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Vamos parar um pouco, caro

aluno, para fazermos um


pequeno comentário: você pode
às vezes se perguntar porque
estudamos a parte histórica dos
precedentes!

Na verdade, ao final de nosso curso, você irá perceber que saber toda esta
contextualização e o amadurecimento das ideias sobre o tema, fará com
que você entenda aonde nosso ordenamento queria chegar com a nova
previsão legal e por onde ela deve caminhar a fim de não cometer os
mesmos erros de outros tempos, já registrados por outros
ordenamentos...
Dando continuidade
aos nossos estudos,
continuamos...

...com mais um pouco de história...


A Revolução Francesa contribuiu em diversas mudanças que
ocorreram após seu acontecimento, sobretudo no judiciário.

Devemos nos lembrar que antes possuíamos na França uma


sociedade estratificada, com clero, nobreza, burgueses,
trabalhadores, artesãos e camponeses.

O considerado Terceiro Estado era constituído por 98% da


população, em torno de 24 milhões de pessoas, das quais 80%
da renda era destinada ao pagamento de impostos...
Esse quadro de desigualdade que
existia na França foi agravado com a
crise econômica que se instalou no
país durante a segunda metade do
século XVIII.

Essa crise foi em parte resultado


dos altos gastos do rei com os
luxos da corte francesa, mas,
principalmente, pelo envolvimento
da França em outros dois conflitos:
a Guerra dos Sete Anos e a
Revolução Americana.
É importante relembrarmos que até aquele
momento, a França era um Estado Absolutista
monárquico, no qual o rei governava personificando
o verdadeiro Estado.

Podemos pontuar que na estrutura do Estado Absolutista, havia o seguinte panorama entre as
pessoas:
Primeiro Estado: bispos do Alto Clero;
Segundo Estado: nobreza, ou a aristocracia francesa – que desempenhava funções militares
(nobreza de espada) ou funções jurídicas (nobreza de toga);
Terceiro Estado: por sua vez, era representado pela burguesia, que se dividia entre membros
do Baixo Clero, comerciantes, banqueiros, empresários, os sans-cullotes (“sem calções”),
trabalhadores urbanos e os camponeses.
Se você gosta de história, e quer se aprofundar no tema,
sugerimos o site www.historiadomundo.com.br
A crise econômica que citamos afetou, até mesmo, a nobreza
francesa, que, ao se perceber em uma posição econômica
ruim, começou a ampliar a sua exploração sobre o povo
francês.

Complementando a situação, em 1788 e 1789, a França teve


colheitas muito ruins, resultado direto de um inverno
extremamente rigoroso que atingiu o país nesse período.

O resultado de todo este contexto foi que o preço do alimento


aumentou, e muitos camponeses não tinham condições de
comprá-los. Resultado: a fome aumentou.
Assim, pode-se afirmar que A Revolução Francesa,
iniciada em 1789, com a queda da Bastilha, foi
motivada pela desigualdade social, pela crise
econômica e pela fome, sendo inspirada nos ideais do
Iluminismo.
Após a revolução, os juízes deveriam decidir pura e
simplesmente com base na lei.

Havia o temor de que a magistratura continuasse ligada


ao regime anterior, então os juízes agiam como meros
aplicadores da lei (não podiam se valer de outras fontes
do direito, tais como os precedentes), deveriam apenas
enunciar aquilo já prenunciado na lei.
Assim, podemos dizer que a atividade do juiz seria apenas lógico-
dedutiva.

A sua conclusão (decisão) já estaria implícita em sua premissa (a lei).

O Poder Judiciário não exercia o papel de desenvolver o direito, mas


apenas de declarar o direito criado pelo legislador.

Neste sentido, os pronunciamentos judiciais eram vazios de sentido,


já que meramente reprodutores de uma prescrição do legislador.
Diante deste momento cunhou-se a expressão de que o
juiz é a boca da lei (bouche de la loi).

Convido a todos a lerem o texto contido no link abaixo, para que


possam tecer críticas pessoais a respeito:

TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Juiz bouche de la loi – Em Defesa


de Montesquieu. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 8, nº 788,
23 de Junho de 2008. Disponível em:
https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/juiz-bouche-
de-la-loi-em-defesa-de-montesquieu.html
Retornando ao nosso assunto, é importante destacarmos
que ao colocar o juiz somente como aplicador da lei,
devemos abrir um parêntese em relação a nosso sistema de
justiça atual.

A discussão aqui seria, a necessidade de se fundamentar as


decisões judiciais.

Não há como vislumbrarmos, em nosso ordenamento


jurídico, que o juiz seria apenas um servidor público que
apresentasse a norma justaposta a um caso concreto.
O magistrado brasileiro é, antes de tudo, um
intérprete da norma, e a ele cabe também, o livre
convencimento.

Outrossim, o Código de Processo Civil não afasta a


necessidade da fundamentação da decisão:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a
identificação do caso, com a suma do pedido e da
contestação, e o registro das principais ocorrências
havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as
questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões
principais que as partes lhe submeterem.
Ilustramos sua aplicação com as seguintes jurisprudências:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. NÃO CONFIGURADA A VIOLAÇÃO APONTADA AOS


ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. EXECUÇÃO FISCAL. INVALIDADE DA PENHORA E
DESBLOQUEIO DE VALORES. POSSIBILIDADE DE RECUSA DO BEM OFERTADO PARA
GARANTIA DO JUÍZO. OBEDIÊNCIA À ORDEM DE PREFERÊNCIA LEGAL DE PENHORA
ESTABELECIDA NO ART. 11 DA LEI 6.830/1980 E ART. 835, I, DO CPC.
1. Consoante a jurisprudência do STJ, a ausência de fundamentação não deve ser confundida
com adoção de razões contrárias aos interesses da parte. Assim, não há violação dos arts. 489
e 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem decide de modo claro e fundamentado,
como ocorre na hipótese.
(...)
4. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp n. 2.052.727/PA, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA.
ARGUIÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA E CARÊNCIA DA AÇÃO. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
7/STJ. CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS NO EDITAL. SURGIMENTO DE NOVAS
VAGAS ORIUNDAS DA DESISTÊNCIA DE CANDIDATO CLASSIFICADO EM MELHOR POSIÇÃO. DIREITO À NOMEAÇÃO
CONFIGURADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não se vislumbra na hipótese vertente que o v. acórdão recorrido padeça de qualquer dos vícios descritos nos
arts. 485, VI, 489, 927 e 1.022, do CPC/15. Com efeito, o órgão julgador apreciou, com coerência, clareza e devida
fundamentação, as teses suscitadas pelo jurisdicionado. A propósito, observa-se que o Colegiado a quo se
manifestou expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide; não é legítimo confundir a
fundamentação deficiente com a sucinta, porém suficiente, mormente quando contrária aos interesses da parte.
(...)
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.030.376/BA, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de
29/6/2023.)
E agora, vamos dar continuidade à nossa viagem histórica...
falemos agora de Portugal.

Em Portugal, tivemos a Casa de Suplicação no ano de 1392.


Lembrando que as decisões só podiam ser revertidas pelo Rei.

Se você quiser saber mais sobre a Casa de Suplicação de Portugual, sugerimos o acesso ao site
https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4162628
“A Casa de Suplicação era o mais graduado tribunal
superior ordinário da burocracia jurídica portuguesa
e do Ultramar, responsável por conhecer dos
recursos ordinariamente cabíveis provenientes das
Relações e de outros órgãos julgadores.

As suas decisões somente poderiam ser revertidas


pelo Rei ou pelo Desembargo do Paço, um órgão
administrativo e judicial que assessorava o soberano
em matéria de graça tocante à Justiça.”
SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes judiciais e os assentos da casa da suplicação em Portugal:
eficácia, vinculatividade e publicação. Revista de Processo. vol. 268. ano 42. p. 533-566. São Paulo:
Ed. RT, junho 2017
No século XVI, o Direito português atravessou um
período desafiador, em que se buscava harmonizar a
execução do direito comum com as disposições
presentes nas normativas legislativas nacionais.

Já no ano de 1769, tivemos a Lei da Boa Razão, que


autorizava a aplicação subsidiária do Direito Romano
somente quando este se achasse fundado na boa
razão.
Já que estamos falando de Casa de
Suplicação, já apresentamos para você,
querido aluno, a do Brasil, criada em
1.808...

Mas é importante destacarmos que


antes tivemos por aqui a aplicação das
Ordenações Manuelinas de 1513 que
possuíam força vinculante.
Já a Casa de Suplicação do Brasil foi estabelecida
mediante o alvará datado de 10 de maio no ano de 1808.
Isso se deu, caro aluno tendo em vista a ocorrência de uma verdadeira
metamorfose da então Relação do Rio de Janeiro, que acabou ascendendo à
categoria de tribunal superior de derradeira instância, detendo equivalente
jurisdição à própria Casa da Suplicação de Lisboa.

Esse notório evento veio à tona como um concreto e maduro fruto da


transferência da corte para terras brasileiras no ano de 1808, o que por sua vez
conduziu à conversão do Brasil em epicentro da monarquia portuguesa (o que
com certeza não agradou muita gente por lá...).

Como decorrência, tais transformações incitaram alterações substanciais nos


domínios políticos e administrativos.
Nesse intervalo temporal, foi implementado um
intricado sistema administrativo judiciário,
engendrando a criação de órgãos de suma
importância, tais como o Tribunal da Mesa do
Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens,
diversos juízos de caráter exclusivo, o Conselho
Supremo Militar e de Justiça, bem como as relações do
Maranhão e do Recife.
Lembra quando falamos da Casa de Suplicação de Portugal?
Pois então, ela era o imponente ápice do sistema judicial em Portugal,
incumbida da tarefa de proferir vereditos em apreciações de última
instância no âmbito das contendas judiciais.

Na qualidade de instância final, incumbia à Casa de Suplicação a


responsabilidade de receber os recursos e apelações provenientes da
Casa do Cível do Porto.

E, no que tangia aos assuntos ultrapassando sua alçada, detinha


competência sobre as ilhas atlânticas, regiões ultramarinas e, ainda, os
juízos de teor exclusivo e comissões de natureza cível e criminal.
Caramba, era muito poder né? E imagina o
que não causou aos ânimos de alguns
quando o Brasil teve sua própria por aqui...

Mas, logicamente, isso trouxe junto algumas


transformações na questão do judiciário e, ainda, aos
precedentes que estamos estudando...
Evidentemente, prezado leitor, essa conjuntura desencadeou
um cenário jurídico de notável instabilidade.

Diante disso, com o propósito de erradicar a incerteza legal que


assolava o Reino, foram instituídos os "assentos" pela Casa da
Suplicação (olha só os precedentes surgindo por lá).

Tais assentos consistiam em pronunciamentos da mencionada


instância acerca de problemáticas pertinentes ao ordenamento
jurídico português.
Que acha então de pensarmos:
Assentos = segurança jurídica + estabilidade + coerência

Poxa, claramente um precedente né?


Os assentos da Casa da Suplicação, entidade que
desempenhava a função de Corte Superior em Portugal,
eram registrados no denominado Livro da Relação.

Eles detinham uma natureza estritamente vinculativa, uma


vez que os juízes ou desembargadores que decidissem em
desacordo com tais diretrizes poderiam ser sujeitos a
suspensões, conforme claramente estipulado nas
Ordenações Manuelinas (lembra que nós falamos dela um
pouquinho antes, quando citamos a Casa de Suplicação do
Brasil!?).
Neste sentido, para falarmos dos precedentes em
Portugal, é importante registrarmos os assentos,
pontuando também que a interpretação das leis era uma
prerrogativa real, a ser exercida pela publicação de leis
interpretativas ou na presidência das conferências dos
mais importantes tribunais superiores.
SOUZA (2017) trazendo a obra de RIBEIRO (1867)
afirmou que há registro de que, em 26 de maio de 1651,
chegou-se a determinar a suspensão da execução de
qualquer decisão sempre que se percebesse a
existência de precedente em sentido contrário.

souza, Marcus Seixas. Os precedentes judiciais e os assentos da casa da suplicação em Portugal:


eficácia, vinculatividade e publicação. Revista de Processo. vol. 268. ano 42. p. 533-566. São Paulo:
Ed. RT, junho 2017.
RIBEIRO, João Pedro. Dissertações cronológicas e críticas sobre a história e jurisprudência
ecclesiastica e civil de Portugal. 2. ed. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1867. t. IV. p.
219-220.
Assim, prezado aluno, conseguimos verificar, nas
histórias apresentadas, que o precedente sempre
foi uma ferramenta valorizada e dotada de grande
poder para trazer a segurança jurídica.

Mas, para ela dar certo, precisa do principal


instrumento:

VOCÊ, operador do Direito do TJPA.

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