmo sentido
administrativa. desaconselham comportamento di-
Em prévia, a PRGER opinou pelo verso por parte da Administração,
não conhecimento do recurso em face a preponderância da instância
voga, face à intempestividade do mes- judicial sobre a administrativa.
mo (fls. 103/4). Desse prisma, peço vênia para tra-
É o relatório. Passo a opinar. zer à colação alguns julgados perfeita-
Em detida análise ao acervo pro- mente aplicáveis ao caso sub examine:
batório inserto nos autos, vislumbro o “Cabe à seguradora, que dispensa
fato objetivo do evento morte natural o exame médico, quando da realiza-
do segurado, dentro da vigência do pra- ção do contrato de seguro, provar ine-
zo da apólice, sendo certo que tal fato quivocamente a ocorrência de má-fé
não é contestado pela seguradora. de parte do segurado. Não comprova-
A título de excluir o dever jurídico da a má-fé, o contrato é válido e obri-
imposto pelo laço da relação contra- ga a seguradora a efetuar o pagamen-
tual securitária, a seguradora susten- to do seguro (TJSC – Ap. Cív. 21.883 –
ta a preexistência de doença ao tempo Joinville – j. 4.12.84)”.
do contrato, bem como releva o com- “O contrato de seguro, típico de
portamento de má-fé do segurado. adesão, deve ser interpretado, em caso
O cerne da questão, portanto, ver- de dúvida, no interesse do segurado e
te-se em exatificar se houve, ou não, a dos beneficiários (TJSP – Ap. Cív.
declaração falsa do segurado. Em caso 94.118-2 – 16a. C.- j. 25.9.85)”.
afirmativo, exclui-se a responsabilida- “A má-fé do segurado só opera
de da seguradora. Do contrário, a mes- entre este e o segurador, produzindo
ma tem o dever de indenizar. a resolução do contrato e a ‘sanctio
Às partes interessadas neste pro- iures’ do pagamento do prêmio ven-
cesso foi assegurada ampla defesa, cido (art. 1.444, do CC). Não alcança,
sendo notório que a seguradora não entretanto, os beneficiários, no segu-
logrou êxito em trazer aos autos pro- ro de vida, depois de realizado o res-
va cabal para fins de evidenciar su- pectivo risco (morte), porque eles re-
porte concreto às suas alegações. cebem o título de dívida líquida, certa
É importante ressaltar que as ra- e exigível sem terem participado do
zões da denunciada não são mais nem ato (TJPR – Ap. Cív. 690/80 – Curiti-
menos que as razões da denunciante, ba – j. 10.6.80)”.

122 Revista de Informação Legislativa


“Não tendo a seguradora exigi- mais ou menos grave, a ponto de vir a
do exame de sanidade física do se- falecer pouco mais de um ano depois
gurado e, de outro lado, recebido os de firmado a proposta de seguro, não
prêmios, o contrato se perfectibilizou, há que se falar em má-fé (TACivSP –
descabendo à seguradora argüir, para Ap. Cív. 304.254 – 5 a, C. – j. 18.5.83)”.
não cumprir a sua obrigação, molés- “Se a seguradora, em caso de se-
tia preexistente do segurado. Omitin- guro de vida, dispensa o exame médi-
do o segurado falecido doença não co e depois aceita a proposta, apesar
considerada grave, não se pode dizer de seu representante não haver ques-
que agiu com malícia ou ausência de tionado o proponente, só mesmo a
boa-fé, máxime se comprovado tenha prova inequívoca da má-fé poderia
ele preenchido a proposta de segu- elidir a presunção oposta, que milita
ro. A má-fé não se presume (TJSC – em favor de quem simplesmente ade-
Ap. Cív. 22.107 – Chapecó – j. 7.3.85)”. re a contrato pré-estabelecido por in-
“Ignorando o segurado ser porta- sistência de outro contratante (TACi-
dor de moléstia incurável, presume- vSP – Ap. 306994 – 5 a. C. j. 28.10.83)”.
se a boa-fé ao assinar declaração im- Enfim, o que de mais geral pode-se
pressa de que está em boas condições afirmar é que, na dúvida quanto a má-
de saúde, não podendo, portanto, a fé do segurado, esta se resolve a favor
seguradora fugir ao pagamento do deste, ou de seus beneficiários, valen-
seguro de vida (RT 595/126)”. do repisar que a má-fé não se presu-
“Não ficando escorreitamente de- me, devendo ser inequivocamente de-
monstrado ter o segurado agido de má- monstrada pela seguradora, a quem
fé ao preencher a proposta de seguro, compete o onus probandi.
irrecusável se faz o direito de sua be- Isto posto, opino no mérito pelo não
neficiária de colher o valor do seguro acolhimento do recurso de fls. 81/5,
correspondente (RT 538/235)”. na hipótese do ilustre Colegiado des-
“Age de boa-fé o segurado que, à considerar a intempestividade do
época da assinatura do contrato, des- mesmo.
conhecia ser portador de tumor ma- Por derradeiro, submeto à apreci-
ligno, mormente quando a segurado- ação da Ilma. Sra. Subprocuradora-
ra não exigiu o necessário exame mé- Geral do Contencioso, para as provi-
dico ou furtou-se a obter maiores es- dências de estilo.
clarecimentos sobre as declarações do É o parecer.”
proponente (RT529/237)”. PRGER, 01 de novembro de 1995.
“Cuidando-se de contrato de ade- Frank Larrúbia Shih – Procurador
são, a tendência legislativa é favore- Federal.
cer o segurado, que não tem outra al- Em se tratando especialmente de seguro
ternativa senão aderir às condições de vida – individual ou coletivo –, a com-
preestabelecidas pelos seguradores. provação da doença preexistente não se li-
Demais disso, a má-fé não se pressu- mita à demonstração de que a doença já exis-
põe. Deve resultar plenamente de- tia ao tempo da contratação. É necessário
monstrada pela prova nos autos; na que o segurado já tivesse ciência do seu es-
dúvida, o segurador responde sempre tado mórbido (Parecer/PRGER/Contenci-
pela obrigação (RT 585/127)”. oso/nº 1.315/97; 1.377/97; 1.955/97). To-
“Não havendo indícios de que o davia, há entendimento de que a indeniza-
segurado tivesse ciência de sua cirro- ção é devida, ainda que o segurado tivesse
se hepática, nem de que seu estado era conhecimento de sua doença, mas não sen-

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do esta a causa do sinistro. É, por exemplo, forto, dispensando-o de maiores indaga-
o caso do segurado que contrata seguro de ções. Mas em direito é preciso cautela: quan-
vida declarando perfeita saúde e vem a fale- to mais profundo o rio, menos ruidosa é a
cer de ataque cardíaco (morte natural), sem correnteza. As aparências enganam. O prin-
nenhuma relação de causa e efeito com o cípio sub oculi foi protagonista de uma das
câncer maligno de que sabia ser portador. mais acirradas controvérsias no Judiciário,
Quid iures?A questão aqui ainda é esverde- envolvendo seguro facultativo de automó-
ada pela discórdia de opiniões. vel, no embate valor da apólice versus valor
médio de mercado.
11. Princípio indenitário Em síntese, a quizila era a seguinte: em
seguro facultativo de automóvel – ocorrido
Entre todos os outros princípios do di- o sinistro (perda total) –, a seguradora inde-
reito securitário, o princípio indenitário tem nizava o segurado pelo valor médio de mer-
seu raio de ação limitado aos seguros de cado, pois o veículo ia sofrendo deprecia-
dano. Está positivado na primeira parte do ção do seu valor com o passar dos meses.
artigo 1.437 do Código Civil, na incisiva Logo, pelo princípio indenitário, o segura-
expressão “não se pode segurar uma coisa do se locupletaria se recebesse a indeniza-
por mais do que valha, nem pelo seu todo ção prevista inicialmente na apólice, pois
mais de uma vez”. Embora tenha sua apli- esse valor não mais representaria o real va-
cabilidade restrita aos seguros de dano, a lor do automóvel ao tempo do sinistro. To-
sua inserção entre os demais princípios se davia, esse entendimento foi energetica-
justifica em face da elevada importância que mente reprimido em muitas decisões ju-
esse princípio representa para a compreen- diciais, pois a seguradora calculava o prê-
são de inúmeras questões que envolvem a mio pelo valor inicial constante na apóli-
matéria securitária. ce e não restituía a diferença ao segurado
Na vigência do novo Código Civil, o prin- conforme a paulatina depreciação do veí-
cípio indenitário está previsto no art. 778, in culo, o que fez crer a responsabilidade em
litteris: “Nos seguros de dano, a garantia indenizar pelo valor prefixado na apóli-
prometida não pode ultrapassar o valor do ce. Quer dizer, se pelo princípio indenitá-
interesse segurado no momento da conclu- rio o segurado não podia enriquecer, a
são do contrato, sob pena do disposto no seguradora também não.
art. 766, e sem prejuízo da ação penal que O tema foi objeto de estudo do preclaro
no caso couber”. Ernesto TZIRULNIK, em artigo intitulado
Esse princípio afasta qualquer espírito “Princípio Indenitário no Contrato de Se-
especulativo em relação aos seguros de da- guro”, marcado pelo amplo e profundo exa-
nos, alertando que o seguro aqui somente se me da legislação, da doutrina e da jurispru-
presta para recomposição do dano sofrido, dência, conclusivo assim: “em síntese, à vis-
pois o segurado só receberá aquilo que efeti- ta do exposto, entendemos perfeitamente
vamente perdeu, nos termos do contrato. O válidas, legítimas, lícitas e eficazes as cláu-
intuito de lucro está afastado e a má-fé do sulas insertas nas apólices do ramo auto-
segurado é, caso faça contratações simultâ- móveis, segundo as quais, em caso de perda
neas sobre o mesmo bem, reprimida severa- total, o valor da contraprestação indeniza-
mente com a nulidade do contrato, a perda tória será o valor médio de mercado do veí-
do prêmio e, se for o caso, a persecutio crimi- culo assegurado, à época de sua realização”
nis (CC, art. 1.438). (1999, p. 89-121).
A singeleza desse princípio e a facilida- Mas a jurisprudência majoritária tinha
de de sua compreensão deveriam proporci- outros propósitos em relação ao tema, pois
onar ao intérprete do direito um certo con- o Código de Defesa do Consumidor era a

124 Revista de Informação Legislativa


referência mais tônica nas decisões, sen- encontra sepultada por ato normativo. Está
do o valor expresso na apólice a tese mais “preservado”, em todo o seu esplendor, o
simpática para a liquidação dos sinistros princípio indenitário.
em automóveis com perda total (TJERJ,
ementa nº 41/98, D.O.E.R.J. 25-6-98, p. 12. Princípio da irredutibilidade do
176; ementa nº 40/99, D.O.E.R.J, 25-3-99, ‘pretium periculi’
p. 192; Turmas Recursais dos Juizados
Especiais do Rio de Janeiro, ementa cível Trata-se de princípio novo, consagrado
nº 01/99; TAMG, in RJTAMG 63/271; expressamente no art. 770 do novo Código
TAMG, ac. unân. da 3a. câm. cív., Ap. Civil: “Salvo disposição em contrário, a di-
225873-3/00, Des. Kildare Carvalho, j. 6/ minuição do risco no curso do contrato não
11/96; 1 a. TACivSP, ac. unân. da 2 a. câm. acarreta a redução do prêmio estipulado;
Esp., Ap. 682755-7/00, j. 20/4/98; TJRS, mas se a redução do risco for considerável,
ac. unân., da 5 a. câm. Cív., Ap. 598441111, o segurado poderá exigir a revisão do prê-
in ADCOAS 8175751). mio, ou a resolução do contrato”.
O momento mais sublime foi a manifes- Na sistemática atual, a redução do prê-
tação inaugural do STJ sobre o tema, minis- mio é admitida e pode ser exigida pelo se-
trando um ansiolítico para as decisões dos gurado, pois no cálculo do prêmio inserem-
tribunais e de primeira instância: se dados que podem sofrer variações para
“SEGURO AUTOMÓVEL. INDE- mais ou para menos, influenciando no va-
NIZAÇÃO. VALOR. APÓLICE. A Se- lor do prêmio. A propósito, vimos que esse
ção, por maioria, declarou que no con- foi um dos fundamentos de escol usado pe-
trato de seguro automóvel, quando los tribunais para justificar a indenização
houver perda total do bem, a indeni- do seguro facultativo de automóvel pelo pre-
zação deve ser paga conforme o preço ço da apólice, pois as seguradoras não pra-
ajustado na apólice, e não pelo preço ticavam a redução do prêmio a favor do se-
de mercado” (EREsp 176.890-MG, Rel. gurado com a desvalorização do veículo (tó-
Min. Waldemar Zveiter, julgado em pico anterior).
22/9/1999 – Informativo do STJ nº 33 Todavia, pela nova disposição citada, a
e D.O.E.R.J em 11-10-99, p. 5). irredutibilidade do prêmio será a regra, ain-
Com essa decisão, fechou-se o cerco em da que haja diminuição do risco no curso
torno do tema. Ora, lembrando Euclides da do contrato. As exceções ao princípio estão
Cunha, “viver é adaptar-se”, não podia o previstas no mesmo artigo: a) salvo disposi-
mercado segurador ficar refém de um mo- ção das partes em contrário; b) se for consi-
delo antigo de seguro facultativo de auto- derável a redução do risco. A primeira exce-
móveis, com um indigesto tempero jurispru- ção será de insignificante aplicação na
dencial a seu desfavor. Coincidência ou prática, pois os contratos securitários são
não, editou-se a Circular SUSEP nº 145/ padronizados, inexistindo margem de ne-
20006, com o curioso mecanismo de valor gociabilidade do segurado na cláusula
determinado (indeniza-se pelo valor previs- premial, que é calculada e estipulada uni-
to na apólice, mas se paga o prêmio também lateralmente pelo ente segurador, por cri-
maior) e o valor de mercado referenciado (inde- térios e dados atuariais inimagináveis ao
niza-se por uma tabela de referência de co- mortal segurado. A segunda exceção, “re-
tação para veículo, com fator de ajuste apli- dução considerável do risco”, é conceito
cável à data de liquidação do sinistro). As- indeterminado, sujeito à valoração subje-
sim, a nova geração de contratos de seguros tiva e a números cabalísticos. É aconse-
facultativos de automóveis ficou livre da lhável regulamentação da SUSEP para
armadilha jurisprudencial, que agora se definir critérios para o que se possa en-

Brasília a. 39 n. 156 out./dez. 2002 125


tender por “redução considerável”, a tí- Notas
tulo de coibir abusos pela retenção inte- 1
É o nosso atual estilo obssessivo de consumo,
gral e indevida do prêmio, amparada em bem retratado no personagem de Tyler Durden, que
falsa premissa de legalidade. em certa passagem do filme “Clube da Luta” ensi-
Não obstante essas considerações atre- na: “vejo aqui os homens mais fortes e inteligentes
ladas ao prisma da proteção consumerista, do mundo. E vejo todo esse talento sendo desper-
diçado. Uma geração inteira enchendo tanques, ser-
a consagração do princípio da irredutibilida- vindo mesas ou escravos de colarinho branco. A
de do ‘pretium periculi’ vem prestar uma vito- propaganda nos faz correr atrás de coisas... traba-
riosa contribuição à teoria da indivisibilidade lhos que odiamos... para acabar comprando o que
do prêmio. Dita teoria preconiza que os ris- não precisamos. Somos ‘filhos do meio’ da história.
cos devem ser considerados não isolada- Homens sem lugar. Não temos a Grande Guerra e
nem a Grande Depressão. Nossa grande guerra é
mente, mas no seu conjunto, pois os riscos espiritual. Nossa grande depressão são nossas vi-
não se distribuem igualmente por todo o das. Fomos criados para acreditar que um dia sere-
período, podendo sofrer concentrações em mos ricos, estrelas de cinema e do rock... mas não
determinadas fases (ex.: o seguro incêndio seremos. E estamos aos poucos aprendendo isso. E
torna-se mais crítico durante os períodos de estamos muito, muito zangados..” No intróito, se-
gue a mensagem this is your life: “Você abre a porta
seca). Nessas circunstâncias, a devolução e entra. Está dentro do seu coração. Imagine que
parcial do prêmio ao segurado poderia fal- sua dor é uma bola de neve que vai curar você. Isso
sear a estabilidade dos cálculos e as ope- mesmo. É a sua dor. A dor é uma bola de neve que
rações do segurador. O princípio da irre- vai curar você. Acho que não. Esta é sua vida. É a
dutibilidade do prêmio seria, assim, um última gota pra você. Melhor do que isso não pode
ficar. Esta é sua vida, que acaba um minuto por
dique de segurança para as entidades se- vez. Isto não é um seminário. Nem um retiro de fim
guradoras. de semana. De onde você está não pode imaginar
A teoria da indivisibilidade do prêmio, como será o fundo. Somente após uma desgraça
que atualmente está vocacionada para os conseguirá despertar. Somente depois de perder
seguros marítimos, certamente terá sua ex- tudo, poderá fazer o que quiser. Nada é estático.
Tudo é movimento. E tudo esta desmoronando.
pansão aos outros ramos securitários por Esta é sua vida. Melhor do que isso não pode ficar.
força do princípio da irredutibilidade do Esta é sua vida. E ela acaba um minuto por vez.
pretium periculi. Você não é um ser bonito e admirável. Você é igual
à decadência refletida em tudo. Todos fazendo parte
da mesma podridão. Somos o único lixo que canta
13. Conclusão e dança no mundo. Você não é sua conta bancária.
Nem as roupas que usa. Você não é o conteúdo de
O estudo do seguro sob os conceitos e sua carteira. Você não é seu câncer de intestino.
princípios atuais informa a autonomia ci- Você não é o carro que dirige. Você não é suas mal-
entífica do direito securitário, não obstante a ditas ‘gatinhas’. Você precisa desistir. Você precisa
saber que vai morrer um dia. Antes disso você é um
inexistência de um Código de Seguros no
inútil. Será que serei completo? Será que nunca fi-
Brasil. carei contente? Será que não vou me libertar de suas
Os princípios do direito securitário ex- regras rígidas? Será que não vou-me libertar de sua
pressam a noção de mandamento nuclear arte inteligente? Será que não vou-me libertar dos
de um sistema e têm a qualificação de prin- pecados e do perfeccionismo? Digo: você precisa
desistir. Digo: evolua mesmo se você desmoronar
cípios jurídicos, tanto no Código Civil atual
por dentro. Esta é sua vida. Melhor do isso não
quanto no seu sucessor (Lei nº 10.406/ pode ficar. Esta é sua vida. E ela acaba um minuto
2002). por vez. Você precisa desistir. Estou avisando que
O princípio da irredutibilidade do ‘pretium terá sua chance” (O CLUBE da Luta, 1999).
periculi’ é o novel princípio que vindica o
2
Pedro Alvim noticia a 10a Conferência Brasi-
leira de Seguros Privados, realizada na cidade de
Código Civil venturo, o qual redimensiona- São Paulo, em outubro de 1977, ocasião em que foi
rá a teoria da indivisibilidade do prêmio apresentada proposição para a conveniência da
para os outros ramos securitários. unificação do direito de seguro. Contudo, obser-

126 Revista de Informação Legislativa


vou: “com o propósito de facilitar o andamento Bibliografia
dos trabalhos, o autor deste livro elaborou um es-
boço do que seria a lei única sobre seguros, conten- ALVIM, P. O contrato de seguro. 3. ed. Rio de Janei-
do mais de trezentos dispositivos sobre as normas
ro: Forense, 1999, 547 p.
jurídicas em vigor e que se achavam esparsas em
códigos, leis, resoluções e portarias. A iniciativa BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súmula nº
infelizmente não prosperou, por falta de maior in- 61. O seguro de vida cobre suicídio não premedita-
teresse do mercado segurador” (1999, p. 92). do. In: ______. Código Civil. [S.l.]: [s.n.], [19- -?].
3
Os Enunciados da Procuradoria-Geral da
CLUBE da luta. Direção: David Fincher. Produção:
SUSEP foram instituídos pela Instrução SUSEP nº
Ross Bell; Cean Chafin e Art Linson. Roteiro: Tim
17/98 e posteriormente substituída pela Instrução
Uhls. Intérpretes: Brad Pitt; Edward Norton; Hele-
SUSEP n° 19/99. São de observância obrigatória
na Bonham Corter; Meat Loof; Tared Leto e outros.
para os procedimentos de instrução e análise dos
[S.l.]: FOX 2000 PICTURES; Regency Enterprises,
processos administrativos que, no âmbito da autar-
1999. 1 filme (140 min), son., color, 35 mm.
quia, tratem de assuntos a eles pertinentes (art. 2º).
4
A propósito do tema, é o teor da Súmula 61, OLIVEIRA, T. M. L. LOPES de. Introdução ao
do STJ, art. 1440, parágrafo único, do Código Civil direito civil . 2. ed. Lúmen Túris: Rio de Janeiro,
(BRASIL). 2001. v. 1.
5
Respeitante a obrigatoriedade de resseguro no
IRB, cumpre anotar que atualmente inexiste o mo- SHIH, F. L. Atualizades jurídicas no seguro priva-
nopólio estatal do resseguro. Todavia, a Lei nº do. Revista de Informações Legislativa, Brasília, n. 144,
9.932/99 transferiu as atribuições do IRB para a p. 137-144, out./dez. 1999.
Superintendência de Seguros Privados- SUSEP (Au- SOLLERO FILHO, T. O seguro, esse desconhecido.
tarquia Federal), sendo que seu art. 1º, na expres- In: SEMINÁRIO DO CENTRO DE DEBATES E
são “incluindo a competência para conceder auto- ESTUDOS – CEDES,M EMERJ, 1994, Rio de Janei-
rizações”, encontra-se com sua eficácia suspensa ro. Exposição. Rio de Janeiro: [s. n], 1994.
por liminar concedida na ADIN nº 2223.
6
Essa circular é um modelo mais sofisticado TZIRULNIK, E. Princípio indenitário no contrato
do que foi a sua antecessora, a revogada Circular de seguro. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 759,
SUSEP nº 88/99. p. 89-121, jan. 1999.

Brasília a. 39 n. 156 out./dez. 2002 127

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