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O PROCESSO

DOS TÁVORAS
Guilherme de Oliveira Santos
Leandro Correia
Roberto Carlos Reis

O PROCESSO
DOS TÁVORAS
A REVISÃO
Instauração, depoimentos e sentenças
TÍTULO
O Processo dos Távoras
A revisão – Instauração, depoimentos e sentenças

AUTOR
Guilherme de Oliveira Santos | Leandro Correia | Roberto Carlos Reis

DESIGN E PAGINAÇÃO
Vitor Duarte

ISBN
XXXXXXXXXXXXXX

DEPÓSITO LEGAL
XXXXXXXXXXXXXX

DATA DE EDIÇÃO
XXXXXXXXX 2017

EDIÇÃO

CALEIDOSCÓPIO – EDIÇÃO E ARTES GRÁFICAS, SA


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SUMÁRIO

Abreviaturas ....................................................................................... XXX

DUAS PALAVRAS ............................................................................... XXX


I. Generalidades ..................................................................... XXX
II. Valor da Sentença Revisória ............................................... XXX
III. Que teria acontecido? ......................................................... XXX

MARQUÊS DE POMBAL: DE SANTA MARIA DA FEIRA A LISBOA ... XXX


1. Casa de Justas – uma casa amaldiçoada ............................ XXX
2. O Marquês de Pombal oriundo da Feira ........................... XXX
3. Lugar de Justas – Capela de Todos os Santos .................... XXX
4. Capela de Todos os Santos, em Justas. .............................. XXX
5. Santa Maria da Feira ao tempo de Marquês de Pombal .... XXX
6. O atentado, a Casa dos Távora e o Processo Pombalino
(1758-1759) ......................................................................... XXX
7. Explicações para o atentado .............................................. XXX
8. A visão de Voltaire e outros escritores .............................. XXX
9. O Processo dos Távoras – Os Magistrados da Revisão ..... XXX
10. Os Magistrados da Revisão do Processo dos Távoras
(c.1777-1790) ...................................................................... XXX

O PROCESSO DE SENTENÇA REVISÓRIA ....................................... XXX

ÍNDICE CRONOLÓGICO ................................................................... XXX

POSFÁCIO .......................................................................................... XXX


ABREVIATURAS

ANRJ Arquivo Nacional do Rio de Janeiro


ANTT Arquivo Nacional Torre do Tombo
C. Cerca de
Cap. Capítulo
Cf. Confrontar
Cód. Códice
Dir. Direção
Ed. Edição
F. Frente
fl. Fólio
fls. fólios
HOC Habilitações para a Ordem de Cristo
ICS Instituto de Ciências Sociais
IHGB Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
L. Livro
LB Leitura de Bacharéis
M. Microfilme
Ms. Maços
N.º Número
Org. Organização
p. página
pp. páginas
UFF Universidade Federal Fluminense
V. Verso
Vol. Volume
DUAS PALAVRAS

Guilherme Oliveira Santos


I. Generalidades

1. Na noite de 3 de setembro de 1758, um domingo, rodava na


Ajuda uma sege em que seguiam D. José e Pedro Teixeira, seu criado
particular, quando, mais ou menos no sítio onde se ergue hoje a igreja
da Memória, surgiram vários conjurados que dispararam contra o veículo
e feriram legeiramente o rei.
Instaurou-se um processo cheio de irregularidades e atropelos e
orientado pessoalmente por Sebastião José de Carvalho e Melo, que pre-
sidia ao tribunal, a Junta da Inconfidência; e, por sentença de 12 de ja-
neiro de 1759, foram condenados à morte os marqueses e a marquesa
de Távora, o conde de Atouguia, o duque de Aveiro e apaniguados e bar-
baramente executados em Belém, todos menos o José Policarpo de Aze-
vedo, que conseguiu fugir a tempo.
Após a queda do marquês de Pombal e a pedido do marquês de
Alorna, autorizou D. Maria I que se procedesse à revisão do processo, e,
consequentemente, a sentença lavrada em 23 de maio de 1781, absol-
veuos Távoras e o conde de Atouguia.
Todavia, o procurador da coroa impugnou a sentença e, por motivos
políticos, os embargos ficaram pendentes e, portanto, a sentença não tran-
sitou em julgado e ficou, juridicamente, sem efeito. Mas a sua irrelevância
judicial não prejudicou em nada o seu valor substancial e histórico.
2. Quanto a este assunto, durante muito tempo apenas se conhece-
ram as duas sentenças: a de condenação e a revisória. Contudo, em 1921
e com base num traslado existente na Biblioteca Nacional, publicou Pedro
de Azevedo um livro em que se transcreve o processo, mas somente o
processo de condenação.
E que tinha sido feito dos autos? Tinham ido parar ao Brasil em
1807 na bagagem de D. João VI e estão depositados no Arquivo Nacional,
no Rio de Janeiro.
Aproveitando um microfilme que foi solicitado pelo Prof. Pinto dos
Reis, reproduz-se no presente volume a parte principal do processo de
revisão e que, tirando a sentença, é quase desconhecido entre nós. Escu-
sado acentuar a sua importância. Encerra a defesa que havia sido negada

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aos réus e, por conseguinte, constitui este livro um complemento indis-


pensável da obra de Pedro de Azevedo.
3. O processo condenatório é suscetível de duas leituras; uma po-
lítica e outra jurídica.
Politicamente e da perspetiva do conde de Oeiras, foi uma
obra-prima: feriu de morte os seus adversários e, por tabela, os odiados
jesuítas. Foi a encenação do julgamento secreto e da execução na praça
pública que emprestou majestade trágica ao ato e voltou a levar o nome
do ministro a todos os recantos da Europa. E apesar de já em 1816 ensinar
Pereira e Sousa em Classes dos Crimes, 2ª ed., p. 29 que “a pena somente
deve recair sobre o culpado”, a sentença é ou era interpretada por alguns
exegetas como se estivesse ainda em vigor a proibição do uso do aplido
Távora! Veja-se também a sua defesa por Latino Coelho quer no Centenário
do Marquês de Pombal, quer na História Política e Militar. Pedro de Aze-
vedo considerou “muito notável e digna de ponderação a crítica que Latino
fez a esta sentença [a sentença revisória] na História Política” e, não obs-
tante esse historiador ignorar por completo o processo!
E do ponto de vista jurídico? Devemos ter em conta a mentalidade
do tempo e principalmente o Decreto de 9 de dezembro de 1758, que
atribuiu amplíssimos poderes à Junta da Inconfidência. Mandou, no en-
tento, que o tribunal observasse “os termos de Direito Natural e Divino”,
o que limitava esses poderes, aparentemente discricionários.
Tudo pesado e dados os devidos descontos, as conclusões a que
chegamos são deploráveis. Basta dizer que a marquesa de Távora, pessoa
reputada na sentença de soberba luciferina e ambição insaciável e con-
denada à pena capital, nem sequer figura no libelo nem foi ouvida! Foi
vítima de um assassínio judiciário!
Outro exemplo. As emboscadas, excetuando talvez duas, são fantasiosas
e nelas nem cabem ao menos os supostos assaltantes! O conjurado mais ar-
guto foi – quem o diria? – o José Policarpo que se sumiu como se um alçapão
o engolisse; e, a despeito de o acórdão apelidar “contra elle toda a terra para
ser prezo”, a verdade é que ninguém o viu ou, se o viu, não o entregou. Des-
confio que acabou por morrer em Sevilha e, possivelmente, com outro nome.
Que crédito pode também merecer uma sentença que foi ditada
por Sebastião José de Carvalho e Melo ao juiz Inácio Ferreira Souto? O
facto parece estranho, visto que, segundo os Decretos de 9 de dezembro
de 1758 e de 4 de janeiro de 1759, o relator do processo era o juiz Pedro
Gonçalves Cordeiro Pereira. Mais ainda: os secretários de Estado presi-

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diam, mas sem direito a voto, conforme declaração do próprio Pombal


no interrogatório a que foi submetido a 7 de novembro de 1779.
Realço este ponto, porque os autos de revisão obedeceram a rigo-
rosas exigências formais. Assim, foram inquiridas muitas testemunhas,
mas o tribunal só pôde decidir alicerçando-se na matéria constante do
processo de condenação.
De acordo, aliás, com o disposto nas Ordenações Filipinas, liv. 3º,
tít. 95, § 7, lê-se com efeito na parte introdutória do acórdão: “Por estes
fundamentos, com que se conformou o illuminadissimo discernimento
na mesma Senhora [D. Maria I]: foi servida mandar expedir o dito Alvará,
em que ordena que pelos Juizes, que houve por bem nomear, se veja
outra vez a mesma Devassa naquelle mesmo estado, em que foi senten-
ceada, e afinal pelo que respeita sómente aos referidos cumplices [os
marqueses de Távora e o conde de Atouguia], se determine segundo o
seu merecimento, como for Justiça, sem que ao novo exame obstasse o
dito Alvará de 17 de janeiro de 1759; presidindo aos Juizes nomeados
em todas as Sessões os seus tres Ministros, e Secretários de Estado”.
De notar que as testemunhas que depuseram não serviram para
instruir o processo revisório; constituiram uma espécie de inquérito pré-
vio para se ajuizar da viabilidade da revisão.
Registo, por curiosidade, que atiladamente escreve José Gorani que
a Inconfidência “imitou as iniquidades que outrora se faziam na Inquisi-
ção”. A tortura, para dar um exemplo, só estava em vigor no tribunal da
fé e foi largamente aplicada no processo de regicídio. Das 35 pessoas cha-
madas ao tribunal, nada menos de 16 foram atormentadas e das restantes
19 algumas foram ameaçadas, como o duque de Aveiro, que chegou a ser
atado ao potro. E de tal maneira havia a tortura caído em desuso nos tri-
bunais comuns que foi preciso convocar o cirurgião do Santo Ofício.

II. Valor da Sentença Revisória

1. A sentença lavrada em 23 de maio de 1781 absolveu os Távoras


e o Atouguia. Contudo, tendo o procurador da coroa embargado o acór-
dão e o Alvará de 9 de outubro de 1780, que autorizara a revisão, por
Decreto de 11 de dezembro de 1783, nomeou a rainha uma junta para

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dar um parecer e a habilitar a resolver. A junta fechou-se, todavia, um


mutismo que dura até agora. Constatou-se um facto jurídico insólito – a
sentença nem foi revogada, nem transitou em julgado.
Pergunta-se: quid juris?
A sentença absolutória reunia todas as condições para ficar em
vigor na parte recorrida e um recurso pendente por tempo ilimitado é
um absurdo, pois equivale a uma denegação da justiça. É certo que ficou
sem efeito porque a soberana não a confirmou, mas não havia razão ne-
nhuma para que não a sancionasse. Foi por motivos políticos e oportu-
nistas que prevaleceu a sentença da Inconfidência.
Tentemos compreender.
Antes de mais nada, não se aceitava naquela época o princípio da
separação de poderes, e o poder judicial não gozava de verdadeira auto-
nomia, era no fundo um braço do poder executivo. Existiam depois mo-
tivos concretos para esquecer a sentença de 1781.
1º – O estado ficava prejudicado, porque os bens confiscados aos
réus julgados inocentes deviam ser restituídos.
De sublinhar que, como se vê dos elucidativos trabalhos de Luís
de Bivar Guerra sobre o assunto, os bens dos réus começaram a ser
apreendidos em dezembro de 1758, antes, por conseguinte, de ser pro-
ferida em 12 de janeiro de 1759 a sentença que os condenou!
2º – A fação pombalista opunha-se frontalmente, visto que a sen-
tença de revista representava, simbolicamente, a exautoração moral do
velho marquês. Os sequazes do decaído valido não desampararam a cena
política; e, embora marcada por algum reacionarismo, a Viradeira foi na
prática um período de acalmia.
Boa parte da legislação pombalina continuou em vigor. Os jesuítas,
a despeito da religiosidade da rainha, não voltaram e a Inquisição era
pouco mais do que um tigre de papel. Filinto Elísio teria passado por al-
guns dissabores, mas não precisava de se expatriar.
Pombal, uma figura de transição, foi um dos raros estadistas por-
tugueses que, além de uma obra, deixaram discípulos. Foi um espírito
complexo: conjugava autoritarismo brutal com ideias assaz avançadas
para a época e daí certa ambiguidade.
A imagem do homem forte persistente no imaginário de muitos
portugueses; e, parafraseando Camilo, o marquês serviu de modelo a vá-
rios condes de Basto, de direita ou de esquerda, que têm intervindo na
nossa vida política.

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O PROCESSO DOS TÁVORAS

A perseguição aos inacianos revestiu caráter patológico e a Dedu-


ção Cronológica, que compendiava as ideias de Pombal, foi na expressão
de um autor consagrado a nossa primeira história sectária.
3º – Havia também os escrúpulos de D. Maria I. Na verdade, a sen-
tença de reabilitação, ainda que indiretamente, ofendida a memória de
D. José. Tanto mais que, como procurei demonstrar em artigo inserto na
revista Olisipe, nº 10, de outubro de 1999, o monarca não foi um simples
títere nas mãos do poderoso ministro.
A dura e atrabiliária repressão pombalina desencadeara também
um problema de consciência no ânimo do próprio rei. No seu “testemu-
nho”, não tem uma palavra a favor do valido (a menos que o incluisse
no número dos criados que o haviam servido “com amor e fidelidade”)
e recomenda à filha que perdoasse “a pena legal àqueles criminosos de
Estado que julgasse dignos de perdão”, porque ele, D. José, a todos tinha
perdoado. Parece que não acreditava na culpabilidade de muitas das ví-
timas do marquês, e o seu perdão póstumo é mais um arrependimento
do que um perdão.
Gorani, que privou de perto com Sebastião José e escreveu distan-
ciado 40 anos dos acontecimentos que narra, Gorani diz a respeito do
ministro: “Nele, a transição da benevolência para a mais terrível vingança
era um ápice”. E, na Viagem em Portugal do sueco Ruders, elucida o ano-
tador da versão portuguesa, Castelo Branco Chaves, que para o duque
de Choiseul o carácter do conde de Oeiras “era falso e traiçoeiro, não co-
nhecendo outro meio de governar que não fosse o poder absoluto”1.
Muitos dos inimigos ou supostos inimigos do marquês foram en-
cerrados no forte da Junqueira, a Bastilha pombalina, ou deportados sem
nota de culpa; e, quanto a alguns, ainda não sabemos de que crimes eram
acusados. A razão de Estado, mal entendida, permitia as maiores iniqui-
dades. Como maquiavelicamente afirmou Noirtier, personagem do Conde
de Monte Cristo, em política não se cometem assassínios, removem-se
obstáculos. Ou, como acerca da execução do dude d’Enghien cinicamente
comentou Fouché: “é mais do que um crime; é um erro”.
De resto, processos políticos ou com desfecho político não faltam.
Um exemplo. Por Decreto de 24 de junho de 1825, foi mandado trancar
o processo instaurado por virtude da morte em circunstâncias misteriosas
do marquês de Loulé, em Salvaterra, na noite de 28 para 29 de fevereiro

1
Ruders emite juízos díspares acerca de Carvalho e Melo. Ver Cartas 2ª e 17ª.

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de 1824; processo que se encontrava todavia numa fase adiantada, pois,


por despacho de 31 de julho de 1824, já estavam pronunciados os sus-
peitos. Quis-se, evidentemente, abafar um processo politicamente inde-
sejável por envolver pessoas categorizadas.
2. Este processo foi o mais célebre e discutido na nossa história ju-
diciária. Até nisto pombal foi grande. Não condenou os réus a multas ou
penas suspensas, como se andassem à caça sem licença e houvessem ati-
rado a pardais. Não senhor, aplicou-lhes castigos memoráveis ou não
fosse ele o homem com pulso de ferro e que, por Aviso de 6 de novembro
de 1766, mandou que se erguessem forcas bem alto para que todos as
vissem e temessem.
O exame do próprio manuscrito é aconselhável. Foi deste modo que
mostrei n’O Caso dos Távoras, pp. 203 e seguintes, que Carvalho e Melo
dirigiu pessoalmente interrogatórios importantíssimos e que imprimiram
aos autos o cunho político que lhe convinha. Não podemos provar, mas
é possível que o intuito do duque fosse apenas intimar Pedro Teixeira,
destestado alcaiote do soberano, pois a noite do insulto estava escura e
os tiros foram disparados em circunstências aleatórias, quase à toa.
Observa o conde de Hoffmannsegg, ilustre naturalista alemão que
esteve em Portugal em fins de Setecentos, que, regra geral, o mais cen-
surável no marquês de pombal não é o que ele fez e, sim, a maneira
como o fez. Por outras palavras: esqueceu-se o ministro de que os fins
não justificam os meios, esquecimento vulgar em ministros.

III. Que teria acontecido?

Face ao desacate, são admissíveis dois cenários dentro do processo


(o da sentença de condenação, o terremoto político, e o da sentença ab-
solutória) e outra fora do processo e que, embora insuficientemente de-
monstrado, é o mais verosímil.
Com efeito, pouco depois do insulto, principiou a circular o boato
de que a agressão visara o Pedro Teixeira e não o rei; boato digno de
nota, porquanto em 13 de setembro de 1758, dez dias após o atentado,
o enviado britânico em Lisboa, sir Eduardo Hay, transmitiu essa informa-
ção ao seu governo.

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O PROCESSO DOS TÁVORAS

Ao assunto me referi com largueza em O Caso dos Távoras. Saliente


que os tiros foram disparados, praticamente, ao calhar e o monarca não
teve sorte porque, se houvesse trocado de lugar com o Teixeira, tinha
saído ileso da aventura. Além disso, conforme frisou Rocha Martins, “o
caminho que o veículo seguia era o que conduzia ao Paço, vindo da
Quinta de Baixo, mas também o que, em linha direta levava ao casal de
Pedro Teixeira”.
Claro que a responsabilidade do duque parece indubitável. Qual
era, porém, o seu objetivo? Eliminar o rei? ou matar um terceiro, pois
essas esperas eram então vulgares, ou meter medo ao Teixeira? Em qual-
quer destas hipóteses, haveria erro quanto à pessoa. Ficamos sem saber,
porque o tenebroso processo não inspira confiança e não nos esclarece.
Ainda uma breve crítica aos cenários construídos a partir dos autos.
A verdade judicial não coincide sempre nem necessariamente com
a verdade tout court, a verdade em si (dissociada, tanto quanto possível,
de formalismos e de pressupostos subjetivos ou convencionais), e que
se compreende, pois, entre outros motivos, os tribunais obedecem a
constrangimentos processuais e têm de filtrar os eventos através dessa
teia de condicionalismos. Assim, quando se esgota um prazo, os litigan-
tes deixam de ter a faculdade de praticar atos que podem ser relevan-
tíssimos.
Às vezes, a lei exige mesmo provas especiais. Exemplificando
com o processo de adultério contra Camilo Castelo Branco e Ana Au-
gusta Plácido. A ligação entre o grande escritor e a mulher de Pinheiro
Alves era pública e notória, porque, como se lê na petição de querela,
sua esposa vivia com o réu “teúda e manteúda, na mesma casa, com o
maior escândalo, descaramento e publicidade”. Apesar disso, foram ab-
solvidos. Porquê? Porque, conforme o disposto no § 2º do art. 401º do
Código Penal de 1852, então em vigor, só eram relevantes as provas
de flagrante delito ou resultantes de cartas ou outros documentos es-
critos pelo co-réu adúltero, e o queixoso não conseguiu produzir prova
suficiente.
Referindo-se ao material que informa os autos e que pode implicar,
a par de dados verdadeiros, erros de perceção ou de memória, testemu-
nhas falsas, documentos apócrifos ou mal interpretados; analisando este
material, nota Altavilla que a verdade judiciária tem “um valor muito re-
lativo”, e alude ao facto de várias pessoas reunidas num salão bonapar-
tista julgarem ter visto o marechal Ney na noite da execução!

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Concluindo:
Segundo reza um velho brocardo jurídico traduzido em vulgar: o que
não está no processo não está no mundo. Reconhece, portanto, a relativi-
dade das decisões judiciárias: não é o mundo que está no processo; o pro-
cesso é que está no mundo. Há mais coisas no céu e mais na terra, dizia
Hamlet.
E o tempo não apagou da memória dos homens a dramática inter-
rogação de Pôncio Pilatos no julgamento dos séculos: “que é a verdade?”.

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MARQUÊS DE POMBAL
DE SANTA MARIA DA FEIRA A LISBOA

Roberto Carlos Reis


1. Casa de Justas – uma casa amaldiçoada

Quem entra em Santa Maria da Feira pela linha do Vale de Vouga,


desce da estação pela rua do Dr. Santos Carneiro, admirando o vale ver-
dejante até ao casario do povoado estendido do norte a sul.
Para a esquerda, numa lomba elevada do terreno, ficam-lhe as quási
ruinas da velha Casa de Justas, encimando o novo edifício da cadeia da
comarca.
Foi aí o solar de uma família fidalga orgulhosa de descender da-
quele fero Pêro Coelho a quem o mais fero D. Pedro1 – o Cru – trincou
o coração arrancado pelas costas, em castigo de ser um dos brutos ma-
tadores da linda Inês posta em sossego.
Recorde-se que Pêro Coelho, foi um dos executores de D. Inês de
Castro. Fidalgo de D. Afonso IV, foi um dos que mais influíram no ânimo
do rei para terminar a relação do príncipe D. Pedro com D. Inês, fosse a
que preço fosse. Foram eles, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco
que acompanharam o rei a Montemor-o-Velho e de lá a Coimbra, e
vendo-o vacilar, alcançaram o seu consentimento para a execução de D.
Inês. Após o falecimento de D. Afonso IV, os três executores, temendo a
vingança de D. Pedro, fugiram para a Espanha, apesar de o novo rei se
ter comprometido com o pai a perdoar-lhes. Em Castela reinava então D.
Pedro I, vingativo e duro, que perseguia também três fidalgos criminosos,
Rodrigo Tenório, Fernando Gudiel de Toledo e Fortunato Sanchez de Cal-
deron, que se tinham refugiado em Portugal. Os dois monarcas ajustaram
um tratado de aliança e um dos artigos consistia na troca de três cabeças
castelhanas por três cabeças portuguesas.
D. Pedro de Portugal entregou ao de Castela os três criminosos,
porém este só pôde restituir Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho, porque
Diogo Lopes Pacheco não pôde nunca ser encontrado. Os três fidalgos
espanhóis foram remetidos para Sevilha e logo encarcerados. Os dois
portugueses ficaram presos em Santarém, onde os esperava um bár-
1
Pedro I (Coimbra, 8 de abril de 1320 – Estremoz, 18 de janeiro de 1367), apelidado de “o
Justo” e “o Cruel”, foi o Rei de Portugal e Algarve de 1357 até sua morte. Era o único filho
homem do rei Afonso IV e sua esposa Beatriz de Castela.

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baro castigo. D. Pedro mandou então que lhe trouxessem «cebola e vi-
nagre para o coelho» e fez tirar «o coração pelos peitos a Pêro Coelho
e a Álvaro Gonçalves pelas espáduas» (Fernão Lopes). Esta estranha
execução é confirmada por uma das cenas da rosácea do Túmulo de
D. Pedro2.
Nesta Casa ainda lá existe uma velha pedra de armas com uns
coelhinhos avultando em rude escultura. De acordo com Vaz Ferreira,
foi nesse pardieiro desamparado e em ruina que nasceram a bisavó e o
avô do grande Marquês de Pombal. Também nela nascera três gerações
antes, um Gaspar Leitão Coelho, de quem a parcimônia de herança fez
um enqueredor, distribuidor e escrivão de serventia da então vasta co-
marca da Feira. Filho segundo de fidalgo pobre, casara com D. Cecília
Pinto nascida de Pedro de Melo Soares, o do Púcaro, e de D. Briolanja
Pereira.
Talvez por esta alcunha de louceiro os entendidos em linhagens
deem facilmente como pai da D. Cecília. Esta teve pelo menos dois filhos:
um do mesmo nome do pai, que chegou a licenciado e desembargador, e
António Soares Coelho, cuja descendência veio a viver na Casa de Justas,
sendo sua bisneta D. Ana Maria de Viveiros Freire. Mãe duns poucos de
bastardos do último Conde da Feira, D. Fernando Forjaz Pereira Pimentel,
que antes fôra Dom Prior da Colegiada de Guimarães.
D. Cecília morreu deixando o viúvo e o filho, ambos Gaspar Leitão
Coelho, a viverem na Arrifana, freguesia do concelho da Feira, à borda
da estrada de Lisboa ao Porto, confinante com S. João da Madeira.
O viúvo casou-se de novo. Casamento por conveniência, uma mésal-
liance, com a filha dum Sebastião Lopes e duma Joana Fogaça que, ainda
para mais, se chamava burguesissimamente Eva Machada. Mas o Lopes era
rico e a Eva tão boa criatura que se afeiçoou ao enteado Gaspar. Em 1590
morre o Sebastião Lopes, partilham-se os bens dele e a viúva Joana Fogaça
(apelido pouco nobre) doa ao genro e à filha a sua parte nas propriedades
em Gaiate e Cesar.
Fazem então a Eva e o Gaspar testamento in eadam charla, a que
se chamava de mão comum, e deixam esses bens ao enteado dela e filho
dele: Gaspar Leitão Coelho, licenciado em direito e futuro desembarga-
dor, com encargo de missas por alma de ambos na igreja da Arrifana.

2
“D. Pedro” – Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. vol. XX, Lisboa-Rio de Janeiro:
Editorial Enciclopédia, LDA, 2008, pp.772-775.

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O PROCESSO DOS TÁVORAS

Este segundo Gaspar casa com D. Joana de Mesquita e passa a re-


sidir na Casa de Justas, onde lhes nasceu uma filha, D. Luísa de Melo.
Durante os seus estudos em Coimbra ou, pela vida fora, em qualquer ju-
dicatura, encontra-se o licenciado Gaspar com o seu colega Sebastião de
Carvalho. Casara este com D. Maria de Braga e Figueiredo e, como neto
dum cónego de Évora, vivia à lei da nobreza. O colega Gaspar, como já
vimos, orgulhava-se de descender dos Coelhos e lá tinha os animalejos
de pedra sobre a porta da moradia. Nada mais natural do que estreita-
rem os laços da amizade de colegas em ligação de família e assim a D.
Luísa de Melo casou com um filho do Sebastião de Carvalho, do mesmo
nome e da mesma profissão do pai.
Trouxe D. Luísa ao casal aqueles bens de Gaiate e de Cesar e tanto
bastou para que o Sebastião de Carvalho, segundo do nome e desem-
bargador como o pai, se dissesse e intitulasse senhor da honra de Gaiate
e da torre de Cesar trazidas ao casal por cabeça da sua mulher e acres-
centasse ao nome do filho de ambos o Melo heráldico e nobilitante. Foi
assim que o avô do grande Marquês se chamou Sebastião de Carvalho
e Melo, apelidos continuados no neto com o acréscimo do sobrenome
José.
Mas, Sebastião de Carvalho e Melo não se contentou com o título,
como o pai, de senhor da honra e da torre provindas da herança do Se-
bastião Lopes pela linha torta da madrasta do avô. Quis mais. Intentou
demanda no juízo de correição da corte contra Martim Teixeira Coelho
de Melo, senhor da vila de Teixeira e de Sergude, para haver uns morga-
dos afirmando pertencerem-lhe por ser, como na verdade era, segundo
neto de Gaspar Leitão Coelho e este ser, como não era, filho de Gonçalo
Pires Coelho, donatário de Felgueira e Vieira, e de sua mulher D. Violante
de Magalhães.
Aqui é que estava o nó da questão.
Contrariou a parte adversa dizendo não ter o Gonçalo tido outro
filho além de Aires Coelho, de quem o Martim de Melo directamente des-
cendia. Apresentou o Sebastião de Carvalho e Melo um terceiro traslado
transcrito em Tentúgal de um forjado em Évora de outro “que se finge”
ser duns autos de justificação feita na Feira. Este primeiro traslado tem a
assinatura de Diogo de Pinho e não consta ter havido na Feira tabelião
ou escrivão com tal nome. De rebusca em rebusca os advogados dos réus
vieram a esmiuçar a história do primitivo Gaspar Leitão Coelho e a pro-
veniência, insuspeita de honra e torre, dos bens de Gaiate e Cesar.

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Quiseram dividir em dois o Gaspar: um deles, escrivão, casado com


a Eva, e outro nobre, com honra e torre, marido da D. Cecilia; mas fora
a própria Eva e a sua mãe Joana Fogaça quem trouxeram os bens de
Gaiate e de Cesar à posse do viúvo e do filho da D. Cecília. Portanto, o
Gaspar nobre e rico era o reles escrivão e enqueredor, o próprio Adão
daquela Eva sem filhos e esta a machada a cortar cérceas prosápias de
descendência nobilitante, mal firmadas num terceiro traslado de docu-
mento suspeito e provindo de incógnito notário.
Sebastião de Melo esmoreceu, chegando a vender os bens de Cesar
e de Gaiate ao fidalgo do Côvo, António de Magalhães e Meneses. Mas o
seu filho prosseguiu a demanda, fez-se linhagista e escritor, para a sus-
tentação do seu inventado direito e o neto, usando o apelido Melo da bi-
savó feirense, continuou os recursos ainda por largo tempo.
De acordo com o exposto poderemos concluir: eram santamaria-
nos, por nascerem ali na velhíssima Casa de Justas, agora devoluta, como
pardieiros mal tratados, o bisavó e o avô do primeiro Marquês de Pombal
e Conde de Oeiras Sebastião José de Carvalho e Melo, notável ministro
de D. José I.

2. O Marquês de Pombal oriundo da Feira3

«Se o primeiro Sebastião de Melo soubesse que, ainda neto de um


escrivão de serventia, vinha a ser avô de um Marquês de Pombal, de certo
não ia emplumar-se com falsa nobreza roubada e se contentava com a
que lhe havia de antevir do notabilíssimo vulto do neto.»
Nicolau Tolentino, com mais espírito, mais arte e mais certeira pon-
taria dardejou as suas penetrantes quintilhas à carcaça do Marquês. Entre
os poetas que escouceavam o leão moribundo está um Alexandre da Silva
Pedrosa Guimarães autor de ROMANCE HEROICO que ele, noutro tempo, ofe-
recera a Sebastião José de Carvalho. É talvez o mesmo exemplar que o
ministro leu e algum amanuense abafou como obra de execução prima.
O romance heroico em toantes intitula-se Manifesto poético, jurídico, ge-
nealógico, politico e histórico ao Ill.mo e Ex.mo Snr. Sebastião, etc. Na por-

3
Correio da Feira, 21 de Julho de 1945

24
O PROCESSO DOS TÁVORAS

ção genealógica é inimitável. Sebastião de Carvalho acabava de usurpar


os vínculos de Gonçalo Cristóvão em 1751. O poeta alude ao facto jurí-
dico e tira do peito estes hendecassílabos:

Vós de Manoel de Carvalho de Athayde


Fidalgo e capitão, forte guerreiro.
Que em serviço do rei quiz dar a vida
Na Beira, no mar, e no Alemtejo,
Sois filho singular e glorioso,
Tão sábio, tão prudente e tão discreto,
, Que a Londres nosso rei D. João quinto
Quiz que fosse ostentar-se o vosso engenho.

Neto sois de Sebastião Carvalho Varão


illustre, potentado e egrégio,
E bisneto presado e mui distincto
De Gaspar Leitão Coelho em tudo excelso.

Este foi de outro heroe do mesmo nome


Querido filho e idolatrado objecto
Do qual vós por legitima ascendência
Sois, como se julgou, tataraneto.

Por elle vos pertence a illustre casa


De Montalvão, pois vosso parentesco
He tão próximo como vós mostrastes
Nos claros e distinctos documentos.

Por que Gaspar Leitão Coelho ê filho


Do illustre Gonçalo Pires Coelho
Que de D. Violante foi esposa, E são vossos avós quartos paternos. Etc.

25
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

3. Lugar de Justas – Capela de Todos os Santos

Para nascente do terreno onde está implantado o edifício que ser-


viu de cadeia comarcã, há um pequeno caminho que liga a rua do Dr.
Santos Carneiro com o lado nascente do cemitério local. A faceá-lo pelo
poente e a pouca distância desta rua existem os restos desta velha capela
que foi convertida em habitação de caseiros e presentemente serve de
arrecadação de produtos agrícolas.
O seu passado está atestado na frontaria. O portal de entrada está
trabalhado ao sabor da cantaria das janelas da casa do capelão sobre a
sacristia da capela de Nossa Senhora da Encarnação, junto ao castelo,
reconstruída pela Condessa da Feira, D. Joana Forjaz Pereira de Mene-
ses, em 1656, e da janela que se abre na torre sul da igreja matriz, ainda
em construção no meado do século XVIII. O que corresponde a um pe-
ríodo compreendido entre os meados do século XVII e os meados do
século XVIII. Convém considerar no estudo da história desta capela e
casa de Justas. O mesmo pormenor foi aproveitado para a cantaria das
janelas do edifício do tribunal, quando há anos foram reconstruídas as
suas paredes.

4. Capela de Todos os Santos, em Justas.

Esta capela está encimada por uma cruz, hoje partida, sobre um
plinto, na convergência de dois panos de cantaria que descem até às suas
paredes laterais. Sobre aquele portal de entrada está aplicada uma pedra
de armas onde estão representadas, no primeiro e quarto quartéis, os
Leitões e, no segundo e terceiro, os Coelhos. Esta pedra de armas é sim-
ples e não tem elmo, nem timbre, terminando, em cima, em ponta formada
por duas curvas reentrantes. Para sul, desenvolve-se a casa, formada de
rés-do-chão e primeiro piso, este servido por um portal que deita para uma
velha escadaria que a separa da capela.
Arruinada, mas com sinais da sua antiguidade, como o portal, duas
janelas com varandas (hoje transformadas em simples janelas) voltadas
para nascente e uma outra voltada para sul, (prejudicada pelo seu estrei-

26
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tamento), todas do mesmo estilo e trabalhadas como aquele portal de


entrada da capela. Ainda se encontram velhos degraus muito consumidos
e um portal a sul que parece ter pertencido ao pátio ou a dependências
exteriores da casa, além de outras pedras aparelhadas. A casa destina-se
a habitação e serve terrenos destinados à agricultura, cultivados pelos
caseiros que lá vivem. Na parte traseira da capela (para poente) há uma es-
cada para o exterior, que me parece ser relativamente moderna (posterior à
profanação da capela), pois o interior da parede, onde está aberta, devia ter
sido ocupado pelo altar.
Como geralmente sucede, em casos similares, a história desta
capela está intimamente ligada à da casa de que faz parte e à da fa-
mília a que pertencia. Os conhecimentos que temos dela são escas-
sos, fragmentados e sem a necessária continuidade, pelo que tenho
que me socorrer de pequenas notícias, de factos ligados à vida dos
seus diversos proprietários e outros elementos de diversa ordem, como
quem está a recolher cacos de uma peça desmantelada que se procura
reconstituir.

5. Santa Maria da Feira ao tempo de Marquês


de Pombal

Dado importante é o facto da vila e o conjunto da freguesia conta-


vam, no ano de 1758, com 297 fogos correspondentes a 860 pessoas
maiores e 125 menores, num total de 985 pessoas. Todavia, o termo da
Feira era muito extenso e abrangia 76 freguesias, embora a notícia não
mencione o número de “vizinhos” ou cabeças de casal de cada uma delas.
A paróquia de S. Nicolau esteve na igreja do mesmo orago até ao dia 1
de Maio de 1566, data em que se deu por concluído o convento do Es-
pírito Santo, iniciado seis anos antes por iniciativa do 4.° conde da Feira,
D. Diogo Forjaz Pereira. Nele passaram a viver os cónegos de S. João
Evangelista, cujo principal ou reitor passou também a abade da freguesia
de São Nicolau da Feira.
Tal circunstância levou a que nos meados do século XVIII não
houvesse beneficiados na dita igreja e apenas um padre para a admi-
nistração dos sacramentos. Além disso, o Reitor do convento do Espí-

27
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

rito Santo foi também reconhecido como abade de São Mamede de Tra-
vanca e de São Cristóvão da Regedoura, o que aumentou o seu poder
espiritual na vila e arredores. O padre João de São Pedro Quintela re-
fere ainda a fundação da Misericórdia da Feira no reinado de D. Manuel,
muito embora os primeiros estatutos aprovados pela coroa datem do ano
de 16544.
Quanto aos efeitos do terramoto de 1755 na Feira, o pároco re-
fere sobre o convento do Espírito Santo: “Este Convento forma hũa
perfeyta quadra fazendo a Igreja o lansse della da parte do Norte, o
dormitório da parte do Sul. Na Terra motto de sincoenta e sinco teve
alguma ruina pella qual razão se acha ainda escorado, tem no meyo
hũ muyto espaçoso claustro todo de galaria obrado ao moderno com
dezasseiz janelas rasgadas com suas grades de ferro, e no meyo tem
hũ fermozo chafariz a agoa do qual se reparte por todas as ruínas da
caza”. No que respeita ao castelo da Feira, que se achava ao tempo
em grande ruína, o terramoto atingiu fortemente o campanário; “o
qual deu tanto de si que está arredado da mais parede perto de dois
palmos”. Por fim, “Além desta ruína e da abóbada da Misericórdia e
do Dormitório do Convento, como assim dissemos, não ouve ruina al-
guma memorável” 5.
Não é possível comentar o texto integral da “memória” de 1758
sobre a vila da Feira, embora alguns dados sejam merecedores de ci-
tação. Tal a notícia de uma feira no dia 20 de cada mês: “que antiga
mente se fazia em Santo André, e por se modar para o Rocio desta Villa
se chama a Feyra nova. He franca e dura hum dia”. Havia uma outra
feira, essa anual, no dia 25 de Março, extramuros do castelo, junto à
Senhora da Encarnação a que nesta terra chama o vulgo a “Senhora
do Março”, cuja imagem era de grande devoção. A vila era, nos meados
do século XVIII, cabeça de comarca, embora da provedoria de Es-
gueira, com um ouvidor, um juiz de fora, três vereadores, um procu-
rador do concelho, quatro tabeliães do judicial e notas, meirinho e
alcaide, além de outras autoridades do foro militar, tendo à frente um
capitão-mor e a presença de 12 companhias de ordenança da vila e
seu termo. Outrora privilégio dos condes, a apresentação destes fun-
4
Veja-se CARDOSO, Luís – Diccionario Geographico de Notícia Histórica (...)., Tomo I, Lisboa:
Regia Officina Sylviana e Academia Real, 1747-1751, p. 32.
5
Veja-se de PINTO, A. Ferreira, “Colegiada ou Colégio do Espírito Santo na Vila da Feira”, in
Arquivo do Distrito de Aveiro, volume IV, Aveiro, 1938, pp. 81-90.

28
O PROCESSO DOS TÁVORAS

cionários cabia agora ao infante D. Pedro, irmão de D. José I, tio e fu-


turo marido da rainha D. Maria I.
A terra vivia então uma hora de decadência municipal, face aos
antigos privilégios com que a coroa a havia dotado, quando o mesmo
fizera em relação à câmara da cidade do Porto: “porem hoje, ou pello
decurso do tempo ou pella incúria dos Nacionais se lhe não acha cla-
reza de privilegio notável”. Todavia, guardava-se a lembrança do dia 20
de Janeiro, vinda da época do rei D. Sebastião, em que se fazia uma so-
lene procissão, e uma outra solenidade no dia de São João. Não podia
a “memória” deixar de mencionar o castelo: “ao sul da villa se vê hum
altíssimo, e antiquíssimo Castello obra dos Mouros, e morada muitos
annos dos condes, que tanto com a sua presença o inoverserão quanto
ao dipois a sua auzencía o arruinou e destruhio, ficando acervo de
ruínas o que fora monte de grandezas, e hoje muyto mais pello incêndio
que sobreveyo ao Paço e o deixou despojo lastimozo das suas deborado-
ras chamas”.
Cumpre, por fim, assinalar informes soltos que constam da “me-
mória” do pároco de São Pedro Quintella e que constituem achegas
para a história da Feira no mencionado ano. Na parte sul, cortava a
terra um regato conhecido por Souto Redondo, que vinha próximo da
albergaria do mesmo nome, a uma légua da vila. Não tinha o mesmo
um grande caudal e sucedia que no Verão levava pouca água, em vir-
tude de não haver subafluentes para o alimentar. Numa época em que
as populações buscavam nas águas que se tinham por curativas, não
havia memória de qualquer “virtude particular” dessas águas. O pá-
roco acrescenta: “Os peixes que traz são algumas trutas e bogas muito
poucas. Não tem pescarias pela falta de peixes”. Contudo, as margens
do regato eram muito férteis graças aos salgueiros e álamos ali plan-
tados. E desta forma, atravessando as freguesias de São Fins, Feira e
Travanca, o regato de Souto Redondo ia desaguar no rio de Ovar, junto
à vila do mesmo nome.
Três pontes asseguravam a passagem do regato no termo da fre-
guesia, sendo uma de boa pedra no lugar de Lavandeira Baixa. As outras
duas situavam-se uma na vila da Feira, dando passagem para o convento
do Espírito Santo, e a terceira para assegurar a ligação entre o Rossio e
Fijô. A freguesia dispunha ainda de cinco moinhos de água que serviam
para a laboração de cereais, acrescentado Quintella: “Porém, para a fer-
tilidade das terras e tráfego necessário dos campos há nesta freguesia

29
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

um rego de água nativa e perene que se chama a Velha, por nascer em


o lugar deste nome, o qual rega a maior parte das terras desta freguesia
e repartida por horas, para evitar alguns distúrbios do povo”. Outros in-
formes haveria decerto a revelar, finaliza o pároco da Feira, se um in-
cêndio não tivesse destruído o cartório municipal rico em documentos
antigos6

6. O atentado, a Casa dos Távora e o Processo


Pombalino (1758-1759)

As palavras abaixo escritas pela rainha D. Mariana Vitória, e di-


rigidas à mãe, Isabel de Farnésio, em carta datada de 17 de dezem-
bro de 1758, refletem a surpresa que atingiu o interior da própria
Corte quando a notícia do atentado contra D. José, mantida em se-
gredo por mais de dois meses, veio a público e foi definitivamente
confirmada.
Noutra carta, desta vez com data de 16 de janeiro de 1759, a rainha
apresentava à mãe detalhes pormenorizados das sentenças proferidas
contra os culpados, gente de primeira nobreza, informando ainda da pri-
são de dez padres da Companhia de Jesus, igualmente envolvidos. Cons-
ternada, destacou a condenação de D. Leonor Tomásia de Távora, essa
“mesma Marquesa de Távora que vós vereis pela sentença dever ser de-
capitada, como de facto aconteceu, é essa mesma senhora do meu conhe-
cimento e por quem tinha amizade”.7
«Minha muito querida mãe enganaram-me e eu vos enganei, há
três ou quatro dias que sei a verdade daquilo que vos vou dar parte
[...] na noite de 3 de setembro regressando [o rei] da casa de um dos
outros senhores que é tão próxima daqui que eu a vejo perfeitamente
das minhas janelas atiraram sobre a sua carruagem dois golpes de
fogo quase à queima-roupa [...] não se sabe dizer se foi ferido dos dois

6
Veja-se a transcrição do documento por COSTA, Eduardo Alberto da, “Memórias Paroquiais
do século XVIII, n.° VII, Freguesias de S. Nicolau da Vila da Feira”, Arquivo do Distrito de
Aveiro, volume XXXVI, n.° 143, Aveiro, 1970, pp. 198-210.
7
Trechos da referida correspondência citados por MONTEIRO, Nuno Gonçalo F. D. José I: na
sombra de Pombal. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p. 131.

30
O PROCESSO DOS TÁVORAS

lados ou somente de um [...] a ferida no braço direito foi terrível por-


que toda a carne do interior do braço ficou exposta [...] eu vi as cicatri-
zes, e são verdadeiramente grandes; [...] deve-se prender uma família
quase inteira e algumas outras pessoas todas de primeira qualidade que
são aquelas das quais mais se suspeita, porque com certeza nada se
sabe, e eu não sei quais as horríveis descobertas que se poderão vir a
fazer.» 8
As palavras acima escritas pela rainha D. Mariana Vitória e dirigidas
à mãe, Isabel de Farnésio, em carta datada de 17 de dezembro de 1758,
refletem a surpresa que atingiu o interior da própria Corte quando a no-
tícia do atentado contra D. José, veio a público e foi definitivamente con-
firmada.
Sem dúvida o atentado sofrido por D. José I em 3 de setembro de
1758 constituiu um dos episódios mais marcantes da história política por-
tuguesa, merecendo comentários reprováveis de Voltaire no seu Resumo
do Século de Luís XV. 9
Ademais, desde cedo rumores circulavam em Lisboa acerca dos
tiros que teriam atingido a pessoa do monarca e a correspondência
dos embaixadores estrangeiros em Portugal reflete o quanto eram di-
versas as versões sobre o caso. Nas palavras de Nuno Gonçalo Mon-
teiro, “pelo menos desde 12 e 13 de Setembro que os representantes
diplomáticos em Portugal dos governos de França, Áustria e Ingla-
terra” tinham “informado os respetivos governos da ocorrência de um
atentado, que descreveram com certo pormenor, [...].” Dentre as versões
então apresentadas, a do encarregado francês mostrou-se curiosa. Es-
crevia ele que “tem-se a ideia de que o Rei vinha de ver uma amante.
O criado que o acompanhava não o deixa duvidar e o que há de mais
horrível e incrível é que se acusa a Rainha por ciúmes de ser a causa
deste enorme acidente acreditando que ela fazia matar a amante [d.
Teresa, a Marquesa de Távora moça, esposa do supliciado Luís Ber-
nardo de Távora] e o alcoviteiro [Pedro Teixeira], imaginando que ele
devi levá-la essa mesma noite ao Palácio e que sua majestade estava
com os secretários de Estado.” 10

8
Idem, p. 133
9
MARQUES, José Oscar de Almeida. “Voltaire e um episódio da História de Portugal”. In: Me-
diações: Revista de Ciências Sociais. Londrina, vol. 09, n.º 2, 2004, pp. 37-52.
10
MONTEIRO, Nuno G., ob cit, 2008, p. 134.

31
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

De facto, e segundo a opinião dos contemporâneos, a relação amo-


rosa entre D. José e D. Teresa de Távora, irmã e nora de Francisco de
Assis, o Marquês de Távora pai, era reprovável aos olhos da importante
família, tendo o Duque de Aveiro, em seu depoimento na Junta da In-
confidência, sugerido que o Marquês de Távora teria participado da con-
juração por ódio à falta de decorro e pudor que o rei impunha à sua
Casa, de resto pública a todos. Seja como for, e à parte polêmicas e in-
certezas que caracterizaram o atentado e suas possíveis motivações, cum-
pre registrar os elementos documentais então produzidos pela chamada
Junta da Inconfidência.11
Dentre os itens que compõem o processo pombalino de 1758-1759
encontram-se documentos preliminares diversos, tais como editais ré-
gios; decretos de nomeação de magistrados que deveriam compor a
Junta Suprema da Inconfidência; “autos de corpo de delito” realizados
em D. José I, na sua sege e roupas; e mesmo uma representação da
Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa manifestando fidelidade ao rei. O
edital de 9 de dezembro de 1759, pelo qual D. José I comunicava ofi-
cialmente aos súbditos o atentado e a suposta conspiração contra si,
aparece em duas versões. Uma manuscrita e com a assinatura régia,
e a outra impressa, em forma de panfleto, com a assinatura de Se-
bastião José de Carvalho e Melo. Em suas linhas, D. José I determi-
nava que:
“Estabeleço que todas as pessoas que descobrirem de sorte que veri-
fiquem, o que declararem qualquer, ou quaisquer dos réus da mesma in-
fame conjuração, sendo os declarantes plebeus, serão logo por mim
criados nobres, sendo nobres, lhes mandarei passar alvarás de foros de
moço fidalgo, e de fidalgo cavalheiro, com as competentes moradias,
sendo fidalgos dos sobreditos foros lhes farei mercê dos Títulos de Vis-
conde, ou de Condes, conforme a graduação em que se acharem, e sendo
Titulares os acrescentarei aos outros títulos, que imediatamente se segui-
rem aos que já tiverem.
E prosseguia:
“Além de cujas mercês, farei aos sobreditos declarantes as outras
mercês úteis; assim pecuniárias como de ofícios de Justiça ou Fazenda, e
de bens da Coroa, e ordens que reservo a meu Real arbítrio regular, con-
11
Idem, pp. 150-151. Acerca do envolvimento amoroso entre D. José I e a Marquesa de Távora,
ver LOURENÇO, Maria Paula; PEREIRA, Ana Cristina, TRONI, Joana. Amantes dos Reis de Por-
tugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008.

32
O PROCESSO DOS TÁVORAS

forme a qualidade e importância do serviço, que cada um dos ditos de-


clarantes me fizer.” 12
Por certo, tratando-se de uma conspiração política contra o rei, o
pragmatismo e cuidado em prover os ofícios e conceder mercês iam “às
favas”. No melhor estilo de Antigo Regime, o edital garantia a distribuição
de títulos e benesses aqueles que, demonstrando fidelidade e bom ser-
viço à Coroa, prestassem declarações úteis ao caso. Porém, dificilmente
houve tempo hábil para “verificá-las”, haja vista a celeridade incrível com
que se procedeu e encerrou o processo.
As prisões ocorreram entre os dias 12 e 13 de setembro, sendo de-
tidos não só os principais suspeitos, mas também familiares e criados li-
gados aos Távoras. Seguiram-se os interrogatórios e depoimentos. A
defesa dos réus, elaborada por Eusébio Tavares de Siqueira, nomeado
defensor dos acusados, que foi entregue em 11 de janeiro de 1759, às
quatro horas da tarde, e nesse mesmo dia a Junta da Inconfidência, cujo
presidente era Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira – membro do Conselho
do rei, Desembargador do Paço, Deputado da Mesa da Consciência e Or-
dens, e Chanceler Regedor da Casa da Suplicação –, concluiu os autos e
requereu ao monarca permissão para agravar as penas previstas na lei.
Assim, no dia 12, foi concluída a devassa, redigida a sentença, comuni-
cada aos réus e executada na manhã do dia 13 de janeiro de 1759! Na
verdade, tal como sugere Beccaria em relação à justiça criminal de seu
tempo, o que estava em jogo nesse processo era “a ideia da força e do
poder, em vez da justiça”.13
A propósito, a violência usada na execução dos fidalgos e de alguns
dos seus criados foi um dos principais elementos que chamaram a aten-
ção dos contemporâneos.
Embora a prática de execuções públicas e o uso de penas corporais
não fossem novidades no Antigo Regime, o rigor das execuções não dei-

12
Arquivo Nacional Rio de Janeiro - Negócios de Portugal, Processo dos Marqueses de Tá-
vora, cód. 746; M. 005.0.73 v. 1.. Cf. folhas iniciais. Ao comparar a publicação do processo
de Pedro de Azevedo com os manuscritos originais, pode-se afirmar que a impressão de
1921 é bastante cuidadosa e fiel. Não apresenta, é verdade, as inúmeras anotações nas mar-
gens, assim como as rasuras e reparos que aparecem no original sem nenhuma ressalva.
Mas por certo é extremamente útil, haja vista que existem muitas partes dos manuscritos
que estão ilegíveis ou mesmo danificadas. Assim, ver o mesmo edital em Pedro de Azevedo.
AZEVEDO, Pedro – O processo dos Távoras. Lisboa: Tipografia da Biblioteca Nacional, 1921,
pp.5-6.
13
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas (1764). São Paulo: Martin Claret, 2006.

33
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

xou de chocar os espíritos mais sensíveis, e mesmo a população de uma


forma geral. Tanto que vasta iconografia foi produzida a respeito, assim
como diversas descrições das mortes dos conjurados.14
De acordo com Nuno Gonçalo Monteiro, abordaremos alguns tre-
chos que descrevem as execuções dos Távoras e demais implicados. A
primeira a ser executada na manhã do dia 13 de janeiro de 1759 foi D.
Leonor Tomásia de Távora, a Marquesa mãe e sucessora da casa dos Tá-
voras, haja vista que Francisco de Assis foi feito marquês pelo casamento
com esta fidalga, apontada pela sentença como a “cabeça da conspira-
ção”. Chegou ao patíbulo montado em Belém numa “cadeirinha preta”,
cercada por religiosos de Rilhafoles. O algoz “logo a recebeu a foi mos-
trando ao povo espectador, correndo com ela a circunferência daquele
lugar. Depois lhe foi mostrando muito individualmente os instrumentos
e formalidade, com que haviam padecer morte afrontosa, ela, filhos,
genro e parentes, mais sócios e sequazes do seu delito, [...] e abatendo a
intrepidez, que até então mostrara. [...] ao tirar a capa se lhe virão as
mãos presas. Sentada no banco a ligaram a ele cordas pela cintura e
pelos pés; vendaramlheos olhos com o seu mesmo lenço, e disposta pelos
padres que a acompanhavam com os atos com que os católicos devem
acabar a vida, a perdeu Leonor aos golpes de um cutelo, [...] dando-lhe
no pescoço pela parte das costas, por maior ignomínia, lhe fez cair a ca-
beça sobre o peito, pendente da pele da garganta, e acabando de a sepa-
rar, a mostrou [o algoz] ao povo, e atirou com ela ao chão(...).” 15
A seguir, os filhos da Marquesa, José Maria de Távora e Luís Ber-
nardo, apresentaram-se para execução. O primeiro, que mesmo após os
tormentos a que foi submetido ao longo do processo negou sempre a
participação em qualquer insulto ao rei, subiu com dificuldade o patí-
bulo.
“Logo que chegou acima do cadafalso, o Meirinho e os algozes o
foram mostrando ao povo. [...] Via-se uma aspa estendida, com as pontas,
superiores sobre o banco em que se decapitar sua mãe: nela o mandaram
os algozes estender, e depois de ligados os braços e pernas, ao tempo que

14
Ver desenho do patíbulo construído em Belém para a execução dos fidalgos que pode ser
consultado no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo: http://antt.dglab.gov.pt/exposicoes-
virtuais-2/o_suplicio_tavoras/.
15
O trecho presente e os seguintes foram citados por Nuno Gonçalo Monteiro com base nos
documentos transcritos por Pedro de Azevedo na primeira edição do processo dos Marqueses
de Távora. Cf. MONTEIRO, Nuno G., ob cit., 2008, pp.152-153.

34
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o principal executor lhe dava morte a garrote, lhe foram os ajudantes


com as macetas de ferro quebrando as oito canas dos braços e pernas
[...]Feita esta morte muito cruel, porque pendendo o corpo naturalmente
para baixo, pela elevação que na aspa havia para a passagem da del-
gada corda que havia de dar o garrote, quebrou logo ao dar a primeira
volta o arrocho, e acabou a vida a efeitos das pancadas que lhe dilace-
raram o corpo, perecendo com tirania.” 16
O irmão Luís Bernardo, assim como D. Jerónimo de Ataíde, Conde
de Atouguia, tiveram mortes semelhantes à de José Maria, nas quais se-
guiu-se o mesmo ritual. Coube depois a vez dos plebeus, os criados Manuel
Álvares Ferreira, Guarda-Roupa do Duque de Aveiro, Braz José Romeiro,
cabo da esquadra da Companhia do Marquês moço, e João Miguel, moço
de acompanhar do Duque, que foram executados do mesmo modo que
seus senhores fidalgos. Por fim, foram executados os ditos principais arti-
culadores da conspiração, o Marquês de Távora e D. José Mascarenhas,
Duque de Aveiro.
O primeiro deles saiu “todo vestido de preto, cabeleira de bolsa, mãos
presas, e nelas um crucifixo. [...] Subiu com velocidade a escada do patí-
bulo. O algoz principal observou a genérica cerimônia de o mostrar aos
circunstantes, e depois a ele muito distintamente, os corpos desmembrados,
descobrindo-lhes com pausa, sendo o último o de sua mulher, e finalmente
a forma e instrumentos com que haviam perdido as vidas, e acabaria ele
a sua, [...]. Ajoelhou o Marquês diante da aspa, e a beijou: confessou-se,
compôs, na aspa, a que foi logo ligado. Logo o algoz pegou em uma massa
de ferro, que pesava 18 arráteis, e batendo-lhe a primeira pancada sobre
o peito, lhe foi quebrando as oito canas dos braços e das pernas, e ultima-
mente lhe deu a derradeira no rosto. Neste momento é que expirou entre
sentidos ais e gemidos, dentro de poucos minutos.” 17
O Duque de Aveiro, descrito como sendo de “espírito muito altivo
e por extremo soberbo para com os mais fidalgos”, “logo que subiu ao ca-
dafalso se observou com ele o cerimonial das vistas, [...] e vendo o igual
tormento que o esperava, foi muito mais sensível o seu martírio; porque
descarregando o algoz, por erro no braço, a 1ª pancada sobre o ventre
que devera dar sobre o peito, para que dilaceradas logo as costelas com
o vigor do golpe, quando lhe não tirasse instantaneamente a vida, aos

16
MONTEIRO, Nuno G., ob. cit., 2008, p.153.
17
Idem, pp. 154-155.

35
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

menos, com as potencias confusas para menos sentir a fratura dos ossos,
a que sem interrupção se procedia; foi necessário depois destes despeda-
çados, repetir os golpes no peito, e cara para acabar o fim do alento,
dando bem a conhecer, pelos sentidos ais que se lhe ouviam, a violência
e tirania que suportava.” 18
A sentença que condenou os fidalgos e seus criados à pena de
morte por crime de conspiração e lesa-majestade foi rubricada apenas
pelos magistrados que compunham a Junta como, por exemplo, o já ci-
tado juiz da inconfidência, Pedro Gonçalves Cordeiro, e João Antônio de
Oliveira Machado, que servira de escrivão. No manuscrito original apa-
recem muitas notas às margens, numeradas e que, aparentemente, fazem
referências e comentários aos depoimentos prestados pelos réus e teste-
munhas. Composta por vinte e oito parágrafos, insistia no facto de que
o Duque de Aveiro – importante figura da Corte, tendo inclusive no rei-
nado de D. João V ocupado o cargo de presidente do Desembargo do
Paço –, contrariado por D. José I em pretensões políticas19, idealizou em
conjunto com outros pares (os Távoras e o Conde de Atouguia), e sob a
direção de alguns padres da Companhia de Jesus (Gabriel Malagrida é
textualmente citado na sentença), o assassinato do rei e a sua destituição.
A sentença sugeria ainda que o objetivo dos conjurados era conduzir D.
Pedro, marido da futura rainha D. Maria I, ao governo. Porém, não se ex-
plica ao certo como os fidalgos e os padres concretizariam tal intento.20
Além da sentença e dos depoimentos, consta em anexo aos autos do
processo pombalino um curioso texto, uma espécie de apêndice intitulado
Providências, no qual se trata dos religiosos da Companhia de Jesus em
Portugal e dos sequestros de seus bens. As tais Providências antecipavam
as ideias e máximas que posteriormente seriam difundidas na Relação Abre-
viada e na Dedução Cronológica e Analítica. Mediante as “maquinações”
dos jesuítas, que por não reconhecerem a autoridade régia incitaram os
réus à rebelião, o texto assegurava que se faz “preciso ocorrer às suas ma-
quinações com providências tão eficazes e tão prontas, que desde logo de-

18
MONTEIRO, Nuno G., ob. cit., 2008, p.155.
19
A não renovação das comendas que tinha a casa de Aveiro e a não autorização para casar o
primogénito d. Martinho de Mascarenhas com uma filha dos Duques de Cadaval. Cf. MON-
TEIRO, Nuno G., ob. cit., 2008, pp.145-152.
20
ANRJ, ob. cit., cód. 746 - M. 005.0.73, vol. 1, fls. 62-85, F. e V. Guilherme G. de Oliveira
Santos publicou a sentença de condenação no seu SANTOS, Guilherme de Oliveira – O caso
dos Távoras. Lisboa: Livraria Portugal, 1979, pp.327-347.

36
O PROCESSO DOS TÁVORAS

sarmem, e desconcertem tudo quanto ele possam idear em prejuízo de S.


M., e do sossego público dos seus fiéis Vassalos. E estas providências parece
que sendo o dito senhor servido aprová-las, podem ser as seguintes (...)” 21
Datado de 18 de Janeiro de 1759, e escrito no Palácio de Nossa Senhora
da Ajuda, casa em que se reunia a Junta da Inconfidência, as Providências,
assinadas pelos magistrados e pelo ministro Sebastião José de Carvalho e
Melo arrolavam um conjunto de seis itens que deveriam ser observados em
relação aos padres da Companhia. Dentre eles, o quinto já previa o encerra-
mento dos colégios da Ordem e a sua substituição por professores régios.
Portanto, o processo dos Marqueses de Távora ia além da reparação da ofensa
sofrida pelo monarca. Na verdade, inseria-se num projeto maior de afirmação
da autoridade régia face ao poder temporal da Igreja e aos privilégios de
casas nobres como a dos Távoras.22 O documento entendia que:
“parece que se devem expedir ordens circulares às Universidades
de Coimbra, Évora e mais terras do Reino, onde os sobreditos padres tem
escolas abertas, para que logo sejam fechadas, dando o mesmo Senhor
[d. José I] juntamente a providência de ordenar às Câmaras que ponham
editais para proverem mestres de ler, escrever e contar, e de latim, com
ordenados competentes, que podem sair do mesmo cofre do seqüestros,
para que elejam pessoas capazes por costumes e ciência, e que cumpram
com as suas obrigações23.”
Quanto ao segundo volume do processo pombalino dos Távoras,
corresponde às peças propriamente jurídicas, tais como os depoimentos
e interrogatórios realizados, assim como as denúncias apresentadas pelas
testemunhas que, pelo que se pode notar, foram pouco numerosas e quase
nunca de origem nobre. Em alguns dos depoimentos, como o do Marquês
de Távora Francisco de Assis e o de Luís Bernardo, há a indicação do uso
de tratos.24
No segundo volume encontram-se ainda as seguintes peças docu-
mentais: a “Declaração das culpas que se mandava passar aos réus presos,

21
ANRJ, ob. cit., cód. 746 - M: 005.073, vol. 1, ff.97-99:, AZEVEDO, Pedro, ob., cit., 1921, pp.
5-61.
22
Acerca dos conflitos entre o poder da Coroa e o poder temporal exercido pela Igreja e, es-
pecialmente, pela Companhia de Jesus em Portugal do século XVIII, cf. ALVES, Patrícia Domin-
gos Wolley Cardoso – Os Jesuítas diante de O Verdadeiro Método de Estudar: conflitos políticos
e de ideias no setecentos português (C. 1740-1760). Niterói: UFF, 2004. Dissertação de Mestrado.
23
ANRJ, ob. cit., cód. 746 - M: 005.073, vol. 1, fls. 97-99, F. e V. .
24
Idem.

37
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

para que pudessem se defender; a Defesa que a favor dos réus ofereceu o
desembargador Eusébio Tavares de Siqueira, procurados para eles nomeado
por Sua Majestade” – que diferentemente da Declaração de Culpa, apre-
senta uma letra muito difícil à compreensão, além do papel estar muito da-
nificado –; e mais um conjunto de quinze “cartas suspeitas”, copiadas dos
originais, escritas por jesuítas portugueses “que pelos correios passam para
cortes estrangeiras [...]”. Tais cartas, datadas entre 1756 e 1758 e examinadas
por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra, foram anexadas aos autos como supostas provas da conspiração
política contra o rei. Muitas se encontram ilegíveis, mas foram igualmente
reproduzidas por Pedro de Azevedo na sua obra.25

7. Explicações para o atentado

Na publicação “O Marquez de Pombal: folheto para poucos”, publi-


cado no Porto em 1890 por Manoel Caldas Cordeiro26, escreveu o se-
guinte: ”Um escritor francês, Victor Joly chega a dizer que «o duque de
Aveiro tinha a queixar-se dum duplo ultraje: a mulher e a filha tinham
sido seduzidas pelo rei e entregues a todos os caprichos de um escanda-
loso deboche». Os Távoras tinham recebido desconsiderações do rei; mas
o mais ofendido era o segundo Marquês de Távora cuja mulher era a ma-
rafona de D. José I. Não havia porém uma prova cabal contra eles. Isto
não impediu que o tribunal os condenasse. Nunca em Portugal se viu uma
tão intensa crueldade na morte dos infelizes, considerados réus. Havia um
propósito firme de os fazer sofrer na alma e no corpo, prolongando-lhes o
martírio, infamando-os, torturando-os, insistindo d’uma maneira infame
sobre o destino dos seus restos mortais (...).
Mais adiante refere que “A 12 de janeiro de 1759 foi proferida a sen-
tença, e nessa noite sinistra, à luz dos archotes, os operários martelavam
o cadafalso. As pancadas dos martelos ouviam-nas os infelizes condena-

25
ANRJ, ob. cit., cód. 746 - M: 005.073, vol. 1, fls. 110-124, F. e V. Geralmente eram endereçadas
a religiosos da Companhia de Jesus em Roma, e narravam as complicações políticas em anda-
mento no reino entre os jesuítas e o gabinete pombalino.
26
CORDEIRO, Manoel Caldas. O Marquez de Pombal: folheto para poucos. Porto: Typographia
de A. J. da Silva Teixeira, 1890.

38
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dos, reunidos todos n’uma casa do palácio de Belém. A marquesa, D. Leo-


nor Távora, tinha sido conduzida, do convento das Grilas para Belém.
Pela madrugada já o povo enchia a praça e os lugares donde se
pudesse contemplar o horroroso suplício.
Passava das seis horas e meia, quando se abriu a porta do pátio
dos Bichos e saiu o grande acompanhamento tenebroso: os ministros do
crime, o corregedor e a tropa.
Atrás vinha a cadeirinha de onde se apeou a marquesa de Távora am-
parada por dois padres da congregação de S. Vicente de Paula. Confessou-se
no começo da escada. Depois subiu com agitação os degraus do patíbulo.
Recebeu-a o algoz, e, quando ela julgava que ele ia acabar-lhe a
vida, o carrasco descreveu-lhe minuciosamente o instrumento que ia ser-
vir ao seu suplício, mostrou-lhe a corda que havia de estrangular os seus
dois filhos, e o genro, o maço que havia de quebrar-lhes as pernas, os
braços; contou-lhe como havia de morrer o marido, e em que divergia a
morte do pai da dos filhos.
A marquesa, exausta pela tortura moral, pedia de joelhos que lhe
dessem a morte. Amarraram-na à cadeira, tiraram-lhe o lenço do pes-
coço, vendaram-na e o cutelo ferindo-a na nuca, decepou-lhe a cabeça.
Cobriram o cadáver da primeira vítima com um pano preto.
Saiu a cadeirinha outra vez do pátio e apeou-se quase desfalecido,
pálido como um cadáver, entorpecido na lembrança do martírio que lhe
iam infligir, um rapaz de vinte e um anos, loiro, amado talvez.
Subiu dificultosamente a escada amparado pelos frades. Falou ao
povo, mas a testemunha cujo manuscrito seguimos diz que a voz quase
se lhe sumia na garganta. Devia de dizer que morria inocente.
Os algozes estenderam-no numa aspa, passaram-lhe uma corda
pelo pescoço, e enquanto lhe quebravam as pernas e os braços, procura-
vam estrangulá-lo. A corda partiu, e o infeliz, estalados os ossos, dava
gritos tremendos. Como esses gritos deviam penetrar como balas pelos ou-
vidos dos espectadores! Hoje ainda o coração se nos mirra com as dila-
cerantes minuciosidades destas mortes.
Pela terceira vez trouxe a cadeirinha a terceira vítima, o Marquês
de Távora, o novo, o que o rei tinha corneado. Este foi um pouco mais
feliz do que o irmão: os algozes estrangularam-no e depois quebraram-lhes
as pernas e os braços.
O mesmo suplício foi infligido ao conde de Atouguia e aos criados.
António Alvares Ferreira, Braz José Romeiro e João Miguel.

39
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Houve um pequeno intervalo.


Veio a cadeirinha com o velho Marquês de Távora. Apeou-se serena-
mente, subiu os degraus do patíbulo, ajoelhou, beijou a aspa em que o haviam
de quebrar, e só quando os algozes lhe mostraram os corpos desfigurados da
mulher, dos filhos e dos criados é que essa estoica e santa serenidade se aca-
bou por um momento. Estenderam-no sobre o cavalete, amarraram-lhe os
pés e os pulsos, e quebraram-no em vida. Morreu heroicamente27.
Seguiu-se-lhe o duque de Aveiro, o medonho arrependido que de-
nunciara a família Távora. Tinha as feições contorcidas, e, horrivelmente
desfigurado, sujeitou-se à operação de lhe amarrarem os pés e os pulsos.
Estendido na aspa o carrasco vibrou-lhe a pancada na barriga, e,
enquanto o infeliz uivava uns gritos lancinantes, iam-lhe quebrando os
braços e as pernas. Eram tantos os gritos e as contorções, que o carrasco
apiedado talvez, deu-lhe com a maça na cabeça.
O último mártir era Manoel Alvares Ferreira, o criado, cujos tiros
entraram pelo braço do rei. Morria queimado. Fizeram os preparativos
para a fogueira diante do infeliz que, quase desmaiado, assistia às mi-
nudências da tortura. Lançaram-lhe finalmente o fogo, ao passo que
queimavam os cadáveres das outras vítimas. O vento soprava as chamas
e avermelhava o corpo em brasa do desgraçado que gritava, torcia, blas-
femava, apesar das consolações dos dois frades.
Já as chamas o envolviam todo, já as mãos se tinham tornado car-
vão, e ainda o infeliz erguia os cotos, cruzando-os, como que pedindo
misericórdia. José Polycarpo d’Azevedo foi queimado em estátua porque
se tinha evadido. Sobre este sujeito veja-se a história curiosíssima que
vem no Perfil do Marquês de Pombal do Sr. Camilo Castelo Branco. O ca-
dafalso, os cadáveres, tudo, reduzido a cinzas, foi deitado ao mar.
Os bens dos fidalgos foram todos confiscados e o Marquês de Pom-
bal roubou-lhes alguma prata, algumas baixelas e alguns livros. Ainda
na última compra feita pela biblioteca à casa Pombal vem uma Genea-
logia dos Távoras que Carvalho apanhou quando os bens se confiscaram.
A prata foi achada há anos em vida do Marquês, falecido há pouco, guar-
dando-se disso muito segredo28”.

27
O Marquês de Távora e o duque de Aveiro, segundo a sentença, deviam ter os braços e as
pernas quebrados e serem queimados vivos. O rei modificou-lhes esta tremenda morte.
28
CORDEIRO, Manoel Caldas, ob. cit., 1890.

40
O PROCESSO DOS TÁVORAS

8. A visão de Voltaire e outros escritores

Voltaire29 na obra “Précis du siècle de Louis XV” dedica duas pas-


sagens a acontecimentos ocorridos em Portugal: a devastação de Lisboa
causada pelo terramoto de 1755 e as consequências do alegado envolvi-
mento dos jesuítas, três anos mais tarde, no atentado contra o rei D. José I
e a consequente retaliação que eliminou o poder e a influência da alta no-
breza e dos jesuítas nos assuntos do Reino.
Manoel Caldas Cordeiro30 sobre Voltaire, escreveu “esse pequeno
grande homem do século XVIII, Voltaire que não tinha nem o espirito
de Rivarol e de Chamfort, nem o colossal talento de Diderot, Voltaire,
o senhor de La Palisse do livre pensamento, escreveu sobre esta conde-
nação que «o excesso do horror só era vencido pelo excesso do ridículo».
O conde d’Oeiras, como era bastante tapado, talvez julgasse, quando
lhe disseram a frase do homem que não fez outra cousa na sua vida,
que o filósofo de algodão em rama achava ridículo o jesuíta garrotado.
Por isto devia alegrar-se. Só, passados anos, quando lhe fizeram com-
preender o sentido das palavras de Voltaire, é que ele se certificaria
que os filósofos quando falavam dele, não o consideravam nem mais
inteligente, nem mais perspicaz, nem menos cruel que o seu real amo
D. José”.
Voltamos ao Resumo do século de Luís XV31 no qual Voltaire aflora
duas pontas de uma história, mantendo submersa a linha contínua que
as une e traz à luz a atuação do todo-poderoso ministro Sebastião José
de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal32.
29
Representou para a palavra escrita o que Leonardo da Vinci significou para a arte e enge-
nharia.
30
CORDEIRO, Manoel Caldas, ob. cit., 1890.
31
VOLTAIRE. Précis du siècle de Louis XV. (1768). Ed. Moland, vol. XV, pp. 143-435.
32
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782) recebeu sucessivamente do rei D. José I os
títulos de Conde de Oeiras (1759) e Marquês de Pombal (1770), sendo mais conhecido por
este último. Para evitar o anacronismo, vou referir-me a ele sempre pelo seu nome. Foi a mais
notável e mais controversa figura de Portugal setecentista, e a avaliação dos aspectos benéficos
e danosos de sua atuação desafia até hoje a análise dos cronistas e historiadores, separando-
os em campos irreconciliáveis. Procuramos verificar essa diversidade de análise sob o ponto
de vista dos autores:
Camilo Castelo Branco (CASTELO BRANCO, C. O perfil do Marquês de Pombal (1882). Lisboa:
Folhas e Letras, 2003) constitui o seu crítico mais implacável e vê sua atuação de forma uni-
formemente negativa.

41
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

A primeira passagem que Voltaire dedica a Portugal no Resumo está


no início do capítulo 31, no qual é abordado o período turbulento que
decorreu durante a Guerra dos 7 Anos (1756-1763):
“Os novos males da Europa parecem ter sido anunciados por tre-
mores de terra que se fizeram sentir em muitas províncias, mas de forma
mais terrível em Lisboa do que noutras partes. Um terço da cidade desa-
bou sobre seus habitantes; quase trinta mil homens pereceram (... ) Esse
flagelo deveria fazer os homens meditarem e perceber que, de facto, não
passam de vítimas da morte, que deviam ao menos consolar-se uns aos
outros. Os portugueses acreditaram obter a clemência de Deus quei-
mando judeus e outros homens em “autos-de-fé” , cerimónias que outras
nações consideravam um ato de barbárie; mas a partir dessa época ado-
taram-se medidas noutras partes da Europa para ensanguentar esta
terra que desmoronava sob nossos pés.”33
Este pequeno texto de Voltaire funciona como uma espécie de pró-
logo à descrição das catástrofes políticas que ocorreram durante o período
em questão. Mas seria errado pensar que a catástrofe geológica, ambiental,
económica, social e humanitária de Lisboa (que era então a quarta maior
cidade europeia) tivesse deixado Voltaire indiferente. Bem pelo contrário,
ela marcou-o muito, levando-o a compor febrilmente, nos dois meses se-
guintes o “Poema sobre o desastre de Lisboa”, no qual colocou em dúvida
a existência de uma providência divina por lhe parecer impossível conci-
liar tal providência com a morte de tantos inocentes.
O terramoto de 1 de Novembro de 1755 permitiu a Voltaire pole-
mizar em verso contra Alexander Pope e Leibniz, para quem “tudo está

Mário Dominguez (DOMINGUES, M. Marquês de Pombal: o homem e sua obra (1955). Lisboa:
Ed. Prefácio, 2002), escrevendo de uma perspetiva mais à esquerda, o avalia de forma equili-
brada e destaca seus méritos sem poupá-lo de críticas.
Por fim, a extensa análise de Teixeira Soares (SOARES, T. O Marquês de Pombal: a lição do
passado e a lição do presente. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1961) é na maior parte favorável e pro-
cura restituir-lhe um lugar de primeira grandeza no processo de modernização de Portugal.
Essa ligação expressa-se claramente na conhecida passagem de Oliveira Martins: “O terramoto
[de Lisboa] durou cinco anos (1755-1760) e subverteu as ruas e as casas, os templos, os mo-
numentos, as instituições, os homens, e até as suas ideias. E sobre as ruínas e destroços da ci-
dade maldita levantou-se a Jerusalém do utilitarismo burguês; sobre as migalhas de Síbare, a
efêmera Salento do Marquês de Pombal...” OLIVEIRA MARTINS, J. P. História de Portugal
(1879). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. pp. 172.
33
Voltaire, ob. cit., vol. xv, 1768, pp. 335-36. Todas as citações de Voltaire foram traduzidas
por José Oscar de Almeida Marques Dep. e Filosofia – UNICAMP e devidamente adaptadas à
ortografia (Português-Portugal).

42
O PROCESSO DOS TÁVORAS

bem”. Se Pope dulcifica e pacifica os males que nos atingem, já Leibniz


julga-os uma consequência inelutável da nossa natureza e da estrutura
do próprio universo.
Efetivamente o acontecimento pode ter constituído um divisor de
águas na produção de Voltaire, separando as suas obras iniciais, mais po-
sitivas e confiantes, dos seus textos escritos posteriormente, marcados cada
vez mais pelo cepticismo e o sarcasmo. E assim convidamos o leitor a ler

O poema sobre o desastre de Lisboa de Voltaire


– Trad. Vasco Graça Moura

“Ó míseros mortais! Ó terra deplorável!


De todos os mortais monturo inextricável!
Eterno sustentar de inútil dor também!
Filósofos que em vão gritais: “Tudo está bem”;
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas,
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam!
Aos gritos mudos já das vozes expirando,
à cena de pavor das cinzas fumegando,
direis: “Efeito tal de eternas leis se colha
que de um Deus livre e bom carecem de uma escolha?”
Direis do amontoar que as vítimas oprime:
“Deus vingou-se e a morte os faz pagar seu crime?”
As crianças que crime ou falta terão, qual?,
esmagadas sangrando em seio maternal?
Lisboa, que se foi, pois mais vícios a afogam
que a Londres ou Paris, que nas delícias vogam?
Lisboa é destruída e dança-se em Paris.
Tranquilos a assistir, espíritos viris,
vendo a vossos irmãos as vidas naufragadas,
vós procurais em paz as causas às trovoadas:

43
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Mas se à sorte adversa os golpes aparais,


mais humanos então, vós como nós chorais.
Crede-me, quando a terra entreabre abismo ingente,
ais legítimos dou, lamento-me inocente.
Tendo a todo redor voltas cruéis da sorte,
e malvado furor, e armadilhada a morte,
dos elementos só sofrendo as investidas,
deixai, se estas conosco, as queixas ser ouvidas.
É o orgulho, dizeis, em sedição maior,
que quer que estando mal, ‘stivessemos melhor.
Pois ide interrogar as margens lá do Tejo;
nos restos remexei sangrentos do despejo;
perguntai a quem morre em tão medonho exílio
se é o orgulho a gritar: “Céu, vem em meu auxílio!
desta miséria humana, ó céu, sê solidário!”
“Tudo está bem, dizeis, e tudo é necessário.”
Todo o universo então, sem o inferno abissal,
sem Lisboa engolir, se acresceria em mal?
Seguros estarei de a causa eterna aqui,
que tudo sabe e faz, tudo criou para si,
não nos poder lançar em tão triste clima
sem acender vulcões, andando nós por cima?
Pois assim limitais a mais alta potência?
Assim a proibis de excercitar clemência?
O eterno artesão em suas mãos não tem
prontos meios sem fim aos fins que lhe convêm?
Quisera humilde, e sem que ao mestre recalcitre,
que esse gosto a inflamar o enxofre e o salitre
seu fogo fosse atear lá no deserto imerso.
Eu respeito o meu Deus, porém amo o universo.
Se ousa o homem gemer de um flagelo horrível,
não é orgulho, não! Apenas é sensível.
Os que habitam em dor os bordos desolados,
dos tormentos, do horror, seriam consolados
se lhes dissesse alguém: “Caí, morrei tranquilos;
para um mundo feliz, perdeis vossos asilos;
outras mãos erguerão vosso palácio a arder,
nos muros a ruir, mais povos vão nascer;

44
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o Norte ganha mais com tudo o que perdeis;


vosso mal é um bem, segundo as gerais leis;
Deus vê-vos tal e qual ele olha os vermes vis
de que na cova sois a presa e que nutris?”
Aos desvalidos é horrível tal linguagem!
Minha dor, ó Cruéis, não consintais que ultrajem.
Não, não me apresenteis ao peito em ansiedade
as imutáveis leis de uma necessidade,
corpos a encadear, e espíritos e mundos.
Ó sábios a sonhar! Quiméricos profundos!
Deus segura a cadeia e não é encadeado;
seu benfazejo ser tudo há determinado;
é livre e justo, e não cruel nem vingativo.
Porque sofremos pois num jugo equitativo?
Mister o nó fatal seria desatar,
nosso mal curareis tratando de o negar?
Cada povo, a tremer, sob uma mão divina,
na origem para o mal que vós negais se obstina.
E se essa eterna lei que move os elementos
penhascos faz cair sob o esforçar dos ventos,
se aos carvalhos o raio a vasta fronde abrasa,
não sentem todavia o golpe que os arrasa:
Mas vivo, mas sinto eu, mas, coração opresso,
a esse Deus que o formou o seu socorro peço.
Filhos do Omnipotente e míseros nascemos
e para o pai comum as mãos eis que estendemos.
O vaso, sabido é, não diz nunca ao oleiro:
“Porque sou eu tão vil, tão fraco e tão grosseiro?”
Da fala não tem dom, não tem um pensamento;
essa urna que ao formar-se cai no pavimento,
não recebeu da mão do oleiro um coração
que bens quisesse ter e sentisse aflição.
“Essa aflição, dizeis, é o bem de um outro ser.”
Do meu corpo a sangrar mil vermes vão nascer;
quando a morte põe fim ao mal que eu hei sofrido,
bela consolação, por bichos ser comido!
Calculadores vãos dos dramas humanais,
não me consoleis pois, que as penas me azedais;

45
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

em vós não vejo eu mais que esforço impotente


de orgulho em sorte má que finge ser contente.
Do grande todo só fraca parte hei-de eu ser:
sim, mas os animais, forçados a viver,
e todo ser que sente e à mesma lei nasceu
têm de viver na dor e de morrer como eu.
Sob a tímida pressa, o encarniçado abutre
dos membros dela em sangue a bel-prazer se nutre;
para ele tudo é bem; porém e sem demora
a águia de bico de aço o abutre já devora;
o homem com mortal chumbo atinge a águia altaneira:
e ele em campo de Marte acaba sobre a poeira,
dos golpes a sangrar, junto aos mais moribundos,
de pasto indo servir aos pássaros imundos.
Os seres de todo o mundo assim todos padecem;
nados para o tormento, uns por outros perecem:
e vós arranjareis, nesse caos fatal,
do mal de cada ser, ventura universal!
Que ventura! Ó mortal, que és fraco e miserável!
Gritais: “Tudo está bem” e a vós é lamentável,
o mundo vos desmente e vosso coração
cem vezes vos refuta a errada concepção.
Humanos, animais, elementos em guerra.
Preciso é confessar que o mal está na terra:
seu princípio secreto é-nos desconhecido.
Do autor de todo o bem o mal terá saído?
Pois o negro Tifão, o bárbaro Arimano,
nos forçam a sofrer por seu mando tirano?
Meu espírito não crê em monstros odiosos
de que o mundo a tremer fez deuses poderosos.
Mas como conceber, só de bondade, um Deus
que os bens prodigaliza aos caros filhos seus
e neles derramou só males às mãos cheias?
Que olhar poderá ver-lhe o fundo das ideias?
Não ia o mal nascer do ser que é mais perfeito;
não vem de mais ninguém, se é Deus o só sujeito.
E todavia existe. Oh, bem tristes verdades!
Oh, mistura de espanto e de contrariedades!

46
O PROCESSO DOS TÁVORAS

A nossa raça aflita um Deus vem consolar


e a terra visitou sem a modificar!
Que o não pôde, um sofista em arrogância diz;
diz outro “Pode sim, o ponto é que o não quis;
decerto há-de querer”; e enquanto se arrazoa
há fogo subterrâneo a engolir Lisboa
e de cidades trinta os restos a espalhar,
do ensanguentado Tejo ao gaditano mar.
Ou nasce o homem culpado e Deus pune-lhe a raça,
ou único senhor que ser e espaço traça,
sem pena e sem se irar, tranquilo, indiferente,
da sua própria lei vai na eterna torrente;
ou contra ele a matéria informe se rebela
e em si defeitos traz necessários como ela;
ou Deus nos põe a prova e essa mortal viagem
para um eterno mundo estreita é a passagem.
Nós sofremos aqui dor passageira, sim:
a própria morte é um bem que às misérias põe fim.
Mas um dia ao sair desse caminho atroz,
dirá que mereceu ventura algum de nós?
Seja lá como for, é certo que se trema.
Nada sabido é, nada há que não se tema.
À natureza muda as questões pôr não vale;
precisa-se de um Deus que ao género humano fale.
Só ele poderá a sua obra explicar,
ao fraco dar consolo e ao sábio iluminar.
Sem ele, abandonado, erra, duvida e falha,
o homem que busca em vão apoio numa palha.
Leibnitz não me ensinou por quais nós invisíveis,
na ordem do melhor dos mundos já possíveis,
em desordem eterna, um caos de desventura
a nosso vão prazer a dor real mistura,
nem por que é que os dois, culpado e inocente,
o inevitável mal sofrer hão-de igualmente.
Nem posso conceber tudo estivesse bem:
sendo eu como um doutor, ah, nada sei porém.
O homem, diz Platão, já teve asas; e mais:
impenetrável corpo às agressões mortais;

47
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

o passamento, a dor não vinham a seu lado.


Quão diverso hoje ele é desse brilhante estado!
Rasteja, sofre, morre; e assim quando se gera;
e na destruição a natureza impera.
Frágil composto pois, de nervos e ossos feito,
e a qualquer colisão de elementos atreito;
tal mistura de sangue e líquidos e pó,
para se dissolver se reuniu tão-só;
e em seu pronto sentir, os nervos delicados
se submetem à dor, ministra de finados:
da voz da natureza é quanto me asseguro.
Abandono Platão, mando embobra Epicuro.
Mais que os dois sabe Bayle; e eu vou-o consultar:
de balança na mão, ensina a duvidar,
sábio e grande demais para não ter sistema,
a todos destruiu, e é contra si que rema:
como o cego a lutar que os Filisteus prenderam
sob os muros caiu que as mãos dele abateram.
Do espírito que pode a mais vasta conquista?
Nada; o livro da sorte encerra à nossa vista.
O homem, estranho a si, é do homem ignorado.
Onde estou, onde vou, quem sou, donde tirado?
Átomos em tortura em lama que se empasta,
cuja sorte se joga e a morte então arrasta,
mas postos a pensar, e átomos que viram,
guiados pela mente os céus que já mediram;
ao seio do infinito aspira o nosso ser,
sem um momento só nos ver, nos conhecer.
O mundo, este teatro, orgulho e erro abalam,
e é de infortúnios só que de ventura falam.
Busca-se o bem-estar em queixas a gemer:
a morte ninguém quer, ninguém quer renascer.
Às vezes, quando à dor os dias consagramos,
pela mão do prazer os prantos enxugamos;
mas o prazer se vai e como a sombra passa;
sem conta nossos são perdas, choro e desgraça.
O passado é-nos só uma lembrança triste;
e o presente é atroz, se o porvir não existe,

48
O PROCESSO DOS TÁVORAS

se a noite tumular no ser que pensa avança.


Bem será tudo um dia, é essa a nossa esp’rança;
hoje tudo está bem, é essa a ilusão.
Com sábios me enganei e só Deus tem razão.
Humilde nos meus ais, sofrendo em impotência,
eu não atacarei porém a Providência.
Viram que outrora em tom não lúgubre cantei
do mais doce prazer a sedutora lei:
outro tempo e costume: a idade dá sageza,
do humano extraviar partilho ora a fraqueza,
quero na treva espessa a mim iluminar,
e apenas sei sofrer e já não murmurar.
Um califa uma vez, como a sua hora desse,
ao seu Deus foi dizer apenas uma prece:
“Ser sem limite e rei único na verdade,
trago-te o que não tens na tua imensidade,
faltas, erro, ignorância e males em pujança.”
Mas inda ele juntar podia a esperança.

Não é de espantar que o terramoto de Lisboa integre um importante


episódio da obra-prima de Voltaire, o conto filosófico Cândido ou o oti-
mismo34, de 1759, no qual todo o sarcasmo e a ironia do autor voltam-se
contra as doutrinas otimistas de que tudo está bem e de que vivemos “no
melhor dos mundos possíveis”. No conto, o terramoto surpreende Cândido
e seus companheiros de viagem quando chegam a Lisboa:

“(...) restava-lhes algum dinheiro, com o qual esperavam salvar-se da


fome, depois de haverem escapado à tempestade. Mal entravam na ci-
dade, chorando a morte do benfeitor, quando sentem o solo tremer sob
os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali

34
Publicada anonimamente em 1759 é logo identificado o seu Autor e nesse mesmo ano a
obra conhece vinte edições, seguindo a sua fama para a Itália e Inglaterra onde é traduzida.
Voltaire foi o introdutor de um género de conto que utiliza a ironia para revelar criticamente
a realidade do mundo em que vivia: utiliza a ficção como interrogação e os seus personagens
agem por vezes em contradição com o senso-comum da época.
Em Cândido, o seu herói confronta-se regularmente com o optimismo veiculado pelas teorias
de Leibniz (o melhor dos mundos possíveis), ou o seu nome não exprimisse precisamente a
ideia da candura que o optimismo gera na adversidade através da existência do mal e da justiça
divina. Podem consultar os 29 capítulos em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/candido.html.

49
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e


praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces
que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas.” 35

No capítulo seguinte, antecipando aquilo que passado nove anos es-


creveria no Resumo, Voltaire refere-se à realização de execuções públicas
como meio de aplacar a cólera divina:

“Depois do tremor de terra que destruiu três quartas partes de Lisboa, os


sábios do país não encontraram meio mais eficaz para prevenir uma
ruína total do que oferecer ao povo um belo auto-de-fé; foi decidido pela
Universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas
queimadas a fogo lento, em grande cerimonial, era um infalível segredo
para impedir que a terra se pusesse a tremer. Tinham, pois, prendido um
basco que casara com a própria comadre, e dois portugueses que, ao
comer um frango, lhe haviam retirado a gordura: vieram, depois do
almoço, prender o doutor Pangloss e o seu discípulo Cândido, um por ter
falado e o outro por ter escutado com ar de aprovação: foram ambos
conduzidos em separado para apartamentos extremamente frescos, onde
nunca se era incomodado pelo sol; oito dias depois vestiram-lhe um
sambenito e ornaram-lhe a cabeça com mitras de papel: a mitra e o
sambenito de Cândido eram pintados de chamas invertidas e diabos que
não tinham cauda nem garras; mas os diabos de Pangloss tinham cauda
e garras, e as flamas eram verticais. Assim vestidos, marcharam em
procissão, e ouviram um sermão muito patético, seguido de uma bela
música em fabordão. Cândido foi açoitado em cadência, enquanto
cantavam; o basco e os dois homens que não tinham querido comer
gordura foram queimados, e Pangloss enforcado, embora não fosse esse o
costume. No mesmo dia a terra tremeu de novo, com espantoso fragor...”36

Na segunda referência do Resumo que Voltaire dedica aos aconte-


cimentos ocorridos em Portugal, logo no início do capítulo 38 aborda a
tentativa de assassinato do rei D. José I e a expulsão dos jesuítas de Por-
tugal e colónias. Voltaire começa por observar que uma ordem religiosa
não deveria fazer parte da história, lamentando que os homens destina-
dos pelo sacerdócio ao silêncio e à oração rivalizassem em notoriedade,
35
Cândido, cap. V. In VOLTAIRE Roman et contes. Paris: Gallimard, 1972, p. 148.
36
Cândido, cap. VI. ibidem, pp. 150-152.

50
O PROCESSO DOS TÁVORAS

à época, com os príncipes, “seja por suas imensas riquezas, seja pelas
agitações que promoveram desde sua fundação.”37
Não será necessário recordar a hostilidade de Voltaire e em geral
dos philosophe em relação aos jesuítas, acompanhada frequentemente da
denúncia da existência de uma fabulosa riqueza canalizada para a ob-
tenção de poder e controlo político das instituições. Para as diversas teo-
rias da conspiração daquele tempo, também era clara a fonte dessas
riquezas: a prata e o ouro do Novo Mundo e a exploração direta dos re-
cursos desses territórios por meio da mão-de-obra indígena que os jesuí-
tas controlavam.
“Os jesuítas eram, como se sabe, os verdadeiros soberanos do Para-
guai, apesar de reconhecerem o rei da Espanha. A corte da Espanha
tinha cedido através de um tratado38 alguns desses territórios ao rei de
Portugal José I, da casa de Bragança. Os jesuítas foram acusados de se
oporem a esse tratado e de promoverem a revolta das populações. Essa
queixa, juntando-se a muitas outras, fez com que os jesuítas fossem ex-
pulsos da corte de Lisboa.” 39
Escutemos todavia e a título do contraditório, pela sua pungente
sensibilidade, a célebre página de Camilo Castelo Branco sobre a execu-
ção da marquesa de Távora merece ser citada por extenso:
“A aurora do dia 13 de janeiro de 1759 alvorejava uma luz azulada
do eclipse daquele dia, por entre castelos pardacentos de nuvens esfuma-
radas que, a espaços, saraivavam bátegas de aguaceiros glaciais. O ca-
dafalso, construído durante a noite, estava úmido. As rodas e as aspas
dos tormentos gotejavam sobre o pavimento de pinho. Às vezes, rajadas
de vento do mar zuniam por entre as cruzes das aspas e sacudiam li-
geiramente os postes. Uns homens, que bebiam aguardente e tiritavam,
cobriam com encerados uma falua carregada de lenha e barricas de
alcatrão, atracada ao cais defronte do tablado. Às 6 horas e 42 minutos
ainda mal se entrevia a facha escura com umas cintilações de espadas
nuas, que se avizinhava do cadafalso. Era um esquadrão de dragões. O
patear cadente dos cavalos fazia um ruído cavo na terra empapada pela
chuva. Atrás do esquadrão seguiam os ministros criminais, a cavalo, uns

37
Voltaire, ob. cit., vol. XV, 1768, p. 395.
38
O Tratado de Madrid, assinado em 13 de janeiro de 1750, pelo qual Portugal entregava à Es-
panha a Colónia do Sacramento, à beira do Prata, em troca dos Sete Povos das Missões.
39
Voltaire, ob. cit., vol. XV, 1768, p. 395.

51
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

com as togas, outros de capa e volta, e o corregedor da corte, com grande


majestade pavorosa. Depois – uma caixa negra que se movia vagarosa-
mente entre dois padres. Era a cadeirinha da marquesa de Távora, D.
Leonor. Alas de tropa ladeavam o préstito. À volta do tablado postaram-se
os juízes do crime, aconchegando as capas das faces varejadas pelas cor-
das da chuva. Do lado da barra reboava o mugido das vagas que rola-
vam e vinham chorar espumas no parapeito do cais. Havia uma escada
que subia para o patíbulo. A marquesa apeou da cadeirinha, dispen-
sando o amparo dos padres. Ajoelhou no primeiro degrau da escada, e
confessou-se por espaço de 50 minutos. Entretanto martelava-se no ca-
dafalso. Aperfeiçoavam-se as aspas, cravavam-se pregos necessários à se-
gurança dos postes, aparafusavam-se as roscas das rodas. Recebida a
absolvição, a padecente subiu, entre os dois padres, a escada, na sua na-
tural atitude, altiva, direita, com os olhos fitos no espetáculo dos tormen-
tos. Trajava de cetim escuro, fitas nas madeixas grisalhas, diamantes nas
orelhas e num laço dos cabelos, envolta em uma capa alvadia roçagante.
Assim tinha sido presa um mês antes. Nunca lhe tinham consentido que
mudasse camisa nem o lenço do pescoço. Receberam-na três algozes no
topo da escada e mandaram-na fazer um giro no cadafalso, para ser
bem vista e reconhecida. Depois, mostraram-lhe um a um os instrumentos
das execuções, e explicaram-lhe por miúdo como havia de morrer seu
marido, seus filhos, e o marido de sua filha. Mostraram-lhe a maça de
ferro que devia matar-lhe o marido a pancadas na arca do peito, as te-
souras ou aspas em que se lhes haviam de quebrar os ossos das pernas e
dos braços ao marido e aos filhos, e explicaram-lhe como era que as rodas
operavam no garrote, cuja corda lhe mostravam, e o modo como ela re-
puxava e estrangulava ao desandar do arrocho. A marquesa então su-
cumbiu, chorou muito ansiada, e pediu que a matassem depressa. O
algoz tirou-lhe a capa, e mandou-a sentar em um banco de pinho, no
centro do cadafalso, sobre a capa que dobrou devagar, horrendamente
devagar. Ela sentou-se. Tinha as mãos amarradas, e não podia compor
o vestido que caíra mal. Ergueu-se, e com um movimento do pé concertou
a orla da saia. O algoz vendou-a; e ao pôr-lhe a mão no lenço que cobria
o pescoço, – não me descomponhas – disse ela, e inclinou a cabeça que
lhe foi decepada pela nuca, de um só golpe.” 40
40
BRANCO, Camilo Castelo – O perfil do Marquês de Pombal. pp. 23-24. Na última edição de
sua História de Portugal (1886), Oliveira Martins reproduziu integralmente esta passagem de
Camilo em uma nota de rodapé (pp. 180-181).

52
O PROCESSO DOS TÁVORAS

«Aqui foram as casas, arrasadas e salgadas, de José Mascarenhas,


exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras, condenado por sen-
tença proferida na Suprema Junta de Inconfidência, em 12 de Janeiro de
1759, justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que,
na noite de 3 de Setembro, de 1758, se havia cumulado contra a real e
sagrada pessoa de El-Rei, Nosso Senhor, Dom José. Primeiro.»
Por fim, não deixa de surpreender que Voltaire simplesmente re-
produza a “história oficial” do atentado, tal como fabricada por Carvalho
e Melo, sem nenhuma ressalva ou indicação de que a sua veracidade pu-
desse ser posta em causa.
Luz Soriano, na sua obra “História do Reinado de D. José I”, afirma
haver notícia, embora vaga, de que durante e depois da instauração do pro-
cesso se fizeram centenas de prisões, mas a verdade é que são relativamente
poucas as vítimas de que há conhecimento, vejamos quem são:41Cónego
D. José Maria de Távora, irmão do Marquês, acusado de ter conspirado e,
mais ainda, de ter tomado parte nas esperas. Só não foi executado por ser
sacerdote. D. João Baptista de Távora, irmão do Marquês. Comandava um
regimento de Cavalaria em Chaves quando foi preso. Era acusado de ter
participado na conjura, inicialmente, afastando-se depois devido à sua par-
tida para aquela localidade. Mas a verdade é que fazia tão pouca ideia do
motivo por que fora preso que escreveu aos irmãos e à própria duquesa de
Aveiro, sua irmã, pedindo-lhe auxílio, o que evidentemente não faria se sus-
peitasse que eles estavam nas mesmas aflições. Morreu no forte da Jun-
queira. D. Nuno Gaspar de Távora, irmão do Marquês, preso quando
comandava um regimento em Elvas. Era acusado de ter assistido a conci-
liábulos. Manuel Rafael de Távora, irmão do Marquês, era gentil-homem do
paço. Acusavam-no de ter conspirado e contribuído com dinheiro para o
atentado. Supõe-se que não tenha sido executado por, no Paço, estar ao
serviço do infante D. Pedro, irmão do rei, e talvez por qualquer acto de
submissão ao ministro, que não seria único na família, como veremos.
Desembargador António da Costa Freire – procurador da Fazenda
Real, abrangido na condenação pelas suas muito íntimas relações com os
Távoras. Mas já era suspeito a Sebastião José de Carvalho e Melo por lhe
ser desafecto. Morreu no Forte; Conde da Ribeira Grande, D. Guido Augusto
da Camara e Ataíde, concunhado do marquês de Távora, acusado de ter

41
GIL, A. Pedro (dir.) – “O Processo dos Távoras”. In Os Grandes Julgamentos da História. vol.
XIV, Brasil: Otto Pierre, 1980.

53
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

participado em conciliábulos e de ter contribuído com dinheiro. Morreu no


Forte; Marquês de Alorna, D. João de Almeida Portugal, genro do Marquês
de Távora, cujo único crime foi esse, além de, como refere a sentença, ter
assistido aos exercícios espirituais do padre Malagrida; Conde de Óbidos,
Manuel de Assis Mascarenhas, acusado de ter assistido aos conciliábulos.
Morreu no Forte; Marquês de Gouveia, D. Martinho de Mascarenhas, filho
do Duque de Aveiro, seu único crime, pois era ainda uma criança.
No forte da Junqueira estiveram também presos os padres jesuítas
Gabriel Malagrida (depois entregue à Inquisição e garrotado), Timóteo
de Oliveira, João Alexandre, Francisco Duarte, Pedro Homem (entregue
à Inquisição) e João de Matos, José Alexandre de Sousa, José Moreira e
José Oliveira, todos mortos no forte. Entre as vítimas que não estiveram
encerradas no forte da Junqueira contam-se D. Manuel José da Silva Ban-
deira, clérigo regular teatino, denunciado pelo caseiro da quinta que o
irmão possuía em Camarate; João Manuel da Silva Bandeira, escudeiro
do Duque de Aveiro, condenado a degredo perpétuo para Angola; D.
Paulo da Anunciação; D. Manuel de Sousa, acusado de ter participado
nos conciliábulos e de ter contribuído com dinheiro, morreu poucos dias
depois de preso, na Torre de Belém; Condessa de Atouguia, D. Mariana
de Lorena e Távora, filha do Marquês de Távora e casada com o conde
de Atouguia, acusada de ter assistido a conciliábulos e de ter participado
com dinheiro, internada no convento de Manila; Marquesa de Aloma, D.
Leonor de Lorena e Távora, filha do Marquês de Távora, casada com o
Marquês de Aloma, cujas acusações se ignoram quais sejam, foi internada
no convento de Chelas; Duquesa de Aveiro, D. Leonor de Lorena e Távora,
irmã do Marquês de Távora, pai, à qual a sentença também não faz qual-
quer acusação, internada no Convento das Trinas. Estas senhoras levavam
em sua companhia os filhos mais novos, enquanto os mais velhos eram
internados noutros conventos.
Finalmente, uma referência à Marquesa de Távora D. Teresa de Lo-
rena e Távora, irmã do marquês, pai, e casada com seu sobrinho, o mar-
quês de Távora, filho. Era amante do Rei e diz-se que muito formosa. Não
se sabe quando começaram as suas relações com D. José, mas acabaram
logo a seguir ao atentado. Todavia, o Rei mandou dar-lhe avultada pensão
e no processo não figura a mais leve referência a essa dama, o que não
é de estranhar dadas as circunstâncias especiais do julgamento. Há quem
pretenda que a conspiração teria sido, de certo modo, provocada por
esta ligação. Os Távoras quereriam assim desafrontar a honra da família.

54
O PROCESSO DOS TÁVORAS

A hipótese é bonita, mas nada a confirma e parece até pouco provável.


D. Teresa foi voluntariamente enclausurar-se no mosteiro das comenda-
deiras de S. Tiago, de Santos, onde não deixou memória e onde, ao que
parece, não morreu.
Outro Távora ainda escapou aos rigores pombalinos, e pelo contrá-
rio, beneficiou altamente das circunstâncias. Trata-se de D. João Cosme da
Cunha, filho do quarto conde de S. Vicente e pertencente, por linha cola-
teral, à família dos Távoras. Era ao tempo bispo coadjutor de Leiria e logo
que se iniciou o processo do atentado mandou uma carta a Carvalho e
Melo declarando-lhe que não só se considerava estranho ao procedimento
dos seus parentes, como até renegava o apelido da família, que nunca mais
usaria. Em consequência, passou de bispo-coadjutor de Leiria a arcebispo
de Évora, foi inquisidor-mor, cardeal e ministro assistente ao despacho.
Todas estas dignidades – parece que intelectualmente pouco merecidas,
tanto que ao prelado lhe davam o sintomático nome de Cardeal da Cunha
– as ficou a dever ao Marquês, a quem depois, na hora da desgraça, pagou
com a mais negra das ingratidões, acusando Pombal de ter votado a morte
dos meninos de Palhavã (já senhores, aliás) e de ter desviado uma valiosa
baixela de prata pertencente ao duque de Aveiro.
Para terminar, resta apenas dizer que em 8 de Abril de 1781 a Junta
Revisora do processo dos Távoras, constituída por D. Maria I, apresentava
à soberana a sua sentença do caso, a qual dava como culpados na tenta-
tiva de regicídio apenas o Duque de Aveiro, Manuel Álvares Ferreira, An-
tónio Alvares Ferreira e José Policarpo de Azevedo, reabilitando nos seus
títulos, dignidades e bens todos os outros.

A expulsão dos jesuítas e o fim de Malagrida

Voltaire nos seus escritos manifesta a sua indignação pelo facto de


Gabriel Malagrida e os jesuítas que supostamente tinham aconselhado o re-
gicídio tivessem escapado ao suplício e permanecessem confinados (em nú-
mero de treze, e não apenas três) no Forte da Junqueira. As imprecações de
Voltaire contra os jesuítas e contra a tibieza das cortes portuguesas que não
conseguiam puni-los prosseguem pelos parágrafos seguintes:
“Como Portugal ainda não havia recebido na época as luzes que es-
clareciam tantos Estados na Europa, achava-se mais submetido ao Papa
que qualquer outro país. Não era permitido ao rei condenar à morte, por

55
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

meio de seus tribunais, um monge regicida; para isso era preciso o con-
sentimento de Roma. Os outros povos estavam no século dezoito, mas os
portugueses pareciam viver no século doze.
Para a posteridade, será difícil crer que o rei de Portugal tivesse so-
licitado a Roma por mais de um ano a permissão de levar ao tribunal os
jesuítas seus súditos, sem conseguir obtê-la. A corte de Lisboa e a de Roma
estiveram por muito tempo em um conflito declarado, e chegava-se mesmo
a aventar de que Portugal se livraria de um jugo que a Inglaterra, sua
aliada e protetora, já havia posto por terra há tanto tempo; mas o minis-
tro português tinha inimigos em demasia para ousar empreender o que
Londres havia concretizado, e mostrava ao mesmo tempo uma grande
firmeza e uma extrema condescendência.” 42

Morte de D. José no Palácio da Ajuda a 24 de fevereiro de 1777.

A 4 de março de 1777, dia seguinte ao de um decreto da rainha D.


Maria I que exilava o ex-ministro amavelmente para Pombal e lhe fazia mercê
da comenda de S. Tiago e da Ordem de Cristo, partiu o Marquês para a Vila
do mesmo título. No largo do Convento de Belém foi apedrejada pelo povo
a carruagem em que ia. D. Maria I resolvera deixar em sossego Sebastião de
Carvalho. Mas ele, que não compreendeu isso, publicou a apologia dos seus
atos num idiotíssimo volume provocador em que se pode, como amostra,
avaliar a mesquinhez do seu talento de político e de escritor.
D. Maria I, instigada com razão pelos escandalizados, mandou a
Pombal os desembargadores José Luiz da França e Bruno Manoel Mon-
teiro da Rocha para o interrogar. Destes interrogatórios resultou um de-
creto em que se dizia que o Marquês, arrependido de tudo, pedira perdão;
pelo que havia por bem a rainha perdoar-lhe, atenta a avançada idade e
grandes enfermidades, os castigos corporais que ele merecia. O decreto
tem data de 16 de agosto de 1781. O Marquês de Pombal, de joelhos, pe-
dindo perdão!
O velho tigre, desdentado para morder, lambia, encolhendo as gar-
ras porque já não podia arranhar.
Abandonado num exílio nem sequer mitigado pelas considerações
e pelos respeitos que não recebia, este velho. Velho como a estúpida mal-

42
Voltaire, ob. cit., vol. XV, 1768, pp. 396-7.

56
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dade do século em que viveu era o espantalho sinistro do seu passado


terrorista. Espantalho que não espantava senão moralmente, pois que era
o espectro vivo d’um monstro amortalhado no sudário de infâmias, pa-
recia que o remorso amarrava à sua coluna de fogo este cadavérico que
durante o seu reinado de sangue e de lama não perdoara nunca e fora
perdoado!
É provável que algumas das suas vítimas se compadecessem dele.
Os jesuítas, as vítimas do seu odio jacobino, quando entraram em Portu-
gal, recolheram piedosamente os ossos espalhados pelo chão da capela
nos despojos da invasão francesa.
Parece impossível que algum historiador se não tenha lembrado de
dizer que o Marquês teria estremecido no túmulo. Qual estremeceu! A
poeira ficou piedosamente colocada na urna e a que se misturou com o
lixo do chão foi varrida para a rua. Não houve estremecimentos43.
Foi no reinado de D. Maria I (1777-1792), ainda que comumente
denominado “viradeira”, que se procurou reorganizar a legislação portu-
guesa, assim como se verificou um ambiente intelectual mais arejado,
permitindo a recepção das discussões jurídicas e humanitárias que, desde
pelo menos 1760, tinham espaço entre os círculos letrados estrangeiros44.
Foi neste contexto, e pelas diligências de D. João de Almeida Por-
tugal (1726-180245), 2º Marquês de Alorna, que se empreendeu a revisão
do processo dos Távora.

43
CORDEIRO, Manoel Caldas, ob. cit., 1890.
44
BADINTER, Elisabeth. As Paixões Intelectuais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007-2009,
3 volumes.
45
D. João de Almeida Portugal (1726-1802), 4º conde de Assumar e 2º marquês de Alorna.
Antes de ser encarcerado por conta do atentado a D. José I, D. João de Almeida ocupou os
postos de oficial-mor da Casa Real, comendador da comenda Moreira na ordem de Cristo, ca-
pitão de cavalaria do exército e sócio da Real Academia Portuguesa de História. ANTT, Fundo
dos Marqueses de Fronteira e Alorna, Arquivos Pessoais do 2º Marquês de Alorna, pasta n.
123 (reúne os diplomas, alvarás, requerimentos e cartas régias relativas à renovação das co-
mendas e bens da Coroa em favor de D. João de Almeida Portugal, em 1777); pasta n. 124
(contém uma versão da minuta de carta que D. João de Almeida pretendia enviar à pessoa
influente da Corte, já sob a regência de D. João); pastas 125 e 126 (são as mais importantes,
pois reúnem as minutas e os apontamentos políticos escritos por D. João de Almeida prova-
velmente entre os anos de 1777 e 1792); pasta 127 (contém o panfleto “Considerações Mili-
tares para Pedro”, espécie de manual militar que redigiu especialmente para o filho. Além
disso consta dessa pasta uma minuta de carta que D. João pretendia dirigir ao príncipe regente
D. João, na tentava de alcançar o desfecho para a revisão do processo dos Távoras); pasta
128 (reúne correspondência diversa que o 2º Marquês de Alorna destinou à família, especial-
mente nos últimos anos de vida.

57
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Tratava-se de uma questão polémica, e que pretendia limpar um


dos episódios mais desconcertantes da história portuguesa – o atentado
sofrido por D. José I, em três de setembro de 1758, que culminou com a
prisão, julgamento e execução de membros da família Távora, uma das
mais tradicionais e poderosas do reino.
As circunstâncias do evento ainda hoje despertam polémicas e con-
tradições, seja pela alegação de que os tiros que feriram o rei eram diri-
gidos a outra pessoa, um criado talvez; seja pelo questionar da tese de
que membros da alta nobreza se arriscariam numa empreitada desse tipo.
Os contemporâneos convocados para revisão do processo, concedida
pela rainha D. Maria I através do decreto de sete de novembro de 1777,
foram unânimes em afirmar que o julgamento dos Távora, na época diri-
gido pelo Marquês de Pombal, tinha sido caracterizado por depoimentos
contraditórios e confissões obtidas sob tortura, sem que provas concretas
contra os fidalgos fossem efetivamente apresentadas46.

9. O Processo dos Távoras – Os Magistrados


da Revisão

Será premente apresentar breves informações sobre os magistrados


que atuaram na revisão do processo dos Távoras. Afinal, a justiça não era
um terreno meramente doutrinal. Quem foram os indivíduos que anularam
a sentença condenatória de 12 de janeiro de 1759? Procurando conhecer
as origens e as trajetórias sociais dos letrados que elaboraram a nova sen-
tença de 23 de maio de 1781, foram consultados no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo a coleção Leitura de Bacharéis, bem como as Habilitações
para a Ordem de Cristo e, as chancelarias régias de D. José I e D. Maria I.
As Leituras de Bacharéis47 correspondem aos processos de habilitação
“para servir os lugares de letras”. Os candidatos aos lugares da magistratura,
normalmente recém-licenciados pela Universidade de Coimbra, tinham que

46
SANTOS, Guilherme de Oliveira. O Processo dos Távoras: a importância do processo revisório.
Lisboa: Livraria Portugal, 1979.
47
No que se refere à “Leitura de Bacharéis”, recentemente foram publicados os índices da
coleção. Cf. Lourenço C. de Matos e Luís Amaral. Leitura de Bacharéis: índice dos processos.
Lisboa: Guarda-Mor, 2006.

58
O PROCESSO DOS TÁVORAS

prestar provas no Desembargo do Paço, antes das quais era efetuada uma
inquirição ou devassa da vida do candidato, bem como da sua ascendência.
Estas inquirições, eram orientadas pelo corregedor da Comarca e integravam
um questionário tipificado que as testemunhas deviam responder.
O guia das questões consistia nos seguintes itens: primeiro, per-
guntava-se ao interrogado se ele sabia o motivo pelo qual havia sido
chamado, ou se alguém o havia instruído previamente. Segundo, se a
testemunha conhecia o candidato ou os seus ascendentes – pai, mãe,
avós maternos e paternos. A esse respeito, é curioso observar a obstina-
ção dos juristas encarregados das inquirições. Muitas das vezes era pre-
ciso visitar três ou quatro lugares diferentes, procurando conhecidos e
testemunhos sobre os parentes mais remotos. A terceira referia-se à pu-
reza de sangue do candidato. A testemunha devia declarar se o can-
didato era ou não cristão velho, sem ascendentes de “infecta nação”, ou
seja, sem ascendência de cristãos novos, judeus, mouros e, em alguns
processos, acrescenta-se a categoria “mulato”. O quarto item interrogava
sobre a fama do habilitante, e as testemunhas deviam informar se sabiam
de fatos ou rumores que desqualificassem o candidato. A quinta questão
aferia sobre os ofícios praticados pelos ascendentes do habilitante. Se
esses eram ou não oficiais mecânicos, do que viviam, como viviam, etc.
Por fim, no sexto e último item, a testemunha devia ratificar as declara-
ções sobre a honra do candidato, informando se o candidato vivia de-
centemente, e dos meios com que vivia.
A julgar pela riqueza dos processos a que se teve acesso, nos quais
se pode saber das origens sociais dos bacharéis e das relações estabele-
cidos por eles visando construir uma carreira na magistratura, as Leituras
de Bacharéis, assim como os processos de Habilitação para o Santo Ofí-
cio, constituem ricas ferramentas de investigação sobre as trajetórias de
personagens históricos “menores” e desconhecidos. Além disso, permitem
vislumbrar o Antigo Regime em movimento. Afinal, a despeito de todos
os impeditivos de sangue e restrições hierárquicas que podiam vir à tona,
os que conseguiam construir suas carreiras na magistratura, alcançavam
não só a possibilidade de ascensão social, mas também o respeito e a
honra, elementos primordiais aos valores da época.48
48
CAMARINHA, Nuno – Les Juristes Portugais de l’Ancien régime (XVIIe - XVIIIe siècles). Bernard
Vincent (dir.), Lille: Atelier National de reproduction des thèses, 2015, nota 83; (DARNTON,
Robert – Boemia Literária e Revolução. As origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo:
Cia. das Letras, 1987.)

59
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

A seguir, e de acordo com o extraordinário trabalho de Patrícia Wool-


ley Cardoso Lins Alves49 “apresenta-se tabela que sintetiza os elementos
apurados sobre os juízes e magistrados que atuaram na revisão do processo
dos Távoras. Como se trata de número reduzido de indivíduos (vinte e
cinco magistrados), optou-se por arrolar no corpo da própria tabela as in-
formações mais significativas recolhidas na documentação consultada.
Acompanham-na as respetivas indicações das Habilitações na Ordem de
Cristo (“HOC”) e das Leituras de Bacharéis (“LB”). Incluíram-se entre os
“magistrados da revisão” tanto os que fizeram parte da junta especial con-
vocada por D. Maria I em 8 de agosto de 1780, para apreciar as solicitações
do 2º Marquês de Alorna – e da qual resultou o assento de 16 de agosto de
1780 –, quanto àqueles que efetivamente tomaram parte nos autos de re-
vista. Não foram considerados os magistrados que, por motivos diversos,
como doença, morte ou a alegação de impedimentos, foram substituídos
e, portanto, não tiveram atuação efetiva. Cabe informar que nem sempre
os processos – as Leituras e as Habilitações – apresentam informações
completas sobre os indivíduos, tais como o local de nascimento, os ofícios
exercidos pelos ascendentes e mesmo o curso realizado pelo bacharel em
Coimbra (leis ou cânones). Além disso, em alguns casos não foi possível lo-
calizar no Arquivo Nacional/Torre do Tombo os processos correspondentes.
Nesse sentido, recorreu-se às chancelarias régias na tentativa de preencher
a ausência de informações. Ainda assim, como as últimas apresentam ele-
mentos sumários, restringindo-se a indicação de nomeações e ofícios al-
cançados, não se pode resolver de todo o problema”.

49
ALVES, Patrícia Domingos Wolley Cardoso Lins – D. João de Almeida Portugal e a revisão
do Processo dos Távoras: conflitos, intrigas e linguagens políticas em Portugal nos finais do
Antigo Regime (c. 1777-1802). Niterói: Tese de Doutoramento apresentada ao programa de
Pós-graduação e História da UFF como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor
em História, 2011.

60
O PROCESSO DOS TÁVORAS

10. Os Magistrados da Revisão do Processo


dos Távoras (c.1777-1790)
NOME FUNÇÃO
1. Henrique José de Mendanha Desembargador da Casa da Suplicação.
Benavides Cirne50 Escrivão na inquirição preliminar de
testemunhas e na revisão do Processo
dos Távoras.
2. José Alberto Leitão [Manso Corregedor do Crime da Corte e Casa,
de Lima Falcão]51 juiz nomeado para inquirição prelimi-
nar de testemunhas. Também fez parte
da junta convocada em 8 de agosto de
1780, da qual resultou o assento de 16
de agosto de 1780, favorável à revisão.
3. José Freire Falcão de Desembargador da Casa da Suplicação.
Mendonça52 Substituiu o Dr. José Alberto Leitão
nas inquirições preliminares à revi-
são.
4. João de Oliveira Leite de Desembargador do Paço, e um dos
Barros53 juízes da junta especial que apreciou
50
LB: não localizada. HOC: (1753), Letra H, Maço: 01, n° 3.
Filho legítimo de João Mendanha Benevides, cavalheiro professo na Ordem de Cristo e capitão
de cavalos, e de Josefa Isabel da Costa.
51
LB: Não localizada. HOC: (1762), Letra J, Maço: 17, n° 7.
Natural da Vila de Sertã, comarca de Tomar, e morador na Corte. Na HOC já aparecia designado
como Doutor, Desembargador da Casa da Suplicação e fidalgo da Casa de Sua Majestade. Seu
pai, o Dr. António da Costa Falcão, era médico e físico mor do reino, também fidalgo real, familiar
do Santo Ofício e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Os depoimentos registraram a limpeza de san-
gue da família. Manoel Fernandes, proprietário dos ofícios de escrivão denotas da Vila de Sertã,
por exemplo, informou que “o justificante tivera nesta terra o exercício de estudar, tratando-se
com muita honra, e tratamento de pessoa nobre, [...] tendo na família e geração continuados
clérigos, [...], e que sabe que o justificante é solteiro, sem aleijão, [...]”.
52
LB: (1733), Maço: 19, n°4A. HOC: (1763) Letra J, Maço: 24, n° 3.
Nas habilitações os pais do magistrado aparecem descritos como “lavradores honrados, que
viviam de suas fazendas”. Quanto ao magistrado, as testemunhas informavam que se “trata
com criados, cavalos e seges”.
53
LB: (1751), Maço: 22, n°. 42. HOC: não localizada.
LB sumária, inclusive não esclarece explicitamente o lugar de origem do magistrado. Era filho
legítimo de Manoel Martins Couto de Barros e de sua mulher, D. Catarina Leite de Oliveira.
Tanto os pais como os avós nunca exercitaram ofício mecânico, tendo vivido com “conhecida
nobreza, que o suplicante, além da herdada, tem adquirida, a que se alcança com a boa vida
e costumes”.

61
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

o pedido de revisão do processo dos


Távoras.
5. António Alves da Cunha54 Conselheiro da Fazenda e um dos juí-
zes da junta especial convocada em 8
de agosto de 1780.
6. Sebastião Francisco Manoel55 Deputado da Mesa da Consciência e
Ordens, juiz da junta nomeada em 8
de agosto de 1780.
7. Manoel Inácio de Moura56 Deputado da Mesa da Consciência e
Ordens, juiz da junta nomeada em 8
de agosto de 1780.
8. Miguel Serrão Dinis57 Desembargador Conselheiro Ultrama-
rino, juiz da junta nomeada em 8 de
agosto de 1780.
9. Luis Rebelo Quintela58 Juiz dos feitos da Coroa e Fazenda.

54
LB: (1735), Maço12, n.15. HOC: Letra A, Maço 47, n.33.
Natural do Porto, cavaleiro professo na Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício e expositor
de Cânones na Universidade de Coimbra. Num primeiro momento teve o pedido de HOC in-
deferido. Porém, alcançou a habilitação alegando os serviços prestados em Coimbra.
55
LB: (1739), Maço: 4, n° 9. HOC: (1757). Letra: S, Maço: 1, n° 5.
Na HOC aparece já como Desembargador. Filho legítimo de Manuel Francisco e de Vitória
Luísa, todos naturais da Vila e distrito de Óbidos. Foi batizado em 26 de janeiro de 1713, e,
portanto, tinha mais de 60 anos quando da revisão. As inquirições para a HOC foram realizadas
em Óbidos e em Lisboa. Os pais foram descritos como pessoas honradas e puras de sangue.
Ricarda Pereira, viúva, de idade de 80 anos, moradora em Óbidos, acrescentou que os pais do
justificante valiam-se “das fazendas de uma capela que traziam arrendada por pouco, e que
não cometeram crime de lesa-majestade”.
56
LB: (1734), Maço: 62, n° 32. HOC: Incompleta.
Natural de Lisboa. Filho legítimo de João Batista de Moura e de D. Antónia Ferreira de Figuei-
redo. O avô paterno foi descrito como “Mercador da Casa Real” e Familiar do Santo Ofício.
Tanto a LB quanto a HOC são bastante sumárias, e não acrescentam maiores detalhes sobre a
vida do magistrado.
57
LB: (1742), Letra M, Maço: 29, n° 9. HOC: não localizada.
Filho legítimo de António Serrão Diniz, cavaleiro professo na Ordem de Cristo e coronel de in-
fantaria, e de Leonor Josefa, todos naturais de Frielas (hoje Concelho de Loures). Licenciado na
Faculdade de Canones. Pai e avô paterno eram militares. LB sumária, sem maiores detalhes.
58
LB: (1748), Maço: 3, n° 3. HOC: (1751). Letra L, Maço: 18, n° 102.
Filho legítimo de João Gomes Rebelo e de Tereza de Jesus Quintela. Natural de Lisboa e for-
mado em Leis pela Universidade de Coimbra. Contava 26 anos quando da LB. Seu pai é descrito
nas inquirições como “homem de negócio de grosso trato”, que “vive a lei da nobreza com a
sua carruagem”. A HOC num primeiro momento lhe foi negada, devido à atuação dos ascen-
dentes como mercadores. O pai “nos seus princípios foi mercador, e o avô paterno também
mercador, e avô materno mercador de chapéus. A mãe e as duas avós mulheres de segunda

62
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Juiz da junta nomeada em 8 de agosto


de 1780.
10. José Ricalde Pereira de Desembargador e relator da Junta de
Castro59 Revisão constituída pelo alvará de 9
de outubro de 1780.
11. Bartolomeu José Nunes
Cardoso Giraldes [de Andrade]60 Desembargador do Paço e juiz da
Junta de Revisão. Por decreto de 3
de janeiro de 1781 foi designado para
o ofício de Procurador da Real Fa-
zenda na revisão.
12. Francisco António Marques Desembargador e juiz da junta de
Giraldes61 Revisão.
13. Francisco Feliciano Velho Desembargador e juiz da Junta de
[da Costa Borges e Mesquita Revisão.
Castelo Branco]62

condição.” O magistrado recorreu, alegando os serviços prestados a Sua Majestade como Juiz
de Fora da vila de Santarém, e foi dispensado, habilitando-se em 1751.
59
LB: Não localizada. HOC: Não localizada.
60
LB: Não localizada. HOC: Não localizada.
Nos registros da Chancelaria de D. Maria I (“Próprios”) consta a informação de que em 21 de
junho de 1786 lhe foi passado alvará de mantimento com o lugar de Chanceler da Casa da Su-
plicação.
(L. 29, f. 53 v).
61
LB: (1750), Maço: 8, n° 4. HOC: não localizada.
Natural da Vila de Idanha-a-Nova, Comarca de Castelo Branco (Beira). Filho legítimo do também
desembargador e conselheiro da fazenda Fernando Afonso Giraldes. As inquirições da LB reali-
zaram-se em Lisboa. Pretendia alcançar um lugar de Desembargador Extravagante e Extranume-
rário na Casa da Suplicação de Lisboa. Os ascendentes são descritos como “pessoas de conhecida
nobreza, e dos principais da província da Beira Baixa”. Era sacerdote, fidalgo da Casa Real, Freire
da Ordem de Avis e deputado do Santo Ofício. Foi conventual e reitor no Colégio dos Militares
da cidade de Coimbra, no qual atuou ainda como “opositor às cadeiras dos sagrados cânones”.
62
No inventário dos processos de Habilitação na Ordem de Cristo consta apenas um Francisco
Feliciano Velho, seguido dos demais sobrenomes indicados [da Costa Borges e Mesquita Castelo
Branco]. Trata-se de um processo de habilitação bastante completo. Ainda assim, não há certeza
de que se trata da mesma pessoa. Mas há indícios concretos que sugerem fortemente essa pos-
sibilidade. O pai do suplicante, por exemplo, era desembargador e corregedor do crime da Corte
e Casa, o dr. António Velho da Costa. Quanto a Francisco Velho, as testemunhas informavam que
na altura em que as inquirições foram realizadas, o magistrado era ainda um rapaz jovem, con-
tando cerca de 18 anos, cursava a Universidade de Coimbra, e vivia sob a autoridade do pai.
LB: não localizada. HOC: (1753) Letra F, Maço 01, n° 19.
Natural do Porto, embora sempre tenha vivido em Lisboa. Filho legítimo do desembargador e
corregedor do crime da Corte e Casa, Dr. António Velho da Costa. Na HOC possuía apenas 18

63
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

14. José Joaquim Emaús63 Desembargador e juiz da junta de


Revisão.
15. Inácio Xavier de Sousa Desembargador e juiz da junta de
Pizarro64 Revisão.
16. José Roberto Vidal da Desembargador e juiz da Junta de
Gama65 Revisão.
17. António de Araújo66 Juiz da junta de Revisão.

anos, e cursava a Universidade de Coimbra. O pai e a avó materna eram provenientes do “Reino
de Angola”, da cidade de São Paulo de Angola. O avó paterno, Francisco Velho, aparece descrito
como “homem de negócio”.
63
No inventário dos processos de Habilitação na Ordem de Cristo consta a indicação referente
a José Joaquim Emaús: HOC: Letra J, Maço: 38, n. 16. Contudo, ao solicitar o processo para
consulta, o mesmo não foi encontrado pelos funcionários do ANTT.
LB: (1752), Letra J, Maço: 24 n° 45. HOC: Não localizada.
Filho natural de André Emaus, professo na Ordem de Cristo, e de Maria de Deus. Natural de
Lisboa e formado em Leis pela Universidade de Coimbra. O tio, José Pedro Emaus, foi chanceler
da Relação do Porto. Quanto aos ascendentes, as testemunhas informaram que o avô materno
“vivera do seu trabalho, e cultura dos campos”. A família da mãe, natural de Sesimbra (hoje
região metropolitana de Lisboa), era mais humilde. Não se pode ter certeza se era filho legí-
timo, haja vista que na LB consta ser “filho natural”. Em 19 de agosto de 1778 o magistrado
recebeu carta de Corregedor do Crime da Corte e Casa. (Chancelaria de D. Maria I, “Próprios”,
L. 80, f. 58 v.). Também em 1778 recebeu carta de privilégio de Desembargador (L. 27, f. 144
v). Em 22 de agosto de 1782 consta registro de que recebeu carta de Conselheiro do Conselho
da Fazenda. (L. 19, f. 362 v).
64
Embora constem as indicações referentes a Inácio Xavier de Sousa Pizzaro nos respectivos
inventários - LB: 1749, Letra I, Maço: 21, n.51 e HOC: Letra I, Maço: 23, n. 9. -, os processos
desse magistrado não foram encontrados pelos funcionários do ANTT. A respeito do sobre-
nome Pizzaro, cf. MONTALVÃO, José Timotéo – Dos Pizarros de Espanha aos Pizarros de Por-
tugal e do Brasil.
LB: Não localizada. HOC: Não localizada. Embora não tenha sido possível consultar a LB e a HOC,
os registros da Chancelaria Régia de D. Maria I possuem informações importantes.
Em 11 de setembro de 1782 recebeu carta de Corregedor do Crime da Corte e Casa (L. 20, f.
116 v). Já em 4 de abril de 1783, apenas dois anos após a sentença de revisão ter sido proferida,
lhe foi passado alvará de Juiz de Alfândega de Pernambuco, com a faculdade de poder renun-
ciar o dito ofício. (L. 84, f. 254 f). Ao que tudo indica, não foi para o Brasil, pois em agosto de
1783 constam duas referências que sugerem sua permanência na Corte. A primeira, uma “carta
de um lugar de Cavalheiro do Conselho da Fazenda” de 27 de agosto, a segunda, “carta do
Título do Conselho de Sua Majestade”, de 2 de agosto.
65
LB: (1748), Letra J, Maço: 6, n° 7. HOC: (1754) Letra J, Maço: 99, n° 14.
Natural da cidade de Lisboa. Filho legítimo do tenente coronel de cavalos do Regimento da Guar-
nição da Corte, José Jorge Vidal, natural de Espanha (Valência). Tanto o pai, quanto um irmão e
o tio, o sargento mor de Infantaria Pedro Vicente Vidal, eram já habilitados na Ordem de Cristo
quando de seu processo (HOC), e por isso o bacharel foi dispensado das inquirições.
66
LB: 1743, Maço: 14, n. 33. HOC: não localizada.
Natural da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário, Concelho de Vieira do Minho, Braga. Filho
legítimo de António de Araújo e de Madalena Martins. Os pais são descritos como “lavradores

64
O PROCESSO DOS TÁVORAS

18. João Xavier Teles de Sousa67 Desembargador da Casa da Suplicação


e juiz da junta de Revisão.
19. Tomás António de Carvalho Doutor nomeado juiz da Junta de
[Lima de Castro]68 Revisão.
20. Constantino [António] Alves Juiz da Junta de Revisão.
do Vale69
21. João Pereira Ramos de Desembargador e Procurador da Co-
Azeredo Coutinho70 roa.
71
22. Estanislao da Cunha Coelho Desembargador dos Agravos da Casa
da Suplicação. Juiz na junta de revisão.

honrados sem outro trato”. Pretendia encartar-se no ofício de Meirinho do Concelho da Ribeira
de Soaz, também região de Vieira do Minho.
67
LB: (1753), Março: 23, n° 25. HOC: Letra J, Maço: 01, n° 01.
Natural do Algarve. Filho legítimo de António de Sousa, sargento mor do Regimento de Faro,
e de Maria de Sousa. Formado em Cânones na Universidade de Coimbra. Em 6 de outubro de
1777 recebeu carta de Desembargador Ordinário da Casa da Suplicação (D. Maria I,”Próprios”,
L.3, f. 314 v.). Em 16 de junho de 1778 foi designado para um lugar de Desembargador dos
Agravos da mesma casa. (L.11, f. 313 v). Em 19 de setembro de 1786 alcançou o lugar de De-
sembargador do Paço (L. 30, f. 6 v).
68
LB: não localizada. HOC: (1761) Letra T, Maço: 2, n° 26.
Natural do Porto. Filho legítimo do Dr. António Quaresma de Carvalho e de D. Joana Lima
do Nascimento. Em 1739 fez diligências para se tornar Familiar do Santo Ofício. Na altura
exercia o ofício de Juiz de Fora da Vila de Pinhel. Solicitou a HOC quando tinha já 51 anos
de idade, motivo pelo qual o seu pedido foi indeferido. Recorreu do parecer, anexando ao
processo um despacho assinado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de 17 de abril
de 1760, o qual informava que o rei D. José I lhe fazia a mercê “de 40 mil réis de tença [...],
dos quais 12 mil réis a título da HOC”. O mesmo documento informa dos serviços prestados
pelo magistrado entre os anos de 1735 e 1758. Atuou como Desembargador da Relação do
Porto, foi Juiz de fora de Pinhel, Ouvidor de Bragança, Conservador da Universidade de Coim-
bra. Em 1739, encontrava-se já como familiar do Santo Ofício. O pai, também bacharel, foi
descrito como “advogado do número da Relação do Porto”. O hábito lhe foi concedido em
11 de março de 1761.
69
LB e HOC: não localizadas.
Por meio de alvará de 10 de Janeiro de 1791 foi nomeado Deputado da Junta da Administração
do Tabaco (D. Maria I, “Próprios”, L. 39, f. 5 v). Em 24 de dezembro de 1793 recebeu carta do
Título do Conselho de Sua Majestade. Em 9 de dezembro de 1778 recebeu carta de Desembar-
gador da Casa da Suplicação. (L. 13, f. 141). Em 8 de maio de 1779 recebeu nova carta do
ofício de Desembargador dos Agravos do mesmo tribunal (L. 80, f. 187 v).
70
LB e HOC: não localizadas.
71
LB: (1746), Maço: 1, n° 47. HOC: não localizada.
Natural da Vila de Óvoa, comarca de Viseu. Filho legítimo de Teodósio da Cunha Pinto e de
Maria Pinto. Tinha 23 anos quando da sua LB. Formado em Direito Canónico pela Universidade
de Coimbra. Em 07 de outubro de 1771 recebeu Carta de Procurador Fiscal da Companhia do
Grão-Pará e Maranhão (Chancelaria D. José I - Próprios. L. 32, f. 83).

65
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

23. Jorge Manoel da Costa72 Desembargador dos Agravos da Casa


da Suplicação e Juiz na Junta de re-
visão.
24. João Ferreira Ribeiro de Desembargador dos Agravos da Casa
Lemos73 da Suplicação. Juiz da junta de Revisão.
25. Manoel José Saturnino da Advogado e procurador de D. João de
Veiga74 Almeida Portugal.

De acordo com a tabela anterior, “dos vinte e cinco magistrados en-


volvidos na revisão do processo dos Távoras, não foi possível localizar a
Leitura de Bacharel e/ou a Habilitação na Ordem de Cristo em sete juizes
(10, 11, 15, 20, 21, 24, 25), incluindo-se o relator do processo, José Ri-
calde Pereira de Castro, o procurador da Coroa, João Pereira Ramos de
Azeredo Coutinho, e o procurador de D. João de Almeida Portugal, Ma-
noel José Saturnino da Veiga. Em relação aos dois primeiros, por serem
personagens mais conhecidos – José Ricalde Pereira, por exemplo, leu ju-
ramento na aclamação de D. Maria I –, a ausência foi menos sentida.
Mas em relação ao último, autor do extenso e curioso Manifesto da Ino-
cência dos Távoras, a não localização de informações impossibilitaram
o conhecimento mais profundo
A julgar pelas datas dos processos de Habilitação na Ordem de
Cristo e das Leituras de Bacharéis, pode-se afirmar que os magistrados
nomeados pela rainha para atuarem na espinhosa revisão do processo
dos Távoras estudaram na Universidade de Coimbra antes das Reformas
Pombalinas e que, assim como outros de seu tempo, procuraram através
da magistratura, ascender na hierarquia social75, porque vinham de es-
72
LB: (1751), Letra: J, Maço: 22, n° 17. HOC: Letra J, Maço: 29, n° 11 (1764).
Natural da cidade de Lisboa, batizado em 3 de maio de 1724. Filho legítimo de Domingos da
Costa e de Tomásia Maria da Encarnação. Na HOC era já familiar do Santo Ofício (1747) e Pro-
vedor dos Resíduos da Cidade de Lisboa. Exerceu ainda o ofício de Juiz de Fora de Monsaraz,
no Alentejo (Évora). O pai “comprou um dos ofícios de medidor do número da cidade de Lis-
boa, em que sempre conservou serventuário, e lhe servia tesourarias reais”. Sobre o avó pa-
terno, João Manuel, natural da Silveira, freguesia de São Mamede (Aveiro), consta que “era
lavrador, com os seus dois bois e carro cultivava as suas terras e delas se alimentava, e não
cultivava terras alheias, nem menos era jornaleiro que trabalhasse por jornal para outrem”.
73
LB e HOC: não localizadas.
74
LB e HOC: não localizadas.
75
Acerca do ingresso na magistratura enquanto estratégia social, ver trabalho de Joana Estor-
ninho de Almeida. ALMEIDA, Joana Estorminho de – A forja dos Homens: estudos jurídicos e
lugares de poder no século XVII. Lisboa: ICS da Universidade de Lisboa, 2004.

66
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tratos médios diversos – alguns possuíam pais militares (1, 8, 16, 18),
outros pertenciam a famílias de magistrados (12, 13, 14, 19), e há ainda
alguns cujos avós são descritos como “lavradores honrados” (3, 17, 23),
ou então, os que cuja família “vivia à moda da nobreza”. Também entre
os magistrados da revisão temos indivíduos cujos antepassados eram des-
critos como “negociantes de grosso trato” (7, 9, 13), posição, aliás, bem
diferente dos que possuíam ascendentes que tiveram “no seu princípio
loja aberta, ou seja comerciantes a retalho e mecânicos (1,5). Constam
ainda magistrados cujos pais exerceram ofícios na Corte (2, 23), como o
caso do desembargador da Casa da Suplicação (2), cujo pai foi médico
e físico mor do reino. A origem geográfica igualmente é diversa, existindo
entre eles indivíduos oriundos do Norte de Portugal, como por exemplo,
de Braga e do Porto, mas também do Alentejo, de Lisboa e do Algarve.
Em alguns casos, a limpeza de sangue era duvidosa, o que, no entanto,
não lhes embaraçou a carreira, haja vista que a concessão de dispensas
era prática comum, como se verificou das informações recolhidas nos
processos. O caso do escrivão e desembargador da Casa da Suplicação
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne (1), natural de Braga, é
exemplo disso mesmo. O bacharel habilitou-se na Ordem de Cristo com
apenas doze anos de idade, em 1753, baseado no facto dos seus avós ma-
ternos terem sido comerciantes.
História parecida foi a de António Alves da Cunha (5), juiz da
junta especial nomeada em 8 de agosto de 1780 para apreciar o pedido
de revisão do caso dos Távoras. Em 1735, aquando da realização da
Leitura de Bacharel, os depoimentos então prestados registraram a boa
vida e conduta do habilitando. Uma das testemunhas, o Doutor Manoel
Pereira da Silva, médico no hospital do Porto e cavaleiro da Ordem de
Cristo, garantiu, em resposta quinto item das inquirições, que o pai do
bacharel “trabalha a lei da nobreza, considera-se rico, vivendo de sua
fazenda, sem algum exercício vil”. No entanto, António Alves da Cunha
encontrou problemas para habilitar-se na Ordem de Cristo. Na ocasião
daquelas inquirições, constatou- se que “as avós paterna e materna
foram mulheres de segunda condição, e o avô materno carpinteiro de
carro”. Mesmo tendo a habilitação indeferida, ao apelar da decisão,
alegando os serviços prestados como magistrado e opositor de Cânones
em Coimbra, António Alves da Cunha foi dispensado dos impedimentos,
concretizando a habilitação na Ordem de Cristo e prosseguindo com
sua carreira.

67
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Também o Desembargador da Casa da Suplicação João Xavier Teles


de Sousa (18), natural do Algarve, e um dos juízes que assinaram a sen-
tença da reabilitação dos Távoras, apesar de ter uma avó descrita como
“mulata”, obteve em 1786, o cobiçado ofício de Desembargador do Paço
(Tribunal do Desembargo do Paço). Aquando da realização da Leitura de
Bacharel, iniciada em 1753, os juízes chegaram a indeferir sua habilita-
ção, alegando “constar ter o habilitando raça de mulato”, uma vez que a
avó paterna, Domingas Gonçalves, “que ainda vive [...] é mulher parda,
por tal sempre havida”. Também o avô materno, Amaro de Sousa Machado,
“além de ser reputado como mulato, tinha fama de cristão-novo”. Os im-
pedimentos, no entanto, foram dispensados, e o bacharel conseguiu final-
mente habilitar-se em 1758.
No que se refere às carreiras, a trajetória desses homens de letras se-
guia um roteiro comum. Após a conclusão do curso em Coimbra, realiza-
vam – em média dois anos após a obtenção do grau de bacharel – a
Leitura de Bacharel, que visava geralmente o ofício de Juiz de Fora e nal-
guma vila do reino ou nos domínios ultramarinos. E após exercerem ofí-
cios intermediários, como os de corregedor de comarca ou procurador,
procuravam alcançar um lugar nos tribunais superiores, inclusive no Ul-
tramar.76 Entre os magistrados da Revisão, o Deputado da Mesa da Cons-
ciência e Ordens, Sebastião Francisco Manuel (6), natural do distrito de
Óbidos e um dos que assinaram o assento de 16 de agosto de 1780, en-
contrava-se, em 1757, como Desembargador do Tribunal da Relação da
Bahia. Antes, porém, conforme demonstraram as inquirições para a ha-
bilitação na Ordem de Cristo, o magistrado tinha sido advogado na Corte.
Nesse sentido, foi igualmente exemplar a trajetória do Desembar-
gador da Casa da Suplicação de Lisboa José Freire Falcão de Mendonça
(3), que dirigiu a inquirição das testemunhas apresentadas por D. João
de Almeida Portugal, ainda em 1778. Entre as décadas de 1730 e 1750
ocupou os ofícios de Juiz de Fora na Vila de Algozo (Trás-os-Montes) e
na Vila de Portalegre (Alentejo). Foi ainda Procurador da Comarca de
Lamego. Em 30 de maio de 1750 o magistrado pretendia alcançar o ofício
de Tabelião do Judicial e Notas da Vila de Castelo Rodrigo (Beira Inte-
rior). Não foi possível confirmar na documentação se alcançou esse em-
prego, mas é possivel que a resposta tenha sido positiva. O facto é que nas

76
WEHLING, Maria José; WEHLING, Arno – Direito e justiça no Brasil colonial: O Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro: 1751-1808. Rio de Janeiro, IHGB, 2004, pp. 249-322.

68
O PROCESSO DOS TÁVORAS

últimas décadas do século XVIII, e após longa carreira, José Freire Falcão
devia ter alcançado prestígio e reconhecimento na Corte, uma vez que
foi lembrado pela rainha para conduzir assunto tão melindroso”.
Aliás, resta agora o exame dos autos e papéis relacionados à re-
visão. Esta tarefa difícil, tanto quanto àquela a que se dedicaram os
magistrados aqui apresentados, foi o objetivo doa abordagem os autos
de revisão do processo dos Távoras – Entre a Clemência e a Intransi-
gência
Os autos do processo dos Marqueses de Távora encontram-se no
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e que de forma casuística tive acesso.
Por obra do acaso quis que António França, Técnico Superior da Câmara
de Ovar me juntasse ao primeiro estudioso da matéria em Portugal e ao
jovem investigador Leandro Correia, que numa feliz coincidência, jun-
tando-se os diversos elementos (documento original, transcrição, análise)
veio dar continuidade ao estudo de Guilherme G. de Oliveira Santos: O
Caso dos Távora. Lisboa: Livraria Portugal, de 1958.
Este documento original é mais um legado da vinda da Corte em
1808, uma vez que durante muito tempo julgou-se que o original do pro-
cesso tinha sido destruído e pouco se sabia a respeito dos documentos
relativos à revisão que ocorrera no reinado de D. Maria. O Real Gabinete
Português de Leitura possui a primeira publicação da fase pombalina do
processo (1758-1759), de 1921, prefaciada e anotada por Pedro de Aze-
vedo, que à época era o responsável pela secção de manuscritos da Bi-
blioteca Nacional de Lisboa.77
Azevedo publicou o processo condenatório a partir de um translado
autêntico existente naquela instituição. Translado este realizado em 1784
sob a direção de Henrique José de Mendanha Benevides Cirne, desembar-
gador da Casa da Suplicação de Lisboa e escrivão nomeado por D. Maria
I para atuar na revisão do processo. Segundo o cuidadoso organizador
desta primeira edição, o processo original completo estaria perdido para
sempre, pois teria sido destruído por D. João VI nas perspetiva de se pre-
caver de possíveis conspirações idealizadas por Carlota Joaquina e alguns
membros da alta nobreza, aquando do regresso da Corte a Lisboa.78
Porém, ao consultarmos a documentação sob a guarda do Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro, é possível atestar que se trata do original

77
AZEVEDO, Pedro de, ob. cit., 1921.
78
Idem, p. 5.

69
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

do processo. Em vez de destruí-lo, D. João manteve-o no Brasil. As as-


sinaturas dos ministros de Estado e dos magistrados nomeados para
compor a Junta de Revisão atestam tal facto. Uma das mais recorrentes
nos autos de 1759 é a de Sebastião José de Carvalho e Melo, que parece
ter estado presente em praticamente todas as sessões de interrogatório,
sendo, de facto, o principal orientador dos trabalhos. Além disso, Gui-
lherme G. de Oliveira Santos já afirmara que os autos originais encon-
travam-se no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.79 Para nós, enquanto
investigadores foi um desafio extaordinário uma vez que conseguimos
localizar os processos e obter as suas cópias.
O conjunto da documentação compreende na realidade dois proces-
sos diferentes, que totalizam cerca de 3.500 folhas manuscritas, distribuídas
em seis volumes e disponíveis para a consulta sob a forma de microfilmes,
num total de dois rolos. O primeiro deles, registrado sob o n. 005.0.73, con-
tém os autos originais do processo pombalino (1758-1759) e os autos de
revisão (1777-1790). Engloba, assim, os volumes 1 e 2 (processo pomba-
lino), o volume 3 (autos de revisão e documentos preliminares, além de al-
varás e assentos relacionados) e parte do volume 4 (Manifesto da Inocência
dos Távora, primeira parte). O microfilme seguinte, de número 005.1.73,
apresenta a continuação do Manifesto da Inocência dos Távora (volume 5),
extensíssimo papel jurídico escrito em 1787 pelo Dr. Manoel José Saturnino
da Veiga, e os papéis relativos aos embargos postos por João Pereira Ramos
de Azeredo Coutinho à revisão da sentença (volume 6).80
As pretensões residem justamente na apresentação e análise dos
elementos documentais que formam o processo dos Távoras, especial-
mente aqueles relativos à revisão que, instaurada em 1777, se estendeu
indefinidamente, sem qualquer desfecho. A esse respeito, é importante
frisar que o objetivo não é a realização de um estudo de caso. Na ver-
dade, os autos de revisão e todos os papéis subjacentes são aqui toma-
dos como instrumentos que permitem vislumbrar as mentalidades e as
ideias políticas no Portugal mariano. Aliás, como já se afirmou em outro
lugar, a documentação em questão é por vezes repetitiva e de lingua-
gem difícil. Ainda assim, representa um ponto de contacto com a socie-
dade e os valores políticos, sociais e jurídicos dos finais do século XVIII
português.

79
SANTOS, Guilherme de Oliveira, ob. cit., 1958; Idem, ob. cit., 1979.
80
ANRJ, ob. cit.; cód. 746 - M. 005.0.73 (vol. 1-4) e 005.1.73 (vol. 4-6)

70
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Capela de todos os Santos e Casa de Justas (Santa Maria da Feira).

71
O PROCESSO
DE SENTENÇA
REVISÓRIA
1777-1790

Leandro Correia
Nota Introdutória

A transcrição que se segue corresponde ao terceiro volume do Pro-


cesso dos Távoras. O manuscrito, que se encontra no Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro, Brasil, e ao qual tivemos acesso através de um micro-
filme gentilmente cedido pelo Professor Doutor Roberto Carlos Reis, é
composto por seis extensos volumes. O primeiro e o segundo volume
correspondem àquilo que ficou historicamente conhecido como o pro-
cesso condenatório, do qual todos conhecem minimamente os imbróglios,
façanhas e atrocidades. Menos conhecido, o terceiro volume, foco do pre-
sente estudo, corresponde ao processo revisório, ou processo de revisão,
elaborado no reinado de D. Maria I, que concedeu licença ao Marquês
de Alorna para que, como procurador da sua mulher e filhos, reunisse
provas que pudessem declarar a inocência da família Távora no atentado
a D. José I, na noite de 3 de setembro de 1757. Por seu turno, o quarto
e o quinto volume correspondem ao Manifesto de inocência dos Távoras,
enquanto o volume número 6 reúne um extensíssimo papel jurídico es-
crito, em 1787, pelo Dr. Manuel José Saturnino da Veiga, e os papéis re-
lativos aos embargos postos por João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho
à revisão da sentença.

O terceiro volume, que aqui se publica, é extenso, composto por


256 fólios, embora os últimos 21 sejam a anexação de 14 cartas do Padre
Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora. Ainda no que aos fólios
diz respeito, alguns deles encontram-se em falta, outros em branco, pelo
que mencionamos sempre, em nota de rodapé, que não existem. O ma-
nuscrito encontra-se, no geral, em bom estado de conservação, embora
se notem alguns danos nos fólios 124 a 128v – depoimento do Desem-
bargador Eusébio Tavares de Sequeira – e nos fólios 147 a 148v – depoi-
mento de Pedro José da Fonseca –, devido à tinta ferrogálica que corroeu
o suporte. Quanto à escrita, é claramente uma letra típica de chancelaria
do século XVIII, bastante legível, grafada por várias mãos ao longo do
processo. Por último, em relação às cartas do Padre Gabriel Malagrida,
sentimos a necessidade de apontar em nota de rodapé alguns erros de

75
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

escrita, para que o leitor compreenda melhor o sentido do texto, uma


vez que o referido prelado era de origem italiana e, portanto, com signi-
ficativas dificuldades em escrever em português determinadas palavras.

Critérios de Transcrição

Na transcrição dos documentos que a seguir publicamos, nor-


teamo-nos essencialmente pelos critérios apresentados por Avelino de
Jesus da Costa, nas Normas gerais de transcrição e publicação de docu-
mentos medievais e modernos, Coimbra, INIC, 1993, de entre as quais,
nos aspectos fundamentais, destacamos:

1. Desdobraram-se as abreviaturas sem sublinhar as letras que lhes


correspondem. As abreviaturas com mais de um valor desabreviaram-se
conforme o contexto o requeria;
2. Actualizou-se o uso de maiúsculas e minúsculas;
3. Actualizaram-se os i y e j, ou u e v, conforme tinham valor de
vogal ou consoante;
4. Colocou-se ou retirou-se a cedilha do c, conforme se justificava;
5. Ignoraram-se os sinais de pontuação colocados no texto, mas in-
seriu-se alguma pontuação para tornar os documentos mais compreensí-
veis.;
6. Os erros existentes nos documentos que dificultam a compreen-
são do seu sentido foram corrigidos, indicando-se em nota a forma textual.
Nos outros casos, porém, mantiveram-se os erros, mas assinalando-os com
[sic], para não induzir o leitor em erro;
7. As omissões do texto ou reconstituições de formas textuais in-
completas, regra geral por esquecimento de sinais de abreviatura, foram
indicadas por letras, sílabas ou palavras em itálico e entre parênteses
retos;
8. As partes truncadas ou ilegíveis dos documentos, sempre que
possível, completaram-se por outras fontes ou formulações similares
entre parênteses retos e no mesmo tipo de letra do texto;
9. Utilizou-se ponteado dentro de parênteses retos [...] para indicar
as palavras ou frases que não puderam ser lidas;

76
O PROCESSO DOS TÁVORAS

10. As leituras duvidosas foram seguidas de uma interrogação entre


parênteses (?).
11. As letras, palavras ou frases entrelinhadas colocaram-se entre
parênteses angulosos < >.
12. Separaram-se as palavras incorretamente juntas e uniram-se os
elementos dispersos da mesma palavra. As proclíticas e as palavras aglu-
tinadas separaram-se por apóstrofe: d’ancas, exceto quando podiam con-
sidera-se um só vocábulo: todollas;
13. Mantiveram-se as consoantes duplas em posição intervocálica,
mas reduziram-se a simples quando no início das palavras;
14. O til das abreviaturas nasais desdobrou-se em m ou n segundo
o critério seguido pelo texto, quando essas palavras estavam desabrevia-
das. Caso contrário, usou-se o m e o n de acordo com o contexto etimo-
lógico mais corrente na época. Manteve-se o til quando a sua substituição
por m ou n modificava a pronúncia da palavra (ex.: algũa);
15. Os acentos foram introduzidos apenas para evitar erros de pro-
núncia ou interpretação, sobretudo em palavras homógrafas;
16. No caso do manuscrito, os fólios foram indicando entre parên-
teses retos, explicitando se tratava da folha de rosto ou do verso [v].

77
[fl. 1]1
Este masso assim atado, e com o rótulo
<Marquez de Alorna
Inquirição de testemunhas>

Me foi entregue pelo Illustrissimo Excelentíssimo Joseph de Seabra


da Silva, Ministro e Secretário d’Estado dos Negócios do Reino, na noite
de 29 de Março corrente de 1796 indo eu a diverso negócio à sua pre-
sença, e elle mesmo se lembrou de que tinha em seu poder o referido
masso nesta pasta, que lhe entregara o Excelentissimo e Reverendissimo
Bispo Inquisidor, logo que se declarou a molestia da Rainha Nossa Se-
nhora; e porque isto pertence ao gabinete do Principe Nosso Senhor,
esse o motivo de fazer a sua remessa.2

[fl. 3]3
Inquirição ad perpetuam rei memoriam, facultada pella Rainha
Nossa Senhora ao Marquez d’Alorna como Procurador da Marqueza sua
mulher e filhos.

[fl. 4]4
Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sette-
centos e settenta e sette, aos dezoitto dias do mez de Novembro do dito
anno, nesta cidade de Lisboa e Caza da Supplicação da mesma; me foi
apresentado pello Dezembargador Joze Alberto Leitão, Corregedor do
crime da Corte e Caza, hum Decreto da Rainha Nossa Senhora da data de
Villa Viçoza, e sette do prezente mez; para que como Escrivão no mesmo
Real Decreto nomeado, o authuace a fim de se proceder na inquirição de

1
No canto superior esquerdo lê-se «Para Memória».
2
No canto inferior direito pode ler-se «Este masso que he original e na verdade seria origem
de horrorosas consequencias, se procedesse o intento, deve conservar-se com summa cau-
tela».
3
Não constam os fls. 1v, 2 e 2v; passamos a referir-nos aos fólios pela sigla fl. e/ou fls, con-
forme a situação.
4
Não consta o fl. 3v.

79
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

testemunhas, que a mesma Augusta Senhora faculta ao Marquez d’Alorna,


como Procurador da Marqueza sua mulher, e filhos, o qual Decreto aqui
authuei, e he o que adiante se segue. Henrique Joze de Mendanha Bena-
vides Cirne, Dezembargador da Caza da Supplicação, o escrevi.

[fl. 5]5
[Decreto de 7 de novembro de 1777]
Tendo consideração ao que me representou o Marquez de Alorna,
por si, e como Procurador da Marqueza sua mulher e filhos, que sendo
notoriamente interessados na restituição da fama de Francisco de Assiz
de Tavora, Leonor de Tavora, Luiz Bernardo de Tavora, Jeronimo de Ataide,
e José Maria de Tavora, pertendia acautelar para o futuro as provas com
que intentava justifica-los innocentes no processo e sentença proferida
em Junta de doze de Janeiro de mil setocentos cincoenta e nove em que
participaram da nota do horrorozo e execrando crime de inconfidencía.
E não sendo da minha real intenção permittir que possa perecer, nem
ainda arriscar-se a verdade em hum assumpto de tão grave ponderação
quando se proporcionam para o conhecimento della os meyos legitimos
da sua averiguação, hey por bem conceder licença ao referido Marquez
de Alorna para produzir ad perpetuam rei memoriam sobre a innocencia
e defeza dos sobreditos, todas as testemunhas que aprezentar, ainda que
não sejam velhas, nem enfermas para dellas se valer em qualquer tempo
e juizo em que haja de conhecer-se da cauza de que pertende tratar. E
para inquirir as ditas testemunhas na cidade de Lisboa e cinco legoas ao
redor della, sou servida nomear por Juiz o Doutor José Alberto Leitão,
Corregedor do Crime da Corte e Caza, e para Escrivão o Doutor Henrique
José de Mendanha Benavides, Dezembargador da Caza da Supplicação.
Na Comarca do Porto o Corregedor do Crime da Corte e Caza da Primeira
Vara, e para Escrivão o outro Corregedor do Crime da Corte e Caza da Se-
gunda Vara os quaes tirarão as ditas testemunhas sendo citados pelos mes-
mos escrivaens, para as verem jurar os Procuradores da Coroa dos
districtos a que competirem, não só como taes, mas tambem como fiscaes
da justiça. Nas outras Provincias se procederá na mesma forma servindo
de Juizes Inqueredores os Corregedores das Comarcas e de Escrivaens os
Juizes de Fora Criminaes onde os houver. E não os havendo os Juizes de
Fora do Civel, fazendo os Provedores das respectivas Comarcas nesta di-

5
Não consta o fl. 4v.

80
O PROCESSO DOS TÁVORAS

ligencia as vezes de Promotores da Justiça e de Fiscais da Coroa, conce-


dendo-lhes [fl. 5v] para tudo o referido a autoridade e jurisdição que lhes
for necessaria. Tirarão as ditas testemunhas em segredo e lhes darão ju-
ramento para nunca revelarem a materia dos seus depoimentos, os quaes
se conservarão no mais recondito e impenetravel segredo de maneira que
ficarão responsaveis por elle não só as referidas testemunhas, mas athé
os sobreditos ministros. E serão obrigados os mesmos Escrivaens a diri-
girem à Secretaria de Estado dos Negocios do Reino cerrados e lacrados
os autos originaes das sobreditas inquiriçoens logo que forem concluidas
e nella se conservarão com secretissima cautela. E para que a dispozição
deste meu Real Decreto tenha todo o seu devido effeito derogo para men-
cionado fim somente quaesquer leys, disposiçoens, ou estilos, que hajam
emcontrar, como se de tudo fizesse nelle especial e expressa menção. Villa
Viçoza em sete de Novembro de mil setecentos setenta e sete.
(assinatura)
Rainha6

[fl. 6]
O Marquez d’Alorna como Procurador da Marqueza sua mulher e
de seus filhos, authorizado pelo Decreto de sua Magestade de 7 de no-
vembro de 1777 offerece-nos nomes que reprezenta os itens seguintes,
para por elles se perguntarem as testemunhas que nomear, cujo numero
addicionará conforme os factos que de novo vierem á sua noticia.
1
Item. Que sendo prezos Francisco de Assis de Tavora, Luiz Bernardo
de Tavora, Marquezes que foram deste titulo, Jeronimo de Ataide Conde que
foi de Atouguia e Jozé Maria de Tavora, foram logos tratados como se já es-
tivessem absoluta e plenamente convencidos e condemnados pelo horrorozo
delicto de Leza Magestade comettido contra a sagrada pessoa do Senhor Rey
D. Jozé o 1º em o sacrilego attentado da noute de 3 de setembro de 1758.
2
Item. Que aos ditos Francisco de Assis, Luiz Bernardo, Jeronimo de
Ataide, Jozé Maria, e da mesma forma a D. Leonor de Tavora Marqueza
que foi do dito titulo, se não deu lugar algum para se defenderem da im-
putação do mesmo horrorozo delicto, mas antes se procedeo com ellez
como se nenhuma defeza podessem ter, nem allegar.

6
No canto inferior esquerdo lê-se «Registado a folha 253 do livro VIII».

81
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

3
Item. Que sem embargo de ser nomeado para Pro[fl. 6v]curador
dos referidos suppostos réos o Dezembargador Euzebio Tavares se lhe
limitaram as horas para allegar todas as diversas e distinctas defezas dos
ditos réos, sendo elles onze em numero.
4
Item. Que do pouco tempo dado a este Ministro para esta diligen-
cia, lhe foi tomada huma grande parte pelo Ministro d’Estado de sorte,
que teve muito poucas horas uteis, não passando de nove, ou dés, para
se informar dos reos e allegar por todos e cada hum delles as suas dis-
tinctas e seperadas defezas.
5
Item. Que essas horas tiradas ao tempo determinado para a defeza
as gastou o Ministro d’Estado em preparar o dito Dezembargador Procu-
rador com muitas limitaçoens e instrucçoens.
6
Item. Que estas limitaçoens e instrucçoens se dirigião mais a pro-
curar a condemnação dos suppostos réos e descubrir maior numero de
outros semelhantes do que para elle Dezembargador Procurador lhe fazer
huma boa e livre defeza.
7
Item. Que sendo deste modo quartado e tomado o tempo ao dito
Dezembargador e limitadas as circumstancias para fazer o officio de Pro-
curador, lhe foi impossivel cumprir com a sua obrigação nem formalizar
as defezas de cada hum dos suppostos réos com separação das suas dif-
ferentes circumstancias como aliás lhe não seria difficultozo se houvesse
mais [fl. 7] espaço de tempo e liberdade.
8
Item. Que offerecendo-se alguns ou todos os referidos suppostos
réos para provar com testemunhas nomeadas que naquella mesma noute
de 3 de setembro de 1758 assim ás horas das onze, como na hora antes,
e na hora depois estiveram continuadamente em lugares distantes da-
quelle aonde o delicto se cometêo, não forão perguntadas as ditas teste-
munhas.
9
Item. Que ao dito Dezembargador se não comunicaram os autos
para a defeza dos reos, e se lhe deu somente huma sorte de minuta para
por ella se haver de regular.

82
O PROCESSO DOS TÁVORAS

10
Item. Se he certo que antes de elle dito Dezembargador ouvir os
réos e preparar a defeza vio a sentença escripta ou a ouvir dictar por
mão e boca de quem? E se não ficou então posetivamente persuadido,
que elle só fora nomeado Procurador por forma solemnidade, ou forma-
lidade do processo, e não para se dar lugar a qualquer defeza que os
reos podessem ter.
11
Item. Que ao réo Joze Mascarenhas foi insinuado antes de pergun-
tas, ou no tempo dos tormentos, que podia ser-lhe favoravel a declaração
de maior numero de pessoas que com elle tivessem sido participes no
dito sacrilego attentado, ainda sendo pessoas, ou pessoa de mais alta
ordem, e a testemunha poderá talvez declarar quem fez esta insinuação
ao dito Joze Mascarenhas.
12
Item. Que o dito Jozé Mascarenhas sendo levado [fl. 7v] a tratos
horrorozos, declarou na força do tormento que estavão innocentes os
reos de quem se trata: que não forão participes do delicto: que revogava
qualquer declaração feita por elle e extorquida pelo horror de tormento
ou movido pela esperança de que declarando maior numero de sócios
da primeira Nobreza, poderia o seu delicto escapar do ultimo e mais ri-
goroso castigo.
13
Item. Que a dita declaração e retrattação chegou a ser escripta e
foi depois rasgada e desprezada por dizer hum dos juizes que se não
devia della fazer cazo. E as testemunhas, que a este item jurarem, poderão
declarar, sendo perguntadas, quem escreveo esta retractação, quem foi o
Juiz ou o Ministro que a rasgou reputando-a por inutil e quem estava
prezente.
14
Item. Que desde então até o ultimo instante continuou o dito Joze
de Mascarenhas a declarar constantemente a innocencia dos réos, de que
se trata, e assim o protestou diante do mesmo Deos Sacramentado,
quando poucas horas antes da sua morte o recebeo por Viatico.
15
Item. Que o Padre Francisco Manoel de S. Boaventura dado nessa
occazião por confessor do dito Jozé Mascarenhas, confiou a algumas pes-
soas ter sido encarregado pelo dito seu penitente de fazer a mesma de-

83
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

claração e consta com effeito que muito circumstanciadamente por es-


cripto assim o póz em practica.
16
Item. Que quando o dito Jozé Mascarenhas estava para ser levado
ao patibulo, ouvindo os nomes dos que já ti[fl. 8]nhão sido executados,
exclamou com grande afflicção dizendo: que visto ter elle sido a cauza
da ruina de tantos innocentes não podia haver para elle salvação. Ao que
o dito confessor acudio animando-o e trazendo-lhe á memoria a sua re-
tractação que era quanto da sua parte cabia no possível para purificar a
sua consciencia.
17
Item. Que D. Luiz Bernardo de Tavora na noute de 3 de setembro
de 1758 desde as oito horas da noute, até passada a meia noute, se achou
em Bellem, nas cazas de Jozé Mascarenhas, onde levou consigo o rebeca
Andre, e sem da hi se apartar empregou todo o tempo no ensaio de
humas contradanças destinadas para se praticarem na outra banda na
occazião das festas da Piedade; nas quaes contradanças assim elle como
muitas pessoas de hum e outro sexo da familia do dito Joze Mascarenhas
fizeram figura.
18
Item. Que o dito Luiz Bernardo não se apartando da dita caza, nem
sospendendo o ensaio das contradanças até á meia noute, sendo delle
inseparavel o rebéca Andre, e as mais pessoas assistentes, se despedio
depois da dita hora e levou então d’ancas no seu cavallo ao mesmo re-
béca Andre para onde elle poderá declarar.
19
Item. Que este facto naturalmente ficou impresso na memoria das
pessoas, que o prezenciaram, sem delle se poderem esquecer; porque
sendo o dito Luiz Bernardo acuzado, prezo e executado pelo referido, e
execrando delicto, se lembraram logo e [fl. 8 v] recolegiram o dito facto,
concluindo por elle ser impossivel achar-se o dito Luiz Bernardo na per-
petração do dito horrorozo delicto.
20
Item. Que o réo Jeronimo de Ataide na tarde do dia 3 de setembro
de 1758 foi juntamente com o Marquez de Fronteira D. Fernando, na Fre-
guezia de Nossa Senhora da Ajuda, ser Padrinho do cazamento do seu
lacaio Bernardo Duarte, e vindo para caza às Ave Marias, se despio logo,
ficando de roupão e chinellas, e nessa noute nunca mais dahi o sahio.

84
O PROCESSO DOS TÁVORAS

21
Item. Que passado algum tempo dessa noute infeliz, o dito Jeronmo
de Ataide, mandou chamar ao quarto de sua mulher, D. Marianna de Lo-
rena, huma criada por nome D. Rita, a quem ordenou trouxesse duas peças
de pano, destinadas para pannos e guardanapos para a cozinha e copa, e
elle mesmo Jeronimo d’Ataide assistio e derigio toda a operação do corte
dos ditos guardanapos em que se gastou até às onze horas da noute.

22
Item. Que chegando então de fora a essa hora a dita D. Marianna
sua mulher, a foi abaixo buscar o dito Jeronimo d’Ataide arguindo-a de
ter tardado tanto, e ella o arguio tambem a elle de a não ter hido buscar
ao Rio Seco a caza de seus pays, como era o seu costume, ao que se se-
guio a cêa, que acabaria pela huma hora da noute, depois da qual se
forão logo deitar.
[fl. 9]
23
Item. Que este facto referido ficou impresso na memoria das pes-
soas que o prezenciaram, sem que depois lhe podesse esquecer. Porque
sucedendo a prizão dos ditos D. Jeronimo d’Ataide e D. Marianna de Lo-
rena recolegiram logo o que tinha assim passado, para dahi concluirem
a impossibilidade de ser certo, que o dito D. Jeronimo d’Ataide se achasse
no horrorozo insulto da noute de 3 de Setembro de 1758 no tempo em
que fôra comettido, quando a essa mesma hora se achava em sua caza,
no sitio de Santo Amaro occupado em tão diferente exercicio, como foi
o de prezedir ao corte dos guardanapos referido.
24
Item. Que tendo certeza desta circumstancia os criados e criadas
do dito Jeronimo de Ataide, julgaram firmemente quando seus amos
forão prezos, que não poderiam ter o menor perigo e que facilmente se
faria a seu favor a descoberta da verdade; mas sendo depois condemnado
e executado o dito Jeronimo d’Ataide, de cuja innocencia não duvidavão,
com o fundamento dos factos acima ditos, fallaram huns com outros, re-
conhecendo a injustiça da dita execução, de que conservaram sempre a
mesma idéa, juntamente com as dos factos que approvão.
25
Item. Que na mesma infeliz noute de 3 de Setembro de 1758 antes
das dés horas se recolheo a sua caza no Rio Seco D. Leonor de Tavora,

85
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Marqueza que foi do dito titulo, acompanhada de sua filha D. Mariana


de Lorena.
26
Item. Que na dita sua caza se achava já a essa [fl. 9 v] hora das dés
o réo Francisco de Assis seu marido e da hi não sahio mais essa noute,
sendo disto testemunha os seus criados. Pouco depois desta hora pedio
hum cachimbo conforme o seu costume, que huma criada lhe trouxe, e
por largo espaço de tempo esteve cachimbando, depois de cujo remedio
se foi deitar, tendo-se pouco antes retirado a dita sua filha.
27
Item. Que Joze Maria de Tavora na noute infeliz de 3 de Setembro
de 1758 se achava pelas dés horas da noute em caza de seus pays, con-
forme a ordem dada por estes, para se não recolher mais tarde. Os passos
differentes do dito Jozé Maria nessa noute consistem em ter estado em
Sacavem até ás outo horas, vir dahi a caza dos Negociantes Italianos, cha-
mados Cambiaços, onde se deteve pouco tempo, depois á Junqueira a
caza da pessoa que as testemunhas declararão, donde sahio antes das
dés horas e se recolheo a caza de seus pays, como fica dito: depois disso
não tornou a sahir mais de caza de seus pays, sendo disso testemunhas
as pessoas da mesma família no espaço que se comprehende continua-
damente até á meia noute. Estas mesmas pessoas conservando memoria
fixa e certa destes factos, e succedendo depois a prizão e execução do
dito Jozé Maria, pelo referido cazo horrorozo recordaram estas circums-
tancias tão contrarias ao que lhe era atribuido.
28
Item. Que nem da cavalharice em Alcantara da companhia de que era
Capitão Luiz Bernardo de Tavora, nem da outra que elle tinha nas suas cazas
de San[fl. 10]to Amaro se mandaram, ou mudaram cavallos alguns para a ca-
vallarice do réo Jozé Mascarenhas hum, dous, tres, ou quatro dias antes do
dia do insulto e sacrilego attentado de 3 de Setembro de 1758. Que os ditos
cavallos não podião sahir, ou ser mudados, sem serem disso testemunhas
os que tinhão a seu cargo as ditas cavallarices, os quaes tem disso mesmo
certeza e fazendo-se menção na sentença da mudança de cavallos, reculegi-
ram então logo ser errado este facto e o ficaram conservando na memoria.
29
Item. Que se houve algum que afirmasse, ou declarasse, a mudança
dos ditos cavallos, e suppondo-se ser essa pessoa Braz Jozé Romeiro,
sem duvida lhe foi essa declaração extorquida e violentada com tratos

86
O PROCESSO DOS TÁVORAS

horrorozos, para lhe fazer dizer, e que quizerão, mas depois se contra-
disse, e protestou a fasildade do dito facto.
30
Item. Que alguns dos juizes que assignaram a sentença disserão e
confiaram a seus amigos intimos que elles em sua consciencia entendião
que a família dos Tavoras tinha sofrido innocente, e que o seu voto fora
na conformidade das provas atribuidas aos autos, com que lhe facilitaram
a assignatura da sentença sem que lhe fosse permittido nenhum exame,
nem duvida das mesmas provas, salvando a sua consciencia com a rela-
ção que lhe fizerão do que havia nos autos.
31
Item. Que todos estes suppostos réos até á ul[fl. 10v]tima hora pro-
testaram pela sua innocencia, pedindo aos seuz confessores que assim o
declarassem por ser essa a verdade, a que não podião faltar nas circums-
tancias de estarem para apparecer em poucas horas, ou minutos, diante
do Eterno Juiz, que os havia de julgar de outra sorte. E a mesma inno-
cencia protestaram antes disso na forma mais solemne, quando houveram
receber por Viatico o Santissimo Sacramento.
32
Item. Que depois de executada a sentença e passado algum tempo
houve secretarios de Estado que não obstante de a ter assignado, profe-
rião della claramente expressoens de desapprovação significantes da in-
nocencia destes réos.
E finalmente
33
Item. Que ha suspeita de terem sido viciados os autos e que delles
foi visto arrancarem-se folhas que depois se queimaram, e introduzi-
rem-se outras em seu lugar, sobre cujo facto poderão as testemunhas de-
clarar as circumstancias a respeito do tempo, do lugar, e das pessoas e
de tudo o mais que se possa comprehender nesta matéria.
34
Item. Se os Marquezes que forão de Tavora e Jeronimo de Ataide e sua
mulher forão a caza do reo Mascaranhas na manham seguinte á noite dos tiros.
(assinatura)
Marquez d’Alorna7

7
No canto inferior esquerdo lê-se «Junte-se ao decreto e ao Ministro nomeado para escrivam
declararei os dias em que se hao de tirar as testemunhas – [assinatura] Leitão».

87
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 11]
O Marquez d’Alorna nomea as testemunhas seguintes para serem
perguntadas ad perpetuam rei memoriam na forma do Real Decreto de
7 de Novembro de 1777 aos artigos que tem offerecido e protesta nomear
as de que mais tiver noticia.

Artigos
11, 12, 13, O Cirurgião do Santo Officio Morador na rua de São Jozé
14, e 29. Domingos Monteiro
32, 33. Manoel Joaquim Garção Morador na rua que vai da
Official da Secretaria porta d’Alcantara para a
dos Negocios Estrangeiros ponte
11 athe 16 Martinho Teixeira Homem Morador á Cruz da Pedra
Raymundo Noyer Capitam do Regimento do
Principe
Simão Infante Agregado ao Regimento do
Caes
Pedro de Roxas Nas suas cazas junto á Graça
Bernardo de Lemos Senhor da Trofa
17,15 e 31 Frei Adrião de São Jozé Religioso de São Pedro
de Alcantara
Frei Antonio de São Jozé Guardião de São Pedro
de Alcantara
O Padre Christovão Joze De Rilhafoles
de Castro
O Padre Joze da Silva Rebello De Rilhafoles
O Padre Francisco de Abreu De Rilhafoles
Frei Joze da Expectação Nos Marianos dos Remedios
Frei Joze de Santa Catharina No Convento de São Comelio
Frei Domingos da Natividade Em São Joze de Riba Mar;
ou na Boa Viagem
Frei Antonio das Chagas Em São Pedro de Alcantara
Frei Manoel Evangelista Em caza seu irmão o
de Oliveira Dezembargador Luiz Manoel
de Oliveira
Frei Antonio de Quadros Religioso da Graça
Joze Antonio de Castilho No Colegio dos Nobres

88
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[fl. 11 v]
Caetano Antonio Rodrigo Escripturario da Contadora
Godinho do Senado
O Doutor Lopo Joze Advogado nesta Corte
de Azevedo Vargas
João da Camara Na sua Quinta de Bemfica
Francisco Varella de Castro Mercador da Capella
17, 18 e Antonio Joze de Matos Na rua dos Capellistas
19. 34 Diogo Joze de Faro Na Junqueira junto
ao Cirurgião mor
D. Elena Xavier Ás escolas Geraes nas cazas
de Sayão
A Madre Soror Anna No Convento do Rato
de Santa Tereza
Miguel Joze Granate Official da Secretaria
do Ultramar
Monsenhor Rode Criado do Duque de Cadaval
Bento Pereira Cascavel da Alfandega
Francisca Joaquina Mulher do dito Bento Pereira
Gabriel da Veiga Medidor do Ferreiro
Antonio Dias Lacaio do Conde de Vimieiro
Andre da Fonseca Lacaio do Marquez d’Alvito
O Padre Espinoza Religioso de Bellem
A preta chamada Lourença Ao Cardal da Graça
da Cruz
A preta Maria Roza Mulher do preto Aleixo,
Mulher de dança a São
Francisco de Paula
20, té 24 Manoel de Jesus Mestre de Meninos
inclusive ás Janellas Verdes
Joze Machado Com loja de Barbeiro
defronte do Conde da Ponte
Andre de Campos Na Rua dos Navegantes
Antonio Joze Bolieiro de Francisco Xavier
de Alcaçovaz
Jozé Ribeiro Porteiro do Marquez de Louriçal
Antonio Caldeira Delgado Escudeiro da Senhora
Condessa de Obidos

89
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Francisca das Chagas Nas cazas do Visconde de Asseca


Tereza Na mesma parte
D. Rita Bernarda Criada da Senhora Marqueza
de Tancos
D. Elena Criada da Senhora Viscondessa
de Ponte de Lima
[fl. 12]
Maria Joaquina Criada em Caza de D. João
da Costa
Manoel Mendes da Cunha Morador na Quinta
de Trancão para lá da Povoa
25, 26 Anna Joaquina de Souza Assistente nas cazas
do Visconde de Asseca
25 e 26, 27 Mathias Joze Rodrigues Criado do Conde de Vila Verde
Domingos Fernandez Pinto Bolieiro de João Ferreira
contratador de sola morador
ao Poço Novo
Manoel Joze Lacaio de Francisco de
Azevedo Coitinho Juiz do
Crime de Santa Catharina
morador na Rua Fermoza
25,26 e 27 Francisco Joze de Moura Criado do Articulante
28 Miguel Pedrozo Tenente de Alcantara
28 Joze Francisco Rijo Morador junto a Queluz
Joze Francisco Tojal Soldado do Regimento
de Alcantara
Antonio Jorge Soldado de Alcantara
Manoel Jozé Moço que foi da trazeira
da Marqueza D. Joanna
Francisco Moço ao serviço do Cardeal
Regedor
29 Frei Joze de Nossa Senhora
do Pilar De São Pedro de Alcantara
Frei João Martinho de Santa De São Pedro de Alcantara
Maria
30 Monsenhor Jansen
O Dezembargador Romão
Joze Roza Guião

90
O PROCESSO DOS TÁVORAS

João Pedro de Lima Pinto Secretario do Conselho da


Rainha, morador junto a S.
Marinha a S. Vicente de Fora
Joze Leite de Almada Freire Conventual de Palmela
Frei Jozé da Costa Religioso de São Francisco
de Paula
O Dezembargador Jeronimo
de Lemos Monteiro
O Dezembargador Antonio
da Mesquita e Moira
O Dezembargador Antonio
Teixeira Alvarez
32 O Illustrissimo e Excelentissimo
Marquez de Marialva
Gonçalo Xavier das Alcaçovas
Pedro Hypolito Em caza do Marquez
de Marialva
(assinatura)
Marquez d’Alorna

[fl. 14 v]8
Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sette-
centos e settenta e oitto aos sette dias do mez de Fevereiro nesta cidade
de Lisboa e Caza da Supplicação da mesma; ahi me foi dado pello De-
zembargador Joze Freire Falcão e Mendonça hum avizo da Secretaria de
Estado dos Negocios do Reyno incluzo hum Decreto da Rainha Nossa
Senhora, pello qual a mesma Soberana Senhora o nomeya para durante
a auzencia do Dezembargador Joze Alberto Leytão, Corregedor do Crime
e da Corte e Caza, proceguir nesta comissão de que o dito Ministro se
achava encarregado, tudo a fim de eu authuar o sobredito avizo e men-
cionado Decreto que aqui authuei e são os que ao diante se seguem.
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.

[fl. 15]
Sua Magestade manda remetter a Vossa Merce o Decreto incluzo
em que a mesma Senhora o encarrega de proseguir durante a auzencia

8
Não constam os fls. 12v, 13, 13v e 14.

91
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

do Corregedor do Crime da Corte e Caza na Commissão que está incum-


bido ao dito Ministro por Decreto de sete de Novembro proximo passado,
o qual se acha em poder do Dezembargador Henrique Jozé de Menda-
nha, nomeado Escrivão para a sobredita diligencia, com quem Vossa
Merce se entenderá ao fim de a continuarem com a actividade de que
ella necessita.
Deos guarde a Vossa Merce. Salvaterra de Magos, era de 31 de Ja-
neiro de 1778
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira9

[fl. 16]10
[Decreto de 31 de janeiro de 1778]
Sou servida nomear o Doutor José Freire Falcão de Mendonça De-
zembargador da Caza da Supplicação para que durante a auzencia do
Doutor José Alberto Leitão Corregedor do Crime da Corte e Caza prosiga
na commissão de que se acha encarregado o dito Ministro na conformi-
dade do meu Real Decreto de sete de Novembro do anno proximo pre-
cedente. O mesmo José Freire Falcão de Mendonça o tenha assim
entendido e o execute. Salvaterra de Magos, em trinta e hum de Janeiro
de mil sétecentos setenta e oito.
(assinatura)
Rainha11

[fl. 16 v]
Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sette-
centos e setenta e oitto, aos vinte dias do mez de Março do dito anno, e
nas cazas donde rezide o Dezembargador Joze Freire Falcão e Mendonça;
ahi pello sobredito Dezembargador me foi dado hum avizo da Secretaria
do Estado dos Negocios do Reino pello qual sua Magestade he servida
que o mencionado Ministro continue esta dilligencia athe a sua ultima
concluzão; o qual avizo e ordem que o mesmo contem aqui authuei e he
o que adiante se segue. O Dezembargador Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.

9
No canto inferior esquerdo lê-se «Senhor Jose Freire Falcão de Mendonça».
10
Não consta o fl. 15v.
11
No canto inferior esquerdo lê-se «Registado a folha 22».

92
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[fl. 17]
[Aviso de 20 de março de 1778]
Sendo prezente a sua Magestade que a Vossa Merce fora commettida
a inquirição, que a requerimento do Marquez de Alorna se havia ordenado
por seu Real Decreto que tirasse o Doutor Jozé Alberto Leitão, Corregedor
do Crime da Corte e Caza, e que se achava com muito adiantamento a di-
ligencia da mesma inquirição, na qual entrando de novo o mesmo Doutor
José Alberto Leitão retardaria mais o progresso della, por se achar ocu-
pado em outras diligencias. He sua Magestade servida, conformando-ze
com o parecer do referido Corregedor do Crime da Corte e Caza, que
Vossa Merce continue na diligencia da sobredita inquirição athé a ultima
conclusão della, e na conformidade do Decreto pelo qual se ordenou.
Deos guarde a Vossa Merce. Paço, em 20 de Março de 1778.
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira12

[fl. 17 v]
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne Dezembargador da
Caza da Supplicação e Escrivão nomeado pello Real Decreto de sette de
Novembro de mil e settecentos e settenta e sette para a inquirição facultada
ao Marquez d’Alorna como Procurador da Marqueza sua mulher e filhos,
certefico que notefiquei na forma do mesmo regio Decreto ao Dezembar-
gador Procurador da Coroa para ver jurar as testemunhas que o mencio-
nado Marques intenta produzir aprezentando-lhe em sua caza o rol das
mesmas e partecipando-lhe o dia em que se principiarão a inquirir; a que
me respondeu se acharia prezente de que para constar passei esta que as-
signo. Lisboa, sette de Fevereiro de mil e settecentos e settenta e oitto.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

Certefico tambem, outrosim, que aparecendo o Dezembargador


Procurador da Coroa no acto em que foi perguntada a primeira testemu-
nha e assistindo ao depohimento do costume da mesma, se retirou pro-
testando não aprovar couza algũa prejudicial, de que para constar passei
a prezente que assigno. Lisboa, nove de Fevereiro de 1778.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne
12
No canto inferior esquerdo lê-se «Senhor Joze Freire Falcão e Mendonça».

93
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 22]13
Aos nove dias do mez de Fevereiro do anno de mil e settecentos e
settenta e oitto nas cazas da morada do Dezembargador Joze Freire Fal-
cão de Mendonça, que actualmente serve de Corregedor do Crime da
Corte e Caza e que novamente se acha pello Real Decreto junto nomeado
para proceguir nesta commissão, ahi pello dito Dezembargador forão in-
quiridas as testemunhas ao diante especificadas, deferindo-lhe o mesmo
Ministro o juramento dos Santos Evangelhos, para que bem e verdadei-
ramente dicecem e declaracem o que soubecem de quanto lhe fosse per-
guntado. As quais em nomes e cognomes, cidades, costumes, e dittos são
como ao diante se verá; de que eu Henrique Joze Mendanha Benavides,
Dezembargador da Caza da Supplicação e Escrivão, tambem nomeado
para esta dilligencia formei este termo e o escrevi.


Domingos Monteiro Ramalho, Notario appostolico de sua Santi-
dade e dos aprovados na forma do sagrado Concillio de Trento e Cirur-
gião do numero dos carceres secrettos do Santo Officio desta Corte,
morador na rua direita de São Joze e de idade que disse ter secenta
annos; testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pos a sua
mão direita prometendo dizer a verdade. E ao costume disse nada. [fl.
22v] E perguntado pello undessimo artigo dos itens juntos, a que foi
apontado, e a que ja duvidou depor, pella rezão de se achar ligado com
ordens de sua Magestade, que secretamente se lhe derão, quando foi
conduzido para a quinta do meyo, a fim de executar o que se lhe de-
terminace debaixo do segredo que então se lhe ordenou, e de que agora
se acha dispençado. Disse ao dito artigo que elle em rezão do seu mi-
nisterio se achava proximo a meza em que se fazião as perguntas aos
reos do sacrilego atentado da noute de tres de Setembro de mil e set-
tecentos e sinquenta e oitto em cuja meza se achavão Sebastião Joze
de Carvalho e Mello, Secretario de Estado, o Dezembargador Pedro
Gonçalves Cordeiro, como Juiz da Inconfidencia e o Dezembargador
Joze Antonio de Oliveira Machado como Escrivão do mesmo juizo,
sendo sempre quem perguntava aos reos o mencionado Sebastião Joze
de Carvalho e Mello, Secretario de Estado e hoje Marquez de Pombal.
E o primeiro que perguntado foi o estribeiro do reo Joze Mascarenhas,

13
Não constam os fls. 18, 18v, 19, 19v, 20, 20v, 21 e 21v.

94
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Duque sido de Aveiro, e que sendo logo depois repetidas vezes per-
guntado, o sobredito Joze Mascarenhas fora incluhindo nas suas confi-
çoins alguns fidalgos, dizendo se achavão em certos lugares em que se
[fl. 23] se fazião conventiculos e se tratava do execrando dellicto e morte
de sua Magestade, e destas confiçoins resultavão as prizoins das pessoas
que elle nomeava, sem outra algũa averiguação. Porem nas ultimas per-
guntas feitas ao mesmo reo, na mesma meza, na prezença das pessoas
acima referidas e estando mais prezentes na dita ocazião D. Luis da
Cunha, e Thome Joaquim da Costa Corte Real, Secretarios de Estado,
declarou que tudo quanto havia ditto e confessado a respeito dos fidal-
gos e padres da Companhia que tinha culpado nas suas respostas, era
falso por ter sido persuadido a este fim com o engano de lhe ser mais
favoravel a pena a que houvece de ser condemnado; e se retractava
para descargo de sua consciencia e não padecerem os inocentes a quem
tinha culpado e requeria se lhe tomace esta sua retractação e que assim
se lhe escrevece. Mas que a isto se lhe não deu reposta algũa e menos
se escreveu aquella declaração antes o Secretario de Estado D. Luis da
Cunha chamou a elle testemunha e particularmente lhe ordenou o man-
dace à tortura, a que com effeito o levou, sem que nella nem depois se
desdicece da declaração [fl. 23 v] declaração que tinha feito. E por-
quanto da rezulta do tormento percizava de curativo, foi elle testemu-
nha no dia seguinte ao quarto da sua prizão, para lhe aplicar os
remedios necessarios na forma do costume e em cazos tais praticados.
E o mesmo reo Joze Mascarenhas se queixou a elle testemunha de lhe
não quererem mandar escrever a retractação que tinha feito, para des-
cargo de sua consciencia, a qual tinha comunicado ao seu confessor
Francisco Manoel de São Boaventura. E mais não disse deste, nem do
duodecimo, decimo terceiro, e decimo quarto por ja ter deposto o que
sabia do contheudo nos mesmos artigos.
E perguntado pello vigessimo nono a que tambem foi apontado,
disse que elle acestira ao tormento dado ao reo Bras Joze Romeiro; o
qual tormento, pellas ordens que recebeu, lhe mandou dar em grao su-
perior e extraordinario e que lhe não lembra se este confessou algũa
couza no mesmo acto do tormento, tem sim lembrança que hum dos reos
confessara no tormento em termos que veyo o Juiz da Inconfidencia e o
Escrivão tomar a confissão por escritto, mas não tem tambem [fl. 24] tam-
bem lembrança do que elle confessou pellos muitos annos que tem de-
corrido e mais não disse do ditto item e artigo. E assignou depois de lhe

95
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

ser lido seu depohimento e dizer estava na verdade conforme com o que
jurado tinha. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Bena-
vides, Escrivão desta comissão, o escrevi.
(assinaturas)
Joze Freire Falcão de Mendonça
Domingos Monteiro Ramalho

E tendo a sobredita testemunha dado e assignado o seu depohi-


mento, logo pello ditto Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça
lhe foi deferido segundo juramento dos Santos Evangelhos em que pos
a sua mão direita prometendo não revellar a materia de seu depohimento
de que na forma do Real Decreto que assim o determina se fes este termo
que assignarão e que eu, o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha
Benavides, escrevi.
(assinaturas)
Joze Freire Falcão de Mendonça
Domingos Monteiro Ramalho


O Reverendo Padre Frei Antonio das Chagas de Alemcastro reli-
giozo da provincia da Arrabida donde foi duas vezes provincial e actual-
mente defi[fl. 24 v]nidor geral de toda a ordem serafica conventual em
São Pedro de Alcantara testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pos a sua mão direita prometendo dizer a verdade e de idade que disse
ter secenta e quatro annos, e ao costume nada disse. E perguntado pello
artigo decimo quarto dos itens justificativos a que foi apontado disse que
no tempo em que se justiçarão os fidalgos pello insulto cometido contra
a pessoa do Fidellissimo Rey o Senhor D. Joze, era elle testemunha actual
guardião do Convento de São Pedro de Alcantara do qual entre varios
relligiozos que forão asistir aos dittos fidalgos entre elles foi o Mestre
Frei Urbano de Santo Antonio que assistio como confessor ao Marques
de Tavora pay. E depois de executada a sentença nos ditos Fidalgos o
ditto seu subdito lhe partecipara de que o mesmo Marques lhe tinha dado
hũa caixa de ouro e se acha duvidozo se tambem hum rellogio para lhe
mandar dizer em missas o seu producto, o que elle testemunha lhe res-
pondeu fosse fazer entrega ao Secretario de Estado Sebastião Joze de
Carvalho e Mello e tambem lhe declarou que o ditto Marques lhe man-
dara que para descargo de sua consciencia fosse dizer ao mencionado

96
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Secretario de Estado que elle por paixoins particullares mandara na India


despir a beca ao Dezembargador Francisco Raymundo e ordenando-lhe
fosse [fl. 25] não so fazer a entrega mas partecipar o que o seu confes-
sado lhe tinha comunicado se rezolveu no dia seguinte a hir por seu com-
panheiro naquella dilligencia. E depois de falar separadamente com o
dito Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello se tornarão
a recolher ambos e no caminho lhe disse o mesmo confessor que o refe-
rido Marquez de Tavora padecera pellos seus peccados mas que pella
culpa que padeceu se achava tam inocente como elles ambos hião na-
quella sege. E tambem ouvio dizer a alguns relligiozos da sua provincia
que assistirão ao acto de dar o Sagrado Viatico aos reos daquelle delicto
que o reo Joze Mascarenhas, Duque que foi de Aveiro, tinha ditto no
mesmo acto em que recebeu o Sacramento que elle era so o culpado, e
que os mais Fidalgos morrião todos inocentes. E mais não disse deste
nem dos mais a que foi apontado por nelle hir incluhido tudo quanto
sabia nesta materia e lido seu juramento assignou com o dito Dezembar-
gador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, Dezembargador da
Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Joze Freire Falcão de Mendonça
Frei Antonio das Chagas

E tendo a referida testemunha assignado [fl. 25 v] o seu depohi-


mento logo pello mencionado Dezembargador Joze Freire Falcão de Men-
donça lhe foi deferido segundo juramento dos Santos Evangelhos em que
pos a sua mão direita prometendo não revellar a materia de seu depohi-
mento de que na forma do Real Decreto que assim o determina fis este
termo que assignarão. Henrique Joze de Mendanha Benavides que o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei António das Chagas


O Reverendo Padre Frei Antonio de S. Joze guardião actual do Con-
vento de São Pedro de Alcantara, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pos a sua mão direita, prometendo dizer a verdade, idade
que disse ter sincoenta e oitto annos e do costume nada. E perguntado

97
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

pello artigo decimo quarto dos itens justificativos a que foi offerecido
disse que elle nada sabe do contheudo no dito artigo, quanto ao que dis
respeito ao reo Joze Mascarenhas, porque elle não fora destinado para
assistir a este reo; mas sim ao reo Joze Bernardo de Tavora com seu com-
panheiro Frei Francisco de Santa Anna ja falescido. E com effeito entrando
a uzar do seu ministerio com o ditto reo e increpando-lhe o ter perpetrado
hum delicto tam enorme [fl. 26] como o de que se trata, elle lhe mostrara
as mãos desconjuntadas de sorte que não podia pegar em hum lenço para
se assoar e os braços todos cheios de chagas pella cruel tortura que lhe
tinhão dado nas suas perguntas, e lhe respondeu que por não poder ja
sofrer mais tormentos se rezolvera a querer morrer antes de hũa vez que
tornar outra a experimenta-llos; e que esta fora a rezão porque confessara
o que não tinha feito, e isto mesmo disse não so antes de receber o San-
tissimo Sacramento; mas no mesmo acto de o receber estando ja o Sacer-
dote para lho ministrar protestando que na presença daquelle Senhor que
estava para receber por Viatico declarava estar inocente no crime que lhe
imputavão. E estando ja na cadeirinha na sala aonde se achava a solda-
desca repetio o mesmo protesto, e ultimamente ja no cadafalso o tornou
a repetir declarando mais que elle pedia perdão aos reos que padecessem
por cauza da sua confição. E querendo continuar a falar viera correndo o
Corregedor do Crime dizendo para o Meirinho da execução senão havia
hũa mordassa para meter na boca aquelle reo e que desse logo a sentença
á execução. E que tendo elle testemunha a curiozidade de perguntar [fl.
26 v] a hum familiar do Coronel Graces Palha, carcereiro dos referidos
reos, que era quem hia aos quartos aonde estavão os mesmos prezos, se
algum delles fizera a mesma declaração que tinha feito o seu confessado
lhe dicera o ditto familliar a quem não soube nem sabe o nome que a
Marqueza de Tavora protestara tambem diante do Santissimo Sacramento
que ella, seu marido e seus filhos morrião todos inocentes. E mais não
disse do dito artigo nem dos mais a que foi apontado, e lido seu juramento
disse estava na verdade e assignou com o ditto Dezembargador. E eu Hen-
rique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Antonio de São Joze

E finalizado o referido depohimento logo pello ditto Dezembarga-


dor Joze Freire Falcão de Mendonça foi deferido segundo juramento a

98
O PROCESSO DOS TÁVORAS

mencionada testemunha em que prometeu não revellar quanto deposto


tinha de que para constar da execução do Real Decreto que assim o de-
termina fis este termo que assignarão. Henrique Joze de Mendanha Be-
navides, que o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Antonio de São Joze


O Reverendo Padre Frei Joze de Nossa Senhora do Pillar, definidor
habitual da provincia da Arrabida [fl. 27] testemunha jurada aos Santos
Evangelhos em que pos a sua mão direita prometendo dizer a verdade,
idade sinquenta e nove annos. E do costume disse nada. E perguntado
pello vigessimo nono artigo dos itens justificativos a que se acha apon-
tado disse que sendo nomeado pello seu perlado para hir assistir aos
reos do insulto de que se trata juntamente com o seu companheiro o
Padre Frei Martinho de Santa Maria forão ambos para os carceres, e vindo
o Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Machado, lhe ordenara fos-
sem com elle e na sua companhia e na do Coronel Graces forão condu-
zidos aonde se achava o reo Bras Joze Romeiro e ahi na prezença de
todos lhe leu o dito Ministro a sentença. E logo que a acabou de ler, disse
o reo que elle era o homem mais infelis que tinha nascido, pois elle
mesmo tinha dado a sentença contra si, e querendo continuar a falar lhe
disse o mencionado Ministro que calace a boca que não tinha ja para
onde appellar; mais, que para os Padres no que dicesse respeito a sua
alma e se retirou. E logo entrando o reo a chorar protestou que estava
inocente e que pella violencia e rigor dos tratos que lhe tinhão pergun-
tado, lembrando-ce das especies que concervava das repetida[s] pergun-
tas que precedentemente lhe tinhão feito ameaçando-o que ja que não
confessava elle o diria no tormento de forma que confessou. [fl. 27v] De-
pois deposto nelle o que lhe lembrou lhe tinhão perguntado, pois elle
ignorava que tivece havido emboscadas, mudança de cavallos e o nome
delles de tal sorte que se o metecem na tortura e lhe dessem os mais for-
tes tratos elle nada diria de tudo quanto nelles tinha confessado se lho
não tivecem dito primeiro nas antecedentes perguntas, e disse mais elle
testemunha que os tratos tinhão sido tam crueis que o deixarão de forma
que não podia pegar em cousa algũa e elle testemunha lhe ministrava

99
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

tudo pella sua mão. E elle reo lhe disse tambem que no tormento tivera
hum acto de dezesperação da fe que professava. E mais não disse. E de-
pois de lido o seu juramento declarou estava escrito como na verdade
tinha deposto pello que assignou com o ditto Dezembargador. E eu Hen-
rique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Joze de Nossa Senhora do Pilar

E tendo a mencionada testemunha dado o seu depohimento lhe


deferio o referido Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça, se-
gundo juramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão di-
reita prometeu não revellar a materia que tinha deposto de que para
constar da execução do Real Decreto que assim o determina, se fes este
termo que assignarão. E eu Henrique Joze Mendanha Benavides, o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Joze de Nossa Senhora do Pilar
[fl. 28]
Aos quatorze dias do mez de Fevereiro do anno de mil e settecentos
e setenta e oitto neste Convento de São Pedro de Alcantara, da provincia
da Arrabida aonde veyo o Dezembargador Joze Freire Falcão e Mendonça
nelle se perguntarão as testemunhas cujos nomes, cognomes, idades e
costumes ao diante se hão de especificar depois de se lhe deferir o jura-
mento dos Santos Evangelhos de que eu o Dezembargador Henrique Joze
de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão da sua inquirição fis esta acen-
tada e a escrevi.


O Reverendo Padre Frei Domingos da Natividade Custodio e Mestre
na provincia da Arrabida conventual em Nossa Senhora da Bõa Viagem
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pos a sua mão direita
prometendo dizer a verdade, idade que disse ter secenta e sinco annos e
ao costume disse nada. E perguntado pello decimo quarto artigo dos itens
justificativos a que foi apontado disse que elle não assistira ao reo Joze
Mascarenhas mas sim foi logo destinado para assistir ao Conde da Attou-
guia com quem esteve e seu companheiro Frei Joze de Bellem. E que sem-

100
O PROCESSO DOS TÁVORAS

pre o ditto reo protestara estar inocente no delicto porque se achava con-
demnado, nem delle [fl. 28v] nada sabia, nem soubera nunca, antes dizia
se achava muito obrigado a sua Magestade de quem nunca recebera of-
fensa algũa. E que com o não assistira quando receberão o Sagrado Via-
tico, não sabe se continuou com o mesmo protesto, e que entende na sua
consciencia que o ditto reo morreu inocente da culpa porque padeceu, e
mais não disse deste nem dos mais a que foi apontado por de todos elles
ter dito o que sabia, e sendo-lhe lido seu juramento disse estava escritto
como na verdade tinha deposto e assignou com o ditto Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.

(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Domingos da Natividade

E logo pello ditto Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça


foi dado a sobredita testemunha segundo juramento dos Santos Evange-
lhos em que pos a sua mão direita prometendo nao revellar a materia de
seu depohimento de que para constar se executou o Real Decreto que
assim o determina fis este que assignarão. E eu Dezembargador Henrique
Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Domingos da Natividade


O Reverendo Padre Frei Martinho de Santa Maria relligiozo da pro-
vincia da Arrabida e conventual no [fl. 29] Convento de São Joze de Ri-
bamar, testemunha jurada aos Santos Evangelhos que prometeu dizer a
verdade, e idade que disse ter secenta e sinco annos e do costume disse
nada. E perguntado pello decimo quarto artigo dos itens justificativos a
que foi apontado disse nada, nem do decimo quinto. E perguntado pello
trigessimo primeiro disse que elle fora com seu companheiro o Padre
Frei Joze do Pillar assistir ao reo Bras Joze Romeiro e que quando lhe
lerão a sentença se pozera a chorar protestando que morria innocente,
que elle não morria por aquella culpa mas sim por muitas com que tinha
offendido a Deos, e como seu companheiro tomou logo conta delle não
sabe o que com elle passou. E so lhe ouvi-o muitas vezes que se o roda-

101
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

vão vivo se não podia salvar pois temia dezesperar pello momento que
tinha ja padecido nos tormentos que lhe tinhão dado e que por sinco
vezes vira nelles a morte diante dos olhos e que elle testemunha o vira
cortado de pernas e braços de forma que era precizo meter-lhe o comer
na boca e elle testemunha esteve tam transtornado de ver o mizeravel
estado daquelle reo que so lhe lembra o que tem deposto, e o mais o
poderá declarar milhor o ditto seu companheiro por ter mais animo e
lhe assistir de mais perto. [fl. 29v] E mais não disse. E sendo-lhe lido seu
juramento disse estar na forma que deposto tinha pello que assignou
com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavi-
des, o escrevi.

(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Frei Martinho de Santa Maria

E finalizado o depohimento da referida testemunha logo elle ditto


Dezembargador lhe deferio segundo juramento dos Santos Evangelhos
em que pos a sua mão direita prometendo não revellar a materia de seu
depohimento de que para constar se executou o Real Decreto que assim
o ordena se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Hen-
rique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Martinho de Santa Maria


O Reverendo Padre Frei Joze de Santa Catharina Bellem, religiozo
da provincia da Arrabida e conventual no Convento de São Cornellio dos
Olivais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pos a sua mão
direita prometendo dizer a verdade, e de idade disse ter secenta e quatro
annos e ao costume nada. E perguntado pello decimo quarto artigo a
que foi apontado disse que elle não assistira ao reo Joze Mascarenhas,
porque sem embargo de acompanhar o Santissimo a todos os reos
quando chegou a porta do carcere aonde estava este. Foi ja tam compun-
gido do que tinha ouvido aos mais [fl. 30] reos que não teve animo de
entrar dentro. Porem ahi ouvio a pessoas que lhe não lembra que o ditto
reo se retratara das confiçoins que tinha feito em que culpava aos mais

102
O PROCESSO DOS TÁVORAS

fidalgos, o que milhor poderão declarar os Padres que lhe assistirão. E o


que sabe he que elle foi com seu companheiro, o Padre Mestre Frei Do-
mingos da Natividade, assistir ao Conde de Attouguia, o qual sempre pro-
testara a sua inocencia dizendo que nunca fora sciente de semillante
traição, nem nunca tivera motivo algum para ser traidor ao seu Rey, e
vindo de madrugada ao Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Ma-
chado a tempo que elle testemunha estava com o Reo o chamara fora e
lhe dicera vinha da parte de sua Magestade saber se o reo estava con-
forme e dizendo-lhe que sim lhe perguntou mais se tinha confessado o
delicto, e respondendo-lhe que elle protestava a sua inocencia disse as
palavras seguintes “sim sim, todos estão inocentes mas aqui está quem
conta” batendo no peito aonde levava alguns papeis. E disse mais que
ao primeiro carcere a que fora acompanhando o Santissimo fora ao da
Marqueza Mãy e que tendo o Sacerdote a particola na mão pedira a
mesma Marqueza de Tavora licença para dizer duas palavras para des-
cargo de sua consciencia, e dissera que na prezença daquelle Senhor que
estava para receber indignamente protestava estar inocente da culpa [fl.
30v] que se lhe imputava e que a comunicação que tinha com os padres
da Companhia era em pontos de sua consciencia e não em couza per-
tencente a El Rey. E que ao seu confessor tinha dado licença para declarar
depois da sua morte tudo quanto com ella tinha passado e neste tempo
commovidos todos os circumstantes se pozerão a chorar e ella recebeu
o Santissimo com toda a devoção. E passando ao carcere do Marques
Joze Bernardo ahi diante do mesmo Santissimo Sacramento posto de joe-
lhos e com hum Santo Christo nas mãos fes o mesmo, outro igual pro-
testo da sua inocencia. E seguindo-ce o carcere de Joze Maria de Tavora
este protestara tambem diante do mesmo Santissimo a sua inocencia, o
que tambem fes Bras Joze Romeiro na mesma ocazião em que foi sacre-
mentado. E que ainda que acompanhara o Santissimo ao carcere do Mar-
ques de Tavora pay não entrara dentro e por isso não sabia se elle tinha
feito a mesma protestação. E mais não disse deste, nem do decimo quinto
e trigessimo primeiro a que tambem foi offerecido por ter ditto tudo
quanto a semilhante respeito sabia. E lido seu juramento conhecendo es-
tava escritto na verdade assignou com o dito Dezembargador. E eu Hen-
rique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé de Santa Catharina Bellem

103
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E tendo deposto a referida testemunha elle [fl. 31] dito Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometteu não
revellar couza algũa de quanto deposto tinha de que para constar se tinha
executado o Real Decreto que assim o determina fis este termo que as-
signarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé de Santa Catharina Bellem


O Reverendo Padre Frei Adrião da Natividade, religiozo da provin-
cia da Arrabida e conventual neste Convento de São Pedro de Alcantara,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pos a sua mão direita,
prometendo dizer a verdade, e idade que disse ter oitenta e seis annos,
e do costume disse nada. E perguntado pello decimo quarto artigo dos
itens justificados a que foi apontado disse que quanto ao reo Joze Mas-
carenhas nada sabia porque lhe não assistio e so vindo depois da execu-
ção o Padre Frei Manoel de São Boaventura confessor do dito reo Joze
Mascarenhas dissera que elle assistira a execução dos reos do Porto.
Porem que so em terra de emelhan se fazia emelhante tirania a que elle
teste[fl. 31 v]munha acodio dizendo-lhe se callace e nada mais lhe ouvio.
E sabe, outrosim, que sendo destinado para hir assistir ao reo Marques
de Tavora pay com seu companheiro, o Padre Mestre Frei Urbano, hoje
falescido forão conduzidos ao carcere do dito reo pello Coronel Graces
Palha e pello Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Machado. E logo
que entrara no ditto carcere principiou este a ler a sentença proferida
contra o mesmo reo, e tendo lido parte della lhe perguntou o reo se
aquillo tinha algũa appellação a que respondeu o Dezembargador que
logo lhe daria a reposta, e foi continuando na leitura da mesma e tor-
nando-lhe no fim a fazer outra igual pergunta lhe respondeu “Vossa Ex-
celencia bem ve a sentença provada com as testemunhas do facto” e com
os Padres que aqui ficão he que já de conferir a sua appellação. E logo
se retirou e ficou o reo lamentando o ser condemnado sem ser ouvido
dizendo que so no dia antecedente ali fora o Dezembargador Euzebio
Tavares perguntar-lhe a defeza que tinha. A que respondendo-lhe que
nessa noute estivera sempre em caza com a sua famillia e criados e que

104
O PROCESSO DOS TÁVORAS

della não sahira, a que o Dezembargador lhe dissera que a sua caza es-
tava fechada, e logo continuou a dizer que não havia motivo para elle
cometer emelhante delicto mas [fl. 32] antes era muito obrigado a sua
Magestade de quem tinha recebido muita honra e ainda dinheiros em
algũas occazoins e que sempre athe a hora da morte estivera constante
em protestar a sua inocencia. E elle testemunha revio o braço direito bas-
tantemente magoado de sorte que não podia já delle e queixando-ce das
muitas dores que padecera dizia-lhe parecia lho tinhão cortado. E estando
já para hir para o patibollo viera o escrivão e o advertira que não falace
nem dicesse couza algũa nem quizece dar satisfaçoins a que o reo res-
pondeu que tambem o privavão de falar. E mais não disse deste, nem do
decimo quinto e mais itens a que foi apontado. E lido seu depohimento
disse estava escrito na verdade e assignou não obstante o ser sego com
elle ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides,
o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Adrião

E finalizado este depohimento elle dito Dezembargador Joze Feire


Falcão de Mendonça deferio a dita testemunha segundo juramento dos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não revel-
lar couza [fl. 32v] algũa de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o que o Real Decreto determina a este respeito se fes este
termo que assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Adrião

Aos dezaseis dias do mez de Fevereiro do anno de mil e settecentos


e settenta e oitto annos nas cazas donde mora o Dezembargador Joze
Freire Falcão de Mendonça, ahi pello dito Ministro forão inquiridas as
testemunhas dos nomes, cognomes, idades e costumes que ao diante se
verão, deferindo-ce-lhe primeiro o juramento dos Santos Evangelhos para
que bem e verdadeiramente dicessem o que soubecem de quanto lhe
fosse perguntado, de que eu o Dezembargador Henrique Joze de Men-
danha Benavides fis a prezente acentada e a escrevi.

105
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS


Doutor Frei Manoel Evangelista de Oliveira Mascarenhas, Doutor na
Faculdade da Sagrada Theologia pella Universidade de Coimbra e Con-
sultor do Santo Officio e Examinador das Ordens Militares, testemunha
jurada aos [fl. 33] Santos Evangelhos em que pos a sua mão direita pro-
metendo dizer a verdade, idade sinquenta e dous annos. E ao costume
nada. E perguntado pello artigo decimo quarto a que foi dos itens justifi-
cativos apontado disse que so sabe que assistindo alguns mezes no Lumiar
na quinta do Excelentissimo Marquez de Angenja e isto depois de pade-
cerem os fidalgos de que se trata, tendo passado couza de vinte dias
pouco mais ou menos dissera o mesmo Marquez que havia de mandar
chamar o Frei Joze de Santa Catharina, Carmelita Descalso para assim sa-
berem com individuação do facto dos mesmos fidalgos por ter sido o dito
religiozo companheiro de Frei Manoel de São Boaventura que tinha as-
sistido por confessor do reo Joze Mascarenhas. E vindo com effeito o ditto
Padre forão para hum retiro da quinta, o mesmo Marquez, elle testemu-
nha, o ditto Padre e Francisco Xavier de Negreiros Alfeirão Dezembarga-
dor da Relação Ecleziastica e Vigario Geral da Comarca de Beja, pessoa
de conhecida virtude e literatura o qual falesceu a poucos tempos e
achando-ce sos no mencionado retiro ahi o sobredito Marquez perguntou
ao ditto relligiozo o que tinha passado com o Duque e o que sabia dos
mais Fidalgos reos, ao que respondeu [fl. 33v] que elle fora com o seu
companheiro destinado para o carcere em que se achava o ditto reo Joze
Mascarenhas, o qual acharão deitado com hũa palhossa com grilhoins e
cheyo de chagas que lhe tinhão feito na tortura e logo o Dezembargador
Joze Antonio de Oliveira Machado lhe principiou a ler a sentença. E fa-
lando nella em seu tio Frei Gaspar da Encarnação respondera o reo que
seu tio fora hum relligiozo Santo e o ditto Dezembargador o mandara
calar e lida a sentença se retirara e ficando com o ditto reo este dissera
“Padres eu vou a morrer mas quero que vossas paternidades declarem
em todo o tempo que o Marquez de Tavora, sua mulher e filhos e o Conde
da Attouguia vão a padecer innocentes”; porquanto sendo eu conduzido
e perguntado a vista da caza dos tormentos, eu me horrorizei de forma
que por quantas pessoas me perguntarão se tinhão concorrido para a con-
juração a todas incluhi nella respondendo que sim. Porem passados dias
ouvi gemidos e grittos e pella voz conheci serem do Marquez de Tavora
filho, e entrando em graves remorsos de consciencia pedi ao Coronel car-
cereiro me chamace o confessor de El Rey, o qual veyo e lhe disse quizece

106
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dizer ao mesmo Senhor que os Tavoras e o Conde da Attouguia estavão


inocentes; porque elle com o temor dos tormentos os culpara, ao que lhe
res[fl. 34]pondeu que elle nada dizia a El Rey e que se queria salvarce se
fosse desdizer e retratarce ainda que padecece os mayores tormentos;
pello que pedira o levacem a prezença dos Juizes e hindo e estando ja
Sebastião Joze de Carvalho e Mello, Secretario de Estado, fazendo-lhe per-
guntas entrara o Dezembargador Pedro Gonçalves Cordeiro e com enfado
dicera este reo não pertence a Vossa Excelencia, pertence-me a mim. E
ouvindo a revogação na qual declarava ter metido na conjuração aos seus
parentes para ver se assim escapava da pena, lhe mandarão das tormentos
rigorozos que sofrera com constancia, e passados dias foi chamado outra
vez a perguntas nas quais estando constante na sua retratação lhe repeti-
rão os mesmos tormentos sendo o ultimo o de hum dado na testa em que
entendeu perdia a vida. E mais não disse deste, nem do decimo quinto. E
perguntado pello trigessimo primeiro disse que na referida occazião dicera
tambem o ditto Padre que acompanhando o Sagrado Viatico quando se
ministrou a todos os reos, todos elles na prezença do mesmo senhor pro-
testarão a sua inocencia e que o Duque não falara a respeito da sua ino-
cencia. E a Marqueza de Tavora pedira licença para falar [fl. 34v] e na
prezença de todos dicera estando para receber o Santissimo que ella na
prezença daquelle Senhor que indignamente estava para receber declarava
morria inocente e tambem seu marido, filhos e genro porque ella nunca
soubera do que se lhe tinha lido na sentença e beijando a terra recebera
o mesmo senhor e mais não disse deste e depois de lido seu depohimento
disse estar escritto na verdade e assignou com o ditto Dezembargador. E
eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Doutor Frei Manoel Evangelista de Oliveira Mascarenhas

E tendo a referida testemunha logo elle ditto Dezembargador Joze


Freire Falcão de Mendonça lhe deu segundo juramento de não revellar a
materia de seu depohimento de que se fes este termo para constar de se
ter executado o Real Decretto que assim o determina que assignarão. E
eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Doutor Manoel Evangelista de Oliveira Mascarenhas

107
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

10
Pedro de Roxas de Lemos fidalgo da Caza de sua Magestade, Tenente
Coronel do Regimento de Cavallaria de Miranda, testemunha jurada aos San-
tos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade,
idade [fl. 35] que disse ter quarenta e oitto annos. E ao costume disse nada.
E perguntado pello artigo undecimo dos itens justificativos a que foi offere-
cido disse que por se achar no posto de Alferes no tempo em que os reos
do insulto de que se trata se achavão prezos e de que era carcereiro o seu
Coronel fora publico que o reo Joze Mascarenhas culpara os mais Fidalgos
e a rezão que tinhão para assim se entender foi porque nas primeiras per-
guntas lhe não derão tratos, e mais se verificou isto quando sahindo para o
patibolo perguntou se os Tavoras tinhão padecido e respondendo-lhe alguns
soldados que estavão de sentinella que ja la hião e tinhão padecido, dicera
hião inocentes e virando-ce para o confessor dicera tambem e agora como
ha de ser visto, não me posso salvar, e o confessor o exortara dizendo-lhe
que ja aquillo não tinha remedio e so o cuidar na sua salvação. E que algũas
vezes proferira o reo na mesma occazião as palavras “enganarão-me, enga-
narão-me” o que tinha prezencido bem hum soldado chamado Simão Gomes
ja falescido e assistente que foi em caza delle testemunha. E disse mais que
hindo assistir a ceya do reo Joze Maria de Tavora, vendo que estava lendo
hum livro frances, o advertira que era milhor examinar a sua consciencia [fl.
35v] ao que respondeu que elle não tinha remorso algum da culpa que se
lhe imputava e que nella estava inocente e que ouvindo muitas vezes rezar
o terso em voz alta ao Marquez de Tavora filho este sempre no fim repetia
“vos meu Deos bem sabeis que estou inocente”, o que proferia com lagrimas.
E a mesma inocencia protestou no patibollo como elle testemunha ouvio
aonde o ameassarão com hũa mordassa para o fazerem calar e mais não
disse nem dos mais que lhe forão lidos como tambem o seu juramento que
achou escritto na verdade pello que assignou com o ditto Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Pedro de Roxas de Lemos

E finalizado o depohimento desta testemunha elle Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deu segundo juramento dos Santos
Evangelhos em que pondo a mão direita prometeu não revellar a materia
que jurado tinha, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto

108
O PROCESSO DOS TÁVORAS

que assim o ordena fis este termo que ambos assignarão. Henrique Joze
de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Pedro de Roxas de Lemos
[fl. 36]
11
O Reverendo Padre Frei Antonio de Quadros, ex vezitador da pro-
vincia de Nossa Senhora da Graça, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, idade
que disse ter secenta e dous e ao costume nada. E perguntado pello artigo
decimo quarto dos itens justificados a que foi apontado, disse que delle
nada sabia como tambem do decimo quinto. E ao trigessimo primeiro
disse que somente sabia por lhe dizer seu tio João Graces que acistia o
seu irmão o Coronel Henrique Graces Palha de Almeida carcereiro que
foi dos reos do insulto de que se trata, que acistindo a comunhão que por
Viatico se dera a Marqueza de Tavora estando para receber o mesmo, pe-
dira licença para falar e que ali protestara para aquelle Senhor que indig-
namente estava para receber que ella e seu marido e toda a sua famillia
se achavão inocentes da culpa que lhe arguhião, e por aquelle Senhor
perdoava o testemunho que lhe levantavão para que o mesmo Senhor lhe
perdoace os seus peccados e he o que lhe disse o dito seu tio hoje fales-
cido. E que, outrosim, tambem lhe dicera seu tio o ditto Henrique Graces
que sempre entendera que os Tavoras forão inocentes porque todos pro-
testarão a sua inocencia quando receberão o Sagrado Viatico. E quando
tambem lhe dicera que o boleeyro da sege aonde se derão [fl. 36v] os tiros
lhe certificara que depois delle grittar hia ali sua Magestade se suspende-
rão os agressores sem mais seguirem a carruagem de que inferira que os
tiros se não dirigião a El Rey nosso senhor mas sim a Pedro Teixeira que
hia com elle na sege e mais não disse e sendo-lhe lido seus juramentos
achou estar escrito na verdade pello que assignou com o ditto Dezembar-
gador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Antonio de Quadros

E tendo deposto a referida testemunha logo pello ditto Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe foi deferido segundo juramento

109
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não re-
vellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado
o Real Decretto que assim o determina se fes este termo que assignarão.
E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Antonio de Quadros

12
João Pedro da Camara, fidalgo da Caza de sua Magestade e do Con-
selho do mesmo Senhor, morador na sua quinta de Bemfica testemunha
jurada aos Santos Evangelhos em que pos a sua mão direita prometendo
dizer a verdade, e idade que disse ter sinquenta annos. E ao costume
disse [fl. 37] lhe parecia tinha algum parente[s]co com a famillia dos Ta-
voras mas que não sabia em que grao. E perguntado pello decimo quarto
artigo dos itens justificativos a que foi apontado disse que nada ouvira
ao reo Joze Mascarenhas sem embargo de entrar na sua prizão como Ca-
pitão que era de cavallos nas ocazioins em que se achava de goarda a
elle e aos mais prezos; e que a estes ouvira sim muitas vezes protestarem
a sua innocencia. E com especialidade a Marqueza de Tavora a qual es-
tando para receber o Sagrado Viatico pedindo licença para falar dicera
que ella por aquelle Senhor que estava para receber declarava estar in-
nocente da culpa que se lhe arguhia e toda a sua famillia e que perdoava
a quem tinha sido cauza della receber tam grande infamia e que a seu
confessor dava licença para declarar depois da sua morte o que ella lhe
tinha comunicado. E que o mesmo protesto de innocencia ouvio fazer
ao Marquez seu marido na occazião em que se sacramentou tambem por
Viatico. E que entrando tambem na prizão do reo Bras Joze Romeiro o
vira sumamente desconjuntando de pes e mãos pellos rigorozos tratos
que lhe tinhão dado, e o mesmo lhe dicera, lhos tinhão dado para que
elle dicesse o que não sabia. E mais não disse deste nem de todos os
mais a que foi offerecido por neste ter incluhido o que delles sabia, e
sende-lhe lido [fl. 37v] seu juramento o achou escritto na verdade pello
que assignou com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de Men-
danha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
João Pedro da Camara

110
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E finalizado o depohimento desta testemunha lhe deferio elle dito


Dezembargador segundo juramento dos Santos Evangelhos em que
pondo sua mão direita prometeu não revellar couza algũa da materia de
seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real Decreto
que assim o determina se fes este termo que assignarão. E eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão
João Pedro da Camara

13
O Reverendo Padre Frei Joze da Expectação relligiozo descalso de
Nossa Senhora do Carmo e conventual14 Prior de Corpus Christi desta ci-
dade, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pos a sua mão
direita prometendo dizer a verdade, idade que disse ter sinquenta e seis
annos e do costume disse nada. E perguntado pello artigo decimo quarto
a que dos itens justificativos foi apontado disse que elle nada ouvira ao
reo Joze Mascarenhas. Porem, que ao confessor que lhe acistio na prizão,
que foi o Padre Frei Manoel de São Boaventura, [fl. 38] ouvira dizer que
muito antes do insulto de que se trata nesta justificação, tinha pertendido
o Duque e os Fidalgos Tavoras fazer decahir da graça de sua Magestade
ao Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello e que por esta
rezão consultara a Marqueza a alguns jezuitas se lhe seria licito concorrer
para que fosse deposto da ocupação de Secretario, porem que nem ella
nem passoa algũa da sua famillia souberão do referido insulto, e que
sendo prezo por elle o reo Joze Mascarenhas este persuadido de que teria
milhor livramento fizera nas suas confiçoins e tratos partecipantes aos
ditos Tavoras, mas que depois pedindo confessor e dando-ce-lhe o de sua
Magestade, este lhe dicera se não podia salvar sem se retratar, e com ef-
feito pedindo o levacem a prezença dos Juizes, ahi se retratara diante do
mencionado Sebastião Joze de Carvalho e Mello Secretario de Estado e o
Dezembargador joze Antonio de Oliveira Machado. E entrando neste
tempo o Dezembargador Pedro Gonçalves Cordeiro dicera que aquillo era
ilegal pello que se rasgou e o ameasarão com tratos ao que respondeu o
reo fizecem o que quizecem que aquella era a verdade que sempre havia
de dizer. E não so lhe disse o dito Padre quanto referido tem. Mas de tudo

14
Segue-se um «e» cortado.

111
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

e de outras circumstancias que agora lhe não occorrem [fl. 38v] lhe mos-
trou hum papel que disse tinha feito por assim lho ordenar o mesmo reo,
para descargo de sua consciencia, pello não poderem ter feito nem antes
nem no tempo do supplicio o que milhor constará do referido papel, no
qual tambem se declara não terem feito a dita declaração porque no
tempo em que o Padre e o reo sahião para o supplicio chegou a elles
hum homem de capa e volta e lhes disse que não falacem mais que hum
com outro, e que se decessem algũa couza lhe havia de por aquella mor-
dassa que lhe mostrou e mais não disse deste nem dos mais que lhe forão
lidos e a que foi offerecido por nelle ter dito o que delles sabia e sendo-lhe
lido seu juramento disse estar escritto na verdade e assignou com o ditto
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé da Expectação Prior

E logo pello ditto Dezembargador foi deferido a esta testemunha


segundo juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão di-
reita prometeu não revellar couza algũa da materia de seu depohimento
de que para constar se fes éste termo na forma do Real Decreto que assim
o determina e assignou com o referido Dezembragador. E eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé da Expectação Prior
[fl. 39]
14ª
O Revendo Padre Frei Luis do Rozario Definidor Geral dos Carmeli-
tas Descalsos e conventual no convento de Corpus Christi desta cidade,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, idade que disse ter quarenta e oitto annos e do
costume nada. E perguntado pello decimo quarto artigo dos itens justifi-
cativos a que foi apontado disse que o que delle sabe he somente o que
lhe referio o Padre Frei Manoel de São Boaventura que tinha sido confessor
do reo de que trata o mesmo artigo declarando-lhe em segredo que o
mesmo reo com o fim de ser menos punido tinha culpado a famillia dos
Tavoras. Porem, que depois para descargo de sua consciencia se retratara;
a qual retratação fizera na prezença do Secretario de Estado Sebastião Joze

112
O PROCESSO DOS TÁVORAS

de Carvalho e Mello e do Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Ma-


chado, e tendo principiado a escrevella entrara o Dezembargador Pedro
Gonçalves Cordeiro e dicera que aquillo era nullo pello que se não conti-
nuara nella. E lhe disse outras mais circumstancias de que não está lem-
brado e so se recorda que tambem lhe dissera lhe tinhão mostrado hũa
mordassa para que se calace, e tem noticia [fl. 39v] que de tudo fizera o
ditto relligiozo hum papel pouco antes da sua morte, do qual constará mi-
lhor tudo quanto dis respeito ao dito reo, e mais não disse deste nem do
decimo quinto por hir incluhido neste o que delle sabia nem do trigecimo
primeiro e assignou depois de lido o seu juramento que achou escrito na
verdade. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Luis do Rozario

E tendo deposto a sobredita testemunha, logo elle dito Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça deferio segundo juramento dos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não revel-
lar couza algũa da materia de seu depohimento, de que para constar
ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina se fes este termo
que assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Luis do Rosario

15
Lopo Joze de Azevedo Vargas, advogado da Caza da Supplicação,
testemunha jurada aos (...)15

[fl. 42]16
[16]17
(...) que ignoravão e que elle sabia isso milhor porque por sua infe-
licidade tinha sido nomeado por confessor do mesmo reo e lhe assistira
athe o patibullo e fazendo-lhe elle testemunha varias perguntas e instancias

15
O depoimento número 15 encontra-se suspenso.
16
Não constam os fls. 40, 40v, 41 e 41v.
17
Por ausência dos fls. supracitados, não consta parte do depoimento número 16.

113
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a nada respondeu, porem sucedendo ao sahirem da embarcação o ficarem


ambos sos, entao lhe dicera lhe não tinha respondido na embarcação por
cauza das pessoas que nella vinhão e lhe segurara que o dito Marques
tinha morrido inocente e que sempre assim lho dicera o ditto reo protes-
tado de o dizer athe no mesmo patibollo. E que querendo persuadi-llo a
que tal não fizece e sofrece tudo pello amor de Deos no que teria mayor
mericimento, pois na dita declaração punha em suspeita os julgadores que
proferirão a sentença nada bastou para o dissuadir da sua intenção e sem-
pre declarou no cadafalso. E mais não disse. E lido seu juramento o achou
escritto na forma que tinha deposto e assignou com o dito Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Jozé Fortunato Rollão Pimentel
[fl. 42v]
E finalizado o depohimento da referida testemunha lhe deferio elle
dito Dezembargador segundo juramento dos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu não revellar a materia de seu jura-
mento de que para constar ter-ce executado o Real Decreto que assim
ordena, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henri-
que Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Jozé Fortunato Rollão Pimentel

17
O Reverendo Padre Frei Joze da Costa, Ex Vigario Corrector do Con-
vento de São Francisco de Paula, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade
que disse ter sinquenta e tres annos. E do costume nada. E perguntado
pello trigessimo artigo dos itens justificativos a que foi offerecido disse
que elle tivera hũa grande amizade e frequente comunicação com o De-
zembargador João Pacheco Pereira para cuja caza hia muitas tardes e nou-
tes e que depois da execução dos fidalgos de que se trata o via triste e
aflito, pello que passados alguns dias teve a confiança de lhe perguntar
que aflição era aquella que tanto o ocupava ao que lhe não respondeu
couza algũa. [fl. 43] Porem, passados tempos, estando conversando como
costume, olhando o dito Ministro para hũa Senhora da Conceipção que

114
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tinha sempre com luz, deu hum suspiro e disse, so vos Senhora me podeis
valer nesta aflição que tanto me embaraça a consciencia, o que deu oca-
zião a que elle testemunha lhe tornace a perguntar que aflição padecia e
que não desconfiace da mizericordia de Deos, e então lhe respondeu que
nem tudo se podia dizer. Mas instando elle testemunha que dezafogace a
sua consciencia prometendo-lhe o devido segredo, então fechando a porta
da caza em que estavão lhe declarou que antes de serem julgados os reos
do atentado da noute de tres de Septembro de sinquenta e oitto, o cha-
mara o Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello e lhe di-
cera que elle havia de ser Juiz no processo dos mesmos, e que tudo estava
muito bem provado e que estivece por tudo porque sua Magestade assim
o determinava. E que hindo depois ao acto de se sentencear o referido
processo elle assignara a sentença sem ter feito exame algum no mesmo
processo e sem embargo de que hum dos companheiros que estava junto
delle lhe fizera signal [fl. 43v] pello qual entendeu queria se examinace o
dito processo porem que elle encolhera os hombros e assignara a sen-
tença. Pello grande temor que tinha do mencionado Secretario de Estado,
receando o perdece e a sua caza. E que tambem lhe dicera mais que hindo
depois falar ao mesmo Secretario de Estado dizendo-lhe que tinha feito o
que sua Excellencia lhe ordenara e sua Magestade queria. O dito Secreta-
rio lhe respondera que os Tavoras erão huns homens levantados e que
era precizo dar-lhe e que fosse para a sua caza que sua Magestade o havia
de atender. E mais não disse. E lido seu juramento achando estar escripto
na verdade assignou com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé da Costa

E tendo deposto lhe deferio o mencionado Dezembargador Joze


Freire Falcão de Mendonça segundo juramento dos Santos Evangelhos
em que pondo a sua mão direita prometeu não revellar couza algũa de
seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Jozé da Costa

115
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 44]
18ª
O Reverendo Padre Francisco Abreu, Sacerdote da Congregação da
Missão, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua
mão direita prometeu dizer a verdade de idade que disse ter secenta e
sette annos. E do costume nada. E perguntado pello decimo quarto artigo
dos itens justificativos a que foi offerecido disse nada. E perguntado pello
decimo quinto disse que somente sabe que o Padre Frei Manoel de São
Boaventura fora dado por Confessor do reo Joze Mascarenhas e que pouco
tempo antes de morrer o dito Frei Manoel de São Boaventura fora elle tes-
temunha vizitallo e que estando ambos sos lhe dicera que os Tavoras ti-
nhão padecido inocentes e replicando-lhe elle testemunha, pois isso he
certo, lhe respondeu com toda a ceveração que era certo. E depois ouvio
dizer a algũas pessoas que o dito religiozo tinha feito hum papel em que
declarava a inocencia dos mesmos. E mais não disse e mais não disse (sic)
deste. E perguntado pello trigecimo primeiro disse que elle não entrara
nas prizoins dos reos, excepto na em que se achava a Marqueza de Tavora
mãy a quem fora dado por confessor e que elle a acautellara antes [fl. 44v]
de se lhe ler a sentença para que nada dicesse quando se lhe lece, o que
não so executou exactamente mas posta de joelhos a ouvio com toda a
humildade, e acabada de ler beijou a terra e que como tem passado muitos
annos e elle testemunha não fes lembrança nem aprehenção do mais que
ali se passou, nada mais pode dizer ao dito artigo. E lido seu depohimento
pello achar conforme com o que tinha deposto assignou com o dito De-
zembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Francisco de Abreu e Oliveira, Sacerdote da Congregação da Missão

E finalizado o mencionado depohimento logo o referido Dezembarga-


dor Joze Freire Falcão de Mendonça deferio a sobredita testemunha segundo
juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
não revellar a materia de seu juramento de que para constar ter-ce executado
o Real Decreto que assim o determina se fes este termo que assignarão. E eu
o Dezembargador Henriqe Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Francisco de Abreu e Oliveira, Sacerdote da Congregação da Missão

116
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[fl. 45]
19ª
Romão Joze Roza Guião e Abreu, Fidalgo da Caza de sua Magestade
do Conselho do mesmo Senhor, e Deputado da Meza da Consciencia e Or-
dens, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão
direita prometeu dizer a verdade, de idade que disse ter settenta annos. E
do costume nada. E perguntado pello trigessimo artigo dos itens justifica-
tivos a que foi apontado disse que elle testemunha sobre o cazo principal
de que trata o artigo não tivera pratica algũa com os Juizes da cauza, e so
passados muitos tempos hindo vizitar como costumava muitas vezes ao
Juiz da Inconfidencia, Pedro Gonçalves Cordeiro, por ter com elle boa ami-
zade em rezão de ser seu provinciano, o mesmo Juiz entrando a falar no
Duque de Aveiro lhe contara que na primeira occazião em que fora man-
dado hir as primeiras perguntas que se lhe fizerão na quinta chamada do
meyo ou das vacas, fora o Duque tam pouco conciderado que intentou
fugir. E que chegando com effeito ao acto das perguntas, o dito Juiz lhe fi-
zera as mesmas pellas [fl. 45v] palavras seguintes “como vos chamais e
donde sois natural” o que ouvindo o Duque lhe respondera com demons-
tração irada que aquelle não era o tratamento que se lhe devia dar por ser
muito diferente o de que sua Magestade lhe tinha feito merce e que ou-
vindo isto o Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello que
acistia as ditas perguntas se enfurecera muito e lhe dicera as seguintes pa-
lavras “calai-vos ahi que vos ja não sois Conde, nem Marques, nem Duque,
e so sim hum patife, hum desavergonhado e hum traidor e repondei logo
senão vos mandarei fazer em quartos” e lhe contou mais que o Duque fi-
cara perturbado e algũa couza tremullo e que logo entrara a depor e sem
passar a mais lhe contou tambem que na ocazião em que fora as segundas
perguntas chegara aquelle acto o Duque mais senhor de si e que logo di-
cera queria reclamar as primeiras perguntas por ser menos verdade o que
tinha respondido e deposto nellas. E que sem embargo do Secretario de
Estado ficar na duvida se se lhe devia tomar a dita retractação elle persiso
resolvera que não, lembrando-ce que quando hũa testemunha prestava
dous juramentos contrarios sobre a mesma [fl. 46] materia so o primeiro
era atendivel em direito e que por esta rezão e tambem em atenção a gra-
vidade do dellicto lhe não quizera mandar escrever a dita retractação. E
finda esta pratica que tambem presenciou outro Ministro de cujo nome se
não lembra e so sim que sahindo ambos vierão murmurando da opinião
que tinha seguido o mencionado Juiz da Inconfidencia acentando que elle

117
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

estava alucinado naquele particullar. E assim mais declarou elle testemunha


que depois de ouvir esta pratica ficara com hesitação sobre os mais reos
que tinhão sido punidos excepto o dito Duque e seus criados lembrando-ce
de outra pratica que tinha tido com o Dezembargador Euzebio Tavares de
Sequeira poucos dias depois do em que se fes a execução porque vindo
ambos na mesma sege do Palacio da Ajuda e chegando ao citio da ponte
do Rio Seco, sabendo elle testemunha que o dito Ministro tinha sido Pro-
curador dos reos curiozamente lhe perguntou por ter com elle muita ami-
zade, que conceito fazia daquelle cazo e se nelle serião comprehendidos
[fl. 46v] todos os reos que tinhão sido punidos, ao que o dito Ministro lhe
respondeu debaixo do mayor segredo que o Duque na ultima pratica que
com elle teve lhe dicera com muita ternura as palavras seguintes “meu De-
zembargador, levo estes fidalgos e padres atravessados na garganta, mas
que havia de ser se eu em outro tempo não sofria me mordece hũa pulga
como me havia de haver vendo-me ao pe de hum berso para me darem
tratos, disse tudo quanto elles quizerão”, e que a isto so seguio algũa mur-
muração em que vierão falando sobre outras circumstancias que pertencião
ao dito Ministro e de que agora senão lembra. E mais não disse. E lido seu
depohimento achando estar escritto na verdade assignou com o ditto De-
zembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, Dezembarga-
dor da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Romão Jozé Roza Guião e Abreu

E finallizado este juramento lhe deferio o referido Dezembargador


segundo dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita pro-
meteu não revellar a materia de seu depohimento de que para constar
ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina se fes este termo
que assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Romão Jozé Roza Guião e Abreu
[fl. 47]
20
Jeronimo de Lemos Monteiro, Dezembargador dos Agravos da Caza
da Supplicação e Cavalleiro professo na Ordem de Christo, testemunha
jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu

118
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dizer a verdade, de idade secenta e hum anno. E do costume nada. E per-


guntado pello trigessimo artigo dos itens justificativos a que foi produ-
zido disse que aos Ministros que forão juizes na sentença de que se trata
não ouvira couza algũa sobre a inocencia dos Tavoras, porem que dous
dias outres depois de se executar a dita sentença veyo a caza delle teste-
munha o Padre Frei Manoel de São Boaventura, relligiozo Carmellita Des-
calso com quem tinha hũa antiga e particullar amizade. E lamentando
elle testemunha a disgraça a que se entregarão os Fidalgos justiçados e
ponderando tambem que se elles se salvacem ao menos conseguião essa
felicidade, lhe respondeu o ditto Padre as palavras seguintes: “pello que
toca ao Duque de Aveiro não posso eu dizer couza algũa porque fui quem
lhe assistio. E pello que respeita a seus amigos Tavoras, esses nada nada”.
E declarou mais elle testemunha ter servido na Relação [fl. 47v] da India
todo o tempo que la servio o Marques de Tavora e ja antes disso o co-
nhecia neste Reino e com elle e com toda a sua caza tinha bastante ami-
zade e sempre ouvio a elle e a Marqueza sua mulher falar com o mayor
respeito na pessoa de sua Magestade Fidellisima, confessando sempre
ambos os grandes favores que lhe devião e toda a sua caza. E mais não
disse. E lido seu juramento achou estar escrito na verdade pello que o
assignou com o referido Dezembargador. E eu Henrique Joze de Menda-
nha Benavides Dezembargador da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Jeronimo de Lemoz Monteiro

E tendo deposto a mencionada testemunha logo o mesmo Dezem-


bargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não
revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce execu-
tado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que assig-
narão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Jeronimo de Lemoz Monteiro
[fl. 48]
21ª
Antonio de Mesquita e Moura, Cavalleiro professo na Ordem de
Christo, Dezembargador da Caza da Supplicação, testemunha jurada aos

119
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a ver-
dade, idade que disse ter sinquenta e dous annos. E do Costume nada. E
perguntado pello trigessimo artigo dos itens justificativos a que foi pro-
duzido disse que emquanto a inocencia da famillia dos Tavoras nada ou-
vira aos Juizes que assignarão a sentença, porem, poucos mezes antes de
morrer o Dezembargador Antonio Teixeira Alvares, hindo este a caza delle
testemunha e conversando sobre a infelicidade da mesma famillia lhe di-
cera o dito Dezembargador que elle logo no tempo da execução da dita
sentença soubera por varias razoins que a sobredita famillia dos Tavoras
tinha padecido inocentemente e que mais se persuadira desta verdade
porque reparando em que seu companheiro no Concelho da Fazenda o
Dezembargador João Marques Bacalhao, Juiz que tinha sido na sentença,
andava muito alegre como quem mostrava não ter remorso na sua cons-
ciencia quando elle entendia o devia ter pellas razoins que [fl. 48v] sabia.
Então se rezolvera a buscar particullarmente ao dito Dezembargador João
Marques Bacalhao a fim de se tirar da duvida que a sua alegria lhe moti-
vado e com effeito falando-lhe nesta materia com todo o segredo lhe res-
pondera o mesmo João Marques Bacalhao que elle andava alegre porque
não tinha vottado demeritis na referida sentença. Antes sendo-lhe apre-
zentada pello Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello,
para elle dito João Marques Bacalhao a assignar. A duvidara assignar por18
conter a nullidade de não ter sido ouvida e perguntada a Marqueza de
Tavora na mesma condemnada e se não ter assignado tanto a esta como
aos mais reos tempo competente para as suas defezas; ao que respon-
dendo-lhe o dito Secretario de Estado se hia argumentar com elle. Então
lhe dicera que não hia argumentar, mas que não vottava demeritis sem
ser sanada aquella nullidade. Depois do que lhe ordenara o mesmo Se-
cretario de Estado que assignace aquillo mesmo que dizia e que elle nesta
conformidade assignara a sobredita sentença de que não lhes rezultara
escrupollo algum para deixar de andar alegre. E mais não disse. E lido [fl.
49] seu juramento achando estar escripto na forma que tinha jurado as-
signou com elle dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Dezembargador da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Antonio de Mesquita e Moura

18
Segue-se um «que» cortado.

120
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E dando a sobredita testemunha o seu depohimento logo o referido


Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prome-
teu não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina se fes este termo que
assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Antonio de Mesquita e Moura

22ª
Gonçallo Xavier de Alcassova, mosso Fidalgo da Caza de sua Mages-
tade, Alcaide mor de Campo Mayor, Donnatario das saboarias de Olivensa
e Secretario perpetuo da Academia da Historia Portugueza, testemunha ju-
rada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
dizer a verdade, idade que disse ter secenta e tres annos. E do costume
nada. [fl. 49v] E perguntado pello trigessimo segundo artigo dos itens jus-
tificativos a que foi produzido, disse que no mayo proximo a sentença de
que trata artigo, tendo hido acompanhar seu primo Joze Correa de Sá que
hia para Governador da Ilha da Madeira, aonde hia tambem o Secretario
de Estado Thome Joaquim da Costa Corte Real e o senhor D. João, na volta
estando elle testemunha e o dito Secretario de Estado e lamentando-ce-lhe
na Junqueira donde era a sua caza que a formozura daquelle sittio ficara
desfigurada com a vista daquelle forte em que se encerravão tantos mize-
raveis e pella reprezentação da cauza horroroza porque ali estavão encer-
rados, o dito Secretario de Estado que com elle testemunha tinha grande
amizade e confiança, principiou a zombar destas tristes refexoins ao que
elle testemunha incistio protestando-lhe que aquella materia não era digna
de ser tratada por aquelle modo sendo tam seria e tam respeitavel. E tor-
nando elle a tratalla com as mesmas demonstraçoins de zombaria, elle tes-
temunha mostrando-lhe toda a sencibilidade que produzia nelle aquella
afectada maneira, exclamou dizendo-lhe se era pocivel que se tratace como
bocatella hũa traição e crime de Leza Magestade da primeira cabessa e
então elle Secretario [fl. 50] de Estado lhe replicou dizendo ao falar-lhe na
sentença proferida sobre o mesmo cazo as palavras seguintes “tambem
voce he desses, qual sentença nem meya sentença, quando se levou a junta
ja hia feita de caza” ao que elle testemunha enchendo-ce de horror para
que nunca se esquecesse daquellas mesteriozas palavras e para que em

121
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

todo o tempo podecem servir as comunicou debaixo daquelle daquelle se-


gredo que a materia pedia a seu primo o Eminentissimo Cardeal Patriarcha
ao Excelentissimo Visconde de Villa Nova de Cerveira e ao Illustrissimo D.
Miguel de Portugal. E mais não disse. E lido seu juramento pello achar es-
critto na verdade o assignou com o ditto Dezembargador. E eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides, Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Gonçalo Xavier de Alcaçova

E finalizado o depohimento da referida testemunha elle dito De-


zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento de Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Gonçalo Xavier de Alcaçova
[fl. 50 v]
23ª
João Pedro de Lima Pinto, Secretario do Conselho da Rainha Mãy
Nossa Senhora, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, idade que disse ter
secenta annos. E ao costume nada. E perguntado pello trigessimo artigo
dos itens justificativos a que foi apontado disse que passados alguns
dias depois da execução da sentença de que trata o artigo, achando-ce
elle testemunha no Tribunal do Conselho da Rainha Nossa Senhora, es-
tando prezentes os Ministros do mesmo e ja no fim do despacho ahi
fallarão huns com outros na mencionada sentença e sua execução, ao
que disse o Dezembargador Manoel Gomes de Carvalho as seguintes
palavras “assim será, mas o senhor João Marques Bacalhao, não ha du-
vida que la vem assignado naquella sentença” a que respondeu o dito
Dezembargador João Marques Bacalhao o seguinte “não ha duvida que
eu la venho assignado nessa sentença, mas que tambem se não fes nada
do que eu disse, nisso não ha duvida nenhũa”, o que ouvido todos fi-
carão em profundo silencio. E mais não disse. Pello que lido seu depo-
himento achando estar escritto na forma que tinha deposto, assignou

122
O PROCESSO DOS TÁVORAS

com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavi-


des, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
João Pedro de Lima Pinto
[fl. 51]
E tendo dado a referida testemunha dado (sic) o seu depohimento
lhe deferio o sobredito Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça
segundo juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão di-
reita prometeu não revellar a materia de seu depohimento de que para
constar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina se fes
este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Men-
danha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
João Pedro de Lima Pinto

24ª
Francisco Varella de Castro, mercador da classe da Capella, teste-
munha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade secenta e seis annos. E do costume
nada. E perguntado pello decimo quarto artigo dos itens justificativos a
que foi produzido disse que elle tivera especial amizade com o Padre
Frei Joze de Santa Catharina, religiozo Carmellita Descalso, o qual hindo
a caza delle testemunha passados oitto dias, pouco mais ou menos, de-
pois da execução dos Fidalgos, ahi separando-ce de seu companheiro e
chamando-o de parte lhe disse que elle fora por companheiro de Frei
Manoel de São Boaventura assistir aos ditos Fidalgos e que acompanhara
[fl. 51v] o Sagrado Viatico quando se lhe ministrou e que a primeira pri-
zão a que forão fora a em que se achava a Marqueza de Tavora. E estando
abraçada com hum Santo Christo dicera que por aquelle Senhor e pello
Santissimo Sacramento que estava para receber e a quem brevemente es-
tava para dar conta, protestava de que não so não tinha concorrido para
semilhante atentado, mas que nem delle tivera noticia. E que passando
as prizoins do Marques de Tavora, de seus filhos e do Conde de Attouguia
todos protestarão da mesma forma a sua inocencia diante do mesmo Se-
nhor Sacramentado. E passando ultimamente a prizão do reo Joze Mas-
carenhas, este dicera que so elle e duas pessoas que elle asallariara he

123
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

que tiverão parte naquelle atentado de que nimguem mais fora sabedor,
o que tudo tinha sido no mesmo acto em que estava para receber o
mesmo Senhor Sacramentado. E mais não disse, nem dos mais a que foi
apontado. E lido seu juramento, achou estar escritto na verdade e assig-
nou com o referido Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Francisco Varella de Castro

E tendo deposto a mencionada testemunha logo elle dito Dezem-


bargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu não
[fl. 52] revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavi-
des, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Francisco Varella de Castro

25ª
Caetano Antonio Rodrigo Godinho, primeiro Escripturario da Con-
tadoria Geral do Senado, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em
que pondo a sua mão direita, prometeu dizer a verdade, idade quarenta
hum anno. E do costume nada. E perguntado pello decimo quarto artigo
dos itens justificativos a que foi produzido disse nada, nem do decimo
quinto. E perguntado pelo trigessimo primeiro disse que elle tivera
grande amizade com o Padre Mestre Frei Urbano, religiozo de São Pedro
de Alcantara, a que hindo vezitar poucos dias depois da execução dos fi-
dalgos e achando-o muito triste lhe perguntara o que tinha, e vindo elle
a porta da cella, a examinar se estava algem no dormitorio, fechara a
porta por dentro e recomendando-lhe todo o segredo lhe disse “como
que vosse que ca não esteja triste se eu fui confessor do reo Marques de
Tavora e sei que elle morreu inocente” e lhe disse mais que logo que o
Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Machado lhe lera [fl. 52v] a sen-
tença dicera este que appellava della para El Rey, ao que respondeu o
dito Ministro que não havia appellação nem agravo e o reo dicera então

124
O PROCESSO DOS TÁVORAS

appellava para Deos. O que tudo o dito religiozo lhe expressou com as
lagrimas nos olhos e com grandes demonstraçoins de sentimento. E mais
não disse. E lido seu juramento, achou estar escripto na verdade e assig-
nou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Be-
navides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Caetano Antonio Rodrigo Godinho

E finalizado o depohimento da referida testemunha logo elle dito


Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prome-
teu não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavi-
des, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Caetano Antonio Rodrigo Godinho

26ª
O Reverendo Frei Dionizio Luis de Faro, Monge de São Jeronimo,
conventual em Bellem, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, idade que disse ter
secenta e dous annos. E do costume disse [fl. 53] ser hũa sua prima di-
reita, cazada com Nuno Gaspar de Lorena. E perguntado pello trigessimo
artigo dos itens justificativos a que foi produzido disse que pella rezão
da particullar amizade que tinha o Dezembargador João Marques Baca-
lhao com a Viscondeça de Barbacena sua tia, aonde elle testemunha acis-
tia e continuadamente concorria o dito Dezembargador não so pella
amizade mas tambem pella vezinhança, este depois da execução da sen-
tença dos Fidalgos lhe dissera muito em segredo que a famillia dos Ta-
voras padecera inocente e que dera algũas rezoins explicando-ce por
palavras e termos de que elle testemunha se não lembra pello muito
tempo que tem decorrido. Porem, se não esquesse de que todas se enca-
minhavão a provar a inocencia da dita famillia e especialmente se lembra
delle lhe dizer que lhe Herodes não fora mais cruel com os inocentes do
que o Secretario de Estado Sebastião Jozé de Carvalho e Mello tinha sido

125
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

com a sobredita famillia e que tambem lhe ouvira dizer que o mesmo
Secretario inquiria particularmente as testemunhas e depois vinha dizer
o que tinha jurado a testemunha e o que havia de escrever. E mais não
disse, pello que lido seu depohimento e achando estar [fl. 53v] escritto
na verdade, assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Dionizio Luis de Faro

E tendo deposto a mencionada testemunha, logo elle dito Dezem-


bargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mã direita prometeu não re-
vellar a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce execu-
tado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavi-
des, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Frei Dionizio Luis de Faro

27ª
O Illustrissimo Joaquim Jansem Moller, do Concelho de sua Mages-
tade, Prelado da Santa Igreja Patriarchal e morador junto a Igreja de São
Tyago desta cidade, idade que disse ter sinquenta e nove annos.
Sendo-lhe dado o juramento dos Santos Evangelhos em que pos a sua
mão direita prometendo dizer a verdade. E do costume disse nada. E per-
guntado pello trigessimo artigo dos itens justificativos a que foi produ-
zido disse que falando com seu amigo, o Dezembargador Joze Simoins
Barboza, com quem [fl. 54] se tratava particularmente alguns dias depois
da execução da sentença de que trata o artigo, discorrendo sobre as pro-
vas da mesma dissera o seguinte “e o pior he que os Ministros vottarão
sem verem os authos e so pella informação que se lhe deu” afirmando o
referido com tanta segurança que elle testemunha se capacitou então que
o mesmo Ministro tinha sido Juiz em algũa das sentenças que precederão
a dita execução e que sobre o ponto de estarem ou não inocentes os Ta-
voras não afirmara mais algũa couza o dito Ministro. Porem, que sendo
seu sobrinho Henrique Jansem Moller, official do Regimento dos Dra-

126
O PROCESSO DOS TÁVORAS

goins de Aveiro, por ter estado de guarda a prizão em que se achava a


Marqueza de Tavora, vira e ouvira que ella quando recebeu o Sagrado
Viatico protestara em voz clara e intelligivel que ella estava inocente e
toda a sua famillia. E mais não disse, pello que lido seu depohimento
achando estar escrito na forma que tinha deposto o assignou com o ditto
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, Dezem-
bargador da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Joachim Jansen Moller
[fl. 54v]
E tendo a dita testemunha dado o seu depohimento logo elle dito
Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita, pro-
meteu não revellar a materia de seu juramento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Joachim Jansen Moller

Aos vinte e hum dias do mez de Março de mil e settecentos e set-


tenta e oitto annos nas cazas aonde rezide o Dezembargador Joze Freire
Falcão de Mendonça proceguio o mencionado Ministro na inquirição das
testemunhas que ao diante se acharão espeficadas por virtude da nova
ordem que se acha authuada com as mais que a respeito desta dilligencia
se tem recebido, deferindo-ce as mesmas testemunhas o juramento dos
Santos Evangelhos para que digão a verdade sobre quanto lhe for per-
guntado. De que eu, o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Be-
navides Cirne, fis esta acentada e a escrevi.

[fl. 55]
28ª
Miguel Joze Granatti, Official da Secretaria do Conselho de Ultramar,
morador junto ao Palacio da Anunciada, testemunha jurada aos Santos
Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade,
idade que disse ter trinta e sinco annos. E do costume nada. E perguntado
pello decimo settimo artigo dos itens justificativos a que foi produzido

127
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

disse que sabe de certa sciencia que Luis Bernardo de Tavora antes do
execrando dellicto de tres de Setembro de mil e settecentos e sinquenta
e oitto, hia ao ensayo de hũas contradanças que se ensayavão em Bellem
nas cazas de Joze Mascarenhas, às quais acistia o rebeca Andre. O qual
depois de executada a sentença no dito Luis Bernardo segurou a elle tes-
temunha com as lagrimas nos olhos que elle acompanhara naquella refe-
rida noute ao mesmo Luis Bernardo para o ditto ensayo no qual estiverão
athe a meya noute, donde sahirão ambos juntos levando o ditto Luis Ber-
nardo a elle Andre de ancas no seu cavallo. E o mesmo dizia que se Luis
Bernardo era culpado que tambem elle o era, pois ja depois da meya
noute se apeara do cavallo e sobira as escadas de Santo Amaro em direi-
tura as cazas donde rezidia e elle rebeca [fl. 55v] montara no mesmo ca-
vallo e se fora para sua caza. E mais não disse deste nem do decimo
oittavo e decimo nono e trigecimo quarto a que foi apontado, pello que
sendo-lhe lido seu juramento achando estar escripto na verdade, assignou
com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, Dezembargador da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Miguel Joze Granate

E tendo deposto a referida testemunha logo elle mencionado De-


zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o regio Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Miguel Joze Granate

29ª
Antonio Joze de Mattos Ferreira, Cavalleiro professo da Ordem de
Christo e Apontador das moradias dos fidalgos Cappelains da Caza Real,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade [fl. 56] secenta annos. E do costume
nada. E perguntado pello decimo settimo artigo dos itens justificativos a
que foi offerecido disse que na noute de tres de Septembro de mil e set-

128
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tecentos e sinquenta e oitto em que se cometeu o execrando dellicto de


que se trata, fora elle testemunha da cidade de Lisboa donde tinha vindo
e chegara a caza de Joze Mascarenhas pellas nove horas e achando na
sala Joze Anastacio Guerreiro lhe dissera este estava esperando Diogo
Joze de Faro e Vasconcellos para lhe falar e que lho quizece chamar. E
abrindo elle testemunha o reposteiro vio que se andava contradansando,
sendo hum dos pares Luis Bernardo de Tavora e o rebeca Andre e
quando teve ocazião dali chamou o referido Diogo Joze que veyo falar a
quem o esperava, donde voltando para se recolher para a sua caza, o
porteiro da salla lhe disse que não se recolhece porque sua molher se
achava dentro, pello que voltando para a caza donde ella estava dali es-
teve vendo as contradanças que lhe tinhão dito se ensayavão para a festa
da Piedade aonde se dillatou athe a meya noute que ouvio ao entrar para
sua caza deixando o ditto Luis Bernardo de Tavora e o mencionado re-
beca Andre, sem que estes depois que elle testemunha chegou pellas
nove horas athe que se recolheu pella meya noute se separacem da [fl.
56v] salla do referido ensayo. E no dia seguinte de manhã, vindo a caza
do dito Joze Mascarenhas de quem era interinamente Secretario, ahi per-
guntando se tinha durado o divertimento athe muito tarde lhe disserão
tinha acabado depois da meya noute e que o referido Luis Bernardo tinha
levado de ancas ao rebeca Andre e que elle lhe costumava dar aquellas
matracas. E mais não disse deste nem do decimo oittavo, decimo nono e
trigessimo quarto. Pelo que lido seu juramento achando estar escritto na
verdade, assignou com elle dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Antonio Joze de Mattos Ferreira

E finalizado o depohimento da referida testemunha logo elle ditto


Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prome-
teu não revellar a materia que tinha deposto, de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes éste termo que
assinarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Antonio Joze de Mattos Ferreira

129
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 57]
30
Diogo Joze de Faro e Vasconcellos, Cavalleiro professo na Ordem
de Christo, Escrivão do cargo de guarda reposte da Caza Real e morador
na Junqueira, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo
a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade que disse ter se-
centa annos e do costume nada. E perguntado pello decimo settimo ar-
tigo dos itens justificativos a que foi produzido disse que na tarde do dia
tres de Septembro de mil e settecentos e sinquenta e oitto sahio elle tes-
temunha com o filho de Joze Mascarenhas, Duque que foi de Aveiro, de
quem era ayo, e recolhendo-ce a horas de se acenderm luzes acharão já
em caza a Luiz Bernardo de Tavora e a Condessa de Attouguia com o re-
beca Andre para continuarem os ensayos que costumavão fazer de con-
tradanças a fim de hirem a hũas festas da Cova da Piedade e com effeito
principiarão o ditto ensayo logo e o proceguirão com outros brincos athe
depois da meya noute, sendo sempre assistente a elles e inseparavel dos
mesmos em todo o tempo que tem referido o mencionado Luis Bernardo
de Tavora, o que sabe por ter sempre resencia a tudo sem mais intervallo
do que o sahir da caza donde estavão com o dito ensayo [fl. 57 v] a salla
de fora a falar com o Joze Anastacio Guerreiro com quem se demorou
poucos minutos e afirma pello resenciar tambem que acabado o brinco
depois da meya noute se auzentara a referida Condença e logo junta-
mente o mencionado Luis Bernardo de Tavora sahindo de cavallo com a
farda do seu Regimento, sem capote, levando de ancas o rebeca Andre.
E mais não disse deste nem do decimo oittavo, decimo nono e trigessimo
quarto, pello que lido seu juramento achando estar escripto na verdade,
assignou com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Diogo Joze de Faro e Vasconcellos

E tendo dado a dita testemunha seu juramento, logo elle referido


Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deu segundo dos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não revel-
lar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado
o Regio Decreto que assim o determina, se fes éste termo que assignarão.
E eu Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.

130
O PROCESSO DOS TÁVORAS

(assinaturas)
Falcão de Mendonça
Diogo de Faro e Vasconcellos
[fl. 58]
31ª
Lourença da Crus, mulher preta e livre, cazada com Thome Fernan-
des, moradora no Cardal da Graça, testemunha jurada aos Santos Evan-
gelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, e
idade quarenta e sinco annos pouco mais ou menos. E do costume nada.
E perguntada pello decimo septimo artigo dos itens justificativos a que
foi produzida disse que sendo criada da Duqueza de Aveiro vira que
antes do ferimento que se disse feito a sua Magestade se perparavão na
caza da mesma Duqueza vestidos e mascaras e se ensayavão contradan-
ças para hirem a hũas festas de touros da banda d’alem nas quais entrava
Luis Bernardo de Tavora que sempre levava comsigo o rebeca Andre e
vio ella testemunha que na noute em que se dicerão feitos os ditos feri-
mentos ao acender das luzes, pouco mais ou menos, fora o ditto Luis
Bernardo com o referido rebeca e ahi dansarão athe depois da meya
noute, sem que dali sahicem, o que tudo prezenciara a famillia da caza,
pelo que quando lhe dicerão que o ditto Luis Bernardo padecera por
cauza dos mencionados ferimentos acentara que essa não podia ser a
cauza por elle ter estado ali athe depois da meya noute. E mais não disse
deste nem do decimo oittavo, decimo [fl. 58v] nono e trigecimo quarto.
E sendo-lhe lido seu juramento, o achou conforme com o que tinha de-
posto e não assignou por não saber escrever e somente assignou o refe-
rido Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne
o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

E tendo deposto esta testemunha logo elle dito Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deu segundo juramento dos Santos
Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não revellar a ma-
teria de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignou. E eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

131
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

32ª
Maria Roza, pretta livre e cazada com Aleyxo Teixeira, Mestre de
rebeca, moradora na Pampulha, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade
trinta annos, pouco mais ou menos. Do costume nada. E perguntada pello
decimo septimo artigo dos itens justificativos a que foi produzida disse
que ella testemunha acistira no serviço da Duque[fl.59]za de Aveiro, rezão
porque ahi via hir muitas noutes o Marques moço Luis Bernardo de Ta-
vora acistir ao ensayo de hũas contradanças levando hum rebeca cujo
nome não sabe e que depois que entravão no dito ensayo so costumava
sahir depois da meya noute e quando elle fora prezo, e os mais Fidalgos,
ouvira dizer ás criadas da caza que na ocazião dos tiros elle tinha estado
no ditto ensayo. E mais não disse deste nem do decimo oittavo, decimo
nono e trigecimo quarto. E lido seu juramento achou estar escrito na ver-
dade, não assignado por não saber escrever pello que somente assignou
elle mencionado Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Be-
navides, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

E finalizado o juramento desta testemunha, logo pello referido De-


zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe foi deferido segundo
juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita pro-
meteu não revellar nada da materia de seu depohimento, de que para
constar ter-ce executado a Real Ordem que assim o determina, se formou
este termo que somente o dito Dezembargador assignou pella mencio-
nada testemunha não saber escrever. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
[fl. 59v]
33ª
D. Hellena Felipa Xavier de Navarro, solteira, moradora as escollas
gerais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua
mão direita prometeu dizer a verdade, e de idade secenta annos pouco
mais ou menos. E do costume nada. E perguntada pello decimo septimo
artigo dos itens justificativos a que foi produzida disse que ella testemu-
nha fora treze annos familliar da Duqueza de Aveiro e que por essa rezão

132
O PROCESSO DOS TÁVORAS

sabe que na tarde do dia tres de Septembro de mil e settecentos e sin-


quenta e oitto sahindo a dita Duqueza para caza de sua irmã, a Condeça
da Ribeira, lhe dicera que ali havia de vir o Marquez Luis Bernardo e o
demorace athe ella chegar. E com effeito chegando elle a horas de ave
marias, ella testemunha lhe repetio o recado que a mesma Duqueza lhe
tinha deixado e com pouca demora chegando esta, entrou tambem o re-
beca Andre para enayarem hũas contradanças que havião de hir contra-
dançar a banda d’alem, em que entrava o Marques de Gouveya e alguns
criados, cujo ensayo proceguirão com varios brincos athe meya noute a
que ella testemunha sempre acistio e delle foi tambem inseparavel o re-
ferido Marquez Luis Bernardo de Tavora que sendo persuadido para cear
não aceitara por levar consigo o mencionado rebeca Andre que depois
ouvio dizer levara [fl. 60] d’ancas no cavallo em que tinha hido com a
sua farda e sem capote e concerva lembrança de tudo quanto tem de-
posto porque na manhã do dia seguinte vierão dizer a caza que naquella
noute tinhão dado huns tiros em Pedro Teixeira e que sua Magestade es-
tava sangrado. E mais não disse deste nem do decimo oittavo e decimo
nono. E perguntada pello trigessimo quarto a que tambem foi produzida
disse que ella testemunha tem toda a lembrança e certeza de que na
manhã seguinte a noute dos tiros não forão a caza da Duqueza os Mar-
quezes de Tavora nem Jeronimo de Atayde e sua mulher, nem outro
algum fidalgo. E mas não disse, pello que lido seu juramento achando
estar escripto na verdade o assignou com o ditto Dezembargador. E eu
Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Elena Felipa Xavier Navarro

E tendo deposto a mencionada testemunha logo elle referido De-


zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita [fl. 60v]
prometeu não revellar a materia de seu depohimento de que para constar
ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina se fes este termo
que assignarão. E eu Henrque Joze de Mendanha Benavides Cirne o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão de Mendonça
D. Elena Felipa Xavier Navarro

133
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

34ª
Manoel Joze da Costa, cazado e morador no forte de Xabregas, tes-
temunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e oitto annos. E do costume
disse ser criado da Marqueza D. Thereza de Lorena. E perguntado pello
decimo septimo artigo a que foi produzido dos itens justificativos de que
se trata disse que somente sabe por lho dizer Antonio Joze que, hoje se
acha no Estado da India e criado que foi do Marques Luis Bernardo, que
este tivera na noute de tres de Septembro de mil e settecentos e sinquenta
e oitto ensayando hũas contradanças em caza do Duque de Aveiro e que
se tinha recolhido pella meya noute trazendo o rebeca Andre d’ancas no
cavallo em que se recolhera e que isto mesmo lhe dicerão tambem algũas
criadas da Duqueza queixando-ce de que o dito Marques Luis Bernardo
as tinha mohido com contradanças e quando [fl. 61] referido fizera lem-
brança porque logo depois que lho dicerão ouvio tambem dizer se tinhão
dado huns tiros em Pedro Teixeira. E mais não dice deste, nem do decimo
oittavo, decimo nono e trigessimo quarto, pello que lido seu juramento,
achando estar escritto na forma que tinha deposto, assignou com o dito
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Joze da Costa

E tendo a referida testemunha deposto, logo elle Dezembargador


Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos
Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu não revellar nada
do que tinha jurado, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto,
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Joze da Costa

35ª
Bento Dias, cazado e morador a S. Lazaro, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu [fl. 61v]
dizer a verdade, de idade quarenta e oitto annos. Costume nada. E per-
guntado pello decimo setimo artigo dos items justificativos a que foi pro-

134
O PROCESSO DOS TÁVORAS

duzido disse que sabe por ter sido ajudante da copa do Duque que foi
de Aveiro, que em caza do mesmo estiver desde horas de ave marias athe
a meya noute Luis Bernardo de Tavora e o rebeca Andre ensayando hũas
contradanças em que entravão vários amiliares da caza do mesmo Duque
e que acabado o dito ensayo sahira a meya noute como dito tem de farda
e sem capote, levando d’ancas no cavallo em que hia ao mesmo rebeca
Andre e que no dia seguinte a dita noute se publicou logo teren-ce dado
os tiros a Pedro Teixeira pello que ficara certo de que nelles se não podia
achar o dito Luis Bernardo por ter sido inseparavel da caza do Duque
athe meya noute. E mais não dice deste, nem do decimo oitavo, decimo
nono e trigecimo quarto. E lido seu juramento o assignou com o referido
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Bento Dias

E finalizado o referido depohimento logo elle dito Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça [fl. 62] lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu não
revellar a materia de seu juramento, de que para constar ter-ce executado
o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão.
E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Bento Dias

36ª
D. Rita de Sales Granate, cazada com João Carlos Finali, Official da
Secretaria de Ultramar, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade trinta annos
e ao costume nada. E perguntada pello decimo settimo artigo dos items
justificativos a que foi produzida disse que ella testemunha fora criada
de poucos annos em caza do Marquez Luis Bernardo de Tavora, o qual
no dia declarado no artigo se lembra fora por horas do sol posto vestir-ce
ao seu quarto e dicera a ella testemunha e a sua filha que se viece o re-
beca Andre o ssustasse e tomacem lição de dança athe elle vir. E vindo
o dito rebeca, mas já a horas de acender luzes, chegara tambem o mesmo

135
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Marquez vestido [fl. 62v] de farda e de meyas e dicera não erão horas de
tomarem lição porque queria hir com o dito rebeca para caza do Duque
de Aveiro ensayar hũas contradanças que havião de hir fazer a banda
d’alem e que sahindo ambos se recolhera pella meya noute pouco mais
ou menos e que se lembra do que tem deposto por no dia seguinte se
publicar terem-ce dado hums tiros em Pedro Teixeira e se seguir a prizão
do mesmo Marquez e mais Fidalgos no tempo do qual se lembra tambem
que sendo o dito Marquez prezo de manham. Achando-ce a Marqueza
muito aflita, sobira o criado Antonio Joze boleeyro e lhe dicera que se
não ssustasse porque elle tinha sempre acompanhado o Marques e sabia
que elle não tinha culpa algũa. E mais não disse deste nem do decimo
oittavo, decimo nono e trigessimo quarto, pello que lido seu juramento
achando estar escritto na verdade assignou com o dito Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Ritta de çales (sic) Granate

E finalizado o depohimento da referida testemunha, logo elle men-


cionado Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio se-
gundo juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua [fl. 63] mão
direita, prometeu não revellar a materia de seu juramento, de que para
constar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina, se fes
este termo que assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Ritta de Sales Granate

37ª
Gabriel da Veiga, medidor do terreiro, cazado e morador no Vale
de Santo Antonio, freguesia de Santa Engracia, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a
verdade, de idade quarenta e dous annos. E do costume nada. E pergun-
tado pello decimo settimo artigo dos items justificativos a que foi produ-
zido, disse que elle servira de azemel da caza do Duque que foi de Aveiro
e tem toda a certeza e lembrança de que na noute declarada no artigo
estivera o Marquez Luis Bernardo de Tavora em caza do dito Duque no

136
O PROCESSO DOS TÁVORAS

ensayo de hũas contradanças, aonde o vio pellas nove horas da noute


pouco mais ou menos, que he o tempo em que elle testemunha se tinha
recolhido de Lisboa e depois o vio sahir pella meya noute pouco mais
ou menos levando d’ancas no cavallo em que hia ao rebeca Andre e que
no dia seguinte ouvira dizer se tinhão dado hums tiros em Pedro Teixeira
[fl. 63v] e que por esta cauza concervara sempre a memoria do que tem
referido. E mais não dice deste nem dos mais a que foi apontado, pello
que lido seu juramento, achando estar escritto na forma que deposto
tinha, o assignou com o dito Dezembargador. E eu o Dezembargador
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Gabriel da Veiga

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle dito Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita, prometeu não
revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce execu-
tado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assig-
narão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Gabriel da Veiga

38ª
Andre da Fonseca, cazado e asistente em caza do Marquez de Al-
vito, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão
direita, prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e dous annos. E do
costume nada. E perguntado pello decimo settimo artigo dos items justi-
ficativos a que foi produzido, disse que elle servia na caza do Duque que
[fl. 64] que foi de Aveiro em o anno de mil e settecentos e sinquenta e
oitto e tem lembrança de que na noute que se disse tinhão dado hums
tiros em Pedro Teixeira. Estivera em casa do mesmo Duque o Marquez
Luis Bernardo de Tavora com o rebeca Andre e que ambos forão ao
tempo que ja as luzes estavão acezas e principiando logo hum ensayo de
contradanças nelle e em outros brincos se demorarão athe a meya noute
em que se despedio o dito Marquez, levando d’ancas no cavallo em que
hia ao referido rebeca Andre. E mais não disse deste nem do decimo oit-

137
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

tavo, decimo nono e trigecimo quarto, pello que lido seu juramento,
achando escritto como tinha deposto o assignou com o dito Dezembar-
gador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Andre da Fonseca

E tendo deposto esta testemunha, logo o dito Dezembargador lhe


deferio segundo juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a mão
prometeu não revellar a materia de seu juramento de que para constar
ter-ce executado o Real Decreto que assim o manda, se fes este termo
que assinarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Be-
navides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Andre da Fonseca

[fl. 64 v]
Aos quatro dias do mez de Abril do anno de mil settecentos e set-
tenta e oitto neste Convento das relligiozas de Nossa Senhora do Reme-
dio, Trinas de Campolide aonde veyo o Dezembargador Joze Freire Falcão
e Mendonça, ahi em hũa das grades do mesmo Convento forão pergun-
tadas as testemunhas ao diante nomeadas, dando-ce-lhe ajuramento dos
Santos Evangelhos para dizerem a verdade, de que eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador da Caza da Supplicação e
Escrivão da sua inquirição, fis esta acentada e a escrevi.

39ª
A Madre Soror Anna de Santa Thereza, que no seculo se chamou D.
Anna da Cunha Guedes, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita, prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e
quatro annos. E do costume disse nada. E perguntada pello decimo settimo
artigo dos items justificativos a que foi apontada, disse que na noute em que
se derão os tiros de que trata o artigo, acistira ella testemunha com a Du-
queza de que foi de Aveiro desde as oitto horas, pouco mais ou menos, athe
a meya noute a ver hũas contradanças que na caza da mesma se ensayavão
e em todo este tempo, das oitto horas athe a meya noute, esteve sempre
prezente Luis Bernardo de Tavora, que nellas fazia figura sem que [fl. 65] se

138
O PROCESSO DOS TÁVORAS

separace daquella caza em que se fazia o ensayo. E se lembra estava hum


rebeca a quem não sabe o nome como tambem de que nellas dansavão va-
rias pessoas da famillia da mesma caza e que de tudo quanto tem deposto
fes memoria por ter depois ouvido que na mesma noute se tinhão dado
hums tiros em que ficara culpado o dito Luis Bernardo de Tavora, que ella
testemunha tinha visto no referido acto de dansa já mencionado e que a
rezão de ssistir ao mesmo era o de ser da famillia da sobredita Duqueza. E
mais não disse deste nem do decimo oitavo e decimo nono. E perguntada
pello trigessimo quarto disse que sabia pella mesma rezão que na manhã
do dia seguinte a noute em que se derão os tiros, não tinhão hido a caza da
Duqueza nem os Marquezes que forão de Tavora, nem o Conde de Attouguia
e sua mulher. E mais não disse, pello que lido seu juramento, achando estar
escritto na forma que tinha deposto, o assignou com o dito Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Soror Anna de Santa Tereza
E finalizado estes depohimento, logo elle dito Dezembargador Joze
Freire Falcão e Mendonça, deferio a mesma testemunha segundo juramento
dos Santos Evan[fl. 65v]gelhos em que pondo a sua mão direita, prometeu
não revellar a materia de seu juramento, de que para constar ter-ce executado
o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu
o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Soror Anna de Santa Tereza

Aos sete dias do mez de Abril do anno de mil e setecentos e setenta


e oitto annos nas cazas da ssistira do Dezembargador Joze Freire Falcão
de Mendonça, forão perguntadas as testemunhas cujos ditos nomes, cog-
nomes e costumes ao diante se hão de achar individuados, dando-ce-lhe
juramento dos Santos Evangelhos para dizerem a verdade e de que eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne fis esta
acentada e a escrevi.

40
Miguel Pedrozo, Tenente de cavallos do Regimento de Alcantara,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão di-

139
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

reita prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta e sinco annos. E do


costume nada. E perguntado pello vigecimo oittavo artigo dos items jus-
tificativos a que foi produzido, dice que no tempo em que sucedeu o in-
felis insulto de que se trata já algums annos antes era elle testemunha,
ssisti da Companhia do Capitão Luis Bernardo de [fl. 66] Tavora e acestia
no mesmo quartel de Alcantara aonde estava a mesma Companhia e que
nem nessa noute nem nas dos quatro dias precedentes sahirão cavallos
algums nem tambem se mudarão, nem podião sahir ou mudar-ce sem
que elle testemunha o soubece e sem que para isso dece licença porque
tudo estava debaixo da sua inspecção e ordens, tanto que ather arreyos
tinha debaixo da sua chave e que tem lembrança do referido, não so por-
que no outro dia de manham lhe derão a noticia dos tiros, mas tambem
porque ouvindo dizer que na sentença se fazia menção de mudanças de
cavallos ficou certo não serem da sua Companhia porque não so elle tes-
temunha havia de saber mas tambem os soldados que costumão ssistir
nas Companhias. E mais não disse, pello que lido seu juramento achando
estar escrito na verdade, assignou com elle dito Dezembargador. E eu
Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Miguel Pedrozo

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle referido Dezem-


bargador Joze Freire Falcão e Mendonça, lhe deferio segundo o jura-
mento dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu
não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavi-
des Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Miguel Pedrozo
19

[fl. 66v]
41ª
Antonio Jorge, soldado da Companhia de Carvalho do Regimento
de Alcantara, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a

19
Não consta a segunda assinatura de Falcão e Mendonça.

140
O PROCESSO DOS TÁVORAS

sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e sinco


annos. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo oittavo artigo
dos items justificativos a que foi produzido, disse que quando padecerão
os Fidalgos pello infelis insulto de que se trata, ouvira dizer que na sen-
tença se falava em que tinhão sahido cavallos da Companhia de Luis Ber-
nardo de Tavora, que estavão em Santo Amaro. Porem, como elle
testemunha acistia naquella cavalharice por ser soldado então da mesma
Companhia e estar encarregado do trato dos cavallos della e dos arreyos
que tinha debaixo da sua chave, ficou certo que da dita cavalharice não
podião sahir cavallos alguns sem elle testemunha o saber e tambem o
Cabo Joze Francisco Rijo que estava encarregado do mesmo e he bem
certo que della não sahirão na noute do referido insulto nem nos dias e
noutes precedentes, por elle testemunha acistir sempre na referida cava-
lharice pella obrigação que tinha e ser inpocivel que della sahicem sem
elle testemunha o saber. E lido seu juramento, achando estar escrito na
verdade, o assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Jorzer
[fl. 67]
E tendo deposto a mencionada testemunha, logo elle sobredito
Dzembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prome-
teu não revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Jorzer

42ª
Manoel da Silva Moreira, cazado e soldado reformado do Regi-
mento de Alcantara aonde servio na Companhia que foi do Masques Luis
Bernardo de Tavora morador defronte da estrella, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a
verdade, de idade secenta e sinco annos. E do costume nada. E pergun-
tado pello vigecimo oitavo artigo dos itens justificativos a que foi produ-

141
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

zido, dice que no tempo em que se derão os tiros na infelis noute de


tres de Settembro e ja antes era elle testemunha Cabo de esquadra da
Companhia de Luis Bernardo de Tavora em que por acistir em Alcantara
aonde estava a mesma Companhia vio que della não sahirão cavallos al-
gums na dita noute nem muitos tempos antes tinhão sahido e que nem
podião sahir sem ordem do furriel [fl. 67v] Miguel Pedrozo que tinha a
inspecção de cavallos e arreyos e sem que tambem o soubecem os mais
soldados que ali acistião. E mais não dice pello que lido seu juramento,
achando estar escritto na verdade o assignou com o dito Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel da Silva Moreira

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle mencionado De-


zembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deu segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu não
revellar a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce execu-
tado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que assig-
narão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel da Silva Moreira

43ª
Joze Francisco Rijo, cazado e morador em Valêjas no sittio da Bica,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão di-
reita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e sinco annos. E do
costume dice nada. E perguntado pello artigo vigecimo oitavo dos itens
justificativos a que foi produzido, dice que no tempo do sacrilego insulto
de que trata o ar[fl. 68]tigo era elle testemunha Cabo de esquadra da
Companhia do Marques Luis Bernardo de Tavora e tinha debaixo da sua
inspecção todos os cavallos que o dito Marques tinha na cavalharice a
Santo Amaro e que della não sahio cavallo algum na noute do referido
atentado nem nas noutes e dias precedentes porque não podião sahir
sem elle testemunha o saber e que concerva a referida lembrança porque
sendo tambem prezo logo depois que o forão os Fidalgos, o Secretario

142
O PROCESSO DOS TÁVORAS

de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello o perguntara sobre o refe-


rido facto da sahida de cavallos a quem respondeu o mesmo que tem
deposto sem embargo de ser ameassado com tormentos e de lhe ser pro-
metido premio se declarace a verdade que ja os Marquezes lhe tinhão
dito quanto elle testemunha tinha feito, o que tudo prezenciou o Corre-
gedor que então era de Santarem, fulano nobre que foi quem o prendeu
e o conduzio a esta cidade. E tambem depois foi levado a segundas per-
guntas a prezença do Dezembargador Pedro Gonçalves Cordeiro, as quais
lhe fes e escreveu o Dezembargador Joze Antonio de Oliveira Machado
que tambem depois de lhe chamar villão, ruim, e outros nomes, o ameas-
sou com tratos, dizendo, outrosim, nestas o mesmo que dito tem. E mais
não dice pello que lido seu juramento achando estar escrito na verdade
o assignou com o dito Dezembargador. E eu o Dezembargador Henrique
Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.

(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Joze Francisco Rijo

[fl. 68v]
E tendo deposto a referida testemunha logo elle mencionado De-
zembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deu segundo juramento
dos Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Joze Francisco Rijo

44ª
O Illustrissimo e Excelentissimo Marquez de Marialva, testemunha
jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
dizer a verdade, de idade secenta e quatro anos. E do costume dice ter
algum remoto parentesco com a famillia dos Tavoras. E perguntado pello
trigessimo segundo dos itens justificativos a que foi produzido, dice que
somente lhe lembra que achando-ce nas Caldas com Thome Joaquim de-
pois que este não exercitava o lugar de Secretario de Estado, quei-

143
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

xando-ce de se não servirem delle uzara da expressão seguinte: “que me


poderão fazer, mandar-me cortar a cabeça, morrerei inocente como há
pouco tempo morrerão outros”. E que lhe parece que esta ou outra oo
uvioe expreção he a que então lhe ouvio. Porem, lhe não declarou quem
erão os inocentes e oo uvio ao rebeca Andre depois das prizoins ou
morte dos Fidalgos, que elle na noute do infelis insulto estivera com o
Marquez [fl. 69] Luis Bernardo de Tavora em caza do Duque que foi de
Aveiro, donde tinhão sahido pella meya noute trazendo-o d’ancas no seu
cavallo. E mais não dice, pello que lido seu juramento achando estar es-
critto na verdade o assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Marques Estribeiro mor

E tendo deposto o mencionado Illustrissimo Excelentissimo Mar-


quez de Marialva, logo o referido Dezembargador Joze Freire Falcão de
Mendonça lhe deu segundo juramento dos Santos Evangelhos em que
pondo a mão prometeu não revellar a materia de seu depohimento, de
que para constar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina
se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze
de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Marques Estribeiro mor

45ª
Pedro Hipolito de Figueiredo, Cavalleiro professo na Ordem de
Christo, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua
mão direita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e dous annos.
E do costume nada. E perguntado pello trigecimo segundo artigo dos [fl.
69v] itens justificativos a que foi produzido, dice que achando-ce elle tes-
temunha na Villa das Caldas e na acistencia do Marquez de Marialva, con-
versando este com o Secretario de Estado Thome Joaquim da Costa Corte
Real que ahi se achava retirado da Corte, lhe ouvira as palavras seguintes:
“dizem que o estupor me dera pella cabessa, a cabessa de Thome Joa-
quim he tam bõa antes do estupor como depois delle e se tem receyo de
que diga algũa couza podem degollar-me porque naquelle patibollo pa-

144
O PROCESSO DOS TÁVORAS

decerão cabeças tam inocentes como a minha”. E mais não dice pello
que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o assignou
com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, Dezembargador da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Pedro Hippolito de Figueiredo

E tendo deposto a referida testemunha logo elle Dzembargador


Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos
Evangelhos em que pondo a mão prometeu não revellar a materia de seu
depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto que
assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembar-
gador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Pedro Hippolito de Figueiredo

[fl. 70]
46ª
Martinho Teixeira Pequeno Chaves, Fidalgo da caza de sua Mages-
tade, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão
direita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e oitto annos. E do
costume nada. E perguntado pello resenci artigo dos itens justificativos
a que foi produzido dice nada nem do resencio. E perguntado pello de-
cimo terceiro dice que sabe por ter estado de guarda aos Fidalgos prezos
pello infelis insulto de que se trata, como Capitão de cavallos do Regi-
mento de Aveiro que os guardava e por lhe ser incumbido o mete-llos e
tira-llos das prizoins quando era precizo hirem a perguntas, que logo que
se leu a sentença ao reo Joze Mascarenhas este pedira a elle testemunha
quizece mandar recado ao Juiz da Inconfidencia, Pedro Gonsalves Cor-
deiro, para que lhe viece falar a prizão e com effeito por hum Official,
de quem lhe não lembra hoje o nome, mandou o dito recado. E vindo o
dito Ministro, elle abrio a porta da prizão e entrando para dentro se de-
morou com o mencionado reo algum tempo, porem, elle testemunha nem
ouvio nem podia ouvir a pratica que tiverão e so sim sahindo o mesmo
Ministro vio o esperava fora o Secretario de Estado Sebastião Joze de
Carvalho e Mello e perguntando-lhe este o que quer que foi e que elle

145
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

testemunha não percebeu, ouvio responder o sobredito Ministo o se-


guinte: [fl. 70 v] “queria desdizer-ce, já não he tempo”, a que respondeu
o referido Secretario de Estado: “isso he hum maroto”, e logo ambos se
retirarão. E resenciou, outrosim, que o mencionado reo Joze Mascarenhas
se lamentava do pouco tempo que lhe davão para se dispor e que trans-
portado dizia muitas vezes: “a minha confição, estes Padres e estes Fidal-
gos”, e de que não tinha forsas para padecer aquella morte, o que lhe
ouvia quando lhe acistia no tempo em que comia e que ouvira tambem
aos homens que davão os tratos que o dito reo tivera tal horror aos mes-
mos que confessara tudo quanto lhe perguntarão. E mais não dice athe
o decimo quinto. E ao decimo sexto dice que não acistira ao tempo que
o reo Joze de Mascarenhas se metera na cadeirinha para hir para o pati-
bollo e por isso não pode depor o que elle declarou. Acistio sim ao tempo
que Luis Bernardo de Tavora foi para o mesmo patibollo e lhe ouvio dizer
que bem sabia do que elle hia morrer inocente e que o mesmo repetio
estando já no patibollo. E mais não disse, pello que lido seu juramento
assignou com o dito Dezembargador pello achar escrito conforme ao que
jurado tinha. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Bena-
vides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Martinho Teixeira Pequeno e Chaves

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle dito [fl. 71] De-
zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento dos Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não
revellar a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce exe-
cutado o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que as-
signarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides,
Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Martinho Teixeira Pequeno Chaves

47ª
D. Catharina Ge[r]trudes Jorge, mulher de João Jorge, homem de
negocio da praça desta cidade, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de

146
O PROCESSO DOS TÁVORAS

idade trinta e sinco annos. E do costume nada. E perguntado pello de-


cimo settimo artigo dos itens justificativos a que foi produzida disse
que ella testemunha por ser vezinha de Joze Mascarenhas e por seu pay
servir de seu Secretario, costumava hir para caza do mesmo varias tar-
des na companhia de sua mãy e tem certa lembrança de que na noute
declarada no artigo a horas de ave marias fora para caza do dito Joze
Mascarenhas, Luis Bernardo de Tavora levando em sua companhia ao
rebeca Andre a tempo que ella testemunha se achava ja na mesma caza
com a dita sua mãy e [fl. 71v] e ahi estiverão ensayando hũas contra-
danças em que ella testemunha tambem entrou sem que o dito Luis
Bernardo de Tavora se separace nunca da caza em que se fazia o dito
ensayo e se fizerão outros brincos athe que ella testemunha se recolheu
com seu pay e sua mãy e ainda que se lembra ser tarde contudo não
tem certeza das horas que serião e quando soube que tinha padecido
o dito Luis Bernardo pellos tiros que naquella noute se tinhão dado,
ficou admirada por se lembrar de que elle tinha estado com ella na
mesma noute no ensayo e brincos que tem referido, em muito mais por-
que ao depois que se fes publico terem-ce dado os tiros do infelis in-
sulto se tinha acentado por todos que ao tempo que elles se tinhão
dado estava o referido Luis Bernardo nos sobreditos brincos e ensayo.
E mais não dice nem dos mais a que foi apontada, pello que lido seu
juramento e achando estar escritto na verdade, o assignou com o dito
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Catharina Getrudes (sic) Jorge

E tendo deposto a referida testemunha, logo o dito Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento dos San-
tos Evangelhos, em que pondo a mão direita prometeu não revellar a
materia de seu depohimento [fl. 72] de que para constar ter-ce executado
o Real Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão.
E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Catharina Gertrudes Jorge

147
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

48ª
D. Anna Joaquina de Souza, viuva de Nicolao Ribeiro da Cunha e
acestinte em caza d[o] Visconde d’Asseca, testemunha jurada aos Santos
Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade,
de idade quarenta e sinco annos, pouco mais ou menos. E do costume
nada. E perguntada pello vigecimo quinto artigo dos itens justificativos
a que foi produzida, dice que tem certeza de que na infelis noute de
tres de Septembro de mil e settecentos e sinquenta e oitto, antes das
des horas da mesma noute se recolhera a caza do Rio Seco, D. Leonor
de Tavora, Marqueza que foi do mesmo titullo, na companhia de sua
filha D. Marianna de Lorena de que muito bem se lembra, não so por-
que no dia seguinte ouvio falar nos tiros que se derão na referida noute
mas tambem porque na mesma se juntou hum lacayo da caza d’Attou-
guia com sua mulher e ella testemunha e outras pessoas da mesma Mar-
queza intentavão hir fazer-lhe algũas peças, o que não executarão pella
dita Marqueza se recolher as horas que [fl. 72v] tem deposto de que fi-
carão muito sentidas e tambem porque ella testemunha era hũa das
criadas que acistia frequentemente a mencionada Marqueza e a que lhe
foi acistir no tempo em que estava para padecer e se lembra bem que
tanto que ella testemunha foi conduzida a prezença da mesma mar-
queza esta lhe dicera: “aqui me achas condemnada a morte, mas ino-
cente e toda a minha famillia”. E isto mesmo lhe ouvio repetir na
ocazião em que estava para receber o Santissimo Sacramento, protes-
tando na prezença do mesmo Senhor que estava para receber, que ella
fazia aquella declaração da sua inocencia e de todos os seus para des-
cargo de sua consciencia e imediatamente recebeu. E mais não dice. E
perguntada pello vigecimo seixto a que tambem foi produzida dice que
pellas mesmas rezoins com que tem deposto ao artigo acima sabe e
tem a mesma certeza de que o Marques Francisco de Assis se recolhera
na referida noute ao mesmo tempo, pouco mais ou menos, que a Mar-
queza sua mulher se tinha re[c]olhido. E tanto não sahio mais de caza
nessa noute que logo que chegou e se despio dice vinha muito tomado
do peito pella queixa de asma que padecia e pedio hum caximbo de
que uzava quando era acometido da dita queixa. O qual ella testemunha
lhe ministrou e depois de caximbar por largo espasso no qual a Mar-
queza se ocupou em ler por hum livro se foi logo deitar, tendo-ce pouco
antes retirado a dita [fl. 73] sua filha. E mais não dice pello que lido
seu juramento achando estar escrito na verdade, o assignou com o dito

148
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o


escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Anna Joaquina de Sousa

E tendo deposto a mencionada testemunha logo o dito Dezembar-


gador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos
Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a materia
de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Anna Joaquina de Susa (sic)

Aos quatorze dias do mez de Abril do anno de mil e settecentos e


settenta e oitto, nas cazas da morada do Conselheiro da Fazenda, Gonsalo
Joze da Silveira Pretto, aonde veyo o Dezembargador Joze Freire Falcão
de Mendonça, nella forão pello dito Dezembargador perguntadas as tes-
temunhas dos nome, cognomes e costumes que ao diante se descreverão,
as quais se ha de deferir o juramento dos Santos Evangelhos para dize-
rem a verdade em tudo quanto lhe for perguntado. De que eu Henrique
Joze de Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador da Caza da Suppli-
cação, fis esta acentada e a escrevi.

[fl. 73v]
49ª
O Illustrissimo D. Antonio de Aguillar Sequeira, Prelado da Santa
Igreja Patriarchal e do Conselho de sua Magestade, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a ver-
dade. E do costume dice nada. E perguntado pello vigecimo quinto artigo
dos itens justificativos a que foi produzido dice nada. E perguntado pello
vigecimo sexto artigo dos mesmos itens justificativos dice que no dia tres
de Septembro do anno de mil e settecentos e sinquenta e oitto, foi elle
testemunha de tarde para caza do Secretario de Estado Sebastião Joze de
Carvalho e Mello, a quem pertendia falar e ja na salla aonde esperou,
achou o Dezembargador Euzebio Tavares com quem esteve conversando

149
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a esperar ocazião de poder falar ao dito Secretario e que a horas de sol


posto chegara tambem Francisco de Assis, Marquez que foi de Tavora, a
mesma dilligencia e todos os tres estiverão esperando largo tempo por
ter chegado e entrado ao mesmo tempo o senhor D. João que se demorou
com o dito Secretario hum largo espasso e imediatamente que sahio foi
chamado o mencionado Francisco de Assis que tambem se demorou
muito tempo e não pode elle testemunha depor com certeza as horas cer-
tas a que sahio, porem se lembra que seria entre as nove e des da noute
do referido dia. E da janella da sala em que esperava vio que o referido
Francisco de Assis levava a sua guarda de cavallo e archote acezo e ao
entrar para a carruagem dice para o criado “para caza” e com effeito
tomou o caminho para Rio Seco aonde [fl. 74] morava. E vendo elle teste-
munha que entrava a falar ao sobredito Secretario de Estado João de
Mello, que se achava despachado para hum governo de ultramar, acen-
tando em que ja lhe não podia falar so se fosse no quarto de sua mulher,
atravessou o pateo para hir a elle e hindo com effeito imediatamente ao
mesmo falando com ella soube que elle não hia la. E por este motivo se
dillatou pouco tempo e sahindo a mandar por a sua carruagem hindo no
meyo do pateo de fora, ouvio huns tiros e vindo a pe pella calsada abaixo
passado o abarracamento, vio ja movimento de gente cauzado por algũa
novidade e chegando a porta do Marquez de Angenja, ja metido na sua
carruagem, vio ahi mayor numero de gente. E depois que elle testemunha
ouvio falar no infelis insulto da referida noute dando por authores delle
aos Tavoras, fes hum conceito firme de que nelle não podia entrar o men-
cionado Francisco de Assis pella pouca mediação de tempo que ouve de-
pois que elle sahio ao em que ouvio os tiros. E que passados dias
avistando-ce com o Dezembargador Euzebio Tavares, dicera este: “que me
dis a este barbaro povo que poem a boca nos Tavoras, como se nos não
fossemos bõas testemunhas de termos estado com elle quazi athe o tempo
em que os tiros se derão”. E mais não dice pello que lido seu juramento,
achando estar escrito na verdade, o assignou com o dito Dezembargador.
E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Antonio de Aguilar e Sequeira
[fl. 74v]
E tendo deposto a referida testemunha, logo o mesmo Dezembar-
gador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos

150
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a materia


de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Dom Antonio de Aguilhar e Sequeira

Aos vinte e tres dias do mez de Abril do anno de mil e settecentos


e settenta e oitto nas cazas em que rezide o Dezembargador Joze Freire
Falcão de Mendonça, ahi pello mencionado Dezembargador forão per-
guntadas as testemunhas dos nomes, cognomes, costumes e ditos ao
diante d’escriptos, deferindo-ce-lhe o juramento dos Santos Evangelhos
para dizerem a verdade, de que eu, o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, fis esta acentada e a escrevi.

50
Joze Machado, de officio Barbeiro, cazado e morador defronte do
Conde da Ponte, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade trinta e oitto
annos. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo artigo dos itens
justificativos a que foi produzido, dice que sendo elle testemunha guarda
roupa de Jeronimo de Atayde, o vestira na tarde do dia tres de Septembro
[fl. 75] de mil e settecentos e sinquenta e oitto para hir a freguezia de
Nossa Senhora da Ajuda ser padrinho do cazamento do seu lacayo Ber-
nardo de quem tambem fora padrinho o Marquez que então era de Fron-
teira. E vindo o sobredito Jeronimo de Atayde para caza pellas ave marias,
pouco mais ou menos, o despio elle testemunha e lhe deu hum roupão
e chinellas em que ficou essa noute. E sucedendo nessa noute o infelis
insulto dos tiros que logo no dia seguinte se fes publico e sendo tambem
depois prezo o ditto Jeronimo de Atayde por se dizer ter sido reo do
mesmo insulto, elle testemunha com seu companheiro Manoel de Jezus
lembrando-ce de que no referido dia daquella noute se tinha recebido o
mencionado lacayo discorrerão que o referido Jeronimo de Atayde não
tinha nella sahido de caza e que se achava inocente, porque não podia
sahir fora senão de roupão e chinellas porque tudo o mais estava debaixo
da chave delle testemunha e do ditto seu companheiro. E mais não dice
deste nem dos mais athe o vigecimo terceiro. E perguntado pello vige-

151
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

cimo quarto dice que elle testemunha e os mais criados do dito Jeronimo
de Atayde, quando este foi prezo e tambem sua mulher, a Condessa de
Attouguia, acentarão [fl. 75 v] firmemente que os dittos seus amos breve-
mente tornavão para caza e que não tinhão perigo algum pella rezão que
ja declarou no artigo a que tambem ja depos. E mais não dice, pello que
lido seu juramento, achando estar escripto na forma em que tinha de-
posto, o assignou com o ditto Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Jozê Machado

E tendo dado a referida testemunha seu juramento, logo o sobre-


dito Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo
dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Jozê Machado

51ª
Manoel Jezus, Mestre de escripta, cazado e morador na rua do Oli-
val detras do Convento de São Francisco de Paula, testemunha jurada
aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer
a verdade, de idade quarenta annos. E do costume nada. [fl. 76] E per-
guntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi produzido
dice que na tarde do dia declarado neste artigo se recebeu em Nossa Se-
nhora da Ajuda hum lacayo de Jeronimo de Atayde, chamado Bernardo,
do qual fora padrinho o mesmo Jeronimo de Atayde e o Marquez que
então era da Fronteira e como elle testemunha acistia na guarda roupa e
juntamente seu companheiro Joze Machado, ambos virão que o dito seu
amo Jeronimo de Atayde se recolhera naquelle dia por horas de ave ma-
rias, pouco mais ou menos, e logo que chegou se fora despir a guarda
roupa e ficara de roupão e chinellas, sem que mais sahice essa noute. E
mais não dice deste nem do vigecimo primeiro. E perguntado pello vige-
cimo segundo, dice que ou o copeiro ou o escudeiro da Condeça, mulher

152
O PROCESSO DOS TÁVORAS

de Jeronimo de Atayde, lhe dicera que na noute do dia em que se recebeu


o sobredito lacayo, viera a Condeça de Attouguia de caza de seus pays
de Rio Seco, por onze horas, pouco mais ou menos, e que vindo seu ma-
rido Jeronimo de Atayde abaixo a buscalla, este a arguhira de vir tarde e
ella delle a não ter hido buscar a Rio Seco. E mais não dice deste artigo.
E perguntado pello vigecimo terceiro, dice que [fl. 76v] vendo o edital
posto logo depois da prizão do mencionado Jeronimo de Atayde e mais
fidalgos e que nelle se declarara que o insulto tinha sido cometido na
noute do dia tres de Septembro de mil settecentos e sinquenta e oitto,
entrou a lembrar-ce de que o dito dia fora o em que se recebera o sobre-
dito lacayo Bernardo, o que averigou exactamente pello que acentou que
o dito Jeronimo de Atayde se não podia achar no dito insulto por ter es-
tado em caza na forma que ja depos e pella referida lembrança se per-
suadio elle e os mais criados que igualmente ativerão de que seu amo
brevemente tornaria para sua caza. E mais não dice deste nem do vige-
cimo quarto, pello que lido seu depohimento, achando estar escritto na
verdade, o assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel de Jesuz

E tendo dado esta testemunha seu juramento, logo o mencionado


Dezembargador lhe deferio segundo dos Santos Evangelhos, em que
pondo a mão prometeu não revellar a materia que tinha deposto, de que
para constar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina, se
fes este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinatura)
Manuel de Jesuz20
[fl. 77]
52ª
Andre de Campos, concerveiro, cazado e morador na rua de Santa
Anna a Buenos Ayres, freguesia de Nossa Senhora da Lapa, testemunha
jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
dizer a verdade, idade sinquenta e oitto annos. E do costume nada. E

20
Não consta a segunda assinatura de Falcão e Mendonça.

153
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

perguntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi pro-
duzido, dice que sendo copeiro de Jeronimo de Atayde está bem certo
pellas rezoins que depois dirá que estando elle testemunha no lugar da
sua obrigação na noute do dia tres de Septembro de mil e setecentos e
sinquenta e oitto, ahi chegara o dito Jeronimo de Atayde que vinha de se
despir da guarda roupa, de chinellas e roupão sem nada na cabessa. E
que isto seria pellas nove horas da noute, pouco mais ou menos. E dicera
para elle testemunha chamace a criada D. Rita que elle tambem chamou.
E vindo esta, lhe dice que fosse ao quarto da Condeça e trouxece duas
pessas de linhagem para panos de copa e cozinha as quais trouche a dita
criada. E hindo com ellas todos para a caza da costura, ahi disputarão se
os ditos panos havião de ser de meya vara ou de tres quartos e se acentou
que focem de tres quartos e assim se cortarão para o que se mandou
buscar hũa vara. E em toda esta operação se ocuparão athe onze horas
ou onze e meya, pouco mais ou menos, no qual [fl. 77 v] tempo chegara
a Condessa e o dito Jeronimo de Atayde a fora buscar abaixo tam apres-
sadamente que fora o primeiro que abrira o saco da carruagem e ella se
queixou delle a não ter hido buscar a Rio Seco a caza de seus pays como
costumava sempre. E vindo para sima forão cear no que se demorarão
athe hũa hora, tempo em que se recolherão. E destes factos tem certa
lembrança, não so pello memorando e horrorozo insulto que nessa noute
aconteceu, mas tambem porque logo depois da morte do dito Jeronimo
de Atayde teve hũa disputa em que referio os mesmos factos pellos ter
prezenciado na forma que tem referido; tanto assim que elle testemunha
e os mais criados acentavão que o referido seu amo seria logo posto na
sua liberdade. E mais não dice deste nem de todos os mais que lhe forão
lidos, pello que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o
assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Andere de Campos

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle sobredito Dezem-


bargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos [fl. 78] em que pondo a sua mão direita prometeu
não revelar a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce
executado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que

154
O PROCESSO DOS TÁVORAS

assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavi-


des Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Andere de Campos

53ª
Joze Ribeiro, porteiro da Sala do Marquez de Lourisal, testemunha
jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão direita prometeu
dizer a verdade, idade secenta e quatro annos. E do costume nada. E per-
guntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi produzido,
dice que no dia declara o artigo fora o Conde Jeronimo de Atayde ser
padrinho do seu lacayo chamado Bernardo que se recebeu na igreja de
Nossa Senhora da Ajuda, o que sabe por elle testemunha ter sido com-
prador da caza do dito Conde e vio então que este por couza de nove
horas sahira do seu quarto em roupão e chinellas e chamara pella criada
D. Rita e lhe dice foce buscar duas peças de linhagem para [fl. 78v] se
medirem e cortarem para panos de copa e cozinha. E elle testemunha
pegou na vara por onde a dita criada as medio passando depois a
corta-llas, acestindo a tudo o mencionado Conde Jeronimo de Atayde
athe que sendo de onze horas para sima chegou sua mulher a quem elle
foi buscar a carruagem e ahi tiverão suas graças sobre ella vir tarde e a
respeito delle a não hir buscar a Rio Seco a caza de seus pays. E que su-
cedendo ser prezo o dito Conde elle testemunha e varios criados da
mesma caza, ignorando a cauza da prizão discorrião com variedade,
porem falando-ce em que seria o infelis insulto se recordarão do que tem
referido e que o Conde ja pellas nove horas da noute do mesmo estava
em caza donde estivera athe vir a Condeça depois das onze e quem com
ella foram logo cear, em que se demorara athe hũa hora e por esta rezão
acentarão em que estava inocente e lhe não dava cuidado a sua prizão
antes esperavão que della sahice muito brevemente. E mais não dice
deste nem de todos os mais por ter delles dito o que sabia, pello que
lido seu juramento, achando estar escripto na verdade, assignou com o
dito Dezembargador. E eu Henrique [fl. 79] Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Joze Ribeiro

155
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E tendo jurado a referida testemunha, logo elle dito Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento dos San-
tos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu não revelar a
materia de seu juramento, de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu
o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Joze Ribeiro

54
Andre Alvarez, familliar do Marquez de Lourisal, cazado e morador
na caza do mesmo Marquez, testemunha jurada aos Santos Evangelhos,
em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade
trinta e sete annos, pouco mais ou menos. E do costume nada. E pergun-
tado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi produzido,
dice que sabe por ter sido azemel da caza do Conde da Atouguia que
este fora padrinho do recebimento de hum seu lacayo chamado Bernardo
e que na [fl. 79v] noute desse dia se recolhera o dito Conde antes das
nove horas e entrando para o seu quarto sahira de roupão e chinellas e
mandara a hũa criada chamada D. Rita fosse buscar duas peças de linha-
gem para se fazerem panos para copa e cozinha que ali se cortarão e as
criadas estiverão abainhando, estando sempre prezente o dito Conde athe
que sendo depois das onze, pouco mais ou menos, chegara a Condessa
que elle foi buscar a carruagem e subindo ambos para sima forão cear,
recolhendo-ce depois para o seu quarto pella hũa hora, pouco mais ou
menos. E elle testemunha se não lembra do dia e anno em que se recebeu
o dito criado, porem lembrace sim que no dia seguinte ouvira dizer se ti-
nhão dado huns tiros cometendo-ce o insulto de que se trata. E mais não
dice deste nem dos mais por ter dito quanto delles sabia, pello que lido
seu juramento achando estar escrito na verdade, o assignou com o dito
Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Andre Alvarez

156
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E tendo a dita testemunha dado seu juramento [fl. 80] logo pello
mencionado Dezembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe foi de-
ferido segundo dos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita
prometeu não revellar a materia de seu depohimento, de que para cons-
tar ter-ce executado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este
termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Menda-
nha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Andre Alvarez

55ª
Antonio Joze, boleeyro de Gonsallo Xavier de Alcasova, cazado e
morador na calsada de Santo Amaro, testemunha jurada aos Santos
Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade,
de idade quarenta e sette annos, pouco mais ou menos. E do costume
nada. E perguntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que
foi produzido, dice que sabe por ter sido boleeyro do Conde da Atou-
guia que na tarde do dia e anno declarado no artigo fora o dito Conde
a igreja da Ajuda ser padrinho do recebimento de hum seu criado cha-
mado Bernardo e elle [fl. 80v] testemunha bolleava a carruagem do dito
Conde e com elle se recolheu pellas oitto horas da noute do dito dia,
pouco mais ou menos. E sabe que o dito Conde não sahira mais de caza
porquanto elle testemunha foi para caza do noivo e vindo as horas cos-
tumadas a buscar a sua ceya, achando a porta da cozinha fechada en-
trara pella sala e fora dar a caza donde trabalhavão as criadas, aonde
vio ao mesmo Conde ocupado com hum corte de huns panos para copa
e cozinha. E logo passado pouco tempo, que seria pellas onze horas
quarto mais ou menos, chegara a Condessa a quem elle fora buscar a
carruagem, queixando-ce della não ter vindo mais sedo, a que respon-
dera estivera ouvindo ler hum sermão de que muito gostara e que tam-
bem elle a não tinha hido buscar. Ao que elle dice que aquella noute
se tinha recolhido com as gallinhas. E logo forão cear, aonde se demo-
rarão athe depois da meya noute e do referido se lembra elle testemu-
nha pella rezão do cazamento do dito criado e por ouvir no seguinte
dia fala com variedade nos tiros do insulto de que tratão os artigos se-
guintes de que nada dice por ter deposto o que delles sabia, pello que
lido seu jura[fl. 81]mento achando estar escritto na verdade o assignou

157
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavi-


des Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Joze

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle dito Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu
o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Joze

56ª
Thereza de Jezus, assistente em caza do Visconde d’Aseca, teste-
munha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita,
prometeu dizer a verdade, de idade quarenta annos, pouco mais ou
menos. E do costume dice nada. E perguntada pello vigecimo artigo
dos artigos justificativos a que foi produzida, dice que ella testemunha
fora criada da caza [fl. 81v] do Conde de Atouguia e tem bõa lembrança
de que na tarde do dia declarado no artigo fora o mesmo ser padrinho
do recebimento de seu criado Bernardo e que a noute se recolhera de-
pois de ave marias. E que logo que se despira no seu quarto viera em
roupão e chinellas para a caza das criadas, para onde mandara vir duas
peças de linhagem que ali se medirão e cortarão em panos de copa e
cozinha, sem que o dito Conde dali sahice athe que chegou a Condessa
que elle foi buscar a carruagem. E subindo ambos, logo forão cear no
que gastarião athe couza da hũa hora depois da meya noute e se lembra
do referido porque sendo prezo o dito Conde e dizendo-ce que a cauza
da sua prizão forão os tiros que se tinhão dado na referida noute, ella
e os mais criados acentarão que na dita noute se não podia achar o dito
Conde naquelle insulto, pello que esperavão que fosse solto e restitu-
hido a sua caza. E mais não dice deste nem de todos os mais, pello que
lido seu juramento, achando estar escripto na verdade, assignou com o

158
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides


Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Thereza de Jezus
[fl. 82]
E tendo jurado a referida testemunha, logo elle dito Dezembargador
lhe deferio segundo juramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a
mão prometeu não revelar a materia de seu juramento, de que para cons-
tar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina, se fes este
termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Menda-
nha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Thereza de Jezus

57ª
Francisca das Chagas, acistente em caza do Visconde d’Aseca tes-
temunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade trinta e oitto annos, pouco mais ou
menos. E do costume dice nada. E perguntada pello vigecimo artigo dos
itens justificativos a que foi produzida dice que por ser nascida e criada
em caza do Conde de Atouguia se lembra bem de que na tarde do dia
declarado no artigo fora o mesmo Conde ser padrinho do recebimento
do criado Bernardo e que na noute desse dia se recolhera por horas de
ave marias [fl. 82 v] e depois de se despir no seu quarto fora para a caza
das criadas de roupão e chinellas e ahi mandara D. Rita buscar duas
peças de linhagem que se estiverão medindo e cortando para panos da
copa e cozinha, sem que o dito Conde dali sahice ate chegar a Condessa
que seria pellas onze horas ou onze e meya, a qual fora então buscar a
carruagem e sobindo ambos para sima forão cear donde lhe parece se
recolherão a durmir pella hũa hora depois da meya noute. E quando de-
pois se dice que o Conde tinha sido prezo por cauza dos tiros e que estes
se tinhão dado na noute de tres de septembro se averiguou pellos criados
da caza que fora a noute do recebimento do dito Bernardo e que nella
não sahira o dito Conde fora e que por esta cauza sempre teve a famillia
da caza esperança de que elle sahice livre. E mais não dice deste nem
dos mais a que foi apontada por ter dito neste o que delles sabia, pello

159
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o assignou


com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Francisca das Chaguas
[fl. 83]
E tendo dado a referida testemunha seu juramento, logo elle dito
Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo dos
Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não revellar a materia
de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Francisca das Chaguas

58ª
Maria Joaquina, cazada e acistente em caza de D. João da Costa,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a sua mão di-
reita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e hum anno. E do
costume dice nada. E perguntada pello vigecimo artigo dos itens justi-
ficativos a que foi produzida, dice que por ser criada de Jeronimo de
Atayde tem certa lembrança de que o mesmo fora padrinho do recebi-
mento de seu lacayo Bernardo e que nesse dia se recolhera por couza
de ave marias e hindo-ce despir ao seu quarto sahira de roupão e chi-
nellas e passara para a caza das criadas e dicera a [fl. 83v] D. Rita foce
buscar hũas teyas de linhagem para se partirem em panos de copa e
cozinha e que ali estivera athe que chegara a Condessa que seria depois
das onze. E elle partira então logo a busca-lla a carruagem e na sobida
para sima se queixava graciozamente a mesma Condessa, delle a não
ter hido buscar a Rio Seco. A que elle lhe respondera tinha estado go-
vernando a sua caza. E logo consequentemente forão para a ceya e ahi
se demorarão athe muito mais da meya noute, donde se recolherão a
durmir e a criada D. Rita lhe foi fechar a sua camera aonde ficarão
ambos fechados levando a mesma criada a chave como sempre costu-
mava. Tanto assim que quando forão prender ao sobredito Jeronimo de
Athayde foi precizo que a referida criada fosse com a chave para abrir

160
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o quarto aonde se achava recolhido com a Condessa sua mulher. E sem


embargo della testemunha se não lembrar de que o recebimento do
mencionado lacayo fora no dia que declara o artigo, comtudo, quando
depois se dice ter o mesmo Jeronimo de Athayde sido justissado pellos
tiros que se derão na noute que o dito artigo declara, averiguando-ce
que nessa tarde se tinha recebido o sobredito lacayo, acentara firme-
mente e os mais criados que elle morrera inocente, pois na tal noute
não tinha certamente [fl. 84] sahido de caza. E mais não disse não dice
deste nem de todos os mais, por ja ter delles dito o que sabia, pello
que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, assignou so-
mente o dito Dezembargador pella mesma testemunha não saber es-
crever. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

E tendo jurado a referida testemunha, logo pello mencionado De-


zembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe foi deferido segundo
juramento dos Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não
revellar a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce exe-
cutado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que o
mesmo Ministro somente assignou. E eu o Dezembargador Henrique Joze
de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

59ª
D. Rita Bernarda de Vasconsellos, acistente em caza do Marquez
de Tancos, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a
sua mão direita prometeu dizer a verdade, de [fl. 84v] idade quarenta e
dous annos, pouco mais ou menos. E do costume dice nada. E pergun-
tada pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi produzida
dice que ella testemunha não fizera lembrança do dia em que se recebeu
o lacayo Bernardo que servia a Jeronimo de Athayde. Tem sim certeza
fizica por ser nesse tempo criada do mesmo Jeronimo de Athayde que
elle nesse dia do recebimento se recolhera por horas de ave marias,
pouco mais ou menos, e que hindo-ce despir ao seu quarto sahira delle
de roupão e chinellas e passara para a caza das criadas aonde chamara

161
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a ella testemunha e lhe dicera fosse buscar hũas peças de linhagem para
se cortarem panos de copa e cozinha e ahi os estiverão cortando e co-
zendo nelles e o mesmo Jeronimo de Athayde esteve gracejando sobre
o cazamento do referido lacayo Bernardo sem que dali se separace athe
que chegou a Condessa pellas onze horas, pouco mais ou menos, e logo
forão cear no que gastarião athe depois da meya noute, recolhendo-ce
depois ao seu quarto de que ella testemunha lhe fechou a porta levando
a chave para o seu quarto como costumava de forma que na madrugada
da prizão do [fl. 85] referido Jeronimo de Athayde foi precizo que a ella
testemunha se fosse pedir a dita chave e depois de justissado o mesmo
Jeronimo de Athayde, ouvio dizer publicamente que o fora por huns
tiros que se tinhão dado no tempo que declara o artigo e por ella teste-
munha estar certa que na noute do recebimento não tinha sahido o men-
cionado Jeronimo de Athayde de caza, ficou acentando que morrera
inocente e tambem porque nunca lhe vira acção ou palavra pella qual
podece suspeitar que elle concorrece para semilhante insulto. E mais
não dice deste nem de todos os mais por ter delles dito o que sabia,
pello que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o as-
signou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Rita Bernarda de Vasconcellos

E tendo jurado esta testemunha, logo pello referido Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça, lhe foi deferido segundo juramento dos
Santos Evangelhos, em que pondo a mão (...)21
[fl. 86v]22
[60]23
Logo pello mencionado Dezembargador Joze Freire Falcão de Men-
donça lhe foi deferido segundo juramento dos Santos Evangelhos, em
que pondo a mão prometeu não revellar a materia de seu juramento, de
que para constar ter-ce executado o Real Decreto que assim o determina,

21
Declaração final interrompida.
22
Não constam os fls. 85v e 86.
23
Por ausência dos fls. supracitados, apenas se encontra redigida a declaração final do depoi-
mento número 60.

162
O PROCESSO DOS TÁVORAS

se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze


de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
D. Helena Rita colaça de Mesquita Caldeira

61
Antonio Joze Gomes, cazado e morador ao Calharis no Bairro Alto,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão di-
reita prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta e oitto annos, pouco
mais ou menos. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo artigo
dos itens justificativos a que foi produzido, dice que não esta lembrado
da tarde do dia em que se recebeu o lacayo Bernardo que servio a Jero-
nimo de Athayde a quem elle testemunha servia tambem de mosso da
cavalharice e so relembra que no dia seguinte estando ao sol, ali se jun-
tarão outras pessoas e dicerão que naquella noute tinhão dado [fl. 87] os
tiros do infelis insulto e tem lembrança que o dito seu amo se recolheu
na tarde do mencionado recebimento por horas de ave marias, pouco
mais ou menos, e falou com elle testemunha a porta da cavalharice como
costumava quando vinha de fora e não sabe que elle tornace a sahir fora
essa noute, porque nem carruagem nem cavallo sahio da cavalharice,
antes sim, hindo elle testemunha buscar a cea por couza de onze horas,
achando a porta da cozinha fechada se resolveu a hir pella sala e na caza
aonde trabalhavão as mossas vio o dito seu amo Jeronimo de Atayde de
roupão e chinellas com hũa tizoura na mão com que cortava huns panos.
E mais não dice deste nem de todos os mais por ter dito o que sabia,
pello que lido seu juramento, achando estar escrito na verdade, o assig-
nou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Be-
navides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Antonio Joze Gomes

6224
E tendo deposto esta testemunha, logo elle Dezembargador Joze
Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos Evan-

24
Erro de numeração. Continuamos, contudo, a seguir o original.

163
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

gelhos, em que pondo a sua mão direita, prometeu não revelar [fl. 87v] a
materia de seu juramento de que para constar ter-ce executado o Real De-
creto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Antonio Joze Gomes

63
Monica Thereza, cazada com Felipe da Crus, moradora em Caparica
no lugar de Pera de Baixo, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em
que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade qua-
renta e seis annos. E do costume dice nada. E perguntada pello vigecimo
artigo dos itens justificativos a que foi produzida, dice que por ter sido
ama de crear da caza de Jeronimo de Atayde e estar nella quando se re-
cebeu o lacayo Bernardo, tem bõa lembrança que delle fora ser padrinho
seu amo Jeronimo de Atayde e que no dia do recebimento se recolhera
o mesmo Jeronimo de Atayde por horas de ave marias, pouco mais ou
menos, e que despindo-ce no seu quarto delle fora de roupão e chinellas
para a caza das criadas e mandara a criada D. Rita fosse buscar hũas
peças de estopa ou linhagem para se cortarem panos de cozinha e copa
e ahi estiverão cortando [fl. 88] e cozendo nos mesmo, sem que daquella
caza se separace o dito Jeronimo de Atayde, athe que sentio a carruagem
em que se recolhia a Condessa, sua mulher, que descendo então a
busca-la a mesma carruagem sobirão para sima ambos vindo. Ela quei-
xando-ce de não ter hido buscar a Rio seco e elle respondendo-lhe
estivera governando a sua caza. E hindo logo cear, acabada a cea ime-
diatamente se recolherão ambos a sua camera e a criada D. Rita lhe fe-
chou a porta por fora, levando a chave como costumava. E sabe que o
mencionado recebimento fora no dia declarado no item, o que se averi-
guou quando se soube que o referido Jeronimo de Atayde padecera pel-
los tiros que se tinhão dado naquella noute em que como dito tem não
sahira elle de caza. E mais não dice deste nem dos mais por ter dito
quanto sabia e lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, as-
signou somente elle dito Dezembargador. E eu o Dezembargador Henri-
que Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

164
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E tendo esta testemunha deposto, logo o dito Dezembargador Joze


Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos
Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revelar a materia de seu
juramento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto [fl. 88v]
que assim o determina, se fes este termo que somente o assignou o men-
cionado Dezembargador. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Men-
danha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

64
Maria Francisca, preta livre e acistente em caza do Conde de São
Vicente, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a mão
direita, prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta annos, pouco mais
ou menos. E do costume nada. E perguntada pello vigecimo artigo dos
itens justificativos a que foi produzida, dice que sabe que no dia decla-
rado no item se recebera o lacayo de Jeronimo de Atayde, chamado Ber-
nardo, porque nesse tempo servia elle testemunha na caza do mesmo
Jeronimo de Atayde e sabe que foi no dito dia porque no seguinte ouvira
dizer que naquella noute se tinhão dado os tiros di [sic] infelis insulto,
na qual noute não sahira de caza o mencionado Jeronimo de Atayde por-
que recolhendo-ce do recebimento em que foi padrinho do mesmo la-
cayo pellas oitto horas da noute, pouco mais ou menos, despindo-ce no
seu quarto fora de roupão e chinellas para a caza das criadas e para hi
mandara vir por D. Rita duas peças de linhagem que estiverão cortando
para panos de copa e cozinha [fl. 89] e da dita caza não sahira senão
quando sentio a carruagem da Condessa sua mulher, que seria por couza
de onze horas. E logo forão cear e se recolherão a sua camera, fechando
a porta D. Rita como costumava. E mais não dice deste nem de todos os
mais a que foi offerecida, pello que lido seu juramento, achando estar
escritto na verdade, assignou somente o dito Dezembargador. E eu, o De-
zembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.

(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

E tendo esta testemunha deposto, logo o dito Dezembargador Joze


Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos Evan-

165
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

gelhos, em que pondo a sua mão prometeu não revelar a materia de seu
juramento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto que assim
o determina, se fes este termo que somente assignou o mesmo Dezem-
bargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

Aos seis dias do mez de Mayo do anno de mil e settecentos e settenta


e oitto annos, nas cazas aonde rezide o Dezembargo Joze Freire [fl. 89v] Fal-
cão de Mendonça ahi pello mencionado Dezembargador forão inquiridas as
testemunhas dos nomes, cognomes, idades, costumes e ditos que ao diante
se descreverão, dando-ce-lhe o juramento dos Santos Evangelhos para dize-
rem a verdade de que eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, De-
zembargador da Caza da Supplicação, fis esta acentada e a escrevi.

65
João de Figueiredo, cazado e morador na calsada de Santo Amaro,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta e quatro annos. E do costume
nada. E perguntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a que foi
produzido, dice que elle testemunha, por ter sido criado de Jeronimo de
Atayde e estar justo para tornar para sua caza ahi fora depois do mesmo se
achar prezo e perguntando a os mais criados seus companheiros se sabião
a cauza da dita prizão, estiverão discorrendo todos qual ella seria. E fa-
lando-ce sobre a noute dos tiros, dicerão todos não podia ser por quanto
na tarde do dia da noute em que se dizião dados se tinha recebido hum
criado chamado Bernardo que do recebimento tinha sido o mencionado
[fl. 90] Jeronimo de Atayde padrinho, e que se recolhera por horas de ave
marias não tornando a sahir de caza, tanto assim que tinha estado na caza
das criadas aonde se cortarão huns guardanapos athe hir cear, depois do
que se recolhera a sua camera aonde a criada D. Rita lhe dice o tinha dei-
xado fechado na forma que costumava. Pello que todos ali acentarão não
podia ser este o motivo da sua prizão. E lido seu juramento, achando que
estava escritto na forma que tinha deposto, o assignou com o ditto Dezem-
bargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João de Figueiredo

166
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E tendo esta testemunha dado o seu depohimento, logo elle mencio-


nado Dezembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar
a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o De-
zembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João de Figueiredo
[fl. 90v]
66
Manoel Mendes da Cunha, cazado e morador na quinta da Ponte do
Trancão, que vive do seu negocio, testemunha jurada aos Santos Evangelhos
em que pondo a sua mão direita prometendo dizer a verdade, de idade
quarenta e nove annos. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo
artigo dos itens justificativos a que foi produzido, dice que elle testemunha
por trazer algũa rendas de Jeronimo de Atayde e por querer que elle falace
em outras ao Monteiro mor o buscara na tarde do dia declarado no artigo.
E por lhe dizerem tinha hido ao recebimento de hum seu criado chamado
Bernardo que elle testemunha conheceu, se rezolveu a espera-llo e com ef-
feito vio que chegara pellas ave marias e hindo despir-ce ao seu quarto
sahio de roupão e entrando na cozinha passou para a caza das criadas
aonde ficou athe que chegou a Condessa por couza de onze horas e quando
sahio a espera-lla a carruagem, lhe dice logo falaria com elle testemunha e
que esperace para cear, o que elle testemunha por ter de vir para Lisboa
não aceitou sem embargo de ter muita confiansa na caza e de ter comido
na mesma caza muitas vezes. Pello que por não esperar mais se retirou ago-
niado de tanta dillação quazi meya noute sem que athe este tempo sahicem
de caza o dito Jeronimo de Atayde, aonde o deixou na hora que dito tem e
que conserva a lembransa da referida noute porque logo na manhã seguinte
se fes publico que nessa noute se tinhão dado os tiros de que rezultou o
procedimento que o men[fl. 91]cionado Jeronimo de Atayde experimentou.
E mais não dice deste nem de todos os mais a que foi offerecido e lido seu
juramento, achando estar escritto na verdade, o assignou com o dito De-
zembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Mendes da Cunha

167
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E tendo deposto a referida testemunha, logo elle referido Dezembar-


gador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos
Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não revellar a materia
de seu juramento, de que par constar ter-ce executado o Real Decreto, que
assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembarga-
dor Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Mendes da Cunha

67
Domingos Fernandes Pinto, cazado e morador na rua nova de Jezus, tes-
temunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a mão direita prometeu
dizer a verdade, de idade quarenta annos, pouco mais ou menos. E do costume
dice nada. E perguntado pello vigecimo quinto artigo dos itens justificativos a
que foi produzido, dice que elle testemunha estava justo para boleeyro da Mar-
queza de Tavora D. Leonor. Porem, que na noute que [fl. 91v] que na noute
que declara o artigo se não achava ainda em caza da mesma e so fora na manhã
seguinte na qual prezenciou que a dita Marqueza não sahira de caza. Porem,
de tarde, sahio ja com ella na boleya e lhe não lembra para onde mas certa-
mente está lembrado de que não foi a caza do Duque. E mais não dice deste
nem de todos os mais, pello que lido seu juramento, achando estar escrito
como na verdade depos, o assignou com o dito Dezembargador. E eu o De-
zembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.

(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Domingos Fernandes Pinto

E finalizado o depohimento desta testemunha, logo pello mencionado


Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe foi deferido segundo ju-
ramento dos Santos Evangelhos em que pondo a mão prometeu não revellar
a materia de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o De-
zembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† de Domingos Fernandes Pinto

168
O PROCESSO DOS TÁVORAS

68
Francisco Joze de Moura e Miranda, acistente em caza do Marquez
d’Alorna, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua
mão [fl. 92] direita prometeu dizer a verdade, de idade trinta e nove
annos. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo quinto artigo
dos itens justificativos a que foi produzido dice que no tempo do infelis
insulto era elle testemunha criado grave do Marques de Tavora Francisco
de Assis, pello que está bem certo que na noute do mesmo infelis insulto
se recolhera a sua caza do Rio Seco antes das des horas a Marqueza D.
Leonor de Tavora acompanhada de sua filha D. Marianna de Lorena e
que logo passado muito pouco tempo se recolheu o dito Francisco de
Assis seu marido, a quem elle testemunha veyo apear da carruagem,
acompanhado de Joze Fernandes e de Joze Manriques, seus companhei-
ros e ambos falescidos, o qual vio elle testemunha que vinha acompa-
nhado com a sua guarda e archote acezo e da parte da Ajuda e que logo
que sobira pedira o seu cachimbo como costumava e depois de cachim-
bar largo tempo se recolheu a sua camera sem que tornace a sahir de
caza aquella noute. E mais não dice deste nem do vigecimo sexto. E per-
guntado pello vigecimo septimo dice que na tarde do dia da mesma in-
felis noute fora elle testemunha com Joze Maria de Tavora a Sacavem
donde se recolherão entre as sete horas e oitto da noute e elle testemu-
nha o deixou [fl. 92v] ao Loretto na caza dos cambiassos e partio a toda
a presa para chegar a caza antes que se recolhece a Marqueza e com ef-
feito chegou por couza de nove horas e antes das des se recolheu tam-
bem o dito Joze Maria de Tavora porque seus pays o querião sempre
achar em caza e sabe que não sahio mais de caza aquella noute e tem
lembransa do referido porque logo ouvio dizer que sua Magestade tinha
molestado hum brasso ou pê na quinta do meyo e logo depois se falou
que na dita noute se tinhão dado huns tiros. E mais não dice deste, pello
que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade o assignou
com o dito Dezembargador. E eu o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Francisco Joze de Moura Miranda

E tendo esta testemunha deposto, logo elle dito Dezembargador


Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos

169
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revelar a materia de seu


juramento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto, que
assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezembar-
gador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Francisco Joze de Moura Miranda
[fl. 93]
69
Antonio Caldeira Delgado, escudeiro da Condessa de Obidos, tes-
temunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e dous annos. E do costume
dice nada. E perguntado pello vigecimo artigo dos itens justificativos a
que foi produzido dice que elle testemunha fora escudeiro da caza de
Jeronimo de Atayde por cuja rezão se lembra bem que na tarde do dia
declarado no artigo fora o mesmo ser padrinho do recebimento do seu
lacayo Bernardo e que se recolhera com pouco diferensa por horas de
ave marias e entrando para o seu quarto se despira e delle sahira de rou-
pão e chinellas, passando logo para a caza das criadas, aonde se demorou
mandando cortar25 huns panos para copa e cozinha, athe que sendo
couza de onze horas chegara a Condessa sua mulher de Rio Seco e quei-
xando-ce-lhe da sua demora. Ella lhe respondera se não tinha recolhido
mais sedo porque estivera ouvindo ler ou lendo com muito gosto hum
sermão do Padre Vieira. E que logo passarão ambos a cear em que se
demorarão athe a meya noute, pouco mais ou menos, recolhendo-ce para
o [fl. 93v] seu quarto que lhe costumava fechar a criada D. Rita. Sabe elle
testemunha, pello ver e prezenciar, que athe este tempo não tinha o dito
Jeronimo de Atayde sahido de caza em toda aquella noute e que a rezão
de conservar a lembransa do que tem referido, era porque sendo prezo
o sobredito Jeronimo de Atayde e principiando algũas pessoas do povo
a falar de que elle seria partecipante do infelis atentado da noute de tres
de Septembro, elle e a mais famillia da caza entrarão a discorrer que na
tarde daquella noute se tinha recebido o lacayo Bernardo e que nella não
sahira de caza o mesmo Jeronimo de Atayde. Pello que tinhão todos acen-
tado estar elle inocente da partecipação do insulto que popularmente lhe
atribuhião. E mais não dice deste nem de todos os mais a que foi offere-

25
Corrigimos de «cortas».

170
O PROCESSO DOS TÁVORAS

cido e lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o assignou


com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Caldeira Delgado

E finalizado o depohimento desta testemunha, logo o referido De-


zembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não [fl.
94] revellar a materia de seu juramento, de que para constar ter-ce exe-
cutado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que as-
signarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Antonio Caldeira Delgado

70
Mathias Joze Rodrigues, acistente em caza do Excelentissimo Conde
de Villa Verde, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo
a sua mão direita prometeu dizer a verdade, idade trinta e nove annos. E
do costume nada. E perguntado pello vigecimo quinto artigo dos itens
justificativos a que foi produzido, dice que não está certo a que horas se
recolheu D. Leonor de Tavora na noute declarada no artigo, porem, sabe
por ter sido familliar de sua caza naquelle tempo, que costumava reco-
lher-ce sempre pellas des horas e pellas mesmas se recolhia regullar-
mente seu marido Francisco de Assis e que logo tambem pedia o
cachimbo de que uzava todas as noutes. E mais não dice deste nem do
vigecimo sexto. E perguntado pello vigecimo septimo, dice que elle tes-
temunha acistia a Joze Maria de Tavora, o qual em noute algũa faltou em
[fl. 94v] se recolher pellas des horas, por ser este o preceitto que tinha
de seus pays e que não sabe por onde andou na tarde declarada no ar-
tigo, o que poderão saber os criados que o acompanharão. Sabe sim, que
depois de se recolher pellas des horas nunca mais sahia de caza, o que
elle testemunha acevera por durmir no mesmo quarto em que o mencio-
nado Joze Maria de Tavor[a] durmia. E mais não dice deste. E lido seu ju-
ramento, achando estar escritto na verdade, o assignou com o referido

171
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o


escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Matias Joze Rodriguez

E tendo deposto esta testemunha, logo o dito Dezembargador Joze


Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos
Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a materia de
seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto,
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Matias Joze Rodriguez

71
Manoel Joze Soares, boleeyro do Juiz do Crime do Bairro de Santa
Catharina, Francisco de Azevedo [fl. 95] Coutinho, testemunha jurada aos
Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a
verdade, de idade sinquenta annos. E do costume nada. E perguntado
pello vigecimo quinto artigo dos itens justificativos a que foi offerecido,
dice que por ter sido criado de acompanhar de D. Leonor de Tavora, sabe
que esta se recolhera na noute declarada no artigo por couza de des
horas, por elle nessa ocazião a ter acompanhado e conserva esta lem-
bransa porque logo no dia seguinte ouvio falar que na mesma noute se
tinha cometido o atentado de que se trata e que quando chegarão a caza
ja nella estavão os criados que acompanhavão Francisco de Assis, marido
da mesma D. Leonor de Tavora, que lhe dicerão havia pouco tinhão che-
gado com seu amo e que os tais criados. Se lembra muito bem, erão Joze
Antonio, boleeyro que foi mandado para a India e o de acompanhar se
chamava Joãozinho, que tambem o exterminarão para o mesmo estado,
e que nessa noute não sahira mais de caza o sobredito Francisco de Assis.
E mais não dice nem do vigessimo sexto. E perguntado pello vigecimo
septimo, dice que na tarde do dia declarado neste artigo fora Joze Maria
de Tavora para Sacavem e suposto elle testemunha o não vira hir, con-
tudo, vio os criados perperados e o seu cavallo. E perguntando-lhe para
onde hião lhe responderão que para Sacavem e depois lhe dicerão tam-

172
O PROCESSO DOS TÁVORAS

bem se tinhão recolhido por [fl. 95v] caza dos cambiassos. E quando elle
testemunha se recolheu com a dita D. Leonor, ja tambem os achou em
caza e lhe dicerão se tinhão recolhido sedo e que nessa noute sabe não
sahio mais de caza pellos seus criados durmirem no mesmo quarto em
que elle testemunha durmia. E mais não dice deste. E lido seu juramento,
achando estar escritto na forma em que tinha deposto, o assignou com
o referido Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Joze Soares

E finalizado o depohimento desta testemunha, logo elle dito De-


zembargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo jura-
mento dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não
revellar a materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce exe-
cutado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que
assignarão. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Bena-
vides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Manoel Joze Soares

Aos tres dias do mez de Junho do anno de mil e settecentos e se-


tenta e oitto nas cazas da rezidencia do Dezembargador Joze Freire [fl.
96] Falcão e Mendonça nellas forão perguntadas as testemunhas dos
nomes, cognomes, costumes e dittos que ao diante se hão de achar es-
crittos, deferindo-se-lhe o juramento dos Santos Evangelhos para dizerem
a verdade, de que eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Be-
navides Cirne fis esta acentada e a escrevi.

72
Pedro de Saldanha de Albuquerque, do Conselho de sua Mages-
tade e Marechal de campo de seus exercitos, testemunha jurada aos San-
tos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a
verdade, de idade sinquenta e seis annos. E do costume dice nada. E
perguntado pello vigessimo sexto artigo dos itens justificativos a que foi
produzido, dice que nada sabe deste artigo mais do que quanto lhe re-

173
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

ferio hum criado que foi do Marquez de Tavora na Praça de Damão do


estado da India, aonde se achava degradado. E o que lhe ouvio he o se-
guinte: que elle era hum dos criados que acompanhava regularmente o
Marquez de Tavora e que não tinha visto nem ouvido couza por onde
prezumice que o dito Marquez tivece acistido ou concorrido para o aten-
tado de que se trata, tanto assim que sendo elle prezo e inquirido pes-
soalmente pello Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello,
primeiro com grandes [fl. 96v] afagos e promessas de liberdade e depois
por ver que nada dizia porque nada na verdade sabia, passara a
ameassa-lo e o entregara ao tormento, no qual lhe derão tratos tam for-
tes que elle chegara dezesperado a dizer e a pedir que ou o matacem
ou lhe dicecem o que querião que elle confessasse, porque ainda que
fosse falso o queria depor e porque o syrurgião aceverou que se proce-
guião nos tratos nelles morria. Hum Dezembargador que ali se achava
o tinha mandado tirar do potro e não está elle testemunha certo se o
mesmo criado lhe dice mais que em outra ocazião lhe tornarão a repetir
os mesmos tratos e a rezão que teve para ouvir ao mencionado criado
o que tem deposto foi porque passando por Damão no tempo em que
servia de brigadeiro no estado da India encontrando ahi o dito criado
delle quizera saber a verdade do acontecimento que o tinha levado ao
degredo em que o encontrava. E mais não dice deste nem de todos os
mais, pello que lido seu juramento, achando estar escrito na verdade, o
assignou com o dito Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Pedro de Saldanha de Albuquerque

E tendo esta testemunha dado o seu depohimento [fl. 97] logo elle
dito Dezembargador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo
juramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não
revellar a materia de seu juramento, de que para constar ter-ce executado
o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão.
E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o
escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Pedro de Saldanha de Albuquerque

174
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Aos des dias do mez de Junho do anno de mil e settecentos e set-


tenta e oitto, dice na prezença do Dezembargador Joze Freire Falcão e
Mendonça, o Excelentissimo Marquez d’Alorna, que prezentemente não
tinha promptas mais testemunhas, mas que protestava produzir ainda
algũas que se achavão auzentes e todas as mais de que novamente tivece
noticia, de que fis este termo que assignou o dito Dezembargador. E eu
Henrique joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinatura)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça

Henrique Joze de Mendanha Benavides [fl. 97v] Cirne, Dezembar-


gador da Caza da Supplicação e Escrivão pello Real Decreto de sette de
Novembro de mil e settecentos e settenta e sette desta inquirição, certe-
fico que partecipando pessoalmente ao Dezembargador Procurador da
Coroa que a mesma inquirição na forma do termo acima escripto se fi-
nalizava e que na do Real Decreto a fechava e lacrava e hia entregar na
Secretaria de Estado dos Negocios do Reino. Me respondeu o mencio-
nado Ministro que nada tinha que requerer a semilhante respeito e so ao
da fiscalização a que era obrigado, protestava dizer a vista dos authos
quando lhe parecece justiça, de que para constar passei esta que assigno.
Lisboa, 11 de junho de 1778.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

No mesmo dia, mez e anno acima declarado, aprezentou o Exce-


lentissimo Marques de Alorna hũa attestação do Reverendo Francisco de
Negreiros Alfeirão, requerendo se lhe juntace a esta inquirição e na con-
formidade desta sua reprezentação se lhe junta que he a que ao diante
se segue. E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.

[fl. 98]
Francisco de Negreiros Alfeirão, formado em os Sagrados Canones
pela Universidade de Coimbra, Vigario Geral Juiz dos casamentos, rezi-
duus e dizimos, que fui em a cidade de Beja e Dezembargador da Rela-
çam Eclesiastica da cidade de Evora por provizoens do Excelentissimo
Reverendissimo Senhor Arcebispo D. Frei Miguel de Souza, que Deos
tenha em gloria.

175
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Atesto que estando eu na quinta do Lumiar do Illustrissimo Exce-


lentissimo Senhor Marques de Emjeja ahi falei e tratei com o Padre Frei
Jozé de Santa Catharina, religioso Carmellita Descalço, o qual por duas
vezes em particular me asseverou que acompanhando elle e mais outros
Padres o Sagrado Viático que se levava aos Fidalgos padecentes que mor-
rerão em o patibulo, vio que chegando o Padre que levava o Senhor a
cada hum dos ditos padecentes para lhe administrar a Sagrada Comu-
nham, todos e cada hum delles em voz bem percetivel attestou e afirmou
que por aquelle Senhor que estava para receber e a que brevemente ha-
vião hir dar conta da sua consciencia e vida. Nenhum delles tinha com-
corrido para o delicto dos tiros que se derão em o Senhor Rei Fidelissimo
D. Jozé defunto e que nem sabião nem imaginavão quem teria cometido
o tal delicto e que feita esta protestação logo receberão o Santissimo os
Execelentissimos Senhores Marquezes de Tavora, seos filhos e Conde de
Atoguia e esta mesma asseveração me repetio treceira vez o dito Padre
em a prezença do Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Marques de Em-
jeja e de outras pessoas de que me lembro mal.
Tambem me asseverou mais o dito Padre Frei Jozé de Santa Catha-
rina que o Excelentissimo Duque de Aveiro lhe dicera que quando o ob-
rigarão a confessar por meio de tromentos quem tinhão [fl. 98v] tinhão
sido os mais agreçores, elle falsamente nomeara os sobreditos senhores
padecentes com o fim de se livrar mais facilmente, porque como elles
erão tidos por huns Fidalgos de probidade e merecião grande conceito,
havião mostrar a sua innocencia e consequentemente a sua culpa se não
manifestaria. Porem, sentindo a sua consciencia gravada pelo falso testi-
munho que levantara se quis retratar mas nunca lhe consentirão. Tudo
isto que me asseverou o dito Padre eu tenho por certo e acredito por ser
religioso de boa reputação, virtude e idade madura e não decrepita.
Alem de tudo isto, sei de siencia certa que os sobreditos Fidalgos,
menos o Excelentissimo Duque de Aveiro, morrerão innocentes de hum
delicto que falsamente se lhes imputara. Assim o tenho por certa e verdade.
E por me ser pedida esta attestação e eu não poder escrever por cauza das
minhas molestias, roguei ao Reverendo Francisco Ignacio Barboza Coutto,
Vigario da vara e Juiz dos reziduus desta vossa de Montemor que a escre-
veu e comigo assignou. Montemor-o-novo, 28 de novembro de 1777.
(assinaturas)
Francisco de Negreiros Alfeirão e
Francisco Ignacio Barboza Coutto

176
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Reconhezo as letras dos signais asima postos no fim da testaçam


serem dos Reverendos Padres asignados por asignarem na minha pre-
zenza. Montemor-o-novo, vinte [fl. 99] vinte e nove de Novembro de mil
e setesentos setenta e sete annos. E eu João Chrizostomo Pereyra, Taba-
liam de notas, o escrevi.

Em testemunho de verdade
O Tabaliam
[Sinal do Tabelião]
(assinatura)
João Christomo (sic) Pereyra

[fl. 99v]
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sette-
centos e settenta e oitto annos. Aos dezoitto dias do mez de Julho nesta
cidade de Lisboa e Caza da Supplicação da mesma, ahi me foi entregue
pello Dezembargador Joze Freire Falcão e Mendonça hum avizo do Se-
cretario de Estado dos Negocios do Reino e esta inquirição para na forma
da ordem de sua Magestade, que no mesmo se partecipa, se proceguir na
inquirição das mais testemunhas que o Marquez d’Alorna quizer produzir.
E para assim se executar authuei aqui o mencionado avizo e he o que ao
diante se segue e que tem a data de onze de Julho do prezente anno. O
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.

[fl. 100]
Sendo prezente a sua Magestade que tendo o Marquez de Alorna
obtido a Real Graça de que se procedesse a inquirição de testemunhas,
de que Vossa Merce e o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Be-
navides como Escrivão della, tem sido encarregados, se havia entregado
nesta Secretaria de Estado a sobredita inquirição na intelligencia de que
o mesmo Marquez não teria mais testemunhas que produzir. He a mesma
Senhora servida que à vista das mais testemunhas que de novo tem ap-
parecido e o dito Marquez intenta que se inquiram. Que practicando
Vossa Merce a determinação do Decreto de 7 de Novembro do anno de
1777 na mesma inquirição incorporado, prosiga-o Vossa Merce a inquirir
todas as mais testemunhas que de novo lhe forem aprezentadas com o
mesmo Dezembargador nomeado Escrivão na forma do mencionado De-
creto athe de todo concluir a mesma inquirição.

177
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Deos guarde a Vossa Merce. Palacio de Queluz em 11 de Julho de


1778
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira26

[fl. 100 v]
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador da
Caza da Supplicação e Escrivão desta inquirição pello Real Decreto de
sette de Novembro de mil e settecentos e setenta e sette, certefico parte-
cipar ao Dezembargador Procurador da Coroa, se proceguia na inquirição
de mais testemunhas, do que para constar passo esta que assigno. Lisboa,
20 de Julho de 1778.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

[fl. 104]27
[73]28
(...) E eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João Bernardo de Vasconcellos

E tendo este testemunha deposto, logo elle mencionado Dezem-


bargador Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João Bernardo de Vasconcellos

26
No canto inferior esquerdo lê-se «Senhor Joze Freire Falcão e Mendonça».
27
Não constam os fls. 101, 101v, 102, 102v, 103 e 103v.
28
Por ausência dos fls. acima mencionados, não consta grande parte do depoimento número
73, pelo que só é possível ler o que aqui transcrevemos.

178
O PROCESSO DOS TÁVORAS

74
João Henriques da Motta e Mello, fidalgo da caza de sua Magestade,
natural do Bombarral, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que
pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade quarenta
annos, pouco mais ou menos. E do costume nada. E perguntado pello
trigessimo segundo artigo dos itens justificativos a que foi produzido dice
[fl. 104v] que era verdade e bem constante ter o Secretario de Estado
Thome Joaquim da Costa Corte Real hũa particular amizade com a caza
delle testemunha de forma que fora padrinho de sua filha e na passagem
que fazia para as Caldas, hia pernoutar a mesma caza delle testemunha.
E ainda que na primeira ocazião da sua passagem lhe ouvio algũas pala-
vras bastantes para formar conceitto da inocencia da famillia dos Tavoras.
Comtudo, nesta occazião se não declarou como depois em outra em que
lhe dice que o Secretario de Estado Sebastião Joze de Carvalho e Mello
tinha chegado ao trono pello sangue que tinha feito derramar aos ino-
centes Fidalgos. E replicando elle testemunha que aquillo seria assim,
mas que os tiros se tinhão dado em sua Magestade, lhe respondeu que
delles não tiverão a menor noticia nem ainda os que os dispararão sabião
a quem atiravão, o que tudo lhe declarou recomendando-lhe particular
segredo e que na materia da sentença que condemnou aos mesmos Fi-
dalgos lhe não declarou couza algũa. E, outrosim, dice mais que em certa
occazião, estando conversando elle testemunha com o Padre Frei Joze
de São Domingos, Vigario Geral que foi da Boa Hora, achando-ce tam-
bem [fl. 105] prezente hum leigo franciscano chamado Frei Antonio e
Joze de Lafetta, conversando todos no acontecimento dos ditos Fidalgos,
o leigo que era hum pouco livre nas suas praticas dice que a morte que
padeceu a Marqueza de Tavora fora justa ja que ella se tinha metido
sendo hũa mulher em semilhantes emboscadas ao que inflamado o dito
Padre Frei Joze de São Domingos em altas vozes e com as lagrimas nos
olhos lhe dice: “cale-ce irmão, não sabe o que dis, eu confessei sempre
a Marqueza desde que ella entrou nas grillas athe que sahio e no dia do
juizo se verá a culpa que ella tinha”. E mais não dice, pello que lido seu
juramento, achando estar escrito na verdade, o assignou com o dito De-
zembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João Henriques da Motta e Melo

179
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E tendo jurado esta testemunha, logo elle referido Dezembargador


Joze Freire Falcão e Mendonça lhe deferio segundo juramento dos Santos
Evangelhos, em que pondo a mão prometeu [fl. 105v] não revellar a ma-
teria de seu depohimento de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu
o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne o es-
crevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
João Henriques da Motta e Melo

75
Martinho Affonso Henriques de Mello, Fidalgo da caza de sua Ma-
gestade, natural do Bombarral, testemunha jurada aos Santos Evangelhos
em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade qua-
renta annos, pouco mais ou menos. E do costume nada. E perguntado
pello trigessimo segundo artigo dos itens justificativos a que foi produ-
zido dice que sem embargo da grande amizade e comunicassão que o
Secretario de Estado Thome Joaquim da Costa Corte Real tinha com a
caza delle testemunha, de forma que nas passagens para as Caldas per-
noutava na sua mesma caza e elle testemunha e seu irmão hião estar al-
guns dias com elle em sua caza nas mesmas Caldas, nunca lhe falara na
sentença que se tinha proferido contra os Fidalgos de que [fl. 106] se
trata nesta inquirição e so lhe ouvio algũas palavras de que formou con-
ceito que os ditos Fidalgos tinhão padecido inocentes. E em duas oca-
zioins se declarou mais dizendo-lhe em hũa que nem os que dispararão
os tiros sabião a quem atiravão, porque ignoravão que naquella carrua-
gem fosse sua Magestade, asseverando isto mais com a expressão se-
guinte repetida algũas vezes: “nisto não ha duvida algũa”. E em outra,
alargando-ce mais, dice que o Secretario de Estado Sebastião Joze de Car-
valho e Mello tinha chegado ao trono sobre o cadafalso dos Fidalgos, ao
que replicando elle testemunha, ser inegavel o atentado do ferimento de
sua Magestade, lhe respondeu o mesmo Secretario de Estado o seguinte:
“ainda mal que assim sucedeu, mas vosse que estava no Bombarral teve
tanta culpa como os fidalgos”, e mais se capacitou elle testemunha da
inocencia dos Tavoras, porque passados dous annos, pouco mais ou
menos, depois do insulto achando-ce no quarto delle testemunha o Padre
Frei Joze de São Domingos, Vigario geral que foi da Boa Hora, hum leigo

180
O PROCESSO DOS TÁVORAS

franciscano chamado Frei Antonio de Santa Thereza, Joze de Lafeta Ara-


nha e seu irmão delle testemunha João Henriques da Motta e Mello [fl.
106v] lamentando todos a infelis disgraça dos Fidalgos, especialmente a
da Marqueza pello seu sexo. O dito leigo, com grande liberdade, dice
que a morte da Marqueza tinha sido justa para que se não metece, sendo
hũa mulher em semelhantes emboscadas, ao que o dito Padre Frei Joze
de São Domingos com bastante ira e com as lagrimas nos olhos lhe dice
as palavras seguintes: “cale-ce irmão, não sabe o que dis. Eu confessei
sempre a Marqueza desde que ella entrou nas grillas athe que sahio. E
no dia do juizo se verá a culpa que ella tinha”. E nada mais dice, pello
que lido seu juramento, achando estar escritto na verdade, o assignou
com o mencionado Dezembargador. E eu Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Martinho Affonso Henriques de Melo

E tendo deposto esta testemunha, logo elle dito Dezembargador


Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento dos San-
tos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a materia
de seu juramento de que para constar ter-ce executado o Real Decreto,
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Martinho Affonso Henriques de Mello

[fl. 107]
76
O Dezembargador Euzebio Tavares de Sequeira, do Conselho de
sua Magestade, Deputado apozentado da Meza da Consciencia e Ordens
e professo na Ordem de Christo, testemunha jurada aos Santos Evange-
lhos em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, de idade
setenta e hum anno. E do costume nada. E perguntado pello vigecimo
artigo dos itens justificativos a que foi produzido dice que elle testemu-
nha ja depozera perante o Corregedor da Comarca de Coimbra aos itens
que lhe forão remetidos da Secretaria de Estado dos Negocios do Reino,
debaixo de hum avizo do Excelentissimo Visconde de Villa Nova da Cer-

181
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

veira e que se refere ao mesmo depohimento. E que ouvindo geralmente


dizer nesta Corte que o Conde d’Attouguia tinha morrido confesso da
culpa de que fora arguhido, contestara elle testemunha geralmente este
dito fundado em que conferindo com o mesmo Conde sobre o facto ne-
cessario para instruhir a sua defeza por ter sido em hum Decreto no-
meado para defender a todos os reos da mesma culpa. Elle lhe não
manifestara tal confissão, antes elle testemunha o concebera por negativo
[fl. 107v] e por tal o defendera e que com a mesma generalidade tem ou-
vido dizer prezentemente que a tal confissão fora posteriormente extor-
quida depois da conferencia para a defeza. E mais não dice deste nem
de todos os mais a que foi offerecido, pello que lido seu juramento,
achando estar escritto na verdade, o assignou com o ditto Dezembarga-
dor. E eu, Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador
da Caza da Supplicação, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Euzebio Tavares de Sequeira

E tendo jurado esta testemunha, logo elle mencionado Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu,
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
Euzebio Tavares de Sequeira

Aos trinta dias do mez de Julho do anno de [fl. 108] mil e settecen-
tos e setenta e oitto neste Convento de Nossa Senhora da Conceipção de
Carmelitas Descalsas dos Cardais, aonde veyo o Dezembargador Joze
Freire Falcão e Mendonça, nelle e na grade do mesmo, forão inquiridas
e perguntadas as testemunhas cujos nomes, cognomes, idades, costumes
e ditos ao diante serão escritos e especificados, deferindo-ce-lhe primeiro
a todas o juramento dos Santos Evangelhos, de que eu, o Dezembargador
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão da sua inquirição,
fis esta acentada e a escrevi.

182
O PROCESSO DOS TÁVORAS

77
A Madre Maria Antonia de São Joze, relligioza deste Convento dos
Cardais e actual Priora do mesmo, testemunha jurada aos Santos Evan-
gelhos, em que pondo a sua mão direita prometeu dizer a verdade, idade
que dice ter q[u]arenta e nove annos. E do costume nada. E perguntada
pello vigecimo quinto artigo dos itens justificativos a que foi produzida
dice que vindo a este Convento o Padre Frei Joze de Santa Catharina,
logo depois da execução dos Fidalgos de que se trata, dicera na prezença
della testemunha e de outras relligiozas, que elle tinha assistido ao acto
de se Sacramentar a Marqueza que foi de Tavora [fl. 108v] e que antes de
receber o Sacramento dicera que por aquelle Senhor que estava para re-
ceber, protestava morria inocente do dellicto que se lhe imputava. E que
tambem ao Padre Frei Manoel de São Boaventura, que tinha sido confes-
sor do Duque sido de Aveiro, ouvira dizer que elle tinha declarado ser
so o culpado e seus dous criados e que os mais reos, que na sua confissão
tinha culpado, estavão inocentes o que tinha declarado para dezonerar a
sua consciencia. E mais não dice, pello que lido seu juramento, achando
estar escritto na verdade, o assignou com o dito Dezembargador. E eu,
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Maria Antonia de S. Joze

E logo depois do juramento desta testemunha, lhe deferio o men-


cionado Dezembargador segundo dos Santos Evangelhos em que pondo
a mão prometeu não revellar a materia de seu depohimento, de que para
constar ter-ce executado o Real Decreto, que assim o determina, se fes
este termo que assignarão. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Maria Antonia de S. Joze
[fl. 109]
78
A Madre Thereza de São Joze, relligioza deste Convento dos Car-
dais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão
direita prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta e dous annos. E do
costume dice ser prima direita do Marques d’Alorna. E perguntada pello

183
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

vigecimo quinto artigo dos itens justificativos a que foi produzida, dice
que depois da morte dos Fidalgos de que se trata nesta inquirição, viera
a este Convento o Padre Frei Manoel de São Boaventura e que na pre-
zença della testemunha, particularmente, lhe dicera que elle tinha sido
confessor do reo Joze Mascarenhas, o qual lhe declarara, para descargo
de sua consciencia, que so elle e seus dous criados erão culpados no in-
sulto dos tiros que se tinhão dado e que os mesmos criados não sabião
a quem atiravão, porque so lhe tinha declarado era hum seu competidor
e que por temor dos tormentos e por ver se escapava da ultima pena,
tinha culpado aos mais Fidalgos como socios daquelle delicto, estando
todos, na verdade, inocentes. E que tendo acentado declarar isto mesmo
no patibollo lhe tinha sido intimada hũa ordem para não falar com a co-
minação de mordassa quando assim o não executace, pello que não tinha
feito a referida declaração [fl. 109v] e o dito Padre em outra occazião re-
petio o mesmo perante ella testemunha e de outras mais relligiozas. E
mais não dice, pello que lido seu depohimento o assignou com o dito
Dezembargador. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha
Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Thereza Maria de S. Jozé

E finalizado o depohimento desta testemunha, logo elle Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento
dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a
materia de seu juramento, de que para constar ter-ce executado o Real
Decreto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu,
o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o es-
crevi.

(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Thereza Maria de S. Jozé

79
A Madre Anna de Jezus Maria Joze, religioza deste Convento, teste-
munha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão direita
prometeu dizer a verdade, de idade secenta annos. E do costume nada.

184
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E perguntada pello vigecimo quinto artigo dos itens justificativos a que


foi produzida, dice [fl. 110] que somente sabia que poucos dias depois
de serem justissados os Fidalgos, viera a este Convento o Padre Frei Joze
de Santa Catharina e nelle lhe dicera que elle estivera prezente ao acto
em que se Sacramentou a Marqueza que foi de Tavora, e que esta dicera
ao Sacerdote que lhe ministrou o Sacramento suspendece a administração
do mesmo e logo protestara por aquelle Senhor que prezente estava e a
quem brevemente havia de dar contas, que ella merecia a morte pellos
seus peccados mas que pella culpa porque hia padecer morria inocente,
o que tambem o mencionado Padre lhe dice tinhão prezenciado outras
pessoas. E mais não dice. E lido seu juramento, achando estar escritto na
verdade, o assignou com o dito Dezembargador. E eu, Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Anna de Jezus Maria Joze

E tendo deposto esta testemunha, logo elle dito Dezembargador


lhe deferio segundo juramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a
mão prometeu não revelar a materia de seu depohimento de que para
constar ter-ce executado o Real Decreto, que assim o determina, se fes
este termo que assignarão. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
† Anna de Jezus Maria Jozê
[fl. 110v]
80
A Madre Anna de São Joze, religioza deste Convento dos Cardais,
testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a sua mão di-
reita prometeu dizer a verdade, de idade secenta e dous annos. E do
costume nada. E perguntada pello vigecimo quinto artigo dos itens jus-
tificativos a que foi produzida, dice que a ella testemunha em particullar
e a esta Comunidade em comum, dicera o Padre Frei Joze de Santa Cat-
harina que os Fidalgos Tavoras tinhão todos morrido inocentes e que
assim o protestara a Marqueza no acto em que tinha recebido o Santis-
simo Sacramento. E que ella testemunha ouvio tambem dizer que o
Padre Frei Manoel de São Boaventura, vindo a este Convento, nelle tinha

185
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

dito que elle não duvidava jurar que os Fidalgos Tavoras tinhão morrido
inocentes. E mais não dice, pello que lido seu juramento, achando que
estava escritto na forma que tinha deposto, o assignou com o dito De-
zembargador. E eu, Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o es-
crevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Anna de S. Jozé

E tendo esta testemunha dado seu depohimento, logo elle mencio-


nado Dezembargador Joze Freire Falcão e [fl. 111] Mendonça lhe deferio
segundo juramento dos Santos Evangelhos, em que pondo a mão pro-
meteu não revelar a materia de seu depohimento, de que para constar
ter-ce executado o Real Decreto, que assim o determina, se fes este termo
que assignarão. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Be-
navides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Anna de S. Joze

81
A Madre Bernarda Thereza de Jezus Maria Joze, religioza deste Con-
vento dos Cardais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que
pondo a mão prometeu dizer a verdade, de idade quarenta e hum anno.
E do costume nada. E perguntada pello vigecimo quinto artigo dos itens
justificativos a que foi produzida, dice que vindo muitas vezes a este Con-
vento o Padre Frei Manoel de São Boaventura, depois de justissados os
Fidalgos, nelle com grande sentimento proferira algũas expressoins indi-
cativas da inocencia dos mesmos Fidalgos, das quais, por terem passado
muitos annos, não tem a mayor lembrança. Porem, sempre lhe lembra
ter dito o mesmo Padre ou o Padre Frei Joze de Santa Catharina, que a
Marqueza [fl. 111v] que foi de Tavora antes de receber o Santissimo Sa-
cramento protestara pello mesmo Senhor a sua inocencia. E tambem lhe
lembra que o referido Padre Frei Manoel de São Boaventura pello que
tinha passado na assistencia que tinha feito ao Duque sido de Aveiro, co-
nhecera bem a inocencia dos mais fidalgos, porquanto a semilhante res-
peito dizia algũas vezes que no dia de juizo se havião de ver muitas
couzas. Pello que lido seu juramento, achando estar escrito na verdade,

186
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o assignou com o dito Dezembargador. E eu, Henrique Joze de Mendanha


Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† Bernarda Thereza de Jezus Maria Joze

E tendo esta testemunha dado o seu depohimento, logo pello dito


Ministro lhe foi deferido segundo juramento dos Santos Evangelhos, em
que pondo a mão prometeu não revelar a materia que tinha deposto e
para constar ter-ce executado o Real Decreto, que assim o determina, se
fes este termo que assignarão. E eu, o Dezembargador Henrique Joze de
Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† Bernarda Thereza de Jezus Maria Joze
[fl. 112]

82
A Madre Margarida Getrudes de São Joze, religioza deste Convento
dos Cardais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em que pondo a
mão prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta e oitto annos. E do cos-
tume costume nada. E perguntada pello vigecimo quinto artigo dos itens
justificativos a que foi produzida, dice que depois da morte dos fidalgos
viera ao locutorio deste Convento o Padre Frei Joze de Santa Catharina e
nelle dicera que tinha assistido ao acto em que se Sacramentara a Marqueza
de Tavora, a qual, antes de receber o Sacramento, dicera que ella morria
pellas suas culpas porque tinhão sido muitas, mas que emquanto a culpa
de que a arguhião morria inocente. E que tambem dicera outras mais couzas
de que ella testemunha se não lembra e so sim que todas envolvião a ino-
cencia da famillia dos Tavoras e que ao Padre Frei Manoel de São Boaven-
tura ouvira tambem dizer que o Duque tinha culpado aos mais fidalgos
para ver se escapava de mayor pena e que querendo declarar depois isto
mesmo lhe não permitirão. E mais não dice, pello que lido seu juramento,
[fl. 112v] achando estar escrito na verdade, o assignou com o dito Dezem-
bargador. E eu, Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Margarida Getrudes de S. Joze

187
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E tendo jurado esta testemunha, logo elle referido Ministro lhe de-
ferio segundo juramento que recebido prometeu não revellar a materia
de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real De-
creto, que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu, o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Falcão e Mendonça
† Margarida Getrudes de S. Joze

83
A Madre Thereza de Jezus Maria Joze, relligioza deste Convento dos
Cardais, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em que pondo a mão
direita prometeu dizer a verdade, de idade sinquenta annos. E do cos-
tume dice ser parenta por afinidade da famillia dos Tavoras. E perguntada
pello artigo decimo quinto dos itens justificativos a que foi produzida,
dice que vindo a esta comunidade [fl. 113] o Padre Frei Manoel de São
Boaventura poucos dias depois da morte dos Fidalgos, dicera a ella tes-
temunha e a outra religioza em particular, que o Duque a quem elle tinha
assistido declarara para descargo de sua consciencia que todos os Fidal-
gos que tinha culpado por socios no delicto se achavão inocentes e que
o temor dos tratos o movera a asocia-llos no mesmo delicto. E tambem
lhe parece que o mesmo Padre lhe dice que o dito Duque incluhira nas
suas confiçoins aos mais Fidalgos por entender que teria milhor livra-
mento. E isto mesmo que dice a ella testemunha, particularmente, o re-
petio depois a muitas religiozas desta mesma comunidade. E que tambem
ouvira dizer ao Padre Frei Joze de Santa Catharina que elle tinha assistido
ao acto de se Sacrementar a Marqueza que foi de Tavora e que esta antes
de receber o Santissimo Sacramento dicera que diante daquelle Senhor
que estava para receber e que brevemente a havia de julgar, declarava
que ella padecia a morte pellos seus peccados e não pella culpa que lhe
imputavão, porque nella se achava inocente. E mais não dice, pello que
lido seu [fl. 113v] juramento, achando estar escrito na verdade, o assignou
com o dito Dezembargador. E eu, Henrique Joze de Mendanha Benavides
Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Thereza de Jezus Maria Jozé

188
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E tendo deposto esta testemunha, logo elle mencionado Dezembar-


gador Joze Freire Falcão de Mendonça lhe deferio segundo juramento dos
Santos Evangelhos, em que pondo a mão prometeu não revellar a materia
de seu depohimento, de que para constar ter-ce executado o Real Decreto,
que assim o determina, se fes este termo que assignarão. E eu, o Dezem-
bargador Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, o escrevi.
(assinaturas)
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Thereza de Jezus Maria Jozé

Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador da


Caza da Supplicação e Escrivão nomeado por sua Magestade, que Deus
guarde, para esta inquirição, certefico dizer-me o Excelentissimo Marquez
d’Alorna que não produzia por emquanto mais testemunhas e que podia
eu proceder à execução do que se me tivece ordenado, do que para cons-
tar passo esta que assigno. Lisboa, 20 Setembro de 1778.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

[fl. 114]
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Dezembargador da
Caza da Supplicação e Escrivão nomeado para esta inquirição por sua
Magestade, que Deus guarde, certifico noticiar ao Dezembargador Pro-
curador da Coroa que nella se não produzião prezentemente mais teste-
munhas e que fechada e lacrada a hia na forma da ordem que tinha
entregar na Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, a que me res-
pondeu que de novo nada se lhe offerecia alem do protesto que ja me
tinha referido, de que para constar passo esta que assigno. Lisboa, 23 de
Setembro de 1778.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

[fl. 118]29
Sua Magestade manda remetter a Vossa Merce o Decreto da copia
incluza para o Marquez de Alorna produzir in perpetuam rei memoriam

29
Não constam os fls. 114v, 115, 115v, 116, 116v, 117 e 117v; No Canto superior direito lê-se
«1777».

189
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

as testemunhas que lhe parecer para o fim que nelle se declara. E he a


mesma Senhora servida que Vossa Merce o execute pela parte que lhe
tira inquirindo o Doutor Euzebio Tavares aos itens que serão em esta e
observando depois sobre este assumpto a formalidade que no mesmo
Decreto se prescreve como mesmo segredo nelle recommendado.
Deos guarde a Vossa Merce. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda,
em 19 de Dezembro de 1777.
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira30

[fl. 118v]
Cumpra-se o determinado neste avizo o qual com os mais docu-
mentos será entregue ao Doutor Juiz do Crime para o autuar e noticiar
ao Doutor Provedor da Comarca para ver jurar a testemunha o Dezem-
bargador Euzebio Tavares de Sequeira e a este para ir á Caza da Camera
depor aos itens apontados no dia 7 do seguinte Janeiro pellas 9 horas da
manham. Coimbra, 26 de Dezembro de 1777.
(assinatura)
Ignacio Joze da Motta de Carvalho

[fl. 119]31
Senhora
Diz o Marquez de Alorna que elle tem de produzir por testemunha
aos itens copiados no papel junto ao Dezembargador Euzebio Tavares,
assistente na cidade de Coimbra, para ser perguntado na conformidade
do Real Decreto de Vossa Magestade de 7 de Novembro do prezente
anno, preciza que com copia delle se ordene por avizo do Secretario de
Estado dos Negocios do Reyno ao Ministro a que toca segundo a provi-
dencia do mesmo do mesmo Real Decreto, haja de ahi inquirir a dita tes-
temunha. Imquirida, que seja remeter fechado o seu depoimento ao
Dezembargador Corregedor do Crime da Corte e Caza, a quem se acha
cometida a principal deligencia para que este em estando completa haja
de tudo entregar na dita Secretaria como lhe está ordenado.

30
No canto inferior esquerdo lê-se «Senhor Corregedor da Comarca de Coimbra».
31
No canto superior esquerdo lê-se «Passe do que constar não havendo inconveniente. Nossa
Senhora da Ajuda em 19 de Dezembro de 1777. [assinatura] Visconde».

190
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Para Vossa Magestade lhe faça merce manda-lo assim por seu Real
Avizo para se haver de observar o determinado no Real Decreto.
Espera receber merce

Nesta Secretaria de Estado dos Negocios do Reino no livro VIII dos


[fl. 119v] dos decretos a folha 253 se acha registado hum do theor se-
guinte:
Tendo consideração ao que me reprezentou o Marquez de Alorna,
por si, e como Procurador da Marqueza sua mulher e filhos, que sendo
notoriamente interessados na restituição da fama de Francisco de Assis
de Tavora, Leonor de Tavora, Luis Bernardo de Tavora, Jeronimo de
Ataide e José Maria de Tavora, pertendia acautelar para o futuro as provas
com que intentava justifica-los innocentes no processo e sentença profe-
rida em junta de doze de Janeiro de mil setecentos cincoenta e nove, em
que parteciparam da nota do horrorozo e execrando crime de Inconfi-
dencia. E não sendo da minha real intensão permitir que possa perecer
nem ainda arriscar-se a verdade em hum assumpto de tão grave ponde-
ração quando se proporcionam para o conhecimento della os meyos le-
gitimos da sua averiguação, hey por bem conceder licença ao referido
Marquez de Alorna para produzir ad perpetuam rei memoriam sobre a
innocencia e defeza dos sobreditos todas as testemunhas que aprezentar,
ainda que não sejam velhas, nem enfermas, para dellas se valer em qual-
quer tempo, e juizo, em que haja de conhecer-se da cauza de que per-
tende tratar. E para inquirir as ditas testemunhas na cidade de Lisboa e
cinco legoas ao redor della. Sou servida nomear para Juis o Doutor Jo-
seph Alberto Leitão, Corregedor do Crime da Corte e Caza e para Escrivão
o Doutor Henrique Jose de Mendanha Benavides, Dezembargador da
Caza da Supplicação. Na Comarca do Porto ao Corregedor do Crime da
Corte e Caza da Primeira Vara e para Escrivão o outro Corregedor do
Crime da Corte e Caza da Segunda Vara, os quaes tirarão as ditas teste-
munhas, sendo citados pelos mesmos Escrivaens para as verem jurar os
Procuradores da Coroa dos destrictos a que competirem não só como
tais mas tãobem como Fiscaes da Justiça. Nas outras provincias se pro-
cederá na mesma forma servindo de Juizes Enqueredores os Corregedo-
res das Comarcas e Escrivaens os Juizes de Fora Criminaes, onde os
houver, e não os havendo o[s] Juizes de Fora do Civel, fazendo os Prove-
dores das respectivas Comarcas nesta diligencia as vezes dos Promotores
da Justiça e de Fiscaes da Coroa, concedendo-lhes para tudo o referido

191
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a authoridade e jurisdicção que lhes for necessaria. Tirarão as ditas tes-


temunhas em segredo e lhes darão juramento para nunca revelarem a
materia dos seus depoimentos, os quais se conservarão no mais recondito
e impenetravel segredo de [fl. 120] de maneira que ficarão responsaveis
por elle não só as referidas testemunhas mas athe os sobreditos ministros.
E serão obrigados os mesmos Escrivaens a dirigirem à Secretaria de Es-
tado dos Negocios do Reino cerrados e lacrados os autos originaes das
sobreditas inquiriçoens logo que forem concluidas, e nella se conservarão
em secretissima cautella. E para que a dispozição deste meu Real Decreto
tenha todo o seu devido effeito, derogo para o mencionado fim somente
quaesquer leys, dispoziçoens ou estilos que hajam em contrario, como
se de tudo fizesse nelle especial e expressa menção. Villa Viçoza em sete
de Novembro de mil setecentos setenta e sete. Com a rubrica de sua Ma-
gestade.
E para que conste o referido onde convenha se passou a prezente.
Nossa Senhora da Ajuda em 19 de Dezembro de 1777.
(assinatura)
Clemente Izidoro Brandão

[fl. 121]32
O Dezembargador Euzebio Tavares, assistente em Coimbra hê
apontado por testemunha aos artigos 1º the 14º inclusive e ao artigo 29
e 31 dos itens que offereceo ao Dezembargador Joze Alberto Leitão o
Marques de Alorna, authorizado pelo Decreto de sua Magestade de 7 de
Novembro de 1777, e são como se segue:

1º – Item. Que sendo prezo Francisco de Assis de Tavora, Luis Ber-


nardo de Tavora marquezes que forão do dito titulo, Jeronimo de Athaide,
Conde que foi de Atouguia, e Joze Maria de Tavora forão logo tratados
como se já estivessem plena e absolutamente convencidos e condemna-
dos pello horrerozo delicto de Leza Magestade cometido contra a sagrada
pessoa do Senhor Rei D. Jozé, o 1º, em o sacrilego attentado da noute de
3 de Septembro de 1758.

2º – Item. Que dos ditos Francisco de Assis, Luis Bernardo e Jero-


nimo de Athaide, Joze Maria e assim mesmo a D. Leonor de Tavora, Mar-

32
Não consta o fl. 120v.

192
O PROCESSO DOS TÁVORAS

quesa que foi do dito titulo, se não deo lugar algum para que se podes-
sem defender do dito horrerozo crime, antes se procedeo contra elles
como se nenhũa defeza podesem ter ou alegar.

3º – Item. Que suposto fosse nomeado para Procurador dos referi-


dos suppostos reos o Dezembargador Euzebio Tavares, se lhe limitarão
as horas para alegar todas as diverças e distintas defezas delles, sendo
os reos onze em numero.

4º – Item. Que dessas mesmas horas que se lhe limitarão lhe forão
tomadas algumas pelo Ministro de Estado, de sorte que teve muito pou-
cas horas uteis para se informar dos reos e alegar por todos e cada hum
[fl. 121v] delles a destinta e separada defeza que podese ter.

5º – Item. Que essas horas que lhe tomou o Ministro de Estado das
que erão distinadas a preparar a defeza, as gastou em preparar ao dito
Dezembargador com limitaçoens e instruçoens que lhe pareceo dar-lhe.

6 – Item. Que estas limitaçoens e instruçoens se deregião mais a


procurar a condemnação dos suppostos reos e descubrimento de mayor
numero do que para lhe fazer huma boa e livre defeza.

7 – Item. Que sendo assim ao dito Dezembargador quer todo e to-


mado o tempo e limitadas as circunstancias para fazer o officio de Pro-
curador lhe foi impocivel o faze-lo como alias o podera bem fazer, nem
formalizar as defezas de cada hum dos suppostos reos com separação
de suas diferentes circunstancias.

8 – Item. Que alguns ou todos os ditos reos se offerecião a elle De-


zembargador a provar que naquella mesma noute de 3 de Septembro de
1758, às horas das onze, na hora antes e na hora depois, estiverão con-
tinuadamente em lugares distantes daquelles em que se cometeo o dilicto
sobre que offerecião e nomeavão testemunhas que lhe não forão per-
guntadas.

9 – Item. Que ao dito Dezembargador se não communicarão os aut-


tos para a defeza dos reos e se lhe deo só huma sorte de minuta para se
haver de regular por ella.

193
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

10 – Item. Se hê assim que antes delle Dezembargador ouvir os


reos [fl. 122] e perparar a defeza, vio a sentença escripta, ou a ouvio dic-
tar, e por mão e por boca de quem? E se não ficou, então, pozetivamente
entendendo e persuadido que elle fora nomeado só Procurador por
forma solemnidade ou formalidade do processo e não para se dar lugar
a qualquer defeza que os reos podessem ter?

11º – Item. Que ao reo Joze Mascaranhas foi insignuado antes ou


ao tempo dos tormentos que lhe podia ser favoravel e de proveito o
grande numero de pessoas que declarase serem com elle particepes no
ditto sacrilego attentado, ainda que fossem pessoas ou pessoa da mais
alta ordem. E a testemunha poderá talves declarar sendo perguntada
quem foi a pessoa que tal insignuação fes ao dito Joze Mascaranhas.

12º – Item. Que o dito Joze Mascaranhas foi levado a tratos horro-
rozos e ahi declarou estando no tromento que os reos de quem se trata
herão innocentes. Que não forão particepes no delicto. Que revogava
qualquer declaração que desso tivese feito pello horror do tormento ou
pella concideração delle ou na esperança de que declarando mayor nu-
mero de socios da primeira Nobreza poderia o seu delicto escapar o ul-
timo e mais rigorozo castigo.

13º – Item. Que a dita declaração e retractação chegou a ser escripta


e depois foi rasgada e desprezada por dizer hum dos Juizes que della se
não devia fazer cazo. E as testemunhas que a este item jurarem poderão
dizer perguntadas quem foi que escreveo essa retractação e quem foi o
Juis ou Ministro que dice era inútil e a rasgou e quem era prezente.
[fl. 122v]
14 – Item. Que o dito Joze Mascaranhas desde então the o ultimo
instante assim continuou ao declarar, e declarou, e protestou diante do
mesmo Deos Sacramentado quando o houve de receber por Viatico.

29 – Item. Que se algum houve que afirmase ou d[e]clarase a mu-


dança dos cavalos, suppondo essa pessoa ser Bras Joze Romeiro se na
duvida essa declaração lhe foi extorquida e violentada com tratos e tor-
mentos horrorozissimos, fazendo-lhe pela violencia delles dizer o que se
quis que elle dicesse. Mas depois contradice e protestou a violencia a
violencia e a falcidade do dito facto.

194
O PROCESSO DOS TÁVORAS

31 – Item. Que todos estes suppostos reos protestarão athe a ultima


hora a sua innocencia pedindo e rogando aos confeçores que lhe assis-
tirão, que assim o dicessem e declarassem por ser essa a verdade a que
não faltarião nas circunstancias em que estavão de hirem em poucas
horas ou minutos aparecer diante do Eterno Juiz que os havia julgar de
outra sorte. E antes assim mesmo tinhão protestado a sua innocencia na
forma mais solemne quando houverão de receber o Santissimo por via-
tico.

E o ditto Dezembargador sabendo alguma couza mais tocante do


que se praticou e obcervou a respeito destes reos o declare na generali-
dade dos ditos artigos e seus objecto[s].

[fl. 124]33
Depoimento ad perpetuam rei memoriam do Dezembargador Eu-
zebio Tavares de Sequeira, Deputado da Meza da Conciencia.

Anno do nascimento de Noço Senhor Jezuz Christo de mil setesen-


tos e setenta e sete aos vinte e oito dias do mes de Dezembro do dito
ano, nesta cidade de Coimbra em minhas pouzadas ahi por parte do Dou-
tor Ignacio Joze de Motta de Carvalho, Corregedor desta Comarca, me
foi dado o avizo da Secretaria de Estado dos Negocios do Reyno asinado
pelo Illustrissimo e Excelentissimo Visconde de Vila Nova de Serveira
com os mais documentos a que elles se refere, os quais aseitei e autuei
e sam os que ao diante se segue. E eu Antonio da Costa de Vasconcellos
de Souza Arnaut, Juis do Crime nesta cidade e Escrivam nomeado para
esta deligencia, o escrevi.

Certidam da notocia
Antonio da Costa de Vasconcellos de Souza Arnaut, profeço na
Ordem de Christo e Juis de Fora do Crime nesta cidade, faço certo
em como noticiei ao Doutor Constantino Barreto de Souza, Provedor
desta Comarca Fiscal da Croa para ver jurar a testemunha o Dezem-
bargador Euzebio [fl. 124v] Tavares de Sequeira e este para ir à caza
da Camara desta cidade dar o seu depoimento aos itens juntos com
o avizo asima declarado em que daqui pasei a prezente que asinei

33
Não constam os fls. 113 e 113v; No canto superior direito lê-se « 1, Arnaut».

195
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

em Coimbra, Vinte e nove de Dezembro de mil e setesentos e setenta


e sete.
(assinatura)
Antonio da Costa de Vasconcellos de Souza Arnaut

Advertencia(?)
Aos sete dias do mes de Janeiro de mil e setesentos e setenta e oito
nesta cidade de Coimbra, em caza da Camara dela, aonde veio o [Do]utor
Ignacio Joze de Motta de Carvalho, Corregedor desta Comarca com An-
tonio da Costa de Vasconcellos de Souza Arnaut, Juis do Crime desta
mesma cidade, ahi sendo prezente o Dezembargador Euzebio Tavares
de Sequeira, Deputado da Meza da Conciencia e Ordens, para efeito de
ser preguntado como testemunha aos itens que vieram remetidos da Se-
cretaria de Estado dos Negocios do Reyno, cujo depoimento he [fl. 125]34
he o que se segue:
O Dezembargador Euzebio Tavares de Sequeira, Deputado da Meza
da Conciencia e Ordens, testemunha preguntada pelo o Doutor Correge-
dor que lhe deferio o juramento dos Santos Evangelios em que pos sua
mam direita e prometeu dizer verdade. E de idade dice ter setenta anos.
E ao costume nada.
E sendo preguntado ao primeiro item, dice que sabia que as pesoas
no item declaradas foram prezas por ordem de sua Magestade e que ele
testemunha prendera algumas delas e que se foram bastante(?) mal tra-
tadas, quantos a que fica ao trato [...] ele testemunha o não sabe e pelo
o que toca ao mais que respeita ao modo como foram procesadas, o de-
clararão aos mais itens a que vai depondo na parte que pasou por elle
testemunha como hu defençor. E mais não dice deste.
E preguntado ao segundo, dice que ele [fl. 125v]35 testemunha foi
nomeado hum Decreto que a de andar(?) junto dos autos da culpa dos
reos conteudos no item que [...] a outros(?) mais reos [...] de vinte e quatro
dias dos quais(?) [...] do tempo porque foi mandado pelo Excelentissimo
Sebastiam Joze de Carvalho e Mello, Ministro de Estado, naquele tempo
conferio com todos sobre [...] culpas do que eram [...] gastou(?) [...] do
tempo nesas(?) comfiçoins [...] as once horas(?) da noutte ate principio
da[s] outo da manhã. E mais não dice deste.

34
No canto superior direito lê-se «2 Arnaut».
35
Fl. bastante danificado devido à tinta ferrogálica que corrói o suporte.

196
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E preguntado pelo o que continha(?) o(?) terceiro(?), dice que como


tinha dito asima e termo que no Decreto(?) [...] quaes como já dice, gastou
[...] oito da manhã athe as once da noute na sobredita conferemcia e le-
vando comcigo as minutas das imformaçoens que os reos lhe [fl. 126]36
que os reos lhe deram sobre o fato da sua defeza, delas uzou distinta e
separadamente no papel da mesma defeza acomodando-as as rezolu-
çoens de direito que lhe lembraram e de que se pode aproveitar naquele
augusto tempo. E mais não dice deste.
E preguntado ao quarto, dice que tendo comcluido a comferencia
com todos os reos de cada hum dos quaes se lhe deram minutas que vi-
nham das Secretaria de Estado e se entregavam a ele testemunha no en-
greço de cada carcere pelo Dezembargador Joze Antonio de Oliveira
Machado, foi a caza do Ministro de Estado dar conta da comcluzam das
ditas comferencias e querendo este fallar-lhe huma longa degreçam(?)
sobre o que tinha havido a respeito dos referidos reos, lha quizera ele
testemunha atalhar dizendo-lhe lhe não tomaçe o tempo pois bem sabia
a delicada deligencia para que fora destinado no Decreto de sua comiçam
a que o dito Ministro de Estado respondera que se asentaçe que lhe não
havia de [fl. 126v]37 faltar tempo, e que não foce como [...] que todo o
tempo lhe parecesse pouco para escreverem a favor de seus constituintes
pelo o que elle testemunha se vio percizado(?) a sentença com bastante
repugnancia sua e antam o dito Ministro de Estado, por hum seu criado
[...] Joze, [...] foi continuando a sua [...] athe que emfim, vindo junto(?)
vio(?) o(?) dito Joze [...] fazer huma fala(?) [...] do dito Ministro de Estado
em ter(?) jurado(?) a tempo dela testemunha que antam porque a dilatara
[...] da Marqueza de Tavora [...] para a quinta do meio [...] no dito sitio e
antam lhe preguntou ele testemunha se ela Marqueza entrara tambem
naquelas comferencias(?). E o dito Ministro lhe respondera era a principal
figura [...]. E ele testemunha lhe tornara a dicer não ouvira falar nada na
praziam [sic] que mais reos foram metidos a sumario. E o dito Ministro
lhe tornara a responder seria porque ele testemunha entrara mais tarde,
sendo(?) que ele testemunha fora dos primeiros que chegou ao Paço na-
quela ocaziam e esperara mais de tres [fl. 127]38 mais de tres quartos de
ora antes que algum dos(?) Juizes [...] que não viera a saber o como

36
No canto superior direito lê-se «3 Arnaut».
37
Fl. bastante danificado pelas razões acima mencionadas.
38
No canto superior direito lê-se «4 Arnaut».

197
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

aquilo se dispozera a respeito da dita Marqueza, pelo o que ele testemu-


nha se fora para o dito sitio da quinta do meio em companhia do De-
zembargador Joze Antonio de Oliveira Machado que o acompanhara, por
estar fora esperando. E mais não dice deste.
E preguntado pelo quinto, dice que já no artigo asima tinha decla-
rado o munto tempo que o Ministro de Estado lhe tinha feito gastar em
lhe contar os paços antecedentes daquela tragedia. Que ele testemunha
antes quizera aproveitar em trabalhar na defeza dos reos de que estava
emcarregado. E mais não dice deste.
E perguntado ao sexto item, dice que não podia afirmar debaixo
de juramento qual foce a ideia do Menistro de Estado na demora que lhe
causou com aquela espera, mas que conciderado(?) tinha mandar(?) do
munto tempo em que a Marqueza podece ter chegado àquele sitio sem
que por ela demorace. Ele testemunha como [fl. 127v]39 como [...] do dito
Ministro não era munto favoravel aos reos porque naquela mesma oca-
ziam, estando o dito Ministro horrorizando a ele testemunha, asente(?)
de que cumpre(?) a pratica a respeito dos reos, dice a ele testemunha
que indo a prezença de sua Magestade expor-lhe a grande pressa(?) que
se havia descoberto contra estes reos, lhe respondera o mesmo Senhor
que aquilo que ele lhe expunha eram(?) meras prezunçoens e que se [o]
Ministro se reforçara com(?) dizer-lhe que não eram meras prezun-
çoens(?) mas provas(?) seguidas(?) e porque o delito era munto previle-
giado e que para porem dele se admitiam provas menos qualificadas e
que em outra ocaziam dignos dos reos foram(?) justiçados, indo ele tes-
temunha chama-lo [...] do dito Ministro as tendo [...] com ele, lhe dicera
com semblante severo [...] munto cuidado(?) [com] aquela mulher. E pre-
guntando-lhe ele testemunha que mulher, lhe dicera o dito Ministro que
era a Marqueza de Tavora, porque di [sic] [fl. 128]40 porque havia feito no
papel da defeza dipois de acabado hum pro(?) data au assentamento, e
que tambem tinha alegado a favor da mesma Marqueza a doutrina de
hum autor, que no levantamento da moda das comunidades sucedido em
campanha, fora escuza da pena ultima huma mulher cazada que fora
comsocio com seu marido, que pela mesma culpa padecera a pena ul-
tima, dizendo-lhe mais que aquela doutrina estava munto bem aplicada,
mas que lhe faltára a sirconstancia que antam aproveitara a outra mulher,

39
Fl. bastante danificado pelas razões acima mencionadas.
40
No canto superior direito lê-se «5 Arnaut».

198
O PROCESSO DOS TÁVORAS

porque esta fora sobordinada pelo marido, mas que a Marqueza tanto o
não fora, que antes ela sobornara não só ao marido, mas tambem a toda
a parentela, porque entre eles era oraculo e antam lhe respondera ele
testemunha que os defençores alegaram aquilo que lhes parecia sufra-
gava aos reos que defendiam e que aos Juizes he que tocava a obrigação
de fazer escolha daquilo que lhes parecece asestido de rezam e justiça,
e que destas e de outras mais pasagens [fl. 128v]41 pasagens [...] com que
o dito Ministro [...] dice naquele particular, por cujo modo [...] não ficar
em sua caza como ele queria, para nela fazer aquela defeza. E mais não
dice deste.
E preguntado ao setimo, dice que se ele testemunha tivesse mais
tempo, mais poderia dizer do que dice a favor dos reos, mas que quanto
ao facto de que eles o instruiram, ele testemunha minutou distantemente
a respeito de cada hum lhe não faltou com a deduçam e que de direito
tambem dice quanto lhe pareceu bastante e com a mesma distinçam a
respeito de cada hum deles. E mais não dice deste.
E preguntado pelo outavo item, dice que do facto respetivo a cada
hum dos reos em que estes o instruiram fes ele testemunha a deduçam
competente por artigo sem que intenda e que por esta falta foram ja dis-
tituidas de defeza, mas que quanto e a que respeitando Francisco de Asis,
Marques que foi de Tavora, insistindo este em que naquela noute e na
ora pouco mais ou menos comfrontada na culpa tinha estado em caza
do Excelentissimo Sebastiam Joze de Carvalho e que dela saira para sua
caza. Dice ele testemunha ao dito [fl. 129]42 ao dito reo, que naquele par-
ticular falava verdade. Tanto asim, que nesa mesma noute tinha ele tes-
temunha estado na mesma caza com o Muncinhor Aguilhar e que
pasando ele dito Francisco de Asis para fora, falara a ele testemunha
agradecendo-lhe haver sentenciado huma sua cauza a seu favor, mas que
iso não era coartada legitima porque era pouca a distancia que mediava
do sitio da sua caza ao sitio onde se lhe arguia que ele se fora postar a
espera de sua Magestade, mas que sem embargo diço lhe deduzira este
facto em hum artigo. E mais não dice deste.
E perguntado pelo nono item, dice que era verdade que a ele tes-
temunha se não facilitaram os autos da culpa destes reos, porque indo
ele testemunha a caza do Ministro de Estado segunda ves depois que

41
Fl. bastante danificado pelas razões acima mencionadas.
42
No canto superior direito lê-se «6 Arnaut».

199
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

acabou de comferir com D. Leonor, Marqueza que foi de Tavora, tornou


a insistir como da primeira na brevidade da sua retirada por ser já àquele
tempo mais de meia noute, e a isto lhe respondeu o dito Ministro para
onde queria ir e ele testemunha lhe dice que para sua caza, ao que o
dito Ministro de Estado lhe respondeu que antam não daria conta de si
por ser a distancia grande. E ele testemunha lhe dice que Deus o havia
ajudar para dar conta de si. E querendo o dito Ministro persuadi-lo [fl.
129v] persuadi-lo a que ficace em sua caza, porque nela teria livros e
tudo o mais conducente ao seu sosego de animo, ele testemunha lhe re-
zestio inteiramente pretextando sempre com a perturbaçam de animo,
sendo que ele testemunha tinha muntos motivos para se persuadir que
aquela pertençam poderia ser dirigida a sugerir-lhe o que parecese ao
dito Ministro em detrimento dos reos, pois chamando-o para ir a Azeitam
prender a Duqueza de Aveiro e suas filhas, e preguntada nesta acçam,
lhe dicera ele testemunha que não era munto propria a eleiçam dele tes-
temunha para aquela deligencia, porquanto se não tratava com o Duque
de Aveiro a quem fazia as obsequias devidas ao prezidente do Tribunal
da Justiça como era o dito Duque e este lhe não aseitava. Tanto asim que
buscando o dito Duque a todos os Ministros da Meza de Agravos e
falar-lhe em huso que havia interposto do Corregedor do Civel da Corte
em huma couza que lhe movia o Conde de Unham, deichara de buscar
a ele testemunha. E que sucedendo ser ele testemunha Relator do dito
agravo e sentemciando-ce contra o mesmo Duque, buscou para os em-
bargos com que veio aos Comjuizes, mas nem ainda entam falara nesa
dependencia a ele testemunha e que isto indicava pejo que nele tinha. E
que sendo ele testemunha asim de alguma forma [fl. 130]43 forma suspeito
ao Duque, o era a sua mulher e que eles nao poderiam alegar este pejo
por estarem prezos e em carceres secretos, pelo que pedio, ele testemu-
nha, ao dito Ministro de Estado pozece na prezença de sua Magestade
aqueles motivos que o constituiam em grande escrupulo. E que se o
mesmo Senhor detreminace que sem embargo diço foce à deligencia,
prontamente o faria. E antam o dito Ministro de Estado sem que foce par-
ticipar a sua Magestade aquela ponderaçam, rezolveu logo por si o em-
baraço dizendo a ele testemunha que nada do que expunha impedia a
deligencia para que fora destinado, porque o que se queria era que tirace
peiche e que tirando-o o mesmo Senhor dispençaria tudo quanto ele tes-

43
No canto superior direito lê-se «7 Arnaut».

200
O PROCESSO DOS TÁVORAS

temunha quizece dando-lhe, asim, bem a intender que o dezejo era de


que a Duqueza viece culpada em termos que foce para o patibulo e que
ele testemunha mais comfirmou com huma instruçam que lhe deu para
as preguntas da mesma Marqueza, digo, Duqueza, por ele asinado em
que o mandava sugirir com medos para que dicece o que ele queria, a
qual instruçam, ou para milhor dizer, sugestam, ele testemunha comserva,
mas porque a ele testemunha nenhuma impreçam fes o dezejo que co-
nheceu no dito Ministro de Estado para se esquecer da [fl. 130v] da ob-
rigaçam de catolico, fes as preguntas à Duqueza e as escreveu ele
testemunha por asim se lhe ordenar, dizendo-ce-lhe que ele havia pre-
guntar e escrever. E vindo com a dita Duqueza e filhas para o lugar que
se lhe destinou se foi dipois falar ao dito Ministro de Estado e lendo-lhe
os autos das ditas preguntas, e lendo-as ele, se imflamou munto contra
ele testemunha dizendo-lhe que ele nelas escrevera huma mentira qual
era o responder a Duqueza que seu marido não era culpado nos tiros
dados a sua Magestade, porque estes os deram huns tres cavaleiros que
tinham vindo do Campo Grande, porque por aquele mesmo modo qui-
seram tambem enganar ao dito Ministro de Estado fazendo huma carta
que se lançara em parte por onde sua Magestade havia de paçar, a qual
continha a mesma escuza. E que examinando-a o dito Ministro, achara
ser mentiroza e que asim viera ele testemunha a escrever nas preguntas
huma mentira, ao que ele testemunha se vira percizado a responder que
ele não sabia o que neste particular havia pasado o dito Ministro, mas
que ainda que o soubece sempre devia escrever o que a r preguntada
respondera, pois não devia faltar a boa fé deichando de escrever o que
ela respondia. O que ouvindo o dito Ministro, ainda mais se imflamara
[fl. 131]44 inflamara com ele testemunha, dizendo-lhe que não havia di-
reito que tal ordenace. O que ele testemunha lhe contestara animando-ce
a dizer-lhe que aquela rezuluçam era comum entre todos os Doutores
Criminalistas, pelo que o dito Ministro se sosegara ainda que com bas-
tante repugnancia sua e que isto sucedera em a ocaziam que o dito Mi-
nistro estava em hum gabinete proximo à caza da livraria do Paço, aonde
entam lhe falara a tempo que estava asinando as cartas circulares que se
expediram para os bispos nas suas Sés mandarem cantar Té Deum Lau-
damus em acçam de graças pelas milhoras das feridas dos tiros que sua
Magestade recebeu. E que estes e outros mais motivos constituiam a ele

44
No canto superior direito lê-se «8 Arnaut».

201
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

testemunha no conceito de que o dito Ministro se preocupava naqueles


procedimentos de munta paicham contra os reos. E mais nao dice deste.
E preguntado ao decimo item, dice que sendo-lhe necessarios os
autos da culpa dos reos de quem fora nomeado defençor, se lhe dicera
que estes não sahiam da Sacretaria e com isto abonava a teimoza insis-
tencia com que ele testemunha tinha repugnado a ficar em caza do dito
Ministro para nela fazer [fl. 131v] fazer a defeza. Não proceguio em as
tornar a pedir, mas se valeu das minutas de cada hum dos reos que se
deram a ele testemunha pelo Dezembargador Joze Antonio de Oliveira
Machado, Escrivam da mesma culpa, que o acompanhou aos carceres
dando-lhe no ingreço de cada carcere a minuta da culpa por que cada
reo era arguido, aos quaes lhe vinham da Sacretaria. E ele testemunha
por elas dirigia as comferencias e escrevia o que ouvia aos reos a respeito
do facto e por iço no papel da sua defeza se referia sempre às ditas mi-
nutas as quaes não juntou com o mesmo papel da defeza por dois moti-
vos. Hum por conciderar que os Juizes não dependiam delas porque lhe
haviam ser prezentes os autos principaes de que as mesmas se devia
sopor que foram extrahidos com verdade. Outro porque dezejava
guarda-las para poder mostrar a todo o tempo que se deregira por elas,
ainda que eram imformes porque não vinham asinadas por pesoa al-
guma, nem continham mais do que huma abreviada expoziçam do que
se arguia a cada reo. Mas que não pudera [fl. 132]45 mas que não pudera
cismar nelas munto tempo em seu poder porque por estes dois ou tres
dias depois que os reos foram justiçados. Mandou o Dezembargador Joze
Antonio de Oliveira Machado huma carta a ele testemunha por hum sol-
dado, lacrada, na qual lhe pedia que logo lhe remetece as ditas minutas
que lhe havia entregue no imgreço dos carceres, porque eram necessarias
para se imprimir tudo para dar huma satisfaçam à zurapa, e ele testemu-
nha lhas emviou. E que na acçam de falar ele testemunha ao dito Ministro
de Estado a despedir-ce vio que este estava em outra caza emediata a
em que falou a ele testemunha, ditando a sentença dos reos que se ia
defender e a escrevia o Dezembargador Ignacio Ferreira Souto. E reparou
ele testemunha em que ditou a sentença o dito Ministro e não o Juis da
Imcomfidencia de quem era propria aquela acçam, como tambem o es-
creve-la. E que isto se fizece antes de vista [fl. 132v] vista a defeza que
ele testemunha ainda havia [de] fazer. E que tudo o animou mais o teimar

45
No canto superior direito lê-se «9 Arnaut».

202
O PROCESSO DOS TÁVORAS

em não ficar em caza do dito Ministro, por evitar asim alguma sugestam
que ahi quizeçe fazer-lhe. E mais não dice deste.
E preguntado ao undecimo, dice que na ocaziam em que foi se-
gunda ves à quinta do meio a comferir com D. Leonor de Távora esteve
com o Dezembargador [Joze Antonio] de Oliveira Machado, que o acom-
panhou para testeficar o sumario a que estava mandado meter pela Junta
da Imcomfidencia, lhe dicera este que Joze Mascarenhas, Duque que foi
de Aveiro, não chegara a levar tratos porque posto que a principio esti-
vece negativo, sendo levado ao sitio do trato pedira o levacem outra ves
ao lugar das preguntas que tinha que dizer a escapar aos tratos. E que
antam depozera já sem negaçam e que o mesmo ouvio ele testemunha
dizer ao mesmo Duque e que antam declarara serem comprehendidas
naquele delito as mais pesoas que eram [fl. 133]46 eram a Nobreza e os
Padres jezuitas, mas que conciderando que lhe levantara testemunho, os
levava a todos atrevaçados na garganta, fazendo com a mam memçam
na sua mesma garganta, a que repetidas vezes lhe dicera mostrando
grande a[r]rependimento de asim o haver declarado. Ao que ele testemu-
nha lhe respondera que aquilo lhe não pertencia a ele testemunha por-
que era so destinado para o temporal da sua defeza, mas que competia
ao seu comfeçor em quem poderia falar naquela materia e que com ele
Duque estava vivo ainda podia pedir ao seu Juis que o admitiçe a erronea
comfiçam que havia feito a respeito daqueles treceiros a quem dezia ter
levantado testemunho. E que antam lhe dicera o dito Joze Mascarenhas
que ja havia requerido o admitiçem a retratar-ce e que, com efeito, fora
o dito Ministro de Estado com o Dezembargador Joze Antonio Joze An-
tonio de Oliveira Machado à caza onde se faziam as preguntas e fora
tambem levado a ela o dito Joze Mascarenhas e se entrara a escrever pelo
dito Dezembargador Joze Antonio de Oliveira a sua retractacam dictando
o dito Ministro de Estado, mas que dipois de estar escrita huma [fl. 133v]
huma grande parte dela, entrara pela caza dentro o Dezembargador
Pedro Gonçalves Cordeiro e vendo aquela acçam preguntara que era
aquilo. E que sendo-lhe dito que era a retractaçam das comfiçoens que
o dito Joze Mascaranhas havia feito contra os ditos treceiros, respondera
o dito Juis da Imcomfidencia que a comfiçam espontanea que o dito Joze
Mascaranhas tinha feito se não podia retractar senão no tormento e que
a não admitia e que com isto se suspendera a acçam e eles se retiraram

46
No canto superior direito lê-se «10 Arnaut».

203
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

sem que a dita retractaçam se comcluice. O que ouvindo ele testemunha


ao dito Joze Mascaranhas lhe dice que tinha feito quanto estava da sua
parte a favor daqueles a quem tinha levantado o testemunho e que dicece
tudo a seu comfeçor. E antam o mesmo Joze Mascaranhas pedio a ele
testemunha que rogace lhe mandace para o comfeçor o comfeçor [sic]
de sua Magestade. E ele testemunha lhe prometeu de o pedir asim como
pedio ao Ministro de Estado, mas que dipois soube que se lhe não man-
dara mas sim hum Padre Carmelita Descalço. E mais não [fl. 134]47 não
dice deste.
E perguntado ao duodecimo, dicera ja por ter deposto ao item an-
tecedente a que a este podia dizer. E mais não dice, nem do decimo ter-
ceiro pela mesma cauza.
E perguntado ao decimo quarto, dice que no largo tempo que teve
de comferencia com o dito Joze Mascaranhas que durou mais de dous
oras, repetidas vezes o ouvio exclamar pelo ar[r]ependimento que tinha
de haver nas suas preguntas culpado a Nobreza e Padres jezuitas, cujo
arependimento mostrou athe o fim da dita comferencia. E ele testemunha
o acreditava por ver que ele insistia em querer remediar o dano que tinha
cauzado aos ditos treceiros sem tratar de se exonerar a si proprio. E mais
não dice deste.
E preguntado pelo vigecimo nono, dice que no tempo em que com-
ferio com o reo Bras Joze Romeiro o achou com insistencia na negaçam
do que se lhe imputava, posto que com o rigor dos tratos se vira obrigado
comfeçá-lo e por iço lhe [fl. 134v] lhe aplicou na defeza a doutrina dos
doutores que reprova a comfiçam do delito feita pelo reo metido a tro-
mento. E mais não dice deste.
E preguntado finalmente pela generalidade a que respeita o ultimo
item, dice que tinha declarado aos mais itens o que alcançara nas acçoens
que prezenciou a este respeito e que era sem duvida que o Ministro de
Estado fes todo o esforço por persuadir os Juizes a comvirem em que os
reos não focem ouvidos com defeza alguma, querendo emcabeçar o de-
lito em culpa notoria e por esta cauza negar-lhe a defeza, mas porque
eles não asentiram a deicharam de ser ouvidos. Antam o dito Ministro
tirou do ceio o Decreto que dava comiçam a ele testemunha para os de-
fender, e nese actto lho aprezentou e fes jurar no mesmo Decreto de
guardar inviolavel segredo em tudo o que alcançace por ocaziam daquela

47
No canto superior direito lê-se «11 Arnaut».

204
O PROCESSO DOS TÁVORAS

acçam. E por este motivo, no mesmo papel da defeza, fes por mostrar
que o delito não era notorio porque fora comitido de noute e que não
sam estes os delitos a que o direito e Doutores chamam [fl. 135]48 notórias
como dis no referido papel ao qual em tudo se reporta. E dice mais ele
testemunha que posto neste depoimento diga que o Decreto da sua co-
miçam para defeza dos reos lhe prescrevia vinte quatro oras. Comtudo,
não tem cabal lembrança de que o dito Decreto asim o mandace, mas
que era para ele testemunha de comtrovercia certa, que na acçam em
que fora chamado para se lhe dar a dita comiçam depois de se ter no-
meado na Junta da Incomfidencia que os reos tivecem defeza, lhe orde-
nou o dito Ministro de Estado que viece na manha do dia emediato para
ir aos carceres comferir com os reos. O Dezembargador Joze Antonio de
Oliveira Machado fazia a primeira acçam notificando aos reos o sumario
a que estavam mandados meter e a obrigaçam de dizerem por ele teste-
munha a sua defeza de feito e direito no dito termo das vinte quatro oras
e que para esta defeza se não deram a ele testemunha os autos da culpa,
mas humas minutas munto socintas sem serem asinadas por pesoa al-
guma que, [fl. 135v] prefuntoriamente, declaravam a que porque cada
hum era arguido. E que a respeito de alguns dos ditos reos nem ainda
esta tal minuta se lhe dera, como fora a respeito da Marqueza de Tavora,
dizendo-lhe o Ministro de Estado que a sua culpa seria pouco mais ou
menos que a do Marques seu marido. E que comferindo-a, ele testemu-
nha, por ela, estivera sempre a dita Marqueza estivera sempre [sic] nega-
tiva, dizendo era mentira o que se lhe imputava e que tudo era
perciguiçam à Nobreza. E que com isto, se retirara ele testemunha indo
fazer o papel da defeza de todas e indo a entrega-lo no outro dia às duas
oras, como se lhe tinha ordenado. Viera o dito Ministro de Estado
falar-lhe em companhia do Dezembargador Pedro Gonssalves Cordeiro
e entrando a ler o papel, depois de acabar, preguntara ao dito Dezem-
bargador se ele testemunha tinha obrigaçam de asistir à sentença e este
respondera que se o não quizece fazer não era obrigado, de cujo indulto
ja aproveitou ele testemunha dizendo que como ficava na sua escolha
ele se retirava porque havia dois dias e noutes que não dormia nem
comia e a apenas toma alguns caldos e se retirava esperando. Porem, que
se lhe [fl. 136]49 esperando, porem, que se lhe noteficace a sentença para

48
No canto superior direito lê-se «12 Arnaut».
49
No canto superior direito lê-se «13 Arnaut».

205
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a embargar, o que se não fes, mas antes os reos foram na manha seguinte
para o patibulo para se executarem neles as penas em que foram conde-
nados. E que depois de pasadas alguas oras subiram ja impreças as de-
duçoens coronoloficas em nome do Dezembargador Joze de Siabra e
Sylva, antam Procurador da Croa, no primeiro tomo das quaes leu ele
testemunha a copia do Decreto da sua comiçam para a defeza dos reos
e vio que este dezia que focem defendidos por ele testemunha de feito
e direito no mesmo identico processo. E logo mais abaicho se dis que a
ele testemunha se deram por ordem da Junta da Imcomfidencia os tras-
lados das suas culpas, sendo que como ja tem dito nem se lhe deu o
identico processo da culpa como o Decreto ordenava, nem tambem os
traslados da culpa, mas tam somente as abreviadas minutas que tem de-
clarado pelas quaes se regeu com o papel da defeza, ao qual outra ves
se refere. E na mesma acçam ele [fl. 136v] ele testemunha por não ter
mais que depor aos itens por que foi preguntado, requereu ao Doutor
Corregedor inquirente mandace que eu, Escrivam nomeado para esta de-
ligencia, numerace e rubricace as folhas deste depoimento, que sam treze,
que por mim vam numeradas e rubricadas. E sendo tornado o mesmo
depoimento a ele testemunha, dice estar em tudo comforme com o que
tinha deposto e asinou com ele Doutor Corregedor. E eu, Escrivam no-
meado para esta deligencia, Antonio da Costa de Vasconcellos de Souza
Arnaut, que a escrevi.
(assinatura)
Ignacio Joze da Motta de Carvalho
[fl. 139]50
Autos de diligencia de testemunhas feitos e ordenados a requerimento
do Marquez de Alorna como se mostra do seo contheudo

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sete-


centos setenta e outo annos aos dez dias do mez de Mayo do dito anno
me foi apprezentado pelo Doutor Joze de Castro Henriquez, Corregedor
actoal desta cidade da Guarda, com alçada por sua Magestade Fidelis-
sima, que Deos guarde, hum avizo da Secretaria de Estado dos Negocios
do Reyno para efeito de se perguntarem testemunhas pelos itens offere-
cidos pelo Marquez de Alorna e se proceder nesta diligencia na forma
do Real Decreto de dez de Abril deste mesmo anno, expedido a requeri-

50
Não constam os fls. 37, 37v, 38 e 38v.

206
O PROCESSO DOS TÁVORAS

mento do dito Marquez de Alorna na que tudo acompanhava o dito avizo


de que lhe tomei esta apprezentação, authoei e prometti cumprir com a
minha obrigação e de tudo fiz este auto. Juiz de Fora do Civel e Crime
em esta dita cidade, por sua Magestade, que Deos guarde, e Escrivão
desta diligencia pelo mesmo Real Decreto, que o escrevi e assigney.
(assinatura)
Antonio Joachim da Costa Corte Real

[fl. 140]51
Pela certidao incluza do Decreto de 7 de Novembro do anno proximo
passado, constará a Vossa Merce que sua Magestade foi servida conceder
licença ao Marquez de Alorna, per si, e em nome de sua mulher e filhos,
como interessados na restituição da fama de seus cunhados e seus sogros,
para produzir ad perpetuam rei memoriam52 de provas para justificar a
defeza e innocencia dos sobreditos com as testemunhas que houver de
produzir a este fim. E ordena a mesma Senhora que Vossa Merce proceda
logo a inquerir por testemunha a Pedro Joseph da Fonceca Delgado, as-
sistente nessa cidade da Guarda, na conformidade do dito Decreto, reme-
tendo o summario do mesmo depoimento a esta Secretaria de Estado dos
Negocios do Reino, como se determina no referido Decreto.
Deos guarde a Vossa Merce. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em
10 de Abril de 1778.
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira53

[fl. 142]54
Senhora
Dis o Marquez d’Alorna em nome de sua mulher e de seus filhos
que para a justificação de seus cunhados e seus sogros lhe he necessario,
segundo os itens adjuntos a esta petição, o depoimento de Pedro Joze
da Fonceca Delgado, assistente na cidade da Guarda, e como judicial-

51
Não consta o fl. 139v.
52
Por se encontrarem sublinhadas as referidas palavras no documento original, procedemos
de igual modo.
53
No canto inferior esquerdo lê-se «O Senhor Corregedor da Commarca da Guarda».
54
Não constam os fls. 140v, 141 e 141v; No canto superior esquerdo lê-se «Passe do que constar,
não havendo inconveniente. Nossa Senhora da Ajuda em 10 de abril de 1778. [assinatura] Vis-
conde».

207
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

mente so o podera conseguir, mandando Vossa Magestade que tenha


neste cazo execução o seu Real Decreto de sette de Novembro do anno
proximo passado.
Pede a Vossa Magestade seja servida ordenar que assim se execute
Espera receber merce

Nesta Secretaria de Estado dos Negocios do Reino em o livro oitavo


que nella servio do registo dos decretos, se acha registado hum a folha
253, cujo theor he o seguinte:

Decreto
Tendo consideração ao que me representou o Marquez de Alorna,
per si, e como Procurador da Marqueza sua mulher e filhos, que sendo
notoriamente interessados na restituição da fama de Francisco de Assis de
Tavora, [fl. 142v] Leonor de Tavora, Luis Bernardo de Tavora, Jeronimo de
Ataide e Jozeph Maria de Tavora, pertendia acautellar para o futuro as pro-
vas com que intentava justifica-llos innocentes no processo e sentença pro-
ferida em junta de doze de Janeiro de mil setecentos sincoenta e nove em
que parteciparam da nota do horrorozo e execrando crime de Inconfiden-
cia. E não sendo da minha real intensão permitir que possa perecer nem
ainda arriscar-se a verdade em hum assumpto de tão grave ponderação,
quando se proporcionam para o conhecimento della os meyos legitimos
da sua averiguação. Hey por bem conceder licença ao referido Marquez
de Alorna para produzir ad perpetuam rei memoriam sobre a innocencia
e defeza dos sobreditos, todas as testemunhas que apresentar, ainda que
não sejam velhas nem enfermas, para dellas se valer em qualquer tempo
e juizo em que haja de conhecer-se da cauza de que pertende tratar. E para
inquerir as ditas testemunhas na cidade de Lisboa e sinco legoas ao redor
della, sou servida nomear por Juis o Doutor Jozeph Alberto Leitão, Corre-
gedor do Crime da Corte e Caza, e para Escrivão o Doutor Henrique Jozeph
de Mendanha Benavides, Dezembargador da Caza da Supplicação na Com-
marca do Porto, o Corregedor do Crime da Corte e Caza da Primeira Vara
e para Escrivão o outro Corregedor do Crime da Corte e Caza [fl. 143] da
Segunda Vara, os quaes tirarão as ditas testemunhas, sendo citados pelos
mesmos Escr[i]vães para as verem jurar os Procuradores da Coroa dos des-
trictos a que competirem, não só como taes, mas tãobem como Fiscaes da
Justiça. E nas outras provincias se procederá na mesma forma servindo de
Juizes Inquiredores os Corregedores das Commarcas e Escrivães os Juizes

208
O PROCESSO DOS TÁVORAS

de Fora Criminaes, onde os houver. E não os havendo, os Juizes de Fora


do Civel, fazendo os Provedores das respectivas Commarcas nesta diligen-
cia as vezes dos Promotores da Justiça e de Fiscaes da Coroa, conce-
dendo-lhes para tudo o referido a authoridade e jurisdicção que lhe for
necessaria. Tirarão as ditas testemunhas em segredo e lhes darão juramento
para nunca revelarem a materia dos seus depoimentos, os quaes se con-
servarão no mais recondito e impenetravel segredo de maneira que ficarão
responsaveis por elle não só as referidas testemunhas mas até os sobreditos
ministros. E serão obrigados os mesmos Escrivães a dirigirem à Secretaria
de Estado dos Negocios do Reino cerrados e lacrados os autos originaes
das sobreditas inquirições logo que forem concluidas e nella se conserva-
rão em secretissima cautella. E para que a dispozição deste meu Real De-
creto tenha todo o seu devido effeito, derogo para o mencionado fim
somente quaesquer leys despozições ou estylos, que hajam em contrario
como se de tudo fizesse nelle especial [fl. 143v] expressa mensão.
Villa Viçoza em sete de Novembro de mil setecentos setenta e sete.
Com a rubrica de sua Magestade.
E não continha mais o registo do dito Decreto de que se passou a
presente para constar onde convenha. Nossa Senhora da Ajuda em dez
de Abril de mil setecentos setenta e oito.
(assinatura)
Clemente Izidoro Brandão

[fl. 144]
O Marquez d’Alorna como procurador da Marqueza sua mulher e
de seus filhos, authorizado pelo Decreto de sua Magestade de 7 de No-
vembro de 1777, oferece-nos nomes que reprezenta os itens seguintes,
para por elles se perguntar Pedro Joze da Fonceca Delgado:
1
Item, que Jeronimo de Ataide, Conde que foi de Atouguia, na tarde
do dia tres de Setembro de 1758 foi, juntamente com o Marquez de Fron-
teira, D. Fernando, ser padrinho na freguezia de Nossa Senhora da Ajuda
do cazamento do seu lacaio Bernardo Duarte e vindo para caza às Ave
Marias se despio logo, ficando de roupão e chinelas, e nessa noite nunca
mais dahi sahio.
2
Item, que passado algum tempo dessa mesma noite, o dito Jero-
nimo de Ataide mandou chamar ao quarto da Condeça sua mulher hũa

209
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

criada por nome de D. Rita, a quem ordenou trouchesse duas peças de


pano destinadas para panos da copa e da cozinha. E elle mesmo Jero-
nimo de Ataide assistio e dirigio toda a operação do corte dos ditos guar-
danapos em que se gastou athe às onze horas da noite.
3
Item, que chegando então de fora a dita Condeça sua mulher, a foi
abaxo buscar o dito Jeronimo de Ataide, arguindo-a de ter tardado tanto.
E ella o arguio tambem a elle de a não ter hido buscar ao Rio Seco, a caza
de seus pays, como era seu costume. Ao que se seguio a cea que acabaria
pela hũa hora depois da meia noite, depois da qual se forão deitar na cama.
4
Item, que este facto referido ficou impresso na memoria das pes-
soas que o prezenciarão sem que depois lhe podesse esquecer porque
succedendo depois a prizão dos ditos Jeronimo de Ataide e da Condeça
sua mulher recolegirão logo o que tinha assim passado para concluirem
dahi a impossibilidade de ser certo que o dito Jeronimo de Ataide se
achasse no horrorozo insulto de 3 de Setembro de 1758, no tempo em
que fora cometido quando a essa mesma hora se achava em sua caza no
citio de S. Amaro, ocupado em tão diferente exercicio como foi o de pre-
zidir ao corte dos guardanapos referido.
[fl. 144v]
5
Item, que tendo certeza d’esta circunstancia, os criados e criadas
do dito Jeronimo de Ataide julgarão firmemente quando seus amos forão
prezos, que não poderião ter o menor perigo e que facilmente se faria a
seu favor o descubrimento da verdade. Mas sendo depois condemnado
e executado o dito Jeronimo de Ataide, de cuja innocencia não duvidavão,
com o fundamento dos factos assima ditos, falarão huns com outros re-
conhecendo a injustiça da dita execução de que concervarão sempre a
mesma idea, juntamente com a dos factos que o provão.
(assinatura)
Marquez d’Alorna

[fl. 146]55
Antonio Joachim da Costa Corte Real, Juiz de Fora do Civel e Crime
desta cidade da Guarda e Escrivão da inquerição que se manda fazer a

55
Não constam os fls. 145 e 145v.

210
O PROCESSO DOS TÁVORAS

requerimento do Marquez de Alorna por Decreto de sua Magestade Fi-


delissima, que Deos guarde, etc., certifico que eu citei ao Doutor Fran-
cisco Antonio Jacome de Gouveia Freire e Vasconcellos, Juiz de Fora
actoal da villa de Celorico como Provedor desta Comarca em auzencia
do proprietario e como tal Procurador da Coroa que era para a diligencia
requerida pelo Marques de Alorna para efeito de ser perguntado por tes-
temunha Pedro Joze da Fonceca Delgado, cuja citação elle bem entendeo
do que dou fe. E para constar passey a prezente aos quatorze de Mayo
de mil setecentos setenta e outo annos.
(assinatura)
Antonio Joachim da Costa Corte Real

[fl. 147]56
Depoimento de Pedro Joze da Fonceca Delgado desta cidade,
perguntado aos itens que requereo o Marquez de Alorna na forma
do Real Decreto

Aos quinze dias de Mayo de mil setecentos e setenta e outo annos nesta
cidade da Guarda, em caza do Doutor Joze de Castro Henriquez, Corregedor
actoal desta dita cidade aonde veio como [...] para effeito de ser perguntado
na sua prezença, sendo testemunha Pedro Joze de Fonceca Delgado aos itens
requeridos pelo Marquez de Alorna aonde com effeito veyo o dito Pedro Joze
da Fonceca Delgado para dar depoimento que abayxo se segue de que tendo
feito este termo de atentado, que eu Antonio Joachim da Costa Corte Real,
Juiz de Fora do Civel e Crime desta cidade, Escrivão desta diligencia por De-
creto de sua Magestade Fidelissima, que Deos guarde, o escrevy.
Pedro Joze da Fonceca Delgado, cidadam(?) desta cidade da Guarda
e nella Tabaliam do Publico Judicial e Notas, proprietario, [...] testemunha
sitada por mim Juiz de Fora desta mesma cidade e Escrivão desta dili-
gencia por forsa do Real Decreto de sua Magestade, e jurado aos Sanctos
Evangelhos, em que poz a sua mam direita para dizer a verdade e guardar
o segredo recomendado. E de sua idade dice ser de quarenta e trez [fl.
147v]57 e trez annos. E do costume dice nada.
E perguntado pelo primeiro item, dice que estando accommodado
em caza do Conde de Atouguia com a intençam de acompanhar a Con-

56
Não consta o fl. 146v; fl. danificado pelas razões acima mencionadas.
57
Fl. bastante danificado pelas razões acima mencionadas.

211
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

deça sua mulher, está lembrado que o mesmo Conde estimava a hum la-
cayo chamado Bernardo Duarte e que foy padrinho de cazamento do re-
ferido criado e do batizado de algum seo filho mas nam esta prezente se
elle [...] foy no dia trez de Setembro do anno de mil setecentos cimqoenta
e outo, porem(?) veyo(?) no dia(?) quatro(?) de Setembro do mesmo anno,
andando elle testemunha a passear perto(?) das cazas do mesmo Conde
juntamente com o Capitam Diogo de Moraes Sarmento [...] do dito Conde
e que seria huma [...] com o quarto da Condeça sua mulher e elle indo
para sima [...] ao seo guarda roupas despi-lo e passado pouco tempo des-
ceo pella escada e [...] indo de roupam que era de huma [...] e de chinellas
[...] para as cazas principaes [...]. E mais não dice deste.
E ao segundo, dice que entrando o dito Conde para as ditas cazas,
logo elle testemunha com o dito Capitam entrarão tambem para a mesma
caza e com elle estiveram conversando algum tempo athe que o mesmo
Conde mandou buscar por hum dos seos guardas roupas huma peça de
guardanapos que tinha no seo dito quarto. E chamando a huma criada por
nome Dona Rita Bernarda, subio com a mesma peça de guardanapos para
o segundo andar das mesmas cazas, ordenando-lhe que [os] cortasse. E la
estava assistindo ao corte dos mencionados guardanapos e que durou athe
as honze hores da noute, pouco mais ou menos. E mais não dice deste.
E ao treceiro dice, que pela mesma [fl. 148] mesma razam sabe que
estando o dito Conde em sobredito exercicio chegou a Condeça sua mu-
lher seria pelas ditas onze horas, pouco mais ou menos, e logo o Conde
a veyo esperar a primeira sala, de donde se conduziram ao segundo
andar das cazas, ao quarto da mesma Condeça, aonde depois de mudar
de vestidos cearam, o que tudo se extendeo athe ao dipois da meya noute
na forma que uzualmente costumavão. E dahy se foram para o quarto de
cima aonde chamaram a dita Dona Rita para despir a Condeça e com ef-
feito logo se deitaram na cama e que elle testemunha prezenciou por lhe
assistir na mesma noute a meza. E mais nam dice deste.
E ao quarto dice, que divulgando-se o attentado dos tiros dados
em El Rey, o Senhor Dom Joze, que Sancta gloria haja, e seguindo-se de-
pois a prizam dos ditos Condes, se recordou elle testemunha, com os ou-
tros criados, de hum caso daquella noute e que nam podia ser possivel
que o dito Conde se achasse naquelle horrorozo attentado e sua prisao
se não esperava, que fosse convencido cumplice daquelle gravissimo de-
licto, quando ao tempo delle se achava em sua caza no referido exercicio
como deposto tem. E mais não dice deste.

212
O PROCESSO DOS TÁVORAS

E a[o] quinto dice, que succedendo ser condemnado o referido


Conde e escoutado muntas vezes, moralizou elle testemunha a innocencia
do mesmo Conde e a injustiça da sentença contra elle dada, de que elle
testemunha nunca se esqueceo, lembrando-se dos factos que tinham suc-
cedido na sobredita noute, como deposto tem. E mais nam dice. E assig-
nou com elle [o] Doutor Corregedor depois de lhe ser lido o seo dito,
que dice estar escripto na verdade. E eu Antonio Joaquim da Costa Corte
Real, Juiz de Fora do Civel e Crime desta cidade e Escrivão desta diligen-
cia, pelo sobredito Real Decreto que [fl. 148v] que o escrevi.
[Rubrica]58
(assinatura)
Pedro Joze de Fonseca Delgado

[fl. 149]
Inqueriçam de testemunhas a requerimento do Marquez de Alorna
que vay remettido do avizo da comição desta comarca da Guarda, feita
por especial mandado de sua Magestade e remettida a Secretaria de Es-
tado dos Negocios do Reyno, fechada e lacrada com trez pingos de lacre
por banda, de que fiz esta declaraçam. Antonio Joachim da Costa Corte
Real, escrivão que a escrevi e asigney.
(assinatura)
Antonio Joachim da Coste Corte Real

[fl. 153]59
1778
Autos de inquirição de testemunhas ad perpetuam rei memoriam,
tiradas a favor e de requerimento do Excelentissimo Marques de Alorna
como procurador da Excelentissima Marqueza, sua mulher, e filhos, inte-
ressados na restituição da fama de Luis Bernardo de Tavora, que foi Mar-
ques deste titulo, processados em conformidade do Real Decreto de sete
de Novembro de mil setecentos e setenta e sete e do avizo da Secretaria
de Estado dos Negocios do Reino, datado em des de Abril do prezente
anno de mil e setecentos e setenta e oito que ao diante vão juntos.

58
Rubrica de díficil descodificação, ficando a impressão que se trata de «Cabral».
59
Não constam os fls. 149v, 150, 150v, 151, 151v, 152 e 152v; No canto superior esquerdo lê-
se «Ouvidoria de Beja».

213
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Anno de nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e sete-


centos e setenta e oito annos, aos dezoito dias do mês de Abril de mil e
setecentos e setenta e oito annos nesta cidade de Beja e cazas de apo-
zentadoria do Doutor Joze de [fl. 153v] de Oliveira Pinto Botelho e Mos-
queira, Ouvidor e Corregedor desta cidade e sua Comarca. Ahi pelo dito
ministro me forão entregues o avizo, Decreto e assigneitórios que adiante
vão juntos para que eu, Juiz de Fora do Civel e Crime desta mesma ci-
dade, como Escrivão nomeado no sobredito Decreto para a deligencia
que nele se contem, os actuasse e me desse o devido cumprimento, ao
que satisfis. Eu Guilherme Antonio Apolinar Anderson, que o escrevi e
assignei.
(assinatura)
Guilherme Antonio Apolinar Anderson

[fl. 154]
Pela certidão incluza do Decreto de 7 de Novembro do anno pro-
ximo passado constará a vossa Merce que sua Magestade foi servida con-
ceder licença ao Marquez de Alorna, per si, e em nome de sua mulher e
filhos, como interessados na restituição da fama de seus cunhados e seus
sogros, para produzir ad perpetuam rei memoriam as provas para justi-
ficar a defeza e innocencia dos sobreditos com as testemunhas que hou-
ver de produzir a este fim. E ordena a mesma Senhora que Vossa Merce
proceda logo a inquirir por testemunha a Dona Micaella da Silveira Pan-
toja, assistente nessa cidade de Beja, na conformidade do dito Decreto,
remetendo o summario do mesmo depoimento a esta Secretaria de Es-
tado dos Negocios do Reino, como se determina no referido Decreto.
Deos guarde a vossa merce. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em
10 de Abril de 1778.
(assinatura)
Visconde de Villa Nova da Cerveira60
[fl. 154v]
Cumpra-se na conformidade do Real Decreto, que vai junto. Beja
em 18 de Abril de 1778.
(assinatura)
Botelho

60
No canto inferior esquerdo lê-se «o senhor Ouvidor da commarca de Beja».

214
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[fl. 155]61
Senhora
Dis o Marquez d’Alorna em nome de sua mulher e de seus filhos,
que para a justificação de seus cunhados e seus sogros lhe he necessario,
segundo os itens adjuntos a esta petição, o depoimento de D. Micaela da
Silveira Pantoja, assistente na cidade de Beja, e como judicialmente só o
poderá conseguir, mandando Vossa Magestade que tenha neste cazo exe-
cução o seu Real Decreto de sette de Novembro do anno proximo pas-
sado.
Pede a vossa Magestade seja servida ordenar que assim se execute.
Espera receber merce

Nesta Secretaria de Estado dos Negocios do Reino em o livro oitavo


que nella servio do registo dos decretos, se acha registado hum a folha
253, cujo theor he o seguinte:
Decreto
Tendo consideração ao que me representou o Marquez de Alorna,
per si e como procurador da Marqueza, sua mulher, e filhos, que sendo
notoriamente interessados na restituição da fama de Francisco de Assis
de Tavora, Leonor de Tavora, Luis Bernardo de Tavora, [fl. 155v] Jeronimo
de Ataide e Jozeph Maria de Tavora, pertendia acautellar para o futuro
as provas com que intentava justifica-llos innocentes no processo e sen-
tença proferida em junta de doze de Janeiro de mil setecentos sincoenta
e nove, em que parteciparam a nota do horrorozo e execrando crime de
Inconfidencia. E não sendo da minha real intensão permitir que possa
perecer, nem ainda arriscar-se a verdade em hum assumpto de tão grave
ponderação quando se porporcionam para o conhecimento della os
meyos legitimos da sua averiguação. Hey por bem conceder licença ao
referido Marquez de Alorna para produzir ad perpetuam rei memoriam
sobre a innocencia e defesa dos sobreditos, todas as testemunhas que
aprezentar, ainda que não sejam velhas nem enfermas, para dellas se
valer em qualquer tempo e juizo em que haja de conhecer-se da cauza
de que pertende tratar. E para inquirir as ditas testemunhas na cidade de
Lisboa e sinco legoas ao redor della, sou servida nomear por Juis o Dou-
tor Jozeph Alberto Leitão, Corregedor do Crime da Corte e Caza, e para

61
No canto superior esquerdo lê-se «Passe do que constar, não havendo inconveniente. Nossa
Senhora da Ajuda, em 10 de abril de 1778. [assinatura] Visconde».

215
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Escrivão o Doutor Henrique Jozeph de Mendanha Benavides, Dezembar-


gador da Caza da Supplicação na Commarca do Porto, o Corregedor do
Crime da Corte e Caza da Primeira Vara e para Escrivão o outro Correge-
dor do Crime da Corte e Caza da Segunda Vara, os quaes tirarão as ditas
testemunhas, sendo citados pelos mesmos Escrivães para as verem jurar
os procuradores da Coroa dos destrictos a que competirem, não só como
taes, mas tãobem Fiscaes da [fl. 156] Justiça. Nas outras provincias se pro-
cederá na mesma forma, servindo de Juizes Inqueridores os Corregedores
das Commarcas e Escrivaes os Juizes de Fora Criminães onde os houver.
E não os havendo, os Juizes de Fora do Civel, fazendo os provedores das
respectivas Commarcas nesta diligencia as vezes de Promotores da Justiça
e Fiscaes da Coroa, concedendo-lhes para tudo o referido a authoridade,
a jurisdicção que lhe for necessaria. Tirarão as ditas testemunhas em se-
gredo e lhes darão juramento para nunca revelarem a materia dos seus
depoimentos, os quaes se conservarão no mais recondito e impenetravel
segredo, de maneira que ficarão responsaveis por elle não só as referidas
testemunhas, mas até os sobreditos Ministros. E serão obrigados os mes-
mos Escrivães a dirigirem à Secretaria de Estado dos Negocios do Reino
cerrados e lacrados os autos originaes das sobreditas inquirições logo
que forem concluidos. E nella se conservarão em secretissima cautella. E
para que a dispozição deste meu Real Decreto tenha todo o seu devido
effeito, derogo para o mencionado fim somente quaesquer leys, dispozi-
ções ou estylos que hajam em contrario como se de tudo fizesse nelle
expressa mensão.
Villa Viçoza em sete de Novembro de mil setecentos setenta e sete
com a rubrica de sua Magestade.

E não continha mais o registo do dito Decreto de que se passou a


[fl. 156v] a prezente para constar onde convenha. Nossa Senhora da Ajuda
em dez de Abril de mil setecentos setenta e oito.
(assinatura)
Clemente Izidoro Brandão

[fl. 157]
O Marquez d’Alorna como procurador da Marqueza sua mulher e
de seus filhos, authorizado pelo Decreto de sua Magestade de 7 de No-
vembro de 1777, oferece-nos nomes que ajestade os itens seguintes, para
por elles ser perguntada D. Micaela da Silveira Pantoja.

216
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[1]
Item. Que Luis Bernardo de Tavora, Marquez que foi de Tavora, na
noite de tres de Setembro de 1758, desde as oito horas da noite athe pas-
sado a meia noite, se achou em Belem nas cazas de Joze Mascaranhas,
Duque que foi de Aveiro, onde levou comsigo o rebeca chamado André
e sem dahi se aportar impregou todo o tempo no ensaio de hũas contra-
danças destinadas para se praticarem na outra banda na ocazião das fes-
tas da piedade, nas quaes contradanças assim elle como muitas pessoas
de hum e outro sexo da familia do dito Joze Mascaranhas fizerão figura.

[2]
Item. Que o dito Luis Bernardo não se aportando da dita caza, nem
suspendendo o ensaio das contradanças athe à meia noite, sendo delle in-
separavel o rebeca Andre e as mais pessoas assistentes, se despedio depois
da dita hora e levou então d’ancas no seu cavalo o mesmo rebeca Andre.

[3]
Item. Que este facto ficou naturalmente impresso na memoria das
pessoas que o prezenciarão sem delle se poderem esquecer, por que sendo
o dito Luis Bernardo acuzado, prezo e executado pelo delicto de leza ma-
jestade se lembrarão logo e recolegirão o dito facto concluindo por elle
ser impossivel achar-se o dito Luis Bernardo na perpetração do dito crime.
(assinatura)
Marquez d’Alorna

[fl. 157v]
Certidão da citação feita ao Prometor Fiscal da Coroa

O Bacharel Guilherme Antonio Apolinar Anderson, Cavaleiro prof-


fesso na Ordem de Christo, Juiz de Fora do Civel e Crime desta cidade
de Beja e seu termo, por merce de El Rey nosso Senhor e com alsada
por sua Magestade Fedelissima, a Raynha Nossa Senhora, que Deos
guarde, Escrivão nomeado pela dita senhora em o Decreto antecedente-
mente junto para a deligencia em o mesmo mencionada ja, certefico e
parto por fé que em observancia do mesmo Real Decreto citei em sua
propria pessoa ao Provedor actual desta Comarca o Bacharel Andre Fer-
reira de Almeida Guimarains para que fazendo as vezes de Promotor da
Justissa e Fiscal da Coroa na deligencia contemplada no mesmo Decreto

217
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

que elle leo, ouvesse de ver jurar a testemunha Dona Micaela da Sylveira
Pantoja, moradora em esta mesma cidade, sobre os itens antecedentes. E
para poder constar, passei a prezente que asignei.
Beja, 18 de Abril de 1778.
(assinatura)
Guilherme Antonio Apolinar Anderson

[fl. 158]
Inquirição
Aos dezoito dias do mes de abril de mil setecentos e setenta e oito
annos nesta cidade de Beja e cazas de apozentadoria do Doutor Joze de
Oliveira Pinto Botelho e Mosqueira, proffesso na Ordem de Christo, Ou-
vidor Corregedor desta dita cidade e sua Comarca por El Rey, Nosso Se-
nhor, e com alsada por sua Magestade Fedelissima, a Raynha Nossa
Senhora, que Deos guarde, donde eu, Juiz de Fora desta mesma cidade,
Escrivão nomeado pela sobredita Senhora, fui para efeito de inquirir com
elle a testemunha mencionada no avizo da Secretaria de Estado dos Ne-
gocios do Reino, inserto nestes autos e produzida pelo Excelentissimo
justificante aos itens incorporados nos mesmos. Logo ahi pelo dito mi-
nistro foi preguntada a mesma testemunha, cujo depoimento he o que
se segue. De que para constar fis este termo. Eu Guilherme Antonio Apo-
linar Anderson, Juiz de Fora do Civel e Crime desta cidade e Escrivão no-
meado para esta deligencia, que o escrevi.

[fl. 158v]
Dona Micaela Margarida da Sylveira Pantoja, filha de Antonio de
Oliveira Pantoja, natural da Corte e cidade de Lisboa, e ao prezente mo-
radora nesta cidade de Beja, testemunha jurada aos Santos Evangelhos
que pelo Doutor Ouvidor Corregedor da Comarca lhe forão dados, em
que pos sua mão direita e prometeo dizer verdade do que soubesse e
lhe fosse preguntado. E de sua idade disse ser de sincoenta e hum annos,
pouco mais ou menos. E do costume disse nada.
E perguntada ella testemunha pelo primeiro ittem dos interrogatorios
insertos, disse que em rezão de se achar ella testemunha asestindo em
caza de Jozé Mascarenhas na ocazião e tempo mencionado neste item,
sabia, pelo ver e prezenciar, que na noute de tres de Setembro de mil se-
tecentos e sincoenta e oito se achara em Belem nas cazas do dito Joze Mas-

218
O PROCESSO DOS TÁVORAS

carenhas, Duque que foi de Aveiro, Luis Bernardo de Tavora, que [fl. 159]
que foi Marques de Tavora, desde as oito horas da noute dita athe à meia
noute, pouco mais ou menos, empregando-se em todo aquele tempo no
exercicio de humas contradansas em que figurarão algumas pessoas da
caza do mesmo Joze Mascarenhas, havendo levado comsigo o rebeca cha-
mado André, que tocava nas ditas contradansas. E que era certo que o dito
Luis Bernardo de Tavora se não ceparara da mesma caza em todo o refe-
rido tempo, mas que não tinha lembrada se as contradansas predictas se
destinavão para a festividade mencionada neste item, posto que tinha ella
testemunha toda a certeza de que o dito Luis Bernardo de Tavora tanto na
noute de que se fas menção, como em muntas outras anteriores e poste-
riores, concorrera na mesma caza ao referido fim. E mais não disse deste.
E do segundo, disse que era verdade, como já havia deposto, que o
referido Luis Bernardo de Tavora se conservara com efeito em a noute
mencionada na sobredita caza athe à hora declarada [fl. 159v] sem dela
se separar, nem suspender o exercicio das contradanças expressadas, em
que sempre tocara o referido rebeca Andre. Porem, que não sabia se este
fora conduzido de ancas no mesmo cavalo em que se retirara o dito Luis
Bernardo de Tavora, porque ella testemunha o não observara em rezão
de conservar-se no interior das cazas sobreditas, ignorando por isso o que
se passara a este respeito da escada para baixo. E mais não disse deste.
E do terceiro e ultimo, disse que sendo alguns tempos depois da
referida noute prezo, acuzado e executado o dito Luis Bernardo pelo sa-
crilego crime de Leza Magestade, cometido na mesma noute, logo ella
testemunha e algumas outras pessoas que prezenciarão o facto já decla-
rado nos itens antecedentes, se persuadirão de que era impossivel
haver-se estado o dito Luis Bernardo na perpetração do dito crime,
porque constando das oras em que elle se perpetrara se lembrarão com
toda a certeza de que em as mesmas identicas [fl. 160] identicas oras se
achara elle dito Luis Bernardo de Tavora em as cazas do referido Joze
Mascarenhas como dito fica, sem delas se haver separado naquele tempo.
E mais não disse, e asignou sendo-lhe primeiro lido seu depoimento que
disse estar conforme com o que dissera. E eu Guilherme Antonio Apoli-
nar Anderson, Juiz de Fora do Civel e Crime desta cidade, Escrivão no-
meado para esta deligencia, o escrevi.
(assinaturas)
Botelho
D. Micaella Margarida da Silveira Pantoja

219
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E perguntada, asim, a dita testemunha na forma do Real Decreto,


junto lhe encarregou o mesmo Ministro, que debacho do juramento que
recebido tinha não revelasse jamais a materia de seo depoimento, orde-
nando que, visto achar-se concluida a prezente inquirição, se serrasem e
lacrassem estes autos originaes para serem remetidos à Secretaria de Es-
tado dos Negocios do Reino como se manda no dito Decreto, o que sa-
tisfis. Eu, Guilherme Antonio Apolinar [fl. 160v] Anderson, Juiz de Fora
do Civel e Crime desta cidade de Beja, Escrivão da prezente deligencia
que o escrevi e asignei com o sobredito Ouvidor Corregedor desta co-
marca.
(assinaturas)
Botelho
Guilherme Antonio Apolinar Anderson

[fl. 164]62
Instrumento, digo, Inquirição de testemunhas produzidas ad per-
petuam rei memoriam por parte do Excelentissimo Marques de Alorna,
per si e como procurador da Excelentissima Marqueza sua mulher, e fi-
lhos, que vai remetida do Juiz da Ouvidoria e Correição desta cidade de
Beja, para ser entregue ao Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Visconde
de Villa Nova da Cerveira, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios
do Reino.

[fl. 165]63
Acordao os do Conselho e Dezembargo da Raynha Nossa Senhora,
etc., que visto o alvará da dita Senhora, de que se manifesta, que repre-
zentando-lhe o Marquez de Alorna como procurador da fama e memoria
de seus sogros, os Marquezes de Tavora, de seus cunhados, o Marquez
do mesmo titulo e Joze Maria de Tavora, e do Conde de Atouguia, que su-
posto reconhecia não terem sido frequentes os exemplos de revsitas em
cauzas crimes e ainda muito menos nas que se havião processado sobre
o sempre detestavel delito de Inconfidencia. Estava tão publicamente co-
nhecida a innocencia dos ditos seus sogros, cunhados e Conde de Atou-
guia, tão patente e notoria a injustiça da sentença de 12 de Janneiro de
62
Não constam os fls. 161, 161v, 162, 162v, 163 e 163v. Passa-se a transcrever a «Sentença Re-
visória».
63
Não consta o fl. 164v; No canto superior direito lê-se «23 maio 1780». Passa-se a transcrever
a «Sentença Revisória».

220
O PROCESSO DOS TÁVORAS

1759, que os condemnou ao ultimo e cruel suplicio como complices no


atrocissimo atentado commetido em a noite do dia terceiro do anterior
mez de Septembro de 1758 contra a sagrada e real pessoa do Augustis-
simo Senhor Rey D. Joze 1º que era este hum cazo tãobem exemplo de
outro semelhante e tão fora das regras que pello seu notorio e pungen-
tissimo e vandalo não havia consentir a clementissima justiça da mesma
senhora que perseverassem por mais tempo nas familias daquelles infeli-
ces as nodoas negras de hum crime que tanto as grava, suplicando à dita
Senhora que por efeitos das suas regias e adoraveis virtudes, fosse servida
mandar fazer os mais serios exames na devaça a que se procedeo por
aquelle sacrilego insulto. E no cazo de constar, por elles, que não fora
castigada a culpa mas a innocencia dos referidos seus sogros e cunhados
lhe deferisse com a providencia mais conforme as suas reaes e justissimas
intençoens. E mandando a mesma Senhora não só proceder aos requeri-
dos [fl. 165v] exames em secretissimas juntas compostas de ministros da
sua escolha, mas ouvir e consultar a quem mais lhe pareceo sobre hum
ponto da primeira gravidade. Informada que o cazo que fazia o objecto
do recurso pellas suas relevantissimas circunstancias era absolutamente
extraordinario que se não devia regular por exemplos, por não havelos,
de outro identico que estava fora inteiramente das regras e formalidades
dos direitos pozitivos e patrios porque os luminozissimos decretos do dito
Senhor Rey D. Joze havião tirado delles o do insulto para ser julgado so-
mente pella verdade dos factos e das provas requeridas segundo os direi-
tos natural e divino, que devendo nestes precisos e impreteriveis termos
unicamente examinar-se se forão observadas ou ofendidas as regras da-
quelles sagrados e superiores direitos daquellas leys naturaes que divina-
mente escriptas no coração do homem não consentem que se castigue o
innocente daquelles primeiros principios da razão que para se conhece-
rem basta que se consulte o interior da consciencia onde forão impressos
por Deos, como Autor delles. Daquellas leys divinas que athe negão no
todo poderozo o poder de castigar a innocencia por não poder deixar de
ser justo. Do direito das gentes, que he o mesmo que natural aplicado ao
uzo das naçoens unidas em sociedade, que detecta a opressão da inno-
cencia. Das regras mais solidas dos direitos civiis de todas as naçoens cul-
tas, que fundadas naquelles supremos e immutaveis direitos reputarão tão
sagrados e invulneraveis os da innocencia que sofrem antes a sentença
que absolve culpados do que a que castiga innocentes. Todas as referidas
regras e principios luminozissimos mandados [fl. 166] inviolavelmente ob-

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

servar pellos sobreditos decretos, se achavão no parecer delles ministros,


lezos com tal enormidade que reclamavão a innocencia daquelles con-
demnados. Os infames efeitos que tinhão rezultado às suas familias da
referida sentença e a restituição da sua fama e da sua honra a que tinhão
o mais indubitavel direito, que não podendo haver injustiça mais notoria,
nem mais intoleravel nullidade, do que as que resultão da inobservancia
de todos os referidos direitos, não havia a mesma Senhora deixar de ouvir
hum recurso que fundado nelles tinha por objecto a qualificação da in-
nocencia sem que a elle podesse prestar algum impedimento o alvará de
17 de Janneiro de 1759, pello qual o dito Senhor Rey D. Joze confirmou
a referida sentença quanto aos efeitos que nelle se declarão, porque se
fosse prezente ao mesmo senhor que se havião violado aquelles sagrados
e superiores direitos que os seus mesmo regios decretos tinhão feito de
indefectivel observancia, assim como nunca poderia dizer-se sem sacrilega
ofensa das suas altissimas virtudes que elle confirmaria a sobredita sen-
tença. Tãobem a dita Senhora sendo agora informada daquelles intolera-
veis lezoens dos infames e damnosos efeitos que dellas tem resultado
ocultos a seu pay Augustissimo, havia, no modo possivel, dar sobre elles
a mesma regia providencia que indubitavelmente daria o dito Senhor se
lhe fossem prezentes. Que em consequencia de tudo o expendido seria-
mento proprio e muito conforme as rectissimas e clementissimas inten-
çoens da dita Senhora que fosse servida mandar proceder a novo exame
sobre o merecimento da sobredita sentença por competente numero de
Juizes da sua immediata elleição na parte somente em que condemnou
como complices do referido [fl. 166v] atentado os comprehendidos no re-
curso, dispensando quanto aos mesmos em todo o impedimento que po-
desse fazer aquella regia confirmação.
Por estes fundamentos com que se conformou o illuminadissimo
discernimento da mesma Senhora, foi servida mandar expedir o dito al-
vará em que ordenna que pellos Juizes que houve por bem nomear, se
veja outra vez a mesma devaça naquelle mesmo citado em que foi sen-
tenciada e afinal pello que respeita somente aos referidos complices se
determine segundo o seu merecimento como for justiça, sem que ao novo
exame o obstasse o dito alvará de 17 de Janneiro de 1759. Prezidindo
aos Juizes nomeados em todas as sessoens os seus tres ministros e se-
cretarios de estado.
E vistos os autos da dita devaça e seus apensos na forma ordennada
sem outro socorro que não seja o que pode dar a mais exacta e escrupo-

222
O PROCESSO DOS TÁVORAS

loza indagação da verdade e o que se concluio das indispensaveis com-


binaçoens sobre as provas dos autos e das que fizerão a baze da sobre-
dita sentença. Principiando pellos illuminadissimos decretos do
Augustissimo Senhor Rey D. Joze 1º, que descança em gloria, em que
deo a forma por que ordennou se processasse e julgasse o sacrilego in-
sulto commetido contra a sua mesma real pessoa.
Mostra-se, que havendo determinado o dito Senhor pellos seus
Reaes Decretos de 9 de Dezembro de 1758 e de 4 de Janneiro de 1759:
No primeiro, que em todas as perguntas que se fizessem aos reos da-
quelle sempre perfido e abominavel insulto, despachos interlocutorios e
definitivos [fl. 167] e em os outros meyos necessarios para o castigo del-
les, assistissem e votassem sempre como Juizes adjuntos ao da Inconfi-
dencia os que o mesmo Senhor nomeasse. E no segundo, que os reos do
referido sempre detestavel atentado fossem julgados em processos ver-
baes e pela verdade provada segundo as regras de direito natural e divino
que allegassem todas as defezas que tivessem no mesmo identico pro-
cesso por hum só Procurador, a quem era servido recomendar que sem
escuza ou replica deduzisse a favor de todos e cada hum delles tudo
quanto de facto e de direito achasse que podia conduzir para os defender
de sorte que nem padecesse a innocencia nem ainda a mesma culpa fosse
castigada alem da proporção que com ella deve ter sempre a penna para
que a justiça e a mizericordia se conservassem naquelle justo equilibrio
que fes sempre o impreterivel objecto das reaes dispoziçoens do mesmo
senhor e que não era da sua real intenção se excedesse nem ainda com
os pungentes estímulos de hũa tão inaudita atrocidade.
Constituindo estes illuminadissimos Decretos, que fazem e farão,
em todas as idades, o verdadeiro carather de hum Rey justo e pio, o
ponto fixo e invariavel a que havião dirigir-se e porque devião regular-se
o procedimento, a defeza e o castigo dos reos. Elles em todas as suas
partes forão sacrilegamente violados e preteridos na devaça.
Pois que pelo que respeita ao primeiro Decreto, não podendo
dar-se hum só passo na devaça sem haver Juizes nomeados, que os diri-
gissem e formalizassem pelos seus despachos segundo o que se
ordennara no mesmo Decreto que sem mostrar-se revogado não podia
preterir-se, devendo primeiro que tudo requerer-se a nomeação de Juizes,
se ommitio e demorou o recurso. E no meyo tempo, se acistirão dennun-
cias, se decretarão prizoens, se procedeo a perguntas, se torturarão os
prezos e as testemunhas só pello Juis da Inconfidencia e o Escrivão, tudo

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

com a dezordenada e tiranna [fl. 167v] violencia que se hirão demons-


trando nesta sentença. De tal forma que quando apareceo o Decreto da
nomeação dos Juizes, que tem a referida data de 4 de Janneiro já estava
violado o primeiro quanto àquelles anteriores procedimentos e ainda de-
pois delle continuou a mesma dezordem porque as perguntas e tormen-
tos que se fizerão e decretarão depois do dito dia 4 athe 8 de Janneiro
forão só obra do Escrivão sem algum concurso dos Juizes já desde o re-
ferido dia nomeados.
E quanto ao segundo Decreto, não contendo elle periodo algum
que não constitua o mais justo e perfeito equilibrio entre a justiça e a
mizericordia, que não respire o mayor respeito aos sagrados e superiores
direitos natural e divino, que não deixe salvas as regras delles e da inno-
cencia dos reos nos procedimentos contra elles decretados. Não aparece
hũa só dispozição das comprehendidas nelle que se não veja tãobem il-
ludida e atropellada na devaça.
Porquanto, mostrando a mesma devaça, o agressor certo daquelle
delito que Joze Mascarenhas depois de investido na posse da caza e Du-
cado de Aveiro pertendera por este só titulo que as importantes commen-
das que administrarão os anteriores Duques daquella grande caza por
merces de vidas, se lhe julgassem como inherentes e unidos à mesma caza.
Que para esse fim tão injusto como temerario, metera em valor toda a ma-
chinação e intriga, que o Senhor Rey D. Joze lhe dezarmara tanto aquelle
irregularissimo projecto, como o do cazamento que tinha ajustado entre
seu filho e a filha mais velha dos Duques de Cadaval ao tempo em que o
Duque pay do actual se conservava ainda no estado do celibato. Que aquel-
les mesmos encontros que achara no dito Senhor, mal sofridos pellos ma-
lignos espiritos da soberba da ambição e da cobiça, nelle vicios naturaes
e muito familiares, lhe forao fomentando a ira impla<ca>vel de que deixara
dominar-se contra a Augustissima pessoa [fl. 168] do dito Senhor, que dis-
correndo cega e barbaramente, que tirando-lhe a vida, como confessa, se
poria em milhor fortuna, como se a podesse conseguir por hum meyo o
mais apto para perder com a vida toda a sua caza, se precipitara naquelle
sacrilego absurdo. E constando delle com a mais legal e indubitavel certeza
que fora sacrilegamente premeditado e unicamente disposto pelo mesmo
Joze Mascarenhas que para esse abominavel fim mandara chamar pelo seu
guarda roupa Manoel Alvarez ao irmão deste Antonio Alvarez a quem fa-
lara com todo o recato na barraca do jardim e lhe communicara o insulto
que havia ser executado em pessoa que se conduzia em hũa sege e que

224
O PROCESSO DOS TÁVORAS

havia concebido o intento de matar a elle Joze Mascarenhas, recomen-


dando-lhe o mais inviolavel segredo por delle depender a vida de ambos.
Que hindo com elle em hũa sege para dar-lhe conhecimento da outra em
que havião descarregar os tiros ultimamente se viera a dezenganar, que
sendo elle Joze Mascarenhas muito conhecido seria milhor que o mesmo
Antonio Alvarez dicesse a seu cunhado Joze Policarpo de Azevedo por ser
de grande fidelidade e boa rezolução lhe viesse falar. Que vindo, com
efeito, lhe falara tãobem no mesmo sitio com igoal recato e recomendação
de segredo e lhes intimara a execução do insulto que ambos, irmão e cu-
nhado, havião de efectuar. Que lhes insinuara comprassem dous cavallos
para que lhes dera dezasseis moedas que, com efeito, comprarão hum por
quatro moedas, outro por quatro e meya, ordennando-lhes tãobem que
comprassem pistollas porque supozto elle as tinha, se não devião servir
das suas por se evitar toda a suspeita em sua caza pella falta dellas. Que
hindo elle Joze Mascarenhas com os dous assassinos a cavalo moztrar-lhes
a sege, depois de a haverem conhecido, continuarão ambos sós as esperas
em doze ou quinze noites sem se rezolverem a descarregarem nella os
tiros em algũas vezes que a virão passar, [fl. 168v] vindo sempre dizer ao
mesmo Mascarenhas que não passara sem que em tantas vezes que fizerão
aquellas esperas vissem outras demais pessoas alguas. Que finalmente em
a noite de tres de Septembro os mandara chamar o dito Mascarenhas e se-
gurando-lhes que na dita noite certamente passou a sege, lhes ordennara
que fossem e que elle tãobem havia de hir, como foi a pé ver como estavão
postos. E partindo os mesmo assassinos, levando carregadas as armas com
chumbo ao sahir da sege, já em algũa distancia, descarregarão os tiros cor-
rendo logo athe se meterem na rua direita de Lisboa e não voltando na
mesma noite ao jardim como tudo lhes havia recomendado o dito Masca-
renhas. Que vindo, porem, passados dous dias o assassino Antonio Alvarez
falar-lhe, logo lhe dicera: “aquillo não prestou para nada”. E referindo-lhe
o dito Antonio Alvarez, se dezia que os tiros se derão em El Rey e Pedro
Teixeira. Lhe tapara logo a boca com as palavras: “calurda que se tu o não
diceres nem o diabo o pode saber”. Que lhe dera mais vinte moedas que
as quatro que tinha dado ao cunhado e dezasseis para a compra dos ca-
vallos e pistollas, completara quarenta e que quando lhe dera as ultimas
lhe dicera erão para o sobstento dos cavallos, que lhe advertira não ven-
desse logo por não dar ocazião a algũa sospeita.
Constando de todo o referido com a mesma formalidade pellos con-
testes depoimentos do copeiro Manoel Alvarez e de seu irmão Antonio

225
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Alvarez, que depoem tãobem por seu cunhado abzente, por serem ambos
os assassinos falados ajustados e corrompidos pello dito Mascarenhas
para o insulto e companheiros em quantos passos para elle derão, a que
forão inteira e individualmente conformes as primeiras declaraçoens que
do dito atentado fes o mesmo reo Mascarenhas depondo o dito Manoel
Alvarez athe dos trages de que elle se vestira [fl. 169] quando sahira para
o insulto. Que lhe dicera esperasse por elle no jardim onde o esperva.
Que se recolhera pelas onze horas e tres quartos. Que fora immediata-
mente para o seu quarto largar os vestidos com que sahira e tomar os de
caza. Que não vira que na mesma noite falasse no jardim com pessoa
algũa nem que houvesse conciliabulo algum em sua caza na manha a se-
guinte, levando esta verdade athe o ponto de ser torturado com dous tra-
tos ezpertos que sofreo constantemente sem que nem ainda com tão
excessivo grao de tormento se lhe podesse extorquir declaração algũa
contraria. Sendo na mesma excluzão daquelles ajuntamentos a elle intei-
ramente conforme o dito Joze Mascarenhas nas suas primeiras declara-
çoens, chegando athe requerer confrontação com quaesquer testemunhas
que tivessem deposto o contrario, ao que se lhe não deferio.
Não podendo opor-se o minimo defeito contra a verdade com que
depozerão os ditos Manoel Alvarez e Antonio Alvarez, que depois de de-
porem contra si, contra seu amo e contra pessoas tão conjuntas como
são irmaons e cunhados, não podia haver presumpção que não fosse vio-
lenta nem razão algũa de direito que possa persuadir a ocultação de pes-
soas estranhas o concurso e ajuntamento dellas, se na realidade o
houvesse.
Sendo pois esta verdade constante da devaça por testemunhas con-
testes e de facto proprio, confirmadas pello mesmo Mascarenhas nas suas
primeiras declaraçoens e que fazem concluir com evidencia que entre
elle e os dous assassinos somente foi disposta e consumada esta sacrilega
manobra que abortarão o odio, a ira e a vingança em que a sua ambicio-
sissima soberba o precipitou contra o dito Senhor, por lhe haver dezar-
mado as suas desmedidas ideas quem pondo os olhos em Deos, na justiça
e na verdade, poderá acreditar o concurso dos Tavoras que se [fl. 169v]
escreveo na sentença, tendo contra si alem da verdade do facto já de-
monstrada, tudo quanto pode persuadir a inverossimilidade contemplada
em termos geraes e especificos que são as regras decisivas em combina-
çoens de provas e que fazem outras tantas dezentranhadas da devaça,
exclusivas inteiramente do referido concurso.

226
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Principiando pellas inverossimilidades em geral, ninguem que sabe


pensar no que he hum insulto feito a hum Rey, poderá acreditar o plano
que se supos formado para o que barbaramente se executou naquella in-
fausta noite de tres de Septembro. A mesma immanidade delle a justa se-
veridade das leys que o castigão, a infamia que contra he em si e
transmite a seus filhos e netos o infeliz reo que o commete, juntas as ou-
tras nocivas e prejudicialissimas consequencias que delle necessaria-
mente resultão, forão bem preditantes de toda a juridica e ainda humana
credulidade as praticas e conferencias que muitos tempos antes se dizem
feitas e repetidas em ambas as cazas de Joze Mascarenhas e dos Marque-
zes de Tavora, pais, sobre o mesmo sacrilego asumto entre tantas pessoas
em quem dificultosamente se conserva o segredo sem que deixe de res-
pirar aos criados e familiares de hũa e outra caza com tão imminente pe-
rigo da ruina dellas e de cada hum dos conferentes no cazo bem natural
e bem temivel de algũa delatação. E isto em hum Ministerio tão escrupu-
loso indagador de tudo quanto se passava nas conversaçoens particula-
res. E ainda mais absolutamente incriveis os ajuntamentos que se supoem
feitos na mesma noite depois do delito e manhãa seguinte no jardim e
caza do mesmo Joze Mascarenhas, para nelles se proferirem as blasfemas
jactancias e sacrilegas increpaçoens, tratando-se em bacatella hum insulto
acabado de commeter contra hum Rey em lugar tão proximo ao em que
foi executado e nas vizinhanças [fl. 170] do Palacio do mesmo monarcha
assassinado, quando o que he natural o que ditão o horror, o susto, o
medo e o perigo em quem o commete, ou para elle concorre são só as
indispensaveis prevençoens da cautella e do disfarce em forma que nunca
possa saber-se nem ainda remotamente prezumir-se quem foi o reo que
o executou ou auxiliou com o seu concurso sendo isto o que obra quem
tem juizo, onde se hão de supor com elle os Tavoras ou mentecaptos. No
primeiro cazo, devem necessariamente considerar-se com todo o uzo de
rezão para se regularem pellos dictames della em hum conflito de tanta
ponderação e consequencia. No segundo cazo, de serem fatuos os men-
tecaptos, então ficarião athe reduzidos à impossibilidade de delinquirem.
Passando às inverossimilidades especificas, a primeira oferece a de-
vaça está no recato com que o reo Joze Mascarenhas mandou chamar os
assassinos Antonio Alvarez e Joze Policarpo no resguardo com que lhes
fallou na barraca do jardim e na clandestina e secretissima pratica que
com elles teve. Que como erão de grande fidelidade e segredo si delles
fiava hum tão grande e de tal importancia que se o revelassem corria pe-

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

rigo a sua vida e a delles assassinos. Assim o depoem formalmente as


duas testemunhas contestes e de facto proprio que ficão referidas com
quem concorda o mesmo Mascarenhas e assim passa por indubitavel e
na devaça e como se podem fazer compativeis aquelle recato, aquella
exacta recomendação de segredo que o cazo pedia pella sua sacrilega
enormidade, aquelle conhecimento do perigo que corria a sua vida se
elle se revelasse. Com a relaxação do segredo a tantas outras pessoas
quantas são as que fizerão figura na sentença? Se o mesmo reo Mascare-
nhas temeo que aquelle preciso segredo se revelasse parando somente
em dous, como o havia confiar de tantos? E como se pode fazer crer que
os dous Marquezes de Tavora e os mais comprehendidos no recurso [fl.
170v] figurassem em hũa tal tragedia abandonando inteiramente o perigo
em que punhão as suas vidas e as suas cazas puramente por seu gosto
assassinarem a hum Rey a quem erão tão gratos e de quem tinhão rece-
bido muitas honras e merces?
A segunda especifica inverossimilidade, se deduz do mesmo depoi-
mento do assassino Antonio Alvarez. Porque constando delle que fora
com o dito seu cunhado Joze Policarpo depois de lhes intimar o mandato
o sobredito Mascarenhas em doze ou quinze noites, que precizamente
haviao de ser muito interpoladas, fazer as esperas e que nunca virão ou-
tras algũas, he esta hũa prova bem exclusiva dellas porque confessando
que em alguas noites passara a sege sem se rezolverem a ataca-la, se com
efeito houvesse outras esperas para fim tão sacrilego não havião de ter
a mesma irresolução as pessoas a quem se imputa a entrada nellas, pois
sendo de outro valor e qualidade nunca serião capazes de fazerem tantas
esperas innuteis, havendo ocazioens como houve de executarem hum
tão barbaro projecto se fosse certo que o chegassem a conceber. E su-
posto que o dito Antonio Alvarez, depois de nada dizer de conjuraçoens,
emboscadas ou esperas, somente declarasse que prezumia as haveria
mais assima porque Joze Mascarenhas lhe recomendara que depois de
atirarem os tiros se retirassem para baxo e não para sima, para a parte
do Palacio. Não há, comtudo, presumpção nem mais mal fundada nem
menos digna de credito. O mesmo Mascarenhas sabia que naquella car-
ruagem hia El Rey e que depois de receber os tiros, ou morto ou vivo, o
havia conduzir o boleeiro a toda a pressa para o seu Palacio e não seria
summamente ariscado para os assassinos o retiro pella mesma parte por
onde havia de hir o assassinado? Expostos ao perigo, fugindo a cavallo
tão proximos ao paço de serem pressentidos embaraçados ou seguidos

228
O PROCESSO DOS TÁVORAS

pellos guardas e sentinelas que rodeão o mesmo Palacio, este foi sem
duvida o motivo daquella recomendação e não de esperas asima que ca-
recem [fl. 171] de toda a verossimilidade. E o que do referido se conclue
he hũa absoluta exclusão daquelle imputado concurso que tal tratado de
confederação que refere a sentença não houvera para elle com os Tavoras
e que tão abominável insulto foi só concebido e executado pello dito
Mascarenhas e pellos seus dous mandatarios que para elle armou, apa-
relhou e corrompeo.
A terceira inverossimilidade, se deduz do mesmo depoimento do
assassino Antonio Alvarez emquanto declarou que vindo dous dias de-
pois dos tiros fallar ao jardim com o dito Mascarenhas e referindo a este
se dezia que os tiros forão dados em El Rey e Pedro Teixeira, lhe tapara
a boca com as ja referidas palavras “calurda que se tu o não diceres nem
o diabo o pode saber”. E que prova mais evidente dada pella boca do
mesmo Mascarenhas de que só elle e os ditos assassinos entrarão no in-
sulto que acabavão de commeter e delle souberão e comsequentemente
que foi inteiramente falso e fabuloso o congresso ou chamado concilia-
bulo na mesma noite do delito e manhãa seguinte para em hum e outro
se proferirem às blasfemas jactancias e sacrilegas increpaçoens que refere
a sentença?
A quarta inverossimilidade, se deprehende da recomendação que o
dito Joze Mascarenhas fes aos dous executores do insulto, que depois de
o efectuarem não voltassem outra vez na mesma noite ao jardim mas fo-
gissem retrocedendo athe se meterem na rua direita de Lisboa como fize-
rão. E sendo esta ordem dada para que nunca se podesse achar vestigio
de que se sospeitassem os delinquentes ou por onde se podesse vir no
conhecimento delles a mesma prevenida cautella com que foi dada esta,
excluindo toda a crença daquelles ajuntamentos em a mesma noite dos
tiros e manhãa seguinte, porque [fl. 171v] se o mesmo Mascarenhas não
consentio que voltassem na mesma noite ao jardim os que descarregarão
os tiros para tirar toda a ocazião de sospeita e evitar o perigo que com
ella podia correr como havia prohibir aquelle ajuntamento aos assassinos
e permiti-lo aos das chamadas emboscadas para falarem todos no insulto
com tanta devassidão. Joze Mascarenhas teve aquella prevenção com os
dous assassinos como não a teria com os Tavoras ou estes comsigo mes-
mos, correndo igoal perigo e não sendo menos advertidos? Se o mesmo
Mascarenhas tapou a boca a hum dos assassinos ainda depois de passados
dous dias, como he crivel que consentisse se abrissem tantas outras na

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mesma noite do insulto e manhãa seguinte para nelle falarem tão livre e
incautamente? Se houvessem precedido aquelles ajuntamentos em que se
fallara no insulto com tanta liberdade, que motivo ou rezão havia para fe-
char a boca dous dias depois a hum assassino com quem estava só no
jardim e de quem tinha confiado a execução do delito?
Acabão de por a expendida verdade em toda a sua luz os dous con-
testes depoimentos do sempre infeliz João Miguel e de Joaquim dos San-
tos, cocheiro do mesmo Mascarenhas, que excluirão o concurso dos
Tavoras com tal constancia que nem a força dos mais excessivos tormen-
tos que sofrerão se lhes pode extorquir couza algũa contra a verdade que
tão firmemente sobstentarão e unidos estes dous depoimentos ao do re-
ferido Manoel Alvarez que ainda depois de cruelmente torturado sobs-
tentou a exclusão daquelle concurso, fazem todos hũa plenissima prova
dada pella mesma justiça autora de que o não houve.
Com estas precisas nosçoens que ao mesmo passo que indigitão
os agressores certos daquelle barbaro delito são exclusivas de outro
algum concurso, he indispensavel [fl. 172] o most[r]ar-se que os termos
do direito natural e divino, quanto aos chamados complices que com-
prehende o recurso, forão excedidos e atropellados desde o principio do
processo athe a execução da sentença.
Não permite o direito natural que alguem seja prezo e privado da
sua liberdade antes de haver algũa prova da sua culpa, que sem ser ple-
namente convencido do delito seja condemnado nas mais severas pennas
e que sofra as da sentença sem poder replicar a ella quando não foi pre-
cedida de hum convencimento plenissimo ou ao menos confirmado pella
espontanea confissão do mesmo reo.
Forão prezos os Tavoras e Conde de Atouguia no dia 13 de Dezem-
bro de 1758 como agressores de hum delito que havia mais de tres mezes
tinha sido commetido sem haver contra elles a minima prova, pois que
a primeira testemunha de que logo se tratara depos em 15 do dito mez
de Dezembro, dous dias depois das suas prizoens. Os motivos particula-
res que a familia dos Tavoras tivesse contra a pessoa de sua Magestade
quando fossem certos poderião fazer hũa sospeita contra elles depois de
não aparecerem outros delinquentes tendo-se praticado todas as deligen-
cias possiveis para os descobrir, mas antes desta exacta indagação não
podião ser bastantes para aquelle procedimento. E se o erão, porque não
forão logo prezos no mesmo mez de Septembro? Quando não tivesse me-
deado tanto tempo e se podesse averiguar com mayor certeza onde ha-

230
O PROCESSO DOS TÁVORAS

viao passado a noite de tres do dito mez ou fosse para legalizar a culpa
ou a innocencia dos reos, o que não era possivel depois de tanto inter-
vallo em que moralmente nem as testemunhas nem os mesmo reos se
podião lembrar onde havião estado, nem o que tinhão feito naquella in-
feliz noite.
Consistio o delito em dous tiros e nos estragos que fizerão na car-
ruagem, vestido e pessoa de sua Magestade nas primeiras deligencias
que se praticarão forão logo descobertos [fl. 172v] os delinquentes, por-
que dous tiros disparados ao mesmo tempo necessitavão de duas pessoas
que os atirassem. Pelo depoimento de Manoel Alvarez e de seu irmão,
Antonio Alvarez, já referidos, constou que este tinha sido hum dos agres-
sores e outro seu cunhado Joze Policarpo. Era de prezumir que estes
dous assassinos ainda que ignorassem quem hia naquella carruagem ti-
vessem mais algum socio e, ou o ignorassem, ou o soubessem, era ve-
rossimel que fossem mandatarios pois não se podia crer que elles
viessem de Lisboa esperar hũa carruagem para matarem a pessoa que
nella se conduzia por motivos pessoaes se não a conhecião e muito
menos se conhecião que era El Rey. E por isso se logo não declarassem
que o seu mandante fora o Duque de Aveiro, era justissima toda a inda-
gação para o conhecimento delle.
Porem, sendo perguntados instantemente pellos delinquentes e pel-
los complices, hum depondo contra seu proprio irmão e cunhado, contra
seu amo e contra si mesmo, pello que respeita a ser conscio do crime e
não o haver delatado, não falla em outro algum socio ou complice do
delito, sem embargo de ser atormentado para os declarar. Outro, de-
pondo contra si mesmo, contra seu cunhado e o seu bemfeitor, sendo
tres vezes perguntado, tãobem não declara outro algum socio ou com-
plice e pode-se prezumir que os ocultassem se os houvesse ou fossem
sabedores delles. Pode porventura entender-se que os comprehendidos
no recurso serião maos choros àquelles confitentes, ou que tivessem
mayor enteresse em os emcobrir do que em se encobrirem assi mesmos
aos seus mais proximos parentes e a seu proprio amo?
Pois se se achão descobertos dous autores de dous tiros e o man-
dante destes dous mandatarios e elles que tinhão a milhor razão para o
saberem, dizem que não sabem de outros alguns complices se se está
vendo completamente chea a idea do delito e dos delinquentes na sua
reciproca proporção não reziste. [fl. 173] Era Joze Maria de Tavora aju-
dante das ordens do Marquez seu pay, o qual perguntara ao mesmo Mas-

231
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carenhas: “que he feito de João?”. Que logo em breve espaço de tempo


chegarão outros dous rebuçados unir-se aos dous já referidos. Que hum
delles, que tinha calsoens brancos, dicera ao dito Mascarenhas: “que fi-
zemos, que El Rey parece que morreo?”. Que a estas palavras respondera
o Mascarenhas: “não importa, se não morreo, morrerá”, ao que acrescen-
tara outro do ranxo: “o ponto he elle sahir”. Que logo no dia seguinte
quizera declarar o referido o que não fizera por medo, mas que vendo
agora prezos os ditos reos e aconcelhando-se com hum Bernardo de
Afonseca que assiste nas mercearias de Bellem e persuadindo-o da obri-
gação que tinha, viera depor o referido.
Este denunciante esta plenamente convencido de falso impostor em
toda a hystoria que fabricou, mas antes que se entre no convencimento
della he necessario que se deve advertido que era naquelle tempo hum
pobre criado de servir e talvez por bem pouco que o amo tãobem pela
sua profissão era pobre que demorou a denuncia por mais de tres mezes
porque desde a noite de tres de Septembro athe o dia quinze de Dezem-
bro que se não rezolveo a da-la senão depois que leo o edictal que teve
a data de nove do referido mez em que se prommeterão grandes premios
aos delatores verificando as dennuncias que vio os Tavoras prezos no dia
treze, Joze Mascarenhas no dia catorze e passou logo no dia quinze a
depor a hystoria da dennuncia. He tãobem necessario que se qualifique
este celebre dennunciante. Elle veyo voluntariamente a juizo fazer a sua
declaração e fica nestes termos hum delator ou dennunciante e parte en-
teressada pello premio e como pode a informação de hum delator entrar
em conta de prova e dar-se-lhe a força de testemunha? Como se podem,
sem ofensa dos principios de direito e dos dictames da razão, consiliar
nella os enteresses de parte com a imparcialidade de testemunha? [fl. 173v]
Ou se toma como denunciante ou como testemunha em nenhum destes
cazos fas prova algũa, não no primeiro porque a dennuncia não se pode
conciderar prova della <athe> segundo a clausula do edictal, de sorte que
verifiquem o que declararem, he hũa declaração a que o dennunciante
deve dar prova para se livrar na falta della da penna de calumniador e
não no segundo porque o enteresse do premio com que depoem lhe tira
inteiramente o credito a sentença. Porem, tratando-o como testemunha,
lhe dá tanto como pode ler-se na cota marginal que nella se escreveo.
Passando ao convencimento, está legalissimamente demonstrado e
não há vestigio algum contrario na devaça que se faça atendivel que Joze
Mascarenhas se recolhera só do insulto pellas onze horas e tres quartos,

232
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o que he bem verossimel porque o insulto se mostra commetido entre


as onze e onze e meya que fora em direitura para o seu quarto mudar os
vestidos com que sahira e tomar os de caza. E o denunciante o dá reco-
lhido pellas duas horas depois da meya noite e batendo ainda àquellas
com a pistolla ou bacamarte no chão, de sorte que os tiros se derão entre
as onze e onze e meya como se prova indubitavelmente e fes crer o den-
nunciante que o mesmo Mascarenhas e os que lhe dá por socios se con-
servassem no lugar do delito duas horas e meya.
Alem do que o dennunciante como vio prezos o Mascarenhas e os
Tavoras, supos como certo que elles tinhão sido os assassinos e nesta in-
teligencia compos a hystoria com as palavras proferidas por elles, con-
templando-os como taes: “que fizemos que El Rey parece que morreo”,
“se não morreo, morrerá”, “o ponto he elle sahir”. E sendo as ditas pala-
vras bem annalyzadas só proprias dos que tivessem sido assassinos, ellas
mesmas estão descobrindo a falsidade da dennuncia por estar provado
bem a minima hezitação [fl. 174] que não forão assassinos os que dá re-
colhidos tão tarde. Que o forão somente os dous Antonio Alvarez e Joze
Policarpo, que fogirão logo e que nem por hum momento se conservarão
no lugar do insulto depois de o commeterem.
Dis que conhecera a Joze Mascarenhas pella voz quando chegara à
porta do jardim com outro embuçado e que depois vierão mais dous em-
buçados e ali estiverão conversando e tão alto que os ouvio debaxo da
ponte vezinha onde se achava escondido. Era de noite e vinhão muito
embuçados e tendo tanta cautella para não serem vistos como he crivel
que tivessem tão pouca para serem ouvidos, falando tão claramente em
tiros, em ameaços e na morte de El Rey? Os dous assassinos tanto que
dispararão os tiros sem saberem em quem, nem terem tanto que perder,
fogirão para suas cazas sem se deterem em parte algũa e para virem dahi
a dous dias a caza de Joze Mascarenhas, foi necessario que elle os man-
dasse chamar e somente os Tavoras havião de ser tão insensatos que sa-
bendo que os tiros tinhão sido empregados na pessoa de El Rey e tendo
tanto que arriscar, havião de hir celebrar aquelle tremendo delito fazendo
hũa incauta palestra delle no meyo da rua ou fora da porta do jardim
que valia mesmo? Não terião a cautella de se separarem e recolherem
immediatamente ou ao menos de fallarem em segredo dentro do mesmo
jardim onde nimguem os podesse ver nem ouvir?
Dis que não pode conhecer os segundos dous embuçados e que
hum delles tinha calsoens brancos, vinhão rebuçados para não serem vis-

233
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

tos nem conhecidos e o dennunciante escondido debaxo da ponte e tanto


de noite pode ver e distinguir a cor dos calsoens? Que dos primeiros
dous que ficarão fora da porta do jardim, conhecera o dito Mascarenhas
pela vox e o outro lhe pareceo Joze Maria de Tavora, alem de não constar
a frequencia ou uzo que tivesse aquelle dennunciante de ouvir fallar o
referido [fl. 174v] Mascarenhas e muito menos Joze Maria de Tavora, não
merece credito a testemunha que ve de noite em algũa distancia e ha de
acreditar-se o que lhe pareceo de ouvido?
O que he só verossimel he que elle hiria naquella noite para fallar
à creada que ella não pode chegar à janella do jardim por se lhe repre-
zentar ver nelle o mesmo Mascarenhas hũa vez passeando e outra vez
assentado e depois de cansado de esperar se foy embora sem nada ver
nem ouvir. E que no dia seguinte a creada lhe avizou o impedimento que
teve para lhe não fallar, como ella diz, do que elle por antão não fes mis-
terio algum, mas passados mais de tres mezes vendo o Mascarenhas
prezo e tãobem os Tavoras por aquelle delito, lembrou-se do embaraço
daquella noite pareceo-lhe que o Mascarenhas àquellas horas no jardim
estaria meditando na importancia do crime para que tinha cooperado e
foi dar a sua dennuncia levado e corrompido pelo enteresse do premio
e a enfeitou com aquellas inverossimilidades que por disgraça lhe fizerão
mais crivel quando na verdade lhe tiravão todo o credito. Quem sabe
qualificar o das testemunhas, nenhum pode dar a hũa de tão vil e pobre
condição de dezanove annos de idade, escondida de noite debaxo de
hũa ponte chea do susto e do cuidado que lhe devia infundir o seu pro-
prio e illicito intento e a mesma vizinhança de pessoas que elle conheceo
por matadores e de que poderia ser sentido, subornada pela ambição do
premio sem familiaridade algũa nem ser digna de a ter com Joze Maria
de Tavora e, comtudo, lhe pareceo ser elle e pode fazer contra o mesmo
algũa prova o seu depoimento?
E para que nada reste da denuncia que se não convença tãobem a
pergunta que se dis feita pelo mesmo Joze Maria de Tavora ao Mascare-
nhas: “que he feito [fl. 175] de João?”, foi enfeite da denuncia. Este João
he o que com o cognome de Miguel foi condemnado na ultima penna, a
mesma sentença o dá acompanhando o Mascarenhas a pé em noite do
insulto, havendo ao mesmo tempo prova bastante de que fora só. E não
o havendo de que acompanhasse aquelle mandante ou que disso tivesse
noticia o mesmo Joze Maria como pode crer-se que fizesse semelhante
pergunta? E o que de tudo rezulta he que a dennuncia foi hum estudado

234
O PROCESSO DOS TÁVORAS

embuste fabricado pello dennunciante para ver se por elle lhe davão
algũa coiza.
A sentença porem, jurou tanto sobre as suas palavras que decla-
rando se aconcelhara para a dennuncia com aquelle assistente nas mer-
cearias de Bellem que fica apontado, não lhe lembrou ou não entendeo
que era necessario legalizar a dennuncia e qualificar o denunciante, per-
guntando o tal conselheiro e confrontando-o com o mesmo dennunciante
no cazo de negar o conselho nem de taes deligencias tendentes à averi-
goação da verdade há vestigios alguns na devaça.
Segue-se Marianna Thereza, moça da caza de Joze Mascarenhas,
preza na cadea de Bellem logo depois da dennuncia e perguntada no dia
dezassete de dezembro, negando constantemente que soubesse ou sus-
peitasse a cauza da sua prizão. Se lhe fes saber que se dicesse a verdade
seria premiada por sua Magestade assim como castigada se a encobrisse.
Com esta tão poderosa como reprovada sugestão, confessou o commercio
que tinha com o dennunciante, posto que para o fim do matrimonio que
na referida noite o avizara para lhe fallar da jannella do jardim da parte
das terras, que não podera falar-lhe nessa ocazião porque indo ao jardim
antes da meya noite vira andar passeando Joze Mascarenhas só, embru-
lhado em hum capote e logo se retirara por não ser sentida que [fl. 175v]
voltando outra vez o tornara a ver assentado em hum poyal tãobem só,
motivo porque se retirara e não voltara mais nessa noite ao jardim e que
logo na manhãa seguinte participara ao tal dennunciante aquelle emba-
raço. Perguntada pello mais conteudo na dennuncia, respondeo que nada
vira nem ouvira.
Estas primeiras declaraçoens que fes a moça, assim corrompida e
intimidada, podem ser verossimeis na parte em que declara fora na refe-
rida noite ao jardim ao fim que aponta não o são, porem, emquanto
afirma vira nelle o Mascarenhas nas duas vezes que ali chegara. Porque
ou foi ao jardim antes da meya noite, ou depois delle? Se foi antes, quem
vio no jardim não foi o Mascarenhas mas o criado Manoel Alvarez que
ali por elle estava esperando que se recolhesse do insulto como lhe dei-
xara recomendado quando para elle partira. Se foi ao jardim depois da
meya noite ninguem podia ja ver no jardim porque o Mascarenhas se re-
colheo do insulto pellas onze horas e tres quartos e foi immediatamente
para a caza onde tinha deixado os vestidos do uzo para os reassumir e
dali era muito natural que fosse para a salla onde tinha dispozto o festejo
da rabeca athe para não fazer nelle falta tal de que se podesse formar

235
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

contra elle algũa sospeita. Podia, comtudo, a dita moça enganar-se nas
horas, hir antes da meya noite ao dito sitio em ambas as vezes e repre-
zentar-se-lhe que era o Mascarenhas o mesmo criado que por elle estava
esperando.
Nas segundas perguntas que se lhe fizerão em vinte de Dezembro,
confirmou o que dice nas primeiras e acrescentou que em a referida
noite, hindo, com efeito, para fallar ao dennunciante depois da meya
noite, vira que estavão tres vultos à porta do jardim da parte de dentro
e que ali não vira o Mascarenhas, salvo se estava da parte de fora ou era
algum dos tres, porque o susto com que ficou e a preça [fl. 176] com que
se retirara lhe não derão lugar a fazer mayor reparo. De sorte que tres
vezes fora ao jardim, primeira quando vira passando o Mascarenhas, se-
gunda quando o vira assentado, terceira quando vira os ditos homens. E
nada mais tinha que declarar.
Instada para que declarasse quem erão os tres homens que con-
fessa tinha visto, fora o dito Mascarenhas porque havia conhece-los pella
pouca distancia ou ao menos pella falla. Depois de varias instancias,
assim se explica o Escrivão sem as declarar, respondeo que conhecera
tanto pella fala quanto pella altura que hum delles era o Marquez de Ta-
vora pay, porque como hia muitas vezes conversar com a Duqueza sua
irmãa o tinha visto e ouvido fallar. E perguntada pelo que dicera o Mar-
quez, visto o ter conhecido pela falla? Respondeo que só percebera o eco
da voz, mas não palavra algũa.
Já fica notado o nenhum credito que merece hũa testemunha cor-
rompida com promessas de enteresses e a cresse a esta o ser intimidada
com ameaços de castigos e amofinada com instancias que se ocultão, ha-
vendo-se escrito as outras que se lhe tinhão feito, e que as declaraçoens
que fes fossem efeitos extorquidos por aquelles reprovados meyos se
mostra porque tendo ella ja dito que vira o Duque seu amo naquelle sitio
só em ambas as duas vezes que a elle fora, que razão tinha para ocultar
o Marquez de Tavora, se na realidade o tivesse visto ou ouvido? Se ella
tivesse visto ou ouvido aquelles vultos não deixaria de o declarar às rei-
teradas instancias que lhe forão feitas nas primeiras perguntas, pois ne-
nhum enteresse tinha em o encobrir, sendo ella de dezassete annos de
idade, vendo-se em rigorosa prizão amofinada com instancias e ameaços
e sendo inquirida pello Escrivão, somente, sem assistencia de outra algũa
pessoa bem se pode nestas circunstancias [fl. 176v] prezumir mentiroza
e sugerida.

236
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Leão-se os depoimentos de Manoel da Costa e Antonio Dias, criados


do mesmo Joze Mascarenhas a quem ella repetio o mesmo que tinha de-
posto o dennunciante signal e prova bem evidente que foi por elle suge-
rida na prizão de Bellem nos tres dias que medearão entre as primeiras
e segundas perguntas para com elle se conformar a respeito dos vultos
verificar a dennuncia e levar o premio de que ambos havião ser partici-
pantes, cazando como intentavão.
Se se acha demonstrado que o dito Mascarenhas se recolhera do
insulto pellas onze horas e tres quartos e fora em direitura para o seu
quarto largar os vestidos com que sahira e tomar os de caza, como he
possivel que depois da meya noite como ella dis ou pellas duas horas,
como declara o dennunciante, chegassem <de fora> ao dito sitio os tres
vultos que finge a respondente? Que prova pode fazer contra o Marquez
de Tavora pay a quem dis que conheceo pella altura e pello eco da voz
sem chegar a perceber-lhe palavra algũa? Sendo isto de noite e confes-
sando ao mesmo tempo que pelo susto e preça com que se retirara, bem
natural contemplada a empreza que a levava fora de horaz àquelle sitio,
não podera reparar nos taes vultos?
A verdade do cazo he que taes vultos ali não aparecerão como fica ple-
namente demonstrado que a terceira jornada ao jardim que o Escrivão fes
fingir à moça foi efeito da sugestão a que ella cedeo por pobre, que depois
das onze horas e tres quartos em que o Mascarenhas se recolheo do insulto
sem mais parar nem por hum somente no jardim tudo quanto dahi por diante
se idiou athe as duas horas depois da meya noite foi hum embuste tecido e
fabricado pello dennunciante pela ambição do premio extorquido da moça
com a prommessa delle à força [fl. 177] de instancias que o mesmo Escrivão
teve pejo de declarar, mas estes forao os depoimentos a que hũa cota margi-
nal da sentença chama milagrosos, os que derão lugar a tantos tormentos
quantos mostra a devaça e os que fizerão hua das bazes da sentença.
A testemunha, ou na realidade, dennunciante João Ferreira, cazeiro
do estribeiro do dito Mascarenhas jurou ou dennunciou falsamente por-
que não he crivel estivesse falando o mesmo estribeiro no quintal com
seu irmão e seu filho, que era hum rapaz de catorze annos, de quem
nada se podia confiar em materia de tanta importancia e tanto sem cau-
tella, que ouvio o cazeiro que estava fora e do outro lado da porta do
mesmo quintal tudo quanto dezião.
He certo que a este dennunciante ninguem podia acuzar de não
vir dennunciar o que elle unicamente sabia e pode entrar a presumpção

237
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

de soborno ou de inimizade com o donno da quinta que lhe destroe o


credito. Mas, seguindo que elle estava obrigado a delatar tudo quanto
soubesse ou tivesse ouvido concernente a hum crime desta qualidade,
doutrina que deve seguir todo o vassallo que he fiel ao seu Rey, elle re-
fere-se ao que tinha conversado Joze Manoel da Silva Bandeira, a saber:
que tinha mandado cellar os cavallos, Palhavãa e Serra64, e nelles forão
esperar sua Magestade com armas de fogo para que se escapasse de hua
emboscada, cahisse na outra. Nada disto, porem, se verifica pello depoi-
mento ou confissão do Bandeira referido por mais perguntas que se lhe
fizerão, declarando nella outras circunstancias de igoal merecimento e
nenhum enteresse se lhe seguia em ocultar que por ordem de seu amo
mandara cellar dous cavallos, sendo bem de prezumir que lhe não havia
declarar o fim para que lhos mandava preparar, assim como declarou
que entregara dous pares [fl. 177v] de pistollas por ordem do dito seu
amo ao guarda roupa Manoel Alvarez.
O mais que esta testemunha referida declarou à força de tormento
logo entrara em linha de combinação e de conta com que tinha dito sem
elle à cerca do baile que naquella noite se tinha feito em caza do dito Joze
Mascarenhas, com as janellas abertas e em que se achou o Marquez de
Tavora filho, nada prova contra os Marquezes, antes sim a seu favor. E as
conversaçoens que elles tiverão com o Mascarenhas, sendo cunhados, não
podem ser argumento de conjuração depois de commetido o delito.
O mesmo conceito merece o depoimento do religioso D. Manoel
Joze, irmão do sobredito Bandeira, porque depois de dizer que nada
tinha ouvido e se o ouvira se não lembrava, declarou que conversando
hũa vez com seu irmão lhe dicera este que tinha ouvido em caza do
Duque que sua Magestade não escaparia dos tiros se assim como tomou
por hum caminho, tomasse por outro. E que na mesma caza ouvira tão-
bem que os Tavoras forão os que derão os tiros e que de caza do Marquez
de Tavora filho sahirão tres mascarados de hũa commedia que nella se
tinha reprezentado.
Primeiramente não se declara quem tinha dito estas couzas em caza
de Joze Mascarenhas, nem em que tempo, e isto bastava para se não acre-
ditarem. Em caza do dito Mascarenhas, havia e entrava muita gente de-
pois de elle se achar prezo e os Tavoras que importava ou que valia que
alguem dicesse que: “se fosse por hum caminho assim como foi por

64
Corrigimos de «Cerra».

238
O PROCESSO DOS TÁVORAS

outro, não escaparia”, e que os Tavoras forão os que derão os tiros. Se


isto era o mesmo que dezião as perguntas e as instancias, de quem de-
vassava do cazo? Se ellas se não tinhão Sacramentado ao vulgo e se elle
[fl. 178] he facil e credulo sem algum exame nem probabilidade? O dito
de que os Tavoras forão os que derão os tiros acha-se plenamente con-
vencido de falso porque da devaça consta com toda a evidencia que elles
não forao os que os derão mas sim Antonio Alvarez e Joze Policarpo. E
se este dito he falso que mayor verdade se pode conciderar no outro,
que não escaparia se fosse por hum caminho assim como tinha hido por
outro, o vulgo soube das prizoens de tantas pessoas que El Rey retroce-
dera depois dos tiros e não fora em direitura para o seu Palacio, por isso
fes o discurso que denotão as ditas palavras.
O terem sahido tres mascarados da commedia que se tinha repre-
zentado em caza do Marquez filho sem se declarar quando isto aconte-
ceo, nenhũa connexão tem com o delito de que se trata onde não há o
minimo vestigio de que nelle houvessem mascaras.
A testemunha Joze Maria da Silva Bandeira, sendo hũa creança e
referindo-se ao que tivesse deposto seu thio, não pode fazer mais prova
que elle que nenhũa dá contra os Tavoras.
A testemunha Manoel da Costa, porteiro do dito Joze Mascarenhas,
dice que ouvira a varias pessoas, principalmente a Bento Pereira, que se
não inquirio, que o Mascarenhas fora prezo porque elle, o Marquez de
Tavora pay e o Conde de Atouguia forão os que derão os tiros. Todos os
que vendo prezos os ditos Fidalgos fossem perguntados por quem tinha
descarregado aquelles tiros, responderião que os que se achavão prezos
por aquelle motivo e farião algũa prova contra elles semelhantes respos-
tas e depoimentos? Certamente nenhũa, pois outra tanta pode fazer esta
testemunha e as mais que depoem pelo mesmo theor.
O baille com as janellas abertas de que falla esta testemunha,
quando servisse de disfarce ao Mascarenhas, [fl. 178v] que não assistio a
elle, nunca servia de disfarce antes de defeza ao Marquez filho que tinha
assistido ao mesmo baille. Não declara a quem ouvio que o Conde de
Atouguia tinha mandado dous ou tres cavallos para aquelle delito e que
prova faz esta voz incerta de hum facto de que não há vestigio algum no
processo? Logo se fará menção do mais que esta testemunha declarou
no tormento que lhe foi dado.
A testemunha Francisco da Costa, sota coxeiro do dito Mascarenhas,
nada mais dice do que ter ouvido publicamente que os socios do Duque

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

forão os Marquezes de Tavora e Conde de Atouguia. Este dito tem a


mesma resposta dada ao da testemunha antecedente. Dice mais, que ou-
vira ao criado Domingos Marques que dous dias antes do insulto tinha
mandado o Marquez filho dous cavallos aparelhados para a cavalharice
do mesmo Duque. Porem, o criado Domingos Marques referido, sendo
perguntado negou o referimento não tendo enteresse algum em oculta-lo.
E que credito merece a testemunha referente, quando a desmente a re-
ferida? Logo se discorrera no mais que esta dice atormentada.
Dice mais que na noite do insulto houvera em caza do Mascarenhas
hũa rabeca a que assistirão os Marquezes de Tavora pay e filho. Mente
pello que respeita ao Marquez pay, pois consta do processo que unica-
mente o Marquez filho e não o pay assistira àquella rabeca. E que credito
merece a testemunha em hũa parte, quando mente na outra? Se ella não
falla verdade quando dis que o Marquez pay assistira ao baille, como se
lhe pode acreditar o que dice ouvira ao criado Domingos, negando-o este
emquanto não foi atormentado?
Manoel Alvarez [fl. 179] Ferreira nada dice, nem seu irmão Antonio
Alvarez, contra os Marquezes de Tavora, Joze Maria de Tavora e Conde
de Atouguia, confessando ingenuamente quanto sabião e tendo toda a
razão de saberem se houve mais socios, nenhũa idea dão de taes com-
plices, o primeiro, ainda em rigurosissimo tormento, como fica demons-
trado. E por isso estes dous depoimentos contestes e de facto proprio
lhe abonão a innocencia.
Todas as mais testemunhas como são, Antonio dias, Antonio Alva-
rez, pagador, João Miguel, Braz Joze Romeiro, Joaquim dos Santos, co-
cheiro do Duque, Domingos Marques, Joze Fernandes, sota cavalharice
do Marquez pay, Joze Antonio boleeiro do mesmo Marquez, João Ber-
nardo creado do mesmo, Pedro da Silva e Antonio Joze Leitão, huns nada
dizem, ainda sofrendo tormentos, outros cederão à violencia delles e tudo
quanto dicerão alguns, emquanto não forão torturados, se reduzio a que
tinhão ouvido dizer que o Mascarenhas, Marquezes de Tavora e Conde
de Atouguia tinhão atirado os tiros que he o mesmo que se diria em toda
a Lisboa e ainda nas partes mais remotas do reyno se nellas se soubesse
que se havião dado os tiros e que por ocazião delles se achavão prezos
os ditos Marquezes, conde, etc, sem que fizessem contra elles algũa
prova, por não serem daquella classe as pessoas de authoridade e dignas
de fé que na forma da ordennação libro 5º. titulo 134 devião dar valor à
fama de que os Tavoras tinhão sido complices deste delito.

240
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Todas as testemunhas do processo jurarão depois das prizoens e


não era possivel que ouvissem ou dicessem outra couza, ainda que nada
soubessem nem fossem vexadas do temor e da rigurosa prizão em que
as [fl. 179v] meterão. Esta he, em conclusão, a prova que fazem contra os
ditos chamados complices antes da tortura, as testemunhas que cederão
à violencia della.
Sinco testemunhas em tormento referem a Antonio Joze, boleeiro
do Marquez filho, que levara os dous cavalloz da cavalharice deste para
a de Joze Mascarenhas dous dias antes do insulto, aparelhados, sellados,
enfreados e cobertos com telizes. Não há mayor disparate, nem mais in-
digno de acreditar-se. O Mascarenhas tinha dezembolsado dezasseis moe-
das para se comprarem dous cavallos e vinte para se comprar a palha e
sevada que elles houvessem de comer antes do insulto e ainda por algum
tempo depois para se não fazer reparavel o serem logo vendidos. Toda
esta precaução se dirigia a que não sahissem cavallos da sua cavalharice
nem os criados della soubessem que da mesma tinhão sahido cavallos
em a noite em que se commeteo aquelle maleficio. E pode-se crer que
houvesse de consentir que della sahissem os dous cavallos do Marquez
de Tavora filho, tendo vindo para ella com tanta publicidade, cobertos
com telizes como dizem aquellas testemunhas, que nem se atreverão a
declarar se tinhão vindo de dia ou de noite. Tudo isto forão abortos da
tortura de que abaixo se tratará. Mas o cazo he que aquelle boleeiro An-
tonio Joze, conductor dos dous cavallos, não foi perguntado nem consta
do motivo porque o não fosse. E pode-se prezumir bem de hum processo
em que se ommite hum exame tão essencial? Quando se fizerão outros
tão frivolos e tão destituidos de fundamento e de probabilidade? Per-
gunta-se tanto pello conductor dos cavallos e não há cuidado algum em
lançar mão delle e examina-lo? Como se podia saber se fora verdadeiro
aquelle facto do boleeiro referido sem este se examinar e confrontar? Se
de taes testemunhas não fizera cazo algum a sentença como devia por
falsas e inverossimeis, não seria estranhavel aquella ommissão, mas fun-
dar-se nellas ommitindo hum exame tão substancial que delle dependia
não menos que a verdade ou a falsidade dos [fl. 180] seus depoimentos,
he hum erro intoleravel a que reziste a razão de todos os direitos que
não sofresse de credito às testemunhas referentes de algum facto sem se
perguntarem as referidas por nellas se refundir a verdade delle e menos
que deixe de proceder-se à confrontação dellas emquanto os delitos se
não achão plenamente provados.

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Quanto às declaraçoens de Joze Mascarenhas, que se seguirão aos


verdadeiros depoimentos de Manoel Alvarez e Antonio Alvarez que ficão
substanciados, forão verdadeiras as primeiras e segundas que se lhe fi-
zerão em 24 e 25 de dezembro, porque, suposto principiasse negativo,
veyo a confessar a sua culpa com a mesma ingenuidade e certeza com
que tinhão declarado e confessado o insulto os ditos Manoel Alvarez e
Antonio Alvarez, concordando athe no segredo que a este e a seu cu-
nhado Joze Policarpo recomendara, negando com tal constancia a con-
federação com os Tavoras e o ajuntamento com elles no jardim em a
referida noite depois de commetido o delito que chegou, como fica dito,
a requerer confrontação com as testemunhas que tivessem jurado o con-
trario, ao que se lhe não deferio não sendo outras mais que o celebre
denunciante e a moça. E conformando-se com a sinceridade e proposito
que então mostrou de fallar verdade, deo mais hũa prova sobre as que
ficão expendidas de ser falso e fabuloso o concurso dos Tavoras para tão
abominavel insulto.
Porem, nas terceiras e quartas perguntas feitas em 28 e 29 do dito
mez, mentio dezordenadamente. O preambulo com que a ellas se proce-
deo foi o mais apto e sugestivo para se lhe extorquir o concurso de outras
pessoas que nelle se lhe apontarão onde tãobem não esqueceo a prizão
dos Tavoras e com esta noticia que lhe foi dada discordou disvairada e
in[e]speradamente de si mesmo dos sobreditos dous complices, testemu-
nhas de facto proprio, cuja verdade tinha abonnado nas anteriores per-
guntas e de toda a verossimilidade. Ainda que estas posteriores
declaraçoens se convencem facilmente de mentirosas e nestes termos,
seja mais curiosa do que necessaria a indagação do motivo que elle teria
para hũa tão estranha e repentina mudança [fl. 180v] para que elle não
fique duvidoso, se veyo a manifestar que a dita mudança foi efeito do
tormento. Não consta do corpo da Devaça que elle o levasse, mas o Pro-
curador que lhe foi dado, Ministro de grande fé, carather e probidade,
que não teve em que fundar a defeza dos reos, senão no que tirou da
boca delles nos breves instantes em que foi ouvi-los, estabelesce a defeza
do mesmo Mascarenhas em que as declaraçoens que fes forão extorqui-
das pello rigor do tormento e medo delle. E esta declaração do dito Mas-
carenhas, feita em tão critico momento e manifestada pello orgão de hum
tal Procurador, se fas inteiramente verossimel pella devaça onde não apa-
rece huso negativo do concurso dos Tavoras que não fosse immediata-
mente torturado. E não há, nem pode haver, razão algũa que em hum

242
O PROCESSO DOS TÁVORAS

delito que fes indispensaveis os tormentos pela sua immunidade fossem


dispensados ao indubitavel xefe delle que se dessem a tantas testemu-
nhas com menos fundamento para saberem se os Tavoras forão compli-
ces e que se não dessem a quem tinha toda a razão de saber se elles o
tinhão sido. Não passa, porem, a curiosidade ao ponto de indagar qual
fosse o motivo de ficar o tormento do dito Mascarenhas, mistério oculto
na devaça? Basta só reduzido à classe dos outros torturados e mostrar
que foi tão verdadeiro antes do tormento, medo e ameasso delle, como
mentiroso depois[?] He, pois, forçoso que faltasse à verdade ou em huas
ou em outras perguntas e regulando-se o juizo pellas provas da devaça
bem combinadas deve assentar-se que falou toda a verdade nas antece-
dentes e falou inteiramente a ella nas subsequentes. Nas primeiras ne-
nhum proveito tirava de encobrir os seus correos depois de se
condemnar a si mesmo e a toda a sua posteridade. E nas ultimas podia
na dor e medo do tormento cega-lo a esperança de que involvendo no
seu delito muitas e grandes pessoas de hum e outro foro poderia por
este modo, à sombra de huns ou outros, cem premio de hũa confissão
ampla ou fazer-se participante de hum perdão ou ser mais benignamente
castigado que he o que commumente acontece em semelhantes circuns-
tancias, ainda sem se discorrer profundamente sobre os efeitos do temor
e da lizonja de que he capaz hum reo atreiçoado à vista da paxão que
reconhece nos Juizes perante quem se acha convencido e abismado, con-
correm dous Duques de Aveiro desmentindo-se hum e o outro. He inve-
rossimel toda a idea de confederação e de emboscadas como fica
demonstrado e ou os chamados complices erão ou não erão insensatos?
Se o não erão, como he patente [fl. 181] a razão natural a toda a arbitraria
prezumpção de que houve mais assassinos e de que houve mais man-
dantes? Não erão bastantes ou serião necessarios mais de dous homens
para atirarem dous tiros? Não era bastante ou seria necessario mais de
hum mandante para enteressar aquelles dous homens a arrojarem-se
àquella atrocidade, principalmente ignorando elles, como he crivel, quem
hia dentro daquella carruagem?
Não era este mandante hum Duque de Aveiro, hum Mordomo mor
da caza real, honrado pello mesmo Rey com o tratamento de sobrinho?
Havia no reyno outro grande de mayor authoridade e poder ou mais opu-
lento em riquezas de quem os mandatarios, ainda que não tivessem sido
seus criados, podessem esperar mayores recompensas ou mais segura
protecção e impunidade? Podião ser outros os motivos que os aliciassem

243
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

a commeter hum homicidio? O respeito que elles devião ter àquella


grande personagem, de quem erão ou tinhão sido creados, era outro po-
deroso motivo para os empenhar a prestarem-se àquella criminosa acção.
Pois, se toda esta authoridade, poder, riqueza e respeito do Duque sobe-
javão para mover aquelles mandatarios a commeterem hum homicidio,
que razão podia haver para se supor, emquanto não houvesse outra algũa
prova, que os Marquezes de Tavora e os mais referidos, de quem os man-
datarios não tinhão tanto que esperar, nem devião contemplar tanto como
o Duque, fossem tãobem fautores deste delito.
Houve tiros, constava delles por hum corpo de delito. Era necessa-
ria e justissima toda a deligencia e indagação para se descobrir quem os
tinha dado e mandado dar, descobrem se logo os mandatarios, que erão
bastantes, e o mandante, que igoalmente o era, como fica ponderado, e
encheo-se a idea e todo o vacuo daquelle corpo de delito se não cons-
tasse que tinha havido tiros, não seria barbara e redicula toda a deligencia
que se fizesse ao fim [fl. 181v] de saber-se quem os tinha dado? Pois, isto
he o que sucede a respeito da conjuração ou confederação das embos-
cadas, das esperas superiores às de que se dispararão os tiros.
Não há idea nem prova algũa de conjuração de outras emboscadas,
nem de outras esperas. Ellas constituem hu delito, ainda que coincindente
com o dos tiros, distinto a respeito daquelles que não tiverão parte na
acção dos mesmos tiros e sem embargo que nenhũa necessidade havia
de o prezumir. Comtudo, não he estranho se indagasse se houvera con-
juração, emboscas ou esperas, mas he violencia intoleravel que sem cons-
tar que as tinha havido se supozessem como certas e se entrasse a
perguntar quem erão os conjurados e quem estivera nas esperas? Ata-
cando desta sorte o direito natural, que cobre com o veo da innocencia
todos aquelles em quem não há motivo nem necessidade de prezumir
culpados.
Que não haja idea ou prova algũa de conjuração, de emboscadas
ou de esperas, ja fica demonstrado na analyze que se fes aos depoimen-
tos de Manoel Alvarez e Antonio Alvarez, testemunhas contestes e de
facto proprio. E já fica tãobem convencida a prezumpção que apontou o
segundo, que da parte superior a houvesse por lhe recomendar o seu
mandante que depois de dados os tiros retrocedesse e não fosse pella
parte de sima.
O mesmo Joze Mascarenhas, sendo tantas vezes instado nas suas
primeiras e segundas perguntas, confeça o seu delito e mandato, e o dos

244
O PROCESSO DOS TÁVORAS

seus mandatarios, e nega constantemente todos os quezitos de conjura-


ção, de confederação, de emboscadas e de esperas, quem confessa a sua
culpa cuidando que assim dezonera a sua consciencia deixaria de con-
fessar ou declarar, tãobem, a alhea se soubesse della pode prezumir-se o
contrario? [fl. 182] confessa ingenuamente Joze Mascarenhas o seu pro-
prio delito e não podia ignorar que tinha obrigação de justiça e de cons-
ciencia de declarar o alheo em observancia da ley e do juramento que
necessariamente se lhe teria deferido, pello que respeitava a terceiros.
Poderia, pois, ter mayor enteresse em salvar a vida e a fortuna de seus
parentes por afinidade quem acabava de sacrificar a sua propria e a de
seus filhos e descendentes. Se o mandante deste atrocissimo delito, hum
dos seus mandatarios e outro conscio do mesmo crime, todos tres com-
plices delle e que tinhão razão de saberem as suas circunstancias, não
duvidão expor-se as mais crueis e severas pennas por não faltarem à ver-
dade como pode prezumir-se que quizerão nega-la para salvarem os es-
tranhos, depois de se condemnarem a si proprios? Não he logo temeraria,
por não dizer-se dolosa, toda a supozição de conjuração de emboscadas
e de esperas?
O boleeiro Custodio da Costa, dice que ao tempo que se derão os
tiros lhe parecera ver huns vultos a cavallo da parte do muro novo, hum
pouco mais assima. Este parecer do boleeiro nada prova porque a obs-
curidade da noite assim como encobre os objectos que existem, tãobem
reprezenta os que não tem existencia. E se isto sucede a quem olha com
serenidade de animo, que não sucederá a quem olha escassamente com
sobresalto e preocupado do temor? Elle confessa que o concebeo ao pas-
sar pello arco donde vira sahir tres homens a cavallo, dos quaes hum lhe
batera hũa arma de fogo que o errara e por isso acelerara os passos dos
machos que governava. Já aqui lhe figurou o temor hum cavalleiro de-
mais, pois se houvesse mais de dous assim como só de si e do cunhado
Antonio Alvarez, não he crivel que ocultasse o terceiro, se o houvesse,
por lhe não poder importar mais do que a sua propria pessoa [fl. 182v]
e a do dito cunhado.
Tãobem se enganou o mesmo boleeiro em cuidar que lhe baterão
à queima roupa hũa arma de fogo, pois que nem Pedro Teixeira que hia
na mesma carruagem tal dis, nem o mesmo Antonio Alvarez. O certo he
que se enganou em o numero dos homens a cavallo e se nesta parte não
falla verdade, afirmando pozitivamente que vira tres homens a cavallo,
pode-se-lhe dar credito algum quando dis que lhe parecera ver vultos a

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

cavallo mais assima? Se antes dos tiros o temor lhe multiplicou os objec-
tos, quando os ouvio crescendo-lhe o medo mayor se deve conciderar a
sua illuzão.
O denunciante Salvador Joze Durão, que dennunciando no dia 15
de dezembro, foi o que deo principio à devaça, depende do mais espe-
cifico e concludente convencimento por que a sentença, abandonando
toda a verdade do facto e toda a verossimilidade, lhe deo o credito que
elle não podia ter sem ofensa dos sobreditos direitos. Dice elle, que tendo
algum commercio illicito com hũa Mariana Thereza, moça da caza do reo
Joze Mascarenhas, e fazendo-lhe o mesmo aviso que na referida noite de
tres de Septembro lhe poderia falar da meya noite por diante, fora, com
efeito, à hora destinada e que sendo duas depois da meya noite, pouco
mais ou menos, achando-se elle escondido debaxo de hũa ponte de pao
que estava ao lado jardim, vira chegar dous embuçados a pé dos quaes
hum era o dito Joze Mascarenhas que tirara hũa pistolla ou bacamarte
com que batera tres vezes em hũa pedra espraguejando em vox que elle
conhecera ser do mesmo Joze Mascarenhas e com as palavras: “valha-te
os diabos que quando eu te quero não me serves”. Que outro que vinha
com o dito Mascarenhas, lhe pareceo que [fl. 183] devem supor-se nelles
os dictames da razão por que costuma regular-se quem a tem nos confli-
tos das mais ponderaveis consequencias. E não podendo haver algum
mayor do que aquelle, como pode compadecer-se que o Duque comuni-
casse a tanta gente o seu arriscadissimo projecto correndo o mayor perigo
em ser delatado? Que o confiasse de familias, ainda que conjuntas, emu-
las, com quem não tinha vivido sempre em perfeita armonia e amizade,
e que o deixasse comprehender a tantos criados indignos de confiança?
Seria possivel que os Marquezes de Tavora, logo depois do delito
commetido e tão perto do sitio onde se tinha perpetrado, fossem largar
nelles os cavallos e fazer hũa galhofa ou assemblea no campo proximo
ao jardim do mesmo Joze Mascarenhas, falando claramente em materia
que pedia o mayor recato onde podião ser vistos e ouvidos de pessoas
que nas terras populares nunca faltão a toda a hora da noite?
Seria possivel que elles logo na manhãa seguinte, com todos os
seus mais proximos parentes, concorressem a caza do dito Mascarenhas
para se comprazerem da cauza que lhes devia infundir o mayor terror?
Antes pello contrario. Se elles fossem participantes daquelle crime se ha-
vião desviar do mesmo chefe delle e não frequentarião tão sedo a sua
caza onde somente hirião separados huns dos outros e as menos vezes

246
O PROCESSO DOS TÁVORAS

que lhes fosse possivel para se não fazerem suspeitos, ou pella mayor
frequencia ou pello total retiro. As vizitas e conversaçoens entre os ami-
gos ou parentes havidas depois de commetido hum delito por algum del-
les, serão por ventura argumento certo de conjuração que o podia
preceder e de que não há a menor aparencia? Dice o Mascarenhas [fl.
183v] que havia tres esperas, duas das quaes estavão por sima da que
disparou os tiros que em hũa estava o Marquez pay e o Cabo Braz Joze
Romeiro e em outra o Conde de Atouguia e seu cunhado Joze Maria, não
atinou, porem, a destinar lugar ao Marquez filho.
Primeiramente, desde o sitio onde forão dados os tiros athe a cal-
sada da Ajuda, sobre a qual se acha situado o paço de sua Magestade,
não há distancia para tantas esperas nem lugar acommodado para ellas
se collocarem por ser hum caminho direito e descuberto que não permite
serventia por algum dos lados. A ultima não podia avizinhar-se à sobre-
dita calsada, sempre frequentada de gente e tão proxima do Paço. Pellas
dez horas da noite, seria necessario que ambas estivessem muito juntas
hũa à outra, seria muito facil que àquellas horas passasse por aquelle ca-
minho muita gente e alguas luzes de archotes, que fossem vistos dous
homens a cavallo mais abaxo e outros dous ou tres montados mais acs-
sima, todos parados e sem se poderem encobrir nem disfarçar o seu in-
tento de estarem esperando alguem, ou fosse para o roubarem ou para
o assassinarem, que algum dos passageiros que concebesse esta sospeita
a fosse logo delatar e que viesse a tropa ou a justiça a surprender aquelles
espantalhos.
Pelo contrario, o sitio em que se pozerão os dous correos Antonio
Alvarez e seu cunhado era muito acommodado e mais seguro para a em-
boscada por ser hũa encruzilhada de caminhos que dão serventia para
quatro ou sinco partes, ali havia a sombra das cazas da quinta mo meyo,
do arco que a dividia de sima e os muros de ambas, à mesma sombra
podião estar parados os agressores sem algum receo se vissem que vinha
gente por algum dos lados, podião desviar-se para outro fingindo que
marchavão para poderem [fl. 184] voltar outra vez ao mesmo lugar. Não
era este o mais oculto e o menos exposto, suspeito e arriscado para as
esperas em todo aquelle tranzito? E se os Marquezes de Tavora e mais
chamados complices se empregassem nellas não serião senhores de es-
colherem para si aquelle sitio como mais seguro e acautellado athe para
a retirada? Logo, he contra toda a verossimilidade quanto dice o Masca-
renhas do numero das esperas e das pessoas que nellas se postarão.

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E para que não haja declaração algũa das que fes nas terceiras e
quartas perguntas, o mesmo Joze Mascarenhas que se não mostre inve-
rossimel, falsa e convencida pela devaça bastará se discorra por cada hũa
dellas, que se combinem huas com as outras ainda sem chegar-se ao es-
forço de hũa boa critica.
Logo que se lhe deo a sugestiva noticia da prizão dos Tavoras e
que se lhe propos como verossimel o concurso de outras diferentes pes-
soas de diverso foro, estranhas do prezente objecto e que fazião hũa das
principaes intençoens das perguntas e que se conseguio que elle as de-
clarasse, o não quizerão por aquella vez incommodar com mais pergun-
tas. E na seguinte sessão, dando-se já por certos os influxos das outras
pessoas já por elle declaradas, foi só perguntado a quem os communicara
e pellos efeitos que rezultarão dessa participação, dice que os communi-
cara primeiramente a seu cunhado, João de Tavora, e depois aos Mar-
quezes de Tavora, pay e filho. Porem, que tendo-se o mesmo João de
Tavora oferecido para ser hum dos executores do insulto não so recla-
mara logo o oferecimento mas o exhortara a que dezistisse de tão detes-
tavel projecto pello perigo a que expunha a sua vida e a sua caza, mas
que os Marquezes de Tavora, pay e filho, falando com elles separada-
mente, não só aprovarão a proposta, mas oferecerão cavallos e o mais
que fosse necessario para a execução do insulto. Já fica apontada a inve-
rossimilidade desta participação, tanto da parte do Mascarenhas, [fl. 184v]
como pelo que respeita aos Tavoras. E ficão tãobem expendidas as outras
muitas que fazem incrivel e improvavel o concurso delles deduzidas da
mesma devaça. Nem se poderá fazer crer que João de Tavora, ainda na
falsa supozição daquella pratica, sendo hum filho segundo e arriscando
menos, reclamasse o concurso e o aceitassem os dous Marquezes arris-
cando tanto!
Bem previo, quem fes a pergunta, que este auxilio oferecido logo
por aquelles Marquezes, se havia de fazer incrivel sendo elles tão favo-
recidos pelo senhor Rey D. Joze com honras e mercez. Para a sentença
fazer o delito de Joze Mascarenhas, foi necessario asignar-lhe as cauzas
que teve para o commeter e suposto não possa haver algũa por mayor
que seja que se proponha bastante a justifica-lo seria sempre dificil de
acreditar sem ellas aquelle oferecimento de auxilio prestado por huns
vassallos que farião mais infame a seu crime com a vileza e com a ingra-
tidão, era pois necessario que se o corresse a este reparo que faria incri-
vel a oferta daquelle auxilio. E como se ocorreria a elle? Couza notavel!

248
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Acrescentando-se depois de finda a resposta da pergunta as palavras:


“dando por motivo para a sua cooperação a queixa que formava do go-
verno pella falta de despachos correspondentes aos seus serviços”, acres-
centamento que se está vendo ser feito depois de fechada a pergunta
com a resposta do mesmo Joze Mascarenhas e acrescentamento a que
deo mais ampla explicação a sentença, escrevendo-se nella que o Mar-
quez Francisco de Assiz de Tavora pertendera o titulo de Duque e que
não fora respondido com elle, dando por certo o facto desta pertenção
de que não há vestigio algum na devaça nem sabendo-se que tinha ha-
vido tal pertenção senão depois que se vio escripta na sentença, mas
ainda dando-lhe toda a certeza, nunca seria bastante a persuadir a sacri-
lega temeridade daquelle auxilio por ser cazo bem novo que hum vas-
sallo [fl. 185] generosamente favorecido pelo seu Rey atente contra a vida
delle porque o não despachou com tudo quanto lhe pedio os absurdos
que disto resultarião, seria athe sacrilegio referi-los.
Ja ficão convencidas de falsas e mentirosas as hystorias dos cavallos
mandados pello Marquez filho preparados e ornados com telizes para a
cavalharice de Joze Mascarenhas dous dias antes do insulto dizendo este
que servirão nelle, quando nenhum destino lhes dá, nem ainda ao Mar-
quez seu donno nas quartas perguntas, como tãobem a das emboscadas.
E resta somente descobrir o erro das contas que fes a sentença a onze
cavallos e outros tantos cavalleiros, ella os distribue em emboscadas sem
especificar pello numero dos cavallos o dos cavalleiros. He certo, e a
mesma sentença reconhece, que Joze Mascarenhas fora a pé, acompa-
nhado tãobem a pé pello seu infeliz criado João Miguel. Manoel Alvarez,
copeiro, ficou esperando no jardim que o dito Mascarenhas se recolhesse
do insulto como lhe deixou ordennado quando para elle partio. E de
resto, contados os mais justiçados, sobejão os cavallos e faltão os caval-
leiros, e havendo cavallos sobejos, he couza bem notavel que o Mascare-
nhas e o criado João Miguel fossem a pé! Que não quizessem hir a cavallo
tendo tanta cavallaria sobeja athe para fogirem mais depreça e evitarem
o serem seguidos por alguem que ao passar pelo sitio ouvissem o es-
trondo dos tiros, não sendo verossimel que deixasse de tomar para si e
para o criado o mesmo conselho que tinha dado aos dous assassinos.
He couza pasmoza que hũa hystoria tal como esta apareça autho-
rizada na sentença, destituida de toda a probabilidade e deduzindo-se
clarissimamente da devaça que não houve mais cavallos que os dos dous
assassinos. Que o Mascarenhas, para evitar toda a suspeita que lhe seria

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funestissima, não consentio que fossem nos seus proprios cavallos, mas
lhes ordennou que os comprassem por prevenir-se contra a mesma sos[fl.
185v]peita, quis antes passar pello incomodo de hir a pé para o insulto
do que a cavallo. Conduzido pella mesma advertencia athe a fes aos as-
sassinos dous dias depois do insulto para que não vendessem logo os
cavallos que lhes comprara, para que vendidos immediatamente depois
do mesmo insulto se não podesse sospeitar que para elle se comprarão.
Como pode, pois, concordar-se tanta prevenção antecedente tanta cau-
tella e posterior advertencia com a anterior relaxação de mandar preparar
não menos que nove cavallos e manda-los conduzir por criados para as
terras e lugar do insulto na mesma noite delle? De que servia aquella ad-
vertencia depois de executado o insulto, se o segredo delle se havia re-
laxado na mesma noite em que foi commetido?
Merece o mesmo conceito a hystoriada finta que deo tão pouca aut-
horidade à sentença que fes vacillar a fé della, não só nestes reynos mas
nos estranhos, e fazendo-se duvidosa em hũa parte, ficaria sospeita athe na
verdade constantissima de que Joze Mascarenhas e os dous assassinos forão
os barbaros executores do insulto, como sucede em todas aquellas, que se
não estelescem65 (sic) em fundamentos, que os fação respeitar. Se a critica
pode entrar por hũa parte, fas argumento contra a verdade das outras.
He indubitavelmente certo que desta finta não houve prova ou ves-
tigio algum na devaça nem teve mais existencia que na simples declara-
ção de Joze Mascarenhas e isto só bastou para que se acreditar-se como
verdadeira. Dice o mesmo Mascarenhas que concorrera o Marquez de Ta-
vora pay com doze moedas, a Marqueza sua molher com dezasseis, oito
por si e oito pella Condeça de Atouguia, sua filha, e com doze as mais
pessoas que aponta, entre as quaes as dividio para que todas completas-
sem as quarenta que se derão aos assassinos. De sorte que elle foi o que
[fl. 186] os chamou, o que os aparelhou, armou e lhes pagou com qua-
renta moedas, dezasseis por hũa vez, quatro por outra e ultimamente
com vinte dous dias depois do insulto, mas foi tão mizeravel, forte mize-
ria! Que quis tirar a salvo toda esta despeza, condemnando e fintando
todas as pessoas e familias que aponta e andando pellas portas dellas
mendicando estas vilissimas esmollas e isto para que? Para se tirar a vida
a hum Rey, achando logo as bolsas abertas para estes sacrilegos auxilios
como se fossem para algũa obra de religião e de piedade.

65
Entenda-se «estabelecem».

250
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Tudo isto pertendeo fazer crivel a sentença, mas como? Atribuindo


só à Marqueza as dezasseis moedas que declarou o Mascarenhas, tinha
dado oito por si e oito pella Condeça sua filha, para que milhor lhe as-
sentasse o titulo de xefe da conjuração com que he tratada e nesta infi-
delidade estão conformes a que se imprimio com a dos autos. Estão,
porem, disformes entre si, a respeito das oito moedas que a sentença ma-
nuscripta dis dera a Condença de Atouguia por seu marido. E a impressa
dis que as dera o mesmo marido. De sorte que athe aos Juizes da sen-
tença pareceo incrivel esta declaração do Mascarenhas, porque aplicarão
só à Marqueza may as dezasseis moedas, das quaes oito tocavão à filha
e entendendo que era inverossimel o auxilio desta, sendo só o marido o
que havia de padecer, escreverão na sentença que ella dera as oito pello
mesmo marido, a sentença, porem, que corre impressa, dis que elle fora
o que as dera. Assim, arbitrariamente em hum ponto tão substancial, se
fes a conta a este imaginario concurso, mas se isto he mao, foi peor ainda
o não se fazer cazo das doze moedas com que dice o Mascarenhas tinhão
concorrido outras pessoas e familias sem poder haver fundamento para
a ocultação de outros concurrentes, porque [fl. 186v] se estes se ommiti-
rão na sentença por se não fazer crivel o seu concurso. Logo, mentio o
Mascarenhas e que razão há para se acreditar o dos outros sahindo todos
da boca do mesmo Mascarenhas e não havendo delles outra algũa prova?
Refutar parte das declaraçoens que elle fes por falsas e acreditar outra
parte das mesmas por verdadeiras he contra os principios de todos os
direitos e he fazer dispotico o ministerio de julgar que deve ser regulado.
Alem do que a mesma sentença, seguindo a declaração do Masca-
renhas, dis que com a dita finta se prefizerão as quarenta moedas ou
cento e noventa e dous mil reis que se derão aos assassinos e, pellas con-
tas que fas, não aparecerem senão trinta e seis, ao mesmo passo que o
mesmo Mascarenhas nas que armou desta finta se dá por indemnizado
de toda aquella despeza.
Pode, pois, entrar em juizo são e prudente que não foi falsa e men-
tirosa esta declaração do Mascarenhas se athe os Juizes forão os primei-
ros que da verdade della duvidarão, compondo-a em forma que a
podessem fazer crivel? Se elle mentio tão dezordenadamente nesta a res-
peito do concurso dos Tavoras, qual he o direito por que se deve acreditar
nas outras?
Mentio tãobem com a mesma dezordem na resposta que deo à per-
gunta sobre o ajuntamento em sua caza, na manhãa immediata ao insulto,

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

dizendo concorrerão nella o Marquez de Tavora pay e filho, Joze Maria


ajudante das ordens, a Condeça de Atouguia e outro de cujo concurso pe-
cuniario não quis fallar a sentença e que de uniforme acordo de todos os
concurrentes se increparão os executores do insulto que dicera Joze Maria
“cá pello homem [fl. 187] condemnarão a huns e outros reos na ultima
penna cruel”. E ultimamente que no mesmo dia doze se mostra proferida,
datada e asignada, a sentença que compondo-se de vinte e tres folhas de
papel seria impossivel que não estivesse lacrada muitos dias antes. E, con-
sequentemente, antes de vista a defeza que nella se acha desprezada.
O que, porem, acaba de levar a violencia ao mayor ponto de es-
candalo he a tragedia em que se fes figurar a Marqueza de Tavora D. Leo-
nor, fazendo-se-lhe cargo de vizitas de seu filho, filhas e genro, como se
fosse crime que os filhos e genros vizitem seus paes e sogros das praticas
que havia em sua caza contra o governo do Senhor Rey D. Joze. Das con-
ferencias sobre o muito que importava que o mesmo Senhor deixasse de
viver. De ser aconselhada e persuadida para hum tão barbaro parricidio
como licito pellos influxos e conselhos de certos individuos de outro foro
que frequentemente a vizitavão e de arrastar e precipitar em tão abomi-
navel absurdo por força dos ditos conselhos a seu proprio marido, filhos
e genro pello grande imperio que sobre todos elles tinha quando nada
do referido consta da devaça mais que pellas falsas, mentirozas e con-
vencidas declaraçoens de Joze Mascarenhas e das que se extorquirão por
força de sugestoens e de tormentos da boca do Marquez seu filho e do
Conde de Atouguia, seu genro, depois de seduzidos de que não só contra
elles mas contra a dita Marqueza sua may e sogra, se provavão as falsas
materias de que forão compostas as perguntas. Demonstrando-se muito
ao contrario pella [fl. 187v] devaça por provas liquidissimas que nem os
Tavoras entrarão na conjuração e no insulto, nem as pessoas a que se
atribuirão aquelles conselhos e influxos vizitassem já mais a mesma Mar-
queza ou com ella tivessem pratica ou conferencia algũa! Dado que em
algũa ocazião se confeçasse com o Padre Malagrida, o que se não prova,
seria sempre temeraria a presumpção do venneno no confessionario. E
se das confiçoens com aquelle Padre se podessem deduzir indicios para
tão tremendo insulto seria necessario se chamassem como reos ao juizo
da inconfidencia quantos elle atrahio ao Tribunal da Pennitencia e ficaria
notada a mayor ou milhor parte da nobreza da corte.
Sem embargo, porem, de mostrar a mesma devaça debelada toda
aquella machina fundada naquelles conselhos e influxos, ainda a sen-

252
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tença os fes valler para constituir chefe do insulto a mesma infeliz Mar-
queza. E para se mandar conduzir do Convento em que se achava para
o lugar em que havia de ouvir a sentença de morte sem ser perguntada
nem defendida, não podendo haver fundamento que se não repute ofen-
sivo athe da humanidade, para que fossem tantas vezes perguntados os
outros chamados reos e o não ser a Marqueza, darem-se os extratos das
culpas dos mais comprehendidos na sentença ao Procurador e nada se
lhe dar do que pertencia à Marqueza serem os outros precipitadamente
defendidos e a Marqueza nem bem, nem mal. Assim acabou os seus dias
aquella disgraçada Marqueza, sem outra noticia da cauza da sua morte
mais do que a que lhe deo a sentença que lhe foi notificada e o procedi-
mento que com ella [fl. 188] se teve. Fas tãobem a ultima prova do que
se ve praticado nesta devaça contra seu marido, seus filhos e seu genro.
Mas que conceito pode merecer hũa sentença athe de si mesma
desconfiada e das provas da devaça emquanto toma por fundamentos
tantos factos estranhos de que na mesma devaça não aparece o menor
vestigio? Se hũa tal liberdade podesse permitir-se sem censura nesta se
expenderião outros, talves de mais publica notoriedade em ultimo
abonno da verdade que sobstenta, mas deve reputar estranho tudo o que
se não pode verificar pellos autos. E tãobem não pode julgar bem da pre-
cipitação com que aquella sentença se executou sem se admitir a menor
replica aos reos. Se ella se negasse aos que verdadeiramente o tinhão,
teria a negação mais disculpa porque nada poderião dizer que os rele-
vasse. Mas negar-se, tãobem, aos que certamente não estavão convenci-
dos pella devaça, aos que não forão nem podião ser bem defendidos no
apertadissimo termo que lhes foi concedido, foi violencia intoleravel que
acabou de atropellar os sagrados e immutaveis principios dos direitos
natural e divino, tantas vezes violados na devaça.
Mostrando-se, pois, em recapitulação de tudo o referido, os agres-
sores certos daquelle atrocissimo crime, convencida de falsa e fabuloza
a dennuncia que deo o primeiro principio a inquizição contra os Tavoras.
Demonstrada a exclusão do concurso destes, por testemunhas contestes
e de facto proprio, e por outras mais provas de indubitavel cer[fl.
188v]teza deduzidas da devaça, convencidas de falsas, mentirosas e entre
si contrarias e irreconsiliaveis, as posteriores declaraçoens de Joze Mas-
carenhas e as outras extorquidas à violencia de tormentos e com as su-
gestoens que dellas mesmas se manifestão huas sem retificaçoens e
outras com ellas tão informes como se tem feito patente e ainda estas

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mesmas assim falsas e informes convencidas por outras de mayor numero


que não cederão ao rigor da tortura sobstentando constantemente a ex-
clusão dos mesmos Tavoras. Não pode deixar de deduzir-se a conclusão
que aquelles Juizes, não por má intenção que nelles se não prezume,
nem por ignorancia porque erão doutos, mas por falta de tempo para o
exacto exame de que a devaça dependia, violarão inadvertidamente em
todas as suas partes os luminozissimos Decretos do Senhor Rey D. Joze,
cheos da mayor unção e piedade e obra do santuario da sua regia e cons-
tantissima justiça, e atropellarão com hũa absoluta ignorancia do mesmo
senhor as regras dos direitos natural e divino que lhes tinha mandado
observar. Fazendo a mais incontestavel prova daquella mesma ignorancia
o referido alvará em que confirmou a dita sentença quanto aos efeitos
que nelle se declarão, porque se fossem prezentes ao mesmo Senhor as
transgressoens dos seus Regios Decretos, tão sagrados como os mesmos
direitos em que forão fundados e que tinha padecido a innocencia da-
quelles mesmos condemnados como complices, como seria possivel, sem
ofensa das regias e sublimes virtudes, [fl. 189] não havia de escapar – o
Marquez de Tavora mosso – se assim como tomou pela calsada abaxo to-
masse pelo caminho de sima, etc., o que se referia, como se escreveo
abaxo das ditas palavras, à emboscada que daquella parte estava de re-
zerva esperando o dito Senhor depois dos primeiros tiros.
Já fica convencida a falsidade destes ajuntamentos e desvanecida
toda a idea daquellas esperas e emboscadas pellas duas testemunhas con-
testes e de facto proprio e pellas mais provas e inverossimilidades ex-
pendidas são, porem, muito dignas de se apontarem algũas notas para
mais pleno convencimento deste embuste.
Note-se, em primeiro lugar, que tinha disto, que só communicara a
confederação aos dous Marquezes de Tavora, pay e filho, e ainda a esses
separadamente. E aqui dis, que de commum acordo dos que se acharão
naquella conversação se tinhão arguido e increpado os assassinos, su-
pondo-os a todos já confederados. Note-se, em segundo lugar, que dando
a dita sentença para prova deste ajuntamento ao sobredito Joze Manoel
da Silva Bandeira, nada dice delle antes de torturado, e o que dice depois
não contesta porque ao mesmo Mascarenhas atribue as palavras ditas à
Duqueza se assim como foi pela calsada debaxo, etc., e as palavras “cá
pelo homem”, etc., que o Mascarenhas atribue a Joze Maria, as declara
proferidas pelo Marquez, filho, e o que deste encontro e diversidade se
tira he que ambos mentirão, mas estes são os milagres da tortura de que

254
O PROCESSO DOS TÁVORAS

logo se tratará. Note-se, em terceiro lugar, que o respondente tinha de-


clarado que a emboscada de sima a fizerão o Cabo de esquadra e o sol-
dado, depois substituiou em lugar deste o Marquez de Tavora, pay, e aqui
dis a fizera o Marquez filho e ao mesmo tempo nas quartas [fl. 189v] per-
guntas não fas figurar o dito Marquez moço em emboscada algũa, o que
he tanto verdade que acabão de confirma-la liquidamente as testemunhas
produzidas pella justiça que declarão passara toda a noite no baille que
houve em caza do mesmo respondente.
Note-se, em quarto lugar, que tendo negado constantissimamente
o ajuntamento na mesma noite depois de commetido o delito, chegando
athe o ponto de querer ser confrontado com as testemunhas que tivessem
declarado o contrario. Aqui dá por certo o ajuntamento posterior da ma-
nhãa seguinte, não foi perguntado pela incoherencia de negar hum e
confessar outro, e nestes termos deve precisa e juridicamente assentar-se
que fallou verdade quando negou o primeiro, porque em abonno della
esta tudo quanto há de certo na devaça e que mentio quando confessou
o segundo.
Mentio, tãobem, na declaração que fes contra a Marqueza de Ta-
vora, D. Leonor. Abaixo se tratará desta infeliz Marqueza porque a dis-
graçada scena em que a fes figurar a sentença he digna de hũa muito
especial reflexão.
Tornou a mentir na terceira emboscada que finge dos dous homens
armados que montarão, como dis, nas facas66 [sic], Palhavãa e Coimbra,
sendo aparelhadas para esse efeito na cavalharice delle respondente por
ordem do sota Manoel do Nascimento, o qual as mandara conduzir para
as terras onde o mesmo respondente fora dar-lhes as ultimas ordens,
asignando-lhes o lugar em que devião es[fl. 190]perar e ordennando-lhes
a tirassem com duas calavinas e dous pares de pistollas que elle respon-
dente tinha mandado buscar pelo seu guarda roupa Manoel Alvarez a
caza onde as guardava o seu estribeiro, Joze Manoel, sendo elle respon-
dente o que da sua mão as dera aos ditos homens para atirarem quando
a sege chegasse ao dito lugar. E perguntado quem erão os taes homens?
Respondeo que erão o Conde de Atouguia e Joze Maria, o ajudante das
ordens.
Já fica convencida a hystoria dos dous cavallos que o mesmo Ma-
noel do Nascimento negou antes de atormentado, que tivesse mandado

66
Entenda-se «vacas».

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G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

aparelhar e ainda depois do tormento, ou nelle, sendo-lhe dado só por


despacho do Escrivão, dice somente que em hũa noite que lhe não lem-
brava qual fosse, como se a do insulto podesse esquecer a hum criado
que nella tivesse mandado aparelhar cavallos e conduzir para as terras
onde foi commetido, mandara aparelhar aquellas duas facas67 [sic] e como
se não lembrou qual fosse a noite não pode prezumir-se que fosse a do
insulto, pondendo preceder outras muitas em que ellas se aparelhassem,
ou para o Mascarenhas, ou para quem lhes pedisse.
Resta o convencimento da mesma mentira, pello que respeita as
calavinas e pistollas e elle se acha feito na devaça. Aos dous assassinos
não quis dar armas e pistollas proprias, tendo-as para que da falta dellas
se não formasse algũa suspeita em sua caza ordennando-lhes as com-
prassem com o dinheiro que lhes dera pella primeira vez. E como se
pode fazer crer, que para armar os dous cavalleiros as mandasse buscar
a caza, sem se lhe perguntar por quem, com tanta publicidade e devas-
sidão? Oh [fl. 190v] se elle fosse instado, como devera ser, para salvar
esta incoherencia não seria facil que lhe desse sahida que podesse acre-
ditar-se. Porem, deixa-lo mentir quanto elle quizesse sem instancias nem
confrontaçoens e escolher depois dessas mesmas mentiras, convencidas
pela devaça as que havião de fazer os fundamentos da sentença, deixadas
as outras por incriveis não he proceder com espirito de justiça, he supor
que os reos falsos em huas declaraçoens se podem reputar verdadeiros
nas outras e he exposto ao perigo de padecer a innocencia.
Não deve deixar-se no silencio, que podendo logo o mesmo res-
pondente declarar as pessoas que figurarão naquella terceira emboscada,
sendo tão facil em manifesta-las a tratou somente de dous homens ar-
mados que elle fora o que dera da sua mão as calavinas e pistollas aos
ditos homens sem os declarar. E esta ocultação esta dennotando que
quando fingio68 a mesma emboscada lhe não lembrarão as figuras de que
havia compo-la, porque a lembrar-se das que depois declarou não havia
tratar por aquella forma a dous Fidalgos que lhe erão tão conjuntos, su-
pondo-os sogeitos às suas ordens como se fossem da mesma qualidade
dos dous assassinos ou seus criados, o que da bem a prezumir que
quando se vio precizado a dizer quem erão os taes homens, declarou os
primeiros que lhe lembrarão sem advertir que não podia tratar por

67
Entenda-se «vacas».
68
Segue-se repetida a palavra «fingio».

256
O PROCESSO DOS TÁVORAS

homem de armas a hũa criança como era Joze Maria, que a mesma sen-
tença trata por ainda mosso e verde Oficial, e menos ainda o Conde de
Atouguia, hum Fidalgo pacifico de quem não tinha dito hũa só palavra
nas anteriores perguntas [fl. 191] nem que tivesse figurado nas fantasticas
confederaçoens ou chimericos ajuntamentos da noite do delito e da ma-
nhãa seguinte. E sendo certa e patente a toda a corte a idea que de si
mesmo fes antes de sugerido e torturado, aparece pella primeira vez, nas
ultimas perguntas, hum homem armado pello respondente para fazer
com o cunhado a terceira emboscada que elle fingio. Aparece condem-
nado para o embuste da finta em oito moedas que elle nem deo nem de-
zembolsou pella mesma declaração do Mascarenhas, unico autor desta
trapassa e não declarando nada de si em tormentos, aparece condemnado
na ultima penna.
Todo o resto das mentiras que comprehendem estas ultimas per-
guntas fica já convencido. He, porem, sempre digno da critica mais se-
vera, que tendo negado constantissimamente o ajuntamento na mesma
noite do delito depois de commetido, chegando athe a pedir confronta-
ção com os que tivessem jurado o contrario. Aqui, sem algũa repugnancia,
declarou o tal ajuntamento sem se lhe fazer cargo de que o tinha negado
com tanta constancia, nem ser perguntado pella razão ou motivo que ti-
vera para oculta-lo nas antecedentes perguntas como era indispensavel
para saber-se quando falara verdade, se quando negara o dito ajunta-
mento, ou se agora, quando o declara? Mas isto que nunca esqueceo a
quem procede com espirito de justiça e de verdade, foi ommitido pello
Juiz e Escrivão das perguntas e sem salvarem a incompatibilidade de duas
declaraçoens diametralmente contrarias sem fazerem cazo da primeira,
estiverão arbitrariamente pella segunda. E sendo indispensavel assen-
tar-se que o Mascarenhas mentio em hũa dellas, quem examinar a devaça
com espirito de verdade ha de julgar que elle a fallou na primeira e que
mentio na segunda, convencida por fabuloza na mesma devaça por pro-
vas clarissimas, mas estes, os efeitos dos tormentos e do medo delles em
hum reo tão debil e tão fraco como foi o Mascarenhas, e os das mais cau-
zas que ficão apontadas.
Deve, tãobem, [fl. 191v] notar-se em comprovação do referido, que
chegou a tal excesso de relaxação a facilidade com que estava disposto
ou corrompido o animo do dito Joze Mascarenhas para declarar quanto
quizessem o Juis e Escrivão das perguntas que ultimamente nas quartas
chegou a ser advertido pellos mesmos interrogantes, couza notavel, que

257
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

não impozesse falso testemunho a pessoa algũa por mais mizeravel que
fosse. Depois de elle ter imposto tantos, guardarão aquelles interrogantes
para o fim de todas as perguntas a impreterivel advertencia, posto que
extemporanea e já sem efeito, está indicando que os mesmos interrogan-
tes, Juis e Escrivão, vacilavão sobre a fé e sobre a verdade de tão amplas
como dezordenadas declaraçoens dando desta duvida a prova mais de-
cisiva em adoptarem huas e refutarem outras por inverossimeis e incri-
veis, sendo necessario para que ellas tivessem termo que dessem por
acabadas as perguntas, porque se continuassem não escaparião a hũa
animozidade atreiçoada e mentirosa todas as mais pessoas que com hum
tal respondente tivessem parentesco, trato, ou amizade, e ou padecerião
como as outras ou haveria mais declaraçoens que se refutassem por falsas
e incriveis.
He notavel o cazo do Padre D. Paulo da Annunciação, que decla-
rando o Mascarenhas a particular amizade que com elle tinha, que lhe
declarara a idea do insulto e athe lhe dera a noticia de que não produzira
os efeitos que dezejava. Sendo perguntado o mesmo Padre o que resultou
das suas coherentes respostas, foi hũa declaração no fim dellas que fize-
rão os interrogantes de que o mesmo Padre se achava provavelmente in-
nocente. Elle o tinha feito conscio do crime, os interrogantes declarão-lhe
a innocencia e aqui temos mentirosa, no mesmo conceito dos interro-
gantes, a contraria declaração do Mascarenhas, aqui a vemos refutada
por falsa e inverossimel. Como podião, pois, acreditar-se as outras [fl.
192] por verdadeiras sem se atropellarem as regras fundamentaes de
todos os direitos.
Mas estas são as declaraçoens de Joze Mascarenhas, tão falsas e
mentirosas como fica demonstrado, tão distantes da verdade pello que
respeita ao concurso e complicidade dos Tavoras, como fica a sombra da
luz. E como podião entrar em linha de prova contra elles para fazerem a
baze da sentença, sem ofensa dos direitos mais sagrados?
Dado, comtudo, que no conceito do Juiz e Escrivão das perguntas
fizessem contra os Tavoras hum indicio urgente as declaraçoens de Joze
Mascarenhas, sem embargo de serem contrarias ao que tres dias antes
tinha afirmado e confirmado quando antão se devia crer que nada mais
tinha que declarar, confessando abertamente o seu proprio delito e de
ser o reo principal delle, que não merece credito. Dado, tãobem, que se
persuadissem que aquelle indicio era suficiente para a tortura dos com-
plices indicados pello mesmo Mascarenhas, he de verdade innegavel que

258
O PROCESSO DOS TÁVORAS

se não podia saltar de hum extremo a outro sem violencia da hummani-


dade e da razão que he a alma do direito natural. Devião exhaurir-se pri-
meiro os meyos mais humanos de aclarar a verdade e não erão estes os
de serem perguntados os inculcados complices e careados com o seu de-
nunciante? Pois, porque se ommitirão em hum negocio de tanta gravi-
dade em que devia tratar-se de averigoar a culpa sem perigo da
innocencia?
Já fica ponderado que todas as testemunhas que depozerão sem
tormento, nenhũa prova fazem contra os indicados complices. Agora resta
mostrar-se que sinco testemunhas que no tormento dicerão contra elles,
todas mentirão, assim, como o Marquez filho e Conde de Atouguia, no
que declararão no mesmo tormento. He, porem, necessario dar-se antes
algũa idea dos tormentos e das impreteriveis regras delles para se ver e
concluir a violencia e nullidade [fl. 192v] com que forão transgredidas
com perda, hoje irreparavel, da vida dos torturados.
São os tormentos no sannissimo sentimento de direito e dos Douc-
tores, hũa cruelissima especie de averigoação de delitos e hũa prova fra-
gilissima delles, a mais segura invenção para castigar hum innocente
fraco e para salvar hum culpado robusto, ou para extorquir a mentira de
ambos. A mais exhorbitante das regras ordinnarias de direito que não
sofrem a impozição de hũa penna certa, forte e de damno irreparavel por
hum delito ainda duvidoso, abandonada, por isso, do foro criminal destes
reynos por hum uzo contrario às leys delles legitimamente prescripto
com sciencia e aprovação dos Augustissimos Monarchas dos mesmos rey-
nos. A excepção somente dos cazos, que nunca aconteção, da conjuração
de muitos contra a vida e estado dos soberanos em que a necessidade
indispensavel fes prevalescer a segurança publica contra o incomodo par-
ticular do delinquente atormentado.
Fes a gravidade daquelles cazos praticavel o uzo do tormento, mas
não receder do methodo e das regras com que deve impor-se esta penna,
nem entre as especialidades que os Douctores apontão no atrocissimo
crime de que se trata, se conta algũa ao dito respeito nem a podião contar
poque tãobem não a há nos crimes de Leza Magestade divina, consistindo
o privilegio em se poder uzar em huns e outros pella sua immunidade e
pellas suas consequencias daquelle modo de averigoa-los, ficando sempre
dependente em ambos os ditos crimes das regras da combinação e do
calculo que devem seguir os Juizes que se achão na urgencia de o mete-
rem em uzo.

259
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Seria summamente exterica esta sentença se nella se escrevessem


todas as regras que fes necessarias a tortura, [fl. 193] não devem, porem,
ommitir-se as essenciaes e impreteriveis.
He a primeira regra capital na materia que o tormento se admite
somente emquanto se acha duvidoza a prova dos delitos que deve ser
de tal forma proporcionado à qualidade dos indicios que purgados com
o tormento fiquem sempre, no cazo de não confessarem os reos, os que
bastem para darem lugar a algũa penna e perseverando os mesmos reos
negativos. Não houve, athe agora, quem ensinasse ou escrevesse que
podem ser castigados com a penna ultima. Isto suposto contra o Marquez
de Tavora, pay, e seu filho, Joze Maria, se não provava o delito, por isso
mesmo que forão torturados perseverarão constantemente negativos e
forão condemnados ao ultimo e cruel suplicio que padecerão!
He a segunda regra infalivel que aos reos e principalmente aos que
hão de ser torturados, negando se não podem fazer perguntas sugestivas
dizendo-se-lhes que contra elles e contra os complices se provão os de-
litos pello perigo de se lhes extorquir pello meyo do tormento a mentira
como he mais que provavel, porque dezenganados os reos com hũa tão
sugestiva certeza de que sempre elles e os complices morrem facilmente,
confessarião o que nem elles, nem os mesmos complices <commeterão>,
querendo antes padecer hũa só penna do que duas. Não podem ser es-
pecialmente perguntados se elles ou outros commeterão o delito mas só
em geral se sabem quem o commeteo? O contrario he sugerir não he in-
quirir como são palavras formaes de textos expressos, o que procede
tanto, sem duvida que as confissoens assim extorquidas em tormento
nada valem, ainda que se ratifiquem por levarem sempre comsigo mes-
mas o intrinseco e insanavel vicio da sugestão com que forão seduzidos
[fl. 193v] os reos. Neste infeliz estudo se achão o Marquez Luis Bernardo
e o Conde de Atouguia que forão sugeridos e enganados nas perguntas,
como ellas mostrão, dizendo-se-lhes antes do tormento que contra elles
e contra os mais chamados complices se provava tudo o conteudo nas
sugestivas perguntas. Assim o declarou o mesmo Marquez ao Procurador
e assim o deduzio na defeza que lhes fes e porque negarão vierão ator-
mentados e já dezenganados de que morrião a confessar dos denomina-
dos complices, por declinarem às dores do tormento entendendo que no
estado em que se lhes dezia elles se achavão os não gravarião as suas
declaraçoens. E que prova podião fazer estas extorquidas com tanta su-
gestão, sedução e nullidade, nem contra os declarantes, porque de si

260
O PROCESSO DOS TÁVORAS

nada dicerão, nem contra os complices assim por elles declarados? Mas
huns e outros padecerão a ultima penna!
He a terceira regra, que sendo o tormento hũa prova subsidiaria a
que se não recorre senão na ultima extremidade quando de outra forma
não pode constar do delinquente e por isso ainda depois de exhauridos
os outros meyos, deve primeiro ser intimado aos reos o Decreto do tor-
mento ou porque podem allegar algũa razão que delle os reluzem ou
porque pode bastar o medo da tortura para que confessem como não
poucas vezes acontece. Tãobem esta humanissima regra não teve obser-
vancia algũa, porque os infelices torturandos só sabião dos tormentos
quando erão mandados deitar sobre os potros, bastando a simples nega-
ção dos delitos para se passar logo deste extremo ao ultimo da mais cruel
tortura com ofensa gravissima da humanidade.
He a quarta regra, que a confissão que o reo fizer na caza do tor-
mento, ou depois da noticia do Decreto que nelle o condemnou, deve
ser ratificada fora da [fl. 194] dita caza, depois de passados alguns dias,
termo que deve regular-se pello grao de tormento que sofreo o atormen-
tado e estado em que ficou, não podendo ratificar-se antes de passar
aquelle proporcionado termo, nem dilatar-se a ratificação por muito
tempo. De forma que a confissão que o reo fas no tormento, ou com o
medo delle, de nada valle senão depois de legalmente ratificada, devendo
o mesmo reo ser perguntado se se lembra da confissão que fes em tal
dia e em tal estado? Se he verdade o que então disse e o afirma, ratifica
e dis de novo sem medo, força ou violencia algũa? E asignando a ratifi-
cação desde o instante em que a fes, he que principia agrava-lo a sua de-
claração. Tãobem nada disto se observou, porque primeiramente mostra
a devaça sem ratificação todas as declaraçoens que fizerão em tormento
os criados de Joze Mascarenhas e dos Marquezes de Tavora pais, a ex-
cepção somente da que fes Braz Joze Romeiro que por isso mesmo que
foi o que mentio mais dezordenadamente como logo se mostrara, houve
o cuidado de ratifica-la no dia seguinte, outras com ratificação feita im-
mediatamente aos tormentos na mesma caza delles sem asignatura dos
atromentados, ainda com os estragos dos crueis tormentos que sof[r]erão
com ignorancia athe da ordennação libro 5º. titulo 134. § 1º, outra final-
mente dahi a dous dias qual foi a do referido Marquez de Tavora filho
em que, alem das sugestoens e seduçoens que ficão adverdidas e prova-
das, se faz digno de notar-se que levando só hum trato que o não podia
inhabilitar para asignar a ratificação e muito menos depois de passados

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dous dias, não aparece asignada por elle mas só pello Escrivão a seu
rogo que o seu processo se não acha numerado senão athe a quinta folha
e que não sendo elle nem dos mais eloquentes, nem dos milhores retho-
ricos, aparecem as declaraçoens que fes em tormento com mais bella
ordem dedução e clareza que nenhũa das outras fazendo-o methodica-
mente discreto a mesma dor do tormento em que as produzio.
Com estas previas luzes dos tor[fl. 194v]mentos e das suas regras
milhor se qualificão as testemunhas que cederão à violencia delles e as
que nos mesmos perseverarão constantes para se concluir a verdade de
huas e as mentiras das outras. Dicerão em tormentos sinco testemunhas
contra os Tavoras ou sete entrando tãobem o Marquez Luis Bernardo e
Conde de Atouguia. Perseverarão, porem, constantes no tormento, sem
nada dizerem contra os Tavoras que os faça culpados no insulto, dez,
como forão Manoel da Cozta, porteiro do Duque, o criado João Miguel,
o guarda roupa Manoel Alvarez, o cocheiro Joaquim dos Santos, Antonio
Martinz ferrador da cavalharice, o sota cavalharice do Marquez pay Joze
Fernandes, Joze Antonio seu bolleeiro, João Bernardo seu criado, o
mesmo Marquez, pay, e seu filho Joze Maria. Se as ditas sete pessoas que
cederão ao tormento fallarão verdade, então faltarão a ella as dez que
lhe não cederão e pello contrario se estas sobstentarão a verdade, men-
tirão aquellas. Passando ao exame das sete, mostra-se pella devaça que
se lhes sugeria nas perguntas anteriores ao tormento o que se pertendia
que declarassem nelle e que ainda assim tomarão mal o ensino. Dice An-
tonio Dias, que nos cavallos que levara para as terras montarão em hum
o Marquez pay, em outro o Marquez filho, em outro o Conde de Atouguia
e em outro Joze Maria, o Conigo. O Marquez pay, declara o Mascarenhas,
que fizera a emboscada com Bras Joze Romeiro, quanto ao Marquez filho
prova-se legalmente pella devaça que não figurara em algũa e que pas-
sara a noite no baille que houve em caza do mesmo Mascarenhas e com
esta materia o defende o Ministro Procurador pelo que ouvio a elle
mesmo Joze Maria, o Conigo, nem o minimo vestigio há na devaça de
que figurasse no insulto. E o Conde de Atouguia he dado pelo Mascare-
nhas nas suas mentiras, fazendo a terceira espera com seu cunhado Joze
Maria. Veja-se em que juizo pode caber o credito destes disparates? Fes
bem o Escrivão em não ratifica-los porque a ratificação não pode fazer o
milagre de que as mentiras passem a verdades.
Dice Joze Manoel da Silva [fl. 195] Bandeira que em hũa das esperas
estavão os Marquezes, pay e filho, em outra Joze Maria sem declarar qual

262
O PROCESSO DOS TÁVORAS

delles já fica mostrado que nem o Marquez filho, nem Joze Maria, o Co-
nigo, figurarão em emboscada algũa. Dice, tãobem, que estando detras
de hum reposteiro na referida manhãa de 4 de Septembro, ouvira dizer
ao Marquez filho as palavras: “cá pello homem etc.”, ao mesmo passo
que as ditas palavras as atribue o Mascarenhas a Joze Maria, ajudante das
ordens. Isto he o que se tira dos tormentos quando a elles precedem su-
gestoens do que pertende saber-se dos tormentos, mentiras dezordena-
das, extorquidas do mesmo rigor das torturas, tãobem estas não tiverão
ratificação nem della necessitavão.
O que dice Braz Joze Romeiro, nada mais he necessario do que
ler-se para se conhecer logo ao primeiro golpe de vista, que mentio em
quanto declarou, não sofre a decencia que se repita toda a sua declaração
por extenso, baste so o que refere lhe dicera o Marquez filho que estivera
com seu pay na emboscada assima da quinta das vacas quando, como já
se dice, se acha legalissimamente provado que elle passara a noite no
baille. Lembrou, porem, ratificar as declaraçoens desta testemunha, sendo
a que nellas mentio mais destampadamente entendendo-se que a ratifi-
cação as podião fazer verdadeiras. Domingos Marques, depondo da hys-
toria dos seis cavallos que levara Antonio Joze, que não foi perguntado,
mentio com o mesmo Antonio Dias, assima que fallando só de quatro ca-
vallos, dice que elle fora o que os levara. Manoel do Nascimento depos
da mesma arenga dos cavallos que na noite do insulto sahirão da cava-
lharice do Mascarenhas os dous, Palhavãa e Serra, sem dizer para onde
nem quem os levara. Dis dos dous cavallos do Marquez filho, conduzidos
para a cavalharice do Mascarenhas, dous dias antes do insulto, pelo bo-
lieiro do mesmo Marquez, Antonio Joze, que não foi perguntado e que
na mesma noite os sellara e conduzira sem dizer para onde [fora] o criado
Domingos Marques. Dis, tãobem, dos cavallos, Palhavãa e Coimbra, e fa-
zendo menção de seis só já sahida aos quatro na noite do insulto e de
nenhũa forma se pode [fl. 195v] fazer conteste com o que dicerão os dous
criados de que fez menção Domingos Marques e Antonio Dias. Toda esta
hystoria dos cavallos do Mascarenhas e Marquez filho fica convencida
de mentirosa, não teve ratificação esta testemunha, nem mereceria mais
credito com ella. As declaraçoens do Marquez de Tavora filho e do Conde
de Atouguia já tiverão as notas de que são bem dignas e ja se mostrou
que forão abortos da sugestão e da noticia com que forão enganados.
Pello contrario, as dez testemunhas que não cederão à violencia
dos tormentos, nem incluirão os Tavoras em confederaçoens, emboscadas

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ou esperas, conformarão com o facto e corpo de delito que consistio em


dous tiros disparados por dous mandatarios e ordennados por hum man-
dante com os depoimentos contestes e de facto proprio dos dous ir-
maons, Manoel Alvarez e Antonio Alvarez. Com as primeiras e segundas
respostas de Joze Mascarenhas. Com todas as regras da verossimilidade
que são só as que decidem em combinaçoens de provas e ultimamente
com a presumpção de direito que não admite facto cuja prova o não ve-
rifica. De tudo isto discordão as sete. E quaes devem, antão, acreditar-se,
as sete convencidas de mentirosas ou as ultimas? Quaes deverião pezar
mais na balança da justiça, sempre pendente na mão dos Julgadores, as
sete mentirosas e inconstantes, ou dez constantes e conformes à verda-
deira prova dos autos?
Pode entrar nestes termos privilegio algum de provas nos crimes
de Leza Magestade? A ordennação, libro 5º. titulo 6º. § 29, admite naquel-
les crimes como habeis às testemunhas que em outros cazos são inhabeis,
mas esta ley se entende somente da inhabilidade que provem de direito
pozitivo, mas nunca da que nasce do direito natural que he immutavel.
Pode a ley remover a inhabilidade civil, como a do banido, do escomun-
gado, do prodigo privado da administração dos seus bens etc., mas não
a natural como a do furioso, mentecapto, mudo e surdo, e se o testemu-
nho destes he inadmissivel porque à perturbação do seu entendimento
e do seu animo os poem nos termos de não saberem o que dizem. Este
mesmo conceito merece o testemunho extorquido a força de tormento.
Hum homem impaciente, [fl. 196] rigorosamente atormentado, poderá
julgar-se com menos perturbação e mais senhor das potencias da sua
alma do que hum furioso, hum mentecapto, hum turbado do vinho? Por
isso nenhũa ley pode converter o testemunho forçado em testemunho
livre e muito menos o testemunho falso e mentiroso em testemunho ver-
dadeiro. Isto, porem, que nem a ley podia fazer, fizerão os Juizes daquella
sentença. E quem dirá que sem ofensa das regras dos direitos mais sa-
grados?
He de direito natural, e indispensavel, a defeza, e esta foi a que se
negou aos reos deste processo, tendo-se-lhes mandado dar sem restricção
ou limitação algũa pelo illuminadissimo Decreto do dito Senhor Rey D.
Joze, por que se lhes concedeo de forma que era moralmente impossivel
que elles a podessem produzir ou provar.
Ocultarem-se-lhes os depoimentos das testemunhas que os culpa-
vão, achando-se elles prezos e privados de toda a comunicação. Figu-

264
O PROCESSO DOS TÁVORAS

rar-lhes, por se não dizer fingir-lhes, hum convencimento plenissimo das


culpas que se lhes imputavão. Constranger onze reos a defenderem-se
todos em hum só processo e por boca de hum só Procurador nobrevis-
simo, termo de vinte e quatro horas e priva-los de todo o recurso contra
a sentença, era tudo quanto podia sugerir a crueldade para escandalo da
justiça e para impossibilitar àquelles infelizes a mesma defeza que fingia
admitir-lhes hũa aparencia enganadora, perfuntoria e inutil.
O mesmo he fechar os ouvidos às queixas dos mizeráveis que su-
focar-lhes as vozes para que se não [fl. 196v] queixem. Ocultar a onze
reos as culpas ou a prova dellas, que valle o mesmo. Deixa-los a advinhar
aquelle misterio ou aquelle inigma, reduzi-los a esperarem huns pellos
outros para ouvirem aquelle oraculo obscuro, cada hum de per si e para
se dezonerarem pello ministerio e órgão de hum so homem no limita-
dissimo termo de vinte e quatro horas, de cargos discorridos e fabricados
muito à preça em vinte e seis dias e acontecidos havia mais de quatro
mezes, são couzas impossiveis e quem desta forma convida para a defeza
he, sem duvida, que[m] a prohibe. Concede-a hum Rey clementissimo e
ordenna que o Procurador deduza de facto e de direito tudo quanto po-
desse conduzir para defender aquelles reos de forma que não padecesse
a innocencia. O Juis, porem, das perguntas, os da cauza athe aqui não fi-
gurarão, restringe esta mesma defeza e o tempo necessario para produ-
zir-se, impossibilita os meyos e fecha os olhos para não ler as quartadas
deduzidas pello mesmo Procurador. Mas que havia de ser se quando apa-
receo a defeza por elle oferecida ja estava, antes de ser vista, desprezada.
Assim o fazem patente os autos, porque se mostra delles que ainda no
dia 8 de Janeiro estava perguntando e atromentando testemunhas o Es-
crivão que no dia nove se fizerão os autos conclusos à nova Meza das
Ordens, pello que pertencia aos reos cavalleiros, que no mesmo dia se
lhes fizerão summarios, que no dia dez se entregarão ao Procurador os
extratos das culpas, que no dia 11 se proferio na dita Meza a sentença
que os exauctorou e degradou da ordem em que forão professos e os
entregou à justiça real, que no dia doze se congregarão os Juizes que,
depois de lhes ouvirem as culpas [fl. 197] daquelle Senhor, que confir-
masse a violação que a dita sentença havia feito das suas justissimas dis-
poziçoens! Como seria possivel que de seu motu proprio sannasse ou
suprisse nullidades, não provenientes de direitos pozitivos mas da inob-
servancia de outros mais superiores que o dito Senhor soube sempre
mais respeitar do que ofender? Como seria possivel que authorizasse

265
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

aquella confirmação se fosse informado que a mesma sentença que con-


firmava tinha castigado a perfidia e a innocencia com a mesma penna
ultima e cruel? Seria o mesmo Senhor capaz de confirmar hũa violencia
e hũa iniquidade? Socegaria em tal cazo o seu religiosissimo espirito sem
dar logo a possivel providencia a respeito dos que padecerão innocen-
tes!
Bastando, pois, a invariavel certeza do referido para se dever julgar
o dito alvará obrepticio e nullo em todo o rigor de direito, como contrario
às purissimas intençoens do sobredito Senhor. Não podia a inalteravel
justiça da mesma Senhora deixar de ouvir as vozes daquelles infelizes
que ainda respirão as suas cinzas para que sem impedimento algum que
fizesse o referido alvará e sem embargo do lapso do tempo que decorreo
depois da sentença, por serem imprescriptiveis os direitos da verdade e
da innocencia, se julgasse outra vez a devaça segundo o seu verdadeiro
merecimento.
O que tudo visto, e o mais que dos autos consta [fl. 197v] com a
mais seria, exacta e escrupulosa circunspecção, separando a verdade da
confuzão e da dezordem e a innocencia da perfidia. Ficando em todo o
seu vigor a sentença a respeito dos verdadeiros e assima mencionados
reos do sempre sacrilego e abominavel insulto commetido, na referida
noite de tres de Septembro de 1758 contra a sagrada e real pessoa do
Augustissimo Senhor Rey D. Joze 1º, revogão a mesma sentença, pello
que respeita aos Marquezes de Tavora Francisco de Assiz e D. Leonor de
Tavora, seus filhos Luis Bernardo e Joze Maria de Tavora e seu genro D.
Jeronimo de Atayde, Conde de Atouguia, por se não provar que fossem
complices no referido insulto, ou para elle concurrentes. Declarão que
não incorrerão em nota ou infamia algua. Absolvem a sua memoria e res-
tituem todas as familias dos sobreditos às suas honras e ao uzo do apel-
lido de Tavora que lhes foi prohibido pella dita sentença.
Palacio de Nossa Senhora da Ajuda, em 23 de Mayo de 178169.
(assinaturas)
Visconde, Martinho, Melo
Castro, Giraldes de de Andrade, velho, Emauz, Lima e Castro
Doutor Coelho, Ribeiro de Lemos, Doutor Costa, Valle,
Telles, Vidal, Araujo e Silva, Pizarro

69
Na margem esquerda lê-se «Fomos prezentes e peço vista para embargos. [rubricas, ilegíveis,
dos dois desembargadores procuradores da Coroa e da Fazenda]».

266
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Aos vinte e tres do mez de Mayo do anno de mil [fl. 198] settecentos
e oittenta e hum, e na Secretaria de Estado dos Negocios do Reyno, foi
publicada a sentença supra escrita e assignada de que logo tambem pedio
vista o Dezembargador Procurador da Coroa e de que eu o Dezembarga-
dor Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne, Corregedor do Crime
da Corte, Escrivam desta revista, fis este termo que escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benavides Cirne

E em consequencia da vista que o Dezembargador Procurador da


Coroa pedio para embargar a sentença proferida, lhe continuei estes aut-
hos em 24 de Mayo de 1782.

[fl. 199]70
Aos outo dias do mes de Agosto de 1780, na Secretaria d’Estado
dos Negocios do Reyno, a que por avizos do Illustrissimo e Excelentis-
simo Senhor Visconde de Villa Nova da Cerveira, Ministro e Secretario
d’Estado da dita repartição, forão convocados os Dezembargadores do
Paço, João de Oliveira Leite e Jozé Alberto Leitão, o Conselheiro da Fa-
zenda Antonio Alves da Cunha, os Deputados da Meza da Conciencia e
Ordens, Sebastião Francisco Manoel e Manoel Ignacio de Moura, o De-
zembargador Concelheiro Ultramarino, Miguel Serrão Dinis, os Dezem-
bargadores dos Agravos da Caza da Supplicação, Jozé Freire Falcão e Luis
Rebello Quintella, Juis dos Feitos da Coroa e Fazenda, ahi pelo dito Il-
lustrissimo e Excelentissimo senhor Visconde de Villa Nova da Cerveira
foi ditto:
Que o Marques de Alorna, como procurador da memoria e fama
posthuma de seus sogros e cunhados, e pelo interesse que nella tem sua
mulher e filhos, fizera a sua Magestade a petição que prezentava, na qual
expendia os varios fundamentos para mostrar a innocencia dos ditos seus
sogros e cunhados, e a injustiça e nullidade da sentensa em que forão
condemnados pelo horrorozo crime de Lesa Magestade, cometido na in-
fausta noite de 3 de Setembro de 1758, contra a sagrada pessoa do Au-
gustissimo Senhor Rey D. Joze 1º. Supplicava finalmente o dito Marques
de Alorna a sua Magestade, fosse servida cometer aos Ministros que a
mesma Senhora se dignasse nomiar o exame de todos os papeis e pro-

70
Não consta o fl. 198v; Passa-se a transcrever o «Assento de 16 de agosto de 1780».

267
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

cesso que por aquelle execrando crime se formou e que informassem o


que entendessem para a concessão da revista de graça especial que o
mesmo Marques tem supplicado a sua Magestade, pelo que a mesma Se-
nhora foi servida que os ditos Ministros convocados para este fim fação
o dito exame e informem o que nas suas conciencias entendessem. E de-
pois de repetidas conferencias feitas na mesma Secretaria d’Estado e exac-
tissimos e miudos exames no processo original que se formou daquelle
execrando delicto, se assentou uniformemente pelos ditos Ministros.
Que a prova daquelles autos contra o Marques de Tavora Francisco
de Assis, contra a Marqueza D. Leonor de Tavora e contra seu filho [fl.
199v] Jozé Maria de Tavora, rezulta de depoimentos de outros reos, socios
do delicto, os quaes todos, excepto Jozé Mascarenhas, que foi Duque de
Aveiro, de que logo se falara, negarão constantemente tanto pelo que
respeita a si como pelo que respeitava a terceiros, mas que sendo metidos
em asperos tormentos confessarão-se reos daquelle sacrilego attentado
e depozerão contra o dito Marques e Marqueza de Tavora e seu filho Jozé
Maria de Tavora. E que tendo por direito os depoimentos feitos na tortura
a prezumpção de serem feitos pela aflicção e dores que ella cauza e que
obrigão a dizer o que não he verdade e o que se quer que se diga. Para
cessar aquella prezumpção, he determinado pelas leis e especialmente
pela ordenação do reyno no livro 5º. Titulo 134. § 1º, que os ditos depoi-
mentos ou confissoens sejão ratificados em juizo, fora da caza em que
foi dado o tormento e passados alguns dias, de maneira que já o accu-
zado não tenha dor do tormento – porque de outra maneira, dis a orde-
nação, presume-se por direito que com dor e medo do tormento, que
houve, o qual ainda nelle dura, receando a repetição, ratificara a confis-
são, inda que verdadeira não seja. A esta forma de direito e da expressa
ordenação do reyno se faltou naquelle processo, pois a respeito de alguns
dos reos depoentes não houve ratificação e a respeito de outros a houve
informe e inattendivel.
Que o Marques de Tavora Luis Bernardo de Tavora e o Conde de
Atouguia, D. Jeronymo de Ataide, sendo perguntados negarão tudo cons-
tantemente, mas que sendo metidos em asperas torturas confessarão con-
tra si, contra o dito Marques Francisco de Assis e Marqueza D. Leonor de
Tavora e seu filho Jozé Maria de Tavora, e outros, mas que na ratificação
houverão os mesmos defeitos que ficão ponderados. Que a outra prova
contra os ditos dous Marquezes de Tavora, pay e filho, contra a Marqueza
do mesmo titulo, contra Jozé Maria de Tavora e contra o Conde de Attou-

268
O PROCESSO DOS TÁVORAS

guia, procede dos depoimentos de algũas testemunhas, as quaes dizendo


ao principio livremente e não depondo contra os que ficão mencionados,
forão metidas em tormentos e nelles extorquidos os depoimentos contra
os mencionados Marquezes, Marqueza, Conde e Jozé Maria de Tavora. E
além de faltar a ratificação na forma devida [fl. 200] tendo as ditas teste-
munhas jurado e deposto como fizerão, não tinha nestes termos lugar a
serem atormentadas.
Que o reo Jozé Mascarenhas sim, depós sem tormentos contra os
referidos suppostos correos, mas que alem de que a forma de seu depoi-
mento dá a entender foi ameaçado com a tortura, fica o dito Jozé Masca-
renhas reduzido a testemunha unica e singular por as outras não fazerem
prova. Não deichando de lembrar aos ditos Ministros o que em outros
cazos graves tem succedido de os verdadeiros reos procurarem fazer fal-
samente muitos complices dos seus delictos, para que pelo numero delles
e suas qualidades difficultem o castigo:
Que contra o dito Marques de Tavora Francisco de Assis e Jozé
Maria de Tavora não rezulta prova algũa por confissoens proprias, pois,
não obstantes os tormentos que padecerão, negarão sempre constante-
mente serem de modo algum reos daquelle execrando e sacrilego atten-
tado, ou delle sabedores.
Que em todo aquelle processo, se está conhecendo hũa informidade
aceleração e precipitação incrivel como claramente se ve do que se vai a
ponderar. A Marqueza D. Leonor de Tavora foi julgada na sentensa que
se proferio hũa das principaes cabeças da barbara e horrivel conjuração
que na mesma sentensa se pondera. O que, não obstante, não foi pergun-
tada sendo isto indispensavelmente necessario, não só para a ouvir de
sua defeza, mas para averiguação daquelle gravissimo delicto e dos com-
plices delle. A mesma aceleração fes com que muitas das testemunhas e
dos reos que forão perguntados, não assignassem algũas das suas respos-
tas e depoimentos. Nem as testemunhas, nem os reos, forão confrontados
e acareados como todos os dias se está praticando em delictos de impor-
tancia infinitamente menor. Determinando o Augustissimo Senhor Rey D.
Jozé que não só a sentensa definitiva, mas ainda as interlocutorias, fossem
proferidas e assignadas por todos os Juizes que tinha nomiado para
aquella importantissima cauza, como tudo se ve do Real Decreto, junto
aos mesmos autos, indevidamente e nullamente se faltou à dita regia de-
terminação, mandando-se proceder aos ditos tormentos sem voto e assig-
natura dos ditos Juizes, não obstante a natureza de similhante mandato

269
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

que tem forsa de diffinitivo e a pratica recebida de dever preceder acordão


[fl. 200v] do Tribunal que manda dar tratos aos reos e muito conforme a
dita pratica com a ordenação do Livro 1º. Titulo 7º. § 17.
Assentou-se mais pelos ditos Ministros, que seguramente se pode
affirmar, que fora das perguntas que se fizerão a estes reos e do que elles
responderão, a maior parte em tormentos, não forão elles ouvidos nem
se lhes deu lugar a defenderem-se. Servio-se o Augustissimo Senhor Rey
D. Jozé, por seu Real Decreto que está nos autos, nomiar para Procurador
e Denfensor dos ditos reos ao Dezembargador Euzebio Tavares e de-
vendo-lhe ser patentes os autos, se lhe derão somente huns papeis avul-
sos, ou folhas volantes, a respeito de cada hum dos reos e escritos pela
maior parte com os mesmos periodos, palavras e expressoens que depois
aparecerão escritas na sentensa comdemnatoria concebidos os ditos pa-
peis em hũa gene<ra>lidade, dando o delicto por provado e culpados
aos ditos reos sem que o dito Procurador soubesse quaes erão as provas
e donde se tiravão as prezumpçoens em que depois a sentensa se fundou,
nem visse os autos com que os podia defender e limitando-se-lhe o es-
paço de vinte e quatro horas, não obstante serem onze os reos.
Que examinando-se em si mesma a sentensa comdemnatoria que
depois se proferio, se achão nellas incurialidades dignas da maior refle-
xão. Que não he escrita pelo Juis Relator como inalteravelmente se pra-
tica, mas sim por diversa letra.
Que não podendo os Juizes fundar-se nas sentensas em factos ou
prezumpçoens que não constão dos autos, o contrário se ve na dita sen-
tensa condemnatoria, como he, por exemplo, a competencia que a sen-
tensa dis haver antes de se confirmarem para aquelle sacrilego attentado
entre Jozé Mascarenhas e a Marqueza D. Leonor de Tavora, sobre qual se
havia exceder na ambição e orgulho. Os esforsos do dito Jozé Mascare-
nhas para privar o Marques Francisco de Assis de Tavora dos prazos de
Margaride e bens livres da sua caza, a publica vos e fama que logo ao
tempo daquelle insulto houve, de que o mesmo Marques era hum dos
correos delle, o descontentamento que o Marques teve por o Augustis-
simo Senhor Rey D. Jozé lhe não fazer merce do titulo de Duque, dos
quaes fundamentos e outros que se lem na sentensa, não consta de modo
algum [fl. 201] nos autos e por isso não podião allegar-se nella nem ser-
virem para a comdemnação dos reos. He regra vulgar e sabida que o Juis
que manifesta antes de julgar, ou dá a conhecer o seu voto e sentimento,
fica suspeito às partes. Seis forão os Juizes que proferirão a ultima sen-

270
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tensa condemnatoria dos reos e sinco delles o tinhão já sida na sentensa


dada na Meza das Ordens contra alguns dos ditos reos, condemnando-os
em degradação e confiscação de bens. Já tinhão elles, uzando da palavra
vulgar, propalado os seus votos. Já erão suspeitos e devião não ser Juizes
na outra sentensa posterior. Os reos não podião oppor em suspeição por
não saberem os Juizes que havião ser. E isto que elles não poderão fazer,
compete por direito aos seus successores faze-lo.
Compondo-se os Tribunaes Regios de tão grande numero de Mi-
nistros, de nenhuns outros se confiou a serem Juizes naquelle gravissimo
cazo. Elles forão Juizes na Meza das Ordens, creando-se alguns delles
Deputados do Tribunal das mesmas Ordens, ou Juizes dellas, para julga-
rem os ditos reos somente como forão os Dezembargadores João Mar-
ques Bacalhao, Ignacio Ferreira Souto e Jozé Antonio de Oliveira
Machado. A ordenação do Reyno no Livro 3º. Titulo 95. § 1º, falando dos
cazos em que tem lugar a revista por graça especial diz assim: “E bem
assi, quando sentirmos algũa suspeição em algum Dezembargador dos
que no feito forão, tal que posto se não possa por em forma para por di-
reito proceder, nos pareça, porem, que basta para nós o mandarmos
rever, ou por o feito parecer em si tal e de tal qualidade e a sentensa não
bem dada que notoriamente concitamos que não deva passar sem ser
milhor examinada”. Será difficultozo occorrer cazo que attendida só a ul-
tima proxima ponderação seja tão exhuberantemente comprehendido na
dispozição daquella ordenação como he prezente.
Que a tudo o que fica expendido não obstão os bens sabidos, pri-
vilegios das provas no crime de Lesa Majestade, nem o Real Decreto que
está nos autos, porque se mandou proceder sumar[iamente] de plano e
pela verdade sabida. Porque suppostos os ditos privilegios [e] Decreto,
subsistem as nullidades, a falta de prova, o não serem o[uvi]dos os reos
em forma devida e tudo mais que fica exposto. Pelo que assentarão [fl.
201v] assentarão finalmente todos os ditos Ministros e forão de uniforme
parecer em que a sentensa proferida naquelle processo deve ser revista
como notoriamente injusta e nulla, fundada em falsas provas e que no
dito processo não há, proferida aceleradamente sem as partes serem ou-
vidas como devião ser. E que sua Magestade se há de dignar differir à
petição do Marques de Alorna, concedendo por graça especialissima a
revista que pede, visto ser criminal a cauza. E ainda que por via de regra
nas cauzas criminaes se não admitta revista, são muitos os exemplos an-
tigos e modernos em que os Senhores Reys destes reynos, dispensando

271
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

nas leys, ainda em cazos que não instão tanto como o prezente, a tem
concedido e como este involve a perda dos bens e a infamia dos descen-
dentes que são penas retractaveis, fica a sua concessão mais propria e
competente, e a mesma ley de 3 de Novembro de 1768 que tanto restrin-
gio as revistas, enunciou no § 4º o poderem-se pedir e obter nas cauzas
criminaes. Que sua Magestade ha de tambem ser servida conceder, po-
derem-se perguntar nos autos da mesma revista provas extrinsecas de
cuja concessão são tambem bastantes os exemplos e dispensar, outrosim,
no alvará de ley de 17 de Janeiro de 1759, que confirmou a condemnação
da sentensa mencionada e em todas as mais leys que possão obstar. E de
tudo que fica referido, se fes este assento. Lisboa, 16 de Agosto de 1780.
(assinaturas)
João de Oliveira Leite de Barros
Luis Rebello Quintella
Joze Alberto Leitão
Jozé Freyre Falcão e Mendonça
Sebastião Fancisco Manoel
Doutor Antonio Alves da Cunha e Araujo
Manoel Ignacio de Moura
Miguel Serrão Diniz

[fl. 202]71
Eu, a Rainha, faço saber:
Que reprezentando-me o Marques de Alorna como Procurador da
memoria e fama posthuma de seus sogros e cunhados, e pelo interesse
que nella tem sua mulher e filhos, que na sentença proferida na Junta da
Inconfidencia em doze de Janeiro de mil setecentos sincoenta e nove
sobre o horrorozo crime de Leza Magestade e alta traição, commettido na
infausta noute de trez de Setembro de mil setecentos sincoente e outo,
contra a sagrada e amabilissima pessoa de El Rey, meu Senhor e pay, que
descansa em gloria, houvera não so nullidades substanciaes, mas tambem
injustiça notoria por se expenderem na mesma sentença, factos, funda-
mentos e provas que não existiam no processo. Supplicando-me que fosse
servida conceder revista de graça especialissima da dita sentença, fui ser-
vida, depois de maduros exames e averiguaçoens, mandar propor este ne-
gocio em huma Junta de Ministros do meu Conselho e Dezembargo,

71
Passa-se a transcrever o «Alvará de 9 de outubro de 1780».

272
O PROCESSO DOS TÁVORAS

zelozos do serviço de Deos e meu. E sendo examinado o processo, uni-


formemente apontaram que as circunstancias deste extrordinario cazo fa-
ziam justa a concessão da dita revista, dispensando em quaesquer leys
que podessem abitar e no alvará de ley de dezesete de Janeiro do dito
anno de mil setecentos sincoenta e nove, emquanto confirmou a dita sen-
tença. E tendo attenção ao que me foy proposto pelos Ministros da sobre-
dita Junta e a ser serviço de Deos, e meu, que a verdade se faça patente
para que se não duvide, ou da justiça, com que se houvesse proferido ou
da innocencia de todos aquelles que fossem condemnados não justa-
mente. Sou servida conceder revista de graça especialissima da dita sen-
tença, não obstante o lapso do tempo e todas e quaes leys que façam em
contrario [as quaes] e o referido alvará de ley de dezesete de Janeiro de
mil setecentos sincoenta e nove, hey por derogadas como se de cada
huma dellas fizesse especial menção, sem embargo da ordenação em con-
trario. E sou, outrosim, servida nomear para Juizes da mesma revista os
Doutores Joze Recalde [Pereira] de Castro, do meu Conselho e Dezembar-
gador do Paço, que servirá de [Rela]tor, Bartholomeu Jozé Nunes Cardozo
Giraldes de Andrade, também do meu Conselho e Dezembargador do
Paço, os Doutores Manoel Jozé Oliveira e Jeronymo de Lemos Monteiro,
ambos do meu Conselho e da minha Real Fazenda, os Doutores Francisco
Antonio Marques Giraldes de Andrade e Francisco Felicianno Velho da
Costa Mesquita Castelo Branco, tambem do meu Conselho e deputados
da Meza da Consciencia [fl. 202v] e Ordens, os Doutores Thomaz Antonio
de Carvalho Lima e Castro, Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda, Joze Joa-
quim Emauz, Corregedor do Crime da Corte e Caza, Ignacio Xavier de
Souza Pizarro, Joze Pinto de Moraes Bacelar, Joze Roberto Vidal da Gama,
Domingos Antonio de Araujo, João Xavier Telles de Souza e Constantino
Alvares do Valle, todos os Dezembargadores dos Aggravos da Caza da
Supplicação, e para Escrivão da mesma revista o Doutor Henrique Joze
de Mendanha Benavides Cirne, Corregedor do Crime da Corte e assistindo
o Procurador da minha Coroa em razão do seu officio. Fazendo-se as ses-
soens que forem necessarias na Secretaria de Estado dos Negocios do
Reyno, prezidindo nellas ou todos os meus trez Ministros e Secretarios de
Estado, ou aquelles que se acharem dezimpedidos para o dito fim e ajun-
tando-se aos autoz o assento dos ditos Ministros informantes como se pra-
tica ordinariamente nos processos de revista.
Pelo que mando ao Visconde de Villa Nova da Cerveira, do meu
Conselho e meu Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reyno,

273
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

que faça executar este alvará como nelle se contém, o qual não passará
pela Chancellaria, posto que o effeito delle haja de durar mais de hum
anno, não obstante a ordenação que o contrario determina. Dado no Pa-
lacio de Lisboa em nove de Outubro de mil setecentos e outenta.
(assinatura)
Rainha

Visconde de Villa Nova da Cerveira


Alvará por que Vossa Magestade he servida conceder revista de
graça especialissima à sentença proferida na Junta de Inconfidencia em
doze de Janeiro de mil setecentos sincoenta e nove, diferindo a requeri-
mento do Marquez de Alorna como Procurador da memoria e fama de
seus sogros e cunhados, para se declarar, ou ajustar, com que fora pro-
ferida a mesma sentença, ou a innocencia daquelles que não foram con-
demnados justamente. Tudo na forma assima declarada.
Para Vossa Magestade [fl. 203] no livro VI do resgisto das cartas, al-
varás e patentes e a folha 68 delle, fica registado este alvará. Palacio de
Lisboa em 10 de Outubro de 1780.
(assinatura)
João Chrysostomo de Faria e Souza de Vasconcelos de Sá72

[fl. 204]73
Authos de revista criminal concedida por graça especialíssima

Ao Marques d’Alorna, como procurador da memoria e fama posthuma


de seus sogros e cunhados, pello interesse que nella tem sua mulher e
filhos.

[fl. 205]74
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil sette-
centos e oittenta annos e aos vinte e oitto dias do mez de Novembro do
dito anno, na Secretaria de Estado dos Negocios do Reyno, aonde eu, o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne, fui cha-

72
No canto inferior esquerdo lê-se «João Chrysostomo de Faria e Souza de Vasconcelos de Sá
o fez».
73
Não consta o fl. 203v.
74
Não consta o fl. 204v.

274
O PROCESSO DOS TÁVORAS

mado ahi pello Illustre e Exelentissimo Senhor Visconde de Villa Nova


da Cerveira, Ministro Secretario de Estado da mesma repartição, me foi
entregue o alvara de nove de Outubro do prezente anno, em que sua
Magestade se dignou de facultar ao Marquez d’Alorna a especialissima
graça de se rever o processo criminal em que seus sogros e cunhados se
achão condemnados, para que eu como Escrivam no referido alvara no-
meado, o authoace como executo neste autho a que junto o mesmo al-
vara com o requerimento que o obteve e com o assento dos Ministros
informantes que o mencionado alvara ordena se junte, de que fis este
que eu Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne, Corregedor do
Crime da Corte e Escrivam nomeado para esta revista escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

[fl. 206]75
Marques de Alorna
Inquirição de Testemunhas

Produzidas pelo Marquez de Alorna em observancia do Real De-


creto de 7 de Novembro de 1777, para o fim de restituir a fama de Fran-
cisco de Assiz de Tavora, e outros, maculada no processo e sentença que
se proferio em Junta de 12 de Janeiro de 1759 em que participaram da
nota do horrorozo e execrando crime de inconfidencia.

[fl. 207]76
Senhora
Diz o Marquez d’Alorna, como procurador da memória e fama pos-
thuma de seos sogros e cunhados e pelo interesse que nella tem sua mu-
lher e filhos, que tendo feito a Vossa Magestade vários requerimentos
sobre a restituição da honra e memória daquelles seos desgraçados pa-
rentes, expõem novamente à alta comprehensão e rectissima justiça e à
incomparável clemencia de Vossa Magestade pela concessão dos meyos
necessários para conseguir o fim da mais importante pertenção, sendo
certo que nada pode haver mais agradavel a Vossa Magestade que fazê-la
instrumento da applicação da justiça e do triunfo da verdade, e que nada

75
Não consta o fl. 205v.
76
Não consta o fl. 206v.

275
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

mais honrozo para elle que repetir supplicas [a] Vossa Magestade, pois,
quando os soberanos são, como [Vossa] Magestade he, tem os vassallos
grande satisfação em supplicarem e grande fortuna em (...)77 derem.
§1
Que para mayor clareza, funda[mente] até demonstração da justiça
da cauza (...)78 licito fazer com summo respeito e co[m] [fl. 207v] a ver-
dade, hũa recopilação de factos que já não estão sugeitos a segredo por
serem notórios de hũa fama publica, e em virtude della andarem cons-
tantemente na bocca de todos.

Quanto ao Processo
§2
Hé publico que o réo Jozé Mascarenhas, que foi Duque de Aveyro,
accuzando a muitas pessoas de complices no horrorozo attentado comet-
tido na noite de 3 de Settembro de 1758, se retractou depois quando por
inspiração divina se dispoz para morrer arrependido, declarando a todos
innocentes, menos a si, e a dous criados que fez vis instrumentos do
mayor delicto que querendo (couza incrivel) fazer esta re[vo]gação judi-
cial lhe não foi admittida quando esta(?) se não encaminhava à sua pró-
pria (...)79 unicamente servia para exonerar a (...)80.
§3
Hé publico que tudo isto communicou o (...)81 seo confessor naquella
hora, o Padre Manoel de São Boaventura, religiozo [fl. 208] Carmelita Des-
calço, cujas letras, prudencia e virtude forão bem conhecidas nesta Corte,
o qual assim o repetio antes e depois deste feliz reynado a algũas pessoas
fidedignas e acrescentou que chegara a participar esta noticia a El Rey
Nosso Senhor, antes de se assentar no throno com Vossa Magestade.
§4
Hé publico que o ditto religiozo, estando próximo à morte, fez por
escripto toda esta importante declaração como lho encarregou o peni-
tente, a qual não pode deixar de ter sido vista e mandada guardar por
Vossa Magestade.

77
Folha rasgada no canto inferior direito.
78
Folha rasgada no canto inferior direito.
79
Folha rasgada no canto inferior esquerdo.
80
Folha rasgada no canto inferior esquerdo.
81
Folha rasgada no canto inferior esquerdo.

276
O PROCESSO DOS TÁVORAS

§5
Hé publico que a sogra do supplicante, que foi Marqueza de Távora,
sendo tirada do Convento das Agostinhas Descalças, do sitio do Grillo,
pouco antes da execução, não foi perguntada judicialmente, cazo que tal-
vez não tenha exemplo em réo algum, principalmente nos de similhente
crime, acrescentando-se a não pequena circunstancia da qualidade e sexo
da mesma accuzada e mais que tudo, pela ter declarado a sentença hum
dos chefes da conjuração, de que se segue que devia ter sido séria e ma-
duramente perguntada, não só para o exame da culpa [fl. 208v] mas para
a segurança do Estado. Este unico facto bastaria para prova notoria da
irregularidade e precipitação daquelle processo.
Hé publico que os réos não forão acareados e ainda que se queira
dizer que a acareação não he absolutamente necessária, comtudo, ella se
está practicando todos os dias com os réos de pequenos delictos por ser
este hum dos modos mais conducentes para os Juizes virem no conheci-
mento da innocencia, ou culpa, dos mesmos réos. E a quem viria ao pen-
samento que hum cazo que necessitava dos exames mais miudos e das
perguntas mais repetidas feitas em particular aos reos e depois confe-
rindo e combinando tudo com elles à vista para se arguirem huns aos
outros ou se conformassem entre si de sorte que observada a confuzão
dos semblantes ou a incoherencia das respostas, a debilidade das con-
tradictas e a falta de quartadas podessem ser convencidos e sentenciados
a quem viria, pois, ao pensamento que deixaria de se acarearem os reos
de hum delicto que por ser mais privilegiado para as penas, heo o que
necessita de mais provas para se julgar commettido?
[fl. 209]
Hé publico que o Procurador que se nomeou para defender os reos
não escolhido por elles, teve somente vinte e quatro horas para ouvir e
defender a dez pessoas que podião ter defezas e excepções diversas, prin-
cipalmente ao que consistisse em tempo e lugar que são as mais legaes
de todas, sendo certo que aquellas poucas horas não bastavão para a ins-
trução do Procurador quanto mais para se meditar e escrever a defeza
como ella hé de direito natural, hé tambem certo que se faltou a elle con-
cedendo-se similhante termo dentro do qual moralmente se não podia
fazer a ditta defeza porque ainda que pela especialidade do delicto hou-
vessem muitos Decretos que dispensassem toda a ordem e formalidade
de direito civil, não se podião alterar as regras de direito natural que não
está sugeito, antes hé superior a toda a legislação positiva.

277
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Hé publico que muitos destes réos, senão forão todos, protestarão


em publica vos no oratório quando commungarão por Viático, que elles
morrião innocentes. Assim o ouvirão e depois o contarão muitas pessoas
que se achavão prezentes, dignas de inteiro crédito e nem a religião nem
a humanidade se pode accommodar [fl. 209v] à que houvessem homens
tão sacrilegos que mentissem publicamente no acto de receberem o
corpo de Christo Sacramentado e próximos a ouvirem a sua sentença
pelo Supremo Juiz que hé por essencia a mesma verdade.

Quanto aos Juizes


Hé publico terem sido somente seis os Juizes do processo, pois tan-
tos assignarão a sentença (1)82 quando pelo costume deste reyno se no-
mearão sempre em similhante e funestos cazos, muito mayor numero de
Juizes, tanto por decencia das cauzas de Estado, que são as mayores,
como para recommendar a justiça das sentenças proferidas contra a vida,
honra e fazendo das pessoas principaes da Corte e grandes do reyno, e
tambem por hũa espécie de foro ao privilégio fundado no costume de
serem taes pessoas julgadas diversamente dos outros vassalos quando se
trata de se lhes impor a pena capital. O ultimo exemplo era do processo
dos réos Duque de Caminha, Marquêz de Villa Real e Conde de Ar[fl.
210]mamar que sendo comprehendidos no crime de Lesa Magestade de
primeira cabeça, se lhe derão doze Juizes letrados e alem destes nomeou
por Decreto, o Senhor Rey D. João IV, seis Fidalgos para adjuntos e vierão
a ser desoito entre todos. (2)83
Hé publico, e por isto será licito apontá-lo, que os dittos seis Juizes
não satisfizerão a expectação geral porque alguns delles erão faltos de
talento e litteratura, e nos outros se reconhecia ou idade decrepita, ou
materialidade, e singeleza de discurso, ou preoccupação, e arrebatamento
de gênio.

Quanto as Sugestões
para a Sentença
Hé publico que os trez Secretários d’Estado que então erão, prezi-
dirão à Junta que proferio a sentença, pois por esta razão se declara nella

82
Na margem direita lê-se «(1) sentença do Juiz da Inconfidencia página 27.».
83
Na margem esquerda lê-se «(2) Portugal restaurado. 1. Livro V. página 281.».

278
O PROCESSO DOS TÁVORAS

que a rubricarão (3)84 e que o mais antigo delles não deixaria de influir
muito na ditta sentença, pois, sendo notório que elle costuma[fl. 210v]va
tomar a si até os negócios minimos não deixaria de o fazer neste que era
o mais importante de todos e em que tinha o mayor interesse, porque se
o Principe viesse a persuadir-se que à vigilancia delle se tinha devido a
conservação da sua Real Pessoa e do Estado, certamente se faria neces-
sário seguraria o grande poder que tinha e viria ahi excluir a qualquer
outro Ministro, não só do mando absoluto, mas até da participação delle.
Hé publico que aquelle Ministro nas materias que dirigia e em que
tinha empenho, suggeria facilmente a sua vontade e expunha os seos
fundamentos às pessoas que havião votar ou resolver essas mesmas ma-
térias para que se conformassem com elle, sendo poucos, ou raros, os
que se attrevião a resistir-lhe por medo que verdadeiramente cahia em
varão constante pelos grandes e reparáveis damnos que se lhe seguião
como mostrava a experiencia e muitas vezes lhe era precizo em beneficio
das mesmas partes fazer a estas algum damno por lhe evitar outro mayor.
Hé publico que o mesmo Ministro tinha todo o crédito no Senhor
Rey D. Jozé o 1º, e por [fl. 211] esta cauza o mayor poder neste reyno e
que era costumado fosse natureza ou arte a suspeitar sem fundamento a
resolver sem circunspecção e a castigar sem limite, e que consequencias
não resultarião então aos reos do pezo daquella influencia e da força da-
quellas presumpções?
Hé publico para mayor testemunho das suggestões, ou para mayor
prova da nullidade, que o estylo e fraze da sentença que os argumentos,
indicios e prezumpções em que ella se funda, hé tudo inteiramente o
mesmo que o que se lê em outros muitos escriptos do ditto Ministro, de
que vem a conhecer-se ser elle quem compoz a sentença e até se per-
tende que o Procurador dos réos lha ouvio dictar antes de se instruir
com elles e de preparar a defeza, e tambem se affirma que alguns dos
Juizes disserão a pessoas que o repetem, que não tinhão visto o processo
e assignarão a sentença sem a ler porque estiverão pelas provas que se
lhe repetirão. Não era este o cazo, assim pelo crime, como pelos réos, de
estarem os Juizes pela proposta verbal do Relator, ainda que o feito fosse
de conferencia e de cauza summarissima, e menos de se satisfazerem
com as razoens que apontasse o Ministro d’Estado que tudo dirigio [fl.
211v] e que tudo atropellou.

84
Na margem esquerda lê-se «(3) Ditta sentença página 27.».

279
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

Quanto às Contradicções
da Sentença
A primeira contradicção consiste em dizer a sentença que tudo cons-
tava pela confissão da mayor parte dos reos. Ellas erão onze, contando
auzente e fogido Jozé Policarpo. Tem-se por certo que quatro negarão
constantemente, a saber: Francisco de Assiz, sua mulher (que não foi per-
guntada) seo filho Jozé Maria e João Miguel. Igualmente se tem por certo
que Joze Mascarenhas retractou a confissão em quanto era prejudicial à
familia de Távora, e outros, e que Antonio Alvares pela Confissão e Manoel
Alvares pela noticia, só se declararão correos de Jozé Mascarenhas e Jozé
Policarpo. Logo, cazo negado, que prejudicassem a familia de Távora as
confissoens de Luiz Bernardo, Jeronymo de Ataide e Bráz Jozé Romeyro,
não havia contra esta infeliz familia a confissão da mayor parte dos réos.
A segunda contradicção consiste em dizer a sentença que entrando
[fl. 212] a sogra do supplicante na confederação de Jozé Mascarenhas e
dos Jezuitas, elles e ella tratarão de persuadir a todas as pessoas do seo
conhecimento e amizade que Gabriel Malagrida da mesma religião era
homem penitente e santo, attribuindo a sentença esta opinião e fama a
hum novo estratagema dos confederados. Hé indubitável que esta opi-
nião e fama prevalecia nesta Corte desde o reynado do Senhor Rey D.
João V, logo a sentença deo origem à aquella fama muitos annos depois
do tempo em que ella principiou.
A terceira contradicção consiste em dizer a sentença que o réo Jozé
Mascarenhas dissera ao réo Antonio Alvares, com o dedo na bocca e
muito desafogado, as palavras: “calurda que nem o diabo o pode saber,
se tu o não disseres”. Destas palavras, que a sentença não impugna, antes
serve dellas (4)85 necessariamente se segue que o reo Jozé Mascarenhas
estava certo de serem poucas as pessoas que sabião do delicto que não
passarão delle mandante e os dous bárbaros mandatários, pois este ig-
noraria que Antonio Alvares o tivesse confiado a seu irmão. Logo, se fos-
sem sabedores daquelle segredo mais oito pes[fl. 212v]soas incluidas na
sentença, alem de vários jesuitas enunciados nella e nas provas da de-
ducção chronológica, nenhũa força terião as palavras com que o réo Joze
Mascarenhas recomendara o segredo a hum dos dous infames assacinos.
A quarta contradicção da sentença consiste em dizer que o réo Jozé
Mascarenhas mettera na conjuração a Manoel Alvares, quando ao mesmo

85
Não consta qualquer anotação nas margens.

280
O PROCESSO DOS TÁVORAS

tempo diz que trez ou quatro dias depois do insulto hé que soubera delle
pelo conhecimento que do mesmo cazo lhe deo seo irmão Antonio Alvares
(5)86, pois, ainda que o ditto Manoel Alvares o chamou por ordem de seo
amo e a este ministrasse os capotes e cabelleiras na noite do attentado, nada
disto prova a noticia antecedente do delicto. Logo, hé falso que Jozé Masca-
renhas mettesse na conjuração a Manoel Alvares, posto que este se fizesse
criminozo de Estado porque não revelou o que seo irmão lhe contara.
A quinta contradicção consiste em dizer a sentença que nas esperas
e emboscadas que fizerão os réos concorrerão onze cavallos que repete
pelos seos nomes e outros tantos cavalleiros que nelles [fl. 213] montarão
(6)87, sendo certo que a culpa de Manoel Alvares foi somente não revelar o
que seo irmão lhe contou dias depois e que a sogra do supplicante se não
achou nas dittas esperas, porque alem de ser fora de toda a verosimilidade,
a mesma sentença o não repete e não era circunstancia que ella omittisse.
Logo, sendo onze o numero dos réos e sendo certo que dous desses não
montarão nos cavallos, nunca podião ser mais de nove os cavalleiros.

Quanto às Inverosimilidades
da Setença
Que inverosimilidade que a fátua Junta dos parentes como lhe
chama a sentença! Todo o homem por mais cego que esteja quando co-
mette hũa acção bárbara, logo depois de commettida, principalmente se
errou o golpe, fica em tal confuzão e desordem que até parece arrepen-
dido e o seo principal cuidado hé occultar a mão de que sahio o mesmo
golpe. Como pode, pois, crer-se que na manhã successiva à noite do in-
sulto se juntassem os aggressores do mayor delicto com os seos parentes,
que não erão [fl. 213v] poucos, e dessem voluntariamente indicios da sua
culpa por mais leves que fossem, mostrando temor ou susto em se jun-
tarem tão promptamente e em hũa caza que estava quase no lugar do at-
tentado e quase às portas do offendido (7)88.
Que mayor inverosimilidade que ser a pequena quantia de quarenta
moedas de ouro o premio de dous assassinos que não erão mendigos
nem pessoas de exercicio vil e que cometterão o delicto por ordem ou
em obzéquio de pessoas tão grandes e que o réo Jozé Mascarenhas, o

86
Não consta qualquer anotação nas margens.
87
Não consta qualquer anotação nas margens.
88
Na margem direita lê-se «(7)».

281
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

mais empenhado na acção, o mais oppulento dos confederados e o que


mais dispendia nas occazioens dos seos appetites, coubesse na distribui-
ção daquelle infame premio somente a quantia de quatro moedas de
ouro, quando cada hum dos outros contribuio com muito mais (8)89.
Que mayor inverosimilidade que ter sido o principal motivo de en-
trarem na conjuração os réos Francisco de Assiz e sua mulher, a repulsa
que fez o Secretario de Estado ao requerimento com que intentarão o ti-
tulo de Duque, pois fundando-se a resposta na falta de exemplo de simi-
lhante despacho e que este se não dava em remuneração de serviços,
não era de [fl. 214] algum modo pungente, nem ainda desattenta aquella
mesma repulsa (9)90.

Quanto à Confissão do réo Luiz Bernardo, que vem


inserta nas Provas da Deducção Chronológica
Toda a confissão deste réo se reduz às prácticas que referio ter ou-
vido a seos pays, mas hé precizo advertir que há prácticas indiscretas,
prácticas irreverentes e prácticas sediciozas. Pode ser, mas não hé certo,
que este réo ouvisse algũas indiscretas, hé muito duvidozo que ouvisse
as irreverentes e hé certo que não ouvio as sediciozas. Estas distinções,
porem, não as pode fazer quem está preoccupado do terror dos tormen-
tos, principalmente se lhe hé suggerido, o que há de responder. Alem
disto, hé certo que as palavras da sua resposta não forão do réo porque
o contexto e formalidade dellas he da mesma mão que fabricou a sen-
tença e outros muitos escriptos. E se a confissão deste réo foi tão alterada
no modo, porque o não seria tam[fl. 214v]bem na substancia (10)91[?].
Sobre tudo isto se lê na sentença, dar-se por provado que este réo
esteve nas esperas ou emboscadas da infeliz noite de 3 de Settembro de
1758, mas não se lê que elle confessasse este essencial ponto da sua
culpa que não podia esquecer-lhe, nem ommitti-lo a sentença.
Mas seja qual for a confissão deste réo, as testemunhas que Vossa
Magestade permittio que se tirassem, dirão que elle esteve em caza do
réo Jozé Mascarenhas, ensayando contradanças desde as oito horas da
noite até perto da meya noite. E provando-se perfeitamente pela quartada
do tempo e lugar que alguem não commetteo hum delicto, pouco im-

89
Na margem direita lê-se «(8)».
90
Na margem esquerda lê-se «(9)».
91
Na margem direita lê-se «(10)».

282
O PROCESSO DOS TÁVORAS

porta a confissão de o ter commettido porque então se vê que a confissão


não foi verdadeira mas extorquida pelo horror dos tormentos, que fica
durando, e pelo medo da repetição dellas que constranges muito mais.

Quanto à Confissão do réo Jeronymo de Ataide,


que vem inserta nas mesmas Provas
Esta confissão (11)92 hé quase a mesma que a do [fl. 215] réo Luiz
Bernardo e assim lhe compete a mesma resposta, pelo que toca a quali-
dade das prácticas que ouvio a não ser delle o contexto e formalidade
das suas respostas judiciaes a não constar dellas ter-se achado na com-
missão do delicto e a provar-se (como se entende) pelas testemunhas
que agora se inquirirão ter elle estado na noite de 3 de Settembro em
sua caza desde as Ave Marias sem sahir della até se deitar na cama.
Há mais. Pelo que toca a este réo, hum testemunho publico de con-
tradicção capital pois versa entre o seo silencio e a sua confissão. A sen-
tença de degradação proferida na Meza da Consciencia e Ordens por seis
Juizes (de que só hum o não foi depois na cauza da Inconfidencia) diz
que os réos Francisco de Assiz e Jeronymo de Ataide pertinezmente ne-
garão haverem-se achado no referido insulto (12)93. O papel intitulado
“Erros impios e sediciozos” diz que estes dous réos “se conservarão sem-
pre na mais pertinaz e inflexivel negação, até a respeito dos seos sócios”
(13)94. A verdade hé hũa só, negar e confessar oppõem-se diametralmente
ambos estes actos contradictórios em si mesmo, se encontrão publica-
mente auctorizados e assim se [fl. 215v] não sabe qual partido se haja de
tomar senão hum que seria temerário se o processo e setença de todos
estes réos merecessem boa fé. Não se pode asseverar, mas lembra que
poderia ingerir-se depois nos autos aquella confissão do Réo Jeronymo
de Ataide, pois, tambem he publico que o seo Procurador naquella trá-
gica occazião o defendeo como negativo.

Quanto à Confissão do réo Bráz Jozé Romeiro,


Que vem inserta nas mesmas Provas
Deste réo, que pelo seo nascimento e pelo seo pouco juizo, hé de
quem se podia esperar que tivesse menos constancia para soffrer os tor-

92
Na margem direita lê-se «(11)».
93
Na margem esquerda lê-se «(12)».
94
Na margem esquerda lê-se «(13)».

283
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

mentos, diz a sentença que confessara que o réo Luiz Bernardo lhe havia
confiado a conferencia que teve na tarde do insulto com seo pay e irmão,
e que dous Marquezes o encarregarão com segredo de guiar trêz cavallos
que forão de noite para as terras, mas quando passa a afirmar que este
réo se achou nas emboscadas, já se não refere a confissão, mas só que
assim se [fl. 216] provava. E quando assevera que se achou no ajuntamento
que depois do insulto fizerão naquellas terras os criminozos, tambem se
não refere a confissão, porem, só que assim constava (14)95. E que juizo
se pode formar desta confissão, ou que se deve dar à sentença, que hũas
vezes se contradiz e outras não mostra provas que são convincentes.

Reflexão pertencente a este artigo


A respeito das declarações dos correos e da confissão dos trateados,
não será imprópria deste lugar a citação de hũa obra que sahio impressa
relativamente à prezente matéria. Francisco de Lucena, Secretário de Es-
tado do Senhor Rey D. João IV, foi degolado em virtude da sentença que
o suppoz culpado em intelligencias com Castella. Defende a sua memória
o Conde da Ericeira, D. Luiz de Menezes, no seo Portugal Restaurado
(15)96 e os lugares deste auctor se referem e se approvão na dedução
chronológica com outras reflexõens novas. Ali se lê que o ajudante, D.
Pedro Bonete, de[fl. 216v]clarou alguns complices, cuidando que assim
poderia livrar-se. Que o soldado Manoel de Azevedo jurou ameaçado com
segundos tratos, mostrando em todos os actos que o temos dos tormentos
o havia obrigado a confessar o que não fizera e que o mesmo soldado
dissera que para morrer sem escrupulo declarava que não troucera carta
algũa de Castella a Francisco de Lucena e que se o havia ditto fora obri-
gado da dor dos tormentos. Ali se chamão mizeráveis os indicios por que
a sentença condemnou a Francisco de Lucena. Ali se traz como provada
a sua innocencia que antes de commungar protestara que não havia de-
linquido na culpa por que o condemnavão (16)97.
Nao há defensa mais similhante à que pertende fazer o supplicante,
supposta a retractação do réo Jozé Mascarenhas. E quem compoz a de-
ducção chronológica hé justamente o Ministro que esteve a testa do pro-
cesso e sentença de que agora se recorre Vossa Magestade.

95
Na margem esquerda lê-se «(14)».
96
Na margem esquerda lê-se «(15)».
97
Na margem direita lê-se «(16)».

284
O PROCESSO DOS TÁVORAS

[fl. 217]
Quanto a ter passado a Sentença em cauza julgada
e não haver Revista em cauza crime
Hé grande a auctoridade da couza julgada mas para esta ter o seo
completo effeito hé necessário que o réo tenha esgotado todos os graos
de recurso com que o direito para melhor averiguação da verdade e da
justiça costuma soccorrer aos vencidos. A sentença de que se trata não
admittia pela sua natureza, appellação ou aggravo, mas podia e devia ser
embargada se os réos que ella condemnou não tivessem ido indefezos e
se o tivera permittido a calamidade que foi fundamento do processo.
Quando os embargos, remédio ordinário da ley, ainda em cauzas sum-
márias se não formarão por cauzas justas que para isso houve e porque
as circunstancias do tempo o impedirão, não pode com razão dizer que
passou a sentença em julgado quando contra ella se allega injustiça no-
tória em tempo que não hé contra a decencia das razõens de Estado que
se facilitem os meyos para a prova da innocencia.
Se o supplicante podera ter vista do processo, talvez pediria li[fl.
217v]cença a Vossa Magestade para citar o Procurador da Coroa e vir
com embargos de nullidade por falsas provas e por suggestão de pessoa
poderoza que equivale à corrupção dos Juizes, ou intentaria, por estes
dous principios, hũa revista de justiça na forma da ley (17)98.
Contenta-se, porem, o supplicante de pedir a Vossa Magestade a
revista de graça especial como lhe chama a ley e que ella mesma insinua
para os cazos em que se allega injustiça notoria (18)99.
Estas são as que se concedem todos os dias e como a negara a jus-
tiça e a clemencia de Vossa Magestade em hum cazo até digno da revista
mais difficultoza, qual hé a de graça especialissima.
Não obsta a pertenção do supplicante a resposta vulgar de que não
há revista em cauzas crimes pelas razõens que vai por na real prezença
de Vossa Magestade.
As sentenças crimes hũas vezes impõem penas que depois de exe-
cutadas se não podem revogar, como são as de morte, talhamento de
membro, tratos, açoutes e marcas. Outras vezes impõem penas que por
sua natureza tem trato successivo como hé [fl. 218] a condemnação a
galés ou desterro e o exterminio. Quando a ley do reyno diz que não

98
Na margem direita lê-se «(17)».
99
Na margem direita lê-se «(18)».

285
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

haja revista das sentenças crimes, deve-se entender a respeito daquellas


penas que são irretractáveis, porque as leys não dão soccorros inuteis e
estes em tal(?) cazo até serião irrizórios, mas não se deve entender da-
quellas penas que são reformáveis, porque estas, como ainda continuão,
ainda podem cessar.
As leys devem ser justas e não o seria esta se fechasse as portas ao
réo que quer mostrar a injustiça notória da sentença que o condemnou
a hũa pena que não está de todo extincta, nem há mayor razão para que
a ley permitta a revista nas cauzas civeis que não são de tanta importancia
para os homens como hé para elles a restituição da fama e o alivio da
pena corporal.
Por esta identidade de razão segue hum auctor nosso que fez hum
tratado expresso sobre as revistas (19)100. Que estas, nas penas crimes re-
formáveis, se podem conceder na forma ordinária pelo Dezembargo do
Paço, sem que seja precizo recorrer a Vossa Magestade para que dispense
na ley, ainda que reconheça ser este o caminho mais seguro de que diz
haver muitos exemplos e igualmente se se[fl. 218v]gue que deve haver a
restituição da fama e honra perdida.
E como se poderá duvidar que no cazo prezente, alem da honra e
fama dos que morrerão, existe, dura e permanece a infamia dos descentes
como pena resultante do delicto e que por todas estas regras summa-
mente fundadas se deve conceder a revista crime para que conhe-
cendo-se notoriamente injusta a sentença, cesse a mayor de todas as
penas que vai tendo trato successivo e perpétua duração.
Não se oppõem a este justo sytema de legislação criminal o inte-
resse que tem a Republica na prompta execução das penas para castigo
dos delinquentes e para exemplo de todos porque as revistas não sus-
pendem a execução das sentenças e a de que se trata já sortio o seo ef-
feito. Mas, comtudo, isto está o novo exame da culpa quando elle hé tão
fundado porque então, sem prejuizo da satisfação que já se deo ao pu-
blico, se suspendão os castigos que se communicarão pela culpa, pro-
vando-se judicialmente que ella se não cometteo.
A mesma ley que prohibio as revistas crimes, dispõem que se ellas
involverem alem da pena crime a fazenda do criminozo se [fl. 219] possa
admittir a petição de revista quanto aos bens somente (20)101. Há dous

100
Na margem esquerda lê-se «(19)».
101
Na margem esquerda lê-se «(20)».

286
O PROCESSO DOS TÁVORAS

modos de condemnação de bens em similhantes sentenças. A condem-


nação ou pena pecuniária por arbitrio do Juiz, ou a condemnação e per-
dimento dos bens por disposição da ley, da condemnação de bens
arbitrária se pode conhecer na revista sem tocar na pena crime porque
podia o Juiz ser justo nesta e injusto na outra, mas da condemnação de
bens legal como ella hé inteiramente conexa com o crime se há de co-
nhecer igualmente della na revista porque se o crime se commetteo, ne-
cessariamente se perderão os bens. E se não foi commettido não deve
ter lugar o perdimento delles e por isto nos casos em que há confiscação
se se argue a injustiça da sentença, hé indispensável o conhecimento do
crime para se decidir se está bem ou mal perdida a fazenda.

Quanto aos Exemplos


de Revistas Crimes
São muitos os que tem havido e de que fa[fl. 219v]zem menção os
Juristas portuguezes e na certidão junta a este requerimento se mostrão
quatro concessõens de revista crimes, hũa em tempo do Senhor Rey D.
João o V e trêz no reynado do Senhor Rey D. Jozé o 1º. A ultima destes
foi a favor de Luiz de Barros Gavião, condemnado na pena de morte e
executado em estátua na ditta cidade.
Ultimamente, Vossa Magestade mesmo sempre prompta a fazer be-
neficios por natureza e por dictame, foi servida em resolução de sette do
mêz de Agosto do prezente amo tomada em consulta do Conselho102 de
Guerra de vinte de julho, ordenar ao mesmo Conselho103 que avocasse os
proprios autos da culpa de João Vasco Manoel de Braun, Sargento mor
da Praça de Setubal, em que já se proferira sentença que Vossa Magestade
moderara pela sua Real Clemência e que o Conselho104 depois de infor-
mado tornasse a consultar a Vossa Magestade com a informação e a culpa.
Ao sublime discernimento de Vossa Magestade deixa o supplicante
a consideração da grandissima differença que há entre estes cazos e o
da prezente supplica. Aqui não se trata de hum delicto grande mas do
mayor de todos. Não [fl. 220] se disputa da disgraça dos filhos mas da in-
famia legal delles e inhabilidade de todos os seos descendentes. Não se
alterca da perda da parte dos bens ou da fazenda de pouca importancia,

102
Corrigimos de «Concelho».
103
Corrigimos de «Concelho».
104
Corrigimos de «Concelho».

287
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

mas do perdimento de todos e de se passar da riqueza à indigencia. Não


se controverte do abatimento de pessoas nobres, mas da abjecção das
mais illustres do reyno. Emfim, não se pertende a habilitação para cargos
honorificos mas a restituição das mayores dignidades da Monarchia.

Quanto a ter sido o delicto offensivo da Soberania e da


Augusta Pessoa do Senhor Rey Dom Jozé 1º
O crime de alta traição e parricidio comettido por hum vassallo
contra seo Rey natural e Senhor hé o mais abominável de todos depois
dos que atacão immediatamente a verdade infallivél da revelação divina.
O crime daquelle genero que deo lastimozo assumpto a este requeri-
mento fez-se pelas suas circunstancias tão publico que ne[fl. 220v]gá-lo
seria negar a luz do dia. Está confessado em juizo e no foro da conscien-
cia, que não foi sacramental, isto hé, porque se communicou a declaração
sem que se revelasse o sigillo.
Não hé, nem podia ser, o intento do supplicante negar aquelle exe-
crando facto, nem pintar menos horrorozo aquelle escandalozo delicto,
intenta unicamente diminuir com provas juridicas o numero dos delin-
quentes. Que couza mais decoroza para a soberania que serem só trêz e
não onze os vassallos que levantarão a sacrilega mão contra a sagrada
pessoa do seo Principe? Que couza mais respeitoza para a memória do
Senhor Rey D. Jozé 1º, ornado de tantos dons naturaes, que serem só
trêz e não onze os monstros que conceberão aversão contra o seo Au-
gusto nome?
Que mayor ventagem para a Nação que ficar elle convencida de
que forão muito menos os portuguezes inimigos da Pátria e que só pou-
cos se esquecerão de tantos exemplos de fidelidade antigos e modernos?
Que mayor satisfação para o corpo da Nobreza que ficar certa de que
hum só infeliz hé que manchou o seo esplendor, para que sendo mais
peque[fl. 221]na a nódoa, possa com mayor facilidade lavar no sangue
que não derramara pela primeira vez em serviço da Pátria e em defensa
do seo Rey?
Se fora permittido penetrar as ideas dos principes parece que todos
assentarião que só por fins politicos e decorozos, ainda que não houvera
outros, concederia Vossa Magestade que facilmente que de novo se exa-
minasse hum delicto em cuja expiação interessa tanto a escrupuloza de-
cencia da mesma soberania.

288
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Supplica
A vista de tão ponderozas razões pede unicamente o supplente, já
que Vossa Magestade se dignou de conceder que se inquirissem neste caso
as testemunhas que elle produzio (graça que ficaria inutil se não houvesse
de se fazer obra por ella), seja Vossa Magestade servida de commetter a
Ministros que pelo numero, letras e probidade sejão dignos de tal com-
missão e exame da inquirição de testemunhas, confiando-lhe juntamente
o processo para que informem a Vossa Magestade do pezo que faz hũa [fl.
221v] e outra couza para a concessão da revista. Informem a Vossa Mages-
tade se será da igualdade da sua justiça não concederem em hum cazo tão
extraordinário aquella revista que em outros muitos menos fortes se tem
tantas vezes concedido. E informem a Vossa Magestade se a concederão
de algum modo obrigada a permittir hum meyo que a tire da justa duvida
que Vossa Magestade não pode dei[xar] de ter sobre a justiça, ou injustiça,
de hũa sentença que tem por si mesma as mayores consequencias.
Assim o espera o supplicante, e assim o esperão todos, para que
se confirme ainda mais o justo e gloriozo titulo que os vassallos tem dado
a Vossa Magestade de restauradora da sua honra, da sua fama e da sua
liberdade, o que Vossa Magestade practicaria igualmente com todos os
homens se se podesse conferir o império universal a aquelle Principe
que mais o merece.

[fl. 222]
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil settecen-
tos e oittenta e hum e aos sette de Abril do anno referido, na Secretaria
de Estado dos Negocios do Reyno, aonde eu, o Dezembargador Henrique
Joze de Mendanha Benevides Cirne, Escrivam desta revista, fui vindo ahi
pello Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Visconde de Villa Nova da Cer-
veira, Ministro Secretario de Estado da mesma repartição, me forão entre-
gues os Reays Decretos de trinta de Janeiro e vinte e seis de Fevereiro do
prezente anno, em que sua Magestade se digna de nomear em lugar dos
Juizes mortos e impedidos, aos Dezembargadores Estanislao da Cunha
Coelho, Jorge Manoel da Costa e João Ferreira Ribeiro Lemos, declarando
fizece neste processo o officio de Procurador de sua Real Fazenda o De-
zembargador do Paço Bartholomeu105 Joze Nunes Cardozo Giralde de An-
drade, para que os authoace como com effeito executo neste autho a que

105
Corrigimos de «Bartholameu».

289
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

ao diante os junto e que eu, Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne,


Corregedor do Crime e da Corte, escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

[fl. 223]106
Por ter falecido o Doutor Jozé Pinto de Moraes Baccellar e se achar
com impedimento diuturno o Doutor Manoel Jozé da Gama e Oliveira,
do Meu Conselho e do da minha Real Fazenda, Juizes que tinha nomeado
para a cauza do novo exame da devaça e sentença de doze de Janeiro de
mil setecentos sincoenta e nove, que fuy servida comceder em recurso
do Marquez de Alorna, hey por bem nomear em seu lugar os Doutores
Estanislao da Cunha Coelho e Jorge Manoel da Costa, Dezembargadores
dos Aggravos da Caza da Supplicação, e declarar que o Doutor Bartho-
lomeu Jozé Nunes Cardozo Giraldes de Andrade, do meu Conselho e De-
zembargador do Paço, deve fazer na dita cauza o officio de Procurador
da minha Real Fazenda, ficando por esta Caza sendo treze somente os
Juizes , não obstante que no alvará da concessão da revista se acham no-
meados quatorze. O visconde de Villa Nova de Cerveira, meu Ministro e
Secretario de Estado dos Negocios do Reyno, o tenha assim entendido e
faça executar. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em trinta de Janeiro
de mil setecentos outenta e hum.
(assinatura)
Rainha107

[fl. 224]108
Havendo falecido o Doutor Jeronymo de Lemos Monteiro, do meu
Conselho e do de minha Real Fazenda, Juiz que por mim foi nomeado
para a cauza do novo exame da devassa e sentença de doze de Janeiro
de mil setecentos sincoenta e nove, que fuy servida conceder em recurso
do Marquez de Alorna, hey por bem nomear em seu lugar o Doutor João
Ferreira Ribeiro de Lemos, Dezembargador dos Aggravos da Caza da Sup-
plicação. O Visconde de Villa Nova da Cerveira o tenha assim entendido
106
Não consta o fl. 222v.
107
No canto inferior esquerdo lê-se «Registado»; Por sua vez, no canto inferior direito: «Cum-
pra-se na conformidade do que sua Magestade ordena. Lisboa em 7 de Fevereiro de 1781. [as-
sinatura] Visconde de Villa Nova da Cerveira».
108
Não consta o fl. 223v.

290
O PROCESSO DOS TÁVORAS

e faça executar. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em vinte e seis de


Fevereiro de mil setecentos outenta e hum.
(assinatura)
Rainha109

[fl. 225]110
E logo no mesmo dia, mez e anno supra declarados, fis estes authos
concluzos de que eu, o Dezembargador Joze de Mendanha Benevides
Cirne, Corregedor do Crime da Corte, fis este termo que assignei.
(assinatura)
Henrique Joze Mendanha Benevides Cirne

Concluzos

[fl. 226]111
Concluzos
Aos vinte sette de Novembro do anno de mil e settecentos e oittenta
e tres na Secretaria de Estado dos Negocios do Reyno e em conferencia
a que prezidio o Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Martinho e Mello
e Castro, Ministro Secretario de Estado dos Negocios Ultramarinos, se re-
zolveu que a obrepção e subrepção deduzida pello Dezembargador Pro-
curador da Coroa contra o alvara que concedeu esta revista e estabeleceu
esta Junta constituia duvidoza ajurisdição da mesma e que como os em-
bargos em que ella se deduzio erão daquelles que a legislação deste
reyno mandava remeter-se, assentou em que os mesmos fossem remeti-
dos ao Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Visconde de Villa Nova da
Cerveira, Ministro Secretario de Estado dos Negocios do Reyno, para os
por na Real Prezença de sua Magestade, a fim da mesma Senhora deter-
minar o que fosse servida. E escripto este assento, logo com effeito foi
entregue ao dito Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Prezidente de que
eu o Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne fis
este termo que escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

109
No canto inferior esquerdo lê-se «registado».
110
Não consta o fl. 224v.
111
Não consta o fl. 225v.

291
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 226v]
Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil sette-
centos e oittenta e tres e aos vinte e dous dias do mez de Dezembro do
mesmo anno, me foi entregue pello Illustrissimo e Excelentissimo Senhor
Visconde de Villa Nova de Cerveira, Ministro Secretario de Estado dos
Negocios do Reyno, o Real Decreto em que sua Magestade se digna de
nomear os novos Juizes que hão de deccidir os embargos de obrepção e
subrepção pello Dezembargador Procurador de sua Real Coroa offereci-
dos, tudo para que eu como Escrivam no referido Decreto nomeado o
auctuace a fim de se proceguirem os termos da decizão ordenada, o que
executo neste aucto a que junto o mencionado Decreto que he expedido
na data de des do prezente mez e o que a diante se acha, de que eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne, Escrivam
desta revista e igualmente nomeado para esta dependencia fis este que
escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

[fl. 227]112
Porquanto a Junta que pelo meu Alvara de nove de Outubro de mil
setecentos e outenta, creei para rever o processo que se fez aos reos do
horrorozo crime de Alta Traição commettido na infausta noute de trez
de Setembro de mil setecentos sincoenta e outo contra a sagrada e Ama-
bilissima Pessoa de El Rey, meu Senhor e pay, que está em gloria, assen-
tou que a materia de obrepção e subrepção com que o Dezembargador
Procurador da minha Real Coroa tinha embargado o dito alvará, fazia va-
cillante a jurisdicção da mesma Junta e conforme ao direito deste reyno
deviam ser remettidos a mim aquelles embargos para os decidir. Sou ser-
vida nomear aos Doutores Joze Correa de Lacerda, do meu Conselho e
do de minha Real Fazenda, Belchior Joze de Vasconcelos de Carvalho,
Conselheiro do Conselho Ultramarino, Antonio Joze da Cunha, Vereador
do Senado da Camara, Francisco Xavier de Araujo, Antonio Teixeira da
Motta, Antonio de Mattos e Silva, Rodrigo Coelho Machado Torres, De-
zembargadores de Aggravos da Caza da Supplicação, Joze Antonio Pinto
Donas Boto e Marcelino Xavier da Fonceca Pinto, Dezembargadores da
mesma Caza e Corregedores do Civel da Corte, para que, prezidindo-lhes

112
Passa-se a transcere o «Decreto de 11 de Dezembro de 1783».

292
O PROCESSO DOS TÁVORAS

o Marquez de Angeja, o Visconde de Villa Nova da Cerveira, Martinho de


Mello Castro e Ayres de Sá e Mello, meus Ministros de Estado, ou aqueles
que se acharem dezempedidos e servindo de Relator o Dezembargador
Marcelino Xavier da Fonceca Pinto e de Escrivão o Dezembargador Hen-
rique Joze de Mendanha Benevides Cirne na forma em que ja foy por
mim nomeado, dêm vista às partes dos ditos embargos e julgando depois
o que entenderem se me faça prezente para eu determinar o que justo
for. O Visconde de Villa Nova da Cerveira o tenha assim entendido e faça
assim executar. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em onze de Dezem-
bro de mil setecentos e outenta e tres.
(assinatura)
Rainha113

[fl. 228]114
E dados estes authos, os fis concluzos na data antecedentemente
declarada.

Acordão os do Conselho115 e Dezembargo da Rainha Nossa Senhora


e Vossa, que hajão as partes vista dos embargos de obrepção e subrepção
e em ultimo lugar os Dezembargadores Procuradores da Coroa e Procu-
radores da Fazenda. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda, 7 de janeiro de
1784.
(assinaturas)
Visconde, Mattos, Boto, Fonceca,
Correa, Araujo, Torres,
Vasconcelos de Carvalho, Motta [...]116

Foi na mesma data proferido e publicado [fl. 228v] o acordão que


manda dar vista as partes e em ultimo lugar aos Dezembargadores Procu-
radores da Coroa e Fazenda. E porque os embargos de obrepção e subrep-
ção de que tam somente esta nova Junta conhece, se achão encadernados

113
No canto inferior esquerdo lê-se «registado a folha»; Por sua vez, no canto inferior direito:
«Cumpra-se na conformidade do que sua Magestade ordena. Lisboa 20 de dezembro de 1783.
[assinatura] Visconde de Villa Nova da Cerveira»
114
Não consta o fl. 227v.
115
Corrigimos de «Concelho».
116
Constam, ainda, mais três rubricas, sendo que duas pertencem aos dois Desembargadores
procuradores da Coroa e da Fazenda.

293
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

no livro de pasta que contem os da falta da integridade do processo. E os


que impugnão a sentença na duvida de hirem ou não juntos disse o De-
zembargador Procurador da Coroa que não impugnava se continuace a
vista determinada no estado em que os mesmos se achavão, de que eu o
Dezembargador Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne fis este
termo que escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

[fl. 229]
E logo subsequentemente se me forão entregando as procuraçoins
ao diante juntas nas diferentes datas em que se achão feitas. E como em
todas he constituido por Procurador o Doutor Manoel Joze Saturnino da
Veiga lhe continuo vista, ficando em meu poder o competente recibo des-
tes authos de que fis este termo que escrevi e assignei.
(assinatura)
Henrique Joze de Mendanha Benevides Cirne

[fl. 230]117
D. João d’Almeida Portugal, Marquez d’Alorna, Conde d’Assumar
do Conselho da Rainha minha Senhora [e] Vossa.
Por este meu alvará constituo meu Procurador ao Senhor Doutor
Manoel Joze Saturnino da Veiga, para que por mim e em meu nome possa
alegar e requer[er] na cauza de meus cunhados e meus sogros tudo o
que for a bem da sua justiça. E para esse efeito lhe concedo todos os po-
deres em direito necessarios. 11 de Janeiro de 1784.
(assinatura)
Marquez d’Alorna
[fl. 231]118
A Condeça de Atouguia D. Maria Anna de Lorena
Por esta constituo meu Procurador ao Senhor Doutor Manoel Jozé
Saturnino da Veiga, para que por mim e em meu nome possa alegar e re-
querer tudo o que for a bem da cauza de meu marido e Conde que foi
de Atouguia, de meus pais, os Marquezes que forão de Tavora, e de meus
irmaos, o Marquez que foi de Tavora, Luiz Bernardo de Tavora e Jozé

117
Não consta o fl. 229v.
118
Não consta o fl. 230v.

294
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Maria de Tavora. E para este efeito119 lhe consedo todos os poderes em


direitos nesesarios. Quinta do Poço do Bispo, 9 de Janeiro de 1784.
(assinatura)
Condessa de Atouguia

[fl. 232]120
Pella prezente minha procuração, por mim feita e asignada, constituo
meu bastante Procurador a meu tio o Illustrissimo e Excelentissimo Senhor
Marquez de Alorna, para que por mim, em meu nome, pos[s]a requerer e
allegar tudo o que necesario for a fim de se declarar a innocencia de meus
avós, pays e tio, na inconfidencia por que forão condenados. E para tudo
mais que necesario for a semelhante respeito, pois, para o mesmo fim, lhe
concedo todos os poderes em direito necesarios, com expresa faculdade
de substabelear121 os mesmos poderes em hum o[u] muitos Procuradores a
seu arbitrio. E para constar lhe fiz a prezente. Lixboa, 7 de Janeiro de 1784.
(assinatura)
D. Joanna Bernarda Jozé de Lorena

Substableço os poderes da procuração assima no Senhor Doutor


Manoel Joze Saturnino, Advogado da Caza de Suplicação, ficando-me
sempre os mesmos. Lisboa, 8 de Janeiro de 1784.
(assinatura)
Marquez d’Alorna

[fl. 233]122
Constituo por meu bastante Procurador ao Senhor Doutor Manoel
Joze Saturnino, para por mim e em meu nome como se prezente fouse,
pos[s]a alegar e req[u]erer tudo o que for a bem da minha justiça sobre
a cauza em que se trata da restauração da fama de meu pay e meus avos.
E para ese efeitu lhe consedo todos os poderes em direito nesesarios.
Lisboa, 10 de Janeiro de 1784.
(assinatura)
D. Luis de Atayde

119
Corrigimos de «eifeito».
120
Não consta o fl. 231v.
121
Entenda-se «Substabelecer».
122
Não consta o fl. 232v.

295
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 234]123
Havendo constado a sua Magestade que Vossa Senhoria havia feito
hum grande reparo sobre a falta, que no processo, que faz o objecto da
revista da sentença contra os Marquezes de Tavora, se achava das cartas
do jesuita Gabriel Malagrida e havendo-se achado as referidas cartas entre
os papeis do falecido Arcebispo de Thessalonica, posto que dellas não
pareça que se conclue algũa prova. Comtudo, a mesma Senhora, para
que o referido processo se reponha no seu primeiro estado com o apenso
das cartas sobreditas, as manda remetter a Vossa Senhoria para que ajun-
tando-as ao mesmo processo à vista dellas possa Vossa Senhoria dizer o
que ao seu officio justo e conveniente parecer.
Deos Guarde a Vossa Senhoria. Salvaterra de Magos, em 30 de Ja-
neiro de 1790.
(assinatura)
Visconde Mordomo Mor124

[fl. 235]125
Ao Senhor João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, do Conselho
de sua Magestade, Dezembargador do Paço e Procurador da Coroa.
Lisboa
(assinatura)
Do Visconde Mordomo Mor

[fl. 236]126
Cartas de Gabriel de Malagrida
à Marqueza de Tavora

[fl. 237]127
Excelentissima e estimadissima minha Senhora Marquesa
Não tenho palavr[as] para encarecer a Vossa Excelencia a satisfação,
consolação e admiração que recebo em ver a Condessa sua filha e Vossa
Excelencia tão animadas e attentas em executar aquelles fracos ensinos

123
Não consta o fl. 233v.
124
No canto inferior esquerdo lê-se «Senhor João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho.».
125
Não consta o fl. 234v.
126
Não consta o fl. 235v; Ao centro lê-se o número «1».
127
Não consta o fl. 236v; Ao centro lê-se o número «2».

296
O PROCESSO DOS TÁVORAS

que lhes pode administrar tão ruin cabeça como a minha. Crea-me, minha
Marquesa, parece-me maior milagre e beneficio que Deos Nosso Senhor
favorecesse a Condessa com tão eroico procedimento do que se lhe ti-
vesse resuscitada a mesma dithosissima filha, porque em resuscitar a filha
não avia d’encontrar o braço omnipotente nenhuma minima repugnancia,
mas em elevar-nos a tão eroica constancia e amor e submissão total ao
seo querer divino, quantas repugnancias e dificuldades e contradiçoens
dos nossos apetites!
Enfim, eu me regalo de ter tão boas dissipulas e tenho em agrade-
cimento ao Altissimo e para Vossas Excelencias e suas cazas offerecida a
missa e offereco a ellas todo o meo coração. Eu as aceito para dissipulas,
ainda que avia de ser ao reves, mas com este pensamento(?) que sejão
minhas companheiras e coapostolas em atrhair quantas puderão da sua
exfera a abrazar-se todas no serviço e amor de tão bom Senhor. Não co-
nhecer, não apalpão, que esta he a verdadeira vida, o verdadeiro em-
prego, a unica consolação e paraiso que podemos ter, não só noutra vida,
mas tãobem nesta mesma! Porque não avemos de compadecer-nos das
maes que se vão mettendo em hum multiplicado inferno e cá e lá. Esse
hé o maior sacrificio que podemos oferecer a Jesu Cristo, o zelo das
almas remidas com o seo sangue. Que cilicios, que disciplinas, que jejum
a pão e agoa! Dou traça ao entendimento da nosa fazer a Vossas Exce-
lencias dar, lidar, estudar para que todas conhecen que não outro bem
verdadeiro, não ha outra honra, outro triunfo, outra gloria, outro reino,
outra coroa <do> [...] por amor de tão divino Senhor trazer rendidas aos
seos pes e lhe as render do seo amor as suas almas. Não tenho tempo
para maes. Logo mandarei a secunda instrucção ou a 2ª prece(?), mas
desejo muito que tãobem Vossas Excelencias lhe metten as suas maos e
ajudar a tarea128. Pode vos(?) pelo(?) quando algum dia soceda faltar ao
instrumento suplir-vos outros tres e roguen para este triste pecador.

O servo o maes humilde de Vossa Excelencia


(assinatura)
Gabriel Malagrida

128
Entenda-se por «tarefa».

297
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 238]129
Illustrissima e Excelentissima Senhora
Hontem fui a Lumiar por causa do Jubileo instituido. A Senhora Mar-
quesa d’Anjeja m’encomendou muito dizesse a Vossa Excelencia que ace-
ler esse negocio dos Excercicios Pelas Senhoras, poes so desejava entrar
e ajudar a metter a caminho obra(?) de tão grande serviço de Deos e que
se lembre do que lhe disse quando Vossa Excelencia esteve no Lumiar. O
mesmo me diz a Senhora Monteira Mor com sua filha, a Senhora da Sil-
veira, e varias outra[s] que sospirão esta bella moda ardentemente e me
dizen que não são necessarias tantas Senhoras porque quatro e cinco com
as suas criadas bastão a fazer muito grande comunidade. Ja Vossa Exce-
lencia vio o Recolhimento? Falou? Ajustou? Soltou as mil dificoldades que
sempre se levantão nas obras de maior serviço de Deos? Ou tudo esta ja
de fuogo130 morto? Nossa Senhora encaminhe as suas obras e as suas pro-
curadoras.
Caza dos Exercicios, 10 Setembro 756

Humilde criado de Vossa Excelencia


(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 239]131
Senhora Marchesa, minha Senhora
Quem tal dissera que hum seo mesmo filho...... e que nao bastasse
todo o seo amor, todas as suas attençoens para divertir hum golpe tão
[s]ensivel. Porem, entenda, minha amadissima Senhora Marquesa, que
estes golpes são ordenados do Altissimo a grandes intentos. Quer este
Pai(?) Senhor mas adiantara a Vossa Excelencia no seo amor e para isto
são necessarios estes desengannos. Queremos amar a Deos de patrulha
como as maes criaturas e talvez menos ainda que as criaturas que em-
porta que não digamos se o fazemos? Deos Pai ha de ir com esses maru-
lhos132, tanto elle amou e ama a Vossa Excelencia como se não tivesse
outro objetto do seo amor e do mesmo modo e com a mesma singulari-

129
Não consta o fl. 237v; Ao centro lê-se o número «3».
130
Entenda-se por «fogo».
131
Não consta o fl. 238v; Ao centro lê-se o número «4».
132
Entenda-se por «perturbações».

298
O PROCESSO DOS TÁVORAS

dade quer ser amado, servido e adorado da Vossa Excelencia. Este, minha
Marquesa, há de ser todo o seo estudo, o seo empenho, o seo desejo, a
sua vida, o maes hé lamentavel cegueira. Se Vossa Excelencia tem huma
Maii133 Santa nao me dira porque não procura taobem a filha viver e mor-
rer Santa? Ha cousa maes douce, maes bella, maes ricca do que entre-
gar-se toda e totalmente a tão grande e amoroso Senhor, tomara eu que
ca estivesse ou que assim como sei que outros Fidalgos procurão este
governo, assim o Senhor Marques o alcançasse para desperta-la bem
neste particular que não hé tão dificultouso e somos devera[s] bestas e
maes que bestas se não o procuramos com todo o possível esforço e es-
pecialmente aquellas a quem Deos deo hum boucado maes de intelli-
gencia, e brio, e capacidade para isto. Hé possivel que saiba eu que há
este bem infinito e que em punto de morte chorarei a lagrimas de sangue
por não ave-lo amado e procurado quanto me foi possivel e agora não o
faça.
Veja que poderoso e amoroso Senhor seja este em hum dos maes
estupendos prodigios, pratticado nestes nossos dias com huma Jesuitessa
ou Ursulina do Brasil tresportada do mesmo Senhor do Brazil athe o
Campo Grande aos seis de Novembre, e não so ver-me como desejava,
mas ouvir toda a prattica que fiz e athe as ladainhas que mandei cantar
e apunta athe a hora, e tudo acerta.
Ora, Senhora, o que pude ou pode fazer esta pobre e humilde crea-
tura para agradar tanto ao Nosso Senhor, não poderá tãobem faze-lo
Vossa Excelencia a quem deo Deos maior talento? E não acabo de faze-lo
eu que tenho tanto maior obrigação e esperiencia do que Vossa Excelen-
cia? Porem, Vossa Excelencia não ignora o ditado, bem o prega Frey Tho-
mas, etc.

Settu[b]al, 7 Janeiro, 756


Beja134 as maos de Vossa Excelencia este seo
humilde criado
(assinatura)
Gabriel Malagrida

133
Entenda-se por «mãe».
134
Entenda-se por «Beija».

299
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 240]135
A Excelentissima Illustrissima Senhora Marqueza de Tavora, minha
Senhora guarde Deus muitos ann[os] – Lisboa

[fl. 241]136
Excelentissima e Estimadissima Senhora Marquesa.
Oh quanto he douce e seguro seguirmos o northe da providencia que
nos governa e fiarmos de aquel Piloto que não pode ter erros nos seos ca-
minhos! Dizen que o meu juiço do terremoto despertou outros terremotos
e que realmente estou arguido e condennado para enfamar nelle muita
gente, etc. Isto seja ditto entre nos para que veja a muita confiança que fazo
de Vossa Excelencia. Mas como tudo foi unicamente não para agravar a
ninguem, mas para fazer a minha obrigação de Pregador e Missionario de
Jesu Cristo, que hé clamar contra(?) os publicos vicios e escandalos e apun-
tar os verdadeiros caminhos para aplacar a indignação divina e fugirmos
[a] castigos maes lutuozos, tomara eu para tão bom Senhor perder mil vidas.
Juro-lo que estou to[do] cheo de alegria e tomara ter presente a Vossa Ex-
celencia para comunicar-le todo o meo coração e a torto e direito teimar
com ella para que desprezando eroicamente todo este desprezado mundo
fruto se largue toda e totalmente nas mãos e amor de tão bom Senhor, que
eu sei certamente que murre de amor por ella.
Pretendo de dar os Exercicios mas custa muito em tão grandes rui-
nas achar ritiro capaz para homes. Se no Recolhimento de Vossa Senhora,
no qual fiz 30 cubiculos, não estivessem algumas donzelas que eu não as
mett[i], não podia aver melhor lugar, a igreja não pode ser melhor, ainda
que me vejo tão falto de meios e em terra tão miseravel espero não só
restaurar as poucas ruinas, mas fexar137 a cerca. Se Vossa Excelencia cá
estivesse podria ser sportola e minha valeosa companhia para exercicios
e fortificação de todas estas mulheres, lhe agradeço a esmola e favor de
encommendar tanto aos 2 capitaens, se me podrão ajudar de alguma sorte
no dito empenho. Estima-lo-hei muito porque mourro para voz138.
Nunca m’esquecerei de pedir a Deos por Vossa Excelencia, de quem
sou e serei139 sempre.
135
Não consta o fl. 239v.
136
Não consta o fl. 240v; Ao centro lê-se o número «5».
137
Entenda-se por «fechar».
138
Entenda-se por «vós».
139
Corrigimos de «sarei».

300
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Os meos obsequios à[s] Senhoras Condessas da Fronteira, maii140 e


filha, e suas cazas.
Settu[b]al, 26 Novembro 756

Todas as veces que ca me quizerão para os exercicios ou novenas,


<etc.>, com licença do Padre Provincial, não faltarei, sem esta não nas posso.

O maes humilde e obrigado servo


(assinatura)
Gabriel Malagrida

Se Vossa Excelencia quer ter grande merecimento com Deos e sua


141
Maii Santissima tãobem nesta restauração e cerca(?) que pretendo fazer
neste Recolhimento, podria procurar pelo Padre Diogo, meu compa-
nheiro, 50 ou 60 cópias do saiço142 do terremoto mas leven o italiano
maes emendado e capas(?) conhece [sic] reparti-las em meo nome para
dar huma esmolinha para esta obra, a qual são(?) dedicadas, embora que
sejao seis ou oitto vinteins, tera muita cunta143. [E] podrá remeter varia[s]
ao Senhor Marquez, etc.

[fl. 242]144
A Illustrissima e Excelentissima Senhora Marquesa de Tavora
guarde Deus muitos ann[os]
(assinatura)
Junqueira
[fl. 243]145
Illustrissima e Excelentissima Senhora Marquesa
Bejo146 as maos a Vossa Excelencia, ao Senhor Maquez, Senhores
Conde e Condessa da Attoguia, para esmola pelos Exercicios, nos quaes
torno entrar hoje e terrei [sic] cuidado rogar e fazer rogar para todos e

140
Entenda-se por «mãe».
141
Entenda-se por «mãe».
142
Cestos de cana.
143
Entenda-se por «conta».
144
Não consta o fl. 241v.
145
Não consta o fl. 242v; Ao centro lê-se o número «6».
146
Entenda-se por «beijo».

301
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

muito maes para Vossa Excelencia o farei specialmente como a quem


tanto a estimo e venero. Viva mil annos tãobem para industria de traffegar
tãobem os papeis do terremoto sempre(?) hé amar e servir a Deos, sem-
pre hé concorrer pera obras, nas quaes Voss Excelencia não pode dexar
de ver quanto são de <munto> agrado ao mesmo Senhor e a sua Maii147
Santissima, como hé alem de tantas outras este Recolhimento. Neste, cer-
tamente como nos maes, eu consydero não hum mas muito prodigios. O
primero, como pudi eu sem meios faze-lo com 30 celías148, corredores,
caza de lavar, refectorio, cosi[nhas], locutorio, portaria149 e o maes neces-
sario, sendo esta terra ainda antes do terremoto, tão arrastada que cinco
prometterão alguma cousa e nada derão.
Secundo, como ficando com o terremoto tão ruinada, o pudi res-
taurar como de facto esta restaurado. 3º, como cessou finalmente a tem-
pestade e ao rebate(?) com que o demonio desempenhou o ameaço que
ja publicamente me tinha feito e me fez toda a possivel guerra com a de-
manda destes irmãos <tao injusta>, e ja tudo cessou.
4º, como pudi alcançar da sua Majestade metter na cerca ou fazer cerca
com hum baluarte e muralha muito grande, cou[s]a reputa[d]a sempre sem-
pre [sic] impossivel pelo animo contrario do Senhor Marquez de Marialva.
E espero agora o 5º favor e milagre <e hé> que possa sahir com os
300 palmos de muro que nos faltão, e nisto Nossa Senhora ou a minha
temeritade me dá tal animo que não posso nem d[u]vidar, como se ja es-
tivese tudo feito. Espero, taobem, o 6º, que hé ver neste canto, e de tão
fracos principios e tão grandes opposiçoens, surgir hum insigne Colegio
ou Seminario de Jesuitessas, aonde se crie tanta multidão de raparigas
ainde150 Nobres e não só se lhes ensine [a] ler e escrever, mas Latim, Fran-
ces, Italiano e arte, musica e instromentos. Tomara eu que viesse a(?) ver
isto e dar-me [fl. 243v] o seo parecer. Confesso-le151, com toda confiança,
que, quando eu considero tudo isto, e specialm[ente] a minha tão grande
ineptidão e dificultade munta a pedir e reparo tão grande pie[d]ade e
amor em Maria Santissima, que nem huma Maii152, e vejo que tenho

147
Entenda-se por «mãe».
148
Entenda-se por «celas».
149
Corrigimos de «pertaria».
150
Entenda-se por «ainda».
151
Entenda-se por «Confesso-lhe».
152
Entenda-se por «mãe».

302
O PROCESSO DOS TÁVORAS

amos(?) tão tenros, amorosos e bons, ainda que seja tão secco como hum
pão, me caie o coração desfeito em lagrimas. E tomara abrazar-me e des-
pedaçar-me por elles e tomara ve[r] a Vossas Excelencias todas arrebata-
das do mesmo fuogo153.
Tomara que estivesse em minha mão o alivio do Senhor Conde. Ja
rezei para elle tres missas, o certo hé que o considero no maior perigo.
Estes Senhores, que são tão riccos e poden, avião154 d’entrar nestas fun-
daçoens tão importantes, Conventos, Recolhimentos, Seminarios, Casas
d’exercicios [se] não como fundadores ao menos como confundadores155
ou benfeitores insignes. Porem, pare[c]e a esta nossa sencibilidade que
tudo o que damos a Deos e ao alivio e seguro das almas o perdemos.

Settu[b]al, 6 Março, 757


De Vossa Excelencia, o mais humilde servo
(assinatura)
Gabriel Malagrida

Mandem esta carta por(?) hum seo escudeiro ao Senhor Patriarca


ou Secretario que hé da Regente do Recolhimento e saiba quando ha de
procurar a reposta: duas praças não dão o coartinho156 outras veces darão
tres(?), eu admitto todos se salva(?) alguma praça, ou fica para outros
gastos, o[u] vaii para [o] muro do Recolhimento, tudo hé o mesmo. O co-
ração me diz que daqui a 4 mezes ca não estarei a [...] estes nen a da-los
a varios na Via Lunga. Se pudesse, bem chegaria a ve-las, mas não posso.

[244]157
Excelentissima e estimadissima minha Senhora Marqueza
Ja tenho escritto a Vossa Excelencia e acompanho com esta minha a
este Sargento por ver o grande empenho com que o bom Capitão e criado
de Vossa Excelencia, agora feito Sargento mor, deseja o seo adiantamento
maes justo, sentindo a conhecida injustiça que se lhe tem feito nas passadas
153
Entenda-se por «fogo».
154
Entenda-se por «haviam».
155
Entenda-se por «co-fundadores».
156
Entenda-se «quartinho». Correspondia ao quarto de moeda ou doze tostões, no século XVIII.
Ver, SILVA, António de Morais - Diccionario da Lingua Portugueza. Tomo II, Lisboa: Typo-
graphia Lacerdina, 1813, p. 535.
157
Não consta o fl. 243v; Ao centro lê-se o número «7».

303
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

promoçoens. Esta mesma injustiça testefica o seo Tenente Coronel, feito Co-
ronel em Penamacor. Como este seo criado fes os Exercicios spirituaes com
muita satisfacção minha, e proveito seo, nao posso dexar de faze-lo o gosto,
munto maes que o que peço a Vossa Excelencia hé que procure muito que
o Senhor Marques não caia em pecado mortal fazendo huma injustiça ma-
nifesta ao seo Sargento. O dia de Pascoa avia d’entrar com outra bollada
d’Exercicios por me ter mandado hum proprio o Conde de São Lourenço,
que enfalivelmente se acharia em tal dia para entrar nos Exercios com o Se-
nhor Dom Rodrigo [...] de Algarve. Tudo se frustrou com feura tão mali[g]na
de que esteve em perigo manifesto de morte. Graças a Deos e a Nossa Se-
nhora das Missoens que o livrarão disto e peço aos mesmos Soberanos com
tanto calor para que abrazem a Vossa Excelencia e a Senhora Condessa, sua
filha, do seo divino amor que hé todo e o unico bem desta e doutra vida.

Settu[b]al, 12 Abril, 757

Careço dos exercicios do Francisco Salazar por ter perdido o outro


que tinha. Remetto tãobem a Vossa Excelencia a carta do novo Coronel
para [que] veja claro o agravo feito a este pobre Sargento. Não hé bem
que o Senhor Marquez, a quem bejo158 as maos, concorra nisto, ne[m]
tãobem lhe mostre a carta do Coronel.

O maes umilde e obrigado servo


(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 245]159
Illustrissima e Excelentissima Senhora Marqueza
Caza d’Exercicios, Settu[b]al, 22 Abril 759
Agradeço muito e muito a Vossa Excelencia e ao Senhor Marquez
o desvelo para adiantamento e commodo desse soldado. Todo o meu
fruito160 e conveniencia(?) será161 s’elle entrar nos Exercicios e com elles
se resolver a limpar sua(?) consciencia e viver para aquel fim para qual

158
Entenda-se por «beijo».
159
Não consta o fl. 244v; Ao centro lê-se o número «8».
160
Entenda-se por «fruto».
161
Corrigimos de «sará».

304
O PROCESSO DOS TÁVORAS

foi criado, cousa tão longe desta profissão. Acerca das re[s]postas do Se-
nhor Patriarca, não se canse(?) maes. Tomara eu puder siquer manifestar
a estes Senhores que tem estes cargos ou ecclesiasticos ou seculares o
gravissimo danno que causão e o maes grave cargo que levão na
[con]sciencia com estas tuas omissoens. Talvez a de menor parte era desta
pobre Regente desse Recolhimento que recorria em g[r]ave duvida ao
seo prelado e que rezão pode ter hum prelado de não responder? Por
isto lhe protesto e juro que não vejo cousa maes importante e necessaria
para a salvação das almas, que casas e maes casas em cada canto d’Exer-
cicios e que todos, Principes e Vassalos, Nobres e Mecanicos seculares e
ecclesiasticos huma vez cada anno se cheguen a elles.
Esta mesma demora tão grande em aprovar como deve, e está ob-
rigado hum instinto tão aprovado na Igreja como o instituto da Compa-
nhia, que hé o que proffessão as Ursulinas, e peden com força depoes
de tantas trapaças e armaçoens do inimigo estas recolhidas, que la met-
terão a torto e direito162 os meos contrarios (e m[e] hé preciso sofrer e
abaxar a cabeça) que detrimento não causa à mesma obra? Porque passa
o tempo apportuno(?) por este [...] e eu trattava não só de restaurar os
cubicolos, demolir e levantar paredes como a necessidade pede, mas tão-
bem entrar a <cerca>. E os mesmos superiores <meos>, vendo tanta de-
mora, me prohiben (e tem rezão) ga[s]tar maes hum vintein. Em rezão(?)
porque receião que os mexidoures, que se acomodarão para necessidade
de reparar as ruinas, depoes de reparadas estas, não se levanten outra
vez com o Santo que hé Nossa Senhora e com a sua esmola, e não tornen
a dizer que hão de ser Franciscanas. Porem, bem sabe Vossa Excelencia
que hé facil com engannos e embustes virar a cabeça a humas pobres
molheres que a163 tem tão fraca. O meo gosto seria continuar; e sejão de
que instituto for, ou de São Francisco ou de Santa Teresa, ou da Madre
de Deos, ou Trillas com tanto que attentão à sua perfeição. E eis aqui,
minha amadissima Senhora Marquesa, o vento com que navegamos. O
demonio nos dá travalhos e couçes de desesperado, mas toda a minha
esperança e confiança hé na minha Ama que pode maes. Estimo tanto e
não lhe sei dar as graças por ter livrado de tão grande perigo o Conde
de São Lourenço, por me parecer tão recto e tão pio. Assim tomara eu
que fossen todos e todas as Fidalgas como Vossa Excelencia, a Condessa

162
Corrigimos de «dirreito».
163
Corrigimos de «há».

305
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

sua filha, a Condessa da Rybeira, e sua filha, a Condessa d’Anjeja, e tantas


outras, oxalá fossen outros tantos os Fidalgos bons e que desejão verda-
deiramente salvar! A todos e todas as conhecidas os meos obsequios.
Não deve ter scrupulo nenhum no jejum da coaresma. Estou(?) muito
prudentemente seguindo o parecer [de] hum(?) só Teologo quanto maes
de dous, ainda que elles tivessen errado, quanto maes que não errarão.
Estou com a primeira bollada d’Exercicios e dou muitas graças(?) a Maria
Santissima e munto maes de ver que estas Senhoras da terra, e não San-
tas, desejão tãobem ellas os Exercicios e que seria164 se(?) vissen tão
grande exemplo em Vossas Excelencias?

De Vossa Excelencia,
O maes humilde e obrigado servo,
(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 246]165
Excelentissima Senhora Marquesa
Settu[b]a]l, 6 Fevereiro, 757
Pelo(?) muito que esto[u] empenhado no bem maes verdadeiro de
Vossa Excelencia esti[m]arei muito que se aproveite destes contratempos
para practicamente entender que somos peiores que bestas em não acabar
d’entender que o nosso north[e], o nosso alvo, o nosso unico bem, hé o
nosso Paii e Maii166 e Senhor e só merece todo e totalmente o nosso amor e
fora167 disto não há que [sic] afliçoens, ingratidoens, desesperazoens. E aquel-
les a quem Deos deo o maior caco e entendimento para comprender isto
ainda são maes bestas se não o fazem e executão com toda a resolução.
Eu ja tenho escritto a Vossa Excelencia, e ainda que não tenho
re[s]posta, para que veja que a minha memoria hé maes viva e fixa, não res-
pondo <só> sem re[s]posta sua, mas correspondo com este mimo para Vossa
Excelencia e a Senhora Condessa aliviar suas penas. Merece estimação não
pelos versos, mas pelo Author que hé o patrono da sua excelentissima Caza
São Bernardo. Acabo(?) lendo hum seo inno ao nome Santissimo de Jesus o

164
Corrigimos de «saria».
165
Não consta o fl. 245v; Ao centro lê-se o número «9».
166
Entenda-se por «mãe».
167
Corrigimos de «fura».

306
O PROCESSO DOS TÁVORAS

achei tão cheo de doçura que o fui enterpretando do modo que vaii na
minha lingoa italiana que ja não sei. O certo hé que eu chorei em consolo(?)
sem embargo de ter o coração como pedra. Quanto maes chorará hum co-
ração maes tenro e devoto. Sera facil à Senhora Condessa achar hum conhe-
cido italiano que o metta em solfa, e se não, valha-se do meio da Senhora
Marquesa de Anjeja, ou do Padre Timoteo, mestre das Princessas, e se cá
vier estimarei ouvi-lo cantado da sua bouca168. Estou para entrar com a 3ª
bollada dos Exercicios o que esta taxado pelo sustento <de cada qual> hé
hum coartinho, e mui poucos são aqueles que possão pagar essa lemitação
<depoes de> tanto estrago na terra, com que se Vossas Excelencias promet-
terão alguma praça, athe que eu, em consciencia nao posso recusar este
availlo169, specialmente vendo-me tão cheo de despezas para este Recolhi-
mento de Ursulinas que me assombrão. Graças a [Deos] e a Maria Santissima
estou acabando de reparar os dannos do terremoto. Entra-me agora hum
estranho empulso de conclui[r] a cerca porque certamente esta hé alma
d’huma clausura. E ainda que não pude aver170 nenhum auxilio desta villa
quando estava florente, e muito menos tenho que esperar agora que não hé
maes que hum montão de ruinas e miserias imponderaveis, comtudo, eu
não descanço, mando [ar]rancar e preparar pedras e officiaes. Chegarei
aonde puder, o sitio se o vir conhecerá que não pode aver171 maes bello. A
igreja, excelentissima em outros tempos(?), alcancei de sua Majestade facul-
dade de metter na cerca hum baloarte e hum grande lenço de muralha real
e esta cerca da banda do mar. São necessarios 300 palmos de muro para
cercar da banda da villa, tomara puder fazer do sangue dinheiro e dos ossos
pedra pedra [sic] para concluir cerca e negocio tão emportante ao serviço
de Deos, ao qual peço e pedirei que abrace a Vossa Excelencia e as excelen-
tissimas filhas do seo tão amor. Muitas lembranças à Senhora Marquesa de
Anjeja, Condessa Riibeiras, Duquesa de Aveiro e maes Senhoras conhecidas.

De Vossa Excelencia
O maes indigno e humilde servo
(assinatura)
Gabriel Malagrida

168
Entenda-se por «boca».
169
Entenda-se por «aval».
170
Entenda-se por «haver».
171
Entenda-se por «haver».

307
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

[fl. 247]172
Minha Amadissima e estimadissima Senhora Marquesa
Já tenho escritto a Vossa Excelencia: Antti hontem acabei os Exercicios
que dei a huma bollada de 30 mulheres com toda a regularidade clausura-
das no Recolhimento de Nossa Senhora das Missoens, juntho a formosis-
sima capella de Nossa Senhora da Saude, nesta villa. Protesto a Vossa
Excelencia que vejo tão grande o fruitto e necessidade de taes Exercicios
que cada vez maes me abraço de desejo de ver em cada canto semelhantes
cazas. E como vejo o bom animo e desejo de Vossa Excelencia de me querer
ajudar e concorrer como se fora minha companheira nestes divinos minis-
terios e eu não posso faltar de ir a Santarem, aonde desejo e espero intro-
duzir estes mesmos Exercicios, Vossa Excelencia fará muito serviço a Deos
se procurerá [sic] saber aquellos Fidalgos que tem cazas em Santarem e pe-
dirá a faculdade para valer-me da sua caza para dar nella duas ou tres veçes
os ditos Exercicios. Com re[s]posta de Vossa Excelencia resolv[e]rei se será173
melhor ir antes a esta villa ou depoes de ter dada satisfação a Vossa Exce-
lencia e suas filhas, ja que tão louvavelmente persistão neste proposito. O
mesmo Senhor abrace a Vossas Excelencias todas no seo amor.

Settu[b]al, 8 Maio, 757


De Vossa Excelencia
O maes humilde servo
(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 248]174
Illustrissima e Excelentissima Senhora
Confesso ingenuamente a Vossa Excelencia que igoal à estimação
e veneração que proffesso a Vossa Excelencia hé a saudade e desejo que
me asiste de ve-la, e 5 meses me parecer cinco annos. Porem, se não
pode ser, paciência175. Estimarei muito que nos vejamos diante da majes-
tade divina em aquella gloria que se há [de] ter principio, nunca ha <de>
ter fim. Pague o mesmo Senhor a Vossa Excelencia <o zelo> em procurar

172
Não consta o fl. 246v; Ao centro lê-se o número «10».
173
Corrigimos de «sara».
174
Não consta o fl. 247v; Ao centro lê-se o número «11».
175
Corrigimos de «patiencia».

308
O PROCESSO DOS TÁVORAS

caza capaz para os Exercicios em Santarem e me digo e confesso de todo


o coração.
Bejo176 as maos ao Senhor Marquez e a toda a sua familha e da Se-
nhora Condessa de Angeja(?). Sinto a recaída do Senhor Conde, e não
du[v]ido que nestes te<r>mos desejão fazer os Exercicios finaes(?). O
mesmo Senhor guarde e console a Vossa Excelencia e a abraze <aqui>
todas no seo divino amor.

Collegio de Settu[b]al, 1 Junho, 757


O maes indigno servo de Vossa Excelencia
(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 249]177
Excelentissima Senhora Marquesa
Muito me consola o ver que busca o verdadeiro caminho e maes
suave para ser Santa que hé o Padre Alonso Rodriguez e para esto(?) com
maes ancia desejo que complete a sua promessa e vermos porque não
sei entender que grande crime d’estado seja (ainda que eu(?) seja tão
mão178 vir a ter os Santos Exercicios e Vossas Excelencias mesmas que
saben muito bem que cousa são, avião179 d’estar todas por elles, e defen-
der e patrocinar a causa do Senhor ou da salvação de tantas almas).
Se Vossas Excelencias vissen o que eu vejo, não du[v]ido que me-
terião a vida(?) por isto quando tivessen huma só faisca de amor de Deos.
Não estranho demónio fazer-me tão desesperada guerra porque ainda
hão d’estar vivos e vivas as que publicamente na igreja de São Julião ovi-
rão180 os ameaços que me fe[z]. Era estranho que tenha tantos ajudantes
e eu nenhum sinto maes <que a perda(?) das almas> ao(?) ser(?) em tan-
tos e tantas este desejo, pareceo-me emportante ao serviço de meo Amo
e Senhor que(?) specialmente às Senhoras o embaraço do cansaço(?) e
chegar-me por 11 dias maes perto à Corte como saria181 em Almada, etc.

176
Entenda-se por «beijo».
177
Não consta o fl. 248v; Ao centro lê-se o número «12».
178
Entenda-se por «mau».
179
Entenda-se por «haviam».
180
Entenda-se por «ouviram».
181
Entenda-se por «seria».

309
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

E por cá em morada opportuna dar os Exercicios. Pedi isto ao nosso


Padre Provincial e não mo concedeo. E não sei ainda, ne[m] quem, nem
porque sou preso. Abraçou-me, comtudo, com o meo Deos e Senhor e
lhe confesso que se me visse bem cargado182 de ferros, e injuriado e
morto por seo amor, saria183 a maior merce que pudessi pedir e esperar
do seo amor.
Não tenho tempo para maes, me alegro muito e muito ter tantas e
tão boas Irmaas Excelentissimas em tudo o gen[e]ro. Eu lhe queria es-
crever huma carta, mas como vou a pregar à tarde não tenho tempo.
Supra Vossa Excelencia. Domingo[...] entramos com outra bollada dos
Exercicios e porque Vossa Excelencia não mande o seo secundogenito
que me parece de muito bom entendimento e se Vossa Excelencia não
me confia ao menos qual seja aquel de tanta autoridade que lhe embar-
gou o caminho a esta vossa praça(?) pelos Exercicios! Não desta mera
curiosidade, mas hé unicamente para saber quem me prende? Tenho em-
portancia summa de procurar o accesso a sua Majestade por cousas em-
portantissimas, portanto, me emportava saber se o mesmo senhor hé que
me bouta184 para longe de sy, e então não há remedio que abaxar a ca-
beça e as costas. Emfim, para quando nos veremos, reservaremos o maes.

Settu[b]al, 8 Setembro, 757

O Senhor Conego, D. Joze Maria de Tavora, vem para esta bollada


e varios outros Senhores e hu Monsignor muito prometeu [...] que vinhão.
Aprovera Deos que todos e da Corte e de fuora185 fizessen este contracto
com Deos e Senhor, se fordes servido conceder-me hum anno maes de
vida, cinco ou 6 dias ao menos, eu vos prometto d’Exercicios de quantos
males e ruinas nos livrariamos. Os meos obsequios ao Senhor Marquez
[da] Casa d’Alorna e d’Attouguia. Mandei hum proprio à Senhora Con-
dessa e ainda não sei se ja está fuora de per[igo].

Agradeço a Vossa Excelencia a esmola, a tempestade dentro o Re-


colhimento se vai serena[n]do.

182
Entenda-se por «carregado».
183
Entenda-se por «seria».
184
Entenda-se por «bota».
185
Entenda-se por «fora».

310
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Como hé costume da minha Sobrana, quando me se embarga huma


obra fazer-me sahir com duas, espero para este excesso d’amor.

O maes humilde servo,


(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 250]186
Minha Excelentissima Senhora Marquesa
Como este vouto187 hé santo, não se há de resgatar(?) a força(?) de
direitos e braços, mas abraço[s]. Eu verei, comtudo, o feito que me
manda, mas não sou perito(?) muito nestas cousas. O Padre Diogo, meo
companheiro, parece-me maes apto para isto. Posto assegurar que não
sahirá daqui D. Joze Maria sem resolução firme de antes mourer que pec-
car mortalmente.
Deos Nosso Senhor abraze o coração da minha Senhora Marquesa
e fará que entenda bem e s’aproveite de tão grande Padre spiritual, o
Padre Alonso Rodriguez. Mas veja bem o tratado188 que faz da caridade
e consulte com elle como se ha de valer nesta tão renhida demanda do
demonio(?).

Settu[b]al, 12 Setembro, 757


Para Vossa Excelencia
O maes humilde e indigno servo
(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 254]189
Minha Excelentissima e Amadissima Senhora Marquesa
Settu[b]al, 17 Março, 757
Bem grande tevera190 sido a consolação de vermos em via longa,
porem, sem licença do Provincial não posso de cá sahir. Eu assim o en-

186
Não consta o fl. 249v; Ao centro lê-se o número «13».
187
Entenda-se por «voto».
188
Corrigimos de «travado».
189
Não constam os fls. 250v, 251, 251v, 252, 252v, 253 e 253v; Ao centro lê-se o número «17».
190
Entenda-se por «tivera».

311
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

tendo que cá não parei eu athe 17(?) meses, porque parece-me que Deos
tãobem em outras partes entende fazer semelhantes fundaçoens e mis-
soens, etc. Deos pague a Vossa Excelencia e aos maes benfeitores o novo
subsidio da sua caridade. Tomara eu ter tão boa companheira e zeladora
em outras partes aonde me sinto pouxado ou [sic] Evora, ou Porto! Se
por la for, folgarei ao menos que aquelles prelados sejão Irmãos de Vossa
Excelencia porque para obras semelhantes e missoens, e Exercicios, etc.,
emporta muito que os prelados sejão cheos de Deos e bem affectos a se-
melhantes obras. <Como> for avisado, darei particulares notícias.
Ja tenho dado vivas graça[s] a Nossa Senhora para melhora do
Conde da Rybeira Grande, eu estimarei melhor que comple[t]ar agora o
que tem promettido de fazer os Exercicios spirituaes e preparar-se bem e
muito bem para aquela ter[r]ivel jornada da eternidade. Não posso dilatar
maes que m’está cahindo a cabeça com sonno. Viva mil annos Vossa Ex-
celencia para novo subsidio e dolo(?) para(?) [sic] dos papeis. Deos tudo
e muito maes merece. Os meos obsequios ao Senhor Marquez e a todos
os maes conhecidos e conhecidas. Como hontem me veio hum criado do
Senhor Conde de São Lo[u]renço <lhe encomendei> a mesma diligência
das respostas de S. Cruz para este Padre Prior. Se Vossa Excelencia ja as
procurou, avise(?) o Senhor Conde para que nao os procure.

De Vossa Excelencia
O maes humilde criado
(assinatura)
Gabriel Malagrida

[fl. 255]191
A Illustrissima e Excelentissima Senhora Marquesa de Tavora, D.
Lianor, guarde Deus muitos annos.
(assinatura)
Junqueira

[fl. 256]192
Crea-me Excelentissima e Estimadissima Senhora Marquesa, que es-
timo como meos todos os bon[s] sucessos e beneficios que Deos Nosso

191
Não consta o fl. 254v.
192
Não constam os fls. 255 e 255v; Ao centro lê-se o número «18».

312
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Senhor a tão boas Senhoras e totalmente suas. Oh provera Deos que che-
gassemos bem a entender que o nosso Senhor e Pai hé feito, de elle e uni-
camente para sy. Nem pode achar quietação e socego senão virado. A boa
Marquesa d’Anjeja vay bem embebida disto e toda desejosa de amar-se e
abrazar-se com Vossa Excelencia e suas filhas como verdadeiras Irmaas e
ajudar-se humas com outras, como tantos carvoens ao mesmo entento. Oh
quanto estimara eu e se regalara o mesmo Senhor, que todas as Damas da
Corte fizessen tão boa liga. Tem o demonio tantos e tantas que sustentão
o seo partido, não achara, tãobem, as suas o mesmo Senhor?
A unica desconsolação que tive foi chegar domingo a essa villa e
achar que hum Monsenhor do Patriarca com outros tres que tinhão vindo
pelos Exercicios por ter eu dado a elles aviso que para 4ª feira, despoes
das 8as de [...] me restituiria a esta villa, não sabendo da Marquesa de An-
jeja. Esperarão 11 dias em uma stalagem indigna e voltarão a Corte bem
aferbos193. O bom Conde de São Lourenço vem domingo a vila, dia 6.
Marques de Lorisal, Monsenhor Sampayo, D. Martinho, e outros, com que
nao hé ainda reputado tão grande crime vir aos Exercicios, assim viessen
todos a assegurar negocio194 de tanto peso195, qual hé a nossa estranha(?)
salvação. Enculque isto bem aos seos, e dê minhas lembranças(?) à Mar-
quesa de Lorna, sua filha.

Settu[b]al, 4 abril, 58
De Vossa Excelencia
O maes humilde criado
(assinatura)
Gabriel Malagrida

193
Entenda-se por «acervos».
194
Corrigimos de «negotio».
195
Corrigimos de «peço».

313
BIBLIOGRAFIA

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314
O PROCESSO DOS TÁVORAS

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315
ÍNDICE
CRONOLÓGICO
1756

Carta do Pe. Malagrida para a Marquesa de Távora.

7 de janeiro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

10 de setembro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

26 de novembro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

1757

6 de fevereiro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

6 de março
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

17 de março
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

12 de abril
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

8 de maio
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

1 de junho
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

319
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

8 de setembro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

12 de setembro
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

1758

4 de abril
Carta do Pe. Gabriel Malagrida para a Marquesa de Távora.

1759

22 de abril
Carta do Pe. Malagrida para a Marquesa de Alorna.

1777

7 de novembro
Decreto pelo qual se nomeou os inquiridores das testemunhas nas diversas
províncias e pelo qual a Rainha concedeu licença ao Marquês de Alorna para
nomear as testemunhas necessárias como procurador da sua mulher e filhos.

18 de novembro
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Desembargador da Casa da
Casa da Suplicação, confirma a receção do Decreto de 7 de novembro de 1777.

novembro
Itens pelos quais se houve de perguntar as testemunhas nomeadas pelo
Marquês de Alorna.
Testemunhas nomeadas pelo Marquês de Alorna.

320
O PROCESSO DOS TÁVORAS

19 de dezembro
Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino pelo qual se con-
firma a autorização ao Marquês de Alorna para produzir testemunhas e
para que se inquirisse o Doutor Eusébio Tavares de Sequeira.
Notificação da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para se in-
quirir por testemunha o Desembargador Eusébio Tavares de Sequeira, de
acordo com o Decreto de 7 de novembro de 1777.

26 de dezembro
Notificação para que se cumprisse o determinado no Aviso da Secretaria
de Estado dos Negócios do Reino, devendo o mesmo e outros documen-
tos serem entregues ao Juiz do Crime que, por sua vez, deveria notificar
o Doutor Provedor da Comarca para ver jurar o Desembargador Eusébio
Tavares de Sequeira.

28 de dezembro
Confirmação da receção do Aviso e dos documentos anexos da Secretaria
de Estado dos Negócios do Reino pelo Corregedor da Comarca de Coim-
bra, Doutor Inácio José de Mota de Carvalho.

29 de dezembro
António da Costa de Vasconcelos de Sousa Arnaut, professo na Ordem
de Cristo e Juiz de Fora da cidade de Coimbra, confirma que notificou o
Provedor da Comarca Fiscal da Coroa, o Doutor Constantino Barreto de
Sousa, para ver jurar o Desembargador Eusébio Tavares de Sequeira.

dezembro
Itens pelos quais se houve de perguntar o Desembargador Eusébio Ta-
vares de Sequeira.

1778

7 de janeiro
Depoimento do Desembargador Eusébio Tavares de Sequeira, deputado
da Mesa da Consciência e Ordens.

321
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

31 de janeiro
Decreto pelo qual a Rainha nomeou o Doutor José Freire Falcão de Men-
donça para substituir o Doutor José Alberto Leitão na comissão de in-
quirição de testemunhas.
Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino sobre nomeação
do Doutor José Freire Falcão e Mendonça.

7 de fevereiro
Confirmação da receção do Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios
do Reino, sobre a nomeação do Doutor José Freire Falcão e Mendonça,
pelo Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne.
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, declara que notificou o
Desembargador Procurador da Coroa para ver jurar as testemunhas pro-
duzidas pelo Marquês de Alorna.

9 de fevereiro
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão de Mendonça
– Depoimento de Domingos Monteiro Ramalho, Notário Apostólico e Ci-
rurgião dos cárceres secretos do Santo Ofício.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei António das Chagas, religioso da
província da Arrábida.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei António, guardião do Convento
de São Pedro de Alcântara.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei José de Nossa Senhora do Pilar,
Definidor da província da Arrábida.

14 de fevereiro
Início dos interrogatórios no Convento de São Pedro de Alcântara
– Depoimento do Reverendo Padre Frei Domingos da Natividade Custó-
dio, Mestre na província da Arrábida e conventual em Nossa Senhora da
Boa Viagem.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei Martinho de Santa Maria, Reli-
gioso da província da Arrábida e conventual no Convento de São José de
Ribamar.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei José de Santa Catarina Belém,
religioso da província da Arrábida e conventual no Convento de São Cor-
nélio dos Olivais.

322
O PROCESSO DOS TÁVORAS

– Depoimento do Reverendo Padre Frei Adrião da Natividade, religioso da


província da Arrábida e conventual no Convento de São Pedro de Alcântara.
– Depoimento do Doutor Frei Manuel Evangelista de Oliveira Mascare-
nhas, Doutor na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, Con-
sultor do Santo Ofício e Examinador das Ordens Militares.
– Depoimento de Pedro de Roxas de Lemos, Fidalgo, Tenente Coronel
do Regimento de Cavalaria de Miranda.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei António de Quadros, Ex-visitador
da província de Nossa Senhora da Graça.
– Depoimento de João Pedro da Camara, Fidalgo da Casa e Conselho de
sua Majestade.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei José da Expectação, religioso des-
calço de Nossa Senhora do Carmo e conventual Prior de Corpus Christi.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei Luís do Rosário, Definidor Geral
dos Carmelitas Descalços e conventual no Convento de Corpus Christi.
– Depoimento de Lopo José de Azevedo Vargas.
– Depoimento de José Fortunato Rolão Pimentel.
– Depoimento do Reverendo Padre Frei José da Costa, Ex-Vigário Corre-
tor do Convento de São Francisco de Paula.
– Depoimento do Reverendo Padre Francisco Abreu, Sacerdote da Con-
gregação da Missão.
– Depoimento de Romão José Rosa Guião e Abreu, Fidalgo da Casa e
Conselho de sua Majestade.
– Depoimento de Jerónimo de Lemos Monteiro, Desembargador dos
Agravos da Casa da Suplicação e Cavaleiro da Ordem de Cristo.
– Depoimento de António de Mesquita e Moura, cavaleiro professo na
Ordem de Cristo e Desembargador da Casa da Suplicação.
– Depoimento de Gonçalo Xavier de Alcáçova, mosso fidalgo da Casa de
sua Majestade, Alcaide-mor de Campo Maior, Donatário das saboarias de
Olivença e Secretário perpétuo da Academia da História Portuguesa.
– Depoimento de João Pedro de Lima Pinto, Secretário do Conselho da Rainha.
– Depoimento de Francisco Varela de Castro, mercador da classe da Capela.
– Depoimento de António Rodrigo Godinho, primeiro escriturário da
Contadoria Geral.
– Depoimento do Reverendo Frei Dionísio Luís de Faro, monge de São
Jerónimo e conventual em Belém.
– Depoimento de Joaquim Jansem Moller, do Conselho de sua majestade
e prelado da Santa Igreja Patriarcal.

323
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

20 de março
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne declara ter recebido um
aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, para que o Desem-
bargador José Freire de Falcão e Mendonça continuasse na comissão de
inquirição de testemunhas até ao termo da diligência.
Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, pelo qual a Rainha
requer a continuação do Desembargador José Freire Falcão e Mendonça
à frente da comissão de inquirição de testemunhas até que a diligência
esteja concluída.

21 de março
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão de Mendonça
– Depoimento de Miguel José Granatti, Oficial da Secretaria do Conselho
de Ultramar.
– Depoimento de António José de Matos Ferreira, Cavaleiro da Ordem
de Cristo e Apontador das moradias dos Fidalgos Capelães da Casa
Real.
– Depoimento de Diogo José de Faro e Vasconcelos, Cavaleiro da Ordem
de Cristo, Escrivão do cargo de guarda reposte da Casa Real.
– Depoimento de Lourença Cruz, casada com Tomé Fernandes e mora-
dora no Cardal da Graça.
– Depoimento de Maria Rosa, casada com Aleixo Teixeira, moradora na
Pampulha.
– Depoimento de D. Helena Filipa Xavier de Navarro, moradora nas es-
colas gerais.
– Depoimento de Manuel José da Costa, morador no forte de Xabregas.
– Depoimento de Bento Dias, morador em São Lázaro.
– Depoimento de D. Rita de Sales Granate, casada com João Carlos Finali,
Oficial da Secretaria do Ultramar.
– Depoimento de Gabriel da Veiga, medidor do terreiro, morador no Vale
de Santo António, freguesia de Santa Engrácia.
– Depoimento de André da Fonseca, assistente do Marquês de Alvito.

4 de abril
Início dos interrogatórios no Convento das Religiosas de Nossa
Senhora do Remédio
– Depoimento da Madre Soror Ana de Santa Teresa.

324
O PROCESSO DOS TÁVORAS

7 de abril
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão de Mendonça
– Depoimento de Miguel Pedroso, Tenente de cavalos do Regimento de
Alcântara.
– Depoimento de António Jorge, soldado da Companhia de Carvalho do
Regimento de Alcântara.
– Depoimento de Manuel da Silva Moreira, soldado reformado do Regimento
de Alcântara, onde serviu na Companhia de Luís Bernardo de Távora.
– Depoimento de José Francisco Rijo, morador em Valejas, na Bica.
– Depoimento do Excelentíssimo Marquês de Marialva.
– Depoimento de Pedro Hipolito de Figueiredo, Cavaleiro da Ordem de
Cristo.
– Depoimento de Martinho Teixeira Pequeno Chaves, Fidalgo da Casa de
sua Majestade.
– Depoimento de D. Catarina Gertrudes Jorge, casada com João Jorge,
negociante.
– Depoimento de D. Ana Joaquina de Sousa, assistente em casa do Vis-
conde de Asseca.

10 de abril
Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para que se proce-
desse à inquirição da testemunha, Pedro José da Fonseca Delgado.
Notificação da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para que se
inquirisse, enquanto testemunha, Pedro José da Fonseca, de acordo com
o Decreto de 7 de novembro de 1777.
Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para que se proce-
desse à inquirição da testemunha, Dona Micaela Margarida da Silveira
Pantoja.
Notificação da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para que se
inquirisse, enquanto testemunha, Dona Micaela Margarida da Silveira
Pantoja, de acordo com o Decreto de 7 de novembro de 1777.

14 de abril
Início dos interrogatórios na casa do Conselheiro da Fazenda, Gon-
çalo José da Silveira Preto
– Depoimento de D. António de Aguilar Sequeira, prelado da Santa Igreja
Patriarcal e do Conselho de sua Majestade.

325
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

18 de abril
Guilherme António Apolinar Anderson, Juiz de Fora do Cível e Crime, da
cidade da Guarda e escrivão nomeado, confirma a receção do autos de
inquirição, aviso e decreto, que autuou e remeteu à Secretaria dos Negó-
cios do Reino.
Guilherme António Apolinar Anderson, cita o Bacharel André Ferreira de
Almeida Guimarães, para que este fizesse as vezes de promotor da justiça
e fiscal da Coroa e fosse ver jurar a testemunha, Dona Micaela Margarida
da Silveira Pantoja.
– Depoimento de Dona Micaela Margarida da Silveira Pantoja, natural da
corte e cidade de Lisboa, moradora e assistente na cidade de Beja.

23 de abril
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão de Mendonça
– Depoimento de José Machado, barbeiro, morador defronte do Conde
da Ponte.
– Depoimento de Manuel Jesus, Mestre de escrita, morador na Rua do
Olival, por trás do Convento de São Francisco de Paula.
– Depoimento de André de Campos, conserveiro, morador na Freguesia
de Nossa Senhora da Lapa.
– Depoimento de José Ribeiro, porteiro da sala do Marquês de Louriçal.
– Depoimento de André Alvarez, familiar do Marquês de Louriçal.
– Depoimento de António José, Boleeiro de Gonçalo Xavier de Alcá-
çova.
– Depoimento de Teresa de Jesus, assistente em casa do Visconde de As-
seca.
– Depoimento de Francisca das Chagas, assistente em cada do Visconde
de Asseca.
– Depoimento de Maria Joaquina, assistente em casa de D. João da Costa.
– Depoimento de D. Rita Bernarda de Vasconcelos, assistente em casa
do Marquês de Tancos.
– Depoimento de D. Helena Rita, colaça de Mesquita caldeira.
– Depoimento de António José Gomes, morador no Calhariz no Bairro
Alto.
– Depoimento de Mónica Teresa, moradora em Caparica.
– Depoimento de Maria Francisca, assistente em casa do Conde de São
Vicente.

326
O PROCESSO DOS TÁVORAS

abril
Itens oferecidos pelo Marquês de Alorna, pelos quais se houve de per-
guntar a testemunha, Pedro José da Fonseca.
Itens oferecidos pelo Marquês de Alorna, pelos quais se houve de per-
guntar a testemunha, Dona Micaela Margarida da Silveira Pantoja.

6 de maio
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão e Mendonça
– Depoimento de João Figueiredo, morador na calçada de Santo Amaro.
– Depoimento de Manuel Mendes da Cunha, morador na Quinta da Ponte
do Trancão.
– Depoimento de Domingos Fernandes Pinto, morador na Rua Nova de
Jesus.
– Depoimento de Francisco José de Moura e Miranda, assistente em casa
do Marquês de Alorna.
– Depoimento de António Caldeira Delgado, escudeiro da Condessa de
Óbidos.
– Depoimento de Matias José Rodrigues, assistente em casa do Conde de
Vila Verde.
– Depoimento de Manuel José Soares, boleeiro do juiz do crime do Bairro
de Santa Catarina, Francisco de Azevedo Coutinho.

10 de maio
António Joaquim da Costa Corte Real, Juiz de Fora do Cível e Crime, da
cidade da Guarda, confirma a receção do Aviso da Secretaria de Estado
dos Negócios do Reino, de 10 de abril, tendo em vista a inquirição de
testemunhas.

14 de maio
António Joaquim da Costa Corte Real, Juiz de Fora do Cível e Crime da
cidade da Guarda, afirma ter comunicado ao Doutor Francisco António
Jacome de Gouveia Freire e Vasconcelos, Juiz de Fora da Vila de Celorico,
para que fosse ver jurar Pedro José da Fonseca Delgado.

15 de maio
Depoimento de Pedro José da Fonseca Delgado, assistente na cidade da
Guarda e Tabelião Judicial e Notas.

327
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

3 de junho
Início dos interrogatórios nas casas do Desembargador José Freire
Falcão e Mendonça
– Depoimento de Pedro de Saldanha de Albuquerque, do Conselho de
sua Majestade e Marechal de campo dos exércitos.

10 de junho
Declara o Marquês de Alorna, perante o Desembargador José Freire Fal-
cão e Mendonça, não ter mais testemunhas para serem inquiridas.

11 de junho
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Desembargador da Casa
da Suplicação e escrivão, participa ao Desembargador Procurador da
Coroa a conclusão das inquirições.
Atestação, de 28 de novembro de 1777, do Reverendo Francisco de Ne-
greiros Alfeirão, Desembargador da Relação Eclesiástica da cidade de
Évora, apresentada pelo Marquês de Alorna para ser anexada à inquirição.

18 de julho
Entrega do Aviso da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, datado de
11 de julho de 1778, pelo Desembargador José Freire Falcão e Mendonça
ao Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, para se
prosseguir a inquirição das testemunhas, nomeadas pelo Marquês de Alorna.

20 de julho
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, participa ao Desembarga-
dor Procurador da Coroa a continuação da inquirição de testemunhas.

30 de julho
Início dos interrogatórios no Convento de Nossa Senhora
da Conceição de Carmelitas descalças
– Depoimento da Madre Maria Antónia de São José, religiosa e priora do
Convento dos Cardais.
– Depoimento da Madre Teresa de São José, religiosa do Convento dos
Cardais.
– Depoimento da Madre Ana de Jesus Maria José, religiosa do Convento
dos Cardais.
– Depoimento da Madre Ana de São José, religiosa do Convento dos Cardais.

328
O PROCESSO DOS TÁVORAS

– Depoimento da Madre Bernarda Teresa de Jesus Maria José, religiosa


do Convento dos Cardais.
– Depoimento da Madre Margarida Gertrudes de São José, religiosa do
Convento dos Cardais.
– Depoimento da Madre Teresa de Jesus Maria José, religiosa do Con-
vento dos Cardais.

julho
– Depoimento de João Bernardo de Vasconcelos.
– Depoimento de João Henriques da Mota e Melo, fidalgo da Casa de sua
Majestade.
– Depoimento de Martinho Afonso Henriques de Melo, fidalgo da Casa
de sua Majestade.
– Segundo depoimento do Desembargador Eusébio Tavares de Sequeira,
do Conselho de sua Majestade, deputado aposentado da Mesa da Cons-
ciência e Ordens e professo na Ordem de Cristo.

20 de setembro
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Desembargador da Casa
da Suplicação e Escrivão, declara que o Marquês de Alorna não apresen-
tou mais testemunhas para serem inquiridas.

23 de setembro
Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Desembargador da Casa
da Suplicação e Escrivão, notifica o Desembargador Procurador da Coroa
que o Marquês de Alorna não produzirá mais testemunhas.

1780

16 de agosto
Assento pelo qual se demonstram algumas contrariedades e imperfeições
no processo condenatório (1758-59) em relação às ordenações do reino.

9 de outubro
Alvará pelo qual a Rainha concede licença de revisão do processo e sen-
tença criminal, proferida na Junta da Inconfidência, a 12 de janeiro de
1759, ao Marquês de Alorna.

329
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

10 de outubro
Confirmação do Alvará, de 9 de outubro, pela Secretaria de Estado dos
Negócios do Reino.

28 de novembro
O Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão
da diligência, confirma a entrega do Alvará de 9 de outubro pelo Ministro
Secretário de Estado, Visconde de Vila Nova de Cerveira, assim como o
assento dos Ministros Informantes.
Recopilação de factos quanto ao processo e sentença criminal, apresen-
tados pelo Marquês de Alorna.

1781

30 de janeiro
Decreto pelo qual a Rainha se dignou nomear o Doutor Estanislau da
Cunha Coelho e Jorge Manuel da Costa em substituição do Doutor José
Pinto de Moraes Bacelar e do Doutor Manoel José da Gama e Oliveira, da
mesma forma que declara que o Doutor Bartolomeu José Nunes Cardoso
Giraldes Andrade passou a fazer as vezes de Procurador da Fazenda Real.

26 de fevereiro
Decreto pelo qual a Rainha se dignou nomear o Doutor João Ferreira Ri-
beiro de Lemos, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação, em
substituição do Doutor Jerónimo de Lemos Monteiro.
O Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão no-
meado e Corregedor do Crime da Corte, declarou ter feito os autos conclusos.

7 de abril
O Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão
da diligência e Corregedor da Corte, confirma a receção dos Decretos
reais de 30 de janeiro e 26 de fevereiro, pelos quais a rainha se dignou
a nomear novos juízes.

23 de maio
Sentença revisória, remetida do Juiz da Ouvidoria e Correição da cidade
de Beja para o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino,

330
O PROCESSO DOS TÁVORAS

Visconde de Vila Nova da Cerveira, publicada e assinada da qual o De-


sembargador Procurador da Coroa pediu revisão.

1783

27 de novembro
Conclusos: Assento que demonstra que a obrepção e subrepção deduzida
pelo Desembargador Procurador da Coroa contra o Alvará de 9 de outu-
bro de 1780, que concedeu a revista do processo, constituía dúvida, pelo
que cabia ao Ministro Secretário de Estado, Visconde de Vila Nova de
Cerveira, apresentar o caso junto da Rainha para que esta fosse servida
de determinar conforme era direito.

11 de dezembro
Decreto pelo qual a Rainha nomeou novos juízes para decidirem sobre
o embargo do Desembargador Procurador da Real Coroa ao Alvará de 9
de outubro de 1780.

22 de dezembro
O Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne, Escrivão no-
meado para a diligência, confirma ter recebido do Ministro Secretário de Es-
tado, Visconde de Vila Nova de Cerveira, o Real Decreto de 11 de dezembro.

1784

7 de janeiro
Acórdão que manda dar vista aos embargos de obrepção e subrepção,
publicado e Confirmado pelo Desembargador Henrique José de Menda-
nha Benavides Cirne.
Procuração pela qual D. Joana Bernarda José de Lorena delegou os seus
poderes ao Marquês de Alorna, seu tio, a fim de este, como seu Procura-
dor, fazer tudo o que fosse necessário para comprovar a inocência de
seus avós, pais e tio.

331
G. O. SANTOS | L. CORREIA | R. C. REIS

8 de janeiro
Procuração pela qual o Marquês de Alorna delegou os poderes dados
por sua sobrinha, D. Joana Bernarda José de Lorena, ao Doutor Manoel
José Saturnino da Veiga, salvaguardando-os de igual modo.

9 de janeiro
Procuração pela qual a Condessa de Atouguia, D. Maria Ana de Lorena,
nomeou por seu Procurador o Doutor Manuel José Saturnino da Veiga,
para que em seu nome fizesse quanto fosse necessário para provar a ino-
cência de seu marido, o então Conde de Atouguia, de seus pais, os Mar-
queses de Távora, e seus irmãos.

10 de janeiro
Procuração pela qual D. Luís de Ataíde nomeou por seu Procurador o
Doutor Manuel José Saturnino da Veiga, para que em seu nome fizesse
quanto fosse necessário para provar a inocência de seu pai e seus avós,
os Marqueses de Távora.

11 de janeiro
Procuração pela qual o Marquês de Alorna, D. João d’Almeida Portugal,
nomeou por seu Procurador o Doutor Manuel José Saturnino da Veiga,
para que em seu nome fizesse quanto fosse necessário para provar a ino-
cência de seus cunhados e sogros.

janeiro
O Desembargador Henrique José de Mendanha Benavides Cirne confir-
mou a entrega das procurações que davam poder de direito ao Doutor
Manuel José Saturnino da Veiga para que, no exercício das suas funções,
declarasse a inocência da família Távora.

1790

30 de janeiro
Notificação do Visconde Mordomo Mor, Senhor João Pereira Ramos de
Azeredo Coutinho, para que se anexasse as cartas do Padre jesuíta, Ga-
briel Malagrida, ao processo.

332
O PROCESSO DOS TÁVORAS

1796

29 de março
Confirmação da entrega do processo no Gabinete do Príncipe, que se
encontrava nas mãos do Bispo Inquisidor e de Joseph de Seabra da Silva,
então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino.

333
POSFÁCIO

A presente obra não teria sido possível sem o interesse e o empenho


do Dr. António França, distinto diretor da Casa Júlio Dinis em Ovar, do
Prof. Roberto Carlos Reis e do Dr. Leandro Correia. De salientar também a
atuação da editora Caleidoscópio e, particularmente, do Dr. Jorge Ferreira,
que permitiram o rápido lançamento da obra. Estamos gratos ainda a várias
entidades: à Câmaras Municipais de Ovar e de Santa Maria da Feira e à
União de freguesias de Ovar, S. João, Arada e S. Vicente de Pereira.
Notamos, por fim, que não publicamos na íntegra o manuscrito
respeitante ao processo de revista, porque encareceria excessivamente a
obra, mas divulga-se a parte fundamental e quase toda inédita.

Lisboa, setembro de 2016

G.G. de O. S.

335

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