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6 A VALIDADE DA LEI DE ANISTIA.

Analisar a validade de uma lei, para os fins que desejamos, significa verificar a
compatibilidade de seu conteúdo com outras normas, de maneira que se possa concluir se
subsistem ou não quando contrapostas a elas. A análise a ser feita aqui iniciará com a exposição
dos argumentos contrários, que são aqueles que apontam pela ausência de efeitos da anistia penal
em função da violação a certos preceitos. Depois, serão delineados os argumentos favoráveis, que
seguem uma lógica inversa, isto é, constituem disposições que seriam violadas se a anistia penal
fosse retirada do ordenamento. Ao final, será feito o exame da procedência de todas as alegações
utilizadas.
As fontes dos argumentos serão o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos
Humanos (tanto as decisões da Corte quanto os relatórios da Comissão), as decisões da Argentina
e do Uruguai, a petição inicial e os votos da ADPF nº 153, além de doutrinadores.
Será verificada a viabilidade de retirar a Lei nº 6.683/79 das duas formas possíveis para
um diploma legislativo: a revogação por outra lei ou a superação de seu conteúdo, em razão da
existência de outra norma, seja pelos critérios da hierarquia, cronológico ou da especialidade.
No que concerne aos argumentos favoráveis, o âmbito de incidência de cada um é muito
variável (alguns excluem certos crimes, outros, certos agentes) e será indicado especificamente
ao fim de cada exposição. Mas deixamos assentado, desde já, que as alegações constantes na
petição inicial da ADPF nº 153 se dirigem a excluir somente a anistia dada aos agentes
sustentados pela ditadura.

6.1 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS.

6.1.1 Violação ao Dever de Processar.


2

A primeira disposição legal que se pode considerar como suscetível de violação pela
vigência da Lei de Anistia diz respeito ao dever de processar os responsáveis pela prática de
crimes contra a humanidade (também conhecidos como crimes de lesa-humanidade).
A violação ao dever de processar constitui-se em uma obrigação que recai sobre todos os
Estados, pela qual se considera que devem se empenhar na investigação e persecução penal de
pessoas acusadas de terem cometidos crimes contra a humanidade. Como conseqüência, os
Estados estão proibidos de adotar qualquer tipo de medida que implique em impedir o desenrolar
de tal atividade, como é o caso das leis anistiantes.
A categoria dos crimes contra a humanidade tem o seu marco originário em um
pronunciamento conjunto da França, Inglaterra e Rússia, em 1915, onde censuraram o Império
Turco-otomano pela deportação e homicídio em massa de armênios, acusando o país de ter
cometido crimes “contra a humanidade e a civilização”1.
Ao fim da 2ª Guerra Mundial, o impacto da descoberta completa dos extermínios
promovidos pelo regime nazista gerou a criação da primeira lei internacional que listasse quais
condutas enquadram-se como atentados contra a humanidade: o Estatuto do Tribunal Militar
Internacional de Nuremberg, de 8 de agosto de 1945, que regulou o tribunal instituído com a
finalidade de julgar oficiais alemães. Por essa norma, são crimes contra a humanidade o
assassinato, o extermínio, a escravidão e a deportação. Também estabeleceu uma cláusula
genérica, colocando como criminosos outros atos desumanos cometidos contra qualquer
população civil, antes ou durante a guerra; ou perseguição por motivos políticos, raciais ou
religiosos na execução dos crimes de competência do Tribunal ou em relação com os mesmos,
constituindo ou não uma violação a legislação interna dos países onde foram perpetrados (art. 6º,
c).
Anos depois, a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a
Humanidade, de 26 de novembro de 1968, ampliou o rol, prevendo que, além dos delitos
previstos no Estatuto, também eram crimes contra a humanidade o genocídio, os atos desumanos
resultantes da política do apartheid e a evicção por um ataque armado (art. 1º, numeral 2).
Atualmente, o Estatuto de Roma, de 17 de julho de 1998, que criou o Tribunal Penal
Internacional, lista como crimes contra a humanidade os atos de homicídio, extermínio,
escravidão, deportação ou transferência forçada de populações, prisão ou restrição da liberdade

1
BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos. Anistia. 1ª Ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 55.
3

de forma ilegal, perseguição contra um grupo ou uma coletividade, desaparecimento forçado de


pessoas e crime de apartheid. Também há uma previsão genérica, que equipara a esse tipo de
crime todo ato desumano de características semelhantes e grande gravidade (art. 7º).
A listagem utilizada pela Corte nas suas decisões é a do Estatuto de Nuremberg, até
mesmo pela necessidade de respeitar o princípio da irretroatividade da lei penal, já que é o único
tratado anterior a todas as ditaduras latino-americanas.
O dever de processar é considerado uma obrigação que se fundamenta em um costume
internacional imperativo, que, por sua vez, se originou da difusão de tratados multilaterais que
estabeleciam o compromisso de evitar a impunidade de quem cometia crimes particularmente
graves. Como resultado da adesão de grande parte dos países a esses instrumentos, o dever de
processar se transformou em uma regra ius cogens e, assim, é de observância obrigatória, até
mesmo pelos países que, como o Brasil, nunca foram signatários de tratados deste tipo.
A demanda onde o tribunal mais desenvolveu as características gerais do dever de
processar é o Caso Almonacid Arellano, onde o Chile foi processado pela ausência de
investigação do homicídio de Luis Alfredo Almonacid Arellano, praticado por militares em 16 de
setembro de 1973, no curso do governo ditatorial que se instalou no país. O Chile não promoveu
a investigação mesmo após a redemocratização, em função de uma lei de anistia editada em 18 de
abril de 1978 (Decreto-lei nº 2.191).
O juiz relator, o brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, estabeleceu o
posicionamento da Corte da seguinte forma:

A Corte, ademais, reconhece que o Estatuto de Nuremberg exerceu um papel


significativo no estabelecimento dos elementos que caracterizam um crime de
lesa-humanidade. Este Estatuto proporcionou a primeira articulação dos
elementos de tal ofensa, que se mantiveram basicamente em sua concepção
inicial até a data da morte do senhor Almonacid Arellano (...)
Com base nos parágrafos anteriores, a Corte considera que há ampla evidência
para concluir que em 1973, ano da morte, o cometimento de crimes de lesa-
humanidade, inclusive o assassinato executado em um contexto de ataque
sistemático contra setores da população civil, era uma violação a uma norma
imperativa de direito internacional. Dita proibição de cometer crimes de lesa-
humanidade é uma norma ius cogens, e a punição destes crimes é obrigatória,
conforme o direito internacional geral.2

2
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso
Almonacid Arellano, São José, Costa Rica, 26 de setembro de 2006. Disponível em
http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm. Acesso em 28 jul. 2010. Tradução livre do autor.
4

Em relação a violação ao dever de processar causado pela lei de anistia que beneficiou os
militares, o juiz Cançado Trindade pontuou:

Leis de anistia com a característica descrita conduzem à falta de defesa da


vítima e a perpetuação da impunidade dos crimes de lesa-humanidade, pelo que
são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção
Americana e, indubitavelmente, afetam os direitos consagrados nela. Ela
constitui per se uma violação à Convenção e gera a responsabilidade
internacional do Estado.3

A decisão, por unanimidade, condenou o Chile a assegurar que o Decreto-lei nº 2.191 não
continue impedindo a identificação e punição dos responsáveis pela execução do Sr. Almonacid
Arellano e dos que cometeram delitos similares, além da condenação em custas.
No caso da anistia argentina, o dever de processar os agentes de crimes contra a
humanidade foi usado como base para a análise da Lei do Ponto Final e da Lei da Obediência
Devida. O juiz Juan Carlos Maqueda foi um dos que utilizaram tal entendimento:

A consagração positiva do direito das gentes na Constituição Nacional permite


considerar que existia - no momento em que se produziram os eventos
investigados na presente causa – um sistema de proteção de direitos que resulta
obrigatório independentemente do consentimento expresso das nações, que as
vinculam e que é conhecido atualmente – dentro desse processo evolutivo –
como ius cogens. Trata-se da mais alta fonte do direito internacional que se
impõe aos Estados e proíbe o cometimento de crimes contra a humanidade,
inclusive em tempos de guerra. Não é suscetível de ser derrogada por tratados
em contrário e deve ser aplicada pelos tribunais internos dos países
independentemente de sua aceitação expressa.
(...) O direito das gentes pune, tendo em vista a normal convivência entre os
Estados, (..) crimes como genocídio, os crimes de guerra e os crimes contra a
humanidade.
A consideração de aspectos desses delitos deve ser, pois, efetuada a partir desta
perspectiva, que assegura tanto o dever de punição que corresponde ao Estado
Nacional, pela sua incorporação a um sistema internacional que considera
imprescindível a punição destas condutas, assim como a proteção das vítimas
frente a disposições de ordem interna que evitem a adequada persecução de
seus autores.4

3
Idem.
4
ARGENTINA. Suprema Corte de Justiça da Nação. Caso Julio Hector Simon e Outros, do Pleno, Buenos Aires,
14 de junho de 2010. Disponível em <http://www.csjn.gov.ar/data/lesahumanidad.pdf> Acesso em 07 jul. 2010.
Tradução livre do autor.
5

Por esse ponto de vista, a Lei de Anistia é inválida apenas em relação aos que cometeram
crimes contra a humanidade. Dessa forma, levando em conta o levantamento feito no tópico 4.1.2
e a listagem constante no Estatuto de Nuremberg, o ato anistiante carece de efeitos em relação
aos crimes de homicídio (CP, art. 121; CPM, art 205) e de constrangimento ilegal (CP, art. 146),
mas apenas se for praticado em um contexto que equivale a deportação, como foi o caso dos
exilados que abandonaram o país por causa de perseguições políticas.

6.1.2 Violação ao Direito à Proteção Judicial.

O direito à proteção judicial está previsto no art. 25.1 da Convenção Americana:

Artigo 25 - Proteção judicial


1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro
recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra
atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição,
pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida
por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

O direito à proteção judicial consiste na obrigação do Estado de garantir aos seus cidadãos
a possibilidade de acionar o Judiciário para buscar a tutela de seus direitos. Possui conteúdo
semelhante ao do princípio da inafastabilidade da jurisdição, mas é um pouco mais amplo, já que
a possibilidade de acesso deve ser efetiva, ou seja, o acesso ao Judiciário deve resultar, do ponto
de vista prático, na concreta proteção ao direito que se busca tutelar. As medidas colocadas a
disposição para a proteção de direitos, dessa forma, não podem ser apenas uma garantia formal,
que permitem o acesso ao Judiciário, mas não asseguram a realização do direito material. O
direito a proteção judicial, então, determina que o Estado institua um sistema judicial que proteja
o direito da forma como ele ocorreria se não fosse preciso utilizar o Judiciário.
O art. 25.1 da Convenção é comumente utilizado tanto pela Comissão, nos relatórios,
quanto pela Corte, nas decisões. No Caso Velásques Rodríguez, o tribunal condenou Honduras
pela ausência de investigação do desaparecimento de Manfredo Velásques Rodríguez, sob
custódia do serviço de inteligência do país. Na sentença, foi definido o conteúdo do direito à
proteção judicial:
6

A inexistência de um recurso efetivo contra as violações aos direitos


reconhecidos pela Convenção constitui uma transgressão da mesma pelo Estado
Parte em que tal situação ocorra. Nesse sentido, cumpre salientar que, para que
tal recurso exista, não basta que esteja previsto pela Constituição ou pela lei ou
que seja formalmente admissível, requerendo-se, isso sim, que seja idôneo para
estabelecer se ocorreu violação aos direitos humanos e oferecer o necessário
para remediá-la5.

A Comissão também considera que a edição de lei anistiante benéfica a agentes estatais
viola tal direito. No Relatório nº 38/96, que tratou de outra situação envolvendo a anistia chilena,
pontuou:

A auto-anistia foi um procedimento geral mediante o qual o Estado renunciou à


punição de certos delitos graves. Além disso, o decreto, da maneira como foi
aplicado pelos tribunais chilenos, não apenas impediu a possibilidade de
sancionar os autores de violações de direitos humanos, como também assegurou
que nenhuma acusação fosse formulada e que não se conhecessem os nomes
dos seus responsáveis (beneficiários) de forma que, legalmente, estes foram
considerados como se não houvessem perpetrado qualquer ato ilegal. O
decreto-lei de anistia deu lugar a uma ineficácia jurídica dos delitos e deixou as
vítimas e suas famílias à margem de qualquer recurso judicial capaz de
identificar os responsáveis pelas violações de direitos humanos cometidas
durante a ditadura militar e de lhes impor os castigos correspondentes.
Ao promulgar e fazer cumprir o decreto-lei 2.191, de facto, o Estado chileno
deixou de garantir os direitos à proteção judicial estipulados no artigo 25 da
Convenção6.

A interpretação dada quanto as leis de anistia, é que a irresponsabilidade criminal que têm
a aptidão de gerar, impedindo qualquer ato de investigação, provocam uma situação de
inexistência de remédio efetivo que tutele o direito das vítimas a obter a punição dos criminosos
e, dessa maneira, são incompatíveis com o art. 25.1 da Convenção.
Sob essa perspectiva, a anistia penal da Lei nº 6.683/79 é inteiramente inválida, isto é,
todos os sujeitos que abrange poderiam ser responsabilizados, sejam militares, sejam opositores,
por qualquer conduta criminosa praticada.

6.1.3 Violação ao Dever de Legislar.

5
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Velásques
Rodríguez, São José, Costa Rica, 26 de junho de 1987. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm>
Acesso em 28 jul. 2010. Tradução livre do autor.
6
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório nº
38/96, Washington, Estados Unidos, 14 de outubro de 1996. Disponível em <http://www.cidh.oas.org/annualrep/
96port/Caso10843.htm> Acesso em 28 jul. 2010. Tradução livre do autor.
7

O dever de legislar possui previsão no art. 2º da Convenção Interamericana de Direitos


Humanos:

Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno


Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não
estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-
partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais
e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra
natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

O dever de legislar é uma disposição que constitui duas obrigações distintas que acabam
se complementando: primeiro, cria uma obrigação de fazer, consistente em promulgar leis que
garantam os direitos previstos na Convenção; segundo, origina uma obrigação de não fazer, que
reside na abstenção de promulgar leis que impliquem em dificultar o exercício das garantias
conferidas pelo tratado.
A violação a esse dispositivo foi utilizada como base para o Legislativo argentino editar a
Lei de Justiça, com a conseqüente revogação da Lei do Ponto Final e da Lei de Obediência
Devida. No julgamento do Caso Julio Hector Simon e Outros, a Suprema Corte de Justiça da
Nação também se apoiou neste argumento para considerar constitucional a sua promulgação. A
Min. Doña Elena Highton de Nolasco expôs como o Legislativo lidou com a questão da
inobservância ao dever de legislar:

Por isso, resulta patente que as leis 23.492 e 23.521, que aguçam procurar a
impunidade dos eventos por elas contemplados, têm vícios de origem por sua
grave infração ao direito internacional dos direitos humanos.
Como conseqüência, eis que se sancionou a lei 25.779, através da qual se
declarou absolutamente nulas as leis mencionadas.
Do debate parlamentar de dita norma, se adverte que os legisladores tinham,
principalmente, em mira sanar aquela infração e cumprir de maneira devida as
obrigações assumidas através dos tratados internacionais de direitos humanos,
eliminando tudo aquilo que pode constituir um impedimento normativo para
avançar na investigação e punição de eventos como aqueles que são objeto da
presente causa (...)
De tudo, há que se consagrar a validez constitucional da lei 25.779. 7

7
ARGENTINA. Suprema Corte de Justiça da Nação. Caso Julio Hector Simon e Outros, do Pleno, Buenos Aires,
14 de junho de 2010. Disponível em <http://www.csjn.gov.ar/data/lesahumanidad.pdf> Acesso em 07 jul. 2010.
Tradução livre do autor.
8

A promulgação de um ato da anistia acarreta na impossibilidade de correta preservação


dos direitos que a Convenção busca assegurar, como é o caso do dever de processar e do direito à
proteção judicial, gerando violação a obrigação negativa existente no art. 2º.
Por esse ponto de vista, a anistia penal é completamente inválida, nos mesmos termos da
violação ao direito à proteção judicial.

6.1.4 Violação ao Princípio da Soberania.

O princípio da soberania, na verdade, não é propriamente um princípio, mas sim uma


qualidade essencial a existência de um Estado, juntamente com um território e um povo, pela
qual se expressa um poder absoluto e exclusivo que não tolera confrontações e possui meios de
obrigar o cumprimento das normas que edita. Uma das formas de manifestação do poder
soberano, portanto, é a possibilidade de exercer o poder punitivo (ius puniendi, na linguagem dos
penalistas) sob os sujeitos em seu território que pratiquem condutas ilícitas.
A soberania, por ser indispensável a subsistência do ente estatal, é um valor presente
implicitamente na Constituição e, pelo mesmo motivo, não é constitucionalmente possível
mitigar ou suavizar nenhuma dos instrumentos que decorrem de tal qualidade, como é o caso do
ius puniendi.
A violação causada pela Lei de Anistia consiste precisamente nesta questão: ao impedir o
exercício do ius puniendi em relação aos agentes e ao período que compreende, vai de encontro a
soberania e, então, sofre de inconstitucionalidade.
A violação a soberania foi um dos fundamentos utilizados na declaração de
inconstitucionalidade da Lei da Caducidade. O argumento foi levantado pelo Fiscal da Corte e
Procurador-Geral da Nação, Rafael Ubiría Alzugaray, (equivalente ao Procurador-Geral da
República) no parecer que emitiu nos autos do processo. A violação a soberania foi exposta da
seguinte maneira:

Com efeito, resulta o fato de que, entre as potestades da soberania, está o


direito punitivo, onde (...) a sanção penal é aplicada por um poder que só tem o
Estado, legislador, juiz e executor da pena.
9

Esse ‘poder’ não é transmissível, prescritível, renunciável ou disponível, por se


tratar justamente de um poder soberano inseparável de sua existência; ao perder
esta potestade, o Estado perderia a si mesmo. 8
(destaque do original)

Por essa alegação, a anistia penal é completamente inconstitucional, nos mesmos termos
da violação ao direito à proteção judicial e ao dever de legislar.

6.1.5 Violação a Proibição de Anistia.

Ao estruturar a ordem jurídica relativa aos direitos e garantias fundamentais, o


constituinte de 1988 inseriu uma disposição específica que limita a edição de atos de clemência,
presente no art. 5º, XLIII, da Constituição:

Art. 5º. omissis.


(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia
a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

O art. 5º, XLIII, gera um limite material para a concessão de graça e anistia (mas não
indulto, ressalte-se) vedando, ao legislador ordinário e ao Presidente da República, que
promulguem atos que beneficiem os agentes dos crimes indicados: tortura (previsto no art. 1º da
Lei nº 9.455/97), tráfico de drogas (tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006) e crimes
hediondos (listados no art. 1º da Lei nº 8.072/90).
A existência de tal disposição, com patamar constitucional, incide sobre a Lei de Anistia,
que abrangeu parte das condutas prevista na Lei nº 8.072/90, com o mesmo efeito que recai sobre
qualquer outra lei anterior a Constituição e que a contrarie: a não recepção, que resulta na
exclusão, do ato anistiante, dos crimes previstos no inciso.
Este posicionamento foi utilizado pelo Min. Ayres Britto em seu voto na ADPF nº 153:

(...) Não enxergo na Lei de Anistia esse caráter ‘amplo, geral e irrestrito’ que se
lhe pretende atribuir. Peço vênia aos que pensam diferentemente. Agora, como
8
URUGUAI. Fiscalia da Corte e Procuradoria General de la Nácion. Dictámen 1804/2009, Montevidéu, 19 de maio
de 2009. Disponível em <http://colegiodeabogados.org/cau/down/dictamen.pdf> Acesso em 17. jul. 2010. Tradução
livre do autor.
10

‘a interpretação conforme a Constituição’ cabe sempre que o texto interpretado


for polissêmico ou plurissignificativo, desde que um desses significados entre
em rota de colisão com o texto constitucional, também julgo parcialmente
procedente a arquição de descumprimento de preceito fundamental para, dando-
lhe interpretação conforme, excluir do texto interpretado qualquer interpretação
que signifique estender a anistia aos crimes previstos no inciso XLIII do artigo
5º da Constituição. Logo, os crimes hediondos e os que lhe sejam equiparados:
homicídio, tortura e estupro, especialmente. 9

Sob essa perspectiva, e tendo em conta a listagem do tópico 4.1.2 e do art. 1º da Lei nº
8.072/90, na sua redação atual, é possível promover a responsabilidade penal dos agentes que
cometeram os crimes de homicídio (CP, art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo
de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado (CP, art. 121, §2 o, I,
II, III, IV e V); extorsão mediante seqüestro, simples e na forma qualificada (CP, art. 159, caput,
e §§lo, 2o e 3o); e estupro (CP, art. 213, caput e §§1o e 2o), sendo indiferente o sujeito que praticou
os delitos, se opositor ou apoiador da ditadura.
Uma limitação precisa ser registrada: como a Lei nº 8.072/90 faz remissão somente a
artigos do Código Penal, não é possível considerar que uma conduta prevista no Código Penal
Militar seja um crime hediondo, mesmo que esteja tipificada exatamente da mesma forma, como
é o caso do homicídio.

6.1.6 Violação à Isonomia em Matéria de Segurança.

Daqui em diante, serão expostos os argumentos utilizados pelo Conselho Federal da OAB
na petição inicial da ADPF nº 153. O primeiro deles é relativo a violação à isonomia, prevista no
art. 5º, caput, da Constituição:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, (...)

O princípio da isonomia possui conteúdo bem conhecido: determina que aqueles que se
encontram em uma mesma situação recebam igual tratamento, enquanto que aqueles que estão

9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, do Pleno,
Brasília, DF, 28 de abril de 2010. Disponível em <http://www.stf.jus.br> Acesso em 12 ago 2010.
11

em posições desiguais sejam tratados de maneira diferente, de modo que a desigualdade formal
compense a desigualdade material.
Como já discutido, o dispositivo que legitima a anistia penal dada aos agentes apoiados
pela ditadura possui uma redação bastante genérica e lacunosa, sem atender a exigência básica de
clareza que uma lei deve possuir. O resultado disso é que acaba gerando tratamentos diferentes
entre agentes que se encontram na mesma situação material, já que cada magistrado, sem
parâmetros rígidos para se apoiar, analisa o conceito excessivamente aberto de crimes conexos
aos crimes políticos com base no seu entendimento pessoal. Alguns são considerados anistiados
enquanto outros, envolvidos no mesmo contexto, não o são, graças a interpretação que o juiz
adotou especificamente.
Esta alegação foi exposta da seguinte forma:

(...) O diploma legal, seguindo a longa tradição histórica, declara objeto de


anistia os crimes políticos. Mas não só. A lei estende a anistia a classes
absolutamente indefinidas de crimes: ‘crimes de qualquer natureza
relacionados com crimes políticos’.
Que significa o adjetivo ‘relacionados’? A lei não esclarece e a doutrina
ignora. Logo incumbe ao Poder Judiciário decidir, ou seja, definir ou
classificar os crimes em lugar do legislador (...).
(...) Além dos ‘crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos’
a Lei nº 6.683 ainda acrescenta: ou ‘praticados por motivação política’.
Ora, a motivação do agente, escusa dizê-lo, é um fenômeno de consciência
individual. (...) Quem anistia, nessa hipótese legal indefinida, é o próprio juiz.
Em suma, (...) nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal.
Há os que praticaram crimes políticos, necessariamente definidos em lei, e
foram processados e condenados. Mas há, também, os que cometeram delitos
cuja classificação e reconhecimento não foram feitos pelo legislador, e sim
deixados à discrição do Poder Judiciário, conforme a orientação política de cada
magistrado.10
(destaques do original)

A ausência de conceitos definidos gera uma divergência interpretativa que acarreta em


tratamentos desiguais aos que se encontram na mesma situação e em insegurança penal.

6.1.7 Violação ao Princípio Democrático.

10
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial da Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, Brasília, DF, 21 de outubro de 2008. Disponível em
<http://www.stf.jus.br> Acesso em 01 mai 2010.
12

A segunda alegação utilizada consiste na violação ao princípio democrático, estabelecido


no art. 1º, caput, da Constituição:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito (...)

Embora, comumente, se aponte a Grécia antiga como a civilização que criou o regime da
democracia, a forma moderna deste tipo de organização política surgiu no século XVIII, graças
ao movimento iluminista, que disseminou o pensamento acerca da existência de valores
fundamentais, dirigidos ao ser humano, e a necessidade de constituir um Estado com a finalidade
de protegê-los, algo que só seria possível se o próprio povo o controlasse11.
O princípio democrático tem, como elemento principal, a ideia de que o poder
governamental recai nas mãos do povo que compõe o Estado. A soberania que todo Estado
possui sobre o seu território é titularizado pelo povo, somente, que pode exercê-lo diretamente ou
através de representantes – como é usual.
Dessa forma, a conduta estatal, qualquer que seja a sua forma (inclusive atos legislativos),
para que possua conformidade com a Constituição e possa emanar os seus efeitos regularmente,
deve se efetivar, sempre, por intermédio da manifestação de vontade do povo ou de quem o
represente, algo que não ocorreu em relação a Lei nº 6.683/79.
Tal entendimento foi expresso pelo Conselho Federal da OAB da seguinte forma:

Ressalte-se em primeiro lugar, que a citada lei foi votada pelo Congresso
Nacional, na época em que os seus membros eram eleitos sobre o placet dos
comandantes militares. Sua carência de legitimidade democrática é
acentuada quando se recorda (...) que 1/3 dos Senadores passaram a ser
escolhidos por via da eleição indireta (‘senadores biônicos’), tendo
participado do processo legislativo do qual redundou a aprovação
congressual, em 1979, da lei em referência.
Ela foi sancionada por um Chefe de Estado que era General do Exército e
fora guindado a essa posição, não pelo povo, mas pelos seus companheiros
de farda.
Em consequência, o mencionado diploma legal, para produzir o efeito de anistia
de agentes públicos que cometeram crimes contra o povo, deveria ser
legitimado, após a entrada em vigor da atual Constituição, pelo órgão

11
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 145.
13

legislativo oriundo de eleições livres, ou então diretamente pelo povo soberano


(...). O que não ocorreu12.
(destaques do original)

A circunstância de ter sido aprovada por um colegiado parlamentar que não foi totalmente
escolhido pelo povo e sancionada por um presidente ao qual faltava respaldo popular, somada a
falta de qualquer medida posterior que lhe viesse revestir de aprovação democrática, faz com que
a Lei de Anistia seja inconstitucional e, portanto, inválida.

6.1.8 Violação ao Princípio Republicano.

A violação ao princípio republicano é tratada, na petição inicial da ADPF nº 153,


conjuntamente com a violação ao princípio democrático, mas, de fato, tratam-se de argumentos
independentes, o que torna necessário expô-los separadamente.
O princípio republicano é previsto no art. 1º da Constituição, já transcrito, e,
normalmente, o seu conteúdo é restrito a estabelecer uma forma de governo, mas o Conselho
Federal da OAB empresta um sentido maior, considerando que contêm um postulado ético que
proíbe que se adotem medidas que visem atender um interesse particular, ao invés do interesse
público. Postulado esse que é desrespeitado em função de que o regime militar se aproveitou da
circunstância de estar no controle pleno do Estado para promulgar uma anistia penal aos agentes
que ele próprio havia dado suporte, em um ato governamental que acatou o interesse
individualista para não serem responsabilizados pelas condutas praticadas.
O Conselho Federal da OAB manejou o argumento da seguinte maneira:

Assinale-se que (...) num regime autenticamente republicano e não autocrático


os governantes não têm poder para anistia criminalmente, quer eles próprios,
quer os funcionários que, ao delinguirem, executaram suas ordens. Tal seria,
obviamente, agir não a serviço do bem do comum do povo, mas em seu próprio
interesse e benefício.13

A Lei de Anistia foi promulgada com a intenção de resguardar um interesse individualista


e não pode subsistir diante de uma Constituição republicana.
12
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial da Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, Brasília, DF, 21 de outubro de 2008. Disponível em
<http://www.stf.jus.br> Acesso em 01 mai 2010.
13
Idem.
14

6.1.9 Violação ao Princípio da Dignidade Humana.

O princípio da dignidade humana está previsto no art. 1º, III, da Constituição:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;

O princípio é um reflexo do pensamento kantiano, que considera que a pessoa humana


não pode ser considerada um instrumento para o alcance de alguma finalidade. Isso significa a
vedação a práticas de atos que usem o ser humano como meio para certo fim, pois é um fim em si
mesmo e não pode ser tratado de maneira inferiorizada, como se fosse um objeto.
Nos bastidores do processo legislativo da Lei nº 6.683/79, é de conhecimento geral que
houve a confecção de um acordo para permitir a concessão da anistia e facilitar a restauração da
democracia. O objetivo visado pela ditadura, no entanto, não era esse, mas sim garantir
impunidade aos agentes aos quais havia dado suporte. A maior parte dos grupos de oposição já
haviam sido eliminados, restando encarcerados apenas os que não haviam cometidos crimes
violentos. O regime se aproveitou do contexto de desejo de retorno a democracia para promulgar
uma lei que protegesse os seus agentes, verdadeiros beneficiados pelo ato de clemência.
O oportunismo político foi delineado pelo Conselho Federal da OAB nos seguintes
termos:

Na verdade crua dos fatos, em 1979 quase todos os que haviam se revoltado
contra o regime militar com armas na mão já haviam sido mortos. Restavam,
portanto, nas prisões militares e policiais, unicamente pessoas acusadas de
delitos de opinião. Tal significa que, no suposto acordo político, jamais
revelado à sociedade, a anistia aos responsáveis por delitos de opinião serviu de
biombo para encobrir a concessão de impunidade aos criminosos oficiais, que
agiam em nome do Estado, ou seja, por conta de todo o povo brasileiro. 14

14
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, Brasília, DF, 21 de outubro de 2008. Disponível em
<http://www.stf.jus.br> Acesso em 01 mai 2010.
15

O que ocorreu, então, foi que a sociedade brasileira foi usada como meio para se chegar
ao fim da auto-anistia e esse fato torna o ato incompatível com o princípio da dignidade da pessoa
humana.

6.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS.

6.2.1 Violação a Direito Adquirido.

O primeiro argumento favorável a continuidade da Lei de Anistia no ordenamento que


cumpre ser colocado relaciona-se com a violação a direito adquirido, proibido pelo art. 5º,
XXXVI, da Constituição:

Art. 5º. omissis


(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada;

O objetivo visado por este inciso é assegurar estabilidade e segurança jurídica, na medida
em que a harmonia das relações sociais depende do conhecimento prévio de que os atos
praticados diante de um certo conjunto de regras continuará surtindo os devidos efeitos mesmo
diante da posterior modificação ou revogação dessas normas. Esse dispositivo, então, visa
conferir a certeza de que as conseguências imediatas de um direito, ato ou decisão judicial
definitiva, que foi conferido, que foi praticado ou que foi proferida, a luz de uma certa disciplina
normativa, irão perdurar para o futuro, seja qual for a conjuntura legal desse futuro.
No caso específico do direito adquirido, o inciso tem a finalidade de preservar uma
situação jurídica pessoal conferida por uma lei mesmo em face de uma lei posterior que venha
sucedê-la, de tal modo que o direito recebido continue fazendo parte da universalidade de direitos
do seu titular ainda que a base legal que o originou não exista mais. A proteção constitucional ao
direito adquirido, nessa linha de idéias, gera a impossibilidade de que um direito, uma vez
concedido, possa ser retirado do seu titular.
A partir do momento em que o Estado brasileiro, através da Lei nº 6.683/79, abriu mão do
seu direito de punir os que cometeram crimes políticos, crimes conexos aos crimes políticos e
crimes eleitorais, acabou lhes concedendo o direito de não sofrerem nenhum ato de persecução
16

penal, seja forçando o Judiciário a declarar extinta a punibilidade, seja obrigando o Ministério
Público a promover o arquivamento do inquérito em trâmite, seja impedindo a autoridade policial
de instaurá-lo.
A existência de direito adquirido a partir da edição de uma lei anistiante é defendida por
Francisco Pontes de Miranda:

(A lei de anistia) como todas as leis, é feita pelo Poder Legislativo e está sujeita
as mesmas formalidades que as outras leis. O Poder Judiciário aplica-a, quando
provocado, como aplica as outras leis. Daí poder interpretá-la. O Poder
Executivo, depois da sua entrada em vigor, executa-a. Se a executa mal, os
beneficiados pelo ato anistiante podem recorrer ao Poder Judiciário, pois que
têm direito público subjetivo a aplicação da lei de anistia, usando, para isso, do
remédio processual que no caso couber.15
(destaques do original)

Com a promulgação da lei, ficou estabelecido um direito que, nos termos do art. 5º,
XXXVI, da Constituição, não pode ser retirado do anistiado. Isso tem como conseguência a
conclusão de que o ato, judicial ou legislativo, que porventura vier a eliminar os efeitos da anistia
penal é inconstitucional.

6.2.2 Patamar Constitucional.

Em 27 de novembro de 1986, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 26, à


Constituição de 1967. Essa emenda convocou a Assembléia Nacional Constituinte que iria
elaborar a Constituição de 1988 e confirmou a anistia de 1979, promulgando outra:

Art. 1º. Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal


reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre
e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.
(...)
Art. 4º. É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da
Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção,
institucionais ou complementares.
§ 1º. É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou
conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e
estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido

15
MIRANDA, Francisco Pontes de. Comentários à Constituição de 1946 – Vol I. 1 Ed. Cidade não consta:
Livraria Boffoni, 1947. pp. 276 e 277.
17

demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em


outros diplomas legais.
(sem destaques no original)

A constitucionalização da anistia pela EC nº 26/85 faz com que a discussão sobre a Lei nº
6.683/79 perca o sentido, pois o seu conteúdo foi ratificado pela emenda. Somando isso ao fato
de que a mesma emenda que encampou a anistia penal resultou na Constituição atual, se conclui,
naturalmente, que é um elemento integrante do texto constitucional vigente. Assim, considerá-la
inconstitucional é um entendimento que não se sustenta.
Esse posicionamento foi adotado pelo Min. Eros Grau em seu voto na ADPF nº 153:

Eis o que aconteceu: a anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC


26/85, pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988. Não que a anistia que
aproveita a todos já não seja mais a da lei de 1979, porém a do art. 4º, §1º da
EC 26/85. Mas estão todos como que (re)anistiados pela emenda, que abrange
até mesmo os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto,
sequestro e atentado pessoal. Por isso não tem sentido questionar se a anistia,
tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988. (...) O
texto da lei ordinária de 1979 resultou substituído pelo texto da emenda
constitucional.
A emenda constitucional produzida pelo Poder Constituinte originário
constitucionaliza-a, a anistia. E de tal modo que (...) somente se a nova
Constituição a tivesse afastado expressamente poderíamos tê-la como
incompatível com que a Assembléia Nacional Constituinte convocada por essa
emenda constitucional produziu, a Constituição de 1988.16

6.2.3 Imutabilidade de Lei-medida.

Outro argumento utilizado pelo Min. Eros Grau diz respeito a imutabilidade interpretativa
de lei-medida.
A lei-medida é aquela lei editada para regular situações concretas e interesses específicos,
ao contrário do objetivo usual de uma lei, que é regular situações genéricas e indeterminadas. O
conceito de tal figura e a determinação de sua natureza foi dado pelo Min. Eros Grau da seguinte
forma:

As leis-medida disciplinam diretamente determinados interesses mostrando-se


imediatas e concretas. Consubstanciam-se, em si mesmas, um ato

16
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, do Pleno,
Brasília, DF, 28 de abril de 2010. Disponível em <http://www.stf.jus.br> Acesso em 16 ago 2010.
18

administrativo especial. (...) O Poder Legislativo não veicula comandos


abstratos e gerais quando as edita, fazendo-o na pura execução de certas
medidas. Um comando concreto é então emitido, revestindo a forma de norma
geral. As leis-medida configuram ato administrativo completável por agente da
Administração, mas trazendo em si mesmas o resultado específico pretendido,
ao qual se dirigem. Daí porque são leis apenas em sentido formal, não o sendo,
contudo, em sentido material. Cuida-se então de lei não-norma.17
(destaques do original)

Sendo a Lei de Anistia uma lei-medida, já que foi promulgada para atender aos interesses
existentes do início do período de transição da ditadura militar, não é possível lhe dar outra
interpretação que não a que foi conferida naquele momento histórico. Como se trata de um ato
concreto, analisá-lo sob a perspectiva do ordenamento posterior configura um erro de julgamento,
já que ignora a finalidade específica para o qual foi desenvolvido. Este entendimento foi expresso
nos seguintes termos:

Interpretamos sempre os textos e a realidade. Daí (...) que o direito é um


dinamismo, donde a sua força, o seu fascínio, a sua beleza. É do presente, da
vida real, que se tomam as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é
o presente; o presente é a vida – e vida é movimento. Assim, o significado
válido dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A
interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua
dedução de seus textos normativos à realidade e seus conflitos.
Essa afirmação aplica-se exclusivamente, contudo, à interpretação de leis
dotadas de generalidade e abstração, leis que constituem preceito primário, no
sentido de que se impõem por força própria, autônoma. Não aquelas que
chamamos de leis-medida.
(...)
Pois o que se impõe deixarmos bem vincado é a inarredável necessidade de, no
caso de lei-medida, interpretar-se, em conjunto com o seu texto, a realidade no
e do momento histórico no qual ela foi editada, não a realidade atual. 18

Como a Lei da Anistia foi normalmente aplicada durante a ditadura, sem que houvesse
nenhum questionamento quanto as suas disposições, não é possível, agora, lhe dar leitura diversa
para considerá-la inválida. A interpretação consumada não pode ser mais modificada.

6.2.4 Violação aos Princípios da Legalidade Penal e da Extra-atividade da Lei Penal.

17
Idem.
18
Ibidem.
19

Os dois últimos argumentos favoráveis a validade da Lei de Anistia estão estreitamente


relacionados entre si, o que nos leva a discuti-los conjuntamente. São os princípios da legalidade
penal e da extra-atividade da lei penal, previstos no art. 5º, XXXIX e XL, da Constituição,
respectivamente:

Art. 5º. omissis


(...)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

O princípio da legalidade penal determina que, para que dado ato seja considerado crime,
deve estar previsto em lei editada anteriormente a sua prática. O inciso materializa os limites do
direito penal diante do cidadão, ao determinar que tudo que não está expressamente proibido em
lei é licitamente possível até o instante em que porventura seja proibido. A lei é a única fonte do
direito penal e só pode ter efeitos para o futuro.
O princípio da extra-atividade da lei penal tem duplo conteúdo: por um lado, constitui a
proibição absoluta de que a lei penal volte no tempo para piorar a situação jurídica do réu; de
outro lado, cria a obrigação de aplicação retroativa da lei penal posterior ao crime se for mais
vantajosa para o acusado do que a antes existente. O inciso, fruto de uma ótica característica da
escola garantista, regula o modo de atuação da lei criminal no tempo, de maneira que a sucessão
de leis sempre coloque o réu na melhor situação possível.
Conforme já visto no tópico 3.1, o efeito de uma lei de anistia é fazer com que o preceito
primário da norma penal incriminadora não exista em relação aos seus destinatários. O anistiado
não é suscetível de responsabilização penal porque a lei anistiante estabelece a ficção de que o
crime que praticou não está previsto na legislação quando foi levado a efeito.
Os argumentos ora tratados residem justamente nesse aspecto: caso a Lei nº 6.368/79
fosse considerada agora ineficaz, ocorreria a inobservância desses dois princípios, visto que os
preceitos primários das normas incriminadoras passariam a incidir em fatos sobres os quais não
havia previsão legal de punição no momento em que aconteceram e, ao mesmo tempo, normas
penais iriam retroagir no tempo para piorar o estado do réu. Por isso, se diz que as leis de anistia
têm caráter irrevogável e, uma vez promulgadas, não podem ser retiradas do ordenamento.
No campo doutrinário, a natureza irrevogável de uma lei anistiante é corroborada por José
Frederico Marques:
20

A anistia é verdadeira revogação parcial, bic et nunc, da lei penal. Por isso é
que compete ao Poder Legislativo a sua concessão. Lei penal ela o é, por
conseguinte: daí não a poder revogar o Legislativo, depois de tê-la promulgado,
porque veda o art. 5º, XXVI e XL, da Constituição.19

A partir do momento em que revogasse a Lei de Anistia, a lei ou a decisão judicial


implicaria em violação a dois dos mais basilares princípios penais da Constituição e, por isso
mesmo, atos desse tipo não podem ser editados ou proferidos. Resta, então, admitir que a Lei
6.683/79 não pode ser retirada do ordenamento.

6.3 ANÁLISE FINAL.

6.3.1 Violação a Direito Adquirido.

A análise da violação a direito adquirido pressupõe, naturalmente, a definição do que seja


um direito adquirido.
O conceito legal de direito adquirido é dado pela Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 6º. omissis.


(...)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-
fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

A redação do dispositivo não possui uma redação clara, mas é útil por fornecer a
característica distintiva de um direito adquirido: a possibilidade de ser exercido no momento em
que o seu titular desejar, mesmo que a base legal que o previu não exista mais, dada a
intangibilidade conferida pelo art. 5º, XXVI, da Constituição. Diferenciaria-se das outras
categorias de direito, ainda a adquirir, na medida em que já se incorporou ao patrimônio de seu
detentor, podendo ser exercido livremente, seja porque os requisitos para tanto foram cumpridos,
seja por outro motivo.
No campo doutrinário, a facultatividade em ser exercido, como o atributo maior do direito
adquirido, é corroborado por José Afonso da Silva:

19
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal – Vol. III. 4 Ed. Campinas: Millenium, 2002. p. 511.
21

Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em


direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível a vontade de seu
titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando convier. (...)
Essa possibilidade de exercício continua no domínio da vontade do titular em
face da lei nova.20

Postas essas ponderações, é possível afirmar que a Lei de Anistia não gera direito
adquirido, visto que o ato recai sobre os seus destinatários independentemente de sua vontade.
Assim, por exemplo, caso um policial deseje enfrentar um processo penal no qual é acusado por
um crime cometido no período que a anistia compreende, para provar judicialmente a sua
inocência, não poderá fazê-lo, visto que o arquivamento do inquérito e/ou a sentença declaratória
de extinção da punibilidade são atos obrigatórios. Se não depende da vontade dos anistiados para
que surta os seus efeitos, se os seus efeitos não são facultativos, a Lei nº 6.683/79 não gera direito
algum.
Uma análise mais detida dos efeitos de uma anistia faz com que se chegue a conclusão de
que, na verdade, não gera o “direito à não-persecução penal”, por assim dizer, mas institui um
regime jurídico, já que estabelece uma situação específica (no caso, irresponsabilidade penal
total) que afeta os agentes abrangidos sem levar em consideração a sua vontade.
Por fim, uma distinção é necessária: embora a Lei de Anistia não gere direito adquirido,
isto não significa que os seus destinatários não podem pleitear judicialmente a sua aplicação. O
que precisa ficar assentado aqui é que é constitucionalmente viável a sua retirada do
ordenamento, pelo menos em face da alegação examinada aqui. Em outras palavras, existe o
direito à aplicação, mas não o direito a perenidade de seus efeitos.

6.3.2 Patamar Constitucional.

O Poder Constituinte Originário possui três características particulares que não se


encontram em nenhuma outra das manifestações que advêm dele. Tais características são: ser
ilimitado, ser incondicionado e ser inicial.

20
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 434.
22

A natureza inicial – única que interessa ser detalhada aqui – consiste em afirmar que o
exercício do Poder Constituinte inaugura a ordem jurídica, surgindo como condição de validade
de todo o ordenamento jurídico. O Poder Constituinte não está fundado em nenhuma ordem, já
que é ele que exerce o papel fundador.
Disso decorrem duas conseqüências. A primeira é sobre a legislação infraconstitucional
existente previamente a ele, que tem os seus efeitos retirados caso confrontem com o conteúdo da
Constituição promulgada.
A segunda consequência é a cessação de eficácia da Constituição vigente anteriormente.
Quanto a esse ponto, Manuel Gonçalves Ferreira Filho explica mais detalhadamente:

Conforme já tivemos oportunidade de salientar anteriormente, a eficácia de um


ato constituinte, o estabelecimento de uma Constituição importa, logicamente,
na perda de eficácia da Constituição anterior. E, como consequência da perda
da eficácia da Constituição anterior, temos (...) a perda da validade. E isso é
facilmente compreendido por quem tem presente a ideia chave-kelseniana de
que a eficácia é condição de validade da ordem jurídica. Assim, pois, a eficácia
de uma nova Constituição importa na perda de validade da Constituição
anterior.21

A instituição de uma nova Constituição expurga completamente o texto anterior, de


maneira que se considera que a Constituição antes em vigor nunca existiu. Nenhuma de suas
disposições subsiste diante da derrogação de eficácia e fundação de uma nova ordem
empreendida por um novo Poder Constituinte Originário. Ainda mais em nosso país, que não
acata a figura da desconstitucionalização, pela qual se confere status ordinário ao antigo texto.
Dessa forma, não é adequado afirmar que a EC nº 26/85 integra a atual Constituição,
mesmo que tenha convocado o colegiado que a elaborou, visto que, por ser um componente da
então Constituição vigente de 1967, a sua eficácia cessou completamente com a promulgação da
Constituição de 1988. Deve-se considerar que a EC nº 26/85 nunca existiu, inclusive a anistia que
concedeu.

6.3.3 Imutabilidade de Lei-medida.

21
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 89.
23

Embora o Min. Eros Grau tenha preferido utilizar a palavra “lei-medida”, dando a
entender que se trata de um instituto de raro uso, na verdade, se referiu a outra figura já bem
conhecida: a lei de efeitos concretos. Mesmo que não tenha feito referência direta a essa
expressão, as características de uma lei-medida que delineou em seu voto são idênticas a de uma
lei de efeitos concretos, o que leva a concluir que são termos sinônimos.
Como ponto a corroborar esse entendimento, vejamos a definição de José dos Santos
Carvalho Filho sobre o que é uma lei de efeitos concretos, de igual conteúdo, a que foi dada pelo
Min. Eros Grau em seu voto:

Leis de efeitos concretos são aquelas que se apresentam como lei sob o aspecto
formal, mas que, materialmente, constituem meros atos administrativos. Para
que surjam, seguem todo o processo legislativo adotado para as leis em geral.
Não irradiam, todavia, efeitos gerais, abstratos, e impessoais como as
verdadeiras leis, mas, ao contrário, atingem a esfera jurídica de indivíduos
determinados, razão pela qual se pode dizer que são concretos os seus efeitos. 22

Um critério para identificar se uma lei é de efeitos concretos ou abstratos é verificar se


uma vez executada, os seus efeitos se exaurem imediatamente, de maneira que não se projetam
no tempo. O maior exemplo é a lei orçamentária, que ao determinar a alocação de certo montante
de recursos a dado órgão no exercício que regula, se exaure no mesmo instante em que isso é
efetivado, sem nenhuma repercussão quantos aos exercícios financeiros seguintes. É uma lei de
efeitos concretos, sem dúvidas.
Levando esse critério em consideração, é possível afirmar que uma lei de anistia não se
enquadra nesta categoria, visto que os seus efeitos persistem no decorrer do tempo. A proibição
de continuidade da persecução penal que estabelece não se atêm a efetivação dos atos que a
encerrem (a sentença extintiva de punibilidade e o arquivamento do inquérito), pois impede até
mesmo a realização de atos futuros a tais providências, como a instauração de outro inquérito.
Assim, como a Lei de Anistia não é uma lei-medida, torna-se desnecessário adentrar no
questionamento acerca da possibilidade de mudança em sua interpretação, já que foi demonstrado
que o pressuposto para tanto é equivocado.

6.3.4 Violação aos Princípios da Legalidade Penal e da Extra-atividade da Lei Penal.

22
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20 Ed. São Paulo: Lúmen Júris,
2008. pp. 536-537.
24

Tendo em conta que o efeito de uma lei anistiante é revogar os preceitos primários dos
tipos criminais que abrange, com eficácia retroativa, de maneira que se considere que a conduta
praticada não era criminalizada no instante em que ocorreu, é preciso concordar com o
entendimento de Pontes de Miranda, no sentido de que a revogação de uma anistia geraria a
violação a estes dos princípios penais. Assim, a via legislativa não é um caminho
constitucionalmente viável para retirar a Lei de Anistia do ordenamento, visto que os princípios
determinam a sua permanência. Mas essa conclusão não significa que a análise a ser feita aqui
está encerrada; apenas a torna mais limitada.
Como os princípios da legalidade penal e da extra-atividade da lei penal possuem estatura
constitucional, o primeiro limite que surge é que prevalecem sobre qualquer disposição
infraconstitucional, como conseqüência da sua hierarquia superior. Com isso, só é possível acatar
os argumentos contrários que possuam igual posicionamento hierárquico, ou seja, que também
tenham base na Constituição. Isso ocorre porque, como ambos estão no mesmo patamar, o
conflito não se resolve pela hierarquia, mas sim pelo critério da especialidade, em que um
caracteriza uma exceção ao outro. Desse modo, caso exista alguma disposição constitucional
violada pela Lei nº 6.683/79, é possível considerá-la inválida, porque tal dispositivo seria uma
exceção aos dois princípios ora tratados.
Ainda há um outro limite que precisa ser estabelecido: os princípios penais são cláusulas
pétreas e, por isso, não podem sofrer nenhum tipo de restrição, mesmo por emenda
constitucional. O resultado disso é que apenas normas constitucionais originárias – que são
aquelas presentes na Constituição desde a sua promulgação e que persistem em seus termos
iniciais – podem ser utilizadas para confrontação em face da anistia penal.

6.3.5 Violação ao Dever de Processar, ao Direito à Proteção Judicial e ao Dever de Legislar.

Os limites estabelecidos no tópico anterior fazem com que não seja possível acatar
nenhuma disposição residente na Convenção Americana, dada a ausência de status constitucional
que possuem.
25

Ressalte-se que nem é necessário adentrar na discussão acerca do nível hierárquico


ocupado pelos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento, pois mesmo que se
admita que possuem o mais alto possível – o de emenda constitucional – ainda assim não
poderiam se opostos aos princípios da legalidade penal e da extra-atividade da lei penal, visto que
a natureza de cláusula pétrea autoriza que sejam restringidos apenas através de normas
constitucionais originárias.

6.3.6 Violação ao Princípio da Soberania.

O impedimento ao exercício do ius puniendi instituído pela Lei de Anistia não pode ser
considerado inconstitucional, em razão de que a concessão de anistia possui previsão expressa na
Constituição, dentro das competências legislativas conferidas ao Congresso Nacional:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da


República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor
sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
(...)
VIII - concessão de anistia;

Diante da existência do princípio da soberania e da previsão do art. 48, VIII, a


interpretação que resta seguir é que o constituinte originário autorizou que o legislador ordinário
editasse atos que restringissem o direito punitivo do Estado, o que torna descabido falar em
violação a Constituição. Ao contrário de violá-la, portanto, a Lei de Anistia materializa a prática
de uma atribuição específica do poder soberano, dada ao Congresso Nacional.

6.3.7 Violação à Isonomia em Matéria de Segurança.

O princípio da isonomia possui duas facetas diferentes. A primeira, e mais conhecida, é


voltada ao Legislativo e determina a igualdade na lei, isto é, impedi que atos legais sejam
editados instituindo tratamentos que confrontam a igualdade.
26

Na segunda faceta, é voltado ao aplicador da lei (o Judiciário, principalmente, e o


Executivo, em menor medida) e estabelece a igualdade perante a lei. Significa que o aplicador
não pode usar normas distintas em relação àqueles que se encontram na mesma situação, o que
inclui dar interpretações diferentes sobre uma mesma norma.
No primeiro caso, caso haja violação à isonomia, o caminho adequado é a declaração de
inconstitucionalidade, que retira a vigência da norma e faz cessar a situação de desigualdade. Na
segunda hipótese, a solução é a reforma da decisão proferida, de forma que o seu conteúdo
corresponda ao dado no outro contexto idêntico.
Partindo para a análise mais detida da alegação do Conselho Federal da OAB, percebe-se
que, embora vise atingir a lei, faz, na verdade, críticas a forma divergente com que ela pode ser
interpretada, o que significa que a questão não é uma eventual desigualdade na lei em si, mas sim
na sua interpretação, que não foi objeto de uniformização pelo Judiciário. O problema apontado,
portanto, não é uma desigualdade legislativa. O art. 1º, §1º, da Lei nº 6.683/79, por si só, não
desrespeita a isonomia, sendo caso de desigualdade perante a lei. Dessa forma, não se pode
afirmar que a Lei nº 6.683/79 viola a isonomia. O que viola a igualdade são as decisões
contraditórias porventura emitidas, algo que se resolve com a reforma do que foi decidido e com
os mecanismos de uniformização de jurisprudência. A responsabilidade pela violação à isonomia
recai sobre o Judiciário, que foi omisso em não adotar uma interpretação estável e segura para o
dispositivo, e não sobre o ato legislativo.

6.3.8 Violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A constitucionalidade de uma lei pode ser encarada de duas maneiras: a


constitucionalidade formal, que diz respeito a correta observância do processo legislativo que
resultou na sua edição, e a constitucionalidade material, relativa a compatibilidade de seu
conteúdo com a Constituição, seja o texto literal ou uma interpretação que decorra dele.
Colocada essa lição escolar e tendo em consideração a argumentação utilizada pelo
Conselho Federal da OAB, constata-se que, em momento algum, se dirige a impugnar o conteúdo
da Lei de Anistia, pois se direciona a criticar as circunstâncias políticas que circundaram a sua
promulgação. Como, repita-se, a constitucionalidade material deve ter como base o conteúdo da
27

lei e não outro dado alheio a esse aspecto, tem-se a conclusão de que não deve ser considerado
para a análise jurídica que está sendo feita.

6.3.9 Violação a Proibição de Anistia.

Para que a análise seja compreendida adequadamente, é conveniente transcrever


novamente o art. 5º, XLIII, da Constituição:

Art. 5º. omissis.


(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia
a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Uma primeira leitura do inciso leva a duas conclusões. A primeira é que se trata de uma
norma de eficácia limitada, visto que faz referência direta a legislação infraconstitucional para
que proíba a concessão de anistia aos crimes citados; e a segunda é que a proibição só incide para
atos posteriores a edição da lei regulamentadora, pois faz uso da locução “a lei considerará”.
Todavia, tais ponderações são apressadas e não consideram outros aspectos da questão.
O primeiro ponto é que não se trata de uma norma totalmente dependente de
complementação legislativa. A proibição de anistia, em si, é uma parte da norma que usufrui de
eficácia plena, já que o seu conteúdo está totalmente definido na Constituição (a simples vedação
da emissão de ato anistiante, obviamente). Ao afirmar que a lei considerará insuscetível de anistia
certos crimes, é a Constituição, na verdade, que está colocando isso, já que as leis apenas estarão
repetindo os termos claros do inciso e não disciplinando matéria nova, ao menos nessa parte
específica. O que depende da atuação do Legislativo é a tipificação das condutas em referência e
a definição de quais crimes são hediondos. O inciso é uma norma de natureza híbrida: a definição
dos crimes depende de lei, mas a proibição de anistia à eles decorre diretamente da Constituição e
dispensa previsão infraconstitucional. Para facilitar o entendimento quanto a isto, vamos a uma
pergunta simples: caso as leis que definem a tortura, o tráfico de drogas e os crimes hediondos
não tenham previsto a vedação a anistia, quer dizer que tais delitos podem ser anistiados?
Evidente que não, o que demonstra que a proibição vem da Constituição e não das leis penais.
28

Ao estabelecer a vedação, no caso dos crimes hediondos – os únicos que nos interessam
aqui – o inciso criou um regramento bastante singular (e criticável), já que a escolha de tais
crimes cabe ao legislador ordinário: a partir do momento em que enquadrasse dado crime como
hediondo, a anistia que porventura abranja a conduta perderia a sua eficácia, já que a norma
constitucional veda tal ato de clemência. O inverso também ocorreria: caso um crime deixasse de
ser classificado como hediondo, a anistia que se tornou ineficaz voltaria a surtir os seus efeitos.
Trata-se, como é evidente, de uma mecânica que pode gerar insegurança e, por isso mesmo, seria
até melhor que o inciso estivesse redigido de outra forma. O que não significa que é um
entendimento juridicamente incorreto.
O segundo ponto é que o fato de utilizar uma locução em um tempo verbal futuro não
significa que só se dirige realmente a condutas posteriores. O modo de escrita, por si só, não
permite acatar essa argumentação, em função de que é uma técnica de redação legislativa comum
o uso dos verbos no futuro. Não se pode determinar o conteúdo de uma norma somente com base
nisso.
Como elemento adicional de convicção em relação a esta questão, temos a Lei
Complementar nº 85/98, que estabelece regras para a redação e a consolidação de leis, e dispõe o
seguinte:

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e


ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
(...)
d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais,
dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;

Nessa linha de idéias tem-se que o uso do verbo no futuro é apenas um aspecto formal e
não material. Além disso, considerar que o art. 5º, XLIII, não afeta a Lei nº 6.683/79 significa
desconsiderar o caráter inicial do Poder Constituinte Originário e o seu papel de elemento
gerador de validade de toda e qualquer lei. Afirmar que a Lei de Anistia é intangível por este
inciso implica, na prática, em colocá-la acima das disposições constitucionais.
Assim, chega-se a conclusão que o art. 5º, XLIII, alcança anistias que são anteriores a sua
promulgação, o que torna a anistia penal da Lei nº 6.683/79 inconstitucional relativamente aos
crimes de homicídio (CP, art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado (CP, art. 121, §2 o, I, II, III, IV e V);
29

extorsão mediante seqüestro, simples e na forma qualificada (CP, art. 159, caput, e §§lo, 2o e 3o);
e estupro (CP, art. 213, caput e §§1o e 2o).

6.3.10 Violação ao Princípio Democrático.

Segundo a teoria da recepção, a análise da compatibilidade entre uma Constituição e a


legislação que lhe for anterior deve-se dar apenas em seu aspecto material, o que significa que o
fato de ter observado ou não o processo legislativo atual deve ser desconsiderado. Em relação a
leis pretéritas, não é cabível falar sobre a possibilidade de inconstitucionalidade formal.
A linha de argumentação utilizada pela OAB voltou-se a impugnar os aspectos pertinentes
a aprovação e sanção da Lei nº 6.683/79, que realmente estão em descompasso com os termos da
Constituição vigente. Mas, como tratam-se de características relativas ao seu processo legislativo,
a alegação sustentada deve ser rejeitada, já que leis pretéritas não podem ser analisadas nas suas
características formais.

6.3.11 Violação ao Princípio Republicano.

A análise da violação ao princípio republicano pressupõe determinar duas questões


sucessivas: primeiro, se a ideia de república realmente contêm um conteúdo maior do que
determinar uma forma de organização política, proibindo a prática de atos que protejam um
interesse particular; e, segundo, se existe tal interessa particular na concessão de anistia aos
agentes do regime.
A forma republicana de governo tem origem em conflitos iniciados para combater o
regime monárquico, na Roma antiga, no decorrer do século V a.C, e teve como base as idéias
aristotélicas, disseminadas por pensadores como Plutarco e vários outros, que sustentavam a não-
interferência do governo em questões particulares e que a sua atuação deveria ser dirigida aos
interesses da sociedade23.
Embora a monarquia não tenha se apresentado de uma única forma, podem ser
estabelecidas as suas características distintivas: a vitaliciedade (o monarca ocupa o cargo até
quando for capaz), a hereditariedade (escolha do governante pela linha sucessória familiar) e a

23
PETTIT, Philip. Republicanism. 1 Ed. New York: Oxford University Press, 2000. pp. 283-284.
30

irresponsabilidade (o soberano não pode ser punido pelos atos que pratica e não precisa
fundamentar as suas decisões).
A perenidade no cargo e a ausência de limitações jurídicas comumente faziam com que a
monarquia se tornasse um regime opressor, onde o rei atuava de maneira arbitrária e utilizava o
aparelho estatal em seu proveito pessoal. Os exemplos mais famosos são as monarquias
absolutistas que surgiram no fim da Idade Média na Europa, cuja própria denominação já indica o
poder que o monarca possuía sobre o Estado.
A falta de liberdade que decorre de um governo monárquico incentivou a ocorrência de
revoluções que, em diferentes épocas, buscavam enfraquecer o poder do rei ou substituí-lo por
um governo republicano, visto como seu oposto.
A república também não consiste em uma fórmula fixa de governo, mas pode ter as suas
características elementares igualmente determinadas: a temporariedade (o governante ocupa o
cargo por período certo e determinado), a eletividade (a sua escolha é feita pelos governados) e a
responsabilidade (quem governa sofre limitações legais e deve justificar os seus atos perante a
população). Caso o princípio republicano resida apenas nestes aspectos formais, a alegação deve
ser rejeitada, nos mesmos termos expostos em relação ao princípio democrático: a feição formal
de leis pretéritas a Constituição não serve como parâmetro para analisar a sua
constitucionalidade. Mas não é isto que ocorre.
Como o princípio republicano surgiu como forma de conter a opressão e a arbitrariedade
que decorriam da atuação em causa própria do monarca, não existe como aceitar que não contêm
realmente um conteúdo material, ao invés de apenas uma feição formal. Considerar que, em uma
república, o governante está autorizado a praticar atos que visem favorecer um interesse
particular significa desconsiderar a própria finalidade para a qual este tipo de regime foi
desenvolvido e implica em transformá-lo justamente em seu oposto. Este raciocínio lógico, então,
leva a concluir que o princípio determina que todo ato soberano deve ter como finalidade o
alcance do interesse público, sob pena de desconformidade com o art. 1º, caput, da Constituição.
E isto nos leva a outro problema: definir o que é interesse público.
O conceito de interesse público foi mais bem desenvolvido no âmbito do direito
administrativo, onde a sua supremacia é a base de sustentação deste ramo do direito público. Os
doutrinadores aceitam, com certa divergência, a existência de duas espécies: o interesse público
primário e o interesse público secundário. Essa diferenciação é fruto da constatação de que o
31

Estado pode atuar em duas posições diferentes: como ente soberano e como simples pessoa
jurídica e os interesses que defende em cada posição são distintos.
O interesse público primário está presente quando age na condição de ente soberano e
consiste no desenvolvimento de atividades que sejam efetivadas em prol do benefício do corpo
social como um todo. O destinatário das atividades estatais, assim, deve ser a coletividade e não
indivíduos em si. Nesta hipótese, o Estado se situa em um patamar superior ao do indivíduo, com
o interesse público se sobrepondo ao interesse particular.
O interesse público secundário é aquele que surge quando atua como uma pessoa jurídica.
Além de ter o interesse de favorecer a coletividade, o aparelho estatal também possui interesses
que lhes são próprios e não se confundem com os do corpo social, sendo estes que recebem tal
alcunha. Este tipo de interesse estatal é explicado por Celso Antônio Bandeira de Melo:

É que (...) o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa
jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com
todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser,
por definição, encarregado de interesses públicos, o Estado pode ter, tanto
quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais e, que,
tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se
encarnam no Estado enquanto pessoas.24

O interesse público secundário, na verdade, é um interesse particular do Estado. Quando o


tem em mira, não existe posição de supremacia diante do indivíduo, já que não está em jogo o
interesse público de fato, mas apenas uma necessidade imediata de um sujeito de direitos como
qualquer outro.
A existência das dessas duas espécies leva a dúvidas sobre se, em ambas as posições, o
princípio republicano obriga o Estado a buscar o interesse público.
Tendo em vista que a forma republicana de governo é uma forma de expressão da
soberania, o princípio, logicamente, determina o atendimento do interesse público apenas
naqueles atos em que o Estado atua na condição de entidade soberana. Conseqüentemente, deve
ser atendido o interesse público incidente sobre esta condição: o primário.
Assim, o princípio republicano proíbe a emissão de atos estatais, no exercício da posição
soberana - como quando edita uma lei anistiante - que visem proteger outro interesse que não seja
o interesse público primário.
24
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24 Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.
63.
32

Respondida a primeira questão, resta partir para a segunda. Uma análise inicial da anistia
aos agentes do regime leva a concluir que houve mesmo o atendimento a um interesse particular,
visto que os militares aproveitaram a circunstância de estarem no controle do Estado para
impedirem uma futura punição aos crimes com os quais eles mesmos pactuaram, que ocorreria
quando a situação não lhes fosse mais favorável. Estariam, portanto, legislando em causa própria,
no intuito de se protegerem diante da redemocratização inevitável que o país iria passar e do
desejo de retaliação que surgiria daí. Eram criminosos perdoando a si mesmos, em um caso de
puro oportunismo. Mas o assunto não é tão simples assim e uma outra visão precisa ser colocada.
A anistia penal, como já firmado, é um instituto utilizado diante de situações de
fragilidade social, com o objetivo de trazer estabilidade em contextos conflituosos, alcançada
através da garantia de não punir os que cometeram crimes. Com a sua adoção, tem-se uma maior
facilidade para promover transições entre regimes políticos distintos, visto que o grupo então no
poder se sente mais confortável em ceder a sua posição. Por essa ótica, caso a Lei de Anistia não
abrangesse os agentes da ditadura, o regime militar iria resistir mais as reivindicações sociais pela
sua abertura e o retorno da democracia seria mais lento e desgastante. A autoanistia contida na
Lei nº 6.683/79, atendeu, então, ao interesse público de facilitar o fim de um governo autoritário e
não a um interesse meramente particular.
Contrapostas estas duas posições, ambas com sentido e bem fundamentadas, e após muita
reflexão, consideramos que, mesmo que a Lei de Anistia tenha realmente sido um instrumento
facilitador da transição política, isso não retira o fato de que houve um atendimento a um
interesse particular na clemência concedida aos agentes favoráveis ao regime, especificamente.
Isto ocorre porque a maior resistência que esboçariam em ceder o poder seria reflexo do interesse
pessoal dos militares em não serem responsabilizados e protegê-los, logo, é obedecer a tal
interesse pessoal. Embora as condutas praticadas no período compreendido pela anistia tenham
sido dotadas de motivação política e não eram praticados por motivos pessoais, é evidente que
este elemento não se encontra presente quando se parte para a análise deste aspecto específico da
ditadura, visto que, na hipótese de tentar impedir a futura persecução criminal, não se está agindo
em função de uma ideologia, mas sim por força do receio quanto a uma punição. E isto é um
interesse particular, não público.
O resguardo conferido pela definição particular de crimes conexos aos crimes políticos
está direcionado a um interesse individual e o fato de ter gerado um impacto politicamente
33

positivo não significa que tal medida resulta em um interesse público primário. Afinal, ao
promulgar uma anistia aos agentes que o próprio regime havia dado apoio, não havia interesse
outro que não proteger ao interesse de não sofrer punição, mesmo que isso tenha gerado um
impacto social positivo, mesmo que tal impacto tenha sido marcante, justamente porque os
diretamente favorecidos foram somente os agentes a serviço dos governantes. A repercussão
benéfica da Lei nº 6.683/79 para a sociedade, neste aspecto específico, é apenas um efeito
acessório. A proteção ao interesse pessoal dos agentes estatais atendeu, sob a perspectiva estatal,
a um interesse público secundário e não um interesse primário, já que o Estado atuou tendo em
vista a satisfação de um interesse seu na condição de pessoa jurídica, porque buscou proteger os
seus próprios funcionários da punição por atos que haviam sido cometidos a seu próprio mando.
Como o atendimento a esta espécie de interesse público, em um ato soberano, não é
constitucionalmente aceitável, temos a conclusão de que a anistia concedida aos militares e
policiais que atuaram em prol da manutenção da ditadura militar é inconstitucional.

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