DOMINGO • 6 DE DEZEMBRO DE 1987

~n'«Í.
4AXL- O ESTADO DE S. PAULO — 57

Tribunais

O nascituro no Código Civil

JfelLMARA J. A. CHlNÈLATO
E ALMEIDA' '
$tealizou-se e m Bogotá, Colôm-
bia.^de 10 a 12 de agosto; <ie 1987, o
"Cóngreso Italo-IberoAmerlcano de
Dèrécho Civil y Romano"r"Bobre "La
persona en el Sistema Jurídico Lati-
noAmaricano" visando & elaboração
dê u m Código Civil Tipo, congresso
esse, promovido pela Universidade
Externato de Colômbia e Associazio-
ne d] Studi Sociali Latino-Americani
(Ásãta), com sede e m Sassari, Itália.
^ a q u e l a oportunidade apresen-
tarias a comunicação aqui reprodu-
zida, tendo em vista a importância e
àtutUidade do tema para a legislação
constituenda d a América Latina, in-
clusive para o Brasil, onde é tratado
hão- âó n o projeto de Código Civil,
cõrflo também n o Anteprojeto d e
Constituição Federal.
% CONSIDERAÇÕES GERAIS
As controvérsias, ainda não paci-
ficadas, acerca de o nascituro ser ou
nãdser pessoa, de ter ou não ter per-
sonáUdade Jurídica, é uma constan-
te, na Doutrina, com reflexos na Ju-
risprudência, no tempo e no espaço.
O artigo 4° do Código Civil Brasi-
leiro parece contraditório pois, ao
mesmo tempo em que afirma que a
personalidade começa do nascimen-
to com vida, reconhece direitos e es-
tado» ao nascituro, os quais efetiva-
ménte lhe são atribuídos através de
vários de seus dispositivas. O proble-
ma do aborto, cuja matte liberação
têm sido defendida pop grupos so-
ciais notadamente feministas e por
alguns penalistas, deve ser acompa-
nhado de uma reflexad quanto ao
direito à vida, ou melhor, quanto ao
direito de nascer, como Direito Pri-
vado da Personalidade,' o que não
tènvsido feito.
grande desenvolvimento do
ato da Responsabilidade Civil
fios dias atuais, atinge grande
nela através da crescente inde-
lo de danos materiais, inclusive
nos causados a animais e do
imoral, ainda sofrostra tímido
qútóto à indenlzaçãjOe danos cau-
sados ao nascituro. s , c
Pelo menos no Brasil, a Jurispru-
dência nega a indenização pela mor-
te de nascituro, embora reconheça
que à morte de animais, por culpa
extracontratual ou por culpa contra-
tual, deva ser indenizada.
J|eve-se também considerar o
grande desenvolvimento da Ciência,
através das novas técnicas de fertili-
zação' in vitro e do congelamento de
embriões humanos, p que influi no
conceito atual de r&scituro. O por
nóg proposto é o mesmo de Rubens
Limpngi França in "Bianual de Direi-
to Civil. 3* ed., São Paulo, Revista
doSsTribunais, 1981, página 123": "E
a pessoa que está por nascer, já con-
cebida no ventre materno".
<É importante observar que, para
nósu somente se poderá falar em
"nascituro" quando houver nidação
do ovo. Embora a vida se inicie com a
fecundação, é a nidação — momento
em que a gravidez começa — que
garante a sobrevida do ovo, sua via-
bilidade. Assim sendo, na fecunda-
ção *n vitro, não se considera nascitu-
ro, isto é, a "pessoa", o ovo assim
fecundado, enquanto não for implan-
tado no útero da futura mãe. Pelo
metios no estágio em que a Ciência
se encontra hoje, a exigir a implanta-
e no nosso direito constituindo
solutivamente) a que nasça vivo; re-
lembra também, o insigne Roman-
cista Catalano, o Código Civil Para-
guaio, de 1985 — que no artigo 31,
tratanto da representação, retoma o
conceito de "pessoa por nascer" — e
o Projeto de Código Civil Colombia-
no, de 1980, que rejeita a teoria da
ficção, utilizando-se do conceito de
ser humano para abranger o concebi-
do no ventre materno (artigo 35).
Ao tratarmos do início da vida,
invocamos como argumento filosófi-
co a doutrina aristotélico-tomista se-
gundo a qual, desde a concepção, o
homem traz em si o germe de ser
racional.
Do ponto de vista biológico, não
há dúvida de que a vida se inicia com
a fecundação do óvulo pelo esperma-
tozóide, resultando um ovo ou zigo-
to. Assim o demonstram os argumen-
tos colhidos na Biologia. A vida viá-
vel começa, porém, com a nidação,
quando se inicia a gravidez. Confor-
me adverte o biólogo Botelha Lhu-
zia—in prólogo do livro "Derecho a la
Vida e Institución Familiar", de Ga-
briel dei Estai, Madrid, Eapsa, 1979
—, em lição lapidar, o embrião ou
feto representa um ser individualiza'
do, com uma carga genética própria,
que não se confunde nem com a do
pai nem com a da mãe. Por isso, não
é exato afirmar-se que o embrião ou
feto seja parte do corpo da mãe.
Alcançando grande desenvolvi-
mento nos dias atuais, a Perinatalo-
gia — ramo da Medicina dedicado
primariamente ao feto e à criança
recém-nascida — fez grandes con-
quistas em favor da saúde e do nor-
mal desenvolvimento do nascituro,
através das técnicas de: amniocente-
se, transfusão de sangue na eritro-
blastose fetal, ultra-sonografia etc.
Quanto ã terapia médica, é pos-
sível administrar-se medicamentos a
fetos, seja fornecendo a droga à mãe,
seja dissolvendo-a no líquido amnió-
tico. Mais recentemente, em 1980, em
Chicago, há notícia de nove cirurgias
intra-uterinas, bem-sucedidas, indi-
cadas nos casos de hidrocefalia e hi-
dronefrose. Isto demonstra que a
Ciência se preocupa com o nascituro
— seja embrião, seja feto — como ser
autónomo e independente d a mãe,
procurando cada vez mais possiblll-
tar-lhe o normal desenvolvimento
tendo por objetivo o nascimento per-
feito.
Examinadas as diversas corren-
tes doutrinárias que tentam explicar
a natureza jurídica do nascituro, po-
demos reuni-las em três grandes gru-
pos: doutrina natalista (considera o
início da personalidade a partir do
nascimento c o m vida), doutrina da
p e r s o n a l i d a d e condicional, impro-
priamente denominada "concepcio-
nista" (considera que a personalida-
de começa com a concepção, sob a
condição do nascimento c o m vida) e
doutrina verdadeira concepcionista.
Colocamo-nos entre o s adeptos
da última que também tem por se-
guidores: José T a v a r e s — i n " O s
Princípios Fundamentais do Direito
Civil". Coimbra, Editora Limitada,
1928, v. II jurista português, e os ju-
ristas brasileiros, Teixeira de Freitas
— in "Consolidação das Leis Civis".
3' ed. Rio de Janeiro, H. Oanier, Edi-
tor, 1986 e "Esboço de Código Civil.
Ministério da Justiça e Negócios In-
teriores, Serviço d e Documentação,
1952 —, P o n t e s d e Miranda — i n
"Tratado d e Direito Privado. Parte
Geral, Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. R i o de Janeiro, Borsoi,
ALDUNATE — in "El comienzo de la I doados ao nascituro pode ser exerci- Quanto aos direitos expressa-
159 CC, 1.537 CC e a Súmula 491 do
Existência Humana y Proteccion Ju- da, por seu representante legal, des- Supremo Tribunal Federal, que as- mente reconhecidos ao nascituro, em
ridica. Facultad de Ciências Jurídi- de a concepção, legitimando-o a per- sim se enuncia: "E indenizável o aci- cotejo com as disposições hoje vigen-
cas, Politicas y Sociales. Universidad ceber as rendas e os frutos, na quali- dente que cause a morte de filho me- tes, é de se lamentar que o Projeto
Católica de Chile. Memoria, n» 46. dade de titular de direitos subordina- nor, ainda que não exerça trabalho tenha suprimido a adoção de nasci-*
Santiago de Chile. Editorial Jurídica do à condição resolutiva. Fundamen- remunerado". Tratando-se de culpa turo que, ao contrário do que susten-
de Chile, 1969. tam nosso entendimento os artigos contratual, como no contrato de tam alguns, é de grande importância'.,
119,1.186,1.572,1.778, todos do Códi- transporte, -por exemplo, fundamen- quando se encontrar na situação ir—*'
I I . O NASCITURO NO CÓDICO go Civil e os artigos 877 e 878 do to da responsabilidade civil é o pró- iegular «descrita pelo inciso I, item1 b •.-.••
CIVIL BRASILEIRO Código de Processo Civil brasileiros. prio contrato que acarreta a presun- do Código de Menores (Lei 6.697, de.
ção de culpa, pelo transportador. 10.10.1979): isto é, privado de condi-o
A tomada de posição de que o Nesse sentido é o artigo 17 do Decre- ções essenciais a sua subsistência e,,,
A despeito da redação aparente- nascituro é pessoa importa reconhe- saúde por manifesta impossibilidade
mente contraditória do artigo 4° do' cerlhe outros direitos, além dos que to 2.681, de 7 de dezembro de 1912
Código Civil que, estabelecendo o expressamente lhe são conferidos que regula a responsabilidade civil dos pais ou responsável para provêrTt"'
das estradas de ferro e que a juris- las. y~
início da personalidade civil a partir pelo Código- Civil, uma vez que se
do nascimento com vida, concede di- afastam na espécie, por inaplicável, prudência brasileira estendeu a todo Com efeito, o direito de subsis-t,
reitos e não expectativas de direitos a regra de hermenêutica exceptiones tipo de transporte oneroso como o tência (incluindo-se alimentos e adei "
bonde, o ônibus, o táxi e a barca.
ao nascituro, é possível conciliá-lo sunt strictissimae interpretationis. quada assistência médica pré-natal)'
consigo mesmo e com todo o sistema Reitera nosso modo de ver quanto a lhe é reconhecido para que nasça vivo - ••
agasalhado pelo Código que reco- nâo-taxatividade dos direitos reco- Mesmo se prescinda do inques- — como já reconhecido por Ulpiano
tionável argumento de que o nasoitu-
nhece direitos e estados ao concebi- nhecidos ao concebido, pelo código, in D. 37,9,1,15 — e poderá ser conse-
do, desde a concepção — nem sem- outro postulado de hermenêutica, no ro é pessoa, desde a concepção, a quência da adoção, como obrigação
obrigação de reparar o dano que lhe
pre dependentes do nascimento com sentido de que a enunciação taxati- do adotante. ;v;
vida — em harmonia com os diplo- va é indicada expressamente pelas causa a morte fundamenta-se no ins-
mas legais de outros ramos do Di- palavras só, somente, apenas e ou- tituto da responsabilidade civil. O Contempla o projeto o direito d<fuít
reito. dano é moral e sua reparação — que receber doação (artigo 542); atribui o; •
tras similares, inexistentes no texto visa a uma compensação e não a um estado de filho legítimo ao concebideu?
do artigo 4o que, ao contrário, se refe- ressarcimento — faz-se pelos mesmo na constância do casamento; estabef>"•
Utilizando-nos dos métodos lógi- re genericamente a "direitos do nas-
co e sistemático de hermenêutica, cituro". critérios que norteiam a indenização lece o reconhecimento de nascituros
entedemes que o artigo 4° em tela pela morte de filho menor. (artigo 1.623 § único); o artigo 1.803.
consagra a teoria concepcionista e caput estatui que será dado curador» -
Entre os direitos que também ao nascituro, se o pai falecer estando.».
não a teoria natalista, conforme tem podem ser a ele atribuídos lncluem- III. DIREITO CONSTITUENDO
sido erroneamente defendido pela se, por exemplo: direito de ser benefi- A) O NASCITURO NO PROJETO a mulher grávida e não tendo o p á -
maioria dos autores. trio poder; se a mulher estiver inter-"
ciário de estipulação a favor de ter- DE CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
dita, seu curador será o do nascituro.,
. O nascituro é pessoa desde a ceiro (artigo 1098 CC), direito de ser O Anteprojeto de Código Civil, (parágrafo único).
concepção. Nem todos os direitos e beneficiário de seguro de vida (artigo de 1972, no artigo 3a, agasalhava dis- No Livro V, Direito das Suces-^
estados a ele atribuídos dependem 1474 combinado com 1169, ambos do positivo idêntico ao do artigo 4* do soes, consagra inovação de primor-
do nascimento com vida, como por Código Civil), direito a alimentos (ar- vigente Código Civil ("A personalida- dial importância, a preencher lacuna
exemplo: O estado de filho (art. 458 tigos 396 a 405 do Código Civil), direi- de civil do homem começa do nasci- no ordenamento, que é a outorga de
CO, de filho legítimo (artigos 337 e to ã vida (artigo 1537 CC), direito á mento com vida, mas a lei põe a salvo capacidade sucessória ao conceptus, -
338 CC), de filho reconhecido (artigo integridade física (strieto sensu) e à desde a concepção os direitos do nas- dentro da vocação hereditária, pois o
353 CC), o direito à curatela (artigos saúde (artigo 1538 CC). cituro"). código vigente a admite de modo ex-
458 e 462 CC) e à representação (arti- presso, unicamente dentro da suces-
go 462 caput combinado com artigos Assim sendo, propomos que o O Projeto de Código Civil — Pro-
são testamentária, conforme artigo
384, V e 385, todos do Código Civil), o projeto de Código Civil Brasileiro, jeto de Lei n° 634, de 1975, publicado 1.718, embora a doutrina a reconheça
direito a vida, ao qual se relaciona o bem como a legislação constituenda, no Diário do Congresso Nacional de também quanto à sucessão legítma.
direito ã alimentos, o direito ã inte- em geral, adote a orientação do esbo- 17 de maio de 1984, suplemento ao n° A prole eventual só pode adquirir por
gridade física (lato sensu), este últi- ço de Teixeira de Freitas, estabele-
cendo que a personalidade se inicie 047 — aprovado pela Câmara dos De- testamento, estabelecendo o projeto
mo direito da personalidade no qual com putados e ora em tramitação no Se-
a concepção e o nascimento seja
se compreendem o direito à integri- expressamente o prazo de dois anos, após a abertura
considerado como nado Federal, traz significativa ino- da sucessão, para que seja concebido
dade física strieto censu e à saúde — sujeito de direito. Somente certos vação ao suprimir do texto anterior a
direitos absolutos. expressão "desde a concepção": 0 herdeiro esperado (artigo 1.323 5 4#í ,
atributos de sua capacidade jurídica, inovando em relação ao código vi-
notadamente a aquisição de direitos
A personalidade — que não se patrimoniais "A personalidade civil do ho- gente que não estabelece prazo
confunde com capacidade — não é ção e herançamateriais, como a doa-
ficaria resolutivamen- mem começa do nascimento com vi- algum. '•?,
condicional. Apenas certos efeitos de te condicionada ao nascimento sem da, mas a lei põe a salvo os direitos Não há mais dispositivos qu«#" ;
certos direitos, isto é, os direitos pa- vida. do nascituro". contemplem expressamente d i r e i t o s ^
trimoniais materiais, como a herança ao nascituro, cabendo à doutrina e a?--
e a doação, dependem do nascimen- Quanto à responsabilidade civil Justifica o preclaro autor da Par- jurisprudência analisar se, diante d e p -
to com vida. A plenitude da eficácia por dano causado ao nascituro, en- te Geral do Projeto, Ministro Moreira redação do artigo 3 o do projeto — qufr-
desses direitos fica resolutivamente tendemos ser indenizável a morte do Alves, em sua obra "A Parte Geral do esperamos não prevaleça—será p o s : '"
Projeto de Código Civil Brasileiro", sível interpretação meramente-"
condicionada ao nascimento sem vi- "conceptus" porque ele é pessoa, 1. ed. Saraiva, 1986, página 86: "Do
da. O nascimento com vida, enuncia- desde a concepção, apesar da reda- exemplificativa e não tão-somente'.' e
artigo 3o (atuai 2o), suprimiram-se as taxativa, conforme parece sugerir. "-"'
do positivo de condição suspensiva, ção defeituosa do artigo 4° do Código palavras "desde a concepção", para
deve entender-se, ao reverso, como Civil que deve ser interpretado de atender-se à objeção de que essa res- B I ANTEPROJETO DE CONSTIw.
enunciado negativo de uma condi- acordo com todo o sistema por ele trição entraria em choque com os ar- TUIÇAO FEDERAL DO BRASIL
ções resolutiva, isto é, o nascimento agasalhado e não isoladamente. Não tigos 2.007,1 e 2.008 (atuais 1987,1 e 1. A Assembleia Nacional Consti* s ;
sem vida, porque a segunda parte do há razão aceitável para não se inde- 1988) do Ante-projeto, os quais — co- tuinte, instalada no ano de 1987, p e r -
artigo 4° do Código Civil, bem como nizar a morte do "conceptus" confor- mo ocorre com o Código vigente (ar- meio da Comissão da Soberania é ? ,
outros de seus dispositivos reconhe- me orientação dos poucos acórdãos tigo 1.718) — admitem à sucessão os dos Direitos e Garantias do Homem -•-
cem direitos (não expectativas de di- brasileiros que tratam da questão. filhos ainda não concebidos ("non- e da Mulher — Subcomissão dos DÍ-IM
reitos) e estados ao nascituro, não do Nem o mencionado artigo 4° autoriza dum concepti"). rei tos e Garantias Individuais, assim
nascimento com vida, mas desde a tal entendimento. consignou no anteprojeto: -*-
concepção.
Segundo pensamos, o fundamen- Em que pese o grande respeito "Art. (...) São direitos e garantias
O nascimento com vida aperfei- to legal para a indenização civil pela que devotamos ao insigne autor da individuais:
çoa o direito que dele dependa, dan- morte do nascituro é ó mesmo para a Parte Geral do Código Civil Brasilei- (— a vida, desde a sua concepção*
do-lhe integral eficácia, na qual se do já nascido. Na responsabilidade ro, entendemos que a objeção a que
pretende atender não pode ser aco- até a morte natural, nos termos d é ;
inclui sua transmissibilidade. Po- civil extracontratual ou aquiliana, os lei; 7;
rém, a posse dos bens herdados ou fundamentos legais são os artigos lhida pois o nascituro, ou "concep-
tus", não se assemelha nem se identi- 2. No Parecer e Substitutivo day^
fica com o "nondum conceptus" ou mesma Comissão, no Título I ("Do&""
"concepturus" entre nós denomina- Direitos e Liberdades F u n d a m e n ^
Constituição do "prole eventual". O nascituro já é
pessoa, desde a concepção, no ventre
materno, sem necessidade de valer-
se da ficção, o que não ocorre com a
prole eventual, pessoa ainda não
tais") Capítulo I ("Dos Direitos Indi-
viduais") o artigo 3°, inciso I conf1'.
sagra:
individuais invioláveis:
J™
"Artigo 3 o —São direitos e liberdades
,ÍW.-.
concebida e que, eventualmente, po- 1 — A Vida, a existência digna e ap;
e soberania derá até nunca sê-lo. Ao introduzir-se
no Projeto conceito genérico de nas-
cituro para abranger tanto o conce-
bido, que é pessoa por nascer, com a
pessoa futura ou não concebida (e
integridade física e mental.
de direitos pelo nascimento cora»
vida;
. uí'»
a) Adquire-se a condição de sujeitfií„,:

b) A vida intra-uterina, inseparável ^

^,„
ção, no útero materno, do ovo fecun- 1954,1.1 e "Tratado de Direito Priva- nismos de exercício direto do poder que, eventualmente, nunca o será), do corpo que a concebeu ou a rece*»»-"
dado" na proveta, como condição de KILDARE GONÇALVES CARVALHO» equiparam-se dois conceitos que não
do. Parte Especial. Direito de Famí- pelo povo o plebiscito e o referendo, beu, é responsabilidade da mulher,
seu desenvolvimento, nascituro é um lia: Direito Parental Direito Protec- bem como a iniciativa popular para a se equivalem, nem no plano biológi- comporta expectativa de direitos e
conceito que só existe quando há tivo. Rio d e Janeiro, Editor Borsoi, "A recente aprovação, na Comis- apresentação de proposta de emen- co nem no plano jurídico. Se há se-
gravidez, seja ela resultado de fecun- são de Sistematização, de emenda ao melhança é entre pessoa nascida e será protegida por lei";
1955, tomo IX —• R. Limongi França texto do eminente relator Bernardo da à Constituição e de Projeto de Lei. 3. No Anteprojeto da mesma Comis- i
dação in anima nobile (por insemina- Adota, portanto, o substitutivo pessoa concebida, conforme se vê na
ção natural ou por inseminação arti- — in op. cit. — Anacleto de Oliveira Cabral, poderá introduzir, na Nova codificação latino-americana e na são a matéria está assim regulada: •*•••>'
ficial) ou in vitro. Destarte, também Faria e André Franco Montoro — in Constituição, técnicas da democra- técnicas da soberania popular, sem, própria tradição brasileira, desde as "Artigo 3 o —São direitos e liberdades:
"Condição Jurídica do Nascituro no cia direta, verbis: no entanto, eliminar a soberania na- Ordenações Afonsinas (Livro 3o, Tí- individuais invioláveis:
nãd é nascituro o embrião humano Direito Brasileiro" São Paulo, Sarai- cional, pois mantém a democracia o
congelado — conforme recente técni- va S/A, 1953. "Art. Io — a República Federati- indireta ou representativa. tulo XVIII, § 7 ), Consolidação das I — A VIDA, A EXISTÊNCIA ;b
ca desenvolvida na Universidade de va do Brasil constitui-se em um Esta- A soberania popular conduz ã Leis Civis de Teixeira de Freitas (ar- DIGNA E A INTEGRIDADE FÍSICA
Monâsh, de Melbourne, Austrália — Segundo pensamos, o nascituro do democrático de direito que visa a democracia direta e a soberania na- tigo 1°), "Esboço" (artigos 53 a 61 e E MENTAL. "
quef no entanto, deve ser protegido tem personalidade desde a concep- construir uma sociedade livre, justa cional resulta na democracia indire- 221 a 227) do mesmo autor, Projeto
jurídica e eticamente como pessoa ção. Quanto â capacidade de direito e solidária, e tem como fundamentos de Felício dos Santos (artigo o77, § o1°); a) Adquire-se a condição de sujeito
virtual. ta em que o poder político se exerce Projeto Primitivo (artigos 2 e 5) e de direitos pelo nascimento com
que não se confunde com personali- a soberania, a cidadania, a dignidade através de representantes eleitos pe-
dade, apenas certos efeitos de certos das pessoas e o pluralismo político. lo povo. Projeto Revisto (artigo 4o) ambos de vida;
,$& Direito Estrangeiro, após es- direitos, ou seja, os patrimoniais ma- Parágrafo único — Todo o poder Clóvis Beviláqua. 4. Tal dispositivo — que repre--
tucarmos Códigos Civis de diversos teriais, dependem do nascimento A soberania popular, se levada senta lamentável, inexplicável e ina*
pertence ao povo, que o exerce por às últimas consequências, propiciará ceitável retrocesso, data vénia — fui-»
países, entre os quais França, Itália, com vida, como o direito de receber intermédio de representantes eleitos a desordem e o caos, pois as decisões Embora o digno autor da Parte
Espanha, Áustria, Portugal, Suiça, doação e de receber herança (legíti- ou dlretamente, nos casos previstos Geral do Projeto pretenda não inci- mina o nascituro como sujeito de di-l
Argentina, Chile, Peru, Colômbia e ma e testamentária). Os direitos ab- populares, por serem episódicas, não dir na crítica retromencionada, é de reitos, rompendo com a secular tra»^
nesta constituição". atentam para o caráter permanente dição romanística justinianéia que
atéjia China, observamos que todos solutos da personalidade, como o di- O exercício do poder político pe- e duradouro das instituições. se salientar que o Projeto continua a
eles reconhecem certa capacidade reito à vida, o direito à integridade fazer distinção entre "pessoa exis- consagra a paridade do nascituro
lo povo tem suas raízes na Grécia Por sua vez, a soberania nacio- com o nascido, como regra geral, s e n -
jurídica ao nascituro, desde a con- física e ã saúde, independem do nas- antiga, onde as decisões eram toma- tente", "pessoa concebida" e "prole
cepção, ainda que disponham que a cimento com vida. O direito a ali- nal, exercida por intermédio de re- eventual", pois, enquanto o "caput" do as exceções aplicáveis a algumas?
das em assembleias de cidadãos, sem presentantes eleitos, pode afastar o partes do Direito, anotando-se que
personalidade comece a partir do mentos, intimamente ligado ao direi- a interferência de representantes. do artigo 1.821 legitima a suceder as
nascimento com vida. Especial aten- to à vida, independe do nascimento povo do exercício do poder, ao elimi- pessoas existentes ou já concebidas não constitui ficção, mas sim consta-' .
ção'merece o Código da Argentina, e, ao contrário, a ele objetiva, confor- A ideia de soberania não havia nar o controle, pelo povo, dos atos no momento da abertura da suces- tacão de uma realidade, conforme"
valiosa obra de Velez Sarsfield, que me já vê inquestionavelmente nos ainda sido concebida como a enten- praticados por seus representantes. são, o inciso I do artigo 1.822, dispõe Juliano in Digesto 1,5,26, inteiramen- ,
estabelece o início da personalidade seguintes textos do Digesto: D.37, 9, demos hoje, ou seja, o poder de man- Razoável, portanto, a adoção de que podem, ainda, ser chamados a te aplaudido por Teixeira de Freitas,"
a partir da concepção, pois o nascitu- 1,15, D. 37,9,5 e D. 37,9,6. A mesma do de última instancia numa socie- normas que permitam um equilíbrio suceder "Os filhos, ainda não conce- na nota 221 do Esboço de Código
ro tem certos direitos a partir de en- independência se verifica quanto ao dade politicamente organizada. entre as manifestações populares bidos", de pessoas indicadas pelo Civil, repelindo crítica de Savigny.,.,
tão, como se já tivesse nascido, tor- direito ã curatela e ã representação. Somente em fins do século XVI é (democracia direta) e as deliberações testador, desde que vivas estas ao Contrapõe-se, destarte, também à
nando-se irrevogavelmente adquiri- O nascituro é titular desses direitos, que se concebeu a soberania como políticas por intermédio dos repre- abrir-se a sucessão; continua, assim, tendência louvável das legislações*.'
dos se nascer com vida; considera desde a concepção e independente- poder político incontrastável, para sentantes do povo (democracia indi- agasalhando distinção entre "pessoa da América Latina, no sentido de se,
expressamente o nascituro como mente do nascimento com vida. se justificar o Estado absolutista, de reta). existente", "pessoa concebida" e ampliar os direitos do nascituro e
concentração de poder, então emer- O exercício direto ou indireto do "pessoa não-concebida" ou "prole não de restringi-lo, muito menos o der,',.
essqa por nascer, integrando o rol
S os absolutamente incapazes (art. Ainda que possa haver discor-,
54, ,1o), tal como o faz o ilustre civilis- dãncia quanto ao início da vida, do
gente, eliminando-se os poderes in-
termediários dos senhores feudais.
poder político se completa, na atuali-
dade, com a influência, cada vez
eventual", o que demonstra que os
dois últimos conceitos não se podem
reduzi-los ao nada jurídico. É de se
ressalvar que nenhum dos Projetos 7
de Código Civil, desde Teixeira de*-*
ta brasileiro Teixeira de Freitas na ponto de vista filosófico e religioso, O surgimento do Federalismo, mais crescente, de novas forças de fundir em um único e genérico con-
da divisão dos poderes do Estado, e pressão que se manifestam através ceito de "nascituro", conforme en- Freitas até o Projeto atual, preteri^»
"Consolidação das Leis Civis" e no pode-se prescindir de tais argumen- deu tal redução, que oscilaram entre " •
"Esboço de Código Civil". O Código tos para afirmar que, biologicamen- dos direitos fundamentais, incorpo- de grupos, organizações e categorias tendemos.
rados ao constitucionalismo, provo- económicas, sociais, culturais e t c , atribuir personalidade condicionai—
Civ» Chileno, por sua vez, reconhece te, não há dúvida de que a vida co- ou incondicional ao nascimento coral"
o direito ã vida, que é incondicional, meça com a fecundação e a vida viá- cou a ruptura do Estado absolutista interessados em obter resposta para Aplaudimos a observação do
e, por via de consequência, o concei- suas propostas e anseios que podem vida, mas sempre reconhecendo di- I
coniq um direito privado (art. 75). vel, com a gravidez, que se inicia com Professor Ordinário de Direito Ro- reitos em maior ou menor extensão.»,.
a nidação. to de soberania entrou em crise, pois até mesmo coincidir com os objeti- mano da Universidade de Roma, Pie-
enforme muito bem demonstra o poder absoluto, uno e indivisível do vos do Estado. rangelo Catalano — op. cit. —, no Se prevalecer a norma em tela, ó\'
ò êríÉmente professor italiano Pieran- Juridicamente também não há Estado passou a ser fracionado e, A presença, na estrutura do po- sentido de que o Projeto ao preten- que esperamos não aconteça, posSPf'
gelo Catalano — em relevante pes- como negar-se personalidade ao nas- portanto, limitado. der e do Estado, desses grupos, orga- der assemelhar "nascituro" e "prole velmente serão taxados de inconsti^
quisft específica intitulada "Os Nas- cituro o qual, em todas as legislações O fracionamento do poder do Es- nizações e categorias, é uma realida- eventual" encontra suas raízes não tucionais quaisquer dispositivos q\iè''
cituros entre o Direito Romano e o dos povos cultos, goza de certa capa- tado tem-se agravado nos dias de ho- de da democracia pluralista que de- declaradas nas teorias pandectistas reconheçam direitos ao nascituro, ncr'
Direito Latino-Americano", a ser p*u- cidade jurídica de direito e de status, je, em face da existência de grupos verá ser expressamente reconhecida da ficção e direitos sem sujeito. Co- plano civil e nos demais ramos do
blicado na Revista de Direito Civil— ambos elementos da personalidade, (sindicatos, entidades de classe etc) e na futura Constituição Brasileira mo consequência, teremos de inter- Direito," valendo lembrar que o pró^te
•'devjê-se admirar o esforço criativo nem sempre dependentes do nasci- categorias sociais e económicas cuja (art. 1° da emenda já aprovada ao pretar taxativamente o texto legal, prio direito à vida — direito primor-,
dos Juristas latino-americanos empe- mento com vida. articulação compromete a plenitude texto do substitutivo do relator Ber- só cabendo aos nascituros os direitos dial do nascituro — protegido coro],;,;
nhados tanto na interpretação dos A proteção ao direito ã vida do do poder estatal. nardo Cabral). que expressamente lhes forem con- relevância pela incriminação do
' "gos hodiernos, quanto na elabo- nascituro, através da incriminação Há, por isso mesmo, quem sus- A participação popular, repre- sagrados, semelhantemente ao que aborto, como regra, não poderá serrT"
de novos Códigos, ào seguir a do aborto também é uma constante tente que se vive o ocaso da sobe- sentativa, ideológica ou de classe, ocorre com outras codificações in- invocado em seu favor. ^
jfão romana Justinianéia, con- na legislação estrangeira com pou- rania. que se delineia no texto da futura fluenciadas pelos pandectistas e ao
Índo-se à interpretação germâ- cas exceções. Se há outros interesses Essas reflexões têm profunda re- Constituição Brasileira, não deverá contrário do que propusemos, à luz Aguardamos, pois, que uma"
}%o Direito Romano". Baseia-se protegidos na incriminação do abor- percussão agora que se vota a Nova significar a extinção da soberania co- do texto hoje vigente e na esteira do maior reflexão possa orientar nossos-»;
Stre Professor italiano na análise to, como o interesse da estirpe e inte- Constituição Brasileira. mo poder de mando superior, único entendimento de outros autores, en- constituintes para que, se o início da .
[Idosa do Código Civil Peruano, resses demográficos do Estado, na A regra da democracia direta, se capaz de manter a unidade do Esta- tre os quais o Magnifico Reitor da personalidade for objeto de texto"1;,
•$4, notável obra de Carlos Fer- verdade o bem jurídico tutelado é, vier a ser consagrada na futura Cons- do e a coesão do seu corpo social em Universidad Externado de Bogotá, constitucional — o que não ocorre nõ* ~
,éz Sessarego, cujo artigo Io con- primordialmente, o direito à vida, tituição, introduzirá a participação torno de valores que são, em essên- professor Fernando Hinestrosa, ex- Projeto do deputado Bernardo Ca-
sidera o nascituro cwmo sujeito de conforme o reconhecem os autores, do povo no exercício do poder políti- cia, o fim último da Democracia". Ministro da Justiça da Colômbia — bral que segue, destarte, a tradição
dlrèWos para tudo quanto o favoreça, entre os quais se incluem Vincenzo co, sem a intermediação de represen- * Professor de Direito Constitu- in Studi Sassaresi, 1970-80, p.436 — a brasileira —, seja ela fixada na con-^
êorAáftrando, ainda em sede de Di- Lanza — "SulToggetto dei delito di tantes. cional da Faculdade de Direito Mil- propósito da possibilidade de se ad- cepção e não no nascimento como v
r%i#Positivo, a tese que já sustentá- aborto e sul concetto di persona nel O substitutivo do eminente rela- ton Campos. Membro do Instituto mitir a adoção de nascituro, no âmbi- vida. .,•<•
vamos em 1983, de que somente os diritto penali in Rivista di Diritto e tor Bernardo Cabral, em fase de Brasileiro de Direito Constitucional to de aplicação do Código Civil de
direitos patrimoniais, como a doação Procedura Penali. Milano, 1918, pági- apreciação pela Assembleia Nacio- e ex-secretário do Estado do Gover- Andrés Bello, ainda que não prevista * Professora Assistente de Direito Ci-*"
e aMrança, estão condicionados (re- nas 211-15 — e EDUARDO NOVOA nal Constituinte, prevê como meca- no de Minas Gerais. em lei, vil da Faculdade de Direito da USPJ";