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SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................................ 9
INTRODUÇÃO..................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 - PESSOA E SUJEITO DE DIREITO........................... 17
1 Considerações prévias....................................................................... 17
2 Proposições acerca do conceito jurídico de pessoa ........................... 18
3 Conceito jurídico de pessoa............................................................... 21
3.1 Pessoa: sinônimo de sujeito de direito?...................................... 21
3.2 Um ensaio de compreensão do conceito de sujeito de
direitos como elemento estrutural da relação jurídica ..... ........ .. . 26
3.3 Surgimento e formação do conceito jurídico de pessoa.............. 29
3.4 Classes de pessoas...................................................................... 32
3.5 Percepções valorativas em torno do conceito
jurídico de pessoa....................................................................... 35
CAPÍTULO 2 - PERSONALIDADE E CAPACIDADE DE
DIREITO: NOVAS FACES DE ANTIGOS CONCEITOS.............. 41
l Personalidade: conceito e distinções fundamentais........................... 41
2 Capacidade de direito: em busca da autonomia conceituai ..... ... ... .... 45
3 Personalidade e capacidade de direito: apanágio
privativo das pessoas? ................ ......... ..................................... ....... .. 51
3.1 Que entes podem ser reputados atípicos?................................... 53
3 .1.1 Massa falida, espólio e herança jacente e vacante............. 54
3.1.2 Sociedade irregular............................................................ 66
3.1.3 Condomínio edilício .......................................................... 77
4 O desvelamento da personalidade .................................................... . 81
4.1 Alguns reflexos substanciais da presente concepção ................. . 84
4.1.1 Sobre o princípio da tipicidade das pessoas ...................... . 84
4.1.2 Sobre a distinção entre pessoa e sujeito de direitos .......... . 88
5 Personalidade e capacidade de direito: conceitos de igualdade? ...... . 90
5.1 Mesma capacidade de direito dentro da
mesma classe de pessoas? .......................................................... . 91
5 .1.1 Mensuração entre pessoas naturais ................................... . 91
5.1.2 Mensuração entre pessoas jurídicas .................................. . 97
5.1.3 Mensuração entre entes atípicos ....................................... . 98
5.1.4 Conclusões ........................................................................ . 98
5.2 Capacidade de direito: delineamento e comparação
PREFÁCIO
entre as diversas classes de pessoas ........................................... . 99
5.2. l Limitações à capacidade de direito das pessoas
jurídicas em razão de seu substrato ontológico ................. . 103
5.2.2 Limitações legais à capacidade de direito 1. Simone Eberle abalança-se a apresentar uma monografia que
das pessoas jurídicas ......................................................... . 112 tem por tít11lo "A Capacidade entre o Fato e o Direito".
5.2.3 O objeto social como fator de limitação da
Antes de mais, seja-nos pennitido exprimir o gosto que se retira
capacidade de .direito das pessoas jurídicas ...................... . 114
da leitura desta dissertação.
CAPÍTULO 3 - CAPACIDADE D E FATO 137 Está bem escrita. Manifesta a aptidão da autora para se exprimir
l Capacidade de fato: caracterização e disci i·i ·. ·:::::::::::::::::::::::::::::::: 137 com concisão e clareza.
2 Incapacidade de direito e de fato: critérios distintivos ..................... . 141 No que respeita ao conteúdo, desenvolve lógica e metodicamente
3 Incapacidade legal e natural: compatibilização ................................ . 145 uma linha de pesquisa. As ideias vão-se desenvolvendo coerentemen-
4 Gradação da capacidade de fato ....................................................... . 157 te, sem desequilíbrios nem desvios por aspectos laterais que desafiem
4.1 O papel da vontade nos fatos jurídicos ...................................... . 158 a capacidade de apreensão do leitor.
4.2 C pacidade de fato e implementação dos fatos jurídicos .......... . 161
Não receia abordar os temas mais variados. Não esconde pro-
5 Capacidade de fato das pessoas jurídicas ......................................... . 167
6 Capacidade de fato dos entes atípicos ............................................. .
blemas. Afronta-os e toma posição.
171
7 Capacidade de fato em Direito Privado
·
172
É, em muitos aspectos, exemplar como estrutura e apresentação
7.1 Capacidade de fato sob o prisma d ·Di; i ·d· ·T; b;·jh;::::::::::: 174 duma pesquisa científica.
7.2 Capacidade de fato sob o prisma do Direito 2. O tema é, dissemos, A Capacidade entre o Fato e o Direito.
Comercial/Empresarial .............................................................. . 178 Se fosse apenas este o objecto da dissertação, era já muito positi-
7.2.1 Panorama sob a égide do Código Comercial de 1850
vo. O tema da capacidade necessita de profunda revisão. A publicação
e do Código Civil de 1916 ................................................ . 178
7.2.2 Panorama sob a égide do Código Civil de 2002 ............... .
do Código Civil de 2002 deu a essa tarefa carácter de urgência, pelo
181
conflito, ao menos aparente, de previsões de origem histórica e ideo-
CONCLUSÃO ....................................................................................... 189 lógica diversa.
Desde logo há que procurar os antecedentes destas em diplomas
REFERÊNCIAS B I B L I Ô G R Á F I C A S ................................................... 193
de diferentes conteúdo e antiguidade.

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Mas a monografia vai muito além disso. Porque é antes de mais a 4. Isto dá ao tema da personalidade um desequilíbrio que lhe é
personalidade jurídica que está cm causa, de maneira que a capacidade conatural, e que desfaz a aparente solidez e aproblematicidade da fór-
apenas surge na sequência daquela. mula - susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações.
De facto, a autora procede ao relacionamento estreito das duas cate- De facto, encontramos:
gorias. Para isso partia da noção de sujeito de direito; e para caracterizar o - dum lado, a pessoa humana, que é expressão da personalidade
sujeito de direito viu-se confrontada com a noção de pessoa. ontológica. .
3. Com isto penetrou em campo minado. - do outro, a pessoa jurídica, que é moldada pelas ordens posi-
A pessoa é uma categoria incómoda. tivas com um muito vasto grau de liberdade.
Perturba a auto-suficiência do discurso técnico-jurídico. Transporta- As equiparações destes dois domínios são meramente formais: a
nos para outros planos, incompatíveis com a linearidade habitual das autora traduz a relação como uma analogia. O conceito técnico de
exposições que visam a praxis. Impõe-nos a f ractura do "metajurídico". personalidade jurídica está certo: é realmente a susceptibilid d.c e
É verdade que a autora centra inicialmente as suas considerações no direitos e obrigações. Mas a identificação formal oculta a _ex1genc1
"conceito jurídico de pessoa". Pelo que poderia parecer que se preparava absoluta de observância que marca a disciplina da pessoa fis1ca, e esta
para afinal evitar essa temática, construindo uma noção de índole "positi- ausente na pessoa jurídica. .
va", que apenas haveria que distinguir de outras noções formais como a Esta diferença traduz-se no plano das regras jurídicas na imposi-
de sujeito de direitos. À noção de pessoa no direito chegar-se-ia por deri- ção que a pessoa fisica seja objecto duma disciplina fundamental e
vação do conceito de personalidade jurídica. Este, enquanto "susceptibili- prévia, que não tem nenhum correspondente na pessoa urí_di ª·. A
dade de ser titular de direitos e obrigações", é um conceito meramente pessoa tisica é muito mais que um mero termo duma rclaç o und1_c .
fom1al. A tudo pode ser atribuído personalidade; depende apenas da es- Implica na realidade a demarcação de um novo ramo do Direito C1v1l
truturação legal. Até a uma conta bancária, como demonstra elucidativa- com este conteúdo.
mente a personificação do Anstalt do Liechtenstein. Aí surge tudo o que respeita à própria caracterização da pessoa
Mas a autora tem bem presente que há antes de mais a realidade no direito; começo e fim da personalidade; direitos de personalidade;
ontológica da pessoa, que dá o tom a toda esta matéria. E que é pura e o que podemos chamar o Direito da Vida, estudado normalmente sob
simplesmente inevitável. Porque, se nenhum instituto pode ser juridi- a referência à Bioética; e tantos outros temas prévios. Pisam-se terre-
camente estudado se se não tiver a compreensão básica da realidade a nos de grande densidade ética. Estamos muito longe da mera análise
que corresponde, que dizer da pessoa, que é o ponto de partida e o fim da estrutura de relações ou situações jurídicas.
do direito, e sustenta a validade de tudo o que é jurídico?
5. É com base nestes princípios, que têm de estar pressupostos,
Por isso, a autora não deixa de considerar o substrato ontológico das
que se passa à análise das outras categorias de pessoas no direito.
pessoas no direito, encontrando a diferença tão radical que medeia entre o
Aqui surge a complexidade resultante da atribuição por lei de di-
fundamento da pessoa natural ou singular e a pessoa jurídica I ou colectiva.
reitos a entes que não são qualificados como pessoas jurídicas. O art.
45 CC torna, formalmente, o início da personalidade deP,cndente do
1 Embora esteja largamente disseminada, a expressão "pessoa jurídica" para desig- rcgistro, para as pessoas colcctivas de direito privado. Mas surgem
nar as pessoas colcctivas é muito má, porque pessoas jurídicas são todas as pessoas outros entes em situação problemática, como paradigmaticamente
em direito. "Pessoa colcctiva" também é mau, mas não sofre desta ambigüidadc. acontece com a atribuição de capacidade judiciária a entes não apre-
Como é porém menos usada no Brasil, vamos ter de us:ir frequentemente o cir-
cunlóquio "pessoa no direito" para designar a noção ténico-jurídica de pessoa, sem
sentados por lei como pessoas jurídicas.
criar confusão com uma das subcategorias de pessoas jurídicas.

10 11
viram a situação agravada com a mudança da lei civil. A auto ra não
recua perante a diversidade de ramos do Direito Privado que estão
implicados. É aliás uma característica da obra: esta é interdisciplinar,
o que é raro e muito difícil de conseguir com êxito. A autora afronta
um tema de Teoria Geral do Direito Civil, mas não hesita em avançar
pelo Direito das Coisas, Direito das Sucessões, Direito do Trabalho,
Direito Comercial (ou o que resta dele) e quaisquer outros sectores em
que o tema se repercuta.
O Código Civil de 2002 teve o condão de fazer sair o Direito Ci­
vil de um estado de certa letargia, suscitando pelo contrário um mo­
vimento de entusiasmo na revisão dos temas fundamentais. Simone INTRODUÇÃO
Eberle integra-se nesse movimento. Merece ser felicitada pela manei ra
como logo nos soube apresentar um mapa actualizado e coerente dum
sector que está na porta de entrada da Teoria Geral do Direito Civil.
Pro.f Dr. José de Oliveira Ascenstio
Lisboa, Setembro, 2004 É indubitável que a capacidade constitua um dos temas de capital
importância para a Teoria Geral do Direito. Essa a razão pela qual
vem sendo ela constantemente revisitada por numerosos juristas não
só no campo do Direito Privado como também do Público.
Relacionando-se estreitamente aos conceitos de pessoa e de per­
sonalidade, a capacidade comumcnte é abordada quando do estudo
daqueles dois temas. Talvez por ver-se associada a figuras tão rele­
vantes e basilares para o Direito não tenha a capacidade galgado o
posto que lhe é ele direito, restando um tanto obscurecida no que con­
cerne à exata determinação de sua feição conceituai e ele seu campo de
inc'ldência.
Não há dúvidas de que as linhas estruturais da capacidade já se
encontram delineadas, mas é forçoso reconhecer que ce11as de suas
nuances ou até mesmo alguns de seus aspcctos basilares não foram,
ainda, objeto de incursões mais detidas por parte dos doutrinadores.
Assim é que o conceito de capacidade de direito continua a trafegar
nas sombras da noção de personalidade, sem gozar de conteúdo pró­
prio e específico segundo o entendimento ele muitos doutrinadores.
Também a capacidade de fato não foge a esta regra. Embora mais
freqüentemente estudada, o que, aliás, redundou no conhecimento
mais aprimorado de sua essência, a capacidade de fato, por outro lado,

14 15
parece carecer de abordagem mais sistêmica que congregue suas inú­
meras manifestações em meio ao Direito Privado. Abandonando-se o
enfoque setorial que corriqueiramente lhe é impresso pela doutrina, a
disciplina jurídica da capacidade de fato mostra-se mais harmônica e
revela, concomitantemente, sua real abrangência.
Para fazer frente a essas e a outras perquirições torna-se imperio­
so que a capacidade seja analisada em si mesma e não como um tema
de importância secundária em relação à personalidade. Somente por
essa via revelar-se-á a riqueza de detalhes atinentes ao estatuto jurídi­
co da capacidade e a exata demarcação de suas confrontações. E, isto
feito, perceber-se-á que a real apreensão do domínio da capacidade CAPÍTULO!
contribui não só para a sua promoção, como também para o próprio
.
apnmoramento e depuração dos conceitos de pessoa e de personali­ PESSOA E SUJEITO DE DIREITO
dade.
� c�rto, porém, que o estudo metódico da capacidade não pode
prescmdir de u� exame ª?urado acerca da personalidade, visto que
. _ 1 CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
uma associaçao mquebrantavel entre os dois conceitos incumbe-se de
a um só tempo, aproximá-los e apartá-los. Isto posto, num primeir�
momento, toma-se imprescindível conhecer os conceitos jurídicos de Diversos conceitos que ocupam, não raro, postos basilares em
pessoa e de personalidade, para que estes, uma vez delimitados, pos­ meio à ciência jurídica, longe se encontram de estar sedimentados. O
sam plantar as bases necessárias a uma análise que se detenha sobre a que dizer, por exemplo, da eterna e vivaz dissensão doutrinária sobre
capacidade - de direito e de fato - e sobre as implicações teóricas e conceitos como direito, norma e dever? Não passa ao largo dessa si­
práticas da existência e configuração dessas duas espécies. tuação perplexa o conceito de pessoa, essencial à Ciência do Direito.
Se à primeira vista parece até mesmo ingênuo indagar qual seja o con­
ceito jurídico de pessoa, o fato é que esse questionamento tem-se re­
velado dos mais tormentosos, compelindo os juristas a que constan­
temente reformulem suas respostas.
Considerada por Eduardo García Maynez como uma das matérias
mais árduas da ciência jurídica2, a noção de pessoa, por ser tema de
capital importância não só para o Direito Privado, como também para
o Público, inspirou vasta literatura e suscitou os mais variados posi­
cionamentos entre os juristas. Na busca da compreensão desta inquie­
tante realidade, também sobre o âmago de filósofos, sociólogos e teó­
logos parece pairar idêntico desconcerto.

Cf. lmr od11cci611 ai Esrudio dei Derecho. 7. cd., México: Edito1ial Pomta, 1956, p. 27 i.
2

· 16 17
Sem dúvida, todas as disciplinas que volveram sua atenção à pes­ "nos tratados de Direito, sobre a personalidade [... ] mesclam-se pro­
soa - incluindo-se nesse rol o Direito - não se limitaram, como é ób­ blemas muito variados e heterogêneos, cuja confusão desordenou ele
vio, a recepcionar a definição corrente do termo, mas traçaram con­ modo lamentável o pensamento jurídico durante séculos. E já é hora de
ceitos muito peculiares, conferindo à palavra acepções as mais varia­ que se desfaça essa confusão, e de que se conceba cada uma das ques­
das e distintas em cada uma dessa matérias. Assim, pelas lentes ela tões com plena lucidez e com rigor mental. Neste assunto mesclaram-se
questões diversas, que é preciso manter separadas com toda exatidão"4•
Filosofia uma é a pessoa; sob o enfoque ela Psicologia ou da Teologia
outra será a percepção. Partindo desse pressuposto, Recaséns Siches clcnca quatro ques­
Diante dessa pluralidade ele significações, percebe-se que a no­ tões que, investigadas separadamente, conduzem a melhor análise do
ção jurídica de pessoa apenas se revela na medida em que se destaca tema. São elas 5 :
daqueles domínios, evidenciando os específicos contornos que a indi­ - O que quer dizer pessoa em termos jurídicos, isto é, o que signi­
vidualizam em meio ao campo cio Direito. fica ter, dentro do ordenamento jurídico, a qualidade de pessoa?
Ressalte-se, contudo, que a existência ele um sentido próprio e ju­ - Quem são os entes sobre os quais recai essa qualificação ju­
rídico de pessoa não coloca cm xeque as noções previamente indi­ rídica?
cadas. Contrariamente, conhece o Direito a limitação de seu conceito - Qual é e em que consiste a realidade que, independentemente
de pessoa, que equivale, tão-somente, a uma das conccpções cabíveis do Direito, têm os entes dotados de personalidade?
ao termo. Destartc, a noção jurídica ele pessoa aparta-se daquelas ati­ - A quem o Direito deve conceder a personalidade?6
nentes às demais áreas do conhecimento, sem, por óbvio, absorvê-las
Distintas que são essas quatro proposições, suscitam, por certo,
ou contestar-lhes a existência.
diferentes respostas. Nem sempre, porém, os doutrinadores estiveram
atentos a essa diversidade e, tratando indiscriminadamente essas
questões, acabaram por tornar a pessoa um conceito ainda mais nebu­
loso para o Direito. Rccaséns Siches, contudo, adverte que apenas um
2 PROPOSIÇÕES ACERCA DO
tratamento rigoroso e sistemático desses questionamentos pode con­
CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA
duzir à elucidação do primeiro, que é, sem dúvida, um dos mais insti­
gantes temas da Teoria Geral do Direito.
Feitas essas primeiras considerações, retorna-se à pergunta ori­
Primeiramente, como demonstra Recaséns Sichcs, quando se
ginal: o que é ser pessoa para o Direito?
busca saber o que é ser pessoa para o Direito, não se deseja obter um
Garcia Maynez pondera que "uma das principais causas de que
neste ponto não haja sido possível encontrar soluções que gozem de
uma aceitação mais ou menos geral, deve ver-se na grande diversidade '1 Tratado General de Filosofia dei Derecho. 4. ed., México: Editorial Porrua, 1970,
p. 260.
de pontos ele vista em que os autores se colocaram ao abordar o pro­ 5 Cf. Tratado... , cit., p. 260.
blema"3. Idêntico ponto de vista é sustentado por Luís Recaséns Si­ 6 No questionamento
proposto, emprega-se o verbo 'conceder', na expresslío textual
ches: utilizada por Recaséns Sichcs. Advirta-se, contudo, que, a nosso ver, o legislador
nem sempre concede personalidade. Assim o fará, por exemplo, em relação às pes­
soas jurídicas. No que concerne, porém, às pessoas naturais, o legislador limita-se
a reconhecer-lhes essa aptidão primordial. Tal argumento será desenvolvido mais
detidamente no tópico nº 3.5 deste capítulo, referente às Percepções valorativas em
3 !111rod11cción ... , cit., p. 271. torno do conceitojurídico de pessoa.

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rol de quem, juridicamente, possui esse status. Este é um problema de qual seja a sua realidade metajurídica ou mesmo de que critérios se
Direito positivo, cuja solução depreende-se da simples consulta aos vale o legislador para o reconhecimento ou concessão desse status de­
textos legais vigentes. vem ser prontamente afastadas. Se assim se proceder, dúvidas não res­
Não se deve também tomar por sentido jurídico de pessoa a real tam de que grande parte dos equívocos sobre a matéria dissipar-se-á,
essência dos seres aos quais o Direito reconhece ou concede perso­ delineando-se, com mais exatidão, o verdadeiro campo em que o con­
nalidade. Conforme precedentemente salientado, o Direito ocupa-se ceito jurídico de pessoa deve ser investigado.
apenas de uma das faces desse fenômeno poliédrico que é a pessoa, e,
conforme se verá posteriormente, por vezes o legislador concede esse
status até mesmo a entes que aos olhos das ciências sociais não são 3 CONCEITO JURÍDICO DE PESSOA
compreendidos como pessoas. Face à estreiteza do conceito jurídico
de pessoa, cabe, não à teoria do Direito, mas a outras áreas do conhe- ' 3.1 Pessoa: sinônimo de sujeito de direito?
cimento humano, desvendar o ser que representa o suporte fático ne­
cessário ao reconhecimento ou à concessão da personalidade: Dissipadas tantas e tão pertinentes digressões que circundam o
conceito jurídico de pessoa, finalmente se atinge o motriento em que
"assim, o estudo essencial do indivíduo humano pertence propriamente
se pretende desvendá-lo. A complexidade das questões antes firmadas
à Filosofia. E no que respeita aos grupos humanos ou entes coletivos, o
estudo destes compete à Sociologia, que deverá primeiro estudar filoso­
parece alertar o estudioso cio Direito ele que uma não menos intrincada
ficamente em que consiste a realidade das coletividades, estabelecer resposta apresentar-se-á.
seus diversos tipos (comunidades, associações, corporações, socieda­ Uma mera passagem de olhos sobre a literatura jurídica acerca do
des, etc.); e, depois, analisar empiricamente os fatos em que se mani­ tema é suficiente, porém, para frnstrar essa expectativa. Tão alta inda­
festam tais entes coletivos, os ingredientes que os compõem, as relações gação acaba por ver-se solucionada por um fantástico passe de mági­
estáticas e dinâmicas destes, a conexão de tais fenômenos com os de­ ca, numa fórmula matemática, por via ela qual se proclama ser a pes­
mais fatos sociais de toda espécie (relações, processos, etc.), com os soa sinónimo de sujeito de direitos. Eis a que chegamos: a uma conci­
conteúdos culturais sociais de toda espécie (relações, processos, etc.), sa e, quiçá, não tão infalível sentença, pronunciada de fom1a não
com os conteúdos culturais (religiosos, morais, científicos, econômicos, muito detida, pela maioria dos doutrinadores 8 •
técnicos, jurídicos, etc.) e com o meio físico"7.
Finalmente, a definição jurídica de pessoa é alheia, ainda, ao critério
escolhido como orientador do reconhecimento ou da outorga de per­ 8 Cf. BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. V. 1, 9.
sonalidade pelo ordenamento. Este (iltimo parâmetro relaciona-se à ativi­ ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1951, p. 180; CARVALHO SAN­
dade legislativa, sendo ditado ora por imperativos da ordem natural - co­ TOS, J.M. de. Código Civil Brasileiro /11terpretado. V. 1, 8. ed., Rio de Janeiro -
mo sucede em relação à pessoa natural -, ora por razões de conveniência São Paulo: Freitas Bastos, 1958, p. 229; RECASÉNS SJCHES. Tratado.... cit., p.
socüil e política, no que concerne aos demais seres personificados. 244; GARCÍA MA YNEZ. !ntrod11cció11... , cit., p. 271; GOMES, Orlando. ln­
troduç<io ao Direito Civil. 11. cd., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 142; MON­
Não se confundem, portanto, os questionamentos listados por TEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V. 1, 35. cd., São Paulo:
Recaséns Siches. Assim, se o que se almeja conhecer é o conceito Saraiva, 1997, p. 57; MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. V. 1, 1 O.
jurídico de pessoa, indagações acerca de quem sejam esses entes, ou ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 91; CABRAL DE MONCADA, Luís. Lições
de Direito Civil. 4. cd., Coimbra: Almedina, 1995, p. 250; FREITAS GOMES,
Luiz Roldão de. Noção de Pessoa no Direito Brasileiro. Revista de Direito Civil,
7 RECASÉNS SJCHES. Tratado... , cit., p. 261. Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, n. 61, jul./set. 1992, p. 15.

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,,.. 1

Mas, se é majoritária a corrente que sustenta a identidade con­ Não obstante uma e outra definição não rechacem expressamente
ceituai entre pessoa e sujeito de direito, logo se vê que há quem não se a sinonímia entre pessoa e sujeito de direito, não se pode deixar de
submeta a esta equiparação. Christophe Grzegorczyk, ao que tudo perceber que ambas, sutil e subjacentemente, sugerem que esses dois
indica, é um dos "insurrectos". O doutrinador francês proclama dis­ conceitos se distinguem. Quem diz que pessoa é suscetível de ou apto
tintos homem, pessoa e sujeito de direito, crendo, inclusive, que qual­ a ser sujeito de direito certamente não entende idênticas essas realida­
quer tentativa de definição deste último a partir dos dois primeiros des: em ambas as definições reside uma idéia de viabilidade, de possi­
conceitos é fadada ao malogro 9. bilidade que, ostensivamente indicada, não pode ser simplesmente
De início, pode soar inusitada essa advertência, principalmente ignorada. Concepções desse quilate, ainda que tímida e não-intencio­
diante do posicionamento majoritário dos juristas neste tema. No en­ nalmente, só vêm a corroborar a tese de que a pessoa não se identifica
tanto, uma pesquisa mais aprofundada das fontes doutrinárias revela com sujeito de direito.
que Christophe Grzegorczyk não é o único a refutar os moldes tão Diversos autores, contudo, posicionam-se claramente a favor de
simplistas da equiparação entre pessoa e sujeito de direito: muitos um novo conceito de pessoa, desvinculado da noção de sujeito de
autores, como se verá, proclamam abertamente a desigualdade entre direito.
esses conceitos; outros, embora não a afirmem, deixam-na, contudo, Pontes de Miranda, por exemplo, adverte:
ser entrevista nas definições que oferecem de pessoa. Nesta última
"rigorosamente , só se devia tratar de pessoas, depois de se tratar dos
linha, podem, por exemplo, encaixar-se os conceitos de pessoa esbo­ sujeitos de direito; porque ser pessoa é apenas ter a possibilidade de ser
çados por Josserand e Cornu, abaixo transcritos: sujeito de direito. Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de
"os seres suscetíveis de tornar-se os sujeitos ativos ou passivos de di­ direito. Não importa se esse direito está subjetivado, se é munido de
reitos, e que portanto têm a aptidão de desempenhar um papel na vida pretensão e ação, ou de exceção. Mas importa que haja 'direito'. Se al­
jurídica" [sem grifo no original] 1 º. guém não está em relação de direito não é sujeito de direito: é pessoa;
"um ser dotado de uma aptidão: a aptidão de ser sujeito de direito" isto é, o que pode ser sujeito de direito, além daqueles direitos que o ser
[sem grifo no original] 11. pessoa produz. O ser pessoa é fato jurídico: com o nascimento, o ser
humano entra no mundo jurídico, como elemento do suporte fáctico em
que o nascer é o núcleo. Esse fato jurídico tem a sua irradiação de efi­
cácia. A civilização contemporânea assegurou aos que nela nasceram o
serem pessoas e ter o fato jurídico do nascimento efeitos da mais alta
significação. Outros direitos, porém, surgem de outros fatos jurídicos
9
Cf. Le Sujet de Droit: Trois Hypostases. ln: Lc Sujet de Droit. Archives de Plii­ em cujos suportes fácticos a pessoa se introduziu e em tais direitos ela
losophie du Droit. T. 34, Paris: Sirey, 1989, p. 13. Conforme se ensaiará demons­ se faz sujeito de direito" 12 •
trar, a dissociação promovida por Christophe Grzegorczyk entre sujeito de direito e
pessoa é pertinente, mas há que se cuidar para que a separação sugerida entre pes­ Destarte, segundo esse renomado autor, o ser pessoa constitui uma
soa e homem não traduza uma negação da dignidade imanente deste último que o situação abstrata juridicamente relevante, que habilitaria os homens ou os
erige naturalmente à condição de pessoa. Tome-se essa separação apenas como
entes coletivos por eles engendrados a se tomar, no plano concreto, sujeitos
elucidativa do fato de que, para o Direito, o indivíduo é pessoa, assim como tam­
bém o são outros seres a quem o legislador conceda esse status. de direito. Por outro lado, ser sujeito de direito seria encaixar-se, concreta­
10 f
JOSSERAND, Louis. Co11rs de Droit Civil Positi Fra11çais. V. 1, 3. ed., Paris: mente, nos suportes fáticos sustentadores das relações jurídicas.
Recuei! Sirey, 1938, p. 131.
11 CORNU, Gérard. Droit Civil - lntrod11ctio11. 5. ed., Paris: Montchrestien, 1991, p.
12 T,
163. ratado de Direito Privado. V. 1, 2. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 153.

22 23
Eros Roberto Grau também não se submete à tradicional con­ "É verdade que, em geral, de fine-se a personalidade no direito brasilei­
ceituação doutrinária, mas o faz num ângulo um tanto diferenciado ro, como a aptidão para adquirir direitos (ou para ser sujeito de direitos,
daquele tomado por Pontes de Miranda. Segundo Grau, no campo do ou para ser sujeito de r elação jurídica); entretanto, essa definição peca
direito econômico, muitas vezes os sujeitos de direito não coincidem por ser excessivamente ampla, já que há sujeitos de direito que não são
com a materialidade do perfil de pessoas jurídicas ou fisicas 13. De pessoas, como o nascituro, entre os entes assemelhados às pessoas físi­
acordo com esse doutrinador, isso se deve ao fato de que o Direito cas, e o condomínio em edificações, as sociedades de fato, e a p rópria
Econômico é eminentemente marcado pelo caráter macrojurídico de família, entre os entes assemelhados às pessoas jurídicas. Pessoa, por­
tanto, é o ente que pode praticar atos jurídicos, e não propriamente o
suas normas, que "está prioritariamente voltado à ordenação de agre­
sujeito de dir eito"17.
gados de atividades, desenvolvidas por agregados de sujeitos, sendo a
identificação formal destes meramente ancilar" 14. Assim sendo, ao Fábio Ulhoa Coelho também parece trilhar essa mesma vereda ao
relegar a um segundo plano a pessoa, enquanto individualmente con­ distinguir sujeito de direito e pessoa:
siderada, e conceder proeminência a certos grupos de interesses - "sujeito de direito é conceito mais amplo que pessoa: nem todos os su­
como os dos empresários, os dos assalariados, os dos poupadores, os jeitos são personalizados. Em outros tennos, os titulares de direitos e
dos consumidores - o Direito Econômico acabaria por colocar. em obrigações podem ou não sér dotados de personalidade jurídica. Se se
xeque a teoria ortodoxa dos sujeitos de direito 15• considerarem todas as situações em que a ordem jurídica atribui o exer­
Ao analisar o tema da empresa como sujeito de Direito Econômi­ cício do direito ou (o que é o mesmo, visto pelo ângulo oposto) o cabi­
co, Julio Olivera igualmente proclama a inexistência de identidade mento de pr estação, sujeito será o titular do primeiro ou o devedor da
conceituai entre sujeito de direito e pessoa. De acordo com Olivera, à última. No conceito de sujeito de direito enc ontram-se, assim, não só as
subjetividade jurídica em sua forma mais elementar corresponderia o pessoas, físicas ou jurídic as, c omo também algumas 'entidades' desper­
sujeito de direito, compreendido, assim, como um mero cent.ro de sonalizadas''18.
imputação de débitos. Analisada, contudo, na sua mais plena e supe­ Percebe-se, pois, que todos esses doutrinadores refutam igual­
rior acepção, a subjetividade equivaleria a uma organização diferen­ mente a tradicional definição de pessoa, sem que entre eles se encon­
ciada de responsabilidade, que apenas poderia ser imputada à pessoa. tre, todavia, uma uniformidade de vistas quanto ao que se deva enten­
Donde conclui o autor ser a empresa um sujeito de direito, mas não der por sujeito de direitos. Ressalte-se, contudo, que esse desencontro
uma pessoa, pois embora ela seja um centro de decisão e ação, em de opiniões não tem o condão de fragilizar as bases da incipiente dou­
tomo do qual gravitam deveres jurídicos, falta-lhe autonomia patri­ trina. Antes, a divergência entre os fundamentos distintivos das cate­
monial 16. gorias sujeito e pessoa chega a ser mesmo compreensível, pois, como
Antonio Junqueira de Azevedo também diferencia pessoa e su­ afirma Carbonnicr, a noção de sujeito de direito - ao contrário do que
jeito de direito, parecendo compreender a noção de subjetividade sucede com a de pessoa - é recente e de origem doutrinária, pennitin­
como sendo mais ampla do que a de personalidade: do aos juristas moldá-la a seu talante 19•

13 Cf. Su jeitos de Direito (Direito Eeonômieo). ln: LIMONGI FRAN ÇA, R. (coord.)
Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 308-11. 17 Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia. 3. cd., São Paulo: Saraiva,
14 GRAU. Sujeitos..., cit., p. 309.
2000, p. 33.
15 Cf. GRAU. Sujeitos..., eit., p. 309. 18 Curso de Direito Comercial. V. 2, São Paulo: Sa raiva, 1999, p. 9.
16 Cf. OLIVERA, Julio H. G. Derecho Económico. Buenos Aires: Ara yú, 1954, p. 19 .
Cf CARBONNIER, Jean. Sur les Traces du Non-Su jet de Droit. ln: Le Sujct de
45. Droit. Arcl1 ives de Philosophie du Droit. T. 34, Paris: Sire y, 1989, p. 198.

24 25
Fiamo-nos também nessa distinção, embora discordemos dos au­ a pessoa, a ela equiparando o sujeito de direito, descura que este últi­
tores antes citados no que concerne ao fundamento da mesma. mo é um dos elementos estruturais da relação jurídica e que, portanto,
Segundo nosso entendimento, pessoa e sujeito de direito não se possui conteúdo e feições próprias. Em outras ocasiões, se tal cir­
distinguem por ser este último dotado de concrctude e aquela primeira cunstância não é olvidada, o que se verifica é uma velada incongruên­
de abstratividadc, como enuncia Pontes de Miranda. Ao que se ensaia­ cia entre o que se concebe como sujeito ele direito e o modo como esta
rá expor no tópico seguinte, a noção de sujeito de direito, enquanto noção é inscrta na matéria relativa à personalidade. Sem dúvida, esses
componente da tríade estrutural da relação jurídica, traduz necessa­ são desacertos que não se justificam e que devem ser plenamente
riamente uma situação abstrata. Ser sujeito de direito, assim como ser afastados para que se atinja a efetiva compreensão do que sejam su­
pessoa, são situações jurídicas que representam potencialidades e que, jeito de direito e pessoa.
como tais, encontram-se plenamente efetivadas a despeito da prática Insere-se, pois, o sujeito na estrutura da relação jurídica, desem­
deste ou daquele ato jurídico: a rigor, decorrem unicamente de um fato penhando o papel de centro de imputação de direitos e deveres. Con­
jurídico, que pode ser o nascimento com vida do homem ou um ato de forme seja, naquela específica relação, titular ou não do direito outor­
vontade do legislador, aliado ao preenchimento de certos requisitos no gado pelo ordenamento, diz-se ativo ou passivo.
caso das pessoas jurídicas. Além do sujeito de direito, integram a relação jurídica o vínculo
Todos os demais autores citados, cm linhas resumidas, compre­ de atributividade 20 e o objeto de direito. O primeiro representa o
endem como distintos sujeito de direito e pessoa por crerem que a "elemento propulsor da relação jurídica [que] vincula os sujeitos ou
subjetividade, não representando um atributo exclusivo das pessoas, submete uma coisa ao poder da pessoa, concretizando a relação abs­
alarga suas fronteiras além dos domínios da personalidade. Também trata" 21, ao passo que o segundo consiste 110 "bem 110 qual incide o
não nos filiamos a esse entendimento. Conforme se demonstrará ao poder do sujeito, ou a prestação exigível" 22.
longo do segundo capítulo desse trabalho, somente as pessoas figuram Analisando-se o tripé sobre o qual se assenta a relação jurídica,
como destinatárias dos comandos normativos, de modo que apenas a percebe-se que, não obstante sujeito, vínculo de atributividade e ob­
elas é dado assumir o papel de sujeito de determinada relação jurídica. jeto difiram quanto à sua essência, não deixam de guardar um certo
Se outros entes existem aos quais o legislador atribui subjetividade, paralelismo no que concerne à forma. Com efeito, os três, por serem
talvez o melhor seria indagar se essa situação não evidencia que tam­ elementos estruturais da relação jurídica, apresentam-se necessaria­
bém eles são dotados de personalidade. Essa, porém, é uma questão a mente como categorias abstratas, cujo conteúdo apenas in concreto se
que nos ateremos mais circunstanciadamente no capítulo que se segue. pode precisar.
Por ora, volvamos à questão originalmente posta, passando à nossa Assim entendido o vínculo de atributividade como "o aconteci-
contribuição pessoal acerca do conceito de sujeito de direito, para que mento, dependente ou não da vontade humana, a que a lei atribui a fun-
se possa, enfim, alcançar, com exatidão, o conceito jurídico de pessoa. ção de criar, modificar ou extinguir direitos" 23, poderá ele consistir em
um negócio jurídico, em um ato jurídico stricto sensu, cm um ato-fato
3.2 Um ensaio de compreensão do conceito de sujeito de ou mesmo cm um fato jurídico stricto se11s11, de modo que somente a
direitos como elemento estrntural da relação jurídica
20
ORLANDO GOMES confere o nome ele.fato propulsor a este elemento: cf. !11tro-
Se por muito tempo o conceito de sujeito de direito tem perma­ d11ç<io... , cit., p. 100.
necido emaranhado nas teias da noção de pessoa, sem dela se desven­ 21
GOMES. !11trod11ç<io... , cit., p. I O 1.
22
cilhar, tal se deve sobretudo ao fato de que a doutrina, ao versar sobre GOMES. !11trod11ç<io... , cit., p. 100.
23
GOMES. lntrod11ç<io... , cit., p. 101.

26 27
a
relação ma terialmente con siderad a revelará qu al dessas espécies con­ 3.3 Surgimento e formação do conceito jurídico de pesso
cretizou-se e desencadeou a produção de efeitos jurídicos.
longo
O mesmo sucede em relação ao objeto ele direito: se ele equivale O sentido vulgar de pessoa alterou-se significativamente ao
m "má s­
do tempo. Se as raízes etimológicas do vocábulo pessoa evoca
a
a um bem, diversas poderão ser suas c ategorias - móvel, imóvel fim­
agem representado,
gível, infungível, corpóreo, incorpóreo, etc -; caso se trate ele' uma cara que os atores usavam quer para imitar o person
26
prestação, poderá ele consistir em um ato (dar ou fazer) ou em u quer par a servir de aparelho ampliador da voz" , po s teriormente, a pala­
agem da peça
abs tenção (.não fazer), c bendo, ainda uma vez, à relação jurídica e:�
� vra passou a nomear o próprio ator mascarado ou a person
gem cênica
ereta especificar o conteudo desse componente. teatral27. Francesco Ferrara infonna que, depois, essa lingua
ar o papel
.
Não po�eria ser de diversa maneira com o sujeito de direito. Re­ imiscui-se em meio à vida comum, passando a palavra a design
l r u posiçã o, ftm­
su�mclo-se . igualmente a uma no?ão abstrata, o sujeito de direito ja­ jurídico-social que o homem representava, ao assin a a s a
cita autor
o
°:a1s podena, :º1�0 quer a doutnna tradicional, iguala r-se à pessoa, ção ou qualidades. Com vistas a comprovar essa afinnação,
sentido:
visto ue esta ul�1�a traduz apenas o ente que participa em concreto
� trechos do Digesto que atestam a utilização do vocábulo neste
de ce1 ta relaça_o JUnd1c. ione legatu r (D. 34,
. a : em um caso pode-se ter como sujeito de di­ pupillum..... personam sustinere eius a quo sub condic
et (D. 41,
reito uma pessoa na tural, em outro, uma pessoa jurídic a . 3, 7, 5); hereditas..... non heredís personam sed defuncti sustin
ativa, mais
Concebido o sujeito de direito como "o portador de direitos ou deve­ 1, 34)28. Por fim, assumiu o tenno a denot ação atual, indic
res em uma relação jurídica"24; "um centro de decisão e de ação"25, tem comumente, do ser humano.
. para
se nece saname�te um conceit. o vazio, um invólucro sem conteúdo, que Originariamente, os romanos se valiam da pala vra persona
� obriga ções
pode sei preench1do por qualquer ente que, a convite do legislador venh designar o homem em geral, fosse ele capaz de direitos e
. a
do qu l er sinônima.
a ocupar a posição de destinatário das 1101mas
jurídicas. ' ou não, sucedendo o mesmo com o termo caput, a a
não haviam
Basta, portanto, que o legislador aponte determinado ente como Assim, os escravo s, que, par a o Direito Civil romano,
eram
foco de uma relação jurídica, outorgando-lhe um direito que seja, pa
ra galgado a posição de sujeitos de direito, inicialmente também
a célebr es Institu t de
denominados personae, como confirmam
as
que ele possa. Jalgar a � posto de sujeito de direito, desvencilhando-se s
omnes homi­
de :ua cond1ça? de obJeto de direito ou mesmo deixando o limi
ar da
Gaio: summa divisio de iure personarum haec est, quod
a fir­
ma is completa melevância jurídica. nes aut liberi sunt aut servi (G., 1, 3, pr .). Sentido esse que é re
, t is como G ., 1, 9; 1,
Resgata da a autonomia do conceito de s ujeito de direito, compre­ m ado também em outros trechos daquela obr a a
.
endido agora como cleme to d a relação jurídica para O qual conve 120; l , 121; 4, 135.
? r­
gem os mandamentos legais, passa- se ao escla recimento da "simp
les " Portanto, ao se reputar como personae os escravos, não se lhes
pergu?tª, q�e . desde o início deste trabalho vem-nos intrigando: qu
al 0
outorgava a possibilidade de ser titulares de direitos e obriga ções:
.
conceito Jur1d1co de pes soa ? contrariamente, chamando-lhes dessa maneira, evidenciava- se, tão­
somente, que os mesmos não se igualavam aos animais, não obstante
su a condição deres.

26 VICTORIA, Luiz A. P. Dicionário da Origem e da Evolução das Palavras. 3. ed.,


Rio de Janeiro: Editora Científica, 1963, pessoa.
24 NADER, Paulo. lntroduçcio ao Estudo do Direito. 17. ed., R'o .
, de Janc,ro.. F orcnsc, 27
Cf. VICTORIA. Dicionário... , cit., pessoa.
1999, p. 214. 28 Cf. Teoria dei/e Persone Giuridiche. Napoli - Torino: Eugcnio Marghicri - Unio­
25 OLJVERA. Derecho...
, cit., p. 42. nc Tip-Editr. Torinese, 1915, p. 332.

28 29
De acordo com os autores que se dedicam ao estudo cio Direito a personalidade. Em Roma, só detinha o estado de pessoa aquele que,
romano, apenas no período pós-clássico, o vocábulo passou à sua nascendo yivo de mulher, possuísse forma humana 32• Tais pressupos­
acepção técnica, designativo do homem, enquanto dotado de persona­ tos, contudo, não bastavam à aquisição da personalidade: para tanto,
lidade jurídica. deveria ainda o indivíduo ser livre (status libertatis) e ser cidadão
É bem verdade que o novo conceito não estava devidamente sedi­ romano (status civitatis).
mentado, visto que a análise ele alguns trechos cio Digesto autoriza a con­ A partir desse momento crítico em que houve a cisão entre as no­
clusão de que o uso cio tenno persona como equivalente de homo não ções de pessoa e de ser humano, a história atesta que a conciliação
estava, ainda, plenamente expurgado do Direito romano, como demons­ entre ambas estaria longe de verificar-se. Com efeito, várias foram as
tram D. 18, 1, 12; D. 30, 86, 2; D. 50, 16, 2 I 5; D. 50, 17, 22 pr. causas - como a escravidão, a morte civil e as profissões religiosas
A tecnização do termo, entretanto, já se prenunciava, conforme feitas mediante voto de desterro da vida civil - que ensejaram a total
revela ao menos uma única menção nas fontes, em que o termo caput supressão da personalidade.
- sinônimo de persona - figurava como indicativo do poder de titula­ Coube sobretudo aos ideais cristãos contestar esse sistema exclu­
rizar direitos e de contrair obrigações. É o que se infere cio parágrafo 4 dente e injusto. A crença na dignidade do homem, enquanto filho ele
cio título 16 cio livro I elas Institutas ele Justiniano: servus. .. nullum ca­ Deus, criado à sua imagem e semelhança, chocava-se frontalmente
put habuit 29 . com a privação de direitos a que eram submetidas determinadas clas­
Neste momento surge o conceito jurídico ele pessoa. Desvenci­ ses de indivíduos. Os clamores por igualdade avolumaram-se a ponto
lhanclo-sc de sua acepção vulgar, a pessoa reveste-se de um sentido ele insuflar a grande maioria cios ordenamentos jurídicos modernos a
muito particular perante o Direito e passa a nomear não o homem em estender, indiscriminadamente, a qualidade de pessoa a todos os seres
si, 1nas "o ser a que se atribuem direitos e obrigações" 3º. Rompeu-se a humanos. Não destoou desse espírito o Código Civil brasileiro de
sinonímia até então existente entre homem e pessoa, sendo que este 1916, que em seu art. 2°, de forma sintética e clara, rechaçava vigoro­
último termo passa a aplicar-se tão só aos seres dotados de capacidade samente a distinção entre ser humano e pessoa outrora existcnte 33.
de querer juridicamente. Destarte, o ser pessoa, para o Direito, resul­ Diante dessa lenta trajetória de evolução do conceito jurídico de
tava, naquele momento histórico, não de um fato da natureza, mas de pessoa, Miguel Reale proclama: "dizer que todos os homens, via de
um ato de personificação que só a ordem jurídica poderia praticar3'. regra, sem distinção de nacionalidade, são titulares de direitos e obri­
Grande repercussão originou-se da tecnização do termo, pois, se gações [sic] na ordem civil é afirmar uma conquista da civilização"34,
antes todo e qualquer indivíduo era reputado pessoa, com a inovação, pois "foi através de longa evolução histórica que os homens vieram se
apenas àqueles que reunissem determinadas qualidades era outorgada emancipando dos grupos a que pertenciam. É um processo que nós
poderemos chamar de integmçcio social, graças ao qual se operam,
29 Cf. SCHULZ, Fritz. Classical Roman Law. Oxford: Clarcndon Press, 1951, p. 71; concomitantemente, fenômenos complementares: a atribuição pro­
ARANGIO-RUIZ, Vincenzo. lstituzioni di Diritto Romano. 2. ed., Napoli: Nicola gressiva de poderes autónomos e iguais aos indivíduos como tais; e a
Jovcne & C. Editori, 1927, p. 42; IGLESIAS, Juan. Derec/10 Romano - fnstitucio­
nes de Derecho Privado. V. 1, 2. ed., Barcelona: Aricl, 1953, p.36; NÓBREGA
32 Para
Vandick Londres da. Compêndio de Direito Romano. V. 1, 6. ccl., Rio de Janeiro� firmar a existência do homem, uma corrente minoritária de romanistas acres­
São Paulo: freitas Bastos, 1970, p. 294; CHAMOUN, Ebert. Instituições de Di­ centa, ainda, o requisito da viabilidade, ou seja, a aptidão para a vida.
reito Romano. 5. cd., Rio de Janeiro - São Paulo: Forense, 1968, p. 47. 33 Idêntica estrutura encontra-se depositada no art. 1º., Cód. Civ. de 2002, que prefe­
30 BEVILAQUA. Código... , cit., p. 180. riu, porém, o termo "pessoa" a homem, numa construção "politicamente correta",
31 Cf. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito (Rechtsphilosophie]. Trad. L. mas injustificável cm língua portuguesa.
34 lições
Cabral de Mancada. São Paulo: Saraiva, 1934, p.188. Preliminares de Direito. 15. ed., São Paulo: Saraiva, 1987, p. 224.

30 31
Paris, é
constituição de uma estrutura jurídica superio r capaz de garantir essa grandiosa tour Montparnasse, que se des�a�a na paisagem de
auto nomia" 35• um congl omerado de escritórios empresana1s. , .
o fato é que o instinto gregário do homem reprcs�nta, semNa�uv1- o se
o.
3.4 Classes de pessoas da uma realidade que se impõe a qualquer observador. mcaut
que pa1 ra ªº red r des­
pode negar, p ortanto, o grande interesse social _ .
o
A o reconhecer a condição de pessoa ao h omem, o legislador, na o de uma
ses grupo s: os associados, os beneficiados pelos pres�1m :
verdade, atesta que esse h omem é o foco central das atenções do Di­ ... Per­
fundação , ôs credores, os empregados desses entes, o s cidadaos
reit o. A pers onalidade, nessa circunstância, revela-se instrumento dire­ s catalis ad res de esforç os
cebe-se, assim, que em to mo desses centr o o
to de efetivação e plenificação d os intentos humanos. am c m ca­
gravitam objetivos de diferentes ordens, mas que guar� o o
Contudo , também a personificaçã o de entes que não os próprio s ao h o -
racterística c omum O fato de constituírem interesses atmentes
homens po de conduzir à satisfação das necessidades humanas. O atri­ a.
mem e, com o tais, dignos de tutela jurídic .
buir-se a condição de pessoa a outras realidades preenche, indireta­
Para O resguardo de tais interesses, poderia o legislador ter opta-
mente, as expectativas d o homem, viabiliza seus projetos e permite a qu , no pas­
do entre inúmeros e diversos recursos. Ferrara demonstra . �
concretização de seus ideais. tos f�­
sado e em sistemas p ositivos que não o italiano, o utros mstltu
Quer pela fragilidade da natureza humana, quer pelo sentimento. s de c mun
ram utilizados para representar coletividades ou centr �� o
o o
gregári o que sempre povo ou os relaci onamentos so ciais, o fat o é que
de interesses. A título de exemplo, relembra a figu�a do pat �
e rf milia ,
nem sempre o s projetos e ideais humano s foram exclusivamente indi­ o a os
que, embora ocupasse uma posição de supremacia em relaça
viduais. Mo vidos pel o afeto, ou pela necessidade de apoio e de segu­ figura ssegur ava­
membros do gmpo formado ao seu redor, com sua . �
rança, ou mesmo pela avidez por lucro, os h omens sempre ensaiaram
lhes, to davia, inúmeras vantagens. Ferrara menciona, amda, � �
o o
formas· de convivência comunitária, conjugando esforços e recurso s, o Direito
institutos que se prestam a tutelar interesses comuns o trust, n37
na busca de o bjetivos comuns. alemã •
inglês, e a comunhão zur gesammten Ha11d, no direit o o

Com tal freqüência os fins colimad os pelo s ho mens superam as
Percebe-se, pois, que "sob o aspecto prático, a pe�sonahdade .e
suas forças, que os agrupamentos humano s mostram-se co mo uma
um método para conseguir certas vantag�ns que p�dem amda ser obti­
realidade inafastável não só nos primórdios da história, mas princi­
das apr@imativamente p or outras vias. E �erto que _ent.re t.o�as ,�ler­
palmente nos tempos atuais. E, à medida em que se fonnam tais gru­
sonalidadc é a forma mais evoluída e perfeita, mas nao e a unica .
pos, percebe-se que, inevitável e pro po rci onalmente, reduz-se, ainda
Diante, portanto, da superioridade técnica da personalidade, o p­
mais, o campo de ação do indivíduo que despende seus esforços isola­ tou O legislador por permitir que essas realidades galg� ssem a o p osto
damente. Gérard Co rnu indaga, a propósito, se o notável avanço das de pessoa, com vistas a lhes dispensar um� tutela mais abrange�te .e
pessoas morais nã o denuncia, desde já, um pr ovável pr oblema futuro, acurada. Emergia, assim, uma nova catego na de pessoa: � pessoa JUn-
representado pela coexistência pacífica entre as pess oas tisicas e os dica.
demais entes pers onificado s. Concluind o suas especulações, e, justifi­ Ser pessoa deixa, então, de constituir um atributo exclusivo do
cando seus temores, ironicamente pergunta: "Qui dort dans la tour homem considerado em si mesmo e passa a estender-se aos agrupa­
Mo11tpar11a sse?"36• Certamente não são as pess oas naturais, já que a mentos formados por meio da iniciativa humana, para a consecução de

35 REALE. Lições... , cit., p. 225. 37


Cf. Teoria... , cit., p. 363-4.
36 Droit... , cit., p. 154. 38
FERRARA. Teoria... , cit., p. 364.

32 33
fins previamente estabelecidos, e a certas destinações patrimoniais. obrigações; a essência desses seres, por sua vez, estabelece critérios
Surge, assim, a clássica "distinção" entre, de um lado, pessoas físicas, para a categorização das pessoas, mostrando-se, por essa razão, de ex­
singulares ou naturais, e de outro, e pessoas jurídicas, também deno­ trema relevância para a mensuração daquela aptidão, conforme se verá
minadas coletivas, morais ou fictícias 39. no capítulo subseqüente.
Embora uma e outra figura constituam classes distintas de pes­
pessoa
soas e sejam habitualmente contrapostas na manualística civil, mister 3.5 Percepções valorativas em torno do conceito jurídico de
se faz ressaltar que, para o Direito, esta oposição é muito mais ilusória \ '
l,
do que concreta. De fato, não desconhece a doutrina que tanto a pes­ Depurado o conceito jurídico de pessoa, parece ser aconselhave
por Recas éns
soa tisica quanto a jurídica igualam-se em uma aptidão essencial: am­ por fim, retornar a mais um dos questionamentos propostos
a perso­
bas, por razões diferentes - não se pode deixar de ressaltar -, são Siches, qual seja, o de saber a quem o Direito deve conceder
4 Como visto, essa indagação não é apta a revelar o significado
igualmente vocacionadas a titularizar direitos e a contrair de obriga­ nalidade 1.
questiona­
ções. de pessoa para o Direito. Todavia, esse fato não faz dela um
gico em
Como, então, diferenciar pessoa fisica e jurídica? Recaséns Si­ mento vazio ou sem interesse: antes, traduz um anseio axioló
nte se deve conced er guarid a.
�he _s �·esponde com acurada precisão que as diferenças entre o sujeito tomo dessa temática ao qual necessariame
Primeiramente, há que se adve11ir que a pergun ta de Recas éns
md1v1dual e os entes coletivos não são de índole jurídica, de modo que
nador,
eles se distinguem por dimensões metajurídicas4 º. Siches, tal como formulada, deixa entrever que, para este doutri
extríns eco aos entes que detêm
Com efeito, se afastado o aspecto da personificação, percebe-se a personalidade representa um atributo
.. e do indiví duo
mt1damente que pessoa física e pessoa jurídica distinguem-se substan­ essa qualidade. Segundo essa ótica, tanto a personalidad
ente
cialmente: a primeira consiste numa realidade concreta e palpável; a quanto a. dos entes coletivos seriam artificiais, visto que igualm
4 2. Destarte, o ser pessoa, por
segunda, contrnriamente, resulta de uma abstração lógica, não suscetí­ traduziriam uma constrnção do Direit o
do de
vel de apreensão pelos sentidos. consubstanciar um conceito jurídico, seria sempre um resulta
éns Si­
Isto posto, vê-se que não sem razão Recaséns Siches alertava não uma atribuição ou de uma concessão. É certo que para Recas
luz de uma percep ção valora­
se confundir o conceito de pessoa com o substrato ontológico dos ches esta concessão deve ser efetivada à
a condiç ão
entes que recebiam essa qualificação. O conceito de pessoa representa tiva da realidade, de modo que o Direito não poderia negar
º marco de aproximação entre homem e demais entes personificados, de pessoa ao indivíduo humano, sob pena de trilhar as veredas da in­
. justiça. Assim, conceder ou não o status de pessoa ao homem repre­
visto que um e outros são aptos à aquisição de direitos e à assunção de
sentam duas hipóteses lógicas: esta última, entretanto, queda descar ta­
43 .
39
Reúnem-se aqui as denominações mais correntemente conferidas às pessoas res­ da, na medida em que apenas a primeira é eticamente possível
salvando-se, todavia, que não há acordo em meio aos juristas e nos diversos �rde­ É certo que a juridicidade do conceito de pessoa e de personali­
namcntos jurídicos quanto àquelas que mais fielmente evidenciariam as realidades dade representa um ponto de aproximação entre pessoas naturais e
q�1c lhe são subjacentes. O Código Civil brasileiro, por sua vez, adotou as exprcs­
soes �,aturai pa�a o homem (Título I, Livro 1, da Parte Geral) e jurídica para os
Rccaséns
demais ent:s (Titulo II do mesmo Livro), preservando as denominações emprega­
_
41
Mantém-se, para uma citação fiel dos questionamentos propostos por
ver, o legislad or,
das pelo Cod1go de 1916. Para uma análise detalhada das designações menciona­ Siches, a expressão textual por ele empregada, embora, a nosso
da � : de outras de menor repercussão Cf. SJLVA PEREIRA, Cai� Mário da. Jnsti­ cm relação à pessoa natural, não tenha poderes para concede r-lhe a persona lidade,
t111çoes de Direito Civil. V. 1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense' 1997 ' p. 142-3 e limitando-se a reconhecê-la.
187-8. 42
Cf. RECASÉNS SICHES. Tratado... , cit., p. 269.
4° Cf. Tratado... cit., p. 262.
, 43
Cf. RECASÉNS SICHES. Tratado... , eit., p. 268.

34 35
jurídicas. No entanto, cremos que essa circunstância não eleva o le­ nhecimento de que o ser homem e o ser pessoa são realidades indisso­
gislador ao posto de árbitro exclusivo da única escolha ética possível, ciáveis:
representada pelo conceder-se a personalidade ao homem. Entende­ "O reconhecimento da personalidade jurídica a todos os seres humanos
mos que o presente tema somente resta bem equacionado se a sua é [... ) um imperativo dimanante da pessoa, porque esta comporta em si
discussão reflete um equilíbrio entre, de um lado, juridicidade, e de mesma ex natura, a dimensão da subjeti"vidade jurídica. Por outras pa­
ou�r?, as r ��ões de que defluem a personificação. Esse é o parece; de lavras, 'o conceito jurídico de pessoa está contido no conceito ontológi­
.
Mano Emtho Bigotte Chorão: co, sendo toda pessoa natural, forçosamente, sujeito de relações de jus­
tiça"45.
"A esse propósit�, impõe-se evitar, quer a tentação da equivocidade, in­
,
sensivel ao que tem de comum as pessoas singulares e coletivas, quer 0 Assim, o ser homem, o partilhar da condição humana restringe
_
desh.ze no . excesso abstracionista e formalista da univocidade, incapaz sensivelmente o arbítrio do legislador. Se o querer legislativo atua
de discernir o que, sob o rótulo comum da personalidade, existe de·sin­ sobremaneira no que concerne à· personificação dos entes coletivos,
gul�r na personalidade singular (releve-se o jogo de palavras), direta e autorizando, indiretamente, até mesmo a desconsideração dessa mes­
ra�1calmente fundada [ ...] na personalidade ontológica do ser humano. ma personalidade, o mesmo não sucede em relação à pessoa natural O
Pru110 et pr!n �i�alit :r, �m �e�tido forte e por natureza, proprie foquen­ :
homem, por sua substancialidade e por sua dignidade imanente, 11n­
do, pess�a Jund1ca e o md1v1duo humano; secundariamente e a simifi,
põe-se ao legislador como uma realidade irrefutável, que demanda
podem se-lo também outras realidades" 44.
reconhecimento e não admite negação.
É fa�o que a existência corpórea e psíquica do ente não é necessa­ Essa assimetria entre o tratamento conferido à pessoa natural e o
.
nam�nte 1m �rescindível à aquisição do status de pessoa. Daí porque dispensado à pessoa jurídica justifica-se, como brilhantemente indica
tambem sociedades, associações, fundações, etc. são reputadas pes­ Edgar de Godoi da Matta Machado, em razão da própria natu:eza
_
so�s, n �o obstante careçam de substancialidade. No entanto, se a
� jurídica desta última 46. Embora tanto homem quanto entes coletivos
ex1ste �c1� concreta da pessoa não é considerada pelo legislador como sejam nomeados pessoas pelo ordenamento, há que se ter em conta
.
r�qu�s1 to a concessão de personalidade a agremiações sociais e a pa­ que diferentes motivos operam para que ambos, enquanto sujeitos de
.
tnmon1os marcados por uma destinação final, daí não se pode inferir direitos e de obrigações, sejam igualmente nomeados pessoas.
que esse substrato ontológico seja irrelevante em matéria de personifi­ Para análise do tema, Matta Machado emprega como método a
_
caçao. analogia, esclarecendo que esta, em esquema inspirado em Jacques
R�c�a?ando um posicionamento idealista, que encara a persona- Maritain, comporta três modalidades. Em um primeiro momento, tem­
.
lidade Jund1ca como mero fenômeno cultural, à margem de qualquer se a chamada analogia de atribuição ou de relação, que se verifica
:undamento natural e metafísico, Mário Emílio Bigotte Chorão filia-se quando um conceito é em si mesmo unívoco, aplicando-se com o
a concepção realista em torno da personalidade da pessoa natural. mesmo nome e com o mesmo sentido a vários sujeitos. Como exem­
�egundo essa vertente de pensamento, o home.rn é pessoa por impera­ plo dessa modalidade, Matta Machado cita o adjetivo são, que. pode
t1 vo� deco?·entes a um só tempo de seu subst,:ato ontológico e de sua qualificar o clima ou o organismo, denotando, nas duas circunstâncias,
.
dignidade imanente. Destarte, essas circunstâncias conduzem ao reco-
45 BIGOTIE CHORÃO. Conccpção... , cit., p. 279i
46 C .
f Conceito Analógico de Pessoa Aplicado à Personalidade Jurídica. Rev�sra da
44 Con cp ção Re lista da Personalidade Jurídica e Estatuto do Nascituro. Revista Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Honzontc,
� . � n. 6, nova fase, out. 1954, passim.
Bras,lell'a de Direito Comparado, Rio de Janeiro, 11• 17, 2º sem. 1999, p. 263.

36 37
dada a mútua imbricação
o mesmo sentido. Como segunda espécie de analogia, Malta Machado sonalidade é, portanto, ínsita ao ser humano,
elcnca a analogia metafórica ou de proporcionalidade imprópria, que existente entre o ser pessoa e o ser homem.
ftlosofie s
toma por base também um termo unívoco, que se transfere a outros A esse propósito, cabe advertir que tanto "argumentos
da antrop logia
sujeitos em virtude da semelhança que estes guardam entre si. Nessa da razão natural"st, quanto as "luzes sobrenaturais
envolvend a cnatura
ótica é que Rui Barbosa era conhecido como a "águia de Haia", por ter cristã"s2 tecem um manto de dignidade que, a rd m
em meio
sido, como orador, dotado de alta eloqüência que evocava os altos humana, elevam-na a um patamar incomparável
tosc mente a autentica
vôos do pássaro. Por último, há a analogia de proporcionalidade pró- jurídica. Esse patamar, todavia, reflete apenas
vez m_a1s, con:1 _aquela ue
pria ou de proporção, em que o conceito em causa é, ele mesmo, vocação humana, que é identificar-se, cada
nesse sentido, o lmco ensma-
análogo, porque identifica sujeitos que se assemelham cm caracteres é a Pessoa por excelência. Colha-se,
essenciais 47. Para exemplificar menciona o termo ser, que indica a um mento de Matta Machado:
só tempo a criatura e Deus. construção do pensamento
" A pessoa natural dos códigos nãd é simples
Diante desse quadro, Matta Machado conclui que entre pessoa Deus, analogado s:'pre-
jurídico. É reflexo da imagem e semelhança de
natural e pessoa jurídica paira uma analogia de proporcionalidade absolutamente, a noçao da
mo, Ato puro, em que se realiza, plena e
imprópria. O termo pessoa, unívoco, designa tanto homem quanto Pessoa.( ... ] . . .
. . cons1st1ra, .
pois, em
entes coletivos, que, nessa condição, gozam igualmente de existência • Todo progresso moral, isto é, humano, do D1'.·e1to
real 48. Todavia, essas duas realidades não se assemelham na ordem arrancar da sombra para torná-los salientes e vivos, os traços configura-
. .
entitiva, i.e., no plano das essências, e sim no plano jurídico da opcra- dores daquela m1stenosa seme lh·ança ,53
t_ividade, i.e., quanto à sua maneira de proceder no campo do Direito 49 . passemos ao seg mdo
Feitas essas indispensáveis considerações,
E o que ensina Matta Machado: e tudo da nova s1ono-
capítulo deste trabalho, que será dedicado ao
conceitos de personalidade e
"Há, pois, na pessoa jurídica tecnicamente considerada um 111ome11to de mia que os tempos atuais impuseram aos
ação; as pessoas jurídicas são, portanto, pessoa quanto ao modo de capacidade de direito.
agir; não são pessoa entitivamente, ou na ordem da essência, da especi-
ficação, mas dinamicamente, ou na ordem da operação, do exercíeio"sº.
Não é de me ma espécie, porém, a analogia que se firma entre
homem e pessoa natural. Entre esses dois conceitos estabelece-se uma
analogia de proporcionalidade própria, que é denunciada pelas se-
melhanças existentes entre homem e pessoa no plano da essência.
Tamanhas são as semelhanças essenciais que guardam esses concei-
tos, que ao legislador não é dado promover a sua dissociação. A per-

47 Cf. MATTA MACHADO. Conceito ... , eit., p. 71-2.


48 Cabe aqui uma advertência quanto ao real sentido dessa afirmação. Os entes cole-
tivos preexistem ao Direito não enquanto realidade normativa, mas na fomia de re-
alidade sócio-organizacional integrada por homens. 51BIGOTTE CHORÃO. Concepção ... , cit., p. 273.
49 Cf. MATTA MACHADO. Conceito ... , cit., p. 76-7. 52 BIGOTTE CHORÃO. Concepção ... , cit., p. 273.
5° Conceito ... , cit., p. 77. 53 Conceito ... , cit., p. 77-8.

39
38
CAPÍTULO 2
PERSONALIDADE E CAPACIDADE
DE DIREITO: NOVAS FACES
DE ANTIGOS CONCEITOS

1 PERSONALIDADE: CONCEITO
E DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS

Os seres que possam atuar como sujeitos de direito, ao serem


apontado� pelo legislador, tornam-se fatores de propulsão da vida
jurídica, à medida que os comandos legais lhes são exclusivamente
endereçados. Uma vez escolhidos, tais entes são retirados de sua con­
dição de meros espectadores e conduzidos ao palco sobre o qual uma
'
multiplicidade de papéis jurídicos é interpretada, na tessitura da trama
das relações jurídicas.
Essa performance, contudo, apenas se efetiva, porque, previa­
mente, no momento de sua eleição, tais seres foram ainda dotados de
uma aptidão básica e essencial, que os caracteriza como pessoas: a
possibilidade de atuarem como personagens da cena jurídica, figuran­
do, ativa ou passivamente, nos pólos da relação jurídica.
A essa suscetibilidade deu-se o nome de personalidade, definida
por Clovis Bevilaqua como "a aptidão reconhecida pela ordem jurídi-

41
ca a alguém, para exercer direitos e con
trair obrigações" [sem gn.10 no
original]54. &-.
Para que bem se possa apreender o que seja ess a qualid ade, é
Através do conceito de Clovis Bevilaq mister diferenciá-la do sentido vulgar e corrente do termo personali­
. ua , perce be-se que a per-
sonaltdade na-o se situ
. a no pl ano da fati .d dc dade, que traduz a chama da personalidade soci al.
a s no da p�tenci. a
dade, isto é, no conceder-se a dct li­ Justamente por encerrar cm si apenas situações, circunstâncias,
ermin�d�s ;e;es pr':.'_rogat1
podem ou não se efetivar, confor v a s que papéis ou funções previa mente definidos como juridicamente rele­
me se a resen te ou nao, no
pccífico, o suporte fático pre caso es­ v antes e que encontr am repercussão no meio social é que se destaca a
viamente 'pontada pelo ord
camo apto a desenca dear canse .. • . . � enamento personalid ade jurídic a d a persona lida de social. Enquanto aquel a pos­
quenc1as urí di as. Desse
e personalida de são noções que J : modo, pessoa sui contornos muitos rígidos e definidos, esta última, a seu turno, é
sc assentam na o sobre o con .
mas sobre o concretizável. cretiza do, permeada pela autenticidade dos seres, pela sua existência única, ge­
Embora a person a lidade sej nuína e exclusiva, que transcende, obrigatoria mente, os estreitos limi­
a p rcssu. posto _fundamenta
tos e seu centro de irrad1·aç- l dos direi- tes da personalidade jurídica. Assim, "enquanto a personalidade social
ao, e1 a n-ao e cm si um c1· .
qualidade essencial que tor ire1to, mas uma [... ] é sempre algo vaga e difus a, a personalidade jurídica tem perfis
' na passi. vel ao homem ou .
entes o figurar em relações . . . a determm ados rigoros amente rccortados" 57• Portanto, a person a lidade jurídica não
· uríd tc as como SUJe1tos
de dircitoss. Não se
trat a, contudo' de um'a qt1 desvel a toda a substância do indivíduo e dos entes sociais porque dela
al�1 da de qual quer' m'as de -
· ao
damental do home. m pe "uma pos1ç fun- não se ocupa. Não poderia ser de outra forma:
rante a 'ordem Ju ,
. n'd·tca , que esta express
mente reconhece"56. a- "aquilo que no Direito funciona como personalidade jurídica individual
não é a totalidade do homem, suas entranhas individuais e irredutíveis,
5� Cód,go º
sua plena realidade íntima, mas uma especial categoria genérica, isto é,
... , CII., p. 180. Merece alg . . uma categoria jurídica que adere a essa realidade, mas sem contê-la
. u m rc aro o conce110 de Bcvtla
nalrdade, distinta que é da qua, pois a pcrso­
capacidade �·e f;at� - c_onfo dentro de si. E o mesmo podemos dizer a respeito da pessoa jurídica
scr co mpreendida como . m1 c se verá adiante . dev
- a apt'd ao para arlqwnr d1 re·1
1 '" . , e coletiva: o que funciona como tal em Direito não é a realidade concreta
caçao para exercê-los I os e nao - propria mente a vo-
ss Também e total do ente coletivo, mas um sujeito construído juridicamente, em
com preen dendo
a person rd d c '.110 �ma suma, uma categoria jurídica - também, a força de tal, genérica - que o
no. I Dirilli dei/a Pers qualidade: DE C UPIS, Adria
­
onalità. �ila�o�. � iuffrc, ordenamento projeta sobre determinados tipos de situações sociais"58.
Ludwig. Dcrcch o Civil - 1950, p. 15; ENNECCE
Parte Ge e I T RUS
ENNECCERUS, Ludwig; Blas Pérez ?onzálcz e José
KlPP ;h e:do/' � �-F Algucr. ln'. Advirta -se que nad a há de inusitado ness a circunstância que,
vil. T. 1, V. 1, Barcelona: , Martm. Tratado de Derec
Bo;ch 1934, p. ��), _como lw Ci­
ademais, é plenamente justificável, à medida que "o Direito é sempre
SANTOS. Código... , cit.' p. ' _ u m estado: CARVALHO
245·• FEº •'JV º •\RA. Teoria:· cil , p.
. ·: · 337•8; como um <1tri-
b111º da pessoa hu mana: e necess ariamente uma regul ação esquemática da conduta. Esses es­
SILyA PE REIRA
MES . ,1110 , 1• . · · l11s 1t1t11ço es ..., V . J ' c1·t., p. 144; GO -
. · · · duçao - ... , c1t.' p· 141· PONT '
ES DE MIRANDA d1scorda da
quemas poderão ser mais ou menos gerais, pouco ou muito detalha­
maJontana, alertando que
º
. O equ·1voco desta . . orientação dos, mas sempre têm um mínimo de generalidade, que exclui a entr a­
sona 1idade passaram a inte e olvidar- que regras conc
. ernentes à per-
na!. Assim sendo, para este
grar o sislema Jur 1'd ·
· ico, �ao raro com rigide nha do autenticamente individual"59. Conclui-se, por força dessas ra­
autor' ..a pers ona z constitucio-
regra sobre el a apenas per 1idade e some11 te qua 1I.d . zões, que ta nto a person alid ade jurídica reconhecida às pesso as tisicas
ten ce, como enunciado do . · ade Jurídica• se a
.
maJun.d1c .
o, ao sistema que contem faro '. ao siste a como a concedida às pessoas mor ais não podem traduzir toda a reali­
. P1a a esse,. se a proposiç·ao . . acima do sistc-
m
sist·ema J.und . .
• 1co há direito sub,ict · . tio 1 inser ta, também n
o dade ontológica que lhes é subjacente.
· ' ivo .,a personalida
J· Uílc1 ICaS, a personif icação [··· ] e d'1re . . . ' de ' OU, e m SC .)ratand o de pessoas
. . 1to adqu,ndo, se _
a propos1çao fo,. inscr ta c
ramo ng1 do (conslitucional)
do dirc·1o" a. ado..., V. I S7
RECASENS SICHES. Tratado... , cit., p. 275.
CABRAL DE MONCADA . - i . T. ,
m
56 . r t cit., p. 355. ss
. L1çoes... , c1t., p. 250. RECASENS SICHES. Tratado... , cit., p. 262.
59
RECASÉNS SICHES. Tratado... , cil., p. 271.
42
43
2 CAPACIDADE DE DIREITO: EM BUSCA
Não pode, pois, a personalida de jurídica confu ndir-se com a so­
DA AUTONOMIA CONCEITUAL
cial, as s im como se viu que o sentido vulgar da palavra pes soa não
pode ser meramente trans por tado para os domínios do Direito pa ra A ordem jurídica não concedeu à pe s soa tão s ó a personalida de,
. . - .
que se atmJa a acepçao Jurídica daquele ter mo.
mas, paralelam ent e a essa qualidade ess encial, do tou-a de capacidade
Ess _a ?isti nção, em �o �a fu ndam ental, não é suficiente, contudo,
para a aquisição dos direitos e para o seu exercício, s eja por si mesmo,
p �r a delumtar, c�m pre c1sao, o perfil da personalidade no cam po do
. seja por rep rese ntação ou mediante ass istência de outrem.
D1re1to. Isso s e da pelo fato de à personalidade ajustar-se estreitam�n­
_ As s im, se a c apacidade repr esenta o gênero, pode-se dizer que
te_ u � outro con_ce1to da mai s alta significação para a Teoria Geral do
duas são as suas espécies: a capac idade de direito ou de gozo ou sim­
D1re1to : a c apacidade.
ple smente jurídica, relacionada à aquisição dos direitos e ob rigações,
Co °'. efeito, a conexão entre esses conceitos é de tal monta que
. , e capacida de de fato ou de exercício correlata à efetivação ? es�es
Ca10 Mano da Sil�a Per�ira a severa que "de nada valeria a personali­
, � mesmo s direito s e ob r igaçõe s . Por ora, o cupar-nos-emos da pnme1r a
dade sei� a capacidade Jund1ca que se ajusta as sim ao conteúdo da
es pécie, visto que a segunda será analisada, mais detidamente, ao cor ­
?ersona h�a��' na mesma e certa medida em que a utilização do direito rer do próximo capítulo.
mtegra a 1de1a de ser alguém titular dele"6º. N-ao se pode n egar por -
Habitualmente, a doutrina define a capacidade de direito como a
tanto, que e se "encaixe" entre tais noções ac aba por torná-la s zn'utua-
�_ "aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida ci­
mente con?1c10nante s quanto aos respe ctivos conteúdos, de modo que
vi1"6'.
a persona_ hdade somente se desvela em sua inteireza, à m edida em
_ Se, por um lado, esse conceito é singelo, por outro, certamente não é
que,p�n passu, edifica-se o conceito de capa cidade. _
dos mais esclarecedores, caso se considere que grande parte dos doutri­
Diante dessa circuns tân cia, poder-s e-ia pensa r que O presen te
nadores aplica idêntica definição à per sona lidade. Com efeito, justapostos
tra� all�o desc� r?� da própria adver tência que agora consigna, por ter
os tradicio nais conceitos de capacidade de direito e persona lidade, n ão s e
ofeie cido no 1111c10 do pr.e sen te capítulo o conc eito de persona lidade,
ª?tes :nesmo de a�entrar o es tudo da capacidade. As sim se fez, toda­ percebe qualquer diferença de cunho sub stancial entre eles.
via, n�o por des cuido a esse importa n te alerta, m as por razões me to­ Impor taria essa verific ação atestar a exis tência de uma duplicida­
, de de nomenc laturas que, em verdade, designam u ma única e mesma
dol og1cas, de _ modo a que se viabilizasse uma abordagem inicial do
t�ma. A_dema1s, con f�rme se pode rá a purar depois, o conceito de Cio­ qualidade da pessoa?
.
vis Be�Il a�ua transcrito no início desse tópico encontra- se em per feita Orl ando Gomes parece entender que sim , ensinando que capaci­
c nson nc1 c i ª configuração que o próximo item ac erc
dade de dire ito tem a mesma significação de personalida de, c om ela se
? � � ��. a da ca pa­
con fundindo .
62
c idade 11npnm 1ra a personalida de.

61 SILVA PEREIRA. Instit11ições... , V. 1, cit., p. 162.


intes
62 Cf. Introdução... , cit., p. 166. Nesse mesmo �cntido posicionam-se os segu
HO SAN ­
doutrinadores: CLOYIS BEVILAQUA. Códi
go... , cit., p. 181; CARVAL
ANDA. Tratado ... , Y. l, cit., p. 154;
TOS. Código... , cit., p. 230; PONTES DE MIR
cho ... , cit., p. 325; DE CUP IS. I Dirilli... , cit., p. 15; BETIO­
ENNECCERUS. Dere
Paulo : Hermes, 1989, p. 162.
60 Instituições... , Y.1, cit., p. 161. LI, Antônio Bento. Introdução ao Direito. São

45
44
· < perso nalida
de jurídica
rt anto, a me d' da d
a
·
JUfl 'd '
ica e,
· p
"A capacidad e a medid a de su
o
outra s pa 1 avras,
a
Contudo, se houvesse identidade conc eituai entre personalidade e c da 11 mem , ou em
r econhecida a a o
. . dizer que se tod os
capacidade ·de direito, ter-se-ia que admitir que essa última c ategoria nto JUrt'd1co. (. ..)·• isso quer
participação no ordename :- 0 têm em contrapa 'd
rt1 a,
existe por mero capricho da doutrina e, se assim o fosse, melhor que idênt ica pers onal'Idade, na
os h omens têm . 'd' an67.
fosse banida, visto que nem mesmo para fins didáticos revela sua uti­
idêntica capacidade JUrt ic . .
lidade. Não é assim, porém: os dois conceitos c oexistem, porque efe­ . de C rnelu tti a auto nomia conc e1tual
eito
Firma-se, pois,. no cone
a
mos, por
tivamente contemplam diferentes situações jurídica s.
ret 't o, t mbcm . dc1en � d"da i ' em idênticos ter
Mas, se distintas, por que, então, a persistente confusão efetuada da ca p a cid ade d e d t a

por vasta corrente doutrinária entre essas noções? José de Oliveira num erosos Ju . n' stas68 . ser cons1'dera da
iva, a per sona1·d I ade p<assa a
pers p t' •
Sob essa · .vo, ao passo que a capac• · e idad
ec
Ascensão acur adamcntc esclarece que a impr ecisão deriva do fato de tIlati
· to cmm · ente ment e qua
que tanto personalidade quanto capacidade de direito traduzem susce­ co mo concc1 . . 1· inna a indcpcndenc• ta,
to, agor a em s eus Justos 11111'tes, af < su à aqu1

s1-
tibilidades abstratas63 • de direi . q uan (t i a tiva d prop ensã o
pcr pecttva
a
Sem dúvida, assiste razão ao jurista português, ao apontar como para rcpresc�tar uma _ �
1es.
característica c omum a ess a noções o estado de potencialidade cm que ção dos direitos e devc . �,.ada
ambas se encontram. Se, como visto, a p e rsonalidade é, nas la pidares
. e e, uma susccptibilidade abstracta. de titulandade. do
"A pers ona lidad • . ade· Não sabemos atra - ·
ves
palavras de Cornu, um estado de vocação64, o mesmo sucede c om a s br e a exten s ao dessa t1tu1 an'd o d1re1-
nos diz o
. pessoa. tem muitos ou pouc s
capacidade jurídica, pois "o fa cto de uma pessoa ter uma larga capaci­ ceit de pers on alida de se uma
con o
os pode, te:. iz q
dade não implica que tenha cfec tivamente muitos direitos ou obriga­ tos: sabemos apen�s que pode ter"69.
c p cida d que nos vai d er ue direitos
(...) Mas é
.ª .
e
ções na sua titularidade. Do fa cto de ser plenamente capaz não se se­ a a a

na a rigid ez com que h b 1tua.\-


. abando
gue que se tenha efectivamente alguma propriedade, que se tenham Assnn posta, a capacidade 1 como um conceito
CUJO
re cebido direitos por sucessão, e assim por diante. Há apenas a poten­ b'd a, P ara ser omp rcend'da
mente é con e t c
com o
se contra<indo de acordo
c <
cialidade de os receber" .
65
tico, diste nden do-s e ou
conte údo é elás
Assim, por constituírem igualmente categorias abstratas, capaci­ e é trib uída.
ser a qu a
dade e personalidad e aproximam-se. Tal circunstância, contudo, não
pode levar a que um c onc eito seja tomado por outro, visto que entre . . 3 ed., Roma· Soe. Ed. dei
TTI, Franc eseo. 'eo11 -·a Geuerale dei Dml/o. ·
67 C/\RNELU
7'

eles há diferenças substanciais. 5 p. t 20. mentação


Enquanto a personalidade designa a suscetibilidade de ser titular •"foro Italiano"' 19 1, :ss cntcndune . nto com ft1lcro na mesma argu · ?·
.to... , c1t.,
6& Entre os que scc un d an'. c . p. 228·, MOREIR/\ ALVE S. Direi
, e1t., Rio
de direitos e de ser sujeito a obrigações considerada em si mesma, a figuram: cf. RE/\LE. L,ço es ...
de. .
/1111 od <- ao
Es111do do Direito. 26. ed.,
97· ous'MÃO, Paul o Dour ado u oa juríd ica: re­
capac idade juríd_ica representa a medida dessa aptidão. Ao passo que a
Foren se, 1999 , p. 270; C A VAL �:NTI José Paulo. Pess Orlando Go-
personalidade é eminentemente qu alitativa, a capacidade de direito de,Janeiro: . • · , ln·. E ·st11<0/ :J· e111 /101,11e11(lge111 ao Prof .
consiste numa pcrspec tiva qu an tita tiva desse atributo66 . É o que sus­
presentação ou teoria orgamea. 79, p. � t 2-�.,,. MONTORO, /\ndré Franco. /r1/I o-
111es. Rio de Janeiro: For . ens e, 1_ 9 t 999, p.
tenta Carnelutti: D. ?:,
- . ed ., Sao p au1o.. Revis ta dos Tribunais, Sara1v · a,
duçcio ci Ciê11cia d o ire, 1 o.
D'ire, ·10. 2 . ed., São
Pauto:
1• ao
491-2·' POLETII, Ronaldo. /,rio cou . Sistema lst1t11
d ção . Ie dei Dirillo Privato !ta-
. z1011a
D om eni .
63 Cf. Direito Civil - Teoria Geral. V. 1, 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 1994, p. 239 ; BA RB ER? , . n T1p gratico-Editriee To�incse, t 94�, p. 134'
.
143. /ia110. V. 1, 2. ed., Torm : U�1� c o ? p. 258-9·' B!GOTTE CHORAO. C on-
64 Cf. Droit... , eit., p. 164. CABR AL DE MONCAD/\. L,çoes... , e,�.,
• ..., c·1t., p . 26?-·, CORNU. Droit... , e1t., p. 164.
65 ASCENSÃO. Direito... , eit., p. 143-4. cepçao
69 ASCENSÃO. Direito... , c1t., . P 135.
66 Cf. ASCENSÃO. Direito... , eit., p.144. ·
47
46
gradual. Sob pena de mai:ifesta
Segundo infonna José de Oliveira Ascensão a equiparação entre per­ clamada pela doutrina como variável e
a dinamicidade de um tt�o. de
sonalidade e capacida�e apenas se difundiu à custa de aceitação acrítica por incongruência, não há como sustentar-se
parte de alguma doutnna portuguesa do conceito de Rechtsflihigkeit que, 110 lau�urado cm �1m modelo ng1do
capacidade, enquanto o outro resta �n�
a personalidade, despe-a de
Direito alem�o, de�gna a capacidade jurídica, que é cncampada pelo § J, que, ao igualar a capacidade de d1rc1to
BGB em eqmparaçao ao nosso conceito de personalidade7 º. qualquer utilidade prática e teórica. . .
O mesmo não sucede entre nós ou entre os portugueses. Tanto a o curioso é notar que a "emancipaçãseja o" do conceito de capacida-
, a perso�alidade também
doutrina pátria quanto a lusitana consagraram duas expressões nessa de de direito, impõe, cm contrapartida
omo conceitos conexos que
seara: de um lado, a personalidade; de outro, a capacidade de direito compreendida com mais rigor técnico. C_
aJustarcm, acabam Pº: deter­
ou juridíca. A que viria essa duplicidade de termos senão a revelar são, personalidade e capacidade, ao se
o qu� a pureza c�ncc1tual de
noções conceituais distintas? minar seus rcspectivos domínios, de mod
seJa a outra e v1ce-ver�a.
Essa é a conclusão a que se chega também através da análise da uma colabora para O esclarecimento do que
tar m�1 do� mais la­
o�i �� � do �ocáb �lo _capacidade. E?1bora ele designe "habilidade, apti­
_ De posse dessas considerações, deve-se afas
na conce1tuaçao da per­
dao 7 -_ cncun�tanc1_a que o aproxima do conceito de personalidade-, mentáveis e constantes erros que se verificam
o qualitativa, não pode, e�
seu sentido mais evidente e marcado reside na idéia de "volume ou sonalidade. Se ela consiste em uma noçã
quantita�ivos, como habi­
â":��to i �terior de �m corpo :ª�io"72 ou �o que "uma coisa pode con­
- conseqüência, ser concebida cm molde:
, acabaria por perder sua
t �r . Fnsc-sc, alias, que etnnologos existem, como Francisco Tor­ tualmente O faz a doutrina. Do contráno
rinha, que sust�ntam que capacidade apenas figurativamente poderia de de direito.
identidade ao confundir-se com a capacida
o "a capacidade gené­
�:r c �m �rec1�d1da como aptidão, designando, mais propriamente, 0 Dest;rte definições de personalidade com
suscetibi_li�ade g e:1�rica
rica de ser siUeito de direitos" , "como pura
16
a1�b1to mterior �e um corpo vazio" 7'1• Nessa última acepção, repete­
_ _
se ms1stentc e mt_1damente a noção de um conteúdo quantificável, que o a "aptJdao genenca a
e abstrata de direitos e obrigações"77 ou com78
longe estão de se des-
reafinna o �once1to de capacidade de direito propugnado neste traba­ ter direitos e deveres" [sem grifo no original]
lho. Conclui-se, pois, que o étimo de capacidade não só autoriza co­ tacar por sua precisão conceituai. . _
m � t �m�ém corrobora a tese ora defendida, de que a capacidade �os­ o é indu bitáv el que a pers onal idad e, enquanto noçao
Com efeit
etibilidade: o que �ão se_
su1 s1g111ficação própria e autônoma . abstrata, seja ur�a capacidade ou uma susc
ralidade que lhe impri­
D sprezar-se esse contributo etimológico e firmar a capacidade
. � coaduna com seu conceito é o caráter de gene
ra-se, pois, nestas cita­
de d1re1to em padrões "indivisíveis", "irredutíveis" e "estáticos" como miram as definições acima transcritas. Vislumb
onalidade, aquilo que,
sug �r � Francisco_ Amaral75, significa mesmo desalinhá-la com � outra ções, 0 constante equívoco de se tomar por pers 79
. Logo, em se abs-
especre de capacidade, qual seja, a de fato, esta, sim, amplamente pro- em verdade, conesponde à capacidade de direito


7
Cf. Direito... , cit., p.144. 7
REALE. Lições... , cit., p. 228.
6
CU�HA, Antônio G�raldo da. Dicio11ário Etimó/ogico Nova Fronteir
CABRAL DE MONCADA. lições... , cit., p. 259.
1 77
_ a da língua
2 Pouugz,esa. 2 ed , �10 d Janeiro: Nova Fronteir
7 _ : ; : a, 1987, capacidade. 78
GUSMÃO. /ntroduç<io... , cit., p. 269.
CUNHA. D1c1011ano... , c11., capacidade 79 Tal fato não deixa de ser curioso, pois as
definições citadas são de auton� de Re a­
73 que, não obstante seJam fran­
AZEVEDO, Fe�ando (Rev.). Pequeno Dicionário Latino-português.
6. ed., São le C abral de Moncad a e Paulo Dourado de Gusmão,
idade de direito, amp ara �a nos
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955, capacidade. c�s partidários da a utonomi a conceituai d a capac
74
Dicionário Português-latino. 2. ed.' Pono: Dominoo lho, acaba m por incidir na confusao que
. . . . " s Barre·1ra• , 1939, capac,·r1,a·d,e. c ritérios distintivos apont ados neste trab a
1s Cf· D1re110 Civil-lntroduçao _
. 5. ed., Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 229. eles próprios procurnvam dissipar .

48 49
itiva, acam�ta '. necessariamente, o
traindo nessas definições o termo "genérica", evidenciam-se os reais tão, pois sua solução, em sendo pos
s pelo Direito. ,
contornos da personalidade. Contornos que se firmam, mais nítida e alargamento do rol de pessoas admitida a apac
.
1?ade de
o que se prop õe elac iona -se �
depuradamcnte, à medida cm que não mais restam obscurecidos por A segunda indagaçã r
tiva, quais parametros
qualquer conotação quantitativa, que, como tal, refere-se à capacidade dire ito. Se ela consiste cm uma noção quantita
amente o seu quantum?
de direito e não à personalidade. teriam o condão de determinar concret
são amenos os cammhos
Afastado, pois, esse elemento intrnso do conceito, a personalidade Como bem evidenciam as questões, não
respostas ... De imedi�to passa?'1�s,
revela-se em sua genuinidade, de forma singela e concisa, como "a po­ a serem trilhados na busca de suas
dessas ques�ões, pois, se s�ra �r­
tencialidade de adquirir direitos ou de contrair obrigações"so. A capaci­ portanto, ao estudo e cnfrentamcnto
certo, os mais compensadores 1c-
dade, a seu turno, gozando, assim, de autonomia conceit11al, passa a con­ dua essa empreitada, produzirá, por
substanciar meramente a "medida da personalidade em concrcto"s'. sultados.
:ercebc-�e, assim, que a efetiva compreensão do que seja a per­
sonahdadc exige, necessariamente, a real apreensão do conteúdo da
E DE DIREITO:
c�pacidad� jurídica e vice-versa, pois, embora estreitamente conexos, 3 PERSONALIDADE E CAPACIDAD
S?
tars concertos cm muito se distinguem. APANÁGIO PRIVATIVO DAS PESSOA
Todavia, torna-se imperioso observar que essa distinção, uma vez
e, a personalidade rela­
firmada, se afasta as incertezas que habitualmente permeiam a relação Como se pode extrair de seu próprio nom
Por isso, alguns autores, 1� 0
ent�e personalidade e capacidade ele direito, não vem para apaziguar ciona-se estreitamente à idéia de pessoa.
lá-la, de modo expr�sso, as
os anunos daqueles que se debmçam sobre esta matéria. Contraria­ ato de conceituá-la, chegam mesmo a atre
na defi�ição .º!crecr�a por
mente, a nov� fei?ão conferida a esses conceitos, esposada por este pessoas. É o que sucede, por exemplo,
de como a apttdao pata pos­
trabalho, suscita diversas e desafiadoras questões, cujas respostas de­ Paulo Nader, que concebe a personaltcla
ica reconhece a todas as pe:,­
vem ser tenazmente perseguidas, de modo a atestar a validade da dis­ suir direitos e deveres, que a ordem juríd
83 O mesmo se pode verificar em relaçao _
tinção conceituai ora defendida. soas" [sem grifo no original] . personab ­
que, send o deri vada da de
O primeiro e mais contundente questionamento que se coloca é à noção de capacidade ele direito .
ionada ao conceito de pes­
sab�r s: o co�si�crar-se a personalidade como a mera capacidade de dade também po r vezes é claramente relac
.
aqurs_rçao de direitos e obrigações, sem que se faça qualquer menção à soa ' � 01110 bem, exemplifica a definição de José de Oliveint Ascensão:
.
ou actuai·"84 .
"a capacidade e uma medida do que se pode te1
.
amplttude dessa aptidão, redunda no estender-se esse atributo aos
o ser pessoa consti­
cham �dos entes "despersonalizados" ou atípicos, que, possuindo certa
_ Essas associações são de todo conetas, pois
mento ou à concessão
titularidade, não são, entretanto, expressamente nomeados como pes­ tui o substrato jurídico necessário ao reconheci
soas pelo ordenamento jurídico82 • Destaca-se a relevância dessa ques-
recorrente, ainda, de manei�a explícita,
fntroduçcio... , cit., p. 336. Essa correlação é
83
80 PERE IRA. !11sti111ições... , V. 1, c,t., p. 141;
MOREJRA ALVES. Direito... , cit., p. 97. em outros autores, como SILVA
BETIOLI. !11trod11çcio... , cit.,
81 POLETTT. !11trod11çcio..., cit., p. 239. CARVALHO SANTOS. Código... , cit., p. 245;
82 Pre crimos
� nomear tais entcs de atípicos, ao invés de "despersonalizados", como p. 162 e CABRAL DE MONCADA. Lições..., cit., p. 250.
_
hab1 �1alm�ntc faz a doutrina, 84 Direito ... , cit., p. 144. Idêntica associação apres
enta-se também em GUSMAO.
por crermos, na esteira dos ensinamentos de João
erecho Civil - Parte G_e11eral
Ba t1�ta V11l ela, que essa última designação é imperfeita, na medida em que parece /111rod11çtio... , cit., p. 270 e LARENZ, Karl. D
; , es seres Rcchts]. Trnd. Miguel lzqmerdo Y
sugerir que es � _
de1�ar�m de ser dotados de uma personalidade que outrora (Allgcmeiner Tcil dcs deutschen Bürgcrlichen
1978, p. 103.
lhes tenha cabido, c1rcunstanc1a que, como sabido, não é exata. Macías-Picavca. Jaén: Revista de Dcrccho Privado,

51
50
da personalidade, como a qualidade que outorga a esses seres a sua como autênticos destinatários e, quiçá, também criadores das normas
inserção no cenário jurídico. E, uma vez presente a personalidade jurídicas de Direito, do que por uma certa legenda.
representan� o �u� feição dinâmica, acompanha-lhe obrigatoriamente � José de Oliveira Ascensão, especulando acerca da existência de
_
capacidade Jund1ca, com vistas a mensurar, em concreto os limites personalidade, no Direito português, da associação em participação e
daquela aptidão �rimordial. Po rtanto, não se concebe m�a pessoa a nas comissões ad hoc, adota idêntico método na busca da resposta:
_
que falte personalidade e capacidade jurídica, pois o só fato de O ente
"nesses casos, haverá que recorrer à noção geral de susceptibilidade de
det�r �s e !tatus assegura-lhe ambos atributos. Não menos exato é 0
� direitos e obrigações e verificar se a lei atribui a essas entidades a titula­
rac10c11110 !n':'erso: ? d�tectar-se a presença de personalidade e capaci­ ridade de situações jurídicas, ou não. Se atribuir são pessoas; se não,
dade de cl1re1to atnbu1das a determinado ente significa, obrigatoria­ não o são. [... ] basta serem-lhes reconhecidos direitos para que devam
_
mente, que esse ser e urna pessoa, visto que indissociável O trinôrnio ser consideradas pessoas"85.
pessoa-personalidade-capacidade de direito.
efor ?a-se, ainda, a conexão entre essas noções, à medida que 0 Destarte, para que se saiba se os entes atípicos detêm ou não per­
.. � sonalid�de e capacidade de direito, primeiramente se deve cogitar se
p1opno legislador lhes concede tratamento interligado. Assim, ao ver­
sar so �re a per�onalidade civil, ora atrela-a ao homem _ pessoa por sua situação jurídica lhes confere o status de pessoa. Uma vez alcan­
. çada essa resposta, dois caminhos tornam-se possíveis: ou se lhes ne­
u ropna realidade - (arts. 1 °, Cód. Civ.), ora associa-a às pessoas
� �� gam aqueles atributos, ou os mesmos fluirão naturalmente da posição
Jtmd1cas (arts. 50 e 52, Cód. Civ.).
jurídica ocupada por esses seres. Isto posto, passa-se agora à análise
Diante desse quadro, poder-se-ia concluir que o primeiro ques-
. dos entes atípicos, ensaiando-se uma tentativa de sistematização do
tionamento e�etuado no tópico precedente acerca de possuírem ou não
, mesmos, de modo a buscar-se uma possível solução à questão posta.
os _entes �t1p1cos personalidade e capacidade de direito não oferece
ma1ore� dificuldades à sua_ s�lução. Ainda que a personalidade seja
conceb1da sem qualquer adJetlvação quantitativa, isto é, sem foros de 3.1 Que entes podem ser reputados atípicos?
_
gener�lidade, �orno qualidade exclusiva das pessoas que é, jamais Para que se possa saber se os entes atípicos são pessoas ou não,
poderia ser aplicada a entes que não sejam pessoas. primeiramente é necessário que se elucide o que seja essa categoria e
E:sa conclusão é rigorosamente correta, mas, se parece encerrar a quais seres nela se encontram encerrados.
.
d1 �cussao em tomo da questão proposta, na verdade, acaba por evidenciar A parca literatura juddica que ensaia um estudo sistemático desta
o angulo pelo qual o problema efetivamente deve ser apreciado. matéria 86 não oferece uma definição precisa e detalhada que permita
De fato, antes de se negar aos entes atípicos a personalidade e identificar por que determinados entes foram agregados sob a mesma
logo, a capacidade _ de direito, porque "nominalmente" não são pes�
. qualificação de atípicos ou despersonalizados.
soas, mister se faz averiguar se eles, pelas prerrogativas que lhes con­ Tal fato deve-se sobretudo à dificuldade de tratamento do tema e
c:deu º le �1slador, _ já não atingiram aquele status, não obstante ainda
. à ausência de uniformidade de vistas nesta matéria, que parece mes­
nao seJam rotulados" como pessoas. mo, por sua configuração, querer livrar-se de qualquer tentativa de
Se assi n não se an�isasse o terna, estar-se-ia proclamando que 0
'.
s �r pessoa e u�na questao meramente terminológica que decorre da
.
simples ap�s '.çao � �1m ser des �e particular nomen Juris. Essa postura, ss Direito... , cit., p. 232.
86 Ao que consta, na doutrina brasileira, apenas J. Lamartine Corrêa de Oliveira, em
ent�etanto e mace1tavel: a realidade jurídica da pessoa é vislumbrável metódica, ao
'. seu livro A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, dedicou-se, de fotma
imuto mais pela atuação de determinados seres no mundo jurídico,
estudo desses entes.

52 53
Co m
tende empreender .esse estud?·.
sistematização . A ssim, o abordar-se esse assunto, principa lmente de metodológic o com que se pre i e '.1�
sent e na massa .falida, n o � f _ s ol o
maneira ordenada, é tarefa das mais árduas da qual não pode furtar-se efeito, 0 fato de a atipicidade pre a cir
ivar, como se ver a, de um a 1d�nt1c
o presente estudo , sob pena de deixar de abord ar asp ect os q ue c ondi­ herança jacente e vacante der esses
menos sob esse aspecto, seJ am
cionam c rncialmente tanto personalidade como capacidade de direito . cunstância acons elha que, ao
ente.
Todavia, é imprescindível que se esclareça que a incursão que aqui se ent es examinados conj untam . ompreen-
s - e, prim eir me nte, a um ensa i o de c
fará sobre esses entes não pret ende, pela extensão do tema, arrogar-se Sendo assim, pas a s a .
o is, cm um se:
a missão de coordena r tod os os seus multivariados elementos, por não são do que sejam
cada um desses entes, par.a que dep
iguar que motivo,. se'ndo- lhes comum, e
ser esse o e scopo des te trabalho. gundo momento, se possa aver '
à sua natureza JUn d1ca.
Não obstante a variedade dos entes que co mpõem a catego ria dos capaz de suscitar dúvid as quanto .
mter­
s fali d situ a-se ou não em uma z�na
atípico s, p arece qu e eles gu ardam cm comum o fato de se si tua rem em Determinar se a ma sa a . nte,
emanda , � nmeirame
uma zona cinzenta entre objetividade e subjetivid ade: cm princípio, ri e tre bje tivi d ade e s ubjetividade d
mediá a n o
D f �to,
es pode esse nome des 1�nar.
e
repousam inertes n o cenário jurídic o; p or vezes, suscitados pelo ch a­ que se esclareça que realidad fahdo subme�1do
nto " o patrimônio do
mado do legislad or, portam-se ativamente, a espelh o do típico com­ massa falida pode nomear-se ta dores do fahdo.
nto o conjunto de cre
po rt amento das pess oas. a um no vo r egl·me legal"s1 qua . . .
ob1et1va e, no
Habitu almente, a dou trina costuma enq uad rar nes sa situação ju­ c o, c s m -se falar cm massa fal tda
No primeiro as o tu a

rídica os seguintes entes: a massa falida, o espólio, a herança jacente e segundo, em massa
falida subjetiva. . _ . . .
r, em s fe ç obJ e t1 va, a massa fahda
a vacan te, as sociedades irr egulares e o con domínio edilício. Como já se p ode susp eit a ua 1 ao

Com efeito, conforme se poderá a ferir do estudo que se seguirá, almente da n oção de
pess oa. Emb?ra . se t�man­
distancia-se sub stanci
nc1a, nao a�­
todos esses entes, a par de uma índole mais late ntemcn tc o bjetiva, do um patrimônio des
tacado88 com a decretação d� fale
soa, por continuar, mes�o apos
revelam, não obstante, alguns, ou mesmo múlt iplos, traços de s ubjeti­ quirc a massa falida a posição de pes su bJ ugada,
vidade, que tornam tormentosa a definição de sua natureza jurídica, se aquele evento, s ob a titu
laridade do falid�. E, �stand� a ele .
e _ 1to, d1stanc1a1:�o-se, po'.s, do
d1re
de objeto ou se de sujeito de direitos. apr oxima -se da ·n oçã o de o bjet o d _
Sua existência suscita, portanto, uma pergunta funda me ntal: as dica repr esen t p elo suJe1to de direito.
foco ativo da r elação jurí
ado
a pessoa.
da não p ode ser reputad
marcas de subjetivi dade neles presentes são aptas a conced er-lhes a Logo , sob esse aspecto, a massa fali
condição de pessoa? Sã o el as su ficientes p ara retirá-los do ca mpo da
objetivid ade? Ao que p arece, so mente a an álise de cad a uma daquelas
espécies p oderá sil enciar essas dúvid as . s. V. 1, Rio
de. Comentários á Lei de Falência
87 MIRANDA yALVERDE, Trajano . , .
P assemo s, po is , ao es tudo individuado de cada uma d aquelas fi­ de Janeiro : Forense, 1948, p. 238. . . _
d na viva z d ssen sa o doutnnana
· olog·1a, não se quer tomar parti . • .
1
guras, a fim de que se possa averiguar se elas consistem, na verd ade, 88 e
om essa termm
o
de aretaç-ao (Cf
am ser a mas sa falid a o bjetiva um patnmo 1110 .·
cm um a terceira classe de p essoas , ao lad o das nat urais e da s jurídicas. entre que o s afirm
Fali me11 wr. V. 1, 16. ed., São Pa�lo : Sara.i-
REQUIÃO, Rubens. Curso de Dire ito
uma universalidade de direito (Cf.
va, 1995 • P· 154) e os que ne la vêem apenas · · /. V · 5, 3 · ed ·•
3.1.1 Massafalida, espólio e herançajacente e vacante es de D1re · tto Comercw
FERREIRA \.Valdemar Martins. /11stit11içõ a te
1951, p. 157). O resultado �� emb .
Antes que se abor dem os entes que intitulam es te tópico, deve-se Rio de Janeiro - São Paulo : Freitas Bastos, e te ana ise, p is,
irrelevante para a pre� �
entre essas correntes doutrinárias é de todo
l o

de d1re 1to , ress alta- se o


ressaltar que o fato de eles estarem aqui reunid os não traduz um aba n­ • omo, scJa
• ·o auton
seJ· a como patn· mom · como
· u111·vcrsal'1dadc .
. - · d e, f at que neg ana sua c on-
'd
sub'�e11v1 a
dono de nos sa proposta originária de analisá-los i ndividuadamentc. earátcr objetivo da massa fa lida, e nao sua
o

Assim se fará, pois essa par ece a via mais apta a resgua rdar o rigor dição de pessoa.

55
54
Especula-se, porém, se a massa falida subjetiva, isto é, a massa 0 lapso temporal entre a delatio e a aditio, a herança restava jacente,
dos credores não possuiria esse status. Tal dúvida se propõe por "uma sem titular efetivo. Tal circunstância, aliada à idéia presente cm textos
tendência natural do espírito humano [que nos leva] a personificar, do Digesto e das Institutas de que o espólio era a expressão mesma da
pelo processo da unificação, que simplifica e facilita a explicação de pessoa do falecido, contribuiu para que surgissem teorias em prol da
certos fenômenos, tudo o que se apresenta como um todo, e aparente­ existência de personalidade jurídica da herança antes da aditio.
mente se move, dando-nos a idéia de vida, de ser, existindo por si Entre nós, até o advento do Alvará de 9 de novembro de 1754,
mesmo"89. secundado pelo Assento de 16 de fevereiro de 1786, aplicava-se o
Não obstante a comunidade de credores apresente este aspecto sistema romano, suscitador, como se viu, de debates substanciais
unitário, força é reconhecer, contudo, que a ela não se atribui qualquer quanto à natureza jurídica da herança, na hipótese de jacência. A par­
titularidade. Os direitos que aparentemente lhe são concedidos (v.g. tir, contudo, daqueles diplomas legais, a aceitação deixou de ser o
arts. 129, caput e 130, Lei nº 11. I O 1, de 9.2.2005) são, em verdade, fator condicionante da aquisição hereditária, para tornar-se simples
direitos de cada um dos credores considerados individualmente. É o confinnação da transmissão da herança já operada em favor dos her­
que assevera Waldcmar Ferreira: "estabelece-se, sem dúvida, a coleti­ deiros no momento da abertura da sucessão. Firmava-se, pois, entre
vidade destes [dos credores]. Mas, dentro dela, cada qual exercita o nós, o droit de saisine, pelo qual se transmitem, já no momento da
seu direito, defende o seu interesse, no que não moleste a coletividade. morte do sucedendo, o domínio e a posse de sua herança aos seus
[... ] Cada credor pleiteia na massa o que lhe seja devido" [sem grifo herdeiros legítimos e testamentários. Esse princípio, posteriormente
no original] 90. Portanto, o conjunto de credores não é, cm si, um cen­ acolhido no art. 1.572 do Código Civil de 1916, e reafirmado no art.
tro autônomo de direitos cm relação aos credores, de modo que não 1784 do novo Código, proclama, portanto, que o patrimônio transmi­
chega a ocupar o posto de sujeito de direitos. tido mortis causa em nenhum momento permanece acéfalo91 : antes do
Assim, quer em sua face objetiva, quer na subjetiva, a massa fa­ óbito, tinha por titular o de cujus; sobrevindo aquele momento, to­
lida, na configuração que ordinariamente lhe dispensa a Lei nº I 1.1 O l, mam-lhe o lugar os herdeiros.
de 9.2.2005, não deve ser considerada pessoa. Adotando, pois, o princípio da saisine nesta matéria, o Código
Idêntico raciocínio pode ser empregado na análise da natureza ju­ Civil afasta qualquer indagação acerca da natureza jurídica da heran­
rídica do espólio e da herança jacente e vacante. Tratemos, inicial­ ça, que continua a ser concebida como um patrimônio, antes ou depois
mente, daquela primeira figura. da morte, contribuindo este evento apenas para a mudança de titulari­
O espólio ou herança, consoante sedimentado entendimento da dade dessa universalidade de direito.
doutrina, é o patrimônio que, por ocasião da morte de um indivíduo, Também às heranças jacente e vacante não se concede outra na­
transmite-se aos seus herdeiros legítimos e tcstamentários. tureza jurídica. Jacente ou vacante, seja como for, continuam a cons­
Em Roma, para que tal transmissão se efetivasse, cm se tratando tituir espécies do gênero herança, que, como tal, não é pessoa, mas
ele herdeiro necessário, bastava a morte do de cujus; já cm relação aos universalidade.
demais herdeiros, eles apenas recepcionavam esse patrimônio se, Não raro, contudo, sustenta-se a personalidade das heranças ja­
aberta a sucessão, manifestassem, também, sua aceitação à herança. cente e vacante, baseando-se na indeterminação de seus titulares. Não
Em não havendo, pois, aquela primeira categoria de herdeiros, durante colhe, porém, esse argumento, pois, como visto, em ambos os casos,

89 MIRANDA VAL VERDE. Comentários... , cit., p. 236. 91 Cf. SILVJ\ PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. V. 6, Rio de
90 Instituições... , V. 5, cit., p. 156. Janeiro: Forense, 1974, p. 23.

56 57
o processual p recei­
trata-se de problema concernente não à ausência de titularidade, mas à Processo Civil... Com efeito, os incisos do estatut
e vaca�te _(IV) e o
sua indeterminação. Tanto que, no caso da herança jacente, apres en­ tuam que a massa falida (III), a h erança jacente
tando-se os herdeiros à sucessão aberta, deixa ela de jazer, tocando­ espól io (V) serão representa
dos, respectivamcnte, pelo s111d1co - ora
º 5, pelo curad�r
lh es sua titularidade desde a morte do de cujus, c omo se houv ess e a nomeado administrador judicial pela Lei n 11.101/200
supressão do período intermédio entre a delatio e a determinação dos já alerta para a �1-
e pelo inventar iante. A mera le itura desses incisos
a concepçao
sucessores. Caso não surjam esses h erd eiros, converte-se a herança tuação paradoxal neles apresentada: não sendo, s egundo
, possa m aquel es entes ser
jacente em va cante, que será recolhida pelo Estado, coi:no se este dela tradicional, pessoas, como admit ir-se, então
foss e herdei ro desde a abertura da sucessão. Assim, em ambas as si­ representados? . • .
1a se-
tuações, por força d o droit de saisi11e, não há qualquer solução na Diante de tudo que até o momento se expôs, tal c1rcunstanc
a da massa falida , do e spól io e
cadeia dominial do patrimônio transmitido: das mãos do falecido, ele ria inadmissível, pois a condição jurídi c
r pr se ntaçã o, de
das heranças jacente e vacante não autoriza a sua
flui dir etamente para os h erd eiros que só posteriormente puderam ser e e
leg�slador, uma
identificados (herança jacente) ou para o Estado (herança vacante). modo que apenas poderia ter ocorrido, por parte do
do ser que d e fato e representa­
Sendo assim, conclui-se pelos argumentos apres entados que o impre cisão terminológica na definição
espólio, a herança jacente ou vacante, cm regra, constituem meras do naquelas hipóteses l egais.
CPC,
universalidades que, em sua condição jurídica, não trazem a marca da Se essa resposta devolve-nos o alento furtado pelo art. 12,
. De fato,
subjetividad e, capaz de inseri-las no rol de pessoas. deve-se reconhecer que ela s e assenta sobre premissas falsas
onta qu e o art. 12,
Diante dess e panorama, à primeira vista, pod er-s e-ia argüir que se se almeja uma solução precisa, deve-se ter cm c

CPC, não pode ser analisado à luz da natureza jurídica daqu


eles entes.
razões não existem para que a massa falida, o espólio e a herança ja­ _
falida, da
c ente e a va cante sejam considerados p essoas, visto que sua natu reza O contrário é que deve ocorrer: a natureza jurídica da massa
sad a pela
jurídica parece inconturbável, dada a linearidade e a coerência com herança jacente e vacante e do espólio é que deve ser repen _
pois, que
que se evidencia. ót ica proposta nos incisos III a V do referido artigo. Não há,
isos citado s, ins e re um ele­
Contudo, essa bela e tranqüilizante aparên cia ligeiro se desfaz, se subverter a questão: o art. 12, nos in c
nã p ode ser
qual bolha de sabão, ao mero contato com alguns dispositivos da Lei mento novo a ser analisado na presente temática, que o

nº 11.1O1/2005 92 e com os in cisos IlI a V do art. 12, do Código de a u le


menosprezado ao simples argumento de que até o advento � � �
dispositivo legal não havia, na tessitura legisla t iva da nature za J �n�1�a
92 daqueles entes, qualquer indício de personificação. Se tal rac1oc 11110
A despeito da ambivalência do termo massaja/ida, aliás nem sempre decifrável no
texto legal, força é reconhecer que, por vezes, a massa falida fi ,ura na Lei nº
i:,
fosse admissível, chegar-se-ia à conclusão errônca de que a passagem
11.101/2005 sem designar quaisquer de suas tradicionais funções. É o que se de­ do campo da obj etividade ou mesmo da completa irrelcvância jurídica
preende, por cxem�I�, do art. 22, Ili, "e", "n" e "o", do art. 76, parágrafo único, do
_ para o meio da subjetividade apenas se verificaria mediante a outorga
a�t: 88, pa�grafo umco e do art. 103, parágrafo único, entre outros. Nesses dispo­
s111vos lcga�s, a massa f�lida, considerada cm si mesma e não como o complexo de de uma capacidade de direito cm moldes plenos e definitivos. Assim,
contudo, não se dá. Confonne se verá, e xistindo a capacid
ade de di-
bens do falido ou o conJunto de credores, é considerada como "autora ou Jitiscon­
sorte" ou "parte interessada", situações que inequivocamente revelam sua capaci­
dade como parte processual. Com efeito, a nenhum dos artigos mencionados coa­
to- Lci nº
dunam-se a face subjetiva e a objetiva da massa falida, de modo que outra conclu­ todavia, que a Lei nº 11.1 O1/2005 é mais imprecisa que o vetusto De�r� _ _
va
são não resta que não a de que a própria massa falida seja a titular daqueles direitos 7.661/45 no manejo da nomenclatura massa falida, que, por vezes, e md1ca11 º
22, HI, "q", 127, §§ 2
.
na ordem processual. Essa, aliás, era a idéia que claramente se podia divisar no art. até mesmo do próprio devedor, tal como se infere dos arts.
85 do Código de Processo Civil de 1939 e no art. 12, Ili do atual. Deve-se destacar °
e 3 e 146 .

58 59
.
uma ersonalidade
de Direito Proces-
nã o tem sentid o
reito em diferentes graus, p ode ela, em sua feição mmuna, ter p o r dá no mesmo) - corrcspo nda a perso nal�d t <adc de Direito Material"
94.
conteúdo um único direito e, ainda assi m, será capacid ade de direit o, su ai a qu e n ao .
. . _ m�m ento pareça c oerente o pe ns a me nto
que deno ta, p o r sua presença, a existência de perso nalidade, que lhe é Embo ra cm um ?nmeno à adve rtênci
ei�� deve-sc estar atento
a

necessariamente subj ac ente. artin e Cor re a de Ohv ' ia de­


de J. L am . quanto haja uma influênc
� uc
Vê-se, portanto , que não é si mples o questio namento apresentado feita p or Arruda Alvim � � /�:eito Civil, neste tema, há d istin­
paci a e d
pela lei pro cessual, que assim pode ser resumido : a capacidade de ser cisiva das regras da ca
· as de ob servação " ·
95
parte na relaçã o pr ocessual outorgada pelo s inciso s III a V do art. 12 6 ções dign . de cm
nte habi tu almente a ca�a�1 d
adc de . ser parte redun
suficiente para deferir à massa falida, à herança j acente e à vac ante e obst
Não . encamente consider.ada.96'
a
ao espóli o a qu alid ade de pess oa, transfigurand o a natureza jurídica proJe - da pro. pna capacidade . civil gen
. çao . s1g111fi-
u ma
c s O d as pessoas fiis1 ca
s e JUrídicas, tal fato nã o
até então a tinente a esses entes? com o suce d e n � ada como o
ossa ser consider
o a

Para que se p o ssa resp onder a essa questão , duas etapas torn am­ i�a de de ser
ca que a cap ente, independente-
a
.
capar�a:: ;:�i;cito de um
ac
se necessárias: pri meiramente, deve-se precisar o que se entende por conteúdo exclusivo �a â bito do Direit o Material .
capacidade de ser parte, para, c m segundo lugar, verific ar-se se ela de uma_ cap�c id ade a e1ta o m
mente
a te on � a ro cessual rep
ugna que a capacidade
. p ode subsistir mesmo na hipótese de ausência de uma capacidade de efe it , dern
Com o a mo
.P avel a titularida
de de situações
upo sto marrcd,
direito material que lhe sej a c on-esp o ndente. de ser parte ten\1a por Press. . c ia propo sta
Segundo ensina José Frederi co Marques, tal capacidade "é a aptidão . s de D'irei· to Material A errom a da interdependên
, d1ca , .
. opn o
jun
. ada atravé s d o pr
de uma pessoa para ser parte, isto é, sujeito de direito s, obrigações, facul­ por J. Lamartme Co rrea
de o· riv � i� a é evi den ci
..
o To magh1.
A

forn e id p r He lt
dades e deveres, ônus e encargo s, na relação processual"93. conce1·to de parte .
c o o

A definição é das mais claras, não carecendo de outras explicações. a aç ão era o próprio dir eit o substantivo �en·do,
"enquanto se supos que s nascido da
f eito ou mesmo outro d"tre ·t1 o subjetivo ma
A

Aco ntece, todavia, que o fato de a capacidade de ser parte estar atrelada a , i sat is dida com
violad o n
Processo andm; confun
uma aptidão meramente concentrada no âmbit o da "relação processual" _ d o pn · me1r· 0 ' a no ção de parte no . . . exp1.,car
Jesao . penmtia
1_1t1v�. Isso, me\ 1sive' não
acaba po r gerar u ma dúvida essencial: há capacidade de ser parte quando a de parte na relação sub�ta é titu lar de direito subs­
qu e a lei atn bu 1 açao a quem �ão
não lhe "corresponde" uma capacidade de Direito Material? os cas o s em
J. Lamartine Corrêa de Oliveira responde negativamente a esta tantivo. . _ eito público subjetivo que
Hoje, porér1:, _conceituada a aça;f�; mo dir es no
ind agaçã o , po is, segundo assevera, "se é capaz de ser parte quem é
e e que , p o �ant�, e do direito em litígio, as part
aut or om as
liga coincidir ou não c!)"97
JUI Z
apto , pelo Direit o Ma teri al, a ser sujeit o a tiv o e passiv o de obrigações
(pa rte s em sen tid o 1orma \) p odem
processo nci. a
e direito s ( ou quem po ssa, em tese, afirma-se titular de direit o , o que . ten. a1 (parte em sentido substa ·
partes na relação de d1re 1. to ma

93 Instituições de Direito Processual Civil. V. 2, 3. cd., Rio de Janeiro: Forense,


1969, p. 147. Frederico Marques nomeia de capacidade processual o que costu­
meiramente a doutrina denomina capacidade de ser parte. Segundo a eoneepçào · aiva 1979, P· 204. .
94 A Dupla Crise da P essoa Jrm'dº,ca. S'ao Paulo . Sar:- , 1 . Re vista dos Tribunais,
majoritária, tais conceitos não se confundem: enquanto a capacidade de ser parte
identifica-se com o conceito exposto por Frederico Marques sob a designação de 95 Código de Processo e1v1 .
. 1 Comen I do V ª · · •
2 Sao p au o.
capacidade processual, esta última, em verdade, equivale à legitimatio ad pro­ 1975,p.ll. . ·-
cess11111. Ressalva feita à nomenclatura utilizada por Frederico Marques, a definição . FRE DE RIC O MA RQ UE S. /11strt111çoes... ' c1·1., �· 138. . .ista dos Tribunais,
96 Cf C ,v1·1 V . I , Sao Paulo. Rev
de Pro cess o .
por ele apresentada, se compreendida como sendo a de capacidade de ser parte, é 97 Comentários ao Código
inatacável. 1974, p. 101-2.
61
60
Idêntica advertênc ia é feita por Pon
tes de Miranda: dade de aquisição desse direito, vale dizer , de personalidade; cm se­
"a confusão está em se exigir
ara ser parte t r ' dir . .
eito', ser sujeito gundo l ugar , a participação hipotética, ativa ou passiva, na relação
subjetivo da relação jurídica ' _ �
. . ma ferial· N ao se viu a pre pro cessu al assinala os concr etos limites dessa suscetibilidade, deli­
Se a re1 aça- o Jun.drca proces sL1·1< ] . tensão que 1•em.
• • • e masse com O SL1J
•so se 1or · _ neando a capacidade de direito desses entes, que consistirá ex clusiva­
Jund,ca material' enfio . • e1 t o d a relaçao
• < nunca se pod ena ,
cx1 ,lic ar , - declaraton.a
,
negativa! O direito material ª aça o mente na capacidade de ser pa1ie no estatuto processual e das prerro­
· . nada t em a ver com o ser par . .
n'd1cas, rnsertas em Código . ' te, e regras JU- gativas daí de correntes.
e·iv1 1 , que se refirani a iss · -
sobre calçarnento de ruas que . o, sao corno leis Destar t e, a massa falida, o espólio e a herança jac ente e vacante
tiv:.sse , m ª. t1g s sob re u uca
Demais, o direito conhec . ; � pião. são pessoas, ainda que não expressamente nomeadas como tal pelo
e a <1ça o e a açao' , a que nao - corre
s

qualquer relação de direito sponde


material·. a decla rato.na . legislador, pelo simples fato de lhes ter sido atribuído uma situação
tenticidade do docurnento"9 de falsi.dade ou au-
S. jur ídic a básic a, que, embora única, teve o condão de colocá-los como
Sendo viável, por tanto . sujeito da relação jurídic a processual.
a existêneia autonoma do conceito de
parte e da capacidade pa Ressalte-se que, sendo exata, essa conclusão contribui, ainda,
ra se- '. 1 o a par. da capacr'da
ria!, essa conc cpção vern de de direito mate- para esvaziar o debate ac erca da possibilidade de representação ou não
de encontro a noção d.. e
defendida ao longo deste c apacr·dade _de de sses entes.
trabalho. Compor tando direito
obsta que a capacidade de · gradaçoes, nada A doutrina, por negar a condição de pessoa à massa falida, ao es­
d 1· 1·e1·to ten, a por .
Nesse caso, apenas se 1 ' . conteúd-º um unrco direi · to. pólio e à herança jacente e à vacante e, portanto, a possibilidade de
estará diante da mrnrm .
a assu mir. Assim sendo, a ferçao que ela possa vir que esses entes fossem representados, sempre se viu em difi culdades
O poder ser. parte na' rei .·
.
suai, arnda q ue dissociado . . açao JUrrd · .· rca pro ces- para deter minar que ser efetivamente estaria sendo representado pelo
d qu a1 � uer . titularidade no -
consiste cm um ca mpo material
. . direito que e� su fi1 c1cnte para ' síndico, pelo inventar iante e pelo curador na relação pr ocessu al.
mmrmo da c apacidade de per Íéazer aqu ele conteúdo
direito. A contrariedade de interesses reinante cnlTe falido e seus credores,
Diante desses lic:atos, toma-se unpe . . . na hipótese da massa falida, e entre os herdeiros, no caso do espólio, não
o espólio, a herança jace noso cone 1urr que a massa falida,
nte e vaca te, p r l es autorizava entendê-los representados por uma mesma pessoa. Para con­
dos incisos IIl a V do 1 h s r pem1itido, por força
art. 12 CP� � 1. 1�como tornar-se esse empecilho, recorreu-se freqüentemente à noção de que o
e

capacidade de �a�c no processo, detêm


dir eito. E po�suir; me�r.� a síndico, (administrador judicial) o inventariante e o cu rador eram, em ver­
tos significa incxoraveld1e da aptrdao para adquirir
. ntc que esses entes possl1e
. . m esta aptid . _ direi- dade, a parte da relação processual. Não se tratava, contudo, de uma parte
so se detecta capacidade . ao, pois qualquer, que integre a relação processual para a defesa de interesses
de d . t onde existe a p
Ao outorgar a capac id��� � ersonalidade.
próprios, mas de uma parte de oficio (Parlei kraji Amts), qu e, exercendo
e m verdade, rec
e se� pa�� a esses seres,
onhece-os como destmatan o legislador' um munus público, vela pela efetivação da justiça 99•
de modo que se impo-e, os daq uc J e o mando legal '
po 1. ·t01
i .ça dessa' crr . Essa intrincada construção, se constitui a tábua de salvação para
c
natureza j urídica deles. cuns t· ancra, · a reavaliação da
a interpretação conferida aos incisos III a V do art. 12, CPC, pelos que
� possibilidade de estar .
em juízo trad uz, assun , para refutam a personalidade dos entes ali enumerados, revela-se total­
duas cir cunstân cias· pr imer· . . . esses seres
· ramen te' s1g111fica que mente despi c ienda sob a ótica impressa àqueles dispositivos legais po r
ceder-lhes esse o 1 egrsl ador, ao con-
direito' dotou-os, concomzt. este trabalho.
anteme11te, da susc etibili-
98 Comeu1an
1999, p.
• •os ao Código
· .·
de p.1ocesso e/V// v· 1 • 5 · ed·, Rio de Janeiro: Forense .
222. '
99
e f. CORREA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 209; 213-4; PONTES DE MI-
RANDA. Comentários... , cit., p. 296 e 301.
62
63
Sem dúvida tendo-se por finne que 'à 111. . ..
• c1ssa ia c. 1Ida' ao espoli
J1crança. Jacente e, a• vacante outorg'a-se e .
o e 'à
. Nem mesmo a concepção de que a capacidade de direito equiva­
. . apac1'dacIe-de ser par te ISto s1g
n1"liica, e obv10, que partes na relação .
e , - lh personalidade autoriza essa vertente de pensamento. C om efeito,
a à
processua J sao prcc1samente
entes e não outras pessoas Ess esses se na accpção tradicional, a capacidade de direito é sinônimo de per­
· es entes, contudo a cxemJJlo
de com as pessoas jurídicas· (ar .
do que succ- sonalidade, a existência daquela por óbvio importará também a exis­
t. 12 VI CPC) nao '- con stit uem
concretas, necessitando' JJa . , . ' realidades tência desta última, visto que ambas são conceitos de igual teor.
ia o exerc1c . w
' de
uma pessoa natural que lhes seu dir eito d _e ser parte, de Vê-se, portanto, que seja para os que reputam idênticas capaci­
fuça as vczcs,. poi.s, do contra.
olvidando os limites que O . . rio, estar-se-iam dade de direito e personalidade - ponto de vista refutado por este tra­
propno substrato ôntico do
porta�to, partes, a que se atribui ente im · po- c. s-ao, balho-, seja para aqueles que as consideram como conceitos autôno­
representante ape ' nas no qu e
exerc1cio de seu dire · ·,1o. Logo, nada obsta a qu con cerne ao mos, mas conexos, revela-se inadmissível a tese de que possa existir
. e esscs, se,es . SCJam
sentados nas palavr
as do C,º d�go, ou, segundo os repre- capacidade de direito a que não esteja associada a personalidade.
dos peÍi oo . . . . org ani cis tas , pr esenta­ Portanto, o reconhecer capacidade de ser parte à massa falida, ao
. o .ad
' m1 111s trador Jlld 1c1al, pelo inv
entariante ou pelo curador.
Ha, a111 da, os que refutam a espólio, à herança jacente e à vacante equivale a atribuir-lhes uma
person,alidade d_esses entes capacidade de direito com esse conteúdo mínimo. Ter capacidade de
mento de que na previsão 1 ega . ao argu-
1 constante nos rnc
se poderi.a vislumbra' r a 110ç- 1so s III a V som ente direito denuncia, por sua vez, a coexistência necessária ela suscetibili­
ao de capaci.dade•de d'JJ.e1·1 o,
presença denotasse, necess sem q_u-e a su? dade à aquisição de direitos, consubstanciada na personalidade. Logo,
ariamente a ex 1.stcnc1� .
de personahcladc. E não há, pois, como evitar a conclusão, inexorável, mas sobretudo cor­
o que se depreende do cnsi 11a
°'
'mcnt e 1e C ciso Agncola Ba
rbi: reta, de que esses entes são pessoas.
"Como jú se disse, u capacidad
e de -ser parte, riga. -se d·' ex1. ste. ncr E é precisamente esta a circunstância da qual deriva a atípicidade
sonalidadc J·uridica' Ma,s,. por
ques1ao de conven1e
.n de per- da natureza jurídica desses seres, pois o fato de serem pessoas, por
pode atribuir aquela' · cap"c1 ·�ncrn· . , a lei processual
" ·dad ' e a fiigura, '.,· qt1c nao - 1·em essa personalida- força ela atribuição ela capacidade ele ser parte, não suprime, entretan­
ele. O Código· llnte1, .·ior o faz. ia . e
o atual am ' pliou o campo a outras figu- to, toda a carga de objetividade que lhes infunde o próprio legislador.
ras, de modo que hoiJ e te·111 cap
, • ac1·c1ade de ser p art e a soc1e· d Assim sendo, a afirmação de que esses seres sejam pessoas deve ser
a massa falida' o CSJ>ólio, a 11era
nça Jac.. ent
e , o con, domm1 · · ade ele fato, apreciada com a devida cautela, tomando-se em consideração a coe­
devedor civil insolvente"'º' 0, a massa do
· xistência nesses entes de caracteres que ora lhe imprimem objetivida­
Não parece correto esse po .. de, ora subjetividade. Tal circunstância, como se verá oportunamente,
sicionarn _ ento. C_onfonne JH
personalidade e capacidade . demonstrado, não é de ser desprezada, já que influencia sobremaneira na fixação das
Jun'd1ca · sao conceitos que se
ponto de não podcrc1n ·ser·
d'1 ssoc.1aclos.· se a' 1)ersonal'd .entrelaçam a regras concernentes à capacidade de direito desses entes.Por ora, fi­
aquisição de direitos e obricr I a d e e a aptidão à que-se apenas com a conclusão de que a massa falida, o espólio e a
. o'aço�cs, a capacidade é o q11
!idade. Não há, pois, a11 t11m dessa habi-
como sustentar a sub 1.sIA_enc . , • herança jacc•1te e a vacante são pessoas 102, mas que, conforme adiante
coexistência daquela, pois a de ssa u!t im a, sem a
a capacidade de d�1rc1to I� se verá no item n" 4, por sua capacidade de direito, acabam por desta­
mensuração da aptidã' o cm . eprcsenta Justamente a car-se daquelas realidades a que o legislador expressamente atribui
que consiste a personalidad
e. esse nomen juris. Vejamos, agora, se idênticas conclusões podem ser
estendidas à sociedade irregular.
100 C f. PONTES DE MIRAND
A. Co111e11tarios... ' cit., p. -? 19
101 C0111{!1/ . .
((lr,os ao e',.
ot igo de Processo Civil. . 102 Partilha
, aliás, dessa natureza jurídica a massa cio devedor insolvente, visto que,
1977, fl. 149-50. y. 1, ·r. 1, Rio . de Jancrro: Forense,
não obstante seja correntemente tratada como uma universalidade de direito, tam­
bém possui capacidade ele ser parte, conforme preceitua o art. 766, 11, CPC.
64
65
3.1.2 Sociedade irregular
Por irregular ou de fato, entend Contudo, confonne já se fez consignar acerca da massa falida, d o es­
. e-se a sº�1e . dade que nao - pólio, da herança jacente e da vacante, não é a aplicação pelo legislador de
qu1var no registro que lhe sej fez ar-
a peculiar - C .vll d
ou de Empr�s�s - seus atos 1 as Pessoas Jurídicas um dctenninado título que possibilita a transfonnação de uma realidade em
c onstituti vos IOJ
Sob a ohca tradicional, outra. Para que se outorgue a condição de pessoa exclusivamente àquelas
dades regulare
tais soci edad�s contiapoe
s, que, tendo cumpn. .. - m-se as socie- sociedades que fizeram registrar seus atos constitutivos, primeiro há que se
rem personalidad e jurí . d o aq ' ue1es rcqu .
. 1s1tos legais, adqui- verificar se à sociedade irregular não se atribui qualquer titularidade ou se
d1ca, COnt onn e
perc ebe-se ' pois ' que .
r,
. pre ceitu a O art .
· 45, Co• d. C1v. não pode ela obrigar-se, pois, se tal tiver ocoffido, também ela partilhará
a' 1m 11a 1nrntr
res e as i. rregulares • ofc en t·I e as socie
dade s daquela natureza jurídica. Vejamos, pois, primeiramente, que tratamento a
em seu registro pec
repousa no 1ato r. d e terem s1· do e1as_ · . regula-
uliar. Embora s.m . mscntas ou não lei mercantil dispensava às sociedades irregulares.
ela acarreta . gela essa fronteira,
distinções exp
ress1vas aqueles. e ntes o fat o é que O Código Comercial de 1850, em seu art. 304, a dmitia, sem de­
um lado e outro d e . que se encontram d e pendência da apresentação do instrumento probatório da sociedade, as
suas margens. Ass1m e
que corn.queir. am�ntc
�as se proclamam pessoas as sociedades . . ape- ações que terceiros pudessem contra ela intentar. A favor desses ter­
tmcnte (a1t. 45' Cód · mscntas cm seu rcg1stro
Civ.) · Certamente se pcr- ceiros, o Código permitia, ainda, que se atestasse a existência da so­
ba 1•ave!, o legisla d or
de 2002, m um mco . ª'�
fun d do nessa crença
ina- ciedade por meio de todos os gêneros de prova admitidos em comér­
tradição, preteriu as já nven1ente descaso c
cansa � c
om a cio e através d e presunções fund adas, depreendid as d e alguma das cir­
�u irregulares para renomea,���s: ���t1 la_ttiras sociedades ele fato cunstâncias elencadas no seu art. 305. Logo, na sistemática daquela lei
tipos foram encerrado s . sociedades em com
s no Sub títul o I' Titu um. Tais mercantil, a sociedade cujo contrato não tivesse sido reduzido por
Especial do Cód igo . lo II do Livro II, da
· Civi l de 2002, batizado • Part e escrito poderia figurar no pólo passivo de uma d emanda jud icial, em­
"Da socied com O sugestiv o nome de
ade não personificada bora não lhe fosse facultad o acionar seus próprios sócios ou terceiros.
".
Posteriormente, coube ao Código Civil de 1916 adotar idêntica sis­
IOJ Nn o nc
- ornpn nha mos . . temática, repetindo, em seu art. 20,§ 2°, a idéia central da regra já estatuí­
nesse clns s 1c as lições de
�ALHO DE MENDON , ÇA � �e\t
o t
JOSÉ XAVIER CAR-
llntas as s oc1c· dades irreg ALDEMAR FERRETRA da no Código Comercial. Embora esse dispositivo legal estivesse em
"[ ..J ulares e as de fato. para . . , que entendem dis-
o pnmc ro dele consonância com a disciplina dispensada a esta matéria pela lei especial,
. aquelas s ociedades que s , irregul a res s ão
.' s olc111 ·dades legais
das func1·0nam durante certo• 1 deve-se aqui abrir um parêntese sobre o fato de que o advento do Código
da con sti tuição reg�.�º . tempo sem o cu mprim
c'.e?adcs de fato são as t _e pubJ1c1da . ento
de", ao passo que asso­ Civil plantou algumas dúvidas acerca da natureza jurídica das sociedades
v'.e1 os que as inquinam que se encont�a rn m1nadas c om o
decreto de morte por
de nulidade· Cf· CARV comerciais não inscritas no Rcgistro d o Comércio.
vier. Tratado áe n·treu, ALHO DE MENDON!Ç
. .. s o Comercial Brasileiro . . A, J osé Xa- Com efeito, não obstante o§ 1 °, do ait. 16, Cód. Civ. de 1916 fosse
Freita Bastos, 1933, p. J 30-J V . 3 , Livr o 2, 2. cd., Ri o
Outra 0 1 d�, é a c onc de Janeiro · claro quanto à existência ou não d e personalidade nas sociedad es civis, o
F ERRETRA . Para este epção de W
doutrin�dor s�/_1e� a�e ALDEMAR
medida em que a org anizaç irregular e de fato distin § 2º desse mesmo artigo prescrevia enigmaticamente que "as sociedades
guem -se à
c on trato, que não é, tod i ão da p�ime t a e disp ost a
av a , levado ao ��\:':;ti : -� por escrit o em um mercantis continuarão a reger-se pelo cstatuído nas leis comerciais".
de fat�, por sua vez, pubh� o do comércio. A
consistiria naquela e,� que so Acontece, porém, que as leis comerciais, sendo silentes quanto à idéia d e
a escnt o. Cf. FER · RETRA' WaJdem . seu a;uste não foi sequ ciedade
. ar M artms. l11sti er reduzid0 personificação, suscitavam dúvid as quanto à aplicabilidade ou não do art.
V. J , 3. e_d., Rio de t11iço-es de Dtre. uo.
Jane iro - São Paul . r,re. Comercial. 18, Cód. Civ. d e 1916 às sociedades comerciais.
ta nte o bnlho
daqueles que as engendra�� 1t�s �a�t os: 1951, p. 216-7. Não obs-
contrar . am guarida entre os dem ais . . m' ta is d1st111ç oes t Pronunciando-se sobre essa questão, Carvalho de Mendonça ace­
n o. 111mas as no menclat doutn nadores' que, cm ermin ológic'as n'"o a en-,
uras sociedades meg . .. sua maioria, reput am si- nava que "os legisladores d e 1850, não tendo a concepção das pessoas
ulares e de.fato. juríd icas, como atualmente estabelece a doutrina, não podiam assim
66
67
.. tes r escreveram
- especial p ara as
subsequen p
" o Código e a s leis a organiz·ação .
111es dificulta r
sançao
ar es ( .. ) ' a fim d al e
considerar as sociedades de comércio" 1 º • Ademais, acrescentava este sociedades irregu1 . m, conferindo-lhes ca pacidade p at nmom .
e a

ecer a
e

dou trinador que nenhum artigo do Código Comercial havia reconheci­ vida '· porém- as reconh cons1d . ando-as comerciant•e, . suj eit, a ndo · -as a
4

r
do personalidade às so ciedades de comércio, parecendo , aliás, que represen taçao em Jlll · · ZO, . es o p at rim o
mo pr opno, par a
do, r es� e1.ta�d o-lh . s
e

ss st t o
mu itos a contestavam'°5• falê. ncia e, ne n1os dos so. c1os .
"
fusão com os patnmo
a

evitar a con
e e

Sob essa ótica, questionava-se, à época, qual seria a na tureza j u­ . por fim o ilustre doutrinador :
rídica das sociedades irregulares mercantis. Segundo Carvalho de raci cin and o, sentencia,
Assim os efeitos ju-·
Mendo nça as sociedades comerciais irregulares - isto é, aquelas que i
·rregula res p 1 roduze1n os mesm
res u as restn-
o

gul
funcionam sem o cumprimento de formalidades de constituição, re­ " as sociedades re . . oe
taç - ,s l
. '
ega is que a e
sta s se i mpõem. Est de .in-
h m
rídicos, sa lvo as 1 cam as soc1. edades irregulares. em pla n
a o

gistro e publicidade - seri am, a exemplo das sociedades regu lares, d , c l .. 1 0 9 .


Ções se, na verda . rsonahdade
o

eJUdicam a p e
pessoas 106. O fato de não terem essas so ciedades cumprido as so leni­ ec •
o mi. ca ' n -ao lhes pr
o o

d
e

ferio rid 1·0 B orges


dades legais que lhes eram prescritas, acarretar-lhes-iam somente a .
o fo1 erfilh
ado por Jo-ao Eu na· p
on

t
e

m:n
a

Idêntico po sici na reco��ndava


imp osição de uma série de restrições mediante as qu ais a lei procuraria
2 d . art � 6 Cód . Civ . de 1916,
do § 1c� �as
que, diante do teor per sonalidade j und
o

dificultar a su a existência, tais como : 1 º) os sócios, ainda q ue oculto s, � c�n tra a


��ntos pr od 1go
o

respondem ilimitada e s olidariamente para com terceiro s; 2° ) a socie­ a procu ra de argu �en te n a� leis co
merciais e não no C .
leis
o

s
o

dade nã o vale entre os sócios ou contra terceiros; 3 °) à sociedade está da des c mer c a1s · estã imb uída s as
socie esplrlto de que
o , eni_ao, o
Civi \110. Perquirind
o 1 o

vedada a matrícula; 4°) os sócios acham-se impossibilitados de contri­


o

.
buir com imóveis par a a formaçã o d o capital so cial, p orq ue, sendo comerc1· a1s, · assim conclu1a: . J·uríd ica das soc1e-
nto a persona
l'd d
a a titrina qua ciais, sao .elas
necessária a transcrição, esta não se realiza sem apresentaçã o do co n­ " o Código Civil nad 1ace das leis comer
e

em e.
a

e ( . 1 ,
I

m rc � t'is . as a regula riz ar-


trato legalizado ; 5°) a sociedade não pode inscrever a firma ou razão dades irr egular es .
. s a. s qua1s a- le.i' no propo. s1·to de forçá-l . o
a que esta
.
suJ
pessoas jurid1ca
e a

so cial, inco rrend o na s inibições daí resultantes; e 6°) nenhum sócio


es e sanç oes
seme. 111a�tes àquelas er ou r e­
stri çõ que deix de inscre.v
e1to

tem o direito de, individualmente, requerer a falênci a da sociedade 107. se imp õ r


l
c;merciante individu �· ' " . 111
e

Tais inibições, contudo , não seriam aptas a obscurecer as característi­


e

o omerc1o
a

n o Registr o d
g11/a r,C1 sto
firm
a irre
gistrar a sua
cas que, segundo Carvalho de Mendonça, presentes nas sociedades da pel _ os. do.is
ent endimento propu gna '
a

\' nh a de
irregulares, deno tariam a existênci a de pers onalid ade a se u favor: Vale ressaltar q e a
º trar certa
repercu ssao JUns-
célebres comercialista�
ac�
r�; por v�-
u 1

vel n ��� �ulga da ern l 0.11.so


c
u

stiça de Sa· o
bo

prudencial. Na ape laç · '


am ar c· 1ve 1 do Tr'1bunal de J u
tação unânime da 6ª . de .U . dica da sociedade comercia1
ao 1
1 04 Tratado... , V. 3, cit., p. 80.
c�
a per son ahd a es
a

Pa' ulo reconheceu -se n umas restriçõ


,os Cf. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado... , V.3, cit., p. 80-1.

' ar, ao argumento de que esta sJofire apenas alg .


in v o-
e,
106
Cf. Tratado ... , V. 3, cit., p. 89-90.
ir regul vaç ã o de sua per
sonalidad
a t ta l pn .
1 º7 Cf. CARVALHO DE MENDONÇA. Tratado... V. 3, cit., p. 133-6. Devem ser
,

em Sfüa Capacidade e
feitas algumas ressalvas quanto às restrições arroladas por CARVALHO DE o o
MENDONÇA. A terceira entre elas não mais subsiste face à antiga derrogação do
instituto da matrícula para os então comerciantes individuais e coletivos. Quanto à
p. 89.
última inibição citada, vale advertir que certos doutrinadores já a contestavam sob ,os Tratado... , V. 3, cit., V. 3 cit., p. 92.
a égide do Decreto-Lei nº 7.661/45, em virtude de seu art. 8º, III. Cf. SAMPAIO 109 CARVALHO DE MEN DONÇ A. Tratado.. Jan eiro: Forense, 1971
,
. Comereia/ Terrestre.. ,5 · ed•·• Rio de
. llo
DE LACERDA, J. C. Manual de Direito Falimentar. 14. cd., Rio de Janeiro: Frei­ 110
Cf. Curso de D,re
tas Bastos, 1999, p. 68. A propósito, confira-se o art. 97, III, da Lei nº p. 261.
11.101/2005. Quanto à envergadura da segunda restrição, confira-se CARVALHO 111 Curso... , cit., p. 284.
DE MENDONÇA. Tratado...., cit., p. 134. 69

68
cando-se, em respaldo, o ministério de Carvalho de Mendonça. 112 Na trofe entre os entes coletivos personificados e não personificados", e,
apelação cível nº 11.216, julgada em 15.12.1955, por votação unânime não existindo preceito em sentido contrário na legislação especi�l,
pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, enten­ regia também a regularização das sociedades no campo mercant�l.
deu-se que a sociedade irregular, desde que comerciante, tem seu es­ Ademais como fez notar o próprio Carvalho de Mendonça, se a noçao
tatuto jurídico disciplinado pelo Código Comercial. Por essa razão, de perso�alidade jurídica estava ausente no Códi�o Comercial, �l
, .
gozaria de personalidade jurídica ainda que não cumpridas as formali­ circunstância justifica-se somente pelo fato de que a epoca de ed1çao
dades estatuídas no art. 18, Cód. Civ. de 1916"3. daquele diploma legal ainda não se concebia essa idéia de modo tão
Rubens Requião, todavia, insurgiu-se abertamente contra a tese aprimorado quanto nos 1�oldes a�1ais. Logo, parece-n?,: merecef ora
sustentada por Carvalho de Mendonça e Eunápio Borges, conferindo de aplausos a interpretaçao confenda por Rubens Reqmao ao § 2 , do
exegese diversa aos arts. 16, § 2° e 18, Cód. Civ. de 1916. Ensinava art. 16, Cód. Civ. de 1916.
este autor que o texto legal do art. 18, Cód. Civ. de 1916, ao versar so­ Todavia, se a argumentação de Rubens Requião refuta por com-
bre a constituição das pessoas jurídicas, o fazia indiscriminadamente, pleto as bases sobre as quais se assentava a tese de Cai:valho d: Me� ­
de modo que a existência legal tanto das sociedades civis quanto das donça e Eunápio Borges, deixa ela em aberto uma mdagaçao cuJa
comerciais iniciava-se pela inscrição de seus atos constitutivos no análise parece inarredável: não sendo a sociedade irregular pessoa,
registro que lhes seja peculiar.114 Quanto à "norma esclarecedora do como, então, justificar-se-ia o teor dos arts. 304, Cód. Com. de 1850 e
§ 2º do art. 16, de que as sociedades mercantis continuarão a reger-se do § 2º, art. 20, Cód. Civ. de 1916, que claramente a reconheciam �o­
pelo estatuído nas leis comerciais, não tem nenhum efeito na aquisição mo apta a figurar no pólo passivo da relação processual? Tal questio­
da personalidade das sociedades mercantis, cujo reconhecimento' co- namento mostra-se pertinente ainda na atualidade, pois, embora o

mo se ve, lhes é concedido pelo Código Civil; deve-se entender ou- Código Civil de 2002 não tenha reproduzido em idênticos tennos os
t�ossim, que o parágrafo preserva os dispositivos do Código Co�er­ dispositivos legais aludidos, deles captou a essência no sucinto art.
.
cial sobre a estrutura e constituição das sociedades comerciais".115 927, que igualmente prescreve que aos sócios, nas relações entt: e s1 ou
Sem dúvida esse parece ser o entendimento mais razoável acerca com terceiros, só é dado provar por escrito a existência da sociedade,
dos textos citados. A lei civil, sendo regra geral reguladora das rela­ ao passo que aqueles últimos podem prová-la de qualquer modo.
ções de ordem privada, ao estabelecer o registro como a "linha limí- A questão sempre se revelou das mais embaraçosas e, ao longo
do tempo, revelou sua agudez, à medida em que alguns doutrinadores
112 SÃO PA O. ribunal d Justiça, 6" evidenciaram que o outorgar-se capacidade passiva de ser parte à so­
� � � Câm. Cív. Apelação cível nº 51.554. Ape­
lante�: �oao Batista A,�haia de Almeida Prado e outro e Sociedade Navegação e ciedade irregular importava, necessariamente, conceder-lhe, em con­
. trapartida, um mínimo de posições ativas no âmbito da relação proces­
Comercio Indcpendencta Ltda.; apelados: Salmac, Salicultores de Mossoró e Ma­
ca�1 Ltda. Rei. Des. Justino Pinheiro, v.11., j. 1O. I 1.50. Revista Forense, Rio de Ja­ sual. A::,sim é que, uma vez parte, pode ela "reconvir; embargar de
neiro, v. 140, f. 585-6, p. 279-81, mar./abr. I 952. executado (aliter de terceiro); pedir decretação de nulidade, de anula­
113 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça,
3" Câm. Cív. Apelação cível nº I I.216.
ção ou de resolução, condenação nas custas, aplicação das penas dos
�pelante: João Campos Coutinho e outros; apelados: os mesmos. Rei. Dcs. Helvé­
cio Rosenburg, v.11., j. I 5.12.55. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 172, f. 649-50, arts. 63 e 65 do Código de Processo Civil [CPC de 1939], alegar com­
p. 347-8,jul./ago. 1957. pensação; interpor recurso extraordinário; propor ação rescisória, pro­
114
C f. cu�·so de Dire'.to Come, ·c'.al. V. 1, 23. cd., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 352. A
. . .
por ação revocatória em processo de falência, ou anulatória e� con­
d1stmçao entre sociedades c1v1s e mercantis situa-se, como visto, antes da edição do curso de credores, em que foi incluída como credora, bem assim al�­
novo Código Civil.
115 REQUIÃO. Curso de Direito Comercial. V. gar, na falência, ineficácia relativa; pedir indenização por danos sofn-
1, cit., p. 352.

70
71
u a se
dos em virtude de medida constritiva, cautelar ou executiva, que foi Na esteira desses ensinamentos doutrinários, não tardo
reconhecia à
concedida contra ela" .116 cristalizar entendimento jurisprudencial que efetivamente
molde s não tão restritos
Ademais, como bem recordava Carvalho de Mendonça, a proibi­ sociedade irregular uma capacidade ativa em
de 1916 e o
ção de a sociedade irregular figurar no pólo ativo da relação proces­ quanto aos que pareciam prescrever os Códigos Civil
ito, que "ad­
sual não era também irrestrita: "não é toda e qualquer ação entre os Comercial de 1850. Arruda Alvim informa, a esse respe
irregu lares] letras d câm­
sócios ou da sociedade contra terceiros que deve ser instruída com o mitia-se que cobrassem elas [as sociedades . �
contrato social devidamente registrado, mas somente aquela ação que, . bio aceitas; que demandassem saldo de transações come rc � �s; �ue
a
re1vmd1ca-
na lição de Teixeira de Freitas, não tiver outra causa possível senão a cobrassem dos seus devedores; que propusessem ações de
m embar gos de tercei ro senhor e
existência da sociedade"111• Segundo prelecionava Teixeira de Freitas, ção de imóveis; que apresentasse . . 119
" .
tal compreensão em torno da disciplina do contrato de sociedade era a possuidor; que requeressem despeJO de sublocat'anos .
e da
única que tinha por si a boa razão e mesmo o simples bom senso: Logo, foi de decisiva importância a colaboração da doutrina
o pelo
As ações [... ) que o Art. 303 do Cod. do Com. veda aos sócios entre si, jurisprudência para mitigar o rigoroso tratame ?to dis?ensad
e contra terceiros, se não forem logo acompanhadas do instrumento direito material à capacidade de ser parte da socied ade megu lar . Isto
VII
probatório da sociedade, não são todas indistintamente, senão unica­ feito encampou o legislador a inovação, preceituando, no inciso
jurídica
mente as que não tiverem outra causa possível fora da existência de do a;t. 12, CPC de 1973, que as sociedades sem personalidade
uma sociedade: são representadas em juízo - ativa e passivament e - pela pessoa �
É o que bem se conhece pelas palavras do cit. Art. - que fundar sua in­ admin istração dos seus bens. Com o adven to da lei
quem couber a
ntes no
tenção na existência da sociedade -: E na verdade, se estas palavras
processual revogaram-se, portanto, as restrições antes exist�
distinguem certas ações dos sócios entre si, ou dos sócios contra tercei­ ada a capaci dade de
âmbito do Direito Privado para, uma vez reafirm
ros, como é possível entender, que os sócios estão privados de deman­ m is
dar-se reciprocamente - pela restituição dos bens de suas entradas so­ ser parte da sociedade irregular, fosse ela concebida n�a feição :
o
ciais, - pela partilha de lucros havidos em comum, - e de demandar a ampla que abrigasse tanto a atuação passiva, quanto a ativa na relaça
terceiros para pagamento de dívidas? processual. , .
o
Quando não existe sociedade legalmente constituída, ou contratada em De toda essa evolução se depreende que desde o vetusto Cod1g
nte
forma legal, existiu todavia - uma sociedade de fato, - uma co1111111hão Comercial de 1850 nunca esteve a sociedade irregular completame
lei o legisla dor
de bens, - uma comunhão de interesses; e aí temos uma causa jurídica excluída do campo da subjetividade, pois desde aquela
me
de ações, embora não tenhamos existência legal de uma sociedade: lhe reconheceu a capacidade passiva de figurar em juízo. E, confor
la­
Por outra, o Art. 303 do Cod. do Com. proíbe, que sem o instrumento antes relatado, a partir de então a capacidade das sociedades irregu
social registrado se venha demandar em Juízo efeitos futuros do con­
res ·só fez expandir-se, quer pela criação jurisprudenc ial, quer pela
trato de sociedade, por exemplo, para que um sócio realize a prometida ca­
entrada social; porém não veda, que se demande em Juízo por efeitos já intervenção legislativa. Estando, pois, sempre presente a idéia de
serem as socied ades irregu lares
produzidos, ou pelo que respeita ao passado: a não ser assim, autoriza­ pacidade, é inegável que ela denuncia
âm­
se a usurpação ele bens alheios" 11 s. pessoas, dada a sua aptidão à aquisição de direitos e deveres no
bito da relação processual. É a conclusão também autorizada pela
notável lição de José Lamartine Corrêa de Oliveira: "na verdade, essa
PONTES DE MIRANDA. Tratado..., v. 1 , eit., p. 342. cisão entre conseqüências da personalidade jurídica favoráveis e con-
116
117
Tratado... , v. 3, eit., p. 134.
118
Aditamentos ao Código de Comércio. V. 1, Rio de Janeiro: Typographia Perseve­
rança, 1878, p. 674-5. 119
Código... , eit., p. 93.

72 73
eira­
e dispositivo legal, prim
significa restrição à ca pacidade de dire·t .
seqüên cias desfa vor áveis Para que se possa compreender aquel
a disciplina das soc ied e irreg ula­
�.s ª capacidade de direito restringida supõe personalidade jur;d�'. mente é preciso observar que embora gi­
s
e
ad

: 1� 0 � rcial, apen as recentement


res remonte à época do Código Come
co

cia de urna persona­


e s

A exemplo do que sucede aos entes atípi cos ante s estudados ia estar a denotar a existên
tou que seu estatuto poder
. o com o que velada aos o
lhos dos
muitos contesta m � personalidade jurídica das sociedades de fat o a� lidade que até então vinha permanecend re l alcan­
argumento de ser insustentável uma capacidade que se 1.e 1ac io n e ex- rprete não se revelava
d outrinadores. Antes, aos olhos do inté
o a

o, de um lado, pel o art. 18,


elus. 1:
· amente a· or dem p rocessual. Essa asserção, como se viu, não e. ce do imbricado quebra-cabeças fonnad
caput,
. aits . 304, do Có d. Com. de
1850 e
ven d1ca , nem pe rt mente. do Cód. Civ. de 1916 e, de outro, pelos ntr e nós,
culação , hoje rep
Tod�s-esses argumentos reforça m a teoria de que os c rité rios 20, § 2°., do Cód. Civ. de 1916. Essa arti e ser
etida e

e 927 do no vo Código, dev


par� afcr�ç�o d� �r:,sença ou não da personalidade relacio nam-se pelo contraponto fonnado pelos arts. 45
na justa medida em
�u1t� mais a atnbu 1çao de determinada titularidade ou de uma p osiçã0 a exegese que se depurou
contemplada através de um
JUn. dica a um ser pelo ordena mento d0 que a· apos1ç - a - ainda incipiente ao tempo do
- . .
· ao de uma desig-
. .. que a própria teoria da pessoa jurídic
1916 - foi adquirindo contornos
naçao hp1ca ou ao cumprimento deste ou daque le requ1s1t o fo1m� I . T a l Código Comercial e do Código Civil de
circunstânci a é fac ilm ente perceptível, ,.à m edI' da que se toma msus-
. mais definidos e exatos. a
er , co ntudo, n e gar que
tentáve l afirmar-se que um ente seJa p essoa po r forç a do mero-c um­
. Através dessas ponderaçõe s nã o s e qu e rel ­
pr'.mento de uma formalidade - com o o reg is tro - mesm o que n ao lhe seja desen c ade adora
inscrição n o órgão r egi stral adequado
d e

em dúv ida, é uma circunstância


seJa atribuído qu alquer direito. vantes cons eqüências jurídicas : essa , s ências.
ais se riam essa s con seqü
.
Assumindo-se essa perspe ctiva, como, então entende r a exigên
. inc ontestc. O que se deve precisar é qu cum­
nseqüência imediata
eia con stante n o art. 45, Cód. c·iv., qua 1 SCJa,
. . ' scrição no registr0
a de in So b a ótica do legislador de 1916, a co
do

ait. 18, Cód . Civ. se ri a a


pnvattvo dos atos constitutivos da so cie dade? primento da formalidade estatuída n o
outor-
Antes se demonstro u que o fato dete;minante da a ui si ão da
. ga de personalidade jurídica.
, essa não m ais pode ser
�al dade de pessoa é a atribu ição, pel a lei, de um ro l dete�min� do de
Âirei.�os ou mesmo de um único e Face à evolução do pensa mento ju rídico
d . Civ. de 2002,
exc lusi vo direito. I sso s e veri fiica ao a rt . 45, caput, do Có
. a inter preta ção conc edida
erso ­
q uando assim o determine o legislador' ainda q ue em flagrantc contra- o l ad o, ao que se viu, a p
. pois, se texto parece inalterado, por outr
dição co1:1 o � preceitos que ele mesm o ou tro ra finn a ra. ros da inscrição dos atos ons- c
nalidade també m exis te aquém dos mu
Assun e qu e, mesmo impondo ao art. 45 ca ut' d .d titutivos em registro pecul ia
r.
.
senttcl? �uase dogmático, o próprio legisl ado r, � o :t. 93� ' �:q ��: �es � ada p ess oa, visto que nel
Regular ou não a sociedade, é ela reput
v u
a
­
mo Cod 1go, afasta- se de sua rigidez · · · · . .
1- sempre se apre senta a aptid
ão para adquirir direitos e contrair obrig
a

te" sobre a personificação.


alme1 � se comprove a existência da s��rc�:�:· i�:�:s�!���ij��r::::t
; 1ante desses fato s . ções . Lo go, o registro não influi "exatamen
consiste a sua relevância?
po der se ia · d ª ue vtria a necessidade M as volta-se à questão antes posta : em que
.
de inscrição do s atos con�titutiv�s �: s��i��:�:e p ;rante o reg1stro que lhe e a essa n ova percepção ?
Que conseqüências dele poderiam advir fac
sejam pessoas, sua perso­
seja pecl11_i· ar. ? Es_tan· a � ato do registro completamente esvaziado no que
. Embora as sociedades irregulares também
monstr ou, são detectadas
concerne a afençao do instante em que oco rre a personificação ?
nalidade e capacidade de direito, como se de
ita pelo legislador.
pela atribuição expressa e punctual de direitos fe
personalidade não se to rna
· No caso das sociedades regulares, sua
o aos direitos q ue
,20AD11p Ia... , c,t., p. 235. perceptível o brigato riamente pela expressa me nçã

74
em que ocorre a
caput, Cód. Civ. ao estabelecer um momento exato
lhe sejam atribuídos, mas pela satisfação de um procedimento estatuí­ rança jurídica, além
. personificação resguarda mais prontamente a segu
do em lei. A personalidade daquele que tenha atendido à solenidade a sociedade venha a
de velar pelos interesses de terceiros com os quais
l�gal do registro subentende-se desse fato mesmo e não da circunstân­ .
. travar relações jurídicas
a de ter :ido outorgado este ou aquele direito. O ser pessoa, nessa da personalida-
�� _ Tal afirmação não é defensável, pois a percepção
1potese, nao se faz acompanhar de qualquer referência a um rol taxa­ estando definiti­
. de através da situação subjetiva atribuída a um ente,
tivo �e titulari?ades i�p�tadas àquela sociedade. Isso se dá porque a , qual seja, a ex­
vamente associada a um ato objetivo do legislador
funçao do reg1stro nao e conferir personalidade às sociedades, mas res, igualmente se
. pressa outorga de direitos e/ou atribuição de deve
antes dilatar a sua capacidade de direito. minação de que
revela um critério suficientemente seguro na deter
Se o art. 45, caput, Cód. Civ ., ao versar sobre o "início" da exis­ ar que o reconheci­
• . seres possuam a condição de pessoa. Aliás, afirm
t�nc1� l�gal das pessoas jurídicas de direito privado, não se atém na ulares viria em
_ mento da personalidade jurídica das sociedades irreg
d1scn�mnaçao d ?s seus direitos é porque silentemente sentencia que a e dos direitos e
. prejuízo de terceiros é fechar os olhos à própria gênes
ca��c1dade de dir �ito dess�s �ntes coletivos é composta por uma gama . em defesa dos
deveres atribuídos à sociedade de fato Foi justamente
vauada e hetero�enea de d1re1tos� cuja sistematização reputa dispensá­ lhe conferiu a
interesses de terceiros que o legislador inicialmente
;el. :ra �a-se, p�1s, de uma capacidade de direito genérica, cujo conte­ capacidade de ser parte na relação processual.
udo e c1rc�nscnto pelos limites negativos que a lei lhe traçar ou que ainda que se
. Ademais, a despeito de todas essas vantagens, há
:�1 e seJ �m impostos pela sua própria natureza ou por seu objeto social conjugar har­
considerar que apenas a sistemática aqui proposta logra
·.Dai po�que em sendo �egular a sociedade, a aferição de sua perso­ Civ. e os demais
monicamente a regra geral estatuída no art. 45, Cód.
1

nahdade nao s� pre?de direta e necessariamente à explícita previsão o estatuto e no


dispositivos legais constantes no art. 927 daquele mesm
l�gal de suas tttula�1?ades, já que, em tese, pela obediência ao ato re­ , mais consentânea
_ inciso VII do art. 12 do CPC, mostrando-se, ainda
g1stral sao elas hab �htadas à aquisição de todos os direitos e contração .
. aos atuais contornos de personalidade e capacidade
de todas as obngaçoes que não lhes forem interditas.
Atua, .pois, o registro não sobre a personificação das sociedades,
, 3.1.3 Condomínio edifício
porem, mai� exatame�te, no alargamento da capacidade de direito que
a �te_:' a soc1ed�de detmha enquanto irregular. Assim, se antes da ins­ Principalmente no período pós-guerra, a sociedade veio a depa­
cnçao no Registro, o conteúdo da capacidade de direito da sociedade rar-se com um problema que até então não havia evidenciado sua agu­
era demarcado p �r limites . pos �tivos, representados pela atribuição deza: a crise habitacional. Ocasionada pela confluência de diversos
expre�sa e especifica de tttulandades, após aquele ato, passa esse motivos, como o êxodo rural para os centros urbanos e os elevados
c�nteudo a encontrar seu termo apenas nas restrições negativas que a custos de, terreno e materiais necessários ao soerguimento de novas
lei lhe traçar 122 · M'g · d e uma capacidade jurídica restrita
1 ra-se, pois, construções, provocou ela o surgimento de uma nova técnica de edifi­
.
para uma mais ampla, de caráter genérico. cação, representada pelo condomínio edilício 123.
P ?r últinio, contra a concepção de que também as sociedades de
fato seJam pessoas, poder-se-ia objetar que a regra estatuída no art. 45, 123 Emprega-se, neste tópico, a designação adotada pelo novo Código Civil para desig­
nar tal realidade. Não obstante a variedade de nomenclaturas assinaladas por Caio
Mário da Silva Pereira cm Condomínio e i11co1porações. 10. ed., Rio de Janeiro: Fo­
121 Conforme se verá adiante, esta afirmação restará melhor esclarecida no item 5 2 do rense, 1999, p. 67-9, a comissão elaboradora do Código Civil de 2002 optou pela ex­
_
presente Capitulo. pressão condomínio edilício, por julgar que este "é um condomínio que se constitui,
122 Rep1·1a-se aqui. a ad vertencia
• .
depositada na nota anterior.
77
76
Tal inovação não passou ao largo da percepção do legislador bra­ fórmula simples pelo art. 1.331, caput, do Cód. Civ. Logo, face à sis­
sileiro, que, já em 1928, através do Decreto nº 5.481, tratou de lhe temática da lei, revelam-se frágeis as bases sobre as quais se assentava
conferir a disciplina jurídica, posteriormente alterada pelo Decreto-lei a originária vertente pró-personalidade do condomínio edilício: tivesse
nº 5.234, de 8 de fevereiro de 1943 e pela Lei nº 285, de 5 de junho de a hipótese se baseado em outras premissas - que adiante serão expos­
1948, pela Lei nº f59 l, de 16 de dezembro de 1964 e modificações tas - e certamente teria provado seu acerto.
subseqüentes e atualmente consubstanciada nos arts. 1.331 a l .358. Com efeito, embora ao condomínio edilício não se outorgue o di­
Essa espécie de condomínio desde muito cedo evidenciou suas reito de propriedade sobre as unidades autônomas ou sobre as áreas co­
características peculiares, distanciando-se do condomínio dito tradi­ muns o fato é que a Lei nº 4.59 l/64, em seu art. 63, § 3º, defere-lhe, me­
cional. Embora a doutrina o soubesse singular, jamais chegou a um diant� decisão unânime de assembléia geral, preferência na aquisição de
acordo sobre qual seria a natureza jurídica do condomínio cdilício: apartamento de condômino que tenha inadimplido o pagamento de três
ora, julgavam-no o ressurgimento da propriedade �uperficiária dos _
parcelas do preço da construção, desde que observado o prazo assmalado
romanos, ora uma espécie de servidão. Outras vezes, nele se vislum­ naquele dispositivo legal e seja a construção do imóvel operada pelo re-
brava uma sociedade de condôminos, ou, cm oposto extremo, uma gime de administração (art. 58, Lei nº 4.591/64) 126.
mera universalidade de bens. Ao lado de tão diversas concepções ali­ . .
Estabeleceu-se, assim, a possibilidade de que o condomm10, pre­
nhou-se, ainda, uma vertente que entendia ser essa espécie ele condo­ º
sentes as circunstâncias clencadas no art. 63, § 3 , se tornasse pro­
mínio pessoa jurídica. p rietário de unidade autônoma. Se a letra da lei era clara, não f�i �I�,
Não foi bem recepcionada esta última tese pela doutrina, não obs­ _ .
contudo, prontamente aplicada. Os oficiais do Reg1stro Imob� h ano
tante, como adverte J. Lamaitine Con"êa de Oliveira, tenha essa aversão .
inicialmente recusaram-se a transcrever em nome do condomm10 o
resultado da deficiente colocação do problema e a CITO de seu equa­ imóvel adquirido por meio da adjudicação, ao argumento de que o
cionamento 124 . A esse propósito, relata este doutrinador que a discussão condomínio, não possuindo subjetividade, não poderia ser proprietá­
em tomo da hipotética personalidade jurídica do condomínio cdilício rio. Proprietários, ao entender dos oficiais, seriam cada �11? dos e01�­
restou prejudicada por ter sido examinada sob o ângulo da titularidade do dôminos, de modo que em seu nome, e não no do condomm10, deveria
direito de propriedade. Com efeito, muitos vislumbraram o condomínio operar-se a transcrição.
como pessoa por nele reconhecerem o verdadeiro titular dos direitos reais . . .
Tal concepção, porém, por si só, já evidenciava sua 1mprat1cab1-
"supostamente" pertencentes aos conclôminos 125 . lidade. Impraticável, porque se olvidava que a variabilidade contínua
Na verdade, a própria Lei nº 4.591/64 jamais autorizou tal enten­ do.quadro geral de condôminos demandaria uma constante atualização
dimento, visto que sob sua ótica não era o condomínio edilício titular do rol de titulares da unidade autônoma. Impraticável, ainda, esse en­
de direito de propriedade seja sobre os apartamentos, seja sobre as tendimento porque acabaria por inviabilizar a alienação posterior da
partes comuns, titularidade esta deferida aos condôminos individual­ unidade autônoma, que somente se perfaria mediante anuência de to-
mente considerados. A exatidão dessa premissa é, ainda, repetida cm
126 o teor do art. 63, § 3º, Lei nº 4.591/64 não foi revogado pela entrada em vigor do
objetivamente, como resultado do ato de edificação". Cf. REALE, Miguel.
Exposi­ Código Civil de 2002, que passou a disciplina� apenas o T!tul� I �aquela Le!, refe­
ção de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código
Civil. rente ao condomínio restando preservado o Titulo li relativo as meorporaçoes, no
ln: Novo Código Civil. Brasília: Secretaria Especial de Editoraçào
e Publicações, qual se situa o dispo�itivo em comento. Ademais, ainda que o referido artigo refi­
[ s.d.), p. 53. �
12� Cf. A Dupla... , cit., p. 216. ra-se a uma prerrogativa material do condomínio, deve-se reconhecer que, nao ten­
125 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 216. do ocorrido sua revogação expressa, nenhum dos dispositivos do Capítulo VII do
Livro Ili da Parte Especial contesta-lhe a vigência.

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dos os condôminos. Isso sem se mencionar que tal solução opor-se-ia Essa condição, aliás, depreende-se da própria vida cotidiana,
frontalmente ao espírito da lei, que clama pela dissolubilidade do con­ pois, como bem ressalta J. Lamartine Corrêa de Oliveira, corriqueira­
domínio tradicional, por ela entendido como mater discordiarum. mente o próprio condomínio é tomado como "titular de créditos, dé­
Não bastassem os inconvenientes práticos dessa tese, mostra-se bitos, sujeito de relações de Direito Cambiário, titular de contas ban­
ela equivocada à medida que subverte por completo os critérios que cárias, empregador, pode contratar, pode ser devedor de reparações
efetivamente determinam a existência ou não de personalidade em por ato ilícito praticado por seus órgãos ou por seus prepostos e em-
.
certo ent�: se o condomínio edilício antes não era considerado pessoa pregados, credor e devedor por via contratua1 e extra-cont ratu a1"128.
porque não se lhe reconhecia um status subjetivo, o art. 63, § 3°, ao Somente uma pessoa, poderia titularizar tantos e tão variados direi­
conceder-lhe a prerrogativa de adjudicação da unidade imóvel, rompe tos. Tal conclusão é, de resto, iITefutável. E, fundada que está nos sólidos
esta lógica, inserindo definitivamente o condomínio edilício no vértice argumentos antes apresentados, acaba por, reflexamente, obviar certas
dessa titularidade. Assim, o beneficio estatuído naquele artigo retira o construções artificiosas como a de Caio Mário da Silva Pereira, que,
condomínio do plano da objetividade, conferindo-lhe a condição de mesmo diante desse extenso leque de prerrogativas, assevera que o legis­
pessoa, ao mesmo passo em que aquele direito lhe é conferido. Se lador não concedeu personificação ao condomínio horizontal, não obs­
titular do direito de propriedade é, é porque tem aptidão para o ser e, tante o trate como se dotado fosse de personalidade 129.
se a tem, é porque indiscutivelmente é pessoa. Nada mais incongruente: tratar como pessoa quem não o seja. A
Contra essa conclusão, poder-se-ia objetar que o texto legal ao assertiva, por si só, desmascara a sua artificialidade. Muito mais coe­
atribuir essa prerrogativa ao condomínio, em verdade, referir-se-ia à rente seria deixar de lado o fetichismo pelos rótulos legislativos e
comunidade dos condôminos. Tal réplica, além de acarretar sérios aceitar que a condição de pessoa deriva não necessariamente de uma
embaraços técnicos - conforme se viu -, não subsiste a uma análise nomeação expressa e contundente nesse sentido, mas deflui natural­
sistêmica da Lei nº 4.591/64. mente da outorga de posições subjetivas no ordenamento jurídico. Do
Na Lei nº 4.591/64, também outros dispositivos legais, a par do art. ser proprietário, empregador, correntista em estabelecimento bancário;
63, § 3º, evidenciam o campo da subjetividade em que está envolto o do tomar parte, ativa ou passiva, em juízo apenas exala um único e
condomínio edilício: quando a construção se realiza sob o regime de ad­ inconfundível aroma: a personalidade.
ministração, as "faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos refe­
rentes às transações ou aquisições para construção" devem ser emitidas
em nome do condomínio (art. 58, I, Lei nº 4.591/64); também em nome 4 O DESVELAMENTO DA PERSONALIDADE
do condomínio, nessa mesma hipótese, "são movimentadas as contas
bancárias" (art. 58, II, Lei nº 4.591/64)127• Todos esses são indícios que, Por tudo o que até o momento se ponderou, percebe-se que mo­
acrescidos da capacidade de ser parte que ao condomínio edilício se ou­ dernamente se tomam insustentáveis definições de personalidade e
torga no art. 12, IX, CPC, conduzem a uma única e inevitável conclusão: capacidade de direito como idéias estanques, exclusivamente assenta­
não obstante não lhe seja atribuído esse nome particular pelo legislador, o das sob os pilares da plenitude e da generalidade. A própria evolução
fato é que há muito a situação jurídica do condomínio edilício está a de­ do Direito demanda a flexibilização da capacidade de direito, rompen­
nunciar a sua condição de pessoa. do-se um paradigma, cuja verdadeira feição, ao ser desnudada pelos

127 128
Reafirma-se a vigência desses dispositivos legais com fulcro nos mesmos argu­ A Dupla... , cit., p. 225-6.
mentos expcndidos na nota anterior. 129 Cf. Co11domí11io... , cit., p. 344.

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fatos atuais, revela-se apenas como uma visão castradora e rcducio­ Logo, entre os seres personificados de um extremo ao outro uma
nista da realidade jurídica. constante se apresenta: todos eles, seja um ente atípico ou uma pessoa
Nessa nova perspectiva, personalidade e capacidade de direito natural, são convocados pela ordem jurídica a postar-se como sujeito
continuam a constituir apanágios privativos das pessoas, mas deixam de direito e a titularizar direitos e a contrair obrigações, portando-se
de ser atributos exclusivos apenas cios que são expressamente nomea­ como autênticos destinatários de um, vários ou incontáveis comandos
dos pessoas pelo ordenamento jurídico. legais. E se as pessoas jurídicas, os entes atípicos e o homem, sob esse
Assim, não somente aos seres que são taxativamente enumerados aspecto, figuram em um mesmo patamar, tal não vem a desmerecer a
como pessoas pelo legislador se reconhece a possibilidade de figurar dignidade de que está envolto este último: o homem é pessoa porque
como sujeito de direitos: também os entes atípicos possuem essa prer­ ao legislador não lhe era dado negar-lhe essa condição, já as pessoas
rogativa, mesmo que sua capacidade seja mais restrita e circunstancia­ jurídicas e os entes atípicos, porque assim se fazia conveniente ao
da. Relacionando-se tal evidência ao fato de que ser pessoa equivale, próprio homem, já que a personificação preenche não só direta, mas
necessariamente, à atribuição ao menos de um mínimo de subjetivida­ também indiretamente os intentos do homem.
de jurídica pelo ordenamento, não se pode deixar de concluir que onde É certo, porém, que a imagem de pessoa vai-se tornando cada
há titularidade, pressupõe-se, por certo, a coexistência de personalida­ vez mais nítida à medida que se vai ampliando o teor da capacidade de
de e, por via de conseqüência, de capacidade de direito. Logo, por ser direito desses entes. Essa aproximação ocorre não pela personalidade,
possível aos entes atípicos estar na posição de sujeito de direitos, são que em todos é idêntica, mas pelo teor da capacidade jurídica.
eles irrefutavelmcnte capazes e possuem personalidade. A pessoa natural, possuindo o mais amplo e heterogênco espectro
Se pessoa, para o Direito, é o ser a que se atribuem direitos e de direitos e deveres acaba por tornar-se, em padrões jurídicos, a pes­
obrigações, não há como se negar, diante de todo o exposto, que esta é soa por excelência, o marco referencial para todas as demais. Quanto
a situação jurídica dos entes atípicos. O curioso é notar que embora mais similar for o conteúdo da capacidade de direito de um ser ao da
essa conclusão pareça, agora, de fácil assimilação, não deixa ela de pessoa natural, mais claramente se patenteará sua personalidade. As­
soar estranhamente a nossos ouvidos. Como imaginar que o espólio sim é que dificuldades não se põem a reconhecer como pessoas jurídi­
seja tão pessoa para o Direito quanto o homem o éDº? cas as sociedades regulares, as fundações e associações, cuja capaci­
Para que se dissipe esse desconforto, primeiramente, é necessário dade jurídica é igualmente genérica, não obstaetc de moldes um pouco
lembrar que a coexistência de pessoas naturais e jurídicas já alerta pa­ mais restritos, conforme se verá. O mesmo não sucede, entretanto,
ra um fato: ser pessoa, para o Direito, não é invariavelmente uma com os entes atípicos, que, dotados de uma capacidade de direito cir­
questão de substrato ontológico. Antes, para o Direito, o que vale é cunstanciada e tópica, apenas tenuemente evocam a magnitude de que
comportar-se à maneira de pessoa no âmbito jurídico. Se não vislum­ está envolta a pessoa natural. Mas também entre esses últimos se pode
bramos nos direitos e deveres atinentes aos entes atípicos um modo de
aferir que a amplitude do espectro de direitos que titularizam e das
agir muito similar ao das pessoas, pode ser que estejamos nos olviclan­
obrigações a que estão sujeitos pode evidenciar mais claramente aos
do cio que efetivamente seja pessoa para o Direito ou que nossa vista
nossos olhos sua real natureza jurídica: destarte, é inegável que muito
esteja ainda enevoada pela dimensão mctajurídica da realidade pessoa,
mais límpida é a imagem da personalidade jurídica da sociedade irre­
que, como visto, não se confunde com a sua conotação jurídica. gular e do condomínio edilício do que a dos demais entes atípicos.
Portanto, a capacidade de direito, ao generalizar-se 'e ampliar-se
torna mais palpável a personalidade que está, todavia, uniformemente
130 Abstraindo-se, imperiosamente, a razão pela qual ambos detêm esse status. presente cm todos aqueles estágios.

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Seja em um extremo (pessoa natural),_ ou em ou �ro_ (entes atípi­ normas regradaras das pessoas jurídicas reflexamente conduziria à
cos) vislumbram-se personalidade e capacidade de d'.rc'.tº: :�m�-se ruptura da tipicidade que até então as envolvera. Migrar-se-ia, pois, de
e1aro, Portanto, que esses conceitos não podem constituir 1de1as
.
ma-
um sistema numerus clausus para numerus apertus na determinação
movíveis e acabadas, como habitualmente apregoa a doutnna, mas
das pessoas jurídicas 132.
pr-0cessos em construção, que tê� a plenitude da pessoa hum_ana como Em que pese o brilho do eminente doutrinador, não se poderia
móvel primordial. Desse modo, a pessoa natural, enquanto imagem e importar tal solução para este trabalho. Em primeiro lugar, diversa­
semelhança do Criador, outorgam-se múltiplas e incontáveis prerro­
mente de J. Lamartine Corrêa de Oliveira, não compreendemos que os
gativas jurídicas; num domínio mais estreito, à pessoa jurídica, reco­
entes atípicos, uma vez reconhecida sua personalidade, integrem a
nhece-se uma variada gama de direitos e deveres, que sejam, entre­
categoria de pessoas jurídicas 133: que são pessoas não há dúvidas, mas
tanto, compatíveis com a sua natureza, com a lei e com seu objeto; e,
pessoas de um terceiro gênero, que se destacam das naturais e das
em uma esfera ainda mais restrita, aos entes atípicos, enquanto pesso­
jurídicas pelo teor de sua capacidade de direito, regrada não em parâ­
as de capacidade de direito reduzida, concede-se o gozo de um míni­
metros genéricos, como sucede com aquelas, mas em moldes restritos
mo de poderes suficientes a elevá-los, em certas situações, ao posto de
e excepcionais.
sujeito de direitos 131 •
Mas essa ressalva, por si só, não é apta a negar validade às con­
clusões de J. Lamartine Corrêa de Oliveira, visto que a personificação
4.4 Alguns reflexos substanciais da presente concepção
desses entes, estejam eles insertos ou não entre as pessoas jurídicas,
4.1.1 Sobre o princípio da tipicidade das pessoas redunda, de qualquer modo, no alargamento do espectro de seres que
gozam do status de pessoa. O que se deve questionar é se essa amplia­
J. Lamartine Corrêa de Oliveira, em sua clássica obra "A Dupla ção representa efetivamente uma quebra do princípio da tipicidade das
Crise da Pessoa Jurídica" adverte que modernamente a concepção de pessoas.
pessoa jurídica estaria enfrentando a quebra de dois paradigmas essen­ Conforme visto, J. Lamartine Corrêa de Oliveira parece entender
ciais: o de sua tipicidade e o de suafimção. que sim, mas há que se ter em mente que seu posicionamento firmasse
Centrando nossa atenção no primeiro que, sem dúvida, é o as­ sobre a posição ontológico-institucional adotada por aquele autor.
pecto que ora nos interessa, foi ele nomeado pelo autor de crise do Concebendo a pessoa jurídica como realidade analógica ao ser huma­
sistema. Segundo J. Lamartine Corrêa de Oliveira, o fato de o conceito no, preexistente ao reconhecimento de sua personalidade pelo Estado
de pessoa jurídica estar gradualmente se estendendo a realidades tradi­ 134, J. Lamartine Corrêa de Oliveira não poderia extrair outras conse­
cionalmente consideradas como excluídas do âmbito de incidência das qüências da condição de pessoa que vislumbra no condomínio por
unidades autônomas, na sociedade irregular e no estágio de pré-vida
131 Não obstante seja patente a natureza j urídica de pessoa dos entes atípicos,
como se das sociedades.
depreende dos argumentos trazidos à colação, neste trabalho continua-se a nomeá­
los como ta�, e não como pessoas que efetivamente são, apenas para ressaltar que,
quanto à índole da capacidade de direito, destacam-se esses seres daqueles a que l32 Cf. A Dupla... , cit., p. 8.
ordinariamente se nomeia pessoa. Com efeito, conforme repetidamente salientado,
a capacidade de direito desses seres não é genérica, mas restrita. À falta de uma 133 Em verdade, em seu livro A Dupla Crise da Pessoa Jurídica, J. Lamartine Corrêa
denominação que seja sintética, mas que traduza fielmente a idéia de "pessoa de de Oliveira apenas vislumbra personalidade no condomínio por unidades autôno­
capacidade jurídica tópica ou reduzida", continua-se a empregar a designação entes . mas, na sociedade irregular e na fase de pré-vida societária. Cf. A Dupla... , eit.,
p. 201-57.
atípicos com as ressalvas aqui consignadas.
134 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 18.

84 85
Esse, contudo, não é o ponto de vista partilhado por esse �raba­ numerus clausus, que costumeiramente se faz acompanhar de um rol
lho. Ao longo do primeiro capítulo, demonstrou-s � que o co1�c�1to de _
enumerativo em que se encerram as hipóteses que constituem, por
pessoa não se depreende necessariament� da realtdade _ ontol?g1ca do exemplo, detenninada categoria de direitos. A enumeração al°:eja
ser a que se ajusta, podendo derivar tam�e1� de um ato meqmvoco do explicitar quais sejam as hipóteses legais de incidência de determma­
legislador. Logo, excepcionando-se a h1potese da pcss�a natural, o do estatuto, sem que necessariamente enuncie-as todas ou que repre­
reconhecimento do conjunto de seres dotados de personalidade resulta sente uma estrntura fixa ou imutável 137. É o que corretamente esclare­
da detida análise do Direito positivo, na busca de uma particular disci­ ce Hindemburgo Chateaubriand Filho:
plina jurídica. Assim sendo, determinar se o princípio da tipicidade
vigora ou não em matéria de pessoas jurídicas e entes atípicos é pro­ "A adoção do numerus clausus conduz, por sua vez, à impossibilidade
blema a ser analisado exclusivamente no âmbito jurídico. Sendo as­ de utilização de outras figuras que não as enumeradas no sist:ma, pe�­
sim, repete-se a questão: o reconhecimento dos entes atípicos como manecendo, contudo, a faculdade de introduzirem-se, por meio de lei,
novos modelos. Esta forma de tipicização não leva, portanto, à exclusão
pessoas importa na quebra do sistema de numerus clausus tradicio­
definitiva de modificações ou acréscimos nos quadros tipificados. Uns e
nalmente aplicado nesta seara? outros, entretanto, não poderão resultar de atos auto-regulamentati­
À primeira vista, não figurando esses seres no rol de pessoas vos" 138 _
apresentado nos arts. 2 °, 41 e 44 do Código Civil, poder-se-ia ter a
impressão de que a sua inserção na categoria das pessoas conduziria Conjugando-se essa lição e o teor dos arts. 2°, 41 e 44 do Cód.
_
inevitavelmente à abertura do sistema. Essa, contudo, é uma falsa Civ. às conclusões alcançadas nesse trabalho acerca da personalidade
percepção dos fatos, derivada, sobretudo, da habitual confusão esta­ dos entes atípicos, percebe-se que esses dispositivos legais não arro­
belecida entre tipicidade e enumeração 135• lam todos os seres que participam dessa especial condição jurídica. A
A enumeração de tipos, como é sabido, pode ser exemplificativa enumeração não esgota, de modo algum, todas as hipóteses taxativas
ou taxativa. No primeiro caso, o sistema empregado será o de numerus de pessoas, pois o legislador, a par das listas por si engendradas, pre­
apertus, que "implica, em regra, a livre escolha dos modelos legais, miou outros seres com essa qualidade.
além do reconhecimento da força criativa da práxis dos negócios" 136. Essa circunstância não nega, contudo, a vigência do princípio da
Instala-se, pois, vasto campo de exercício da autonomia da vontade, tipicidade no que tange à determinação das pessoas: apenas d�monstra
podendo o indivíduo tanto valer-se dos tipos legais pré-fixados quanto que a existência em lei de uma enumeração, ainda que relac10�1ada a
criar novas espécies negociais que tenham ou não por substrato as um sistema de numerus clausus, não constitui óbice a que o legislador
hipóteses enumeradas na lei. confira idêntica situação jurídica a outras figuras. Assim também se
Acontece, porém, que razões de segurança jurídica podem tomar expressa José de Oliveira Ascensão, ao analisar o tema da tipicidade
defeso aos indivíduos a idealização de novas figuras em detenninadas das pessoas jurídicas:
matérias, de modo que são eles remetidos apenas ao uso dos tipos "O princípio da tipicidade implicará que nenhumas outras figuras, além
legais adrede forjados pelo legislador. ln casu, ter-se-á um sistema de daquelas a que a lei atribua declaradamente personalidade, possam ser
consideradas pessoas colectivas?
135
Cf. ASCENSÃO. Direito... , cit., p. 224.
136
CHATEAUBRIAND FILHO, Hindemburgo. Entre A11to110111ia e o Co11trole: 7
Numems Clausus e Apertus em Direito Privado. Belo Horizonte: Faculdade de Di­ 13 Cf. CEOLTN, Ana Caroline Santos. Co11do111í11io: Um Novo Tipo de Pessoa Jurídi­
reito, Universidade Federal de Minas Gerais, 1993. (Dissertação, Mestrado cm Di­ ca. Belo Horizonte, 1999. Monografia apresentada à disciplina Direito Civil Com­
reito), p. 4. parado - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, p. 15-6.
us E11tre Autonomia... , eit., p. 4.

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· , · não confundir tipicidade e enumeraç ão. O facto de Conforme visto, os entes atípicos ao titularizarem direitos e esta­
Não · E necessano .
colect1v as
_
nao
. e.
equival
.
a ven-
pessoas
haver uma t·1p1·ci·dade taxativa de rem sujeitos a obrigações emergem da objetividade em que estavam
enumeraçao taxativa.
_ .
- de que a lei estabeleceu uma
ficaçao . . 1·mar. H'a pessoa co 1ecllva
. sempre encerrados, para tornarem-se sujeitos de direitos das rclaçõés jurídicas
N-0 cabe à lei qualificar, mas d 1sc1p
de que lhes seja dado participar. Acontece, porém, que esse mesmo
q:e a lei estabelecer um regime que implique a personalização. Mas fato assinala a condição de pessoa desses entes. Assim, se os entes
pouco interessa que a lei o tenha declarado, ou não tenha dito nada. O
atípicos postam-se não ao lado das pessoas, mas antes entre elas se
que é vinculativo é o que está efectivamente regulado.
Em rigor, não é até decisivo que a lei tenha qualificado negativamente. inserem, acontecendo o mesmo a todos os seres a que o ordenamento
Mesmo onde o legislador tenha declarado que não há personalidade ju­ jurídico venha a outorgar a aptidão à aquisição de direitos e obriga­
rídica, o intérp rete pode chegar à conclusão contrária, se do regime le­ ções, não seriam os conceitos de sujeito de direito e de pessoa neces­
gal assim se inferir. sariamente sinônímos, desautorizando-se a diferença anteriormente
O princípio da tipicidade ou 1111111er11s cla11sus significa assim que os ti­ firmada?
pos de pessoas colectivas só podem ser criados por lei. Mas a qualifica­ Para esclarecer essa questão, primeiramente é necessário ter em
ção das figuras legais cabe ao intérprete" 1l9.
mente que � f�t � de esses conceitos serem coincidentes não importa
_
Irretocáveis as palavras do ilustre professor lusitano e, ainda que que SeJam smommos. De fato, somente às pessoas é dado ocupar 0
versem apenas sobre a tipicidade das pessoas coletivas, podem ser posto de sujeito de direitos, circunstância que por si só já revela que
plenamente transplantadas para um plano mais amplo, concernente às pessoa não seja sujeito de direitos, não obstante seja a única convida­
pessoas cm geral. da a asswnir tal posição.
A lição colacionada demonstra que não há que se cogitar o rom­ Repita-se aqui a advertência antes consignada: o sujeito de di­
pimento do princípio da tipicidade das pessoas pela admissão dos reito, o vínculo de atributividade e o objeto de direito integram a es­
entes atípicos nesta categoria: a determinação dos seres que aí se insi­ trutura da relação jurídica, constituindo, por essa razão, categorias
ram continua a ser prerrogativa exclusiva do legislador, não podendo abstratas, de conteúdo variável; as pessoas, ao contrário, inserem-se na
ser feita através de atos negociais dos indivíduos. Seja na expressa feição concreta da relação jurídica. A análise dos elementos presentes
nomeação das pessoas - arts. 2°, 41 e 44 do Cód. Civ. -, seja na atri­ no plano estrutural da relação jurídica não permite individuá-la ou
buição dessa condição a entes antes dela privados - como nas hipóte­ detcctar a sua real configuração. Neste campo, tem-se apenas um
ses analisadas -, há sempre e indispensavelmente uma atuação positi­ "tipo-modelo", de modo que a real e concreta feição da relação jurídi­
va por parte do legislador cm relação aos demais entes personificados ca permanece oculta.
que não o homem. Mantém-se, pois, íntegro o sistema de numerus Analisada, entretanto, a relação no âmbito fático-juridico, revela
clausus nesta matéria. �la s�us esp�cíficos delincame1�tos e, por via de conseqüência, a sua
identidade. E neste plano em que se identificam as pessoas, os bens e
4.1.2 Sobre a distinção entre pessoa e sujeito de direitos os fatos
_ que efetivamente compõem a tríade relacional: o sujeito se
es�ec1fica como _ uma pessoa natural, jurídica ou um ente atípico; 0
Por último, revela-se conveniente, ainda, traçar algumas conside­
rações acerca da distinção antes efetivada no item 3.2. do primeiro ObJeto se corporifica em uma obrigação de dar, fazer ou não fazer ou
capítulo entre sujeito de direito e pessoa e de sua compatibilização em um bem propriamente dito; o vínculo de atributividade se define
com as conclusões ora alcançadas. como um fato jurídico, um ato-fato, um ato jurídico stricto sensu ou
um negócio jurídico.
139 Direito... , cit., p. 224.

88 89
possam estar Na verdade, as pessoas - naturais, jurídicas ou os entes atípicos -
Logo, o sujeito não se confunde com aqueles que
com os_ _bens que só se reputam iguais no que concerne à sua personalidade, uma vez
nesta posição, assim como o objeto não se identifica
rio do suJe1to e bem que em todas elas se encontra idêntica aptidão à aquisição de direitos e
na relação in concreto estejam submetidos ao pode
se igualam ao vín­ obrigações. Apenas nesse ponto se identificam. Distinguem-se, porém,
como as diversas categorias de fatos jurídicos não
os termos: sujeito é no plano jurídico, pelo conteúdo de sua capacidade jurídica, que, va­
culo de atributividade. Não há, pois, que confundir
enqu anto pessoa é o riando de ampla a restrita, permite a identificação das diversas classes
noção que compõe a estrutura da relação jurídica,
estar, no plano con- de pessoas.
ser a que o legislador concede a possibilidade de
Poder-se-ia, entretanto, proclamar que a igualdade entre as pes­
creto, na posição de sujeito de direitos. . .
cabe , por fim, argumentar , face ao tratam ento aqui dispen- soas encontra-se resguardada ao menos entre os seres que ocupem o
Não
entre sujeito de di­ "mesmo" grau de capacidade jurídica? Ou seja, pode-se afümar que
sado aos entes atípicos, que a distinção efetivada
a. A tese aqui aven­ todas as pessoas jurídicas, por exemplo, possuem idêntica capacidade
reito e pessoa não ofereceria maior utilidade prátic
ibui para a precisa de direito?
tada é válida à medida em que, sendo correta, contr
não raro obscu­ A resposta a esse questionamento certamente é negativa. Apenas
definição de conceitos e dissipa inúmeras dúvidas que
único méri­ em tese todas as pessoas fisicas, por exemplo, possuem a mesma ca­
recem a Teoria Geral do Direito. Ainda que fosse por esse
ão cm torno da pacidade de direito: conforme se verá, circunstâncias existem que
to a distinção seria digna de nota. Como se vê, a objeç
colab ora para o influem na configuração individual da capacidade jurídica de cada
utilidade apenas revela um pragmatismo que cm nada
deveria ter sido pessoa.
aprimoramento da Teoria do Direito e que há muito
ora se levantou. Logo, o conceito de pessoa espelha a igualdade apenas no que se
expurgado do meio científico em questões como a que
refere à mesma suscetibilidade a direitos e obrigações reconhecida ou
outorgada a todos os que partilhem dessa condição jurídica.
5 PERSONALIDADE E CAPACIDADE DE Da desigualdade entre os seres que estejam sob essa legenda
DIREITO: CONCEITOS DE IGUALDADE? ocupa-se a capacidade jurídica, distinta que é não só entre seres que
possuam diferentes graus de capacidade de direito mas tami;>ém entre
Radbruch considera "o conceito da 'pessoa' como um conceito os que ocupam a mesma classe de pessoas. É o que se debaterá ao
de igualdade, dentro do qual se acham equiparados, não só fraco como longo dos dois tópicos seguintes. Iniciemos nossa investigação por
0 poderoso, não só o rico como o pobre, mas ainda, tanto a débil per­ saber se há igualdade entre pessoas que se insiram em uma mesma
sonalidade da pessoa singular, como a gigantesca personalidade da classe.
pessoa coletiva" 140•
Embora personalidade e capacidade de direito sejam comumente 5.1 Mesma capacidade de direito dentro
relacionada.s à idéia de igualdade, como entre outros 141 apregoou Ra­ da mesma classe de pessoas?
dbruch, tal associação é uma verdade apenas em termos, se conside­
5.1.1 Me11s11raç,io entre pessoas naturais
rarmos tudo o que se discutiu no item precedente.
Representando o pilar de sustentação do Título I do Livro I da
Parte Geral, referente às pessoas naturais, o art. 1 º, do Cód. Civ. de­
termina que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem ci­
140 Filosofia... , cit., p. 187.
141 Cf. também POLETTL l11trod11ç ão... , cit., p. 236. vil" [sem grifo no original], sem fazer qualquer acepção entre as pes-

90 91
soas ou excepcionar quais direitos e deveres poderiam ser a�qui:i�os Que fatores influenciam, então, na determinação dessa medida
na ordem civil, e proclama um princípio de igualdade, q�e e er�g1?0 exata de direitos e obrigações que tocam a cada indivíduo? Cabral de
pelo texto constitucional, em seu art. 5 , caput, à categona de dJre1to
º
Moncada sobreleva o estado das pessoas como fator da mais alta rele­
fundamental. vância na definição dessa medida, caracterizando-o como a '"situação'
Contudo, há que se compreender que tanto o texto constitucional ou 'posição' (status não quer dizer outra coisa), que lhes modifica a
quanto o ordinário vislumbram não uma igualdade abstrata, mas a capacidade em geral, fazendo atribuir-lhes um conteúdo de direitos
efetivação da isonomia material, que pressupõe, por certo, o reconhe­ mais determinado, maior ou menor, com relação a essa mesma ca­
cimento de que os homens, na realidade, são desiguais. Rui �arbosa, a pacidade"147. O estado representa, assim, uma certa posição jurídica
propósito, já asseverava em texto clássico que "a regr� da igualdade que, constituindo o pressuposto de atribuição de situações jurídicas,
_
não consiste senão cm quinhoar desigualmente aos des1gua1s, na me­ determina, reflexamente, a capacidade 148.
dida em que se desigualam"142 e que "tratar com desigualdade a Duas circunstâncias influenciam sobremaneira na caracterização
iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e do estado: a posição em que o indivíduo se acha para com a sociedade
não igualdade real"1 43. politicamente organizada e para com a família 149. Tais relações cor­
. .
Compartilhando essa linha de pensamento, João Baptlsta V1llela responderiam, respectivamente, ao status civitatis e ao status fami/iae,
adverte que a introdução do princípio da igualdade pressupõe a garan­ cuja atuação, modernamente, adstringir-se-ia à modificação da capaci­
tia dos espaços da diferença, de modo que a definição da igualdade ou dade de direito ou à diminuição da capacidade de exercício.
a demarcação da diferença constituem uma única e mesma opera­ Mas, como bem relembra José de Oliveira Ascensão, os estados
çã0t44. Logo, a efetivação do princípio da iguald�de demanda :'u�a não devem ser limitados a essas duas categorias, pois "há várias posi­
fina escuta do legislador para balizar, com discernimento e prndencia, ções típicas, que situam sujeitos na sociedade e que são normativa­
os limites da diferença"145. mente previstas para todos as [sic] que se encontrarem naquelas con­
Se diversa fosse a exegese acerca do princípio da igualdade, dições"150. Também relembrando essas posições, Cabral de Meneada
"sendo a suscetibilidade de direitos e obrigações uma qualidade muito nomeia-as condições de puro fato, advertindo que não obstante elas
abstrata e vaga que todos os homens possuem, todos os homens se­ influam mais diretamente sobre a capacidade de fato, não • deixam
riam juridicamente iguais; todos gozariam [sic], dentro dessa f� rmula também de incidir sobre o conteúdo da capacidade de direito. Entre
quase sem conteúdo, dos mesmos direitos e obrigações. A sociedade essas condições enumera a idade, o sexo, certas enfermidades e os
seria uma simples coleção de 'entes' jurídicos, desempenhando todos estados transitórios de privação da razão 1 5 1 .
nela O mesmo papel"146. Não são precisos maiores argumentos para Norberto Bobbio assinala que essa pluralidade de estados reflete
evidenciar o caráter fantasioso de tal asserção: é a própria ordem dos o próprio desenvolvimento tomado pelos direitos do homem no pós­
fatos que se incumbe de tal tarefa. guerra. A partir desse momento histórico, o homem deixou de ser
considerado como ente genérico e abstrato, para ser encarado na espe-
142 Oração aos Moços. Nova ed., Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1956, p. 32.
143 Oração ... , cit., p. 32.
. . 147 Lições..., eit., p. 259.
144 Cf. Sobre a Igualdade de Direitos entre Homem e Mulher. ln: TEIXEIRA, Salv10 148 Cf. ASCENSÃO. Direito... , cit., p. 148-9.
de Figueiredo. Direitos de Família e do Menor. 3. ed., Belo Horizonte: Dei Rey, 149 Cf. CABRAL DE MONCADA. Lições..., cit., p. 259-60.
1993,p. 148. 150
· Direito..., cit., p. 149.
14s VILLELA. Sobre ... , cit., p. 150. 151 Cf. Lições... cit., p. 260. ORLANDO GOMES chama a essas circunstâncias de
,
146 CABRAL DE MONCADA. Lições... , cit., p. 258-9. estado individual: cf. lntroduçfio ..., cit., p. 168.

92 93
cificidade e concretude de suas diversas maneiras de ser 152• Tal pers­ Essa definição, aliás, só vem a reafirmar aquele que é o mais ba­
pectiva promoveu a multiplicação de estados. através do reconheci­ silar e importante princípio sobre a capacidade de direito das pessoas
mento legislativo dessas especificidades individuais 153• naturais: a capacidade é sempre a regra e a incapacidade é a exceção.
Assim sendo, ser nacional ou estrangeiro, homem ou mulher, ca­ Tal regra, mais que um enunciado, representa o ápice da evolução por
sado ou solteiro são circunstâncias juridicamente relevantes que indi­ que passou o instituto da capacidade. Assim, no que concerne às pes­
vidualizam a capacidade do homem, dando-lhe contornos mais nítidos soas naturais, "não há mais espaço para uma incapacidade de gozo,
e específicos. Contudo, há que se ter em conta que esses fatos não num sentido geral. (...] se a vida social exige que se prive a certos
atuam exclusivamente sobre o conteúdo da capacidade de direito, mas indivíduos do gozo de certos direitos, tal não pode ocon-er senão em
afetam, ainda, a capacidade de fato, determinando a extensão da pos­ circunstâncias limitativamente determinadas, de tal sorte que, desapa­
sibilidade de ação autônoma dos indivíduos, conforme mais adiante se recidas que sejam, a plenitude do gozo dos direitos se restaura" 154•
verá. A legitimação, por outro lado, tem contornos muito específicos,
Detenhamo-nos, por ora, nos reflexos da atuação dessas causas e, para sua configuração, envolve "saber se uma pessoa, em face de
modificadoras do estado sobre a capacidade de direito. Todas essas uma determinada relação jurídica, tem capacidade para estabelecê-la,
circunstâncias, urna vez reputadas juridicamente relevantes pelo orde­ num ou noutro sentido" (sem grifo no original] 155. Desse modo, a ca­
namento, podem vir a moldar a capacidade de direito do homem, à pacidade "depende de uma qualidade, quer dizer, de um modo de ser
medida em que ele se encaixe ou não nafattispecie firmada. do sujeito em si, enquanto que a legitimàção resulta de uma posição
Na análise desse tema, primeiramente há que se atentar para um sua, isto é, de um modo de ser seu em relação com os demais" 156•
fato que não raro foge à percepção do estudioso. Embora comumente Tomemos alguns exemplos para elucidar a diferença.
o estado influa na determinação dos concretos limites da capacidade, Embora tanto João quanto Pedro, plenamente capazes, sejam
isso nem sempre se verifica. Na verdade, da possível inadequação pessoas naturais, igualando-se idealmente em prerrogativas concedi­
entre a previsão normativa e o concreto estado do indivíduo, podem das pelo ordenamento jurídico, se este último é casado, não é legiti­
surgir causas deficitantes da capacidade de direito ou não. Se surgi­ mado para doar (art. 550, Cód. Civ.) para seu cúmplice em adultério
rem, estar-se-á diante das chamadas incapacidades especiais de gozo; ou mesmo testar (art. 1.801, III, Cód. Civ.) em favor de sua concubi-
se não, ter-se-á a ausência de legitimação, que, em verdade, não influi na, precisamente em função de seu estado familiar.
sobre os limites da capacidade jurídica. Logo, Pedro viu-se tolhido apenas na possibilidade de fazer donati­
Com efeito, distintas são essas duas figuras, não obstante a falta vos por ato inter vivos à sua parceira de adultério ou por ato post mortem
de legitimação tenha permanecido oculta aos olhos dos doutrinadores à sua concubina, sendo capaz, entretanto, para doar em favor de outras
por longo período de tempo, confundida que era com a incapacidade pessoas, que não a amásia. Não é, portanto, incapaz para a espécie de
de gozo. Modernamente, contudo, a doutrina faz acepção entre ambas, relação jurídica proposta, visto que a hipótese versa sobre ausência de
reconhecendo a incapacidade especial de gozo como uma limitação legitimação. Assim, não obstante a proibição imposta a Pedro, sua capa­
expressa e específica à aquisição de determinado direito ou obrigação cidade de direito, sob esse prisma, iguala-se à de João, pois em ambos se
pelo indivíduo, decorrente de seu estado ou de outras condições. apresenta a idoneidade para atos genéricos de alienação.

154 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. V.I, 6. ed., Rio de
152 Cf. Direitos do Homem e Sociedade. ln: __. A Era dos Direitos (L'Età dei . Janeiro: Freitas Bastos, 1988, p. 268-9.
Diritti). Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.68. 155 SERPA LOPES. Curso ..., cit., p. 269.
153 Cf. BOBBIO. Direitos do..., cit., p. 68-9. 156 SERPA LOPES. Curso... , cit., p. 269.

94 95
contr� ir
Por outro lado, sendo Pedro casado, tam?ém ��o poderá desniveis entre os homens em relação à raça, à religião, à nacionalidade
l 571, Cod. ou opiniões políticas: estas últimas são, precisam ente, as diferenças que
novas núpcias enqua. nto não .dissolver sua primeira uruao (a�. ._
Civ.) · Seu estado c1v1·1 m . flm, assim, diretamente sobre o amb1to de sua tendem a desaparecer com o progresso da civilização; mas não estão
. . excluídos, desgraçadamente, retrocessos históricos, que não significam,
o-lhe um segundo casamento. enquanto da v1gen-
A

capac1.dade .mterd'zend1
todavia, uma inversão, mas apenas uma demora ou um desvio no cami­
. do pnm
eia · ' e1·ro (art. 1 · 521 , VI• Cód. Civ. ). A capacidade de Joao,
- entre-
· - nho da human idade" 158.
- se ve� restringida nesse aspecto, pois, sendo. ele so1tc1ro, nao
tanto, nao
encontra óbices legais, ao menos desse teor, ao seu matr�mo1110.
A •

Isto posto, adiante passamos a perquirir se idêntica é a capacida­


Pedro, considerado cm si mesmo e não em relaçao a out�cm, tev_e de de direito concedida a todas as pessoas jurídicas.
diminuída· sua capacidade jurídica, já que o direito de casar-s� fo1-lhc reti­
.
rado como um todo até que não mais perdure o vínculo matrnnonial an te- 5.1.2 Mensuração entre pessoasjurídicas
rior. Versa a hipótese, sem dúvida, sobre incapacidade esp� c1·�/ de gozo .
Se são sutis as diferenças e ntre a capacidade de direito dos ho­
Conclui-se, portanto, que do estado decorrem tanto h1�oteses �e �u­
mens e decorrentes, paradoxalmente, do intento de igualá-los, entre as
sência de legitimidade como causas de incapacidade csp� c1�l de direito.
. pessoas jurídicas elas são de maior monta e originam-se da própria es­
As primeiras, como se viu, não atingem a capacidade de d1re1to, v1�t que
� trutura desses entes, que é substancialmente diversa em cada um deles
têm em mira uma relação jurídica cm concreto, não afetando a apt1dao do
justamente para corresponder às diferentes expectativas humanas.
indivíduo a tomar parte em outras situações jurídicas de mesma índole; as
Embora exista um regime comum a todas as pessoas jurídicas, a
segundas, por sua vez, referindo-se a uma categoria tipo de si_tuações,
finalidade para a qual foi constituída cada uma de suas espécies dita­
interdizem-na por completo ao indivíduo, reduzindo-lhe a capacidade de
lhes uma diferente esfera de atuação jurídica. Assim, ninguém susten­
direito que cm moldes abstratos lhe era atribuída 1 57•
• _ taria ser idêntico o rol de titularidades subjetivas concedido ao Estado
Por mei o dessas assertivas, verifica-se que as pessoas fis1cas nao
àquele atribuído às pessoas jurídicas de direito privado.
gozam, em moldes concretos, de uma mesma cap�cidade de ?ireito, dada
Ademais, há que se ter em conta que também entre as pessoas ju­
a possibilidade de existência de causas de incapacidade especial de gozo.
rídicas o estado pode atuar como elemento delineador da capacidade
A muitos poderia parecer iníqua tal diversidade. Esta, porém, é uma
de direito. É óbvio que, nesse caso, não há que se falar em status fa­
falsa impressão, pois, sem que se preserve o espaço para a desigualdade:
miliae, pois esse estado, pela n atureza dos direitos que lhe são corre­
não há como se propugnar pela real e efetiva igualdade. O que se deve e
latos, relaciona-se exclusivamente à pessoa n atural. Outra, contudo, é
proceder a um juízo axiológico das causas deficitantcs da c�pacidade de
a situação no que concerne ao status civitatis.
direito para aferir se a sua existência colabora ou não para a implementa­
Dotadas que são de nacionalidade 159 - no sentido restrito de estarem
ção da isonomia material É o que relembra Carnclutti:
. -
subordin adas a uma ordem jurídica detern1in ada 16º as pessoas jurídicas
"Existem muitas razões, boas ou más, pelas quais, de homem a homem, de direito privado estão submetidas a eventuais restrições em sua capa­
pode var iar tal medida [da capacidade), de modo que u1� pod: ser su­ cidade de direito em decorrência de seu status civitatis. A título de exem-
jeito de relações jurídicas de que não pode ser o outro; sa o razoes bo�s
_
aquelas que se atêm a cond ições fisicas, mentais ou morais, pelas quais
não seria justo tratar juridicamente a todos os homens com a me�m a 158 Teoria... , cit., p. 119.
_ 159 Vide, adiante, nota nº 165.
medida; são razões más aquelas que, por out ro lado, tendem a const1tu1r 160 Cf. SILVA
PEREIRA. Instituições... , V. 1, cit., p. 206; SERICK, Rolf. Apariencia
y Realidad en las Sociedades Mercantiles [Rechtsfonn und Rcalitãt juristisch
1s 1 Cf. ASCENSÃO. Direito ... , cit., p. 147. er
Personen). Trad. Jose Puig Brntau. Barcelona: Ariel, 1958, p. 157-9.

96 97
leis b�asileiras e q ue exista um sub strato co mum capaz de agregá-la s em uma me sma cat e­
pio, somente às pessoas jurí dicas constituidas sob as
pesquisa_ e ª. lª':ª _de goria, não se pode sustentar um a única e idêntica capacidade d e direito
tenham sua sede e administração no País faculta-se a
· · · de energia h1drauhca em meio a ess as cla ss es de p essoas, pois isso importa ria desconhecer o
recmsos m111cra1s e o aprove1tament o dos potencia.is .
(art. 176, caput e § 1º, CF/88). Patenteia- se, ass
im, a d es1g ual�a�c,_ ao real alcan ce do princípio da igualdade.
a da pesso J Essas conclusões só vêm a valid ar a prop osição sustentada neste
menos sob esse aspecto, entre a capacidade jurídi� . :
as und1cas

tmçao essa claramente trabalh o de que a capacidade de d ireito é in stituto flexível que se
nacionais e a das pessoas jurídicas estrangeiras, d1s
nacional. . , . amo lda aos ser es a que foi atribuí da, em co nso nância ao teor da im­
ditada p or motivos de segurança . .. .
Ressalte- se que també m às pessoas JUrtdt cas po de falta r leº g 1t1m1 - putação objetiva efetivada pelo l egislador. Tal circun stância, como se
o , o capitl d o art. 30, da Lei n
6.404, verá, restará mais plenament e evidenciad a através d a confrontação,
dade - como sugere, po r e xe mpl
igualmc?te cm causa que adiante se empreende rá, da cap acidade de dir eito das duas t radi­
de 15.12.76 - mas essa circunstância não resulta
direit o, conforme a ntes vist o . cion ais cl asse s de pessoas entr e si e e dest as com aquela atinente a os
d cficit antc de sua capacidade de
ent es at ípic os .

5.1.3 Mensuração entre entes atípicos


que co�ccrne 5.2 Capacidade de direito: delineamento e
Maiores comentários não se fazem necessários no comparação entre as diversas classes de pessoas
aos entes atípic os. Co mo sua va
riedade impe � �d e u lquer �e�tativa de
sistematização em t o m o de sua cap
acida de de d1�e1_to, o
_
un �co, �ont� A igualdade jamais pode imperar entre s eres que ocup em d ife­
w1dadc J und1ca e
comum entre esses entes é que em to dos a subJet rentes graus de capacidade d e direito e, que, p o rtanto , possuam uma
desemp�nh de um rest rito rol de
específic a e dete rminada para o
o
gama maio r ou men or de tiul aridades. A equiparação pro mo vida por
pan orama atual,
funções previamente des ignad as pelo legi slador. N o Rad bru eh entre a personalidade d a pe ssoa singula r e a da pessoa c ole­
se o ccnt ra ?do
pode-se afirmar que o rdinariamente tais funções vêm � � tiva apenas se justifi caria se considerarmos que um a e outra são pes­
algum e vmculat1vo ,
110 âmbito processual, o que, entretanto, de modo soas, cuja capacidade jurídic a é c oncebida em mo ldes plenos e que
forjada p elo le­
dado que a capacidade de direito dos entes atípic os é são, como tais , vo cacionada s à aq uisição genérica de d ireitos , d esta­
apu�a�o�, os
gislador segundo os interesses human os concretamente can do -se, p ois, d os en tes atípico s, aos quais se a tribui apena s uma
mom ent o h1 st onc o a
quais , é sabido, variam significativ amente de um capacidade limitad a e ptmctua l.
e afastada ª
outr o. Logo, tirante aquele único aspect o, resta plenament . De tal importância revest e-se a conclusão acima transcrita que se
tes. Essa de�1-
igualdad e de capacidade de direit o em meio a esse s c� _ pode afirmar, sem re ceio, que a mesma erige- se em princípio inter­
caça o do p nn-
gualdade, com. efeit o , é uma decorrência natural da aph pr etativo da capacidade de direit o nas dive rsas class es de pessoas .
º . 161
cíp1. 0 da es pec1al I dade aos entes at'1p1cos . En t re l}essoas naturais e jurídic as , d eve se tomar co mo diretiv a que a
capacida de representa a regra, ao pa sso que a incapacida de tr ad uz a
5.1.4 Conclusões exc eção . Dcsta rte, o intérpret e, ne ssas duas categorias de pessoas,
Diante de todo o expos to, percebe-se que, po r r azões plena'.11ente deve a dotar uma po stura de índol e liberal que confir a à capaci dad e de
. _ direito dess es entes a formu lação mais expan siva poss íve l. Out ra, po­
justificáveis , c1n nenhuma das classes -:- � ess? a n atur� l, pess �a Jundt­
ca, entes atípicos -, a capacidade de d1r e1to e h omo genca. Amda que rém, será a conduta do intérprete em relação à capacida de de direito
dos ente s atípic os . Como nesta sea r a ocorre uma subversã o daquele
princípio ante s enunciado, a inc apacid ade co nsiste na regra, ao passo
161 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA. A Dupla... , cit., p. 257.

98 99
que a capacidade na exceção. Nesse caso, ao analisar os textos legais, nária de obras intelectuais às pessoas jurídicas l63. O estatuto atual de
o intérprete deve adotar uma lógica compressiva em relação à capaci­ tutela dos direitos autorais, Lei nº 9.610/98, sufraga tal perspectiva, ao
dade de direito dos entes atípicos, que seja norteada sobretudo pelos possibilitar que, a par da pessoa natural, possam também as pessoas
fins objetivados pelo legislador quando da personificação. Vê-se, jurídicas figurar como organizadora de obra coletiva (art. 5º, VIII, h),
portanto, que a capacidade de direito dos entes atípicos, por força das editora (art. 5º, X) e produtora de programas ou de obras audiovisuais
razões apontadas, em muito dista do modelo de capacidade de direito (art. 5º, XI). Nesse sentido, o parágrafo único do art. 11, da Lei nº
relacionado às pessoas naturais e às jurídicas. 9.610/98 é explícito ao prescrever que "a proteção concedida ao autor
Mas, mesmo que ao homem e a certos entes se reconheça a apti­ poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei". Na
dão à aquisição genérica de direitos, não se pode daí extrair que a mesma linha, o art. 4°, da Lei nº 9.609, de 19.2.98, defere ao emprega­
pessoa natural e a pessoa jurídica possuam capacidades de direito de dor, contratante de serviços, sem ressalva quanto à classe em que ele
idêntico teor. Não obstante ambas sejam igualmente pessoas, seus possa estar incluído, ou ao órgão público os direitos relativos ao pro­
substratos ontológicos não são de todo irrelevantes para o Direito, pois gram� de computador desenvolvido nas condições ali especificadas.
influenciam sobremaneira na extensão e conteúdo dos poderes confia­ As pessoas jurídicas faculta-se, ainda, o gozo de quase todos os
dos a cada uma dessas pessoas. Assim sendo, afirmar homogêneas a direitos reais, à exceção dos direitos de uso e de habitação que lhes
capacidade de direito da pessoa natural e da pessoa jurídica consiste são estruturalmente incompatíveis, na medida em que se prestam a
mesmo em desprezar as mais comezinhas diferenças entre ambas. suprir necessidades pessoais e familiares do beneficiado, conforme
Se, por um lado, é um truísmo afirmar diversas a capacidade de bem evidenciam os arts. 1.412, caput e 1.414 do Cód. Civ. Quanto ao
direito dos entes atípicos e aquela atinente às demais pessoas, nem usufruto, pode ele ser constituído cm favor de pessoa jurídica, caso cm
sempre fica claro que essa ausência de identidade também persiste em que perdurará no máximo até "30 (trinta) anos da data em que se co­
meio a essas últimas. Sem dúvida, muitos são os pontos que as apro­ meçou a exercer" (art. 1.410, injine, Cód. Civ.).
ximam. Em relação ao direito sucessório, as pessoas jurídicas, conquanto
_
O campo em que mais se avizinham a capacidade da pessoa natu­ nao possam testar, podem ser nomeadas herdeiras ou Iegatárias (art.
ral e a capacidade da pessoa jurídica é o dos direitos patrimoniais 162• 1.799, II, Cód. Civ.). No campo da sucessão legítima, porém, não
As pessoas jurídicas podem ser proprietárias de bens móveis e podem herdar, salvo a exceção consignada no art. 1.844 do Cód. Civ.
imóveis, sendo que pela atuação de seus órgãos, podem também ad­ em favor dos Municípios, do Distrito Federal e da União.
quirir a posse de bens. É-lhes permitida, ainda, a titularidade de bens Por fim, as pessoas jurídicas podem figurar, ativa ou passiva­
incorpóreas, derivados da criação industrial (arts. 6º, caput e § 1 º ; 94, mente, nas relações obrigacionais no âmbito civil, sejam elas contra­
parágrafo único e 128, caput, Lei nº 9.279, de 14.5.96) e da atividade tuais ou delituais.
intelectual (art. 11, parágrafo único, Lei nº 9.61O, de 19.2.98). No caso Não se pense, contudo, que neste ponto se cxaurem os direitos
da criação industrial, a titularidade poderá ser originária ou derivada, das pessoas jurídicas: a par do direito moral de autor, a elas tocam
sendo que na intelectual usualmente será derivada (art. 11, caput, Lei outros direitos de índole extrapatrimonial 164.
nº 9.610/98). Antônio Chaves assinala, entretanto, que desde a Lei nº
5.988, de 14.12.73 já se prenunciava a extensão da titularidade origi-
16J Cf. Criador d a Obra l11telec111a/. São Paulo: LTr, 1995, p. 200-4.
t62 Cf. FERRARA. Teoria... , cit., p. 836; CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado 164 Cf. FERRARA. Teoria... , cit., p. 830-6; CUNHA GONÇALVES. Tratado... , cit.,
de Direito Civil. V. J, T. 2, São Paulo: Max Lirnonad, 1956, p. 980. p. 978-80.

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