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2. “A ciência dos direitos fundamentais (…) converteu-se numa medida apreciável, numa
ciência da jurisprudência constitucional.” (Alexy)fat
RESPOSTA: Para conhecermos os direitos fundamentais temos de estudar a jurisprudência
constitucional, ou seja, a forma como os Tribunais aplicam as normas aos casos concretos.
Isto acontece porque hoje em dia o tipo de normas presentes nas Constituições não são
especificas e determinadas; as normas constitucionais são normas abertas (princípios) e, em
última análise, é o Tribunal Constitucional que no fundo acaba por proceder à sua
interpretação. Por exemplo, a vida humana é um princípio – não quer dizer que não sejam,
simultaneamente, regras.
Em Portugal, não cabe apenas ao Tribunal fazer esta interpretação, também cabe esta
função ao poder legislativo (Assembleia da República e Governo). Podem surgir, no
entanto, alguns conflitos e colisões entre estes direitos. Falamos de colisões quando
estamos perante um confronto entre um direito individual e um interesse público – por
exemplo, a vacinação obrigatória). A solução para estes confrontos é estabelecida pelo
artigo 18º n.2 da CRP, artigo relativo às restrições de direitos.
Como temos normas constitucionais que têm a tal estrutura de princípios, podem surgir
determinadas dúvidas quanto à sua interpretação. Normalmente, são apresentadas duas
posições. Há quem considere que cabe ao legislador fixar esta interpretação. Por sua vez,
há quem considere que são os tribunais que têm a função de fixar o sentido da
Constituição. Os direitos fundamentais não são estáticos: por isso é que falamos no
conceito de gerações de direitos. A primeira geração diz respeito aos direitos, liberdades e
garantias; a segunda refere-se aos direitos económicos, socais e culturais; a terceira está
relacionada com, por exemplo, o direito do ambiente e da proteção de dados; por última, a
quarta geração diz respeito, por exemplo, à identidade de género. Uma geração não elimina
a sua anterior – temos novos problemas, novos desafios e, por isso, novos direitos.
3. “No que respeita à previsão dos direitos fundamentais, não é o passado, mas o futuro o
problema da constituição.” (Kirchof)
RESPOSTA: A evolução das gerações dos direitos reflete a ideia de que embora os direitos
fundamentais possam ter sido pensados para um contexto específico, eles têm capacidade
evolutiva, podendo ser aplicados a novas realidades e a novos desafios.
Por exemplo, a questão da identidade genética do ser humano é uma norma que não estava
inicialmente prevista, sendo um direito que é reclamado por novas preocupações sociais.
O art. 35º, por exemplo, para a altura em que foi consagrado era inovador no que toca à
proteção de dados. Contudo, hoje em dia, pode-se discutir se estará ultrapassado ou não.
Outra questão que surge é a de sabermos se, por exemplo, o art. 13º n.2 deveria incluir a
idade. Esta questão é complexa, uma vez que o elenco do artigo é exemplificativo.
No âmbito da revisão constitucional não nos podemos esquecer que esta tem limites
materiais previstos no art. 288º (alínea d) relativamente aos Direitos, Liberdades e
Garantias). Neste caso, o que o legislador pretende com este artigo é certificar-se que não
há uma degradação do nível de proteção dos DLG.
4. “O problema actual dos direitos sociais (…) ou direitos a prestações em sentido restrito
está em “levarmos a sério” o reconhecimento constitucional de direitos como o direito ao
trabalho, o direito à saúde, o direito à educação, o direito à cultura, o direito ao ambiente.
Independentemente das dificuldades (reais) que suscita um tipo de direitos subjectivos
onde falta a capacidade jurídica (poder jurídico, competência) para obter a sua efectivação
prática (accionabilidade), não podemos considerar como simples “aleluia jurídico” (C.
Schmitt) o facto de as constituições (…) considerarem certas posições jurídicas de tal modo
fundamentais que a sua garantia ou não garantia não pode ser deixada aos critérios (ou até
arbítrio) de simples maiorias parlamentares.” (Gomes Canotilho)
RESPOSTA: O Estado, perante os direitos económicos, sociais e culturais, tem de ter uma
posição ativa. Para concretizar e efetivar estes direitos, são precisos meios, tem de ser tida
em conta a reserva do possível, ou seja, a concretização destes direitos vai depender do que
for económica, financeira e tecnologicamente possível. Uma estratégia utilizada para se dar
força jurídica a estes direitos é a utilização da “proibição do retrocesso” – impedir que uma
vez concretizados, os direitos não possam ser simplesmente destruídos. Todavia, o
Tribunal Constitucional tem preferido utilizar o fundamento da proteção de expetativas e
do princípio da certeza e segurança jurídica para justificar a proteção atribuída aos DESC.
As prestações são ações do Estado que são fácticas, concretas. Para haver direitos
positivos, têm de existir meios e instituições que os efetivem. Os direitos económicos,
sociais e culturais são mais frágeis, precisam de meios para a sua efetivação, daí que alguns
autores lhes chamem de pretensões. Posto isto, não são apenas aleluias jurídicos – a
Constituição da República Portuguesa exige que todos os direitos tenham, pelo menos, um
mínimo de concretização. Este “mínimo” é um meio de defesa contra as maiorias
parlamentares, uma vez que caso tal não existisse, as forças no Parlamento teriam total
discricionariedade, arbitrariedade nesta matéria.
A inconstitucionalidade por omissão dá-se quando o legislador não concretizou um direito,
mas já tinha meios e recursos para o fazer.
Quando alguém preenche os requisitos para obter uma prestação social (exemplo:
habitação) mas essa é-lhe negada administrativamente, o cidadão pode suscitar a questão da
discriminação. Em suma, uma vez que os DESC são normas programáticas e não
exequíveis por si mesma, é necessário que haja previsão legal (mediação do legislador) para
que eles se concretizem, ou seja, os cidadãos podem exercê-los plena e livremente quando,
por exemplo, o legislador cria um Serviço Nacional de saúde, de educação, segurança
social, etc.
6. “No que tange aos direitos fundamentais, a liberdade não foi ultrapassada pela
socialidade, o liberalismo é que foi posto em causa pela socialização.” (Ingo Sarlet)
RESPOSTA: Hoje em dia, a liberdade é complementada pela socialidade. Para termos
dignidade, não nos basta a nossa liberdade de consciência ser respeitada, temos de ter
também meios e recursos para efeitos de efetivação (concretização) dos direitos
fundamentais.
Nós não deixamos de ter liberdades por termos direitos sociais. Contudo, os direitos
económicos, sociais e culturais surgiram porque o Estado Liberal era insuficiente para dar
conta de certas questões sociais. As gerações de direitos sucedem-se, mas umas não se
sobrepõem às outras (lógica de acumulação e não de substituição). A teoria clássico-liberal
diz que a pessoa só por ser pessoa tem direitos e que estes limitam a atuação do Estado.
Contudo, atualmente sabemos que o Estado tem de intervir para garantir condições
mínimas de igualdade efetiva (teoria social diz que os direitos fundamentais deixam de ser
mecanismos de defesa contra o Estado e passam a ser tarefas do Estado).
Houve essa necessidade de um Estado, interventivo em vários domínios, para a resolução
de situações de insuficiência e carência, tendo de ter um papel de prestador, e assegurando
que certos bens cheguem a todos.
7. “O esplendor da abstracção jurídica sempre viveu em boa harmonia com a miséria do
real, e as letras maiúsculas dos textos sagrados com as inumeráveis e minúsculas angústias
que entretecem e dilaceram a vida, dia a dia. (…) Como ideia moral, a liberdade é um
absoluto. Não há nada de mais elevado. Mas como realidade política, uma liberdade
absoluta é uma liberdade imaginária, pois não leva em conta as condições materiais que
determinam a existência social de um indivíduo. (...) Só há liberdade em comum, em grupo,
em comunidade. E é precisamente o sentido, a substância da comunidade, das múltiplas
comunidades no interior das quais os homens nascem, que gostaríamos de encontrar. Não
para as limitar, mas para fixar as nossas liberdades pessoais.” (Robert Badinter)
RESPOSTA: Nós podemos ter direitos enquanto proclamações abstratas, mas o modo
como as pessoas os exercem dependem de circunstâncias materiais e das condições de vida
de cada um (exemplo: ensino à distância). Por outras palavras, as condições de vida
efetivas são aquilo que nos permite ou que nos limita a possibilidade de nos
desenvolvermos e realizarmos enquanto pessoas. Alguns exemplos de comunidades ou
grupos a que o autor se refere são: associação política, família, grupo desportivo, etc.
Segundo a teoria institucionalista, os Direitos Fundamentais perduram, permanecem no
tecido social e devem ser encarados como instituições.
Os direitos fundamentais não se aplicam apenas a pessoa singulares, aliás o art. 12º n.2 diz
que as pessoas coletivas, por exemplo, não têm direito a contrair casamento, mas têm
direito ao bom nome.
As pessoas não vivem no vazio e há uma constante tensão entre o indivíduo e a
comunidade, o que nos faz pensar se a comunidade pode ou não limitar as nossas
liberdades pessoais.
Os direitos fundamentais têm uma dupla dimensão, objetiva (valor fundamental da
comunidade) e individual-subjetiva (direitos das pessoas). Estas duas dimensões podem,
por vezes entrar em conflito. Por exemplo, o direito de propriedade era um direito
absoluto, mas agora é um direito social, podendo ser afetado em benefício da comunidade.
Em suma, aquilo que nós consideramos o exercício de um direito, a comunidade pode
considerar não ser um exercício legítimo do direito.
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a) A lei no x/2010 proíbe os funcionários públicos de participar em qualquer
manifestação ou reunião de carácter político-partidário sem autorização do superior
hierárquico, ficando os infratores sujeitos a pena disciplinar de repreensão escrita
ou multa consoante os casos.
RESPOSTA: Neste caso, estão em causa os direitos de liberdade ideológica e os direitos de
liberdade de reunião e manifestação (artigo 45º da CRP), bem como o direito à associação
(artigo 46º) e o direito de participação política (artigo 48º CRP). O artigo 45º estabelece
restrições ao direito, no entanto, não estabelece nenhuma autorização necessária para o
exercício do direito como é referido na lei n.º x/2010.
O art. 50º n.2 e o art. 269º n.2 refletem o princípio da não discriminação (princípio da
igualdade – art. 13º), sendo para este caso relevante a questão dos “direitos políticos” e da
“opção partidária”.
Para além disso, uma vez que se trata de uma lei, temos que ter em conta a restrição ao
exercício de direitos prevista no artigo 270º CRP e temos de verificar se é compatível com
os requisitos materiais do art. 18º n.3 (“caráter geral e abstrato e não podem ter efeito
retroativo”).
FICHA Nº 2
Analise as seguintes situações:
a) A lei nº x/2010 proíbe os funcionários públicos de participar em qualquer
manifestação ou reunião de carácter político-partidário sem autorização do superior
hierárquico, ficando os infractores sujeitos a pena disciplinar de repreensão escrita
ou multa consoante os casos;
c) A Assembleia da República aprovou uma lei que estabelece que todos aqueles que
tiverem sido condenados por tráfego de droga não podem sair do território
nacional, nem deslocar-se entre o continente, os Açores e a Madeira sem parecer
favorável das autoridades sanitárias;
RESPOSTA: Neste caso, estamos perante uma restrição do direito previsto no art. 44º.
Este artigo apresente duas dimensões: direito de todos os cidadãos se deslocarem dentro
do território nacional e direito de poderem sair do território nacional. O parecer que aqui é
exigido cria um entrave à livre circulação das pessoas, embora não fiquem totalmente
impedidas porque há a possibilidade de o parecer ser favorável. Contudo, podemos dizer
que há uma carga coativa sobre o direito. Segundo o art. 18º n.3, estes tipos de restrições
têm de revestir caráter geral e abstrato, não podem ter efeito retroativo, e têm de ser
necessárias, adequadas e proporcionais. Neste caso, os principais objetivos que poderiam
justificar a aprovação desta lei seriam: combate ao tráfico de droga e a proteção da saúde
pública (conflito de direitos). Todavia, com isto estaríamos a presumir que aqueles que
tiverem sido condenados por tráfego de droga serão sempre perigosos, porque ou seja, esta
restrição é excessiva por se poder perpetuar para além da condenação (Art. 30º n.1 e n.4).
Aqui também podemos discutir se a dignidade da pessoa humana é afetada e se o núcleo
essencial do direito é posto em causa.
Por fim, também poderia estar em causa a aplicação da lei no tempo, uma vez que no
enunciado não diz se a restrição se aplicaria apenas aos que forem condenados depois da
entrada em vigor da lei, ou se também se aplicaria aos que já haviam sido condenados antes
da entrada em vigor da lei.
f) A Assembleia da República aprovou uma lei com uma norma única com a seguinte
redacção: Durante o período de campanha para o referendo sobre a despenalização
da interrupção voluntária da gravidez, os sacerdotes deverão abster-se de fazer,
durante a missa, qualquer referência à posição da Igreja Católica sobre práticas
abortivas.
RESPOSTA: Neste caso, estamos perante a liberdade de expressão (art. 37º) exercida num
momento de culto (liberdade de consciência - art. 41º). Para além disso, uma vez que se
trata de uma campanha para um referendo, o direito de participação na vida pública
também pode ser invocado.
Em adição, também será importante dizer que, uma vez que há uma reserva relativa no que
diz respeito à legislação que verse sobre direitos fundamentais, devemos lembrar-nos que a
Assembleia da República pode legislar sobre esta matéria, assim como pode o Governo,
mediante autorização.
Por fim, também podemos referir a violação do princípio da igualdade (art. 13º), uma vez
que a medida apenas se destina aos sacerdotes da Igreja Católica e dado que a eliminação
de certos discursos da esfera pública discrimina determinadas ideias relativamente a outras.
Em suma, aqui podemos estar perante uma colisão e um conflito de direitos.
l) O acesso dos cidadãos naturais ou residentes nos Açores aos arquivos e registos
administrativos daquela região autónoma foi definido por decreto legislativo
regional;
RESPOSTA: Todos os direitos exigem algum tipo de obrigação por parte do Estado
(positivas e negativas). O direito previsto no art. 268º é considerado um direito
fundamental “fora do catálogo” (direito com natureza análoga a direitos fundamentais –
art. 17º). De modo a garantir a efetividade deste direito, o Estado pode estabelecer um
horário em que os cidadãos podem aceder aos arquivos e registos administrativos, pode
anunciar como é que os cidadãos podem ter acesso, podem divulgar a quem é que os
cidadãos podem solicitar esse acesso, etc.
Para além disso, é necessário verificarmos que as Assembleias Legislativas Regionais têm
competência para legislar sobre esta matéria. Para este efeito, devemos consultar o art.
161º, seguido do art. 227º alínea b). Posto isto, podemos ver que a Assembleia da
República tem reserva relativa de competência legislativa, ou seja, é o único órgão de
soberania que pode legislar sobre Direitos, Liberdades e Garantias, assim como o Governo,
mediante autorização desta.
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Se o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana for violado, estamos perante
uma inconstitucionalidade. Este princípio é o fundamento de legitimidade do sistema. Por
exemplo, em Portugal a República baseia-se na dignidade, segundo o art. 1º CRP. Para além
disso, o poder do Estado está ao serviço da dignidade da pessoa humana, ou seja, a
dignidade da pessoa humana é o denominador comum de todos os direitos.
Este princípio não está subjacente apenas aos direitos que existem, podendo também servir
para revelarmos direitos que não estando expressamente consagrados, estão implicitamente
presentes no texto fundamental.
ACÓRDÃO TC 509/2002: afetação do conteúdo dos direitos. Os maiores de 18 anos,
mas menores de 25 anos estariam a ser privados de um subsídio que lhes permitira ter
condições básicas de existência. Tal como sabemos, a CRP protege o direito ao “mínimo
de existência condigna”, logo esta medida foi considerada inconstitucional.
Este acórdão também faz referência ao princípio da proibição ao retrocesso social de
Gomes Canotilho, que está intimamente relacionado com a ideia de que assim que as
pessoas ficam desprotegidas (sem recursos), a sua dignidade é posta em causa (art. 63º n.1 e
3 – segurança social e solidariedade – impõe um dever de proteção ao Estado).
Ressalva: os textos que encontram aqui não são a forma “correta” ou “errada” de se
analisar o acórdão em questão; são apenas apreciações feitas por estudantes do 2º ano que
pretendem dar resposta às questões colocadas pela professora Anabela Leão. Posto isto,
como preparação para o exame, recomenda-se a todos os estudantes da unidade curricular
de Direitos Fundamentais que estejam presentes nas aulas práticas, para que possam ouvir
as apresentações e daí tirarem as suas conclusões.
No caso, parece que efetivamente o habeas corpus foi utilizado como um direito para
salvaguardar outros direitos, nomeadamente o direito à liberdade, previsto no artigo 27º
CRP. Daí que o professor Gomes Canotilho diga que o habeas corpus “testemunha a especial
importância constitucional do direito à liberdade”. No caso, o recorrido acredita que esta medida,
além de não ser da competência da RAA, viola também o princípio da proporcionalidade
que, como sabemos, é um princípio basilar para se poder restringir qualquer DLG, nos
termos do artigo 18º nº2 CRP. Isto do ponto de vista do recorrido.
Do ponto de vista da Autoridade de Saúde Regional, não há qualquer sacrifício absoluto da
sua liberdade, mas apenas um condicionamento, no sentido de salvaguardar a vida e a
saúde, que são simultaneamente dois bens da sociedade e dois direitos, previstos no artigo
24º e 64º CRP, pelo que a medida será proporcional. O que estava em causa seria uma
afetação do direito de circulação, admissível em estado de calamidade (porque, entretanto,
o estado de emergência tinha cessado). No entanto, a juíza do tribunal de Ponta Delgada
entendeu que essa afirmação era redutora, no sentido de que o direito de circulação estava
limitado, porque estava limitada a própria liberdade.
A imposição do confinamento obrigatório afeta direito à liberdade (artigo 27º CRP),
nomeadamente a nossa liberdade de deslocação (artigo 44º CRP). Está em causa um
direito à liberdade física que, como dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros, se entende
como “liberdade de movimentos corpóreos, de ir e vir, a liberdade ambulatória ou de locomoção”. O
próprio TC tem sustentado este entendimento em diversos acórdãos, como o caso
nº479/94 (onde se procurou clarificar o conceito de privação total ou parcial da liberdade).
Ora, podemos, então, concluir que temos uma situação de concorrência de direitos.
Efetivamente parece-me que o confinamento será um tipo de afetação de direitos, não sob
a forma de restrição, mas de suspensão, na medida em que temos uma autêntica privação
da liberdade e não uma mera limitação. E, como diz Maunz-Durig (e que até é citado pelo
TC neste acórdão), a privação da liberdade existe quando alguém contra a sua vontade é
confinado coativamente através do poder público a um local delimitado, de modo que a
liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída, traduzindo-se numa afetação do
núcleo do direito à liberdade física, ao passo que a limitação da liberdade existe quando
alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e
faticamente acessível ou de permanecer num certo espaço, ou seja, a liberdade não é
subtraída, mas apenas limitada numa dada direção, afetando-se apenas perifericamente o
direito.
No fundo, o que distingue a privação da limitação tem a ver com a amplitude do direito
que é afetada: é a diferença entre ficar impedido de aceder a um determinado local e ter que
estar confinado num determinado local. É isto que, para mim, distingue a restrição da
suspensão de direitos e é exatamente por isso que considero que o confinamento seja, não
uma medida de restrição, mas de suspensão do direito à liberdade.
Assim sendo, de acordo com o artigo 19º CRP, a suspensão de direitos apenas pode
acontecer em estados de exceção constitucional, nomeadamente em estado de sítio ou
estado de emergência, não podendo ultrapassar o período de 15 dias de suspensão e não
podendo nunca afetar os direitos previstos no nº6 do mesmo artigo, no qual não consta o
direito à liberdade, pelo que, durante o estado de sítio ou estado de emergência, o núcleo
essencial do direito à liberdade pode ser efetivamente afetado.
No entanto, também a suspensão de direitos tem de estar subordinada ao princípio da
proporcionalidade, nos termos do artigo 19º nº4 CRP. Isto compreende-se claramente,
até por maioria de razão, na medida em que, se a restrição de DLG, nos termos do artigo
18º nº2 CRP, tem que estar sujeita ao princípio da proporcionalidade, a suspensão de
direitos, que afeta o seu núcleo essencial e, por isso, é mais gravosa, mais ainda deverá
obedecer a este princípio. Além disso, a CRP prevê no seu artigo 164º alínea e) que o
regime de estado de sítio ou estado de emergência está sob reserva absoluta da
competência legislativa da AR. Esse regime revestirá a forma de lei orgânica, nos
termos do artigo 166º nº2 CRP, e a declaração do estado de sítio ou estado de emergência é
o único ato do PR que está sujeito a fiscalização da constitucionalidade por parte do
TC, o que demonstra a sensibilidade destas matérias.
Neste acórdão releva o direito à reunião, entendido pelo requerente como direito
fundamental a reunir-se com familiares e amigos para jantares, piqueniques, sessões lúdicas,
tertúlias, apresentando-se, assim, como um direito de liberdade de titularidade individual,
mas de exercício coletivo, tal como Jorge Miranda refere. No entendimento do requerente,
o seu direito à reunião está a ser afetado, restringido pelas normas proibitivas da Resolução
de Conselho de Ministros já que estas limitam, consoante o local seja de alerta ou de
contingência, a concentração de pessoas a nº não superior a 20 ou 10, respetivamente.
Como tal, o direito à reunião, previsto no art. 45º da CRP, está a ser posto em causa na sua
vertente de liberdade de realização concreta e atual de reuniões, condicionando outros
direitos e liberdades previstos na CRP, por exemplo a liberdade sindical, a liberdade
religiosa e até em último caso, a liberdade de expressão, uma vez que as reuniões são para
se debater, falar e instituir orientações. Do ponto de vista do tribunal, é muito difícil
encarar esta situação no âmbito das restrições de DLG, devido à excecionalidade e
temporalidade destas medidas, que são extremamente importantes e adequadas para travar
um vírus totalmente desconhecido e com grande impacto, mas antes considera como uma
ação egoísta do requerente pelo que nesta situação nunca antes vivida e que diversas
pessoas já pereceram vítimas do COVID-19, os cidadãos devem-se unir e entender que
neste caso, restringimos uma pequena parte de um direito, para futuramente termos a
liberdade e autodeterminação de exercermos os nossos DF.
Apesar de falar em dois direitos, penso que está em causa uma situação de colisão, uma vez
que existe por parte do requerente um direito à reunião e um interesse do Estado, que é
designadamente controlar a pandemia, de forma a proteger a saúde de terceiros, ou seja, o
interesse de assegurar, garantir a saúde pública.
Quanto à segunda parte da questão, o tribunal decide improceder a ação do
requerente por considerar que, atendendo aos princípios da proporcionalidade e da
igualdade, não existe uma violação de DLG. Explicitando os seus argumentos, tendo por
base os requisitos enumerados no nos 2 e 3 do art. 18º da CRP:
Concluindo, do ponto de vista do tribunal, os requisitos previstos nos nos 2 e 3 do art. 18º
da CRP encontram-se respeitados e consequentemente a restrição é validamente realizada.
TEXTO DE: RITA RIOS
TC, Acórdão n.º 394/2019 (investigação de paternidade)
Sendo a possibilidade de investigar a paternidade uma dimensão do direito à
identidade pessoal, que outros direitos ou interesses poderão (se é que podem)
justificar a sua restrição e em que medida?
Interesses:
1. A certeza e a segurança jurídica do pretenso pai e dos seus herdeiros (uma vez que
não será do seu interesse ver protelada uma situação de incerteza quanto à sua
potencial paternidade) → O investigado não terá, à partida, interesse em ver uma
situação de dúvida quanto a uma potencial paternidade omissa na sua dimensão
jurídica (uma vez que, se se confirmar a paternidade) verá recair em si
responsabilidades legais, e na dimensão social quanto à garantia da honra e do
bom nome.
2. O perigo de passado o prazo indicado pelo artigo 1817º nº1 CC, vir a ser requerida
uma investigação da paternidade tardia com o único intuito de alcançar vantagens
patrimoniais (a questão da herança como um direito do filho).
Na infância e na juventude falamos de fases de crescimento. Nesta fase o direito a ter um
Pai assume um conteúdo valorativo e é um bem pessoal indispensável à formação da
criança ou do jovem. Ex.: Proteção, saúde, educação…
Com a passagem do tempo este direito poderá assumir uma dimensão tão só patrimonial
– assume a forma obrigacional de pensão de alimentos em vida do pai (artigos 2003º,
nº1 + 2004º + 2009º nº1 a. (c) CC), e de direitos sucessórios após a sua morte (artigo
2157º CC).
Direitos:
1. A paz e harmonia da família constituída pelo pretenso pai → Artigo 67º CRP.
Este direito trata a instituição “Família” como um elemento fundamental da sociedade que
merece proteção e cooperação do próprio Estado quanto à realização pessoal dos seus
membros através de medidas de integração e unificação.
A questão da investigação da paternidade colide de forma expressa com o direito disposto
no artigo 67º CRP uma vez que, a confirmar-se a pretensa paternidade, a estabilidade de
uma potencial família já constituída ficará lesada.
A restrição:
Só podemos referir-nos a uma situação de restrição de Direitos Fundamentais quando
estamos perante um caso de conflito ou de colisão de Direitos. Neste caso concreto
falamos de um conflito de direitos (dois ou mais direitos de particulares conflituam entre
si).
A restrição de DF é feita com base constitucional no artigo 18º nº1 e nº2 da CRP –
cumprindo os requisitos dispostos no artigo.
Sim.
Pode haver uma restrição do direito à investigação da paternidade (através da
caducidade imposta pelo artigo 1817º nº1 CC) uma vez que estamos a tratar de uma
situação de conflito de direitos nos termos do artigo 18º nº1 e nº2 CRP.
Opinião final:
No estabelecimento dos prazos de caducidade para a investigação da paternidade o
legislador em momento algum desrespeita as fronteiras da suficiência da tutela uma vez que
se trata de uma limitação que não impede ao titular do direito o seu exercício
impondo-lhe apenas o ónus de o exercer no prazo PROPORCIONAL, ADEQUADO e
RAZOÁVEL para o efeito.
Resposta: O argumento biológico tem uma grande importância, pois, a partir dele temos
acesso à nossa posição na sociedade, na família, é este argumento que contém a nossa
identidade enquanto seres humanos e que também nos vai possibilitar o desenvolvimento
da nossa personalidade, uma passagem do acórdão que comprova a importância do
“argumento biológico” é a seguinte e passo a citar:
“O que o filho perde, em identidade e liberdade de ser, com o estabelecimento de prazos de
caducidade, é desproporcionalmente mais valioso do que aquilo que o pretenso pai ganha
em segurança e privacidade com tal compressão temporal, não havendo razão jurídico-
constitucional válida que justifique tamanha perda e imponha tão diminuto ganho”
O conceito de família previsto na CRP pauta-se pelo art.º 67 CRP que no nº 1 diz
expressamente que “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à
proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a
realização pessoal dos seus membros.”, sendo assim, será aqui importante referir que o
direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica assume um papel
central na ideia expressa no nº 1 do art.º 67 CRP, no ponto em que se faz referência à
efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
A filiação é uma questão biológica, e só é suscetível de tratamento jurídico no que diz
respeito à sujeição a registo, portanto:
• Filiação jurídica – Corresponde apenas a um reconhecimento na ordem jurídica.
• Filiação biológica – Corresponde a uma descendência do filho que desencadeia
laços de paternidade e maternidade
Resposta: Para responder a esta questão, importa começar por referir que o
consentimento da gestante cobre um significativo período de tempo, portanto, a aceitação
do contrato de gestação de substituição por parte da gestante não garante necessariamente
a continuidade do seu consentimento durante todo o tempo de execução do contrato.
➢ Não querer levar a gestação até ao fim (e nesse caso realiza uma IVG enquanto
legalmente permitida)
➢ Pretender assumir o projeto parental
Apesar de os beneficiários terem o direito a constituir família, a verdade é que não parece
admissível, do ponto de vista constitucional, que estes procurem assegurar o interesse que
têm em exercer esse seu direito às custas da dignidade da gestante, instrumentalizando-a.
Portanto, os beneficiários não têm um direito a ver tal direito fundamental concretizado
através da gestação de substituição, mas tão só um interesse (não parece, portanto, que
esteja em causa uma situação de conflito, e, por conseguinte, não será constitucionalmente
admissível a restrição do direito ao livre desenvolvimento da personalidade da gestante,
considerando que não está a conflituar com nenhum outro direito).
Apesar de o Tribunal na sua apreciação focar essencialmente estes dois direitos que referi, a
meu ver existem outros direitos e aspetos que poderão estar a ser afetados por esta
limitação à revogabilidade do consentimento pela gestante:
• Liberdade (prevista no art 27º CRP)
• Direito ao arrependimento: sendo que nos termos do art 81º n.2 do Código Civil a
limitação voluntária de direitos de personalidade, quando lícita, é sempre revogável.
• A questão da autodeterminação em matéria reprodutiva.
É assim que se coloca a questão neste problema: de e em que medida com a fixação de
limites à revogação do consentimento da gestante vamos então afetar direitos
fundamentais. De facto, e nas últimas décadas, temos assistido a um aumento crescente do
recurso da procriação medicamente assistida e, mais recentemente, da gestação de
substituição. A Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, admitiu no ordenamento jurídico
português o acesso à Gestação de Substituição, ainda que a título excecional e em situações
específicas de infertilidade, com o intuito de alterar o paradigma de uma sociedade que, até
então, criminalizava permanentemente qualquer modalidade de gestação por conta de
outrem. A gestação de substituição é vista como um mecanismo disponível para mulheres
com problemas associados ao órgão reprodutor, e pode ser entendida como uma mulher
solidária e com um nobre espírito altruísta, se dispõe a suportar uma gravidez por conta de
outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da
maternidade. Como seria de esperar, a aprovação do referido diploma traz à tona diversas
questões de cariz ético, social e jurídico. Vulgarmente conhecida como “barrigas de
aluguer”, o legislador optou pela utilização do termo “gestação de substituição”, como
referência a conduta da mulher que, mediante a celebração de um contrato elaborado e
supervisionado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA),
“se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o
parto, renunciando todos os poderes e direitos próprios da maternidade”. Isto posto que
neste contrato obrigacional a gestante ficará obrigada não só a um facere, num primeiro
momento - através do suportar da gravidez, como também a um dare - entrega da criança
aos beneficiários, após o parto.
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Acórdão 225/2018
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Acórdão 225/2018
situações em que a mesma se encontra legalmente garantida, nos termos do artigo
142º/1 do Código Penal.
A decisão de interromper a gravidez deve caber sempre, única e exclusivamente, à
gestante, devendo aqui prevalecer o direito a dispor do próprio corpo sobre os
direitos dos progenitores.
Da mesma maneira que não podem ser exigidas indemnizações à gestante. As
indemnizações poderiam consistir num condicionamento à revogação do
consentimento, não garantindo assim que a atuação da gestante no processo fosse
completamente livre e voluntária.
2. Pode querer levar a gravidez até ao fim, mas realizar um projeto parental próprio
Aqui temos um concurso positivo de pretensões quanto à parentalidade da criança.
Esta situação já é distinta da mencionada anteriormente, na medida em que temos a
vontade de realização de um projeto parental da gestante que concorre com o dos
beneficiários.
Há aqui um conflito entre o direito a constituir família da gestante e dos beneficiários.
A solução, neste caso, não pode deixar de ter em conta que temos uma terceira parte, a
criança. Portanto, a solução passará por uma avaliação casuística que terá como critério o
superior interesse da criança.
Em ambos os casos, haverá uma frustração das legítimas expectativas dos beneficiários.
Contudo, se compararmos o peso destas legítimas expectativas dos beneficiários com a
restrição de direitos fundamentais da gestante, vemos que há uma manifesta desproporção,
dizendo-nos o tribunal constitucional no acórdão 225/2018, que “os inconvenientes e
frustrações dos primeiros não justificam a instrumentalização da segunda em ordem a
evitá-los”.
Portanto, é necessária a consagração da possibilidade de revogação do consentimento até
ao momento da entrega da criança, de modo a garantir a dignidade da pessoa humana da
gestante e a sua não instrumentalização.
Também os beneficiários poderiam desejar revogar o consentimento (por exemplo, em
casos de divórcio, doença incurável, morte de um deles, malformações do feto, doenças
fetais). Contudo, esta alteração da vontade não pode suceder no caso dos beneficiários,
desde logo devido às assimetrias das obrigações assumidas. Acrescentamos a isto o facto de
não poderem os beneficiários exigir que a gestante faça uma interrupção voluntária da
gravidez contra a vontade da mesma.
Depois de analisado tudo isto, concluímos que a lei, ao consagrar a revogação do
consentimento apenas até ao início dos processos terapêuticos de PMA, faz com que os
interesses dos beneficiários prevaleçam de modo absoluto. Isto poderá ter, como
consequência, em caso de arrependimento da gestante, a instrumentalização da gestante,
sendo esta vista apenas como um meio para atingir um fim, e não um fim em si mesma – o
que é contrário ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio basilar do
ordenamento jurídico português.
Em jeito de conclusão, cito Mariana Canotilho no seu voto de vencido, dizendo “O seu
consentimento (da gestante) – para ser, a todo o tempo, livre – não pode deixar de ser um
consentimento permanentemente renovado, em cada momento, dando-lhe o direito ao
arrependimento, ou seja, à revogação do consentimento até à entrega da criança aos
beneficiários.” Isto sob pena de estarmos perante uma restrição excessiva dos direitos da
gestante, nomeadamente o direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado à luz
da dignidade humana, e o seu direito a constituir família.
O Tribunal Europeu dispõe ainda que a vida humana, enquanto bem jurídico corporizado
em direito fundamental prioritário, beneficiando de regime de proteção alargado.
Impondo-se perante todos e também perante o Estado: “(a) não poder dispor da vida das
pessoas, a qualquer título que seja; (b) obrigação de proteger a vida das pessoas contra os
ataques ou ameaças de terceiros; (c) dever de abster-se de ações ou da utilização de meios
que criem perigo desnecessário ou desproporcionado para a vida das pessoas”. E caso haja
alegações de violação deste direito, deverão ser tomadas todas as diligências necessárias,
através de uma resposta a nível processual adequada com o objetivo de apurar e punir os
responsáveis.
Logo, neste entendimento, não conferindo qualquer direito a morrer, o tribunal acaba por
declarar que não houve uma violação do artigo 2º da Convenção, como alegado pela
requerente.
E agora fazendo referência à Petição Pública da Morte assistida, que diz que “O direito à
vida faz parte do património ético da Humanidade e, como tal, está consagrado nas leis da
República Portuguesa. O direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade
que cada um construiu ao longo da sua vida, também tem de o ser.”
Este artigo consagra uma obrigação negativa aos Estados, a de se absterem de infligir danos
graves a pessoas na sua jurisdição. O Tribunal é claro, quando prevê que os Estados,
devem adotar medidas adequadas para impedir que as referidas pessoas sejam submetidas a
torturas ou a penas ou tratamento desumanos e degradantes, mesmo que sejam
administrados por particulares;
E até agora, constatou-se que as obrigações positivas surgem em três situações, quando o
Estado tem o dever de proteger a saúde de uma pessoa privada de liberdade, onde o
Estado é obrigado a tomar medidas para garantir que as pessoas sob sua jurisdição não
sejam submetidas a tortura ou outro tratamento proibido nas mãos de particulares e
quando o Estado se proponha a tomar medidas em relação a um indivíduo que resulte na
aplicação de tratamento desumano ou degradante por outro. Nenhuma destas
circunstâncias foi relevante no caso da requerente.
Perante isto, o TEDH, no presente caso, acaba por afirmar que o sofrimento coberto pelo
artigo 3º, é aquele que “quando é, ou corre o risco de ser, exacerbado pelo tratamento, por
força de detenções, expulsão, ou outras para as quais as autoridades podem ser
consideradas responsáveis”. O TEDH, no Acórdão de Keenan v.UK definiu o tratamento
degradante, apontando para tratamentos suscetíveis de causar nas vítimas sentimentos de
medo, angústia e inferioridade de forma a humilhá-las e revoltá-las.
Portanto, no entendimento do Tribunal não existe qualquer obrigação positiva, nos termos
do artigo 3º, de forma a exigir ao estado que se comprometa a não processar o marido da
requerente no caso de ele a ajudar no seu suicídio.
A Sra. Pretty entendia que o artigo 2.º protegia, não a própria “vida”, mas o “direito à
vida”. Dessa forma, deveria garantir-se um “direito a morrer”, que seria, não a antítese do
direito à vida, mas o seu corolário.
O TEDH reiterou, desde logo, o primado do artigo 2.º, enquanto disposição basilar da
Convenção, e enquanto “pressuposto fundante” de todos os demais direitos e liberdades
garantidos pela CEDH, os quais, sem este, não teriam sentido.
Da análise do artigo 2.º CEDH, o Tribunal determinou que surge uma dupla obrigação
para o Estado:
- Uma obrigação negativa, que se traduziria no dever de o Estado se abster da prática de
atos que, intencional e ilegalmente, possam resultar na privação da vida de alguém.
- Por outro lado, a obrigação positiva, que consistia na tomada as medidas necessárias
para a proteção da vida das pessoas sob a sua jurisdição.
De tal modo, o TEDH considerou que o artigo 2.º não poderia ser interpretado, sem
distorção da linguagem, como conferindo um direito diametralmente oposto ao direito à
vida (i.e., o direito de morrer), nem poderia criar o direito à autodeterminação de qualquer
indivíduo optar pela morte em detrimento da vida”
Ora, este entendimento do TEDH de que não pode derivar do artigo 2.º da Convenção um
direito à morte, quer com ajuda de terceiro, quer com recurso às autoridades públicas, é
confirmado pela Recomendação 1418 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa,
que insta os Estados Membro a respeitar e proteger a dignidade dos doentes terminais ou
moribundos, e reconhece que a vontade de morrer destes não pode constituir uma
justificação legal para levar a cabo ações com intenção de provocar a morte.
Todavia, a Sra. Pretty argumentou ainda que a obrigação positiva decorrente do artigo 2.º
CEDH visava proteger os indivíduos de terceiros, nomeadamente o Estado e as
autoridades públicas, não deles próprios.
O TEDH admite que, em circunstâncias apropriadas, resulta do artigo 2.º uma obrigação
positiva, sobre as autoridades, que consiste na tomada de medidas preventivas para
proteger um indivíduo cuja vida está em risco, devido aos atos criminosos de outro
indivíduo ou, em certas circunstâncias particulares, contra si mesmo (cfr. foi apreciado no
Acórdão Perevedentsevy c. Rússia).
A este propósito, faz-se referência também ao caso Keenan c. Reino Unido, que admitiu que
poderia surgir, para as autoridades prisionais, a obrigação de proteger um prisioneiro que
tentou tirar a própria vida. Contudo, nesse caso, tal obrigação surgiu apenas porque ele era
um prisioneiro e, em virtude da sua doença mental, carecia da capacidade de tomar uma
decisão racional para acabar com sua vida.
Ou seja, esta situação é completamente diferente da situação da Sra. Pretty, que, não era
uma prisioneira, e possuía todas as suas faculdades mentais intactas.
A Sra. Pretty afirmou que o sofrimento que enfrentava era qualificado como tratamento
degradante e que, devido à sua doença, inevitavelmente, morreria de maneira angustiante e
indigna.
Ao não permitir o suicídio assistido, o Estado não estaria a protegê-la do terrível fim que a
aguardaria.
Entende-se que o artigo 3.º impõe aos Estados também uma dupla obrigação.
A obrigação negativa de não se infligir tratamentos ou penas desumanos e degradantes,
mas também a obrigação positiva de adotar medidas para proteger de tais tratamentos as
pessoas sob a sua jurisdição.
A obrigação negativa, no fundo é uma proibição, absoluta e universal e que, por força do
artigo 15.º/2 CEDH, é inderrogável, não lhe sendo admitidas quaisquer restrições ou
exceções, independentemente das circunstâncias em questão.
Isso já não acontece com a obrigação positiva. Esta deve ser interpretada de forma a não
impor às autoridades encargos impossíveis ou desproporcionados.
No caso da requerente, nenhuma das circunstâncias previstas foi relevante, visto que:
• não estava a ser maltratada por ninguém
• não se queixava da ausência de tratamento médico adequado
• não estava a ser intentada qualquer ação do Estado contra ela
Neste caso, a obrigação positiva invocada pela requerente seria a tomada de medidas
para protegê-la do sofrimento que teria de suportar, nos estágios finais da doença — e que
se traduziria no não sancionamento das ações destinadas a pôr fim à vida.
O TEDH considerou que o artigo 3.º deveria ser interpretado de modo a coincidir com os
objetivos fundamentais da CEDH, e em harmonia com o artigo 2.º CEDH, que não
confere aos indivíduos qualquer direito de exigir que o Estado permita ou facilite a sua
morte.
Portanto, o Tribunal entendeu que não derivava do artigo 3.º CEDH qualquer obrigação
positiva que exigisse ao Estado que concedesse uma imunidade para não perseguir
criminalmente quem pretendesse auxiliar outrem no suicídio, ou que providenciasse as
condições para a legalidade de qualquer outra forma de suicídio assistido.
Assim sendo, o TEDH pronunciou-se pela não violação dos artigos 2.º e 3.º CEDH, o que,
a meu ver, não foi uma decisão correta.
Resposta: Vamos então dividir a questão em duas partes, que coincidem com duas das
alegações de Pretty perante o TEDH: por um lado, a violação do Artigo 8º da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos, quanto à reserva da vida privada e, por outro lado, a
violação do Artigo 9º da mesma convenção, quanto à liberdade de pensamento, religião e
consciência.
Quanto às alegações sobre o Artigo 8º devemos entender que este Artigo é a porta de
entrada, por assim dizer, de novos direitos que surjam no âmbito da evolução, tecnológica,
social, jurídica etc. Nessa medida, o Artigo 8º estende o seu âmbito de proteção a várias
realidades, nomeadamente, à disposição sobre o próprio corpo. Importava saber se, no
âmbito da disposição sobre o próprio corpo, era possível existir um direito a escolher como
viver no momento da morte, ou melhor dizendo, um direito a dispor sobre o próprio
corpo no sentido da sua degradação total. A jurisprudência R. vs. Reino Unido já tinha
apontado no sentido de sim, existir esse direito, tal como veio confirmar, mais, tarde a
jurisprudência Has. vs. Reino Unido, pelo que, de forma abstrata, sublinho, Pretty tinha um
direito à morte assistida com fundamento no Artigo 8º.
No entanto, este Artigo 8º admite restrições, nos termos do Nº2 do mesmo Artigo, se estas
forem previstas legalmente, tiverem uma finalidade social e democrática imperiosa e,
obedecerem ao princípio da proporcionalidade. A restrição do Artigo 8º pelo Reino Unido,
através do Suicide Act de 1961, foi fundada na proteção dos mais vulneráveis, isto é, aqueles
que não conseguem de forma livre, consciente e informada expressar, inequivocamente, a
sua vontade, bem como no potencial abuso de direito caso a proibição do suicídio assistido
fosse levantada, aludindo para problema da rampa deslizante que já se fazia sentir noutros
países. O TEDH considerou, também, proporcional a proibição do suicídio assistido, na
medida em que, a sua proibição total era a única idónea e não excessiva para a proteção dos
mais vulneráveis e, para prevenir o abuso de direito caso a proibição fosse levantada.
Quanto ao Artigo 9º, o TEDH esclareceu que nem todas as convicções ou opiniões, como
a de Pretty de acreditar no suicídio assistido, cabem no âmbito do Artigo 9º da CEDH. No
entanto, os argumentos de Pretty no âmbito do Artigo 9º da Convenção eram passiveis de
ser enquadrados no princípio da autonomia pessoal, que decorre já do Artigo 8º, pelo que o
Tribunal não considerou existir qualquer violação do Artigo 9º.
Assim sendo, e respondendo mais concretamente à questão colocada para esta aula, é
importante desde logo relembrar que abstratamente o suicídio assistido não é proibido pelo
Artigo 8º da Convenção, mas, através das possibilidades de restrição deste direito, grande
parte dos países proíbe totalmente qualquer pratica eutanásica ou assistência ao suicídio.
O TEDH deixou à discricionariedade dos Estados Membros da União a proibição ou
legalização destas páticas, por não haver consenso no espaço europeu. Apesar de em
jurisprudência mais recente, o TEDH enunciar as vantagens da legislação sobre a matéria, a
vontade política mantém-se reticente face ao fenómeno da rampa deslizante.
A mim parece-me que esta proibição total colide com aquela que tem que ser a
interpretação da dignidade humana, como princípio democrático fundamental, na medida
em que esta não pode ficar estagnada na interpretação histórica e, não pode de todo, tal
como a Professora Luísa Neto diz, ser um “conversation stopper” para estas questões.
A legalização ou despenalização de práticas eutanásicas e/ou do suicídio assistido apela aos
nossos sentidos mais profundos como humanos, cidadãos, e no nosso caso, juristas. Basta
problematizar a seguinte questão: Será mais digno para um humano mantê-lo num
sofrimento tal que a vida da pessoa se resuma a sobreviver mais um dia com o fundamento
de que são pessoas vulneráveis ou, cumprir a sua vontade dando-lhe uma morte sem
sofrimento, pacífica, tal como define a etimologia da palavra eutanásia?
Em jeito de conclusão, é necessário deixar de encarar a despenalização de práticas
eutanásicas e do suicídio assistido como conferir um direito a morrer. Pelo contrário, trata-
se de um direito ainda em vida, de decidir como passar os últimos momentos da vida, e
nada me parece reiterar mais a autonomia da pessoa, que caracteriza a dignidade humana,
que permitir a uma pessoa decidir sobre como passar os últimos momentos da sua vida. E
isto não descora quaisquer preocupações legitimas com o consentimento, como é obvio, na
medida em que é ele que garante a verdadeira realização da vontade e autonomia da pessoa.
Tal como a professora Luísa Neto teve oportunidade de dizer e, passo a citar “fazer uma
pessoa morrer de uma maneira que outros aprovam, mas que ele mesmo acredita ser uma terrível
contradição na sua vida, é uma forma de tirania devastadora e odiosa, precisamente porque a dignidade de
uma pessoa é normalmente relacionada com a capacidade de auto-respeito”.
Resposta: O Caso Pretty V. Reino Unido foi concluído em julho de 2002, tendo a Sra.Pretty
falecido em maio desse mesmo ano, sem conhecer o veredito por parte do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Apesar disto, a verdade é que este é um
acórdão incontornável na discussão da morte assistida, levantando questões jurídicas, bem
como de ordem ética, moral e social.
No âmbito da questão levantada pela Professora Anabela, cabe-me desenvolver as
interpretações diferenciadas por parte da Sr. Pretty e do Tribunal dos artigos 8º e 9º da
CEDH
Quanto ao artigo 8º da CEDH:
O direito à reserva da vida privada encontra-se previsto no artigo 8º da CEDH. - Este
protege um direito ao livre desenvolvimento e autodeterminação da pessoa. Admitindo que
a escolha de um indivíduo quanto ao modo de passar os momentos finais da sua vida é
ainda parte do ato de viver, tal como Lord Hope indica no próprio Acórdão, e que cada um
de nós tem o direito de exigir que a sua escolha seja respeitada, a proibição total do auxílio
ao suicídio não é desproporcionada, não sendo, também, arbitrária a lei que o estabeleça.
Para que possa, efetivamente, haver uma limitação do artigo 8º da CEDH é necessário
que essa ação levada a cabo esteja de acordo com a lei e que, simultaneamente, seja um ato
necessário e em prol da sociedade democrática. Tendo em conta esta ideia, o Tribunal
considerou, então, que a limitação do direito à vida privada e familiar, no caso em apreço, é
necessária e justificada para a proteção dos direitos de terceiros.
No cerne de cada direito fundamental verifica-se a existência de uma dimensão de
autodeterminação que se projeta num poder de disposição sobre as faculdades que o
integram ou de um autónomo direito geral de liberdade. Assim, podem-se configurar duas
hipóteses distintas, tal como indica a Dr. Benedita MacCrorie:
I. O direito à vida abrange um “direito à morte”, tratando-se esta opção ainda
uma forma de exercício do direito em questão;
II. O direito à eutanásia e ao suicídio assistido decorrem de um qualquer outro
direito, como por exemplo, o respeito pela vida privada e familiar, prevista
no artigo 8º da CEDH. – Este artigo tem sido interpretado de uma forma
ampla, abrangendo uma série de interesses individuais. A meu ver, na
definição do conteúdo deste direito abrange-se não só os aspetos relativos à
reserva da vida privada, bem como a própria liberdade da vida privada.
Um Estado-membro que assuma uma posição contrária à eutanásia e/ou ao suicídio
assistido, na minha opinião, está a restringir o artigo 8º do CEDH, razão pela qual, terá de
respeitar todos os requisitos necessários para que se possa verificar uma restrição destes
direitos.
Apesar disto, contrariamente, a Sra.Pretty acredita que este direito consagra um direito à
autodeterminação, que é acompanhado de um direito/faculdade de tomar decisões quanto
ao próprio corpo, bem como quanto ao que lhe acontece, assim sendo, neste direito, na
ótica da requerente, inclui-se o direito a definir quando e como se vai morrer.
Ainda assim, o Tribunal sublinhou que, na situação em questão, poderiam estar em causa as
exceções que se encontram previstas no nº2 do artigo 8º da CEDH. Na análise da
proporcionalidade da medida, o Tribunal determinou que uma margem de apreciação
deve ser deixada às autoridades nacionais, tal como indica a Dr. Benedita McCrorie, ainda
que essa decisão possa ser revista pelo Tribunal se for desconforme aos requisitos que a
Convenção impõe.
Neste âmbito, a argumentação das partes focou-se, fundamentalmente, na
proporcionalidade da interferência nesta esfera da vida da Sra. Pretty:
1. Segundo a Sra. Pretty – A impossibilidade de o seu marido a ajudar a cometer
suicídio estava a colocar, totalmente, de parte o facto de esta se tratar de uma adulta
capaz e livre de quaisquer pressões, que tomou um decisão totalmente informada e
voluntária quanto a esta matéria, não podendo ser tida como vulnerável.
2. O Tribunal – Não considerou que a Sra. Pretty se enquadrasse na categoria de
vulnerável. Apesar disto, considerou, de igual modo, considerou que quanto mais
sério seja a dolo/dano envolvido, mais pesará este na “balança” onde, por um lado,
se colocam considerações se saúde pública e segurança e, por outro lado, se coloca
o princípio da autonomia.
Artigo 9º da CEDH:
O artigo 9º da CEDH refere, em termos sumários, que todas as pessoas têm o direito ao
pensamento, consciência e religião.
No artigo 9º da CEDH, o Tribunal apresenta uma posição bastante concreta e sintética,
dado que estabelece que, apesar de as convicções da Sra. Pretty relativamente ao suicídio
assistido serem válidas e deverem ser respeitadas, estas não se incluem no lote de opiniões e
convicções que merecem proteção por parte deste artigo, dado que as suas pretensões não
se tratam da manifestação de uma religião ou crença. - Na verdade, o Tribunal defende que
o ponto de vista da requerente relativamente a esta matéria acaba, de certo modo, por
refletir as suas crenças relativamente ao princípio da autonomia, daí que se conclua que as
suas pretensões se tratam, verdadeiramente, de resquícios da alegada violação do Artigo 8º
da Convenção.
Do ponto de vista da requerente, o artigo 9º da CEDH protege o direito/liberdade de
pensamento. Na busca da Sra. Pretty pela ajuda do seu marido para cometer suicídio, a
requerente defende e, de certo modo, acabou por criar uma noção própria de suicídio
assistido. Posto isto, o DPP ao negar o seu pedido de não condenação caso o seu esposo a
ajudasse estava a interferir com o seu direito, não tendo em atenção o seu caso, em
particular.
Questão para discussão: Que critérios utilizou o TEDH para considerar que, no caso em
apreço, a interferência com a liberdade de expressão, protegida pelo artigo 10.º CEDH, era
legítima?
Resposta: Antes demais importa mencionar que para o TEDH (Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos) o direito á liberdade de expressão é uma das bases de uma sociedade
democrática. Contudo o artigo 10.º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do
Homem) reconhece que o exercício desta liberdade implica deveres e responsabilidades,
podendo sofrer interferências.
A condenação do requerente claramente constituí uma interferência á sua liberdade de
expressão, pelo que é imperativo o TEDH determinar se esta é conforme á lei, se é
adequada e proporcional ás circunstâncias do caso, se tem como objetivo prosseguir
um fim legítimo (de acordo com artigo 10 nº2 CEDH), e se numa sociedade
democrática é necessária para alcançar esse mesmo fim.
Ainda que de forma breve, importa perceber a natureza do comentário feito pelo
requerente, sobretudo, se este comentário pode ser classificado como discurso de ódio
(“hate speech”).
O artigo 233 (a) do GPC, isto é, o artigo que o requerente é acusado de violar, claramente
diz que quem gozar, difamar ou ameaçar uma pessoa ou grupo de pessoas através de
comentários ou expressões de qualquer outra natureza por causa da sua orientação sexual
deverá ser condenado a pagar uma multa ou a uma pena de prisão até 2 anos.
O artigo não falar diretamente em discurso de ódio, contudo tendo em consideração os
instrumentos legais internacionais em que se inspirou (como a Convenção Internacional sobre
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial das Nações Unidas), e que este artigo foi
introduzido com o intuito de proteger a orientação sexual e a identidade de género, é
evidente que a conduta descrita pode ser considerada sinónimo de discurso de ódio.
Segundo a jurisprudência do tribunal podemos distinguir duas categorias de discurso de
ódio.
1. A primeira categoria de discurso de ódio é a mais grave, sendo que nestes casos o
TEDH considerou que o artigo 17.º da CEDH (abuso de direito) era de aplicar,
consequentemente está completamente excluída do campo de proteção do artigo
10º.
Assim como o Supremo Tribunal, o TEDH entende que o comentário do requerente cai
na segunda categoria, pois promove intolerância e ódio a pessoas homossexuais.
No entender do TEDH o critério da previsão legal implica que a interferência tenha base
legal na legislação doméstica (nacional), mas também que a lei em questão seja acessível e
que os seus efeitos sejam previsíveis.
O TEDH concorda com a aferição do Supremo Tribunal, de que o artigo 233 (a) do GPC
está escrito de forma clara o suficiente de modo a tornar a sua aplicação previsível no caso
concreto. Por isso mesmo concluiu que a interferência á liberdade de expressão do
requerente preenche o critério da previsão legal.
O artigo 233 (a) do GPC visa proteger o direito da reserva da vida privada e o direito de
desfrutar de forma plena dos direitos humanos, assim como pretende salvaguardar direitos
de grupos sociais que foram vítimas de discriminação. Entende então o TEDH que a
interferência cumpre o critério do fim legítimo previsto no artigo 10 nº2 da CEDH.
Artigo 10.º nº2 CEDH: O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades,
pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam
providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial
ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a
proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou
para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
O TEDH reconhece que o Supremo tribunal ponderou bastante acerca dos interesses e
direitos em conflito (por um lado a liberdade de expressão do requerente, e por outro
direito á reserva da vida privada das pessoas homossexuais e direito á não discriminação em
função da identidade sexual).
O Supremo Tribunal considerou que a proteger grupos sociais contra ataques aos seus
direitos humanos era compatível com a tradição democrática da Islândia. Argumentou
ainda que o comentário era pouco ou nada relevante para criticar a decisão do Conselho
Municipal e que o seu conteúdo ofensivo era desnecessário para a participação do
requerente na discussão.
Note-se que o TEDH defende que a intolerância e preconceito visíveis no comentário não
parecem ter sido provocadas pela decisão do Conselho Municipal, isto é, pelo tópico da
discussão. Acrescentou que, no caso concreto, os interesses da vida privada em questão
eram manifestamente superiores á liberdade de expressão do requerente,
consequentemente, no quadro de uma sociedade democrática, a interferência á sua
liberdade era justificada e necessária para a combater a discriminação e ódio que o
comentário promovia.
O TEDH reforça que a discriminação com base na orientação sexual é tão grave como
discriminação com base na raça, nacionalidade e cor de pele. A verdade é que o requerente
não foi condenado a pena de prisão, embora o crime que cometeu preveja essa
possibilidade. Considero, assim como o TEDH, que a intromissão na liberdade do Sr.
Lilliendhal é adequada e proporcional á sua conduta.
Resposta: Neste acórdão entra-se numa questão que tem vindo a ganhar cada vez mais
relevância, que é a proteção do bem-estar animal (que se trata de um princípio comunitário
consagrado no artigo 13º do TFUE, anteriormente protocolo nº 33, anexo ao Tratado que
institui a Comunidade Europeia e, indiretamente, no artigo 66º nº2 da CRP), sendo que
este acórdão se foca no momento do abate. Segundo o disposto no artigo 4º nº1 do
Regulamento (CE) número 1099/2009 do Conselho, relativo à proteção dos animais no
momento da occisão, um animal só pode ser abatido após atordoamento, sendo esta uma
forma de minimizar ao máximo o seu sofrimento.
A situação de conflito neste acórdão surge com base nas disposições de um decreto belga,
também sobre matéria de proteção dos animais e métodos de abate, que proíbe
expressamente o abate de animais sem atordoamento prévio. Isto entra em conflito com
certos rituais judaicos e muçulmanos tradicionais, que exigem que o animal esteja em
perfeita condição física no momento do abate. Isto levou a que considerassem esta norma
uma violação não só da arte liberdade religiosa, que é um direito consagrado no artigo 10º
da CDF e no artigo 41 nº1 da CRP, mas também do direito à igualdade e da não
discriminação (respetivamente artigo 20º e 21º CDF e 13º CRP).
Para resolver este tipo de situações em que estão em conflito direitos fundamentais e
princípios consagrados nos tratados da UE, é imperativo ter em conta o princípio da
proporcionalidade, porque só com ele será possível conciliar as exigências de cada um dos
lados e alcançar equilíbrio. Tamanha é a importância do princípio da proporcionalidade,
que este é tido em conta na própria elaboração de Tratados e regulamentos. Exemplo disso
é o próprio Regulamento 1099/2009 já referido. Este, no seu artigo 4º nº4 refere que os
requisitos previstos no seu n1 não se aplicam a animais que são objeto de métodos
especiais de abate requeridos por determinados ritos religiosos, desde que o abate seja
efetuado num matadouro”. Assim, vemos que a norma já respeitava os crentes islâmicos e
judaicos, tanto que lhes concedia esta exceção para que pudessem continuar a praticar a sua
religião.
Apesar disto, o que consta é que estas normas nem sempre são seguidas conforme o
planeado, chegando a ser interpretadas num sentido em que não se oponham a certas
regulamentações impostas por um Estado Membro. Novamente, o próprio Regulamento
1099/2009) salienta a necessidade de respeitar as disposições legislativas e administrativas e
os costumes dos Estados‑Membros, nomeadamente no que toca aos rituais religiosos ou
tradições culturais na hora de aplicar as políticas da União. No seu artigo 26º nº2 refere
mesmo que “os Estados Membros podem adotar disposições nacionais destinadas a
garantir uma proteção mais ampla dos animais no momento da occisão do que as previstas
no regulamento, nomeadamente no domínio do abate e operações previstas no artigo 4
nº4”.
Permite-se assim uma margem de apreciação estadual, que é assegurada pelo princípio da
subsidiariedade, sobre o qual não se pode deixar de falar, sendo que está previsto no art5
do TUE juntamente com princípio da proporcionalidade. Como já se sabe, este princípio
existe de modo a garantir que a intervenção da UE nas competências que partilha com os
Estados membros seja feita de forma pertinente, concedendo aos Estados a liberdade de
aplicar normas da união europeia da forma que lhes seja mais eficiente, porque todos os
Estados são diferentes. Cada estado é diferente nas suas tradições, no povo que o constitui,
nas comunidades religiosas dentro de cada Estado, até nas formas de pensar e é
precisamente isso que se deve ter em conta ao apreciar um caso destes. Convém esclarecer
que esta subsidiariedade não pode ser desmesurada e deve ter sempre em vista a
salvaguarda ao máximo dos direitos fundamentais e princípios da União, especialmente
quando se trata de casos de conflito.
Por exemplo, em prol da salvaguarda do bem-estar animal, é possível limitar o exercício do
direito à liberdade de manifestação da religião, segundo o artigo 52º nº1 da CDF, na
medida em que seja necessário de modo a atingir objetivos de interesse geral. (neste caso o
bem-estar animal). Por outro lado, todas e quaisquer restrições impostas não devem
ultrapassar os limites do que é de facto necessário para garantir os objetivos pretendidos,
sendo que perante várias medidas possíveis se deve escolher a menos restritiva, que cause o
mínimo de inconveniência. Assim, o Tribunal entende que se uma regulamentação nacional
impõe a obrigação de atordoamento prévio do animal no abate ritual, mas ao mesmo
tempo prescreve que esse atordoamento seja reversível e não provoque a morte do animal
(através de processos como a eletronarcose), respeita o conteúdo essencial do artigo 10.° da
Carta e os requisitos previstos no artigo 52.°, números 1 e 3, da Carta, lidos em conjugação
com o artigo 13.° TFUE, atingindo deste modo uma conciliação entre as partes em
conflito.
O tribunal acredita que esta argumentação não procede. Defende que a tese da recorrente
assenta na restrição de um direito cuja verificação não se confirma.
3. EM QUE CONSISTE O DIREITO DOS PAIS:
O direito de os pais educarem os seus filhos é expressamente reconhecido na Constituição,
no artigo 36º, nº5: «
Contudo, este não consiste verdadeiramente um direito individual. Trata-se de um “poder-
dever”, poderes atribuídos aos pais para serem exercidos de acordo com os interesses dos
filhos, no decorrer das suas relações familiares.
Como é salientado por Vieira de Andrade,
NÃO EXISTIU RESTRIÇÃO NO
ENTENDER DO TRIBUNAL.
Para que se verificasse uma restrição relevante daquele direito, a norma teria de afetar os
interesses do menor, a compressão do poder de educar dos pais não é suficiente.
Infelizmente,
nem sempre estão alinhados.
É de salientar que a norma em questão não desvirtua o primado dos pais na manutenção e
educação dos filhos, nem a prevalência da família na orientação do seu desenvolvimento.
4. O ESTADO INTERVÉM APENAS QUANDO HÁ SÉRIO RISCO DE OS
INTERESSES DA CRIANÇA NÃO ESTAREM DEVIDAMENTE
ACAUTELADOS
Contudo, esta conclusão não postula uma ausência de controlo de constitucionalidade da
opção legislativa em causa.
Com efeito, como foi afirmado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 187/2001, do
Plenário, ponto 15, se, no que diz respeito «às restrições a direitos, liberdades e garantias,
Para o tribunal, foi cumprido pelo legislador esse cuidado, relativamente á norma em
questão, quando prevê que a participação do menor está sujeita a autorização da CPCJ,
como prevê, aliás, a Diretiva n.º 94/33/CE.
Resposta: O caso teve início com as queixas nº4762/18 (a 5 de janeiro de 2018) e 6140/18
(8 de janeiro de 2018) contra a Grécia, apresentadas ao TEDH.
Os requerentes são 5 cidadãos gregos- os 2 primeiros querentes na 1ª queixa são os pais do
3º requerente, um estudante. Na 2ª queixa a 1ª requerente é a mãe do segundo requerente,
outro estudante.
Os pais alegaram que o curso de educação religiosa dos seus filhos era de natureza
confessional e favorecia a religião predominante, que era o cristianismo ortodoxo neste
caso. Havia uma opção através da qual os seus filhos ficariam dispensados de frequentar
estas aulas, o sistema de isenção, em vigor através da circular de 23 de janeiro de 2015, mas
os requerentes afirmavam que violava vários dos seus diretos, nomeadamente o direito ao
respeito pela vida privada e familiar, do artigo 8, e a liberdade religiosa do art.9. Isto
poderia levar a uma situação de estigmatização por se identificarem de forma diferente da
maioria. Segundo este sistema quem pretendia obter isenção do curso era obrigado a
apresentar uma declaração solene por escrito que indicasse o facto de que o aluno não é um
cristão ortodoxo. Esta declaração tinha de ser assinada pelo professor de educação
religiosa, e ainda verificada pelo diretor da escola de forma a assegurar que correspondia à
verdade, estando assim o estudante e os seus pais a expor informação privada e sensível. O
diretor tinha também de advertir os pais da seriedade da declaração solene, pois, de acordo
com a legislação grega “se declarassem conscientemente factos falsos podiam ser punidos
com pena de prisão, de pelo menos, três meses”.
Os requerentes alegaram violação do artigo 8 (Direito ao respeito pela vida privada e
familiar), artigo 9 (Liberdade de pensamento, de consciência e de religião) e 14 (Proibição
de discriminação) e do artigo 2 do protocolo nº1 (Direito à instrução) da CEDH.
O tribunal optou por analisar as queixas com base no artigo 2 do protocolo nº1 da
convenção, mas ainda tendo em mente outros artigos, principalmente o artigo 9 da
convenção, que garante a liberdade de pensamento, consciência e religião.
O tribunal afirmou que os órgãos da convenção não consideram uma educação que
contenha informação religiosa como sendo contrária à convenção, mas ainda assim
verificam se os estudantes foram expostos a doutrinação religiosa, a qual é proibida.
De acordo com o artigo 2º todos têm direito à educação, mas o tribunal frisa a segunda
frase deste artigo que nos diz que os pais podem exigir ao Estado que, no âmbito da
educação, respeite as suas convicções religiosas e filosóficas. Por outras palavras, o Estado
está proibido de doutrinar de forma que não respeite as convicções dos pais.
Ainda assim, o estado tem uma grande margem de decisão quanto às medidas a ser
tomadas quanto ao seu sistema educativo, desde que respeite este artigo 2. A segunda frase
do art.2, como afirma o tribunal, assegura a possibilidade de uma educação pluralista, ou
seja, o Estado deve assegurar que a informação é transmitida de forma objetiva, crítica e
pluralista. No entanto, isto não pode ser interpretado no sentido de os pais poderem pedir
uma forma particular de ensino para os seus filhos.
Através destes argumentos/aspetos vemos que o tribunal não proíbe de modo algum o
ensino religioso, mas reitera que o estado tem de o fazer de um modo inclusivo e objetivo.
O tribunal vem dizer que o principal problema neste caso é a obrigação imposta aos pais de
submeter uma declaração solene onde declarem que os seus filhos não são cristãos
ortodoxos. Posto isto, o tribunal aponta que quando um Estado inclui educação religiosa
no currículo, é preciso que evite colocar os estudantes numa posição de conflito, onde têm
de escolher entre a educação religiosa dada pela escola, ou as convicções religiosas dos seus
pais.
Quanto ao sistema de isenção, segundo o tribunal o que importa é, respeitando o art.2º,
averiguar se as condições impostas pelo sistema de isenção colocam um fardo indevido
sobre os pais.
O tribunal declarou que sim, este sistema da circular de 23 de janeiro de 2015 coloca um
fardo indevido sobre os pais, uma vez que os coloca em risco de exporem informação
sensível da sua vida privada, dado que a religião é uma questão de consciência individual.
Para além disso, tal como os requerentes argumentaram, havia um risco de estigmatização
elevado nas ilhas onde viviam, por serem pequenas e com uma população maioritariamente
ortodoxa.
De acordo com o tribunal a liberdade religiosa do art.9º contém uma vertente negativa que
é o direito individual de não manifestar as suas crenças. Deste modo, o tribunal conclui que
as autoridades estatais não tinham o direito de intervir na esfera de consciência individual e
averiguar as crenças dos indivíduos ou obrigá-los a revelar as suas convicções.
Concluindo, o tribunal entende o ensino religioso como uma possibilidade se o Estado
assim o entender, e nos moldes que este entender, desde que não entre em conflito com as
crenças dos estudantes e dos seus pais, e dando-lhes sempre um regime através do qual
podem optar por isentar-se da frequência dessas aulas, isto à luz da segunda frase do artigo
2º do protocolo nº1, lido em concordância com o artigo 9º.
Resposta: O TEDH declarou que houve uma violação dos direitos da requerente, no
âmbito do artigo 14º da CEDH e do artigo 2º do Protocolo nº13.
Por um lado, há uma violação do direito à instrução consagrado no artigo 2º do Protocolo
nº1. Reconhecendo a centralidade deste direito, o Tribunal declara que privar a sua fruição
a uma cidadã é incompatível com a Convenção.
O TEDH afirmou claramente que o objeto do artigo 2º do Protocolo nº1 deve ter em
consideração todas as regras e princípios devidamente estabelecidos no seio da CEDH,
devendo ser interpretado no sentido de a harmonizar com outras normas de Direito
Internacional em vigor para o Estado Parte, nomeadamente a Carta Social Europeia e a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) - dois textos que
realçam a importância de uma educação inclusiva. A CDPD deve ser considerada para a
interpretação em evolução do objeto deste direito à instrução, salientando que o objeto e
fim da CEDH, enquanto instrumento de proteção dos seres humanos, exige que as suas
disposições sejam interpretadas e aplicadas de uma forma que as torne práticas e efetivas.
O foco do acórdão reside, sobretudo, na violação ao artigo 14º e no conceito de
discriminação. À dimensão tradicional da discriminação – abstenção estatal de violar os
direitos consagrados na Convenção – o Tribunal vem acrescentar uma nova dimensão, a
dimensão “positiva” -adoção de medidas efetivas por parte do Estado para promover o
gozo dos direitos. Então, se por um lado, discriminação significa que o tratamento
diferenciado de pessoas em situações análogas só é justificado se prosseguir um objetivo
legítimo e mediante uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados e o
objetivo pretendido; por outro lado, o Tribunal não nega a necessidade de ingerência
estatal, com vista a colmatar as desigualdades fácticas. É nesta visão de Estado Social que
reside o cerne da questão.
Nesta linha de raciocínio, o TEDH vem dizer que é importante interpretar o artigo 14º da
CEDH à luz da CDPD, concluindo que a falta de adaptações razoáveis consubstancia uma
forma de discriminação. Assim, se as adaptações razoáveis constituem numa espécie de
ajuste com vista a colmatar as desigualdades existentes, a negação de adaptações razoáveis
por parte do Estado implica a perpetuação de uma situação de desigualdade, pelo que viola
substancialmente o princípio da não-discriminação do artigo 14º da CEDH.
Em momento algum, terão as autoridades nacionais tentado identificar as específicas
necessidades da requerente, nem clarificar de que forma a sua deficiência prejudicou o seu
acesso a uma educação musical. Tampouco terão considerado a hipótese de adaptações
razoáveis com vista a atender às suas necessidades educacionais especiais.
Para o TEDH, cada indivíduo, com ou sem deficiência, tem as suas próprias necessidades
de aprendizagem, pelo que cabe a cada Estado Parte dar resposta e satisfazer as
necessidades das pessoas com deficiência. Enfim, sob uma perspetiva de não discriminação
e tendo em conta a particular vulnerabilidade das pessoas com deficiência, o Estado Parte
não pode ignorar as suas necessidades, persistindo em situações de falta de adaptação
razoável.
A importante ligação à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:
Neste Acórdão, o Tribunal vem estabelecer uma (importante) “ponte” entre a CEDH e a
CDPD, no sentido de que as normas da CEDH devem ser interpretadas à luz da CDPD.
• Adaptação razoável:
O dever de promover adaptações razoáveis resulta conjugadamente dos artigos 2º e 5º da
CDPD:
Por “adaptação razoável” entende-se “a modificação e ajustes necessários e apropriados
que não imponham uma carga desproporcionada ou indevida, sempre que necessário num
determinado caso, para garantir que as pessoas com incapacidades gozam ou exercem, em
condições de igualdade com as demais, de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais”. A negação de adaptações razoáveis constitui discriminação com base na
deficiência (artigo 2º). Nos termos do nº3 do artigo 5º, os Estados Partes obrigam-se a
tomar “todas as medidas apropriadas para garantir a disponibilização de adaptações
razoáveis”.
De acordo com o Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CoDPD), este
entendimento de adaptações razoáveis implica um juízo de conformidade à luz do princípio
da proporcionalidade e convoca uma interpretação constitucionalmente adequada para a
promoção de medidas possíveis e eficazes para efeitos de eliminação de obstáculos à
inclusão das pessoas com deficiência, devendo assegurar-se que a razoabilidade e
proporcionalidade das medidas adotadas é feita de uma forma completa e objetiva,
avaliando-se todos os elementos pertinentes, antes de se concluir se as respetivas medidas
constituem ou não uma carga desproporcionada ou indevida para o Estado.
O dever de adaptação cessa se representar uma carga ou impacto excessivo para quem a
realiza, sendo para este efeito relevantes, não apenas custos financeiros, mas também os
recursos disponíveis e a dimensão e características da entidade prima facie obrigada à
acomodação.
• Violação do princípio da dignidade da pessoa humana:
Mencione-se, por fim, ainda que brevemente, a violação do princípio da dignidade da
pessoa humana da requerente, na medida em que “a discriminação contra qualquer pessoa
com base na deficiência é uma violação da dignidade e valor inerente à pessoa humana”,
conforme afirma a CDPD, logo no seu Preâmbulo [alínea h) do Preâmbulo].
Por isso, e conforme esclarece o Dr. Filipe Venade: “[...] a dignidade da pessoa humana
inerente às pessoas com deficiência encontra-se frequentemente ao longo do texto
convencional, logo, por isso, é um dos valores estruturantes do Direito da Convenção [...],
porquanto é tratada como valor transversalmente axiológico e, por isso, este valor da
dignidade está juridicamente primordial, e multifuncionalmente complementar aos demais
valores fundamentais do Direito da Convenção.” Nesta medida, ao denegarmos o gozo do
direito à educação da requerente de modo discriminatório, estaremos, de certa forma, a
violar a sua dignidade.
A igualdade e dignidade da pessoa humana estão intimamente relacionadas, pelo que
qualquer forma de discriminação acaba por, direta ou indiretamente, atentar contra a
dignidade da pessoa humana. Escreve o Dr. Jorge Reis Novais, a este propósito: “é porque
todos têm igual dignidade que devem ser tratados como iguais”. Desta forma, a igualdade
humana e a dignidade inerente complementam-se mutuamente na materialização e
concretização da existência condigna enquanto ser humano na sociedade onde se insere e
se participe plenamente. Ainda a este propósito, o Dr. Filipe Venade diz que “a dignidade
de toda e qualquer pessoa é condicionante das atuações dos Estados Partes; ou melhor, o
respeito pela dignidade inerente é absoluto, não se sujeitando a critérios discricionários dos
Estados Partes que pretendem, eventualmente, excecionar, em razão da deficiência, a lesão
da dignidade [...]”.
Em jeito de conclusão, numa palavra, impende sobre os Estados, não apenas a dimensão
negativa da não discriminação, mas também, e, sobretudo, uma dimensão positiva, que
passa, não só, mas também, pela adoção de adaptações razoáveis, tendo em vista a
promoção do acesso às pessoas com deficiência a uma sociedade inclusiva e a obtenção de
uma situação de igualdade de facto. Os cidadãos portadores de deficiência consubstanciam
um grupo vulnerável, o que se traduz numa situação de desvantagem em relação a quem
não faz parte desse grupo. Este tratamento diferenciado de que estas pessoas têm sido
vítimas ao longo dos anos é contrário à sua própria dignidade. Neste sentido, urge aos
Estados envidar esforços acrescidos, no sentido de promover a inclusão e o pleno
reconhecimento dos seus direitos fundamentais: é o chamado dever de cuidado cometido
ao Estado, vigente no paradigma social e solidário do regime constitucional de direitos
fundamentais hodierno.
Como diz a Dra. Luísa Neto, “o que se vislumbra como essencial é que se evite a
segregação, filosofia que se põe em prática mediante a provisão de uma variedade de
alternativas que torna necessário diferenciar e diversificar a intervenção, dinamizando e
adequando métodos, estratégias e atividades de aprendizagem, recursos humanos e
materiais e espaços de realização especial – e o direito a participar na sociedade num
ambiente integrado, bem como mais valias para as pessoas que não têm deficiência,
experienciando a sensibilidade para as diferenças individuais que faz parte do (aprender a)
ser pessoa.” Deste modo, é do interesse de todos nós que todas as pessoas possam
participar ativamente na sociedade, numa partilha de realidades, conhecimentos e
experiências, que nada representam se não uma oportunidade enriquecedora para todo e
cada um de nós.
Resposta: Como sabem, este é um caso sobre uma jovem, Çam, a quem foi recusada a
possibilidade de estudar música apenas por causa de uma condição: a sua cegueira.
ARTIGO 14.º
Primeiramente, importa explicar que a argumentação do TEDH se baseia no artigo 14.º da
CEDH e no artigo 2.º do Protocolo adicional n.º 1 à Convenção. No artigo 14.º vemos
consagrada a proibição da discriminação. Ora, constitui uma prática de discriminação o
tratamento diferenciado, sem justificação, de duas situações análogas, bem como o
tratamento diferenciado baseado num certa característica de determinado grupo ou
indivíduo. Para além da clara importância do artigo 14.º, ele releva também por causa da
interpretação inovadora das suas variadas dimensões. Ou seja, para além de o Tribunal
afirmar que existe uma proibição da discriminação tal como vem consagrada na letra da lei,
ele, pela primeira vez, associa ao artigo 14.º a necessidade de criação de medidas positivas
que garantam às pessoas portadoras de deficiência acessos condignos e não
discriminatórios. O Tribunal declara, então, de forma inovadora, que a negação de
acomodações razoáveis é uma forma de discriminação que viola o artigo 14.º da
Convenção. Como afirma Damamme (autor do artigo referente ao caso do Starsbourg
Observers) «o TEDH examina o caso sob uma dimensão ‘positiva’ do princípio da não
discriminação».
Por palavas simples, as acomodações razoáveis são mecanismos que ajudam a corrigir as
desigualdades factuais que são injustificadas e que constituem, portanto, formas de
discriminação. Estas estão imperativamente submetidas às exigências da proporcionalidade
e são não só um dever do Estado como também um direito das pessoas com deficiência.
No entanto, o tribunal entendeu que, em momento algum, as autoridades nacionais turcas
encararam o provimento de acomodações razoáveis como uma obrigação, quando, de
facto, o era. É verdade que Çam nunca apresentou nenhum pedido de acomodações
razoáveis, mas isto não importa, pois, a discriminação com base na deficiência não
acontece apenas com a negação de acomodações razoáveis, mas sim também com a falta
das mesmas.
O Tribunal afirma ainda que as regras da CEDH relativas à proibição da discriminação
devem ser conformes às normas internacionais, nomeadamente à CDPD. Neste sentido,
foi relevante para a fundamentação do Tribunal o n.º 3 do artigo 5.º da presente
Convenção, que passarei agora citar: de modo a promover a igualdade e eliminar a
discriminação, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para garantir a
disponibilização de adaptações razoáveis. Isto não aconteceu, tendo havido então uma
violação do dever de acomodação, o que constituiu uma forma de discriminação. Çam foi
discriminada unicamente por ser cega.
ARTIGO 2.º
Acrescento ainda que o artigo 2.º do Protocolo adicional que consagra o direito à instrução
também é relevante na fundamentação do Tribunal.
A verdade é que os termos do artigo 2.º são indissociáveis do dever do Estado de
concretização de determinadas obrigações positivas, sendo isto relevante no caso de Çam.
Como afirma Miguel Assis Raimundo, «se o direito à educação consagrado no artigo 2.º do
Protocolo n.º 1 não exigisse do Estado qualquer medida positiva, isso torná-lo-ia, em
muitos casos, simplesmente inexequível e inoperante». Ora, ainda que estas obrigações não
aparentem estar logo relacionadas com deveres de acomodação, basta que se faça uma
ponte com o artigo 24.º, n.º 2 da CDPD para que se entenda que, no caso das pessoas com
2 deficiência, o Estado tem a obrigação positiva de proporcionar um acesso à educação
justo, igualitário e sem discriminação, o que não se verificou.
CONCLUSÃO:
Por fim, após ter exposto brevemente a fundamentação do Tribunal, termino relembrando
as palavras de Saramago: «Se podes olhar, vê̂. Se podes ver, repara.». Já que Çam,
infelizmente, não consegue ver, ainda bem que o TEDH pode não só ver por ela, como
também reparar nela, tal como é justo e merecido.
Notas adicionais:
➔ Não se poderá deixar de mencionar a importância do artigo 2.º do Protocolo
adicional n.º 1 à CEDH, pois Çam viu, efetivamente, o seu direito à instrução a ser-
lhe negado. Realça-se que, quando falamos deste direito à instrução, não estamos
apenas a pensar na dimensão formal de alguém se poder, por exemplo, candidatar a
uma determinada escola, pois está também consagrada no presente artigo uma
dimensão material da garantida das condições efetivas para que se possa frequentar
essa mesma escola. Ora, no caso de Çam, será de questionar a existência desta
dimensão material, visto que não foram criadas condições efetivas (acomodações
razoáveis) para que a mesma pudesse frequentar a Academia.
➔ Como já é sabido, o Tribunal sublinha, então, a importância da existência de
acomodações razoáveis, de modo a garantir a igualdade no acesso à educação a
cidadãos portadores de deficiência. Para tal, fundamenta que devem ser tidas em
conta as inovações dos instrumentos jurídicos internacionais e europeus, tais como
o artigo 15.º da Carta Social Europeia e os artigos 2.º e 24.º da CDPD. O TEDH
reconhece ainda que as acomodações razoáveis podem assumir variadas formas:
físicas, não físicas, educacionais, organizações, arquitetónicas, escolares, adaptações
curriculares, entre outras. No entanto, fundamenta, por fim, que não cabe ao
Tribunal definir os recursos para a implementação das mesmas acomodações, mas
sim às autoridades nacionais.
➔ É ainda importante perceber que o dever de acomodação razoável está
imperativamente submetido às exigências da proporcionalidade. Como afirma a
Professora Anabela, «não se trata de apenas garantir que as leis e as políticas
estaduais não estabelecem discriminações para as pessoas com deficiência, mas de
adotar medidas destinadas a garantir a igualdade de oportunidades no acesso às
proteções e benefícios existentes, através da concretização da acessibilidade ou de
acomodações razoáveis». As acomodações razoáveis são um dever do Estado e, por
outro lado, um direito dos cidadãos portadores de deficiência. O Tribunal entendeu
que, em momento algum, as autoridades nacionais turcas encararam o provimento
de uma acomodação razoável às necessidades escolares de Çam como uma
obrigação, quando, de facto, o era. A adaptação das secções e cursos escolares à
condição da jovem nunca foi feita, nunca tenso sido a mesma sequer discutida pelas
autoridades nacionais. Não havia nenhuma dificuldade materialmente insuperável
que não pudesse ser suportada pelas mesmas, sendo que seria então exigida à
Academia de Música uma atitude positiva para a realização das adaptações
necessárias, o que não se verificou.