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EDITORIALE SCIENTIFICA
Napoli
IFiíWIAE teoria
gemido direho
L-BIBLIOTECA
II volume c stafo sot topos to alia proccdura Double fíltnd Peer Revtew c puhhlicalo ancho grazie
contributo delia Seuola di Giurisprudenza dcll ldniversilà dcglt Studi dt Camerino.
ISBN 978-88-9391-982-1
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O PAPEL DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO
DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL:
REFLEXÕES DE UMA CIVILISTA
dos deveres sobre os direitos e que não existem direitos sem deveres correspon.
dentes ao afirmar que «Um direito não é efetivo em si, mas apenas através do
dever a que corresponde; a realização real de um direito não vem daqueles que o
possuem, mas de outros homens que se reconhecem, em relação a ele, obrigados
a fazer alguma coisa»'1. Para a autora, «o dever, mesmo que não fosse reconheci
do por ninguém, não perderia nada da plenitude de seu ser» enquanto «um di
reito que não é reconhecido por ninguém não vale muito.». Nesse sentido, «um
homem que estivesse sozinho no universo não teria direito, mas teria deveres».
A validade dessa assertiva encontra uma correspondência no brocardo ubi
societas ibi ius. O que não deixa de ser verdade. Basta pensar em Robison Cru-
soe, que direitos ele poderia pleitear durante o periodo de isolamento na ilha?
Nenhum, mas isso não obstante, tinha deveres, em relação a ele mesmo ou de
preservação do meio ambiente, por exemplo, para poder sobreviver.
Como já observara Gustav Radbruch, «a necessidade do Direito só se ma
nifesta quando a pessoa vive em grupo», de fato, «somente quando Eva se uniu
a Adão, Robinson a Sexta-Feira, começou a ter validade para eles, ao lado da
moral, o Direito» porque o Direito pressupõe sempre a presença do outro,
sendo um regulador da vida social45. Com efeito, pleiteamos direitos quando se
rompe o equilíbrio entre direitos e deveres porque o outro descumpriu o seu
dever legal ou contratual em relação à nós.
Poder-se-ia dizer, então, que mais do que direitos, temos direito à tutela
e à proteção? Norberto Bobbio já afirmava que o problema não consistia em
pleitear mais direitos, mas sim, garantir a concretização daqueles já existentes6;
que a era dos direitos tenha se tornado saturada é confirmada pelo desejo não
realizado de Bobbio de abordar e aprofundar o discurso sobre deveres com um
volume sobre «A era dos deveres»7.
E comum afirmar que são muitos os direitos ou são muitos os deveres,
4 S. Weil, La prima radice. Preludio ad una dichiarazione dei doveri verso 1’essere umano,
trad. di E Fortini, SE, 1990.
’ G. Radbruch, introduzione alia scienza dei diritto a cura de Dino Pasini, Giappichelli,
1961, p. 85.
6 O próprio Bobbio, na sua «Autobiografia», proferiu palavras duras sobre as inúmeras
proclamações de direitos, em particular de «direitos humanos», rotuladas como «uma invenção
que permanece mais anunciada do que realizada», dada a violação sistemática desses direitos em
quase todos os países do mundo «nas relações entre poderosos e fracos, entre ricos e pobres,
entre quem sabe e quem não sabe». Sobre esse ponto cf. S. RoixtrÀ, Perche i diritti non sono un
lusso in tempo di crist, em www.repubblica.it, para quem «o problema concreto não é o excesso
de direitos, mas sua negação cotidiana determinada pelas desigualdades, pobreza, discrimina
ção, a rejeição do outro que, negando a dignidade da pessoa, contradiz aquela “política da
humanidade” ligada ã questão dos direitos».
7 N. Bobbio e M. Vjkoli, Dialogo intorno alia repubblica, Laterza, 2001, p. 40.
16 De CtCCO - O PAPEL DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO DA LEGALIDADE CONSTTTUCIONAl
12 Para uma abordagem que busca superar o senso comum da economia tradicional tran
sitando para a alocação de recursos mais eficientes, v., infra, C.E. Gentilucci, Os deveres do
mercado: a economia como um livro-de-artista.
15 V., em relação ao sistema jurídico brasileiro, infra, A. Hirata, Constituição brasileira de
1988: muitos direitos e poucos deveres?-, M. Caggiano, A Constituição Econômica na Constituição
brasileira de 5 de outubro de 1988.
14 V,, amplius, P. Perungieri, Mercato, solidarietà e diritti umani, in Rass. dir. civ., 1995, p.
84 ss.
15 Cf N. Lipakj, Riflessioni di um giurista sul rapporto tra mercato e solidarietà, in Rass. dir.
civ., 1995, p. 32, para quem, no pressuposto que «o homem nunca pode ser meio, mas o fim de
cada atividade ou disciplina», a característica essencial da dimensão jurídica do mercado é dada
pelos seus limites, de modo que «política e economia se justificam somente enquanto estão ao
serviço do homem e não vice-versa».
20 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES na construção DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL
ética penetra cada vez mais nas relações econômicas16 e muda gradativamente
a percepção do papel da empresa na sociedade contemporânea, além de di
recionar sua ação. Nessa perspectiva, a crescente atenção das novas gerações
ao impacto social17 e ambiental das empresas, certamente, tem um peso. Uma
sensibilidade que leva as empresas a trabalhar mais com a reputação como uma
chave para investir no futuro.
Um recente resultado importante da conscientização dos deveres antes
mesmo dos direitos por parte das empresas18 pode-se ver no documento fir
mado por duzentas das maiores empresas americanas, que participam do Dhe
Business Roundtable em que negam o mantra «antes de tudo os acionistas»
que há anos orienta as políticas corporativas. Para criar valor, afirmam agora,
devem também voltar o olhar ao impacto ecológico, ao respeito pelos clientes
e às condições dignitosas oferecidas aos empregados.
No mesmo sentido, insere-se a posição assumida recentemente pela Coca
Cola e outros colossos, que unindo-se ao boicote promovido pela campanha
Stop Hate for Profit contra os social media acusados de não adotarem provi
dências suficientes para combater a presença de conteúdos de ódio e raciais
nas suas plataformas, declararam a intenção de suspender por um período a
própria publicidade nessas plataformas.
Essa tomada de decisão, na realidade, responde à conscientização por par
te das grandes empresas da importância da reputação para fins do faturado,
principalmente na atual era dos social, quando, se por um lado, uma boa práti-
ca pode sc tomar vit al, aumentando a visibilidade da empresa, por outro lado
basta um passo em falso para comprometer sua fama, por vezes, irremediavel
mente. É lógico, portanto, que mesmo com esse comportamento mais respon
sável as empresas continuam garantindo e perseguindo o próprio lucro, mas o
importante é que esse objetivo passaria a ser alcançado não mais e somente ã
custa dos stakeholders.
32 Cí. D. de A. Dallari, Elementos da Teoria Geral do Estado, 25. ed. Saraiva, 2005, p. 309,
para quem a ideia de democracia requer a superação de uma concepção mecânica e estratificada
de igualdade que hoje deve ser vista como um direito convertido em possibilidade.
33 Responsabilidade coletiva que, respeitando o princípio soberano da solidariedade, im
poria uma conduta mais virtuosa a quem está concretamente apto a cumprir eficazmente as
medidas de contenção do vírus em relação a quem, infelizmente, não pode manter o isolamento
ou distanciamento social ou respeitar regras de higiene. Basta pensar nas pessoas que vivem
nas ruas, nas favelas ou mesmo nos bairros periféricos das grandes cidades, que nem sempre
dispõem de água, esgoto ou leitos em número adequado.
34 Assim, C. Bartolomé Ruiz, Covid-19 e as falácias do homo economicus, in https://leo-
nardoboff.org/2020/04/20/covid-19-e-as-falacias-do-homo-economicuscastor-bartolome-ruiz/ ,
secondo cui «A máxima da pandemia cuide de si para melhor cuidar dos outros é a inversão
do dogma do homo economicus'. cuide de si aproveitando-se dos outros. Na pandemia ninguém
pode pensar em tirar vantagem própria só cuidando de si, pois cada um de nós depende muito
do comportamento dos outros. A pandemia evidenciou o princípio da responsabilidade coleti
va que todos temos em relação aos demais».
35 V., sobre esse ponto, G. Bascherini, La doverosa solidarietà, p. 246 ss, para quem a rela
ção entre liberdade e responsabilidade, ainda que não explicitamente declarada na Constituição,
emerge também e «sobretudo dos limites impostos à defesa dos interesses de outrem e/ou cole
tivos que o indivíduo encontra no exercício de seus direitos, mas não se esgota nesses limites».
Esse aspecto foi destacado nos trabalhos constituintes da primeira Subcomissão, especial
mente por Giorgio La Pira que, após ter identificado a liberdade como a grande inovação «na
base da ideia de democracia, tal como emerge da Carta Constitucional», advertia que «a liber
dade mencionada na Constituição não deve ser entendida em um sentido puramente individu
alista» porque «traz consigo uma dimensão social» enquanto conexa «à solidariedade e à res
ponsabilidade». A proposta de La Pira, que não foi aceita pela Comissão de Redação, consistia
em inserir um artigo antes das disposições sobre direitos com o seguinte teor: «a autonomia do
homem e as liberdades individuais em que se realiza são garantidas pelas seguintes normas e
devem ser exercidas para a afirmação e o aperfeiçoamento da pessoa em sintonia com as neces
sidades do bem comum e para o seu contínuo aumento na solidariedade social. Portanto, toda
liberdade é fondamento de responsabilidade» (p. 248 ss.).
36 Para a configuração das consequências desse tipo de comportamento como dano social,
v. M.C. De. Cicco, 11 danno sociale come nuova tipologia di danno risareibile, in Stndi in onore di
30 De Cicco - () papel ixxs deveres na construção da legalidade consitujcional
Antonio Rlamini a cura di R. Favale e L. Ruggeri, Edizioni Scientifiche Italiane, 2020, no prelo,
onde bibliografia ulterior.
37 Cf. C. Del Bò, Diritto alia salute e solidarietà, disponibile on line, para quem «A necessi
dade de proteger não só a própria saúde, mas também a dos outros, adaptando-nos às restrições
que nos são impostas, torna-se então uma forma de alcançar outro valor, (...) a solidariedade. (...)
A pandemia de Covid-19 dá-nos a oportunidade de exercer concretamente uma solidariedade
mutualística, na qual a saúde de cada um está ligada à saúde de todos e na qual o dever de cuidar
de nós mesmos, o dever de se estar bem expressa aquele pacto de cidadania que mantem uma
comunidade em pé».
Um exemplo emblemático temos no Brasil, onde, diante da ausência do Estado, as comu
nidades mais vulneráveis e mais expostas à morte encontram a capacidade de autoorgamzaçao
e de proteção coletivas. Reveste importância a iniciativa comunitária dos coletivos «Mães de
Manguinhos» e «Foro Social» cujo trabalho pode ser sintetizado na expressão utilizada por Ana
Paula Oliveira, «nós por nós mesmos». Para um aprofundamento dessa questão v. a palestra
de Betiiania Assy, Covid-19 en Brasil una ética de la cohabitación resiliente más alia de la bio-
polilica, no Congreso Internacional Cátedra Unesco Derechos Humanos y Violência: gobierno
y gobernanza de 2020, https://m.facebook.com/story.php?storyJLid=2647877552LS9cHQ&
id=214654265619159.
38 Assim, A. Ruggeri, Rigore costituzionale ed etica repubblicana, nelpensiero e nelíopera di
Temistocle Martines, in https://www.associazionedeicostituzionalisti.it.
39 Sobre esse ponto, A. Ai.PlNl, «Vaceinazioni obbligatorie» e «obiezione di coscienza».
Rass. dir civ.t 2011,4, pp. 1035 ss.
4(J Corte cost., 18 gennaio 2018, n. 5, disponibile online, que declarou infundada a questão
de legitimidade constitucional das disposições do d.l. n. 7 3 del 2017, conv. pela 1. n. 119 de 2017.
na parte em que introduz um amplo número de vacinas obrigatórias, em relação aos arts 2, 3, e 32
Const, e atribuem ao à legislação estatal o poder de ditar uma disciplina uniforme em matéria de
políticas vacinais e de profilaxia internacional, em relação ao art. 117 Const.
32 De Cicco - O PAPEI. DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO DA LfXIAI,IDADE CONSTmjCfONAf
<' S. Rodotà, Perche i diritti non sono un lusso in tempo di crisi, in www.repubbliea.it.
42 O Tribunal constitucional nos últimos anos tem sido várias vezes chamado a rever e ava
liar a complexa questão da relação entre os direitos sociais dos cidadãos e as necessidades finan
ceiras do Estado e dos organismos públicos obrigados a respeitar o princípio constitucional do
equilíbrio orçamental (art. 81 const.). Para uma análise, cf. A. Carosi, Prestazioni sociali e víhcoU
di bilancio. 16 novembre 2016, in http://www.giuristidiamministrazione.com/wordpress/presta-
zioni-sociali-vincoli-bilanci/. Do mesmo modo E Gabriiile e A.M. NlCO, Oxftwitt/cw/ “d pnfMd
leitura’ sulla sentenza delia Corte costituzionale n. 10 dei 2015: dalla illegittbnitã dei "toghere ai
ricchi per dare ai poveri” alia legittirnità dei “chi ha avuto, ha aeuto, ha avuto.. .scordiamoa il pjssd~
lo”, em Rivisla A1C, n. 2/2015, advertem que se os direitos e liberdades tradicionais foram inte
grados pelos Constituintes em nome dos princípios da igualdade substancial e da solidariedade,
torna-se insustentável reconhecer os direitos fundamentais aos grupos mais frágeis somente «se
e quando os recursos disponíveis, ou a situação económica permitirem».
34 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL
43 O fenômeno da imigração na Itália reflete bem essa situação. Aos imigrantes é imputato
o fato de receber sem dar nada em troca. O problema é que também os cidadãos, no sentido po
lítico do termo, muitas vezes agem da mesma forma e é lógico que os imigrantes, em um círculo
vicioso, não podem deixar de perceber isso e de adequar-se à situação.
Para uma análise dos valores, princípios e objetivos da UE em relação à promoção, controle
e gestão dos fluxos migratórios, v. A. Latino, Valori, principi e obiettivi delia dimensione esterna
delia politica migratória dell’Unione europea, in I valori deWUnione europea e Vazione estema a
cura di E. Sciso, R. Baratta, C. Morviducci, Giappichelli, 2016, pp. 186 ss.
44 V., contudo, a análise crítica de P. BlANCl li, Deveres inderrogáveis de solidariedade e renda
de cidadania: as relações perigosas, infra, da Renda da Cidadania como instrumento para com
bater a pobreza e promover níveis mais altos de emprego estável, em relação aos princípios
constitucionais como igualdade, solidariedade, proteção do trabalho e o dever de assistência aos
«deficientes».
45 V., sobre o tema, G. Barone, Diritti, doveri, solidarietà, con uno sguardo aliEuropa, m
Riv. it. dir. pubbl. com., 2004, pp. 1243 ss.
46 S. Rodotà, Solidarietà. Un’utopia necessária, Laterza, 2014, que alerta também para o
fato de que «A experiência histórica nos mostra que se os tempos para a solidariedade se tornam
difíceis, o serão também para a democracia» (p. 10).
36 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL
risco de violar os direitos fundamentais aumenta'*7. Ele não sabe quem sofrerá
dano, mas sabe que alguém sofrerá um dano cm razão dessa (falta de) organi
zação'*8.
Um questão que também se apresenta em relação à privacidade, tanto que
a nova lei sobre a proteção de dados pessoais coloca uma ênfase maior na ac-
countabiliryW. De fato, o responsável pelo banco de dados deve organizá-lo de
tal forma que a proteção da privacidade seja garantida o máximo possível. Não
podendo controlar o resultado, ele deve controlar o procedimento, que deverá
ser o mais seguro possível50
47. 48 49
A previsão da responsabilidade no centro da disciplina também confirma
a relação entre privacidade e dignidade evidenciando-se assim a necessidade
cada vez mais sentida de eliminar ou reduzir a interferência de assuntos exter
nos na esfera privada das pessoas, que dessa forma são colocadas em condição
de agir com plena autonomia e de desenvolver livremente sua posição, parti
cipando autonomamente da vida política e social, sem condicionamento deri
vadas de pressões públicas e privadas51. Essa forma de atuação, é importante
destacar, é premissa para a autonomia e o respeito mútuo.
47 Cass. pen. 19 febbraio 2019, n. 32477, onde se afirma que o diretor médico «tem uma
posição de garantia juridicamente relevante», de modo que «é o garante último dos cuidados de
saúde aos doentes e da coordenação do pessoal de saúde que atua na estrutura, para que esta
atividade seja sempre baseada em critérios de qualidade e segurança».
48 Fala-se nesses casos de responsabilidade derivada da organização, prevista no d.lgs. 8 de
junho de 2001, n. 231. Sobre o descumprimento das normas de diligência exigidas na realização
da atividade empresarial que expõe a empresa à responsabilidade por crime, v. Cass. pen, Sez.
VI, 17 de novembro de 2009, n. 36083 e 16 de julho de 2010, n. 27735.
49 Em relação à accountability, o Regulamento europeu 2016/679 (GDPR), no art. 24 prevê
que o controlador de dados seja obrigado a adotar políticas e implementar medidas adequadas
para garantir e ser capaz de demonstrar que o tratamento de dados pessoais ocorreu de acordo
com o próprio Regulamento. Sobre esse ponto v. S. Dl MlNCO, Rpd, nuova figura come supervisor
delia protezione, in Dossier monográfico La tutela delia privacy e il regolamento europeo, in Guida
al Diritto, ll Sole 24 ore, n. 6 Novembre - Dicembre 2018, p. 26 ss.
50 II GDPR adotou o conceito de privacy by design (art. 25) que impõe ao titular e ao res
ponsável dos dados pessoais de controlar, antes de tratá-los, que o tratamento tenha um risco
residual baixo.
51 Assim, S. RoixrrÀ, Privacy, liberta, dignità. Discorso conclusivo delia Conterenza inter-
nazionale sulla protezione dei dati, in www.garanteprivacy.it, para quem «Isso explica por que
os próprios requisitos de segurança pública nunca podem reduzir a privacidade de maneiras in
compatíveis com as características de uma sociedade democrática; e porque a lógica econômica
não pode legitimar a redução de informações pessoais a uma mercadoria».
38 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES na construção DA LEGALIDADE CONSTITUCIONAL
59 Cf. M.C. De Cicco, Uéducation aux droits de 1'homme: 1'expérience italienne, in Pedagoga
et droits de 1’homme a cura di Véronique Champeil-Desplats, Presses Universitaires de Paris
Ouest, 2014, p. 245 ss., onde outras indicações; Iü, Le contribuzioni delta Cattedra UNESCO
«Diritti umani e violenza», in A Efetividade da Dignidade Humana na Sociedade Globalizada a
cura di Marco Antonio Marques da Silva, Quartier Latin, 2017, p. 167.
“ B.Gaksciiagen, Direitos máximos, deveres mínimos. O festival de privilégios que assola o
Bwn7,Record, 2019, p-316.
61 Para um exemplo eficaz das consequências do individualismo exasperado v., infra>
Mura, Os direitos e os deveres dos genitores entre modelos sócio-culturais e superior interesse da
criança.
62 G. Zagrebelsy, ox., p. o.
63 Como pode-se ler no Jornal da Cremesp, n. 342, de novembro de 2016, disponível on
line segundo o teólogo Mário Antônio Sanches, Objeção de Consciência: Reflexões no Contexto
da Bioética, «apesar de a expressão objeção de consciência” abrigar princípios morais inalie-
42 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES NA CONSTRUÇÃO DA LEGALIDADE CONSTTnja^
náveis, como o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e sua liberdade, “não pode
esconder, nem se fundamentar em caprichos pessoais, subjetivismos nem intransigente obstina
ção”». Observação, esta última, corroborada pelo bioeticista Julian Savulescu, para quem «os
pacientes deveriam ser melhor protegidos dos valores pessoais de médicos, particularmente, em
relação à assistência em fase de morte; aborto e contracepção». Na sua opinião, se é verdade
que «crenças religiosas profundamente arraigadas, por vezes, entram em conflito com alguns
aspectos da prática médica», por outro lado, eles «não podem fazer julgamentos morais em
nome dos pacientes»
64 A objeção de consciência deve ser analisada a partir de dois perfis distintos pois há casos
em que afeta diretamente os direitos de outras pessoas e outros em que não afeta diretamente
esses direitos, como adverte Rodotà. A questão é muito complexa e diz respeito não só à inter
rupção da gravidez, mas também, por exemplo, à vacinação obrigatória, ao tratamento médico,
à recusa de magistrados e funcionários públicos de registrar uniões homossexuais, merecendo,
portanto, estudos e análises mais aprofundados. Ver, entre outros, S. Rodotà, Obiezione di CO’
scienza e diritti fondamentali, em P. Borsellino, L. Forni, S. Salardi (org.), Obiezione di co
scienza. Prospettive a confronto, Notizie di Politeia, Anno XXVII, n. 101, p. 32; Id., Perche laico.
Laterza, 2009; S. Attollino, Obiezione di coscienza e interruzione delia gravidanza: la prevalenza
di un interpretazione restrittiva, disponível online; A. Alpini, «Vaccinazioni obbligatorie» e «obie
zione di coscienza», in Rass. dir civ., 2011, 4, p. 1035 ss; para uma visão de conjunto, E GraNDU
Doveri costituzionali e obiezione di coscienza, Editoriale Scientifica, 2014.
Cf. C. Flamigni, Poslilla di dissenso dal documento presentato dal CNB, Obiezione di co
scienza e bioetica, p. 22, disponível online, que relembrando a tese de G. Gemma, Brevi note
critiche contro Vobiezione di coscienza, in R. Botta (a cura di), Lofoezíowe di coscienza ira tutela
delia liberta e disgregazione dello Stato democrático, Giuffrè, 1991, pp. 319 ss.; e Obiezione di
coscienza ed osservanza dei doveri, in S. Mattarelli (a cura di), Doveri, cit.» pp. 55 ss., lembra que
«a objeção se traduz em um instrumento de negação do princípio do laicismo, pois permite ao
titular de uma função pública antepor suas próprias convicções pessoais ao respeito pelos seus
deveres institucionais, ou seja, os que decorrem do seu cargo». Gemma contesta a existência de
um nexo lógico entre o reconhecimento dos direitos de consciência e a prefiguração do «Institu
to da Objecção de Consciência» no Direito Positivo e o considera um «Instituto irracional por
constituir a combinação de elementos irreconciliáveis».
Para além da doutrina, a autonomia da objeção de consciência não é pacífica nem mesmo
para a jurisprudência do 1 ED11: v. a sentença definitiva, Eweida and others v. United Kingdom»
de 15 de janeiro de 2013, que não reconhece a acionabilidade direta do direito à objeção dc
consciência nos casos de inexistência de disposição legislativa da cláusula de objeção, por tale*
de reconhecimento pelo legislador do direito em causa.
44 De Cicco - O papel dos deveres na construção da legalidade coNsmucit
8. Pelo exposto até agora, fica claro que o declínio do individualismo e a emer
são do personalismo, com o reconhecimento na Constituição do princípio da soli
dariedade, afeta profundamente a forma de entender o direito e, consequentemen
te, a teoria da interpretação, que não pode deixar de ser teleológica e sistemática,
em um ordenamento funcionalizado aos valores da pessoa e sua dignidade.
O Direito não se esgota na lei e uma prova dessa assertiva está no renovado
interesse pela categoria do abuso do direito que aqui poderá ser somente acena
do66. Uma importante categoria, negada e denegrida por alguns, mas que há como
tarefa principal mediar o exercício do direito, não no interno da regra, mas em um
contexto sistemático coerente com um ordenamento regido por princípios67.
Assiste-se cada vez mais à constitucionalização do direito civil, por meio do
qual o direito deve servir à promoção de uma sociedade mais justa, ética e soli
dária. Mais do que nunca, portanto, a teoria da interpretação deve se orientar
para realizar os valores fundamentais do ordenamento68, em atuação voltada
não ao mero respeito da lei, mas à realização da justiça do caso concreto69. No
âmbito contratual, em particular, os valores constitucionais, em especial o prin
cípio de solidariedade, penetram através das cláusulas gerais que se tomam,
assim, decisivas na ótica do direito civil na legalidade constitucional'0. Nessa
371 ss.,403; S. Rodotà, Le clausole generali, em G. Alpa, M. Bessone (diretto da), Gzwwp’*’
denza sistemática di diritto civile e commerciale. I contratti m generale, UTET, 1991, pp. 389 ss.
71 Cf. Cass., 18 de setembro de 2009, n. 20106, disponível online, para quem «os princípios
da boa fé e da probidade (...) entraram na estrutura do ordenamento jurídico. O dever de boa-te
objetiva ou probidade constitui, de fato, um dever jurídico autônomo, expressão de um princi
pio geral de solidariedade social, cuja constitucionalização já é pacifica».
72 Cf. L. FerroNI, Spunti per lo studio dei divieto d'abuso delle situazioni soggetttve patnmo-
niali, em Aa.Vv., Temi e problemi delia civilistica contemporânea, Edizioni Scientiáche Italiaiie.
2005, pp. 313 ss., para quem a proibição de abuso «permite, em outras palavras, a superação Jo
dogma segundo o qual nerno ad factum praecise cogi putest, que resulta plenamente justificaJo
pelo princípio constitucional da solidariedade.» (p. 318).
” G.Couomho, inG. Ci >u >mi« > e P. Davigo, Lu tua giustizja non è la mia, Longancsi, 2014, p. !<*!•
74 Cabe, portanto, ao juiz avaliar a real conduta de ambas as partes da relação obrigacional,
a fim de identificar a normativa a ser aplicada ao caso concreto: Cass. eiv„ sez. I, 2 4 de novembro
de 2015, n. 23868.
” Cf. N. Lipaiii, 11 diritto cimle tra leggi e giudizio, Giuttrè, 2017.
76 Cass., 18 de setembro de 2009, n. 20106, cit.
77 G. Mazzini, lnteressiepnncipi, disponível em http://www.intrutext.com/lXr/rrA3 399/_
48 De Cicco - O PAPEL DOS DEVERES na construção da legalidade constitucional