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Notas:
(1) In BIGOTTE CHORÃO, Pessoa Humana, Direito e Política, Lisboa, 2006, 533 ss.
(3) Doravante, CC. Todos os preceitos indicados sem expressa menção do diploma a que
pertencem, dizem respeito, em princípio, ao Código Civil.
(4) Para algumas razões, veja-se o nosso Aborto e Direito: reflexões a propósito de um
referendo, in Vida e Direito, Cascais, 1998, 102 ss.
Cfr. também, mais recentemente, a pioneira exposição de Paulo Otero dos elementos de
um “direito da vida”, falando de uma proibição (de nível constitucional) de
descriminalizar os atentados contra a vida: cfr. Direito da Vida/Relatório sobre o
programa, conteúdos e métodos de ensino, Coimbra, 2004, passim, e 129-130.
(5) A chamada Lei da Procriação Medicamente Assistida (Lei n.º 32/2006, de 26?de
Julho) apresenta-se cinzenta e ambígua neste ponto. De facto, numa matéria sensível
que, por isso, requer particular racionalidade e coerência argumentativa, o legislador
deu exemplo de uma determinação calculista e gelada, sem se importar com os
compromissos impossíveis e falsos em que incorria. Com efeito, das duas, uma. Se ao
nascituro se reconhece o carácter de pessoa e, com isso — inelutavelmente —,
personalidade jurídica, daí deriva imediatamente a proibição de o sujeitar à condição de
objecto e de instrumento para quaisquer fins, experimentais ou outros. Já não se
admitindo o carácter de pessoa e a personalidade jurídica a ela acoplada, toda a
experimentação ou utilização para outros fins deve poder ser, em princípio, tão ampla
quanto possível.
Mas, se assim se deduz meridianamente do texto da lei, não se entende que a dignidade
do embrião não tenha conduzido o legislador à prevenção genérica da possibilidade de o
instrumentalizar a fins que não ele próprio (por exemplo, de terceiros).
Este farisaico equilibrismo legislativo repercute-se a cada passo, nas soluções avulsas dos
diversos problemas. Por exemplo: para o legislador, a instrumentalização que o embrião
sofre se for objecto de criação deliberada por PMA para investigação científica é tida
aparentemente como incompatível com a dignidade humana (do embrião, supõe-se; cfr.?
o art.?9, n.º 1). Mas caso os fins sejam outros e diferentes (entre eles, a criação de
bancos de células estaminais e o próprio melhoramento das técnicas de PMA), já nada
obstaria, ainda que a respectiva prossecução importe, do mesmo modo, a morte ou
destruição do embrião.
Num outro plano, é também totalmente incongruente, por exemplo, proscrever a criação
deliberada de embriões excedentários para experimentação ou investigação científica
(art.?9, n.º 1), como se o problema estivesse na intenção que conforma o acto e não no
acto em si mesmo. Na verdade, de que forma explicar no Direito que é a intenção que
macula a conduta, se essa conduta não for tida como desconforme com a ordem
jurídica? Mutatis mutandis, quanto à clonagem reprodutiva tendo por objectivo a criação
de seres humanos geneticamente idênticos a outros (cfr. o art. 7, n.º 1): persegue-se a
intenção sem se proibir o acto?
A temática não pode ser aprofundada. Fica a sensação de uma lei, em diversos aspectos
obra de ideólogos e não de juristas. Uma esclarecedora crítica do novo diploma
encontra-se em Oliveira Ascenção, A Lei n.º 32/06, sobre procriação medicamente
assistida, ROA 67, III (Dezembro de 2007), 977 ss. Vide ainda neste contexto, as
observações deste autor no seu Direito Civil/Teoria Geral, I (Introdução, Pessoas, Os
Bens), 2.ª?edição, Coimbra, 2000, 68 ss, rejeitando uma “coisificação” do embrião.
(8) Na realidade, há (neste momento) apenas uma decisão do Tribunal Constitucional que
se pronunciou sobre a não desconformidade constitucional de um referendo sobre a
despenalização do aborto “livre” até às doze semanas.
(9) Já literalmente, a recente alteração legislativa apenas veio consagrar uma nova
hipótese — ampla embora — de não punibilidade do aborto. Não apagou apertis verbis o
ilícito penal: cfr. a redacção actual do art. 142 do Código Penal.
(10) Cfr., v.g., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil/Teoria Geral, I, cit., 50 ss, MENEZES
CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/3 (Pessoas), 2.ª edição, Coimbra, 2007,
339 ss, LEITE DE CAMPOS, por exemplo, O início, cit., 1254-1268, PAULO OTERO,
Direito da Vida, cit., 156, assim como PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade,
Coimbra, 2007, 104 ss (outras indicações doutrinais nos escritos citados).
(14) Cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/3 (Pessoas), 2.ª?
edição, Coimbra, 2007, 348-349.
(17) Cfr., em sentido semelhante, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil/Teoria Geral, I, cit.,
53.
(18) Procuramos mostrá-lo em outro estudo da nossa autoria, A vida própria como
dano?/Dimensões civis e constitucionais de uma questão-limite, ROA 68, I (Janeiro 2008),
215 ss.
(19) Contra, aparentemente, MENEZES CORDEIRO, Tratado, I/3, cit., 344, n. 1247.
-se ter havido a violação de um direito de outrem (a sua integridade física) para efeito
do art. 483, n.º 1. Ora, não existindo disposição de protecção alguma que cubra este
tipo de situações, parece que terá de aceitar-se a existência de deveres sem sujeito
activo que impendem sobre os causadores do contágio de que resultou a deficiência
congénita de um terceiro desde a concepção. Havia um dever de cuidado, de prevenção,
genérico e não relacional, destinado a acautelar interesses de sujeitos futuros, mas
ainda não existentes.Importa, portanto, admitir deveres sem sujeito, para tutela de
interesses futuros (no exemplo do sangue contaminado, interesses homogéneos de
pessoas indeterminadas futuras): deveres “absolutos”, claramente incompatíveis com a
categoria da relação jurídica.
Uma outra observação: os deveres de que falamos incidem sobre a conduta do agente
antes mesmo de estar concebido aquele que por eles se destina a ser protegido. Não
está por conseguinte em jogo o mero problema de saber se uma lesão pode ocorrer,
nestes casos de malformações “conconcepcionais”, por falta de um sujeito titular do
bem jurídico atingido. (Quanto a este ponto, teremos aparentemente uma nova versão
da recorrente problemática, em Direito, do “segundo lógico”: um segundo depois da
concepção haverá possibilidade de lesão.)
(22) Sustentada em MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição (ob.
continuada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra, 2005, 202-203.
(24) Esta condição legal parece-nos, de resto, ter de sofrer uma restrição. Vide ainda
infra.
(25) Fundamental neste ponto, entre nós, BIGOTTE CHORÃO, op. cit., 410 ss, 426 ss, 485
ss, e passim.
Para esta ligação da vida humana à pessoa, cfr. também, entre outros, OLIVEIRA
ASCENSÃO, Direito Civil/Teoria Geral, I, cit., v.g., 137, MENEZES CORDEIRO, Tratado, I/3,
cit., 341 e ss, e PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, cit., 104 ss.
(26) É patente a falácia de, tal qual chegou a aventar-se entre nós, esgrimir o art.?66,
n.º 1, do CC para restringir o art. 24, n.º 1, da Constituição.
Como, de resto, não é racional negar validade a uma resposta negativa à questão da
despenalização do aborto a pretexto do estabelecido no art. 66, n.º 1, do CC:
confundindo o plano do ser e do dever-ser legal (além de se incorrer num circuitus
inextricabilis de pensamento quanto à interpretação do art. 66, n.º 1 à luz do disposto
no art. 24 da Constituição).
(29) Ao contrário do que ocorre com a capacidade, a personalidade jurídica não pode,
porém, ser parcial ou limitada: cfr. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil,
I, 4.ª edição, Lisboa, 2007, 198.
SUMÁRIO
1. Introdução: o problema da protecção da integridade física do nascituro;
alusão à questão do aborto e à experimentação com embriões. 2. O
reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro como exigência
dogmática posta pelo direito da reparação dos danos; algumas implicações.
3. A solução perante o método jurídico; a interpretação conforme com a
Constituição, a lacuna superveniente e a mudança de sentido do art. 66 do
Código Civil.