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C abe-lhe s, por exemplo, o direito ao nome, que, por individu ali­ contribuem pa.ra a sua d"ivers 1·da . .

zá-l as e tomá-las conhecidas no cenário socia l, é protegido contra a de e que, md 1r ctamcnte, acabam po
rroborar a tese �e �ue a capacida r
usurp ação de terceiro s ( arts. 33 e 34, Lei nº 8.934, de 18.11.94; arts. �:
º· de de direito é u m conceito grada­
Passemos, �0 1_s, a análise dess es fat
ores diferenciais, quais
1.166 e 1.167, Cód. Civ.). Às pessoas jurídicas podem o utorga r-se, o substrato onto log 1c o sejam:
ainda , outros s inais distintivos, como exp r essões ou sinai s de prop a ­
da pessoa jurídica, a lei e o objeto so
cial.
ganda, títulos de estabelecimento ou insígnias, igual mente resguarda­ 5·2·1 �;,,�;�ações à capacidade de
dos - no âmbito civ il e pen al - con tra violações por parte de outrem direito das pessoas
;urubcas em razão de seu substra
(arts. 186, Cód. Civ. e 195, IV e V, Lei nº 9.279, de 14.5.96). to o11tol6gico
É-lhes reconhecido, outross im, como centro legal de suas ativi­ · ·
Ser pessoa Jun'dtea ?ªra o Dire · ·ito nao
. - consiste em um dado pré-
dades, um domicílio (art. 75, Cód. Civ.) e, no que to ca às pesso as jurí­ n�rmat1vo , mas_ e� qualidade jurídica que
o legislador apõe a deter­
dicas de direito privado , po ss uem el as nacionalidade, fixada c m fun­ mmadas agre1�1açoes sociais ou
patrimônios, como form a de imp
mentar os ans eios e exp . ]e-
ção do Estado so b cujas leis se constituíra m e do local em que se situe ectativas do prop . no bornem.
a sede de sua ad ministração (art. 1.126, Cód. Civ.)165. P essoa' em moldes JUn · 'dic
º
. os , equivale a ser apto
rcitos e a ser sujeito de obng · açoe a titularizar di
A par dessa e das outra s distinções antes traçada s, percebe-se que - s, na-o resultando essa qualida de
vo no. c� so da pessoa , sal-
vasto, entretanto, é o campo de aproximação da capacidade de gozo tisica, da preexistência de determ
inado substrato
ont0Jog1co, mas puram
da s pess oas naturai s e das pessoas jurídicas. No entanto, não se pode ente da eleição objetiv a feita pel
daí inferir que elas sej am idênt icas, pois inúmeros são os fatores que Isso não equiva
.
· Je
ª dtzcr
º o legislador
que esse substrato on tológico seja·
de
todo me1 evan�e para o Direito:
ele apena s não é em regra detcrm ·
nante da condição de pessoa, em . 1-
- bora mflua substancialmente não
165 O art. 1.126, Cód. Civ., ao reputar nacional a sociedade organizada em co11formi­ na c�nfi guraçao da �apacidade só
. de direito da pess oa jurídica, co
dade com a lei brasileira e que tenha no Pais a sede de sua administraç<io reafir­ tambem �a sua diversificação daque mo
mou a orientação presente no art. 60, caplll, Decreto-lei nº 2.627, de 26.10.40 para la atribuída à pess oa tisica.
A�s1r_n, mesmo que vasto o camp o
as sociedades anónimas. O advento do novo Código Civil não afastou a teoria da em que coincidam a capacida­
constituição, expressamente encampada pelo art. 11, captt!, De creto-lei nº 4.657,
de de d1re 1�0 �a pc�so� natural e da
pessoa jurídica, não se pode outor­
de 4.9.42, assim como outrora não o havia feito o antigo texto do art. 171, I, CF, gar a esta ulti ma direitos que lhe
ex1·�eencia · de um- homem como centr'Jo mde esstuaraimp
scia nhos , Por pressuporem
que igualmente demandava a existência de sede e administração no Pais para que a a
pessoa jurídica fosse reputada na cional. Com efeito, a nova solução legislativa não - utaç㺷
Destart�· nao sao compatíveis às
prestigiou quaisquer dos critérios selecionados pelas diversas teorias acerca da na­ f:a1.� 1Tia 166. pessoas jurídicas os direitos de
cionalidade da pessoa jurídica (Cf. SILVA PEREIRA. /11stit11ições... , cit., p. 206-
Na� poder_n elas possuir certos dire
itos subjetivos públicos
7), continuando a mirar na co11stit11içào da pessoa jurídic.i, exigindo, porém, o re­
dcnvados da cidadama, tal como o
voto.
quisito adicional da localização da sede da ad111i11istraç<io. No que tange às pessoas Um problema que deve ser equa
. . cionad o à luz d a capacidade de
jurídicas de direito público, vale a lição de Caio Mário da Silva Pereira: "Da na­ direito parece-nos ser o da exten
cionalidade das pessoas jurídicas de direito público não há cogitar. Como entes de .
opera� d os dire1· t�s d
são que o a rt. 52, co · d· e·iv. pretend e
a perso nalidade às pe
direito externo, são as nações mesmas, assim consideradas no concerto universal, ssoas jurídicas. O text
questao, ao preceituar que se "ap o em
e, como tais, atribuem na cionalidade às pessoas. Como é cm função delas que os
. '
lica [··· J às pessoas Jlln
couber, a proteça-o d. os direitos d"
ica s, 110 que
indivíduos são na cionais ou estrangeiros, não se h á de questionar de sua nacionali­ da pcrsonalidadc"[sem gr·110 ..
.
nal], eonvoca o mterprete a elu e: no ongi-
dade. Internamente, as pessoas de direito público são unidades políticas ou admi­ cidar os termos e o fundamento
nistrativas, ou político-administrativas, que pela própria natureza não podem ter por
nacionalidade diversa da que emana do Estado, ou da nação de que são a expressão 166
no seu conjunto ou nas subdivisões". Instituições... , V. I, cit., p. 205-6. ;:� ���b�:��, �lr! ch L rs�nnalité M_ora/e et Ses Limites e11
Droit Al/eman d.
i G ncra je :e ";ro11 ct de Junsprudcnce
, 1960, p.33-4.
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te-se, a ex­ relação à capacidade da pessoa natural. Não se concebem, portanto,
meio dos quais se efetua tal ampliação. De início, ressal direitos da personalidade exclusivos da pessoa jurídica, pois esta é que
er leitura
pressão no que couber já se incumbe de ?esautoriz�r �ualqu recebe, secundária e analogamente, a tutela de direitos cujo conteúdo
pessoas
que, no tema, venha a equiparar a capac1dad� de d1re1to das se assemelhe aos bens da personalidade humana.
o que advert e Gustav o
jurídicas àquela atinente às pessoas naturais. E Partindo dessa afirmação, conclui-se que não goza a pessoa jurí­
Tepedino: dica dos chamados direitos à integridade corporal, isto é, o direito à
"Assim é que o texto do art. 52 parece reconhecer que os direitos da vida, ao próprio corpo e à integridade fisica, justamente por lhe faltar
personalidade constituem uma categoria voltada para a defesa e para a concreção 169 • A separação torna-se, porém, menos nítida no domínio
promoção da pessoa humana. Tanto assim que não assegura às pessoas dos direitos à integridade moral ou intelectual, visto que "o ponto de
jurídicas os direitos subjetivos da personalidade, admitindo, tão-somen­
analogia [entre pessoa fisica e jurídica] está na existência de uma indi­
te a extensão técnica dos direitos da personalidade para a proteção da
vidualidade que permite a prossecução autónoma de fins no meio
p;ssoa jurídica. Qualquer outra interpretação, que pretendesse encontrar
no art. 52 o fundamento para a admissão dos direitos da personalidade social" [sem grifo no original) 170• Justamente por constituir a pessoa
das pessoas jurídicas, contrariaria a dicção textual do dispositivo e se jurídica uma realidade não concreta, mas técnica, cuja operatividade,
chocaria com a informação axiológica indispensável à concreção da em proporcionalidade imprópria, aproxima-se do mover-se da pessoa
aludida cláusula geral" 1 67• natural no âmbito jurídico, alguns de seus direitos estreitam-se da­
queles bens relativos à integridade moral ou intelectual do homem.
Parece-nos que a dicção do texto legal apenas se revelará se uma José de Oliveira Ascensão esclarece tal raciocínio:
advertência básica não for descurada no decorrer do procedimento
exegético. Primeiramente, o substrato ontológico da pessoa jurídica há "Na medida em que os direitos da personalidade contemplem a indivi­
de ser contrastado com a essência da pessoa humana, para, apurados dual idade das pessoas tisicas, há uma analogia com a situação das pes­
os limites em que se firma a analogia de proporcionalidade imprópria soas colectivas. Por isso, os direitos que estruturam a individualidade
são aplicáveis por analogia"17'.
existente entre os dois entes, delinear-se a envergadura do art. 52,
Cód. Civ. Não se pode, portanto, assumir qualquer postura apriorística Dentro dessa perspectiva de delineamento da individualidade,
nesse terreno pelo fato de serem genéricas tanto a capacidade de di­ óbices não há para se admitir que a pessoa jurídica goze de direito ao
reito das pessoas naturais quanto aquela atinente às pessoas jurídicas. nome (art. 1.166, Cód. Civ.) 172 e de direito sobre outros elementos
Há que se atentar para a variedade de direitos agrupados sob o vocá­ distintivos ou identificadores de seu estabelecimento (art. 195, V, Lei
bulo direitos da personalidade 168, para, então, dirirnir quais, por sua nº 9.279/96). Também em prestígio da individuação da pessoa jurídi­
estreita vinculação à natureza humana, são insuscetíveis de ser trans­ ca, tvtelam-se o direito moral sobre a criação de ben's da propriedade
portados para o domínio das pessoas jurídicas. Dentro dessa ordem de industrial e intelectual (arts. 183 a 194 e 209, Lei nº 9.279/96; art. 5°,
idéias, já se percebe que, radicando os direitos da personalidade na VIII, h; X; e XI Lei nº 9.610/98; art. 4°, da Lei nº 9.609/98), como
tutela da dignidade humana, a capacidade de direito das pessoas jurí­ expressão do modus operandi particular da pessoa jurídica no meio
dicas nessa seara representará sempre e invariavelmente um minus em
169 Cf. AMARAL. Direito... , cit., p. 254; DROBNIG. La Personnalité... , cit., p. 35.
17º ASCENSÃO. Direito... , cit., p. 260.
167 Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 171 ASCENSÃO. Direito... , cit., p. 260-1.
2002. ln: . A Parte Geral do Novo Código Civil - Estudos na Perspectiva 172 Mas não direito ao pseudônimo, como corretamente assinala TEPEDINO. A Par­
Civil-Co11stitucio11al. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2002, p.XXIX. te ... , cit., p. XXIX.
168 Cf. DROBNIG. La Personnalité... , cit., p. 35.

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à intii�id�de reconhecid� à
negocial. Em via aproximativa ao di_rei�o. .
A questão cm tomo da honra da pessoa jurídica, embora antiga,
1ca o direito de seg� edo m­ tem-se revestido de muita atualidade face ao reconhecimento pelo
pessoa humana, defere-se à pessoa JUnd
tenha desenvolvido _(art.
dustrial e de sigilo sobre o know how que Direito da figura do dano moral. Caso se entenda, como o fazem inú­
de liberdade, e sa­
195 X I Lei 11° 9.279/96). No que tange ao direito meros doutrinadores, que a pessoa jurídica goze do direito à honra, há
i cst ç es justamente p�r de se lhe deferir os meios legais para a defesa desse bem jurídico.
bid� qt;c O mesmo assume variadas ma� ! � ? _
dmam1ca da ��rs�nah­
traduzir, conforme assinala Ascensão, a°fe1çao Assim, ao dano moral perpetrado corresponderia a pretensão ressar­
CF), de consc1cncia, � e citória cm favor da pessoa jurídica.
dadet73. Liberdade de locomoção (art. 5 , XV,
(art. 5 º, _X�I.' CF) sao
crença e de culto (art. 5 , VI, CF), e de reunião Não é de hoje que esse questionamento vem sendo posto aos tri­
°

a JUn�,c�. Tam­
fórmulas ontologicamente incompatíveis com a pesso bunais pátrios e, embora ainda se encontre alguma divergência177, po­
de sua propna natu-
bém não se lhe ajusta o direito à imagem em vista de-se afirmar sem receio que forte tendência jurisprudencial firmou-se
reza t 74. no sentido de reconhecer a pessoa jurídica como possível paciente de
rne �o .d'.-
A questão, entretanto, toma-se intricada no que conce dano à honra objetiva e, portanto, como titular do direito a indeniza­
as pesso �s JUn��­
reito à honra. Muitos doutrinadores consid:_ram que ção 178 . A sedimentação desse entendimento culminou, aliás, com a
sua personalidade .
cas gozam de direito à honra como emanaçao de edição da Súmula nº 227, do Superior Tribunal de Justiça.
a honra, cm
Ferrara, partilhando desse entendimento, esclarece que Não nos parece bom o posicionamento das cortes nacionais e
ente:
relação à pessoa jurídica, deverá ser analisada objetivam cremos que isso se deva, a um só tempo, ao insuficiente ou quiçá ine­
exig�ncia xistente conceito de dano moral e à falta de uma análise conscienciosa
"De fato para O reconhecimento da honra se estabelece como. dos limites da capacidade de direito da pessoa jurídica.
0 estad o psicológico capaz de sentir a ofensa
, e naturalmente isso nao se
que a honra A falta de rigor metodológico e sistêmico no exame do dano mo­
encontra fora do homem singular. Ao invés, é de observar
o a de est!1�a ral acabou por fazer dele um rótulo designativo de um conteúdo pouco
pode também considerar-se objetivamente, como uma aur� !
o e tiducia
que qualifica e circunda o sujeito , e é um elemento de credit tangível, ou mesmo uma autêntica panacéia. O alargamento de seu
nos relaci. onamentos externos .
ui 76 domínio redundou na dispersão e arrefecimento de seu cerne original,
a o di­
Logo, Ferrara reconhece que a pessoa jurídica não go� � 177 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Alçada, 7• Turma. Apelação cível nº
d1gmdade,
reito à honra em seu aspecto subjetivo, caracterizado pela 194.101.911. Apelante: FGK, Federação Gaúcha de Karatê; apelada: Bianchi
objeti va, traduzida
decoro e auto-estima. No entanto, atribui-lhe honra Agência de Viagens Turismo ltda. Rei. Juiz Leonello Pedro Paleido, m aioria, j.
a jurídica pe-
pela reputação, pelo bom nome e pela imagem da pesso 26.4.95. Revista dos Trib1111ais, São Paulo, v. 717, p. 249-51, julho 1995.
178 Nesse sentido: cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma. Recurso Espe­
rante a sociedade. cial nº 60.033-2. Recorrente: Banco Nacional S/A; recorrido: Boergcr & Boerger
Classivideo Ltda. Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.11., j. 9.8.95. LEX -J11risp111-
173 Cf. Direito..., cit., p. 108-9. dência do Superior Trib1111al de Justiça e dos Tr ib1111ais Regionais Federais, São
174 Cf. DROBNIG. La Persomwlité ... , cit., p. 35. Paulo, n. 81, p. 228-35, maio 1996. MATO GROSSO. Tribunal de Justiça, 1ª Tur­
AL DE MONCADA.
m Entre os que sustentam esse ponto de vista figuram: CABR ma. Agravo nº 57.537-5. Agravante: Banco Real S/A; agravada: Scarpari & Evan­
Lições..., cit., p. 362, nota n 2; BARBERO.
º Sistema ..., cit., p. 18?; '.ONTES DE gelista ltda. Rei. Dcs. Atapoã da Costa Feliz, v.11., j. 24.3.98. Revista dos Tribunais,
MIRANDA. Tratado ... , V.I, cit., p. 288; CAVA LIERl FILHO , Serg10. Programa São Paulo, v. 755, p. 362-3, setembro 1998. RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justi­
de Responsabilidade Civil. 2. cd., 2• 1iragem, São Paulo: Malhei
ros, 1999, P· 85; ça, 2• Câmara. Apelação cível nº 5.943-94. Apelantes: Banco Real S/A e MFG
Jurídica. Revista dos
LENZ, Luis Alberto Thompson. Dano Moral Contra a Pessoa Comercial de Presentes ltda.; apelados: Banco Real S/A, Banco Noroeste S/A e
Tribunais, São Paulo, v. 734, p. 56-65, dez. 1996, passi m . Meridional S/A Com6rcio e Indústria. Rei. Dcs. Sérgio Cavalieri Filho, maioria, j.
116 Teoria ... , cit., p. 835. 8.11.94. Revista dos Trib1111ais, São Paulo, v. 725, p. 336-41.

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de modo que não raro tacha-se de dano moral o que, em verdade pessoa jurídica, mas pelos prejuízos materiais, quantificáveis sob as
constitui mero aborrecimento quotidiano ou mesmo o que seja reflex� fonnas de danos emergentes e lucros cessantes.
de ordem patrimonial do dano. Esse, aliás, parece ser o alerta que Gustavo Tepedino proclama
Com esta breve nota não pretendemos assumir a tarefa de con­ quase isoladamente na doutrina brasileira:
ceituar o dano moral e de demarcar seu campo de incidência, visto que "percebe-se o equívoco de se imaginar os direitos da personalidade e o
tal empreitada cm muito desborda o tema desse trabalho. Não obstan­ ressarcimento por danos morais como categorias neutras, tomadas de
te, mister se faz relembrar a clássica lição de Wilson Melo da Silva: empréstimo pela pessoa juridica para a sua tutela (tida como maximiza­
ção de seu desempenho econômico e de sua lucratividade). Ao revés, o
"os alicerces sobre que se firmam os danos morais são puramente espirituais. intérp rete deve estar atento para a diversidade de princípios e de valores
E as lesões do patrimônio ideal dizem respeito à capacidade afetiva e sensiti­ que inspiram a pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como
va, qualidades apenas inerentes aos seres vivos" [sem grifo no originaJJl79. comunidade intermediária constitucionalmente privilegiada, seja mere­
? dano moral é indcnizável porque desperta dor, pesar, angústia. cedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento
Desviando-se desse norte primordial, o aplicador da lei descura do (privilegiado) para a realização social das pessoas que, em seu âmbito
próprio fundamento do dever de reparar. Como imaginar que uma de ação, é capaz de congregar" 181•
pessoa jurídica venha a padecer daquelas agruras? Impossível. É certo que demonstrar prejuízos materiais é menos cômodo que
o contrário do que à primeira vista possa parecer, alargar os alegar a ocorrência de dano moral, mas se distintas são essas catego­
. A_
domm1os de um conceito jurídico nem sempre resulta na sua consoli­ rias de danos, não há que as confundir ou migrar de uma a outra por
dação. Basta imaginar, por exemplo, o que sucedeu à própria noção de questão de conveniência ou praticidade. Ademais, há que se advertir
culpa no campo da responsabilidade civil para mensurar-se os efeitos que soluções pragmáticas e simplistas, se vantajosamente conduzem a
nefastos de uma ampliação conceituai forçosa ou irrefletida. As t rans­ um resultado imediato, a longo prazo acabam por revelar seus malefi­
fo�ações c�nccituais são bem-vindas e retratam a evolução do Di­ cios. É o que adverte Gustavo Tepedino:
reito mas nao p�dem operar-se por meras razões utilitaristas ou por "A fórmula em apreço (da Súmula 227, STJ] pode ser explicada, pro­
.'
capricho da doutrina ou da jurisprudência. vavelmente, pela insuficiência de construções doutrinárias, no sentido
Cunha Gonçalves, por exemplo, sugere que as pessoas jurídicas de satisfazer os interesses ressarcitórios das pessoas jurídicas. Mas não
.
seJam dotada� de direito à honra "porque a injúria, a difamação, lesan­ se justifica a sua manutenção, que produz conseqüências inquietantes,
do a personalidade, pode ter reflexos patrimoniais"iso. Ora , não há que dentre as quais a fixação de critérios de valoração de danos e a gradação
se mesclar ao campo do dano mora l repercussões de índole material. do quantum ressarcitório em descompasso com a axiologia constitucio­
Freqüentemente os conceitos de honra e de dano vêm sendo nal, equiparando-se empresa e pessoa humana" 182.
.
"mstrumentalizados" para dar guarida a pretensões ressarcitórias que Ao peso desses argumentos, só resta concluir que, preservada a
�enham por base o abalo de crédito das pessoas jurídicas resultante da real estrutura do direito à honra, é ela francamente incompatível com o
ms�rição indevida perante sistemas cadastrais de infonnações. Nada substrato ontológico da pessoa jurídica: não é ele comportado pela sua
.
mais equivocado: se o crédito de detcnninada pessoa jurídica foi aba­ capacidade de direito, por não poder a pessoa jurídica sofrer ofensas a
�ado ?� s� sua �lientela e fornecedores desvaneceram-se por conta da um âmago de que simplesmente não é dotada.
mscnçao mdev1da, a indenização deve-se não por assaltos à honra da
181
A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade. ln: __. Temas de Direito
179
O Dano Miora/ e S11n Repnraçao. 3. cd., Rio de Janeiro: Forense Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 499.
180
Tratado... , cit., p. 979.
' 1983' p · 650·
182 Crise..., cit., p. XXVII.

108 109
Tendo sido alertado que a extensão propugnada pelo art. 52, Cód. conteúdo de que são dotados os direitos da personalidade autênticos.
Civ. deve ser feita com observância dos limites impostos pelo subs­ Isso sucede porque, nesses últimos, o alvo da tutela é a existência da
trato ontológico da pessoa jurídica, resta destacar um último aspecto. pessoa humana, ao passo que naqueles primeiros é a operacionalidade
Mesmo quando à pessoa jurídica se atribuírem direitos rotulados com da pessoa jurídica. O legislador, ao preservar o nome de uma pessoa
a mesma nomenclatura de certos direitos da personalidade humana, é jurídica ou seus elementos identificadores não tem em mira a indivi­
imperioso reconhecer que tais direitos distinguem-se na sua essência e dualidade como um auto-conceito, repleto de projeções transcedentais,
na finalidade para a qual tais situações foram dotadas de juridicidade. mas como um elemento distintivo capaz de orientar a clientela ou
É o que se depreende do clássico ministério de Adriano de Cupis: parceiros negociais. A reserva da intimidade da pessoa jurídica, a seu
turno, jamais poderia alcançar a projeção que tal direito assume em
"os bens objeto dos direitos da personalidade satisfazem necessidades de relação às pessoas físicas, representado em seu vértice no right to be
ordem tisica ou moral, inexistentes para as pessoas jurídicas. O princípio de
alone ou no direito ao silêncio 186• Cinge-se, contrariamente, a aspectos
que a personalidade toca a essas últimas na mesma medida em que toca às
pessoas tisicas encontra uma limitação na própria essência das pessoas jurí­ freqüentemente correlacionados à lealdade concorrencial. Extrai-se
dicas, cujo substrato natural difere profundamente daquele das pessoas tisi­ lição desse quilate em Pietro Perlingieri:
cas. Essa limitação não é suficiente para restringir a capacidade das pessoas "Se a tutela da pessoa humana afunda as suas raízes na cláusula geral pre­
jurídicas à pura esfera patrimonial [...), mas tem um valor próprio do qual, sente no art. 2 Const. e qualquer aspecto ou interesse concernente à pessoa
considerado em seus justos tennos, não se pode prescindír" 183• é tutelado na medida em que sejam essenciais ao seu pleno e livre desen­
Nessa ótica, não cabem, portanto, ministérios do seguinte teor: volvimento, é também verdade que qualquer interesse, referido às pessoas
jurídicas, não somente assume significados diferentes, mas recebe também
"Não obstante a teoria dos direitos da personalidade ter-se constmído
uma tutela que encontra um distinto fundamento. Para as pessoas jurídicas
a partir de uma concepção antropocêntrica do direito, isto é, a pessoal o recurso à cláusula geral de tutela dos 'direitos invioláveis' do homem
natural como referência, também se admite serem pessoas jurídicas constituiria uma referência totalmente injustificada, expressão de uma mis­
titulares desses mesmos direitos" [sem grifo no origina1] 184• Con­ tificante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a pessoa física é
quanto não intencionalmente, a expressão mesmos direitos conduz a sujeito que tem tutela; a pessoa jurídica é sujeito; ergo, à pessoa jurídica
equívoco, pois, como bem assinala José de Oliveira Ascensão, "é ne­ deve-se aplicar a mesma tutela. Daqui uma concepção dogmática e unitária
cessário encontrar em cada manifestação dos direitos da personalidade da subjetividade como fato neutro. O valor do sujeito pessoa tisica é, toda­
um fundamento ético que permita compreender o regime. Se uma via, diverso daquele do sujeito pessoa jurídica.
determinada relação é discutida, ainda que esteja nominalmente inte­ É necessário adquirir consciência da identidade apenas aparente de pro­
blemáticas como, por exemplo, o segredo, a privacidade e a informa­
grada num direito da personalidade, mas não tem o lastro ético neces­
ção. Estes aspectos assumem valor existencial unicamente para a pessoa
sário, já este regime se não aplica. Será possivelmente um direito humana; nas pessoas jurídicas, exprimem interesses diversos, o mais
como qualquer outro, tutelável pelos meios comuns, uma vez que não das vezes de natureza patrimonial. O sigilo industrial, o sigilo bancário,
há subjacente uma h1tela da personalidade"185• etc. podem também ser em parte garantidos pelo ordenamento, mas não
Assim, ainda que tais situações sejam, por vezes, compatíveis com base na cláusula geral da tutela da pessoa humana"187.
com o substrato ontológico das pessoas jurídicas, não se infundem do

183
I Dirilli... , cit., p. 26.
186 Cf.
ASCENSÃO. Direito... , cit., p. 124-5.
184
Cf. AMARAL. Direito... , cit., p. 254.
187
Perfis do Direito Civil [Profili Dei Dirino Civilc]. Trad. Maria Cristina de Cicco.
iss Direito... , cit., p. 99. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 157-8.

110 111
A existência dessas restrições, no campo dos direitos pessoais ou Essa, aliás, é a essência do chamado princípio do efeito útil, que
no dos direitos da personalidade, não significa, porém, que a capaci­ instruí a formação da capacidade de direito da pessoa jurídica c ordena
dade de direito das pessoas jurídicas esteja em uma relação de con­ que se lhe defiram todos os direitos necessários ou inerentes à realiza­
tém/está contido perante a capacidade das pessoas naturais. A capaci­ ção de seu objeto social, salvo aqueles proibidos em lei 189•
dade de direito das pessoas jurídicas não pode ser tomada necessaria­ Trata-se, pois, de uma limitação de caráter especial, que somente
mente como um diminutivo daquela reconhecida aos homens. Tam­ evidencia que a capacidade de direito das pessoas jurídicas definiti­
bém não é correto afirmar que todas as titularidades subjetivas das vamente tem uma vocação genérica, de modo que não podem esses
pessoas morais também seriam, por conseqüência, posições jurídicas entes morais fazer só o que a lei concede, mas também tudo o que a lei
dos indivíduos. Opostamente, "aos entes coletivos são próprias outras não lhes veda 190•
relações que não se aplicam em relação aos indivíduos, como aquelas Essa intervenção legislativa, inibidora da capacidade de gozo das
que se referem à estrutura interna corporativa"188• Ademais, direitos há pessoas jurídicas é facilmente perceptível, por exemplo, na repressão
que pressupõem uma pessoa jurídica por seu titular. É o que sucede, historicamente empreendida por outros sistemas positivos - entre eles
por exemplo, com as chamadas marcas coletivas, cujo registro é atri­ o português - à concentração dos bens de mão morta 191• Por meio das
buído exclusivamente a "pessoa jurídica representativa de coletivida­ chamadas leis de desamortização, restringia-se a acumulação de bens
de", conforme dispõe o § 2° do art. 128 da Lei nº 9.279, de 15.5.96. nas mãos de determinados entes coletivos, principalmente das pessoas
Outro exemplo significativo extrai-se da disciplina da subsidiária inte­ eclesiásticas, proibindo-se-lhes ou limitando-se-lhes por lei a sua
gral, que apenas pode ter como única acionista sociedade brasileira, e aquisição, quer a título gratuito, quer a oneroso.
não pessoas naturais (art. 251, Lei nº 6.404, de 15.12.76). Embora o direito positivo brasileiro não conheça restrições dessa
Seja como for, dúvidas não restam de que o próprio substrato estirpe à capacidade aquisitiva das corporações eclesiásticas, não dei­
ontológico das pessoas jurídicas atua como fator de delimitação de sua xa ele de consignar dispositivos legais em que se podem igualmente
capacidade, diferenciando-a daquela reconhecida às pessoas naturais, vislumbrar limitações ao gozo de direitos por parte das pessoas jurídi­
seja por restringi-la ou por incrementá-la com direitos não atinentes ao cas. É o que se percebe, v.g., do teor do § 2° do art. 11, do Decreto-lei
homem. nº 4.657, de 4.9.42 - Lei de Introdução ao Código Civil - ao precei­
tuar que, salvo a exceção estampada no § 3° desse mesmo artigo, "os
5.2.2 Limitações legais à capacidade governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer nature­
de direito das pessoas jurídicas za, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções
públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis· ou suscetíveis
Além das restrições advindas da própria essência da pessoa jurí­
de desapropriação". Assim sendo, conforme já visto, conquanto a
dica, outras há que resultam de imposição legal. Estas últimas restrin­
gem justamente o gozo de direitos que ordinariamente seriam atribuí­
dos às pessoas jurídicas, por lhes serem estruturalmente compatíveis, 189 Cf. ANGEL YAGÜEZ, Ricardo de. lntroducción ai Estudio dei Derecho. 5. ed.,
não fosse a proibição da lei. Assim, não obstante o próprio substrato Bilbao: Universidad de Deusto, 1988, p. 262-3.
das pessoas autorize a aquisição desses direitos, o legislador julga
19
º Cf. FERRARA. Teoria... , cit., p. 847-8.
191
Tal denominação era aposta a esses bens, pois eles, uma vez incorporados ao pa­
inconveniente tal atribuição e a interdiz. trimônio das igrejas, corporações religiosas, paróquias, misericórdias, hospitais,
irmandades, confrarias, etc., permaneciam como que mortos para a economia so­
cial, pois, além de não sofrerem tributação, eram subtraídos ao giro comercial,
188 FERRARA. Teoria... , cit., p. 829. dado que se tomavam inalienáveis.

112 113
natureza das pessoas jurídicas permita que elas sejam proprietárias de nº 6.015/73, que utilizou igualmente a expressão fins em seu art. 120,
bens imóveis, por motivos de segurança, houve por bem o legislador 1. Não obstante a diversidade léxica, o fato é que nas duas hipóteses
tomar defesa essa prerrogativa aos governos estrangeiros e às demais fins equivale a objeto. Designa, portanto, a empresa em que atue a
organizações mencionadas naquele artigo. Nesse exemplo, configura­ associação ou a fundação. Caso se houvesse empregado, naqueles
se, portanto, situação em que claramente se verifica a imposição de dispositivos legais, o termo objeto aos invés de fins, ter-se-ia a mesma
limites legais à capacidade de direito das pessoas jurídicas. Outros, exigência legal, devendo a associação e a fundação declinar simples­
sem dúvida, podem ser recolhidos da análise do direito positivo. mente a atividade que têm por escopo empreender. Assim, na associa­
ção, objeto social será o escopo filantrópico ou beneficente para o qual
5.2.3 O objeto social como fator de limitação aquele ente foi constituído; na fundação, será a destinação que lhe foi
da capacidade de direito das pessoas jurídicas conferida pelo próprio instituidor 192 .
O objeto social representa um ponto para o qual convergem e se
Para que se possa precisar se o objeto social efetivamente atua
dirigem, direta ou indiretamente, os esforços empreendidos ao longo
como fator de delimitação da capacidade jurídica dos entes coletivos,
da existência das pessoas jurídicas. Sob essa perspectiva, o objeto
primeiramente é necessário averiguar o que de fato se compreende por
social distingue a pessoa jurídica da pessoa natural, pois enquanto esta
esta noção e verificar se todas as espécies de pessoas jurídicas de di­
última pode dirigir-se à generalidade de fins possíveis, aquela se des­
reito privado dela são dotadas.
tina à realização de um escopo determinado 193•
Costumeiramente, a doutrina define o objeto social como sendo o
Constituindo, pois, elemento norteador e balizador das ações da
ramo da atividade humana a que se dedique determinada pessoa jurí­
pessoa jurídica, torna-se imprescindível que esse objeto esteja firmado
dica. É a interpretação que se depreende, por exemplo, da forma como
de forma precisa e clara em seus atos constitutivos. Essa, aliás, já era a
é empregado o termo objeto ao longo de toda a redação do art. 2° da
preocupação revelada no art. 302, 4, Cód. Com. de 1850 que exigia
Lei nº 6.404, de 15.12.76. Neste dispositivo legal, afirma-se que a
que da escritura pública ou do instmmento particular de constituição
companhia pode ter por objeto "qualquer empresa de fim lucrativo" ou
das sociedades comerciais constasse a "designação específica do ob­
mesmo a participação em outras sociedades.
jeto da sociedade". A mesma advertência também pode ser vislumbra­
Compreendido, pois, como a atividade para a qual a pessoa jurí­
da no corpo do já citado art. 2°, da Lei nº 6.404/76.
dica foi constituída, tem-se que o objeto social, embora habitualmente
A definição do objeto não impõe, contudo, a sua unicidade. A
estudado apenas no âmbito das sociedades simples e empresárias,
pessoa jurídica poderá explorar mais de um objeto ou mesmo vários,
constitui uma noção atinente também às demais pessoas jurídicas.
que guardem entre si conexidade ou que sejam até tl)esmo indcpen-
É verdade que o Código Civil e a Lei de Registros Públicos - Lei
nº 6.015, de 31.12.73 - não se reportam expressamente ao vocábulo
objeto quando se referem às sociedades e às associações. Tal circuns­
tância, contudo, não significa que esses entes sejam privados de obje­ 19 2 Apesar de as fundações também serem dotadas de objeto, não seria de boa técnica
to. Na verdade, a noção lhes é igualmente aplicável, mas encontra-se chamá-lo, nesta hipótese, de social. Embora seja essa a designação tradicional, for­
abrigada sob a designação de fins. Assim, por exemplo, o Código Ci­ ça é reconhecer que ela se adequa apenas às pessoas jurídicas que pressuponham a
pluralidade de associados como elemento constitutivo, como sucede nas associa­
vil, ao dispor sobre o registro das pessoas jurídicas, não exige que ne­ ções, nas sociedades, nos sindicatos e nos partidos políticos. Sendo essa caracterís­
le conste o objeto das associações e das fundações, mas sim os seus tica alheia à estrutura das fundações, mas possuindo elas igualmente objeto, prefe­
f ins (ait. 46, I, Cód. Civ.). Dessa maneira também procedeu a Lei rível seria não lhe apor qualquer ad jetivação.
193 Cf. A SCENSÃO. Direito... , cit., p. 265.

114 115
dentest94. Nessa hipótese, deverão eles estar todos discriminados nos Para demonstrar essa duplicidade de sentidos, o autor colaciona
atos constitutivos da pessoa jurídica, conforme o mandamento legal. dois julgados em que se permitiu a dissolução de sociedades pelo não
Estreitamente relacionada ao objeto social encontra-se a teoria cumprimento de seus fins. No primeiro caso, a dissolução foi ordenada
ultra vires societatis de origem anglo-saxônica. Segundo esta teoria, a por não ter a sociedade distribuído dividendos aos acionistas, relacio­
sociedade existiria apenas para a realização dos atos que efetivamente nando-se, nesta hipótese, a expressão fim ao conceito de lucro. No
conduzam à realização do objeto social. segundo, dissolveu-se sociedade que, não obstante apresentasse lucros
Objeto e capacidade estariam, sob essa ótica, intimamente liga­ e efetivasse a distribuição de dividendos, passou a dedicar-se a ramo
dos, de modo que, estipulado o primeiro, atuaria ele como fator de de atividade outro que não o estipulado em seus atos constitutivos.
delimitação da segunda. A capacidade, destarte, teria por conteúdo Sob essa ótica, portanto, objeto social de uma sociedade comercial
exclusivo aqueles atos que, compatíveis com o substrato ontológico que explore, por exemplo, a venda de automóveis, será tanto a própria
das pessoas jurídicas e a elas permitidos por lei, fossem ainda afeitos interposição praticada na circulação daqueles bens móveis (atividade),
ao objeto social. Na concepção primeva dessa teoria, essa correlação quanto o fito de lucro que se subentende naquela empresa (fim). O
seria de tal monta que nem mesmo à assembléia geral seria dado rati­ termo objeto seria, pois, ambivalente, designando a atividade e o fim
ficar um vínculo jurídico constituído em transcendência ao objeto da pessoa jurídica.
social 195. Sob essa perspectiva, ultra vires seria o negócio que escapasse ao
Ultra vires seria, portanto, o ato praticado pelo administrador que âmbito da atividade e ao fim da pessoa jurídica. E, segundo a formula­
se afastasse da destinação essencial da pessoa jurídica, ao passo que ção originária da ultra vires doctrine, a desobediência àqueles limites
intra vires seria o ato que se mantivesse, mediata ou imediatamente, redundaria na nulidade do ato. A gravidade da sanção imposta deriva­
dentro daquele limite. ria do fato de que o objeto social consiste não em uma causa superve­
Contudo, para que se conheça o real alcance da teoria, é impor­ niente de incapacidade de gozo, mas em um fator que delimita a priori
tante observar que modernamente doutrina e jurisprudência vêm re­ o conteúdo da capacidade de direito da pessoa jurídica, de modo que a
formulando o conceito de objeto social, imprimindo-lhe um sentido esta última não seria possível, por falta de capacidade, envolver-se em
mais amplo. negócios estranhos ao seu objeto social.Posteriormente, contudo, o
Osmar Brina Corrêa Lima ensina que, em verdade, o objeto da rigor da teoria ultra vires foi abrandado, passando-se a considerar o
sociedade é sua atividade-fim, de modo que ele encerraria em si não ato exorbitante meramente inoponível à pessoa jurídica, podendo o
só a idéia da empresa explorada pela pessoa jurídica, mas também a de terceiro prejudicado, contudo, demandar o administrador pelo cum­
finalidade, lucrativa ou não, para a qual a pessoa foi constituída 196• primento da obrigação avençada.
De acordo com a teoria, representando uma meta a ser atingida, o
194 Cf. MIRANDA VALVERDE, Trajano de. Sociedades por Ações. V. 1, 3. cd., Rio
objeto social, ao ser fixado, conduz reflexamente à determinação dos
de Janeiro: Forense, 1959, p. 79.
195 Posteriormente, o extremismo da concepção originária foi sendo paulatinamente poderes concedidos aos administradores na sua consecução.
abrandado por construções doutrinárias, que, preocupadas com a manutenção e
preservação do negócio jurídico firmado, passaram a aceitar a validação do ato ul­
tra vires, desde que esta se mostrasse vantajosa para a sociedade. Cf. GOWER. amplitude à noção de objeto em "Apontamentos Sobre a Teoria 'Ultra Vires' no
Gower's Principies of Modem Company Law. 4. ed., London: Stevens & Sons, Direito Societário Brasileiro". Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 305, jan./mar.
1979,p.164-5. 1989, p. 23-4. LAMARTTNE CORRÊA DE OLIVEIRA, embora não se pronuncie
196 Cf.
Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade Anónima. Rio de abertamente nesse sentido, parace agasalhar essa concepção. Cf. A Du pla... , cit.,
Janeiro: Aide, 1989, p. 58-60. Também CELSO BARBI FILHO concede idêntica p. 252.

116 117
ontrato ,
o objeto social, como se viu, uma vez estampado noas csubsta n­
garant), de modo que seu arro lamento nos a tos constitutivos da pessoa
nos estatutos ou nos atos constitutivos, não suscita dúvid jurídica mostrava-se inteiramente dispensável. Sendo assim, aos ad­
e co� a
ciais quanto à sua extensão. O mesmo, porém, não s�1ce? ministradores permitia-se a prática regular de to dos os atos que explí­
recisar
questão que ora se traz a lume: na. prática? torna-se drftc1l � cita ou implicitamente foss em relacionados ao objeto so cial, sendo­
n ontram -sc mserto s
quais atos, pela sua afinidade .ª� obJcto social, � � lhes vedada, por outro lado, a de negócios que aí não est ivessem com­
p r seu
na competência afe ta aos admm1stradores e qu�1s, JUstament� � preendidos.
alheamento àquele objeto, não possam ser realizados pelos orgaos da Por sua configuração, percebe-se que a ultra vires doctrine é
pessoa jurídica. . . francamente partidária dos inter esses dos associados, a quem a nulida­
Essa, sem dúvida, consistiu numa das mai ores dificuldades sus- de ou inoponibilidade do negócio firmado além dos limites do objeto
citadas pelo surgimento da teoria ultra vires. A propósito, Fábio Ulhoa social certamente viria a beneficiar t9s. Não cuida, portan t o, a teoria
Coelho relata que tamanha era a insegurança entre os contratantes, que dos interesses de terceiros que porventura venham a contratar com
ninguém mais corria o risco de contratar com as sociedad�s inglesas administradores que ex trapolem os poderes que lhe foram atribuídos,
sem que o negócio a realizar estivesse indiscutivelmente mserto. no ao argumento de que aqueles poderiam, através de breve análise dos
âmbito do objeto so cial. Por força dessa situação, e, como o obJ eto atos co nsti tutivo s da pessoa jurídica, conhecer os limites a que os
social, até 1948, era inalterável no Direito inglês, os atos constitutivos gesto res estariam adstritos no exercício d e sua função.
das sociedades passaram, para garantia dos contratantes, a ostentar Tal situação rendeu à teoria inúmeras críticas. Muitos entenderam
uma lista imensa e variada de atividades econômicas, às quais esses como injusta a proteção conferida aos interesses dos associados em de­
entes poderiam dedicar-s e197 • trimento de terceiros, pois aqueles, e não estes, deveriam arcar co m as
O fato , contudo, é que nem mesmo as mais extensas enumera- conseqüências da eleição do mau administrador. Mais razoável seria im­
ções conseguiam fazer frente às multivariadas e impensadas situaç_õcs putar as conseqüências danosas do ato ultra vires sobre os ombros da­
que a prática propunha à pessoa jurídica na realização de seu obJ eto queles que, por sua escolha, de certa forma colaboraram para o advento
social. Diante dessa perplexidade e, com vistas a desvencilhar a p es­ do dano, do que sobre terceiros que tenham confiado nas declarações
soa jurídica das amarras contidas cm seus próprios �tos constituti_v�s, feitas pelo administrador ou na imagem externa da empresa.
passou-se a conceber que o rol de atividades pennit1das aos admm1s­ A teoria foi, ainda, contestada pelo fato de basear-se em n oção
tradores, por maior qu e fosse sua amplitude, possuía caráter mera- muito definida e pr ecisa de objeto social que nem sempre corresponde
men te enunciativo. à realidade dos fatos. Com efeito, nã o raro as sociedades têm necessi­
Com base nessa assertiva, percebeu-se que vários atos, ainda que dade de expandir suas atividades, diversificando seu ramo d e atuaçã o.
não expressamente catalogados nos estatutos ou no c ontrato social, Tal circunstância é também agravada pelo fato de que a existência dos
poderiam, não obstante, ser considerados intra vires, já que revelavam grandes grupos econômicos de certa forma contribui para tomar ainda
estreita conexão com o objeto social. Por sua na tureza, tais atos seriam mais nebulosa a determinação do obj eto social perante te rceiros que
i mp lícitos ao objeto social (implied in ; auxilia1y to the orig inal nem sempre, no ritmo frenético do mundo nego cial, podem averiguar
com segurança a pertinência ou não de determinado ato às finalidades
da pessoa jurídica.
197 Cf. COELHO. Curso... , cit., p. 430; GOWER. Gower 's Principies ... , cit., p. 166.
Gower assevera, a respeito, que a medida, paradoxalmente, prejudicou, de certa
198 Cf. BALLANTINE, Henry Winthrop. 011 Co1poratio11s. Chicago: Callaghan,
forma, aos próprios acionistas, que viram sensivelmente reduzido seu poder de
controle sobre o capital da companhia e sobre a atividade dos administradores. 1927, p. 234; 290.

118 119
Ademais , condenou-se a teoria por ser ela invocada não propria­ ção aos limites do objeto social como causa de inoponibilidade do
mente na quotidiana defesa do objeto social, mas apenas episodica­ negócio firmado pelo administrador. A sociedade apenas não se res­
mente, quando assim convinha aos associados : ora acei a�a-sc a r�ti­ ponsabilizará pelos atos abusivos do administrador se provar que o
. � �
ca abusiva por parte do administrador se assim fosse utll aos soc1os, terceiro sabia que o ato ultrapassava o âmbito do objeto social ou de­
mantendo-se, portanto, o negócio; ora restava ele desfeito pela alega­ veria sabê-lo em virtude de circunstâncias outras que não a publicação
ção do desvio praticado, fato que no mais das vezes ocorria quando o dos estatutos 200.
negócio não conviesse ao quadro social. O principe de specialité, todavia, continua a vigorar plenamente
Tais críticas, com o passar do tempo, avolumaram-se e acabaram no que concerne às figuras societárias em que não exista a limitação
por diminuir acentuadamente o prestígio da teoria mesmo em seu ber­ de responsabilidade pelas dívidas sociais em favor dos sócios, de mo­
ço original. Antes mesmo da adequação do direito inglês à Diretiva do que, nesta última hipótese, apenas o dirigente que excedeu o objeto
68/15 l, de 9.3.68, o art. 9° da European Communities Bill de 1971 social responderá perante terceiros pelo negócio entabulado2º1 •
abrandou o rigor da formulação originária da teoria dos atos ultra Percebe-se, pois, que a teoria encontra-se em derrocada, visto
vires, ao admitir que os negócios concluídos além do objeto social que sua utilização vem-se tomando cada vez mais esparsa e excepcio­
seriam abarcados pela capacidade da companhia se o terceiro que com nal2º2. Ademais, mesmo nos ordenamentos jurídicos cm que ela é ex­
ela contratou estivesse de boa-fé. A derrocada final da teoria sobre­ pressamente adotada, percebe-se que sua configuração em muito se
veio, todavia, por alterações efetuadas pela Companies Act de novem­ distancia do rigor e da generalidade com que foi originariamente pro­
bro de 1989 ao art. 35 da Companies Act de 1985. Pela nova redação, posta.
a validade dos atos em que a sociedade interviesse não seria afetada E quanto ao Direito brasileiro? Teria ele recepcionado a doutrina
por lhe faltar de capacidade, a despeito da configuração que tomasse dos atos ultra vires?
seu objeto social. Caio Mário da Silva Pereira, ao que parece, defende o objeto so­
Em relação aos Estados Unidos, Fábio Ulhoa Coelho informa cial como cláusula limitativa da capacidade de direito das pessoas
que a teoria "hoje, é lembrada, basicamente, na responsabilização � e jurídicas. Confrontando a capacidade da pessoa natural à da pessoa
administrador por ato de liberalidade praticado à custa da companhia jurídica, o eminente civilista proclama-as distintas, ao fundamento de
. . .
[...], senão como assunto de mera cunos1'd ade 1 11stonca
' »199. que "a pessoa jurídica deve ter sua capacidade limitada à órbita de sua
No âmbito do Direito francês, limitações à capacidade de direito atividade própria, ficando-lhe interdito atuar fora do campo de seus
como as oriundas da aplicação da teoria dos atos ultra vires redundam fins específicos. É a isto que se chama de princípio da especia/izaçcio,
do chamado principe de specialité. imposto em virtude da própria natureza da personalidade mora)" 2 03_
Esse princípio, contudo, foi substancialmente abrandado. Desde a
ordenança de 20 de dezembro de 1969, que visava a harmonizar o
Direito francês às soluções do art. 9.1. da Diretiva européia nº 68/151 20° Cf. CI-IAPUT, Yves. L'Inopposabilíté à la Société de la Vente d'un Fonds
· de 9.3.68, o objeto social não mais limita os poderes dos administra­ Statutaire par un Gérant de SARL. Revue des Sociétés, Paris, n. 2, avr./juin 1988,
dores nos tipos societários que ofereçam limitação de responsabilidade p. 268.
aos seus sócios. Logo, em sendo limitada a responsabilidade dos só­ 261 Cf. JEJ\NTTN, Michel. Droit des Societés. 2. ed., Paris: Montehrestien, 1992, p.
cios pelas dívidas sociais, toma-se impossível invocar a insubordina- 135-8.
202 Cf. SOLOMON, Lewis et alii. Corporations - law mui Police. 4. ed., St. Paul:
West Group, 1998, p. 93.
t99 Curso... , eit., p. 431. 203 Instituições ... , V. 1, cit., p. 196.

120 121
Assim também se expressa S. Soares de Faria: Doutrinadores há, contudo, que adotam solução diametralmente
u que lhe oposta, aceitando a responsabilidade da pessoa jurídica por todos os
"Qualquer negócio que se não refira ao objeto especificado, �
a, constitui transação estranha e por ela nao respon- atos praticados por seus dirigentes, ainda que eles estejam cm desa­
contrarie a naturez
cordo com o objeto social, ressalvando-se somente a hipótese de má­
derá a sociedade.
Desde, porém, que a firma seja empregada em negócios que, direta- fé por parte do terceiro.
mente ou indiretamente, se incluem no fim a que se destina a sociedade Celso Barbi Filho considera, em princípio, a pessoa jurídica res­
e para a qual se organizou, desaparece a restrição da regra. . . ponsável pelos atos ultra vires que seus dirigentes venham a praticar.
O objeto da sociedade, devidamente especificado, no contrato social, e Conforme o professor mineiro, essa solução se justificaria pelo fato de
o critério decisivo para a detenninação da responsabilidade, como o é que "embora o estatuto social devidamente registrado tenha presunção
204•
também para marcar o raio de ação dos administradores" de publicidade, a dinâmica da vida comercial não permite que, a todo
Segundo o entendimento de S. Soares de Faria, esta solução há momento, o empresário esteja examinando os estatutos elas empresas
muito figurava expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, pois com as quais contrata, para verificar se está ou não havendo exorbi­
no art. 316, primeira parte, do Cód. Com. de 1850 se consignava que a tância de poderes por parte dos aclministradores"2º9. A solução seria,
sociedade não ficava obrigada nos "casos em que a firma social [fos­ assim, um tributo à confiança depositada no administrador por aquele
se] empregada em transações estranhas aos negócios designados no que com ele negociou, de modo que não seria dado ao terceiro de má­
contrato", ainda que o uso da finna tenha-se dado por pessoa habilita­ fé a possibilidade de postular a subsistência do negócio celebrado em
da a tanto. Ademais, conforme ensina este doutrinador, a adoção da desrespeito aos limites do objeto social ou a certas proibições estatutá­
teoria ultra vires no direito brasileiro também restaria evidenciada rias.
pelo teor do art. 331 do Cód. Com. de 1850, que exigia, para a assun­ J. Lamartine Corrêa de Oliveira também não concebe o objeto
ção de "operações diversas das convencionadas no contrato" o con­ social como delimitador da capacidade de direito das pessoas jurídi­
sentimento unânime de todos os sócios. Portanto, se nas sociedades de cas. Depois de analisar o sistema dos atos ultra vires do Direito anglo­
pessoas não é dado à maioria dos sócios alterar o objeto social, muito saxão e o princípio da especialidade no Direito francês, proclamava
205 inexistir, à época de edição de sua obra, qualquer previsão legal que se
menos pode fazê-lo o gerente através de sua atuação .
Alfredo Russell perfilha idêntico posicionamento, ressalvando, assemelhasse àqueles institutos no ordenamento jurídico pátrio.
contudo, que, em certas hipóteses, não obstante o desvio do objeto De acordo com J. Lamartine Corrêa de Oliveira, entre nós não
social pelo gerente, poderá a sociedade ver-se obrigada a responder caberia a aplicação nem da especialidade legal nem ela estatutária2 10 •
· ' · • · 206
pelos atos abusivos, se os soc10s a e1 es t'1verem dado sua anuene 1 a . A especialidade legal corresponderia à existência, no sistema legal
Ce1nm, ainda, fileira junto a essa corrente, outros eminentes juris­ francês, de figuras associativas típicas, rigorosamente distintas uma
208 das outras. A especialidade estatutária, a seu turno, designaria a limi­
tas, como Trajano de Miranda Valverde207 e João Eunápio Borges .
tação ela atuação da pessoa jurídica de acordo com o objeto de tais
atividades, apontado nos estatutos ou no contrato social.
204 Do Abuso d(l R(lzão Social. São Paulo: Saraiva, 1933, p. 226. A primeira restaria afastada pela ausência de fronteiras rigorosas
ios Cf. Do Abuso... , eit., p. 227. entre as associações e as sociedades, circunstância que, por si só, evi-
206 Cf. Curso de Direito Comercial Brasileiro. V. 1, 2. cd., Rio de Janeiro: Jaeintho
Ribeiro dos Santos, 1928, p. 273.
207 Cf. Sociedades... , cit., p. 79. 209 Apontamentos..., cit., p. 26.
208 Cf. Do Aval. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 55. 21º Cf. A Dupla..., cit., p. 184-6.

122 123
confusão entre uma pessoa No que concerne ao afastamento da chamada especialidade legal,
taria a fraude em matéria de registro, pela

A especialidade, em sua modalidade estatutana,


não há dúvidas de que assiste razão ao jurista paranacnse: entre nós, a
jurídica e outra .
211
. . . tambem . nao _ en- caracterização de um tipo personificado decorre muito mais de sua
_
ndo o autor, visto efetiva atuação do que de sua inscrição neste ou naquele registro. As­
contraria guarida no sistema jurídico brasileiro segu sim, uma sociedade pode ter transmudada sua natureza .de simples a
ssem a capacidade
que restrições estatutárias ou contratuais que limita empresária pelo grau de organização que sua atividade venha a atingir
eficácia de deter­
de direito ou estabelecessem requisitos adicionais à (art. 966, parágrafo único, Cód. Civ.).
seriam inopo­
minados atos jurídicos, embora válidas entre os sócios,
Oliveira confere ao tema da especialidade estatutária. Ao analisar a possi­
mente do fato Não prima pela acerto, porém, a solução que J. Lamartine Corrêa de
niveis a terceiros. Essa inoponibilidadc resultaria direta
, tocando a de­
de que a ninguém é dado limitar a própria capacidade bilidade de limitação da capacidade de direito cm razão do objeto social, 0
terminação desta somente à lei .
212
s. autor o faz sob o ângulo das limitações contratuais aos poderes do admi­
Não colhem, porém, os argumentos apresentados pelos dois jurista
Barbi Filho , é fato nistrador, matéria que difere substancialmente do tema ora cm análise.
Primeiramente, relembrando a lição de Celso
confundem, referindo-se a teoria dos atos ultra vires somente às cir­
empre­ Como bem adverte Rubens Requião, as duas situações não se
que as negociações no âmbito empresarial são ordinariamente
cunstâncias em que ocorre o abuso do objeto social 21 3.: quando a mal­
cada vez
endidas em massa e a um ritmo que, na atualidade, torna-se
e do empre go dos mo­
mais ágil e frenético, principalmente em virtud
não há, pois, que se falar em atos ulira vires, mas sim em abuso da
versação reside no desrespeito a cláusulas estatutárias ou contratuais,
dernos meios de telecomunicações.
razão social. Se distintos, pois, os estatutos de cada uma dessas situa­
dos
É certo que a presunção de publicidade que deflui do registro
rapide z com que se
atos constitutivos revela-se frágil e utópica diante da
o razoá­ ções, não há como confundi-los, como parece tê-lo feito J. Lamartine
desenvolvem as atividades no mundo moderno. Não seria mesm
s como Corrêa de Oliveira.
vel exigir-se a apresentação e conferência dos atos constitutivo
Toma -se ainda O objeto social, enquanto razão última da existência da pessoa
providência preliminar a toda e qualquer contratação.
il
e sem­ moral, não pode ser tomado por restrições contratuais impostas pelos
menos palpável essa exigência se nos vem à mente a possibilidad
próprios sócios com o fito de precaver a prática de atos indesejados
pre constante de modificação de estatutos e de contratos sociais.
por parte do administrador. O alcance dessas duas situações é dife­
Não pode, contudo, a célere marcha negocial servir de pretexto
tação. rente, de modo que diferente deve ser o tratamento jurídico a ambas
ou incentivo à falta de um mínimo de diligência no ato de contra
retação razoáv el entre as precau ­ dispensado, como, aliás, de fato acontece.
Para que se possa fazer uma interp
que travar á relaçõ es Enquanto as restrições estatutárias ou contratuais visam direta­
ções e cuidados de que pode ou não prescindir aquele
ministrador, o objeto social apenas reflexamente possui essa função.
ão mente a disciplinar o desempenho da função de órgão cometida ao ad­
com uma pessoa jurídica, é de vital importância que se faça uma distinç
advind as do objeto social e das
entre a substância e efeitos das limitações
O escopo primordial do objeto social é estampar a meta a ser atinoida
restrições contratual ou estatutariamente impostas pelos próprios sócios
aos poderes dos dirigentes. E é justamente nesse ponto em que J. Lamar
­ � finalida
. .
de para a qual se constituiu a pessoa jurídica, o idea(qu;
1mpehu diversas pessoas a agregar recursos e esforços próprios.
tine Corrêa de Oliveira equivoca-se na análise do tema.
Destarte, o ato que fere o objeto social é muito mais contundente
do que aquele que afronta restrições estatutárias ou contratuais. Se o

211 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 257. 213 Cf. Curso de Direito Comercial. V. 2, 17. cd., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 186.
212 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 253-6.

124 125
objeto social é desrespeitado e, ainda que em atenção à boa-fé do co­ contudo, que se observar que de certa forma os terceiros pagam o pre­
contratante, admite-se seja o ato imputado à pessoa jurídica, como ço pela própria incúria: deles não se exigiu uma análise minuciosa e
propi.tgnam Celso Barbi Filho e J. Lamartine Con-êa de Oliveira, não detalhada dos poderes conferidos aos administradores pelos estatutos
há como se negar que houve o acolhimento de uma mudança de objeto ou contratos sociais, mas sim o conhecimento ao menos de qual seja a
social, que, espantosamente, operou-se à revelia de todos aqueles que finalidade precípua do ente jurídico com o qual negociam.
não exerçam a direção da pessoa jurídica. Gower, a propósito, hiper­ Para afastar-se essa necessidade, mais uma vez se poderia trazer
bólica e ironicamente, assevera que a regra ultra vires foi salutar na à baila a celeridade das relações negociais, mas, como já afirmado,
medida em que, a par de cumprir outros objetivos, prevenia que o esse argumento não pode suprir o dever de diligência com que devem
investidor de uma companhia de mineração viesse, por fim, a titulari­ postar-se as partes no ato da contratação e, muito menos, os limites da
zar ações de uma lanchonete de peixes fritos 214• capacidade de direito da pessoa jurídica impostos por seu objeto.
Embora extremado, o exemplo engendrado por Gower serve para Ademais, a averiguação de qual seja o objeto social de uma pes­
evidenciar os absurdos a que se poderia chegar pela oponibilidade soa jurídica não consiste em tarefa das mais árduas, caso se tome em
indiscriminada dos atos ultra vires à pessoa jurídica: basta pensar nos conta que os tipos societários mais amplamente utilizados - socieda­
tipos societários em que há grande dispersão do capital social para se des anônimas, sociedades cooperativas e sociedades limitadas - ne­
concluir que a hipótese não é de todo infactível... cessariamente devem adotar por nome empresarial uma denominação
Como bem relembra Waldírio Bulgarelli, seria um absurdo ad­ social ou ao menos têm a faculdade de o fazê-lo, como sucede na hi­
mitir a alteração estatutária ou contratual pela atuação do dirigente da pótese da última espécie societária citada. É verdade que as cooperati­
pessoa jurídica, se a lei viabiliza meios regulares para tanto e que não vas não necessariamente devem fazer constar o seu objeto em sua
demandam a unanimidade no caso das sociedades limitadas, para sua denominação social (art. 1.159, Cód. Civ. ), mas comumentc o fazem
efetivação 215 • Em não sendo aceita a modificação do objeto social pelo para efeito de sua melhor identificação no meio negocial. A menção
associado, sempre lhe seria possível retirar-se da sociedade. Se essa ao objeto social em meio à denominação social é obrigatória, todavia,
proteção ao seu interesse não é das mais lapidares, certamente é mais para as sociedades limitadas (ai1. 1.158, § 2°, Cód. Civ.) e para as
desejável do que a submissão involuntária aos atos ultra vires pratica­ sociedades por ações (a11. 1.160, caput e 1.161, Cód. Civ.).
dos pelos administradores da pessoa jurídica. Não há, pois, como se Uma vez inserto o objeto na denominação social, há que se ter
comparar a eficácia protetiva oriunda do direito de retirada ao mero cm mente que a denominação, enquanto modalidade de nome empre­
direito de regresso que seria deferido à sociedade contra-o administra­ sarial, deve obedecer ao princípio da veracidade na sua composição
dor faltoso na hipótese de responsabilização da pessoa jurídica. (art. 34, Lei nº 8.934, de 18.11.1994). Isto equivale a dizer que as in­
Contra essa concepção, poder-se-ia talvez alegar que a teoria dos dicações concernentes ao objeto social que·por ventura �u por força de
atos ultra vires, ao velar pelos interesses dos sócios, reflexamente dei­ lei estejam insertas na denominação devem necessariamente corres­
xa a descoberto terceiros que venham a negociar com a sociedade. Há, ponder à real atividade explorada por aquela sociedade, de modo que,
através do próprio nome da sociedade, podem os terceiros inteirar-se
214 Cf. Gower's Principies... , cit., p. 165. do ramo de atividade explorado.
215 Cf. A Teoria Ultra Vires Societatis Perante a Lei das Sociedades por Ações. Re­ Se o nome empresarial não declina o objeto, ainda assim pode o
vista Forense, Rio de Janeiro, n. 27 3 , jan./mar. 1981, p. 75. CUNHA GONÇAL­ terceiro recorrer aos atos constitutivos arquivados perante o Registro
VES relembra com acerto que enquanto associações e sociedades podem alterar os Civil das Pessoas Jurídicas ou perante o Registro Público das Empre­
seus estatutos e ampliar seus fins, o mesmo não se dá em relação às fundações, em
sas Mercantis e de Atividades Afins. Se a consulta não pôde ser feita,
que o princípio da especialidade é imutável. Cf. Tratado... , cit., p. 993 .

126 127
porque acarretaria, talvez, a perda do negócio oportuno, é natural que coletivas seria grandemente afetado, porque, em geral, não é possível
0 terceiro assuma os riscos dessa atitude: não raro a boa oportunidade verificar a quem o ato concerne realmentc"2 19•
importa também urna boa dose de risco. Seria realmente uma exigência absurda submeter o terceiro que
O tema, assim posto, revela sua agudeza: não seria também in­ contratasse com uma pessoa jurídica à averiguação não só de dados
justo compelir a sociedade a responder por atos que atentem contra objetivos, como o âmbito do objeto social, como também de subjeti­
seu objeto social, se o outro contratante, por motivos de sua conve­ vos, como as reais intenções do dirigente cm relação ao negócio. Com
niência, agiu sem a devida cautela? Por que o ônus desse comporta­ vistas, portanto, a oferecer ao terceiro de boa-fé certas garantias, a lei
mento afoito ou irrefletido deve ser suportado pelos ombros dos só­ presume como celebrados no interesse da sociedade todos os negócios
cios? Será justo que o preço da celeridade negocial, desejada pelo co­ que se ativcrem ao raio de ação do objeto social.
contratante, há de imputar-se à sociedade e, reflexamente, aos sócios? Se a pessoa jurídica por justas razões não resta obrigada pelos
Cabe, ainda, ressaltar que não é inteiramente verdade que a ado­ atos ultra vires praticados pelos dirigentes, por não menos equânimcs
ção da teoria dos atos ultra vires sempre venha a beneficio dos asso­ motivos deve ela responder pelos negócios intra vires firmados pelo
ciados. Desde há muito, Gowcr fez notar que a aplicação do critério administrador, ainda que não lhe beneficiem. Diante do exposto, não
beneficia também aos próprios credores da pessoa jurídica, que resta­ há que se entender o objeto social como um escudo que proteja exclu­
riam garantidos pela vinculação dos fundos sociais exclusivamente a sivamente os associados, visto que por vezes ele também resguarda os
atividades comportáveis no objeto social216 • Também a hipótese de interesses de terceiros de boa-fé.
uso indevido da razão social é útil para esclarecer corno a constrnção Equivoca-se, ainda, quem tenta invocar, de maneira irrestrita, a
pode favorecer a terceiros. teoria da aparência neste terreno, pois a questão aqui posta não versa
Dá-se uso indevido da razão social quando o administrador enta­ sobre a determinação da responsabilidade pelos atos praticados pelo
bula negócio intra vires com terceiro em nome da sociedade, mas para administrador em desacordo ao objeto social, mas sobre a insubsistên­
proveito próprio ou alheio217• Nessa hipótese, embora a pessoa jurídica cia desses atos perante à pessoa jurídica, face a restrição que desde sua
não tenha auferido qualquer beneficio por meio do ato do administra­ gênese ela trazia em sua capacidade.
dor, deverá suportar-lhe as conseqüências. Tal solução se justifica, É certo, porém, que modernamente se firma tendência de expan­
porque o administrador, contratando dentro dos limites que lhe são são das atividades empresariais. Uma pessoa jurídica explora não um
assinados pelo escopo social, age em nome e para a socicdade218, pois, objeto social apenas, mas vários, que nem sempre guardam uma cone­
"se com todos esses requisitos que o fazem acreditar um negócio para xão muito estreita entre si, de modo que por vezes é dificil a terceiros
a sociedade, pudesse ser posto em dúvida, o crédito das sociedades determinar o campo de atuação daquele ente jurídico. O.casiões há,
ainda, em que o ato considerado cm si mesmo pode não ser acoberta­
216
Cf. Gower's Principies ... , cit., p. 161; BALLANTTNE. 011 Corporations. cit., p. do pelo objeto social, mas ser apreendido pelo terceiro como dotado
290-1; p. 294. de instrumenta/idade potencial à realização daquele fim22º.
217
Utiliza-se aqui a nomenclatura proposta por RUBENS REQUIÃO, correspondendo
a expressão abuso do objeto social aos atos ultra vires, o termo abuso da raZ<io so­
Sob essa perspectiva, não há como se negar que, eventualmente,
cial aos atos praticados pelos administradores cm desacordo com cláusulas con­ a aplicação da teoria da aparência poderia revelar-se salutar. Nessas
tratuais ou estatutárias que restrinjam seus poderes e uso indevido para as hipóteses
cm que o administrador, embora agindo dentro dos limites do objeto social, firma
219 FARIA. Do Abuso... , cit., p. 203.
negócios para auferir ganhos ou vantagens para si ou para outrem. C( Curso de
Direito Comercial. V. 2, cit., p. 186. 22° Cf. MARTINS, Alexandre Soveral. Os Poderes de Representação dos Administra­
218 Cf. FARIA. Do Abuso... , cit., p. 203. dores de Sociedades Anónimas. Coímbra: Coimbra Editora, 1998, p. 309-13.

128 129
hipóteses, em que o poderio da pessoa jurídica, a multiplicidade de cxcepcionalmcnte a teoria dos atos ultra vires deverá ceder passo à
seus objetos e a atuação de seus próprio administrador possam, de teoria da aparência, como meio de resguardar a boa-fé e a confiança
certa forma, sugerir uma situação que estatutária ou contratualmente depositada na imagem da empresa por parte de terceiros.
não se confirma, há que de certa forma privilegiar a boa-fé e a confi­ Situações há, sem dúvida, que suscitam embaraços quanto à apli­
ança depositada nesta aparência de regularidade pelo terceiro, de cação irrestrita da teoria dos atos 11/tra vires, como nas hipóteses em que
modo que nessas circunstâncias é justo e razoável que a pessoa jurídi­ a prática de negócios que estejam fora do objeto social é feita em caráter
ca seja responsabilizada pelos atos ultra vires praticados. cmergencial e no próprio interesse da pessoa jurídica ou nos casos de
Advirta-se, porém, que essa é uma solução de caráter excepcio­ atos que se sih1em em uma zona cinzenta, próxima ao objeto social.
nal, que somente se justifica em situações muito peculiares, que ape­ Nessas circunstâncias, como bem adverte Waldírio Bulgarelli, enfrenta­
nas restarão configuradas se devidamente comprovadas. Essa solução se questão das mais constrangedoras, que deverá ser resolvida à luz dos
parece traduzir a opinião de Rubens Requião que vincula a não res­ princípios da boa-fé e da razoabilidade, caminhos, de resto, apregoados
ponsabilidade da pessoa jurídica pelos atos ultra vires à diferença para estas hipóteses pelo próprio Direito anglo-saxônico222 •
. . n1 .
ostensiva que devam eles guardar d o ob�eto soc1edade-- No que pertinc às sociedades, o novo Código Civil expressa­
Como compatibilizar, porém, essa exceção à teoria ultra vires ao mente se filiou à conccpção majoritária, recepcionando a doutrina dos
fato de que a pessoa jurídica não responde pelos atos além do objeto atos ultra vires, ao preceituar a irresponsabilidade da sociedade por
praticados pelo administradores por lhe fàltar capacidade à realização operações que sejam evidentemente estranhas aos negócios da socie­
daqueles negócios? De início, a ressalva que agora se fez poderia pa­ dade (art. 1.015, parágrafo único, III). O dispositivo, localizado no
recer contraditória a tudo aquilo que antes se expôs, mas é justamente Capítulo referente às sociedades simples, espraia seus efeitos sobre as
por essa razão que se convocou, nesta hipótese específica, a teoria da empresárias, uma vez que a disciplina das primeiras aplica-se subsidi­
aparência. Como já anuncia o próprio nome dessa teoria, cuida ela ariamentc a estas últimas (arts. l.040; l .046; l .053; 1.089; l .090 e
justamente de situações em que faticamentc haja uma aparência de 1.096, Cód. Civ.). Também não parece haver óbice a que o preceito
juridicidade, quando cm verdade ela não existe. Ao se aceitar a inipu­ contido no art. 1.015, parágrafo único, III estenda seus efeitos às de­
tação à pessoa jurídica do ato ultra vires realizado nas circunstâncias mais pessoas jurídicas de direito privado. Artigos há na regulamenta­
antes descritas não se defende aqui que a incapacidade da pessoa jurí­ ção desses entes dos quais se infere a estreita vinculação encetada pelo
dica tenha sido momentaneamente sanada: contrariamente, continua a legislador entre o objeto do ente moral e a sua existência no mundo
pessoa jurídica essencialmente incapaz para aquele ato que lhe foge ao jurídico. É o que se extrai, por exemplo, do art. 67, II, do Cód. Civ,
objeto social, mas é conveniente e razoável, contudo, que, naquele referente às fundações.
caso determinado, seja ela responsável pelo negócio. Alguns elementos indicam que no art. l .O15, parágrafo único, III,
Sendo assim, conclui-se que o objeto social limita a capacidade o legislador pátrio afastou-se da formulação originária da teoria, fran­
de direito da pessoa jurídica em sua gênese, visto que ele consiste na queando ao julgador amplo espaço para a aferição fática dos pressu­
finalidade última para a qual foi ela formada. Logo, a pessoa jurídica postos de aplicação da teoria da aparência. É o que se extrai, v.g., do
existe nos justos limites para os quais foi criada, além deles, os atos advérbio evidentemente, que pem1itc abandonar a rigidez dos estatutos
são reputados 11/tra vires e por eles não responde a pessoa jurídica, e do contrato social, para prestigiar a interpretação que o terceiro te­
porque originariamente lhe falta capacidade para a sua prática. Apenas nha dado àqueles itens. Também a pouca técnica e precisão do termo

221 Cf. Curso de Direito Comercial. V. 1, cit. , p. 394-5. 222 Cf. A Teoria ..., cit., p. 76.

130 131
da a opção legislativa para um ou outro pólo, deve ela ser balizada
negócios traduz positivação mais liberalizante da teoria dos atos ultra
pelos institutos da boa-fé objetiva, pela teoria da aparência e pela ve­
vires. Conforme antes assinalado, a atual complexidade do meio ne­
gocial ou mesmo a reiterada violação dos estatutos por parte dos ad­ dação ao enriquecimento sem causa, para que se possam corrigir
eventuais distorções.
ministradores pode levar a terceiro a assumir, como objeto estatutário,
Isto posto, seria conveniente, por fim, analisar se a capacidade de di­
negócios que neste conceito formalmente não se cncerram223 •
reito das pessoas jurídicas pode ser limitada por cláusulas contratuais ou
Embora a imputação ou não de determinado negócio à pessoa ju­
estatutárias de teor restritivo - como, por exemplo, as proibidoras de
rídica seja questão diretamente relacionada à sua capacidade, deve-se
avais e fianças - ou outras que demandem certos requisitos suplementares
relembrar que tal atributo, conforme visto no item 5.2.2, pode ganhar
- tais como as que preceituem a assinatura por, ao menos, dois admi­
conformações que sejam estrategicamente úteis ao meio social. Trata­
nistradores cm certas espécies de negócios.
se de um corolário do caráter instrumental da capacidade dos entes
Conforme adrede ressaltado, não se confunde esta questão com a
morais. Pode o legislador perfeitamente adotar solução diversa da
teoria dos atos ultra vires, pois esta doutrina apenas se ocupa das res­
positivada no novo Código Civil, determinando que a capacidade não
trições à capacidade jurídica das pessoas jurídicas que se originem
encontre limitações no objeto social. Assim sucede, por exemplo, com .
exclusivamente do objeto social. Assim, enquanto o objeto social re­
o direito português, que, por meio do art. 6°, 4, do Código de Socieda­
veste-�e de caráter de essencialidade (art. 46, I, Cód. Civ.; art. 120, I,
des Comerciais, textualmente determina que a capacidade da socieda­
d� �e1 nº 6.015/73), e restringe, já na sua origem, a capacidade de
de não se vê limitada pelas cláusulas contratuais e pelas deliberações
direito das pessoas jurídicas, as cláusulas restritivas, por outro lado,
sociais que fixem à sociedade determinado objeto.
são acidentais e não visam especificamente a delimitar a capacidade
Ponderosas razões, em contraponto, clamam pela reversão do
da pessoa jurídica, mas sim a regrar a gestão da pessoa jurídica. Não
foco da tutela em prol dos terceiros que tenham negociado com a pes­
há, poi �, que se importar as conclusões antes tecidas sobre a aplicação
soa jurídica. Fatores econômicos não são de se desconsiderar cm te­
da teona dos atos ultra vires para este campo.
mas dessa estirpe. Basta relembrar que possíveis distorções de merca­
do geradas pelo maior ou menor resguardo dos direitos creditícios �entro dessa or_ �cm de idéias, João Eunápio Borges entende que
a� clausulas estatutanas ou contratuais que restrinjam os poderes de
constituíram o fator determinante para o procedimento de uniformiza­
diretores ou gerentes não alteram a capacidade de direito das pessoas
ção operado pelos Estados da União Européia através da Diretiva
jurídicas, uma vez que "a capacidade que a lei reconhece ou atribui a
68/ 151 224 • Resta, portanto, saber, em um dado momento histórico e
uma pess?ª• natural ou jurídica, não depende da vontade desta que, a
diante de determinado cenário econômico, em que direção mostra-se . _
seu arb1tno, nao tem poderes para ampliá-la ou restringi-la"22s.
conveniente instrumentalizar a capacidade da pessoa jurídica. Propen-
Irretocável a lição do grande mestre mineiro. Deixada que fusse a
-
223 E mb ora nao . fixação da extensão da capacidade de direito ao arbítrio de cada uma
seJa este o ,oco
" do presente trabalho, vale observar que o legislador
nacional adotou solução simplista acerca da legitimidade para a alegação da exor­ das pessoas e ter-se-ia inevitavelmente um ambiente negocial insus­
bitância do ato cm relação ao objeto social e do grau de eficácia do negócio im­ tentável. Por outro lado, se os limites da capacidade de direito repou­
pugnado. Para que a aplicação do art. 1.015, parágrafo único, III não redunde em sa� e xclusivam�'.1te no próprio substrato ontológico do ser a que é
injustiça palmar deverá o texto ser cotejado pelos órgãos julgadores com múltiplas _
a�nbu1da e na lei, tem-se importante baliza negocial, que contribui
variantes, tais como a espécie de contrato entabulado - se de execução imediata ou . _
de trato sucessivo ou diferido - e a necessidade de se coibir o enriquecimento in­ s1gmficat1vamentc para a promoção da segurança jurídica. Normas de
devido, conforme extraiu BALLANTINE da casuistica norte americana. Cf. 011
Co1 poratio11s. cit., p. 250-94. 225 Do Aval. cit., p. 57.
224 Cf. MARTINS. Os Poderes... , cit., p. 61-70.

133
132
ordem pública que são, não poderiam as regras concernentes à capaci­ 1ª Turma, no recurso extraordinário nº 70.830, cujo relator foi o Min.
dade ser modificadas ao livre alvedrio das pessoas, de modo que as Djaci Falcão, julgado cm 14.09.7123 2.
cláusulas que limitem a atuação dos dirigentes da pessoa jurídica não Inexplicavelmente, porém, o Código desvinculou-se da sólida
afetam a aptidão à aquisição de direitos e obrigações desta última226• tendência doutrinária e jurisprudencial já firmada, para excluir a res­
Ainda que constem essas estipulações de instrumento devidamente ponsabilidade por parte da sociedade em caso de atos praticados em
registrado ou arquivado cm registros públicos, serão elas totalmente abuso à razão social, contanto que a limitação de poderes esteja ins­
inoperantes cm relação a terceiros de boa-fé227• crita ou averbada no registro próprio da sociedade (art. 1.015, parágra­
Mas, embora sendo inoponíveis a terceiros, teriam essas cláusu­ fo único, T). A solução não é boa quer no âmbito jurídico, quer no
las alguma outra valia? prático. No jurídico, porque pressupõe nas sociedades uma faculdade
A resposta certamente é positiva, visto que essas cláusulas, em­ que não lhes é dada, que é a de restringir a sua própria capacidade; no
bora não restrinjam a capacidade de direito da pessoa jurídica, pres­ prático, porque desconsidera os embaraços técnicos que a adoção
tam-se a regular as relações entre aqueles que as ajustaram. A atuação desta medida poderia ocasionar, principalmente se considerados o
dos administradores prende-se diretamente ao teor dessas estipulações, volume e a celeridade com que se realizam as operações empresariais.
de modo que não lhes é dado delas se afastar na gestão dos negócios Vê-se que não sem razão J. Lamartine Corrêa de Oliveira, ao analisar
sociais, sob pena de responderem pelas perdas e danos que venham a o texto do Projeto de Código Civil, tachou a regra de "verdadeiro ana­
causar. cronismo"233. Consola-nos, ao menos, o fato ele o próprio legislador
Não serve, pois, a cláusula limitativa como escusativa de respon­ ter abrandado os rigores do retrógrado preceito, ao admitir, no art.
sabilidade da pessoa jurídica perante terceiros de boa-fé, embora ela 1.174, Cód. Civ., que o efetivo conhecimento pelo terceiro de limita­
atue como fundamento para que a pessoa jurídica possa reaver do ções na outorga de poderes possa valer ele escusativa à sociedade.
administrador faltoso as perdas e danos resultantes da atuação abusiva.
Esse, aliás, é o entendimento quase unívoco da doutrina brasilci­
ra228 , consagrado pelo parecer de eminentes juristas como Carvalho de
Mendonça229, Rubens Rcquião 23º e J. Lamartinc Corrêa de Oliveira rn ,
entre outros.
A inoperância da cláusula restritiva perante terceiros de boa-fé
também encontra respaldo em robusta e sedimentada corrente juris­
prudcncial, já sufragada pelo Supremo Tribunal Federal através de sua 232 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1" Tunna. Recurso Extraordinário nº 70.830.
Recorrente: Transportadora Maycr S/A; recorrido: Amílcar Lampert. Rei. Mín.
226
Cf. BORGES. Do Aval. cit., p. 58. Djací Falcào, 111aioria,j. 14.09.71. Revis/a Trimeslral tleJ11risprudê11 cia, v. 59, p.
227 Cf. BORGES. Do Aval. cit., p. 57. 218-23, janeiro 1972. Também pela inoponibilidade da cláusula límitativa pelas
228 Ao que consta, apenas WALDEMAR FERREIRA advogou a subsistência da cláu­ mesmas razões ínvocadas pela Suprema Corte: MINAS GERAIS. Tríbunal ele Al­
sula limitativa perante terceiros, ao argumento de que, uma vez registrados os atos çada, 3º Càmara. Apelação cível nº 102.082-2. Apelantes: Isaac Inácio da Silva e
constin1tivos, a ninguém é lícito alegar ignorância de seus dispositivos. Cf. Tratado Newton Clímaco de Moraís; apelada: Curtidora Silva sociedade ltda. Rei. Juiz
de Direito Comercial. V. 2, São Paulo: Saraiva, 1961, p. 364. Abreu Lcítc, maioria,j. 17.9.91. Revis/a dos Tribunais, São Paulo, v. 688, p. 158-
229 Cf.
Sociedade comercial - firma social - gerentes. Revista de J11rispr11dê11cia, Rio 60, fevereiro 1993; salvo hipótese de má-fé: cC SÃO PAULO. Tribunal de Alçada
de Janeiro, n. 14, p. 19-25, 1902, µassim. Cível, 7' Câmara. Apelação cível nº 420.019-00/5. Rei. Juiz Luiz Henrique, v.11., j.
23
° Cf. Curso de Direito Comercial. V. 1, cit., p. 397-8. 16.5.95. Revis/a dos Tribunais, São Paulo, v. 719, p. 186-8, sct. 1995.
231 Cf. A Dupla..., cit., p. 256. 233 Cf. A Dupla..., cit., p. 256-7.

134 135
CAPÍTUL03
CAPACIDADE DE FATO

1 CAPACIDADE DE FATO:
CARACTERIZAÇÃO E DISCIPLINA

Confonne explicitado alhures, a capacidade é um gênero que com­


porta duas espécies: a capacidade de direito e a de fato, esta também no­
meada de exercício. Tendo sido objeto de estudo do capítulo anterior
aquela primeira categoria, cumpre agora analisar a capacidade de fato ou
de exercício, no que concerne à sua caracterização e disciplina.
A capacidade de fato não se confunde com a de direito, dado que
não se ocupa da aptidão à aquisição dos direitos e obrigações, mas sim
do seu exercício. Por meio dessa distinção percebe-se claramente que
a capacidade de fato pressupõe a de direito, pois apenas pode exercitar
direitos aquele que previamente foi apto a adquiri-los234 •
Logo, uma vez presente a personalidade e a capacidade de direi­
to, tem-se que a capacidade de fato representa o poder de dirigir-se
autonomamente na ordem civil.

234 Dessa assertiva deflui que a capacidade de fato, em sendo plena , possui as mesmas
confrontações da capacidade de direito.

137
Enquanto a capacidade de direito representa um corolári
o lógico Dentro dessa perspc ctiva, distinguem-se os absolutamente inca­
da personalidade, apresentando-se, por isso, cm todos o
s entes a que a pazes do s relativamente incapazes. Quanto aos primei ros, a lei não
ade de fato, por sua lhes reconhece qualquer capacidade de autodeterminação no plan o
lei reconheça ou atribua personificação, a capacid
vez, justamente por ser noção afeta ao plano da efcti�ação : �
do dir i­ negocial, fazendo suplantar sua vontade por aquela de um represen­
tos, pode ser negada àquelas_ pess�as em quem � leg1 lado� na� vis­ tante, a quem incumbirá velar pelos interesses do incapaz. O mesm o
_ �
lumbre a maturidade ou o d1scem11nento necess anos a reahzaçao de não su cede com os relativamente incapazes: neles o legislador já vis­
escolhas autônomas. lumbra certo grau de discernimento ou considera que apenas em certas
Com efeito, o legislador, deparando-se com certas situações fáti- situações específicas fica esse entendimento co mprometido . Deste
cas - como a pouca idade, a alienação mental ou a ausência de inte­ modo, a lei valor iza a emissão volitiva do relativamente incapaz, mas
s
gração ao meio social -, interdiz às pessoas que se enc�nt�em ness � não a co nsidera determinante para, por si só, desencadear plenamente
posições a possibilidade de concretização autônoma de d1re1tos e �bn­ os efeito s jurídicos de certas categorias de atos jurídicos. Nessas espe­
cífi cas hipóteses, to ma-se necessária a intervenção de um assistente,
gações. Face a essa situação fático-jurídica, as pesso as passam a inte­
grar duas categorias: de um lado, figuram os aptos ao autogoverno de como meio técnico apto a suprir a incapacidade que, emb ora tênue,
seus interesses; de outro, os que, por uma razão ou outra, careçam do possa restringi r a vontade exarada pel o relativamente incapaz.
auxílio de outra pessoa ou mesmo da suplantação de sua vontade para Dessas situações se depreende que os incapazes desfrutam de um
que se efetive o exercício de seus direitos. estatuto privilegiado , à medida em que as restrições à sua capacidade
Se tal procedimento é discriminatório, não traz ele, porém, qual­ de fato existem não para alheá-los, mas sim para integrá-los ao mundo
quer prejuízo aos que se encontrem submetidos ao regime especial de negocial da forma mais segura e co mpleta possível. Tal conclusão
incapacidade de exercício: contrariamente, ao instituir esse sistema, a deflui da própria manei ra como é estruturado o regime de incapacida­
lei apenas atesta que certas limitações fáticas podem efetivamente des, que pare ce mesmo clamar po r sua extinção, ao mesm o passo em
co mprometer o livre exercí cio dos direitos, de modo que o cercea­ que as causas dcficitantcs da capacidade de fato se esvaecem ou ces­
mento à atuação dessas pessoas se impõe como medida necessária à sam de existir.
proteção dos seus próprios interesses. No Código Civil, as hipóteses de incapacidade absoluta encon­
Atenta à realidade, a lei também reconhe ce que nem sempre a tram-se elencadas no art. 3°, ao passo que os relatiyamcnte incapazes
capacidade de exercício autônomo dos direitos se vê afrontada com a estão arro lad os no art. 4° daquele diploma legal. Com certas limita­
mesma intensidade, de modo que estrntura o regime de incapacidades ções, o Código Civil de 2002 procurou atender às críticas doutrinárias
de acordo c om essas nuances fáticas. Assim, quanto mais fragilizada dirigidas à estrutura do regime de in capacidades do ·Código Civil de
estiver a capacidade natural de autodeterminação do indivíduo, mais 1916. Os ausentes e os surdos-mudos foram excluídos do rol de abso ­
abrangente será a tutela a ele dispensada pela lei quando do exercício lutamente incapazes. Houve a ratificação da sistemática do Decreto 11º
de seus direitos; por outro lado, se apenas tenuemente o discernimento 24.559, de 3.7.34 e do Decreto-lei nº 891, de 25.11.38, pela ad oção de
da pessoa é afetado, razão não há para que essa pessoa tenha obstruída regime g radual de incapacidades para os portadores de patologias

in totum sua autonomia, de modo que a lei, apenas em circunscritas mentais (arts. 3°, II e 4°, II, in fine e III, Cód. Civ.). Ab rigou-se a im­
hipóteses, trata-la-á como incapaz, cujo interesse reclama proteção possibilidade de expressão da v ontade, ainda que por causa t r.ansitória,
especial, seja quanto ao exercício propriamente dito de c ertos direitos, como causa de incapacidade (art. 3°, III, Cód. Civ.). Em alguns pon­
seja quanto ao modo de exercê-lo s. to s, po rém, a atual sistemática foi renitente, repetindo antigos equívo­
co s, co mo a retrógrada incapacitação d os pródigos (art. 4°, IV), ou foi

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polêmica, como na controversa redução do patamar etário da plena Bem se vê que acode razão ao ilustre doutrinador. Não há dúvi­
capacidade (art. 5°, capiil, Cód. Civ.) 235• das de que a falência efetivamente imponha uma nova situação jurídi­
As hipóteses legais de incapacidade de fato no ordenamento jurí­ ca ao falido, que se caracteriza sobretudo pela aposição de restrições
dico brasileiro restringem-se às circunstâncias estampadas nos arts. de cunho patrimonial. Todavia, não se pode vislumbrar incapacidade
3ºe 4º, Cód. Civ., outras não havendo, dado o necessário caráter de nessa condição, visto que essas limitações não têm o condão de su­
taxatividade do sistema de incapacidades. Com efeito, é aconselhável primir a capacidade de fato do falido, que resta intocada no que con­
que a incapacidade esteja expressamente apontada pela lei, como for­ cerne ao exercício de direitos e obrigações que não estejam relaciona­
ma de alertar quais situações fáticas reclamam expedientes protetivos, dos aos interesses da massa falida subjetiva.
como a representação e a assistência. Idênticas conclusões podem ser estendidas à situação jurídica do
Não obstante a taxatividade do sistema de incapacidades, a doutrina encarcerado. Por certo que o regime de reclusão inviabiliza o exercício
se questiona se outras causas dcficitantes da capacidade de fato não esta­ pessoal de certos direitos do preso, ou mesmo os restringe, como cla­
riam presentes veladamente no ordenamento jurídico e tal indagação ramente evidencia o art. 1.637, parágrafo único do Código Civil. En­
geralmente se põe a propósito da situação do falido e do encarcerado. tretanto, tirante essas limitações, a capacidade do preso permanece
A doutrina é acorde no sentido de não reconhecer o falido como íntegra, continuando ele no gozo de sua atividade civil. Para eviden­
um incapaz. Embora ele efetivamente sofra certas restrições quanto à ciar tal assertiva, Clovis Bevilaqua relembra o permissivo legal cons­
administração e disposição de seus bens durante a execução concursal, tante no parágrafo único do art. 201, Cód. Civ. de 19 J 6, que outorgava
sendo-lhe também vedada a prática de atos que, direta ou indireta­ ao preso ou condenado a possibilidade de contrair núpcias mediante
mente, venham a prejudicar os interesses de seus credores, o fato é procuração, se não lhe fosse permitido comparecer pessoalmente à ce­
que o falido não se torna, por isso, um incapaz. É o que salienta J. M. lebração de seu casamento237 • O texto constitucional, aliás, é prenhe
de Carvalho Santos: de exemplos em que identicamente se vislumbra o resguardo da capa­
cidade civil do encarcerado, confonnc se depreende dos incisos XLIX,
"Ele [o falido] é atingido apenas com uma limitação a seus direitos en­
L e LXIII do art. 5° da CF/88, entre outros.
quanto necessária para a ressalva dos direitos dos credores, impedindo­
lhe que possa extraviar ou prejudicar as garantias que existirem para
satisfazer integral ou parcialmente o passivo existente no dia da decla­
ração da falência. 2 INCAPACIDADE DE DIREITO E DE
Por isso mesmo não é o falido interditado, continuando a conservar o FATO: CRITÉRIOS DISTINTIVOS
exercício dos direitos civis, de todos aqueles direitos que lhe pertencem
como hoinem, como cidadão ou como membro da família, e são essen­ Distintas que são capacidade de direito e de fato, também não
cialmente pessoais, o pátrio poder, a administração dos bens de seus fi­ podem confundir-se as situações jurídicas que representam as suas
lhos, a chefia da sociedade conjugal"236.
negações. Com efeito, não dissente a doutrina quanto ao afirmar-se
que a incapacidade jurídica relaciona-se com a limitação da aquisiçcio
m Acerca desse último aspecto e sustentando opiniões contrastantes Cf. MARINHO, dos direitos e da contração de obrigações, ao passo que a incapacidade
Josaphat. 80 Anos do CCB: Um Novo Código Atenderá às Necessidades do País? de fato restringe o exercício autônomo dos direitos.
Revista Jurídica Dei Rey. Belo Horizonte, n. 1, dez. 1997, p. 16; MOREIRA
ALVES, José Carlos. A Parte Geral do Projeto de Código Civil. Revista CEJ, Bra­
sília, n. 9, p. 5-11, sct./dcz. 1999, p. 7-8.
236 Código ... , cit., p. 279. 237 Cf. Código... , cit., p. 205.

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