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Direito Internacional Público II

Dr. Jónatas Machado


Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Joana Marta Monteiro de Figueiredo
2020/2021

Bibliografia utilizada:
o Machado, Jónatas, Direito Internacional, 4ª Edição, Coimbra Editora;
o PowerPoint’s disponibilizados pelo Dr. Jónatas Machado.
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1. DIREITO INTERNACIONAL PENAL


Um dos mais relevantes desenvolvimentos do direito internacional na atualidade constitui o
advento do direito internacional penal. O direito internacional penal tinha como pretensão:
o Proteger internacionalmente os direitos humanos;
o Consolidar a responsabilidade individual no plano jurídico-internacional, nos seus
aspetos substantivos e processuais.
O direito internacional penal visa a afirmação da personalidade jurídica internacional do
individuo e, por conseguinte, desenvolve-se a sua compreensão como unidade prática e sujeito por
excelência deste ramo do direito (influência do novo modelo da Carta das Nações Unidas). Além de
que afirma a primazia do direito internacional e a aplicabilidade direta de algumas das suas normas
aos indivíduos.
A responsabilidade criminal internacional decorre da prática de atos que a comunidade
internacional como um todo qualifica de crimes internacionais. O culto da responsabilidade é um
fenómeno de culto uma vez que tem um grande impacto mediático à escala mundial, neste
domínio incluem-se:
o Jurisdição Penal Internacional;
o Levantamento das Imunidades dos Chefes de Estado;
o Afirmação da Jurisdição Universal em Matéria de Crimes Internacional, eventualmente
extensível às ações de responsabilidade civil pela sua prática;
As mais graves violações dos direitos do homem são qualificadas como crimes pelo direito
internacional e, também, admite-se a responsabilidade criminal internacional dos indivíduos,
mesmo quando agem por conta de um interesse de um determinado Estado.
O direito internacional penal inclui:
▪ Crimes de Agressão crimes graves que afetam a comunidade internacional no
▪ Crimes Contra a Humanidade seu todo (artigo 5º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
▪ Genocídio Internacional)
▪ Crimes de Guerra
▪ Condutas consideradas lesivas de bens fundamentais da comunidade internacional, como
por exemplo a pirataria no alto mar – direito penal transnacional

O desenvolvimento do direito internacional penal e, o consequente, desenvolvimento da


jurisdição penal internacional acompanham uma mudança de paradigma do direito internacional.
Neste âmbito podemos afirmar a existência de uma mudança de transição gradual de um direito
internacional orientado para a promoção e proteção da soberania dos estados para a promoção e
proteção dos direitos dos indivíduos. Esta transição surge com a ideia de que a defesa dos direitos
humanos requer um maior recurso à coerção centralizada como mecanismo de efetivação das
obrigações internacionais – alteração fundamental na forma de perspetivar direito internacional.

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De facto, a internacionalização da jurisdição criminal representa um passo bastante


importante na superação da conceção tradicional de soberania estadual e na legitimação do direito
internacional dos direitos humanos.
É de notar, relativamente à soberania estadual, que esta não pode ser invocada como
justificação da impunidade de condutas de crimes contra a humanidade.
1.1. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
O primeiro momento histórico que podemos referir, relativamente ao direito penal
internacional, podemos referir a Batalha de Hastings, em 1066 em que foi constituído um tribunal
eclesiástico para julgar os crimes de guerra de Guilherme da Normandia.
Contudo, os grandes momentos do desenvolvimento da justiça penal internacional
aconteceram mais recentemente, tais como: o Direito de Genebra sobre conflitos armados, de
1864 e as Conferências de Paz de Haia que resultaram nas Convenções de Haia, de 1899 e 1907,
sobre a conduta na guerra particularmente no que toca aos feridos e enfermos – “Direito de Haia” /
“Lei de Haia”.
No tempo a seguir sobressaía-se um desfasamento entre o direito substantivo e os meios
adjetivos para a sua realização. O direito humanitário era constituído de fórmulas com maior valor
simbólico do que real. O positivismo, que marcava o DIP na altura, constituía um forte obstáculo à
efetivação dos princípios de respeitos pelos direitos humanos. Desta forma, a situação do DIP terá
contribuído para a generalização de um sentimento de impunidade que muitos responsabilizam
pelas atrocidades cometidas na II Guerra Mundial.
De facto, no rescaldo da II Guerra Mundial é de realçar a importância do Tribunal de
Nuremberga, de 1946, criado pelo acordo dos aliados em Londres, de 8/08/1945. No estatuto deste
tribunal estabelecia-se a sua competência pra julgar os crimes contra a paz (violação do ius ad
bellum: agressão), os crimes de guerra (violação de ius in bellum) e os crimes contra a humanidade
(assassinato, genocídio, escravatura, etc.). Além do processo judicial propriamente dito, o tribunal
destacou-se acima de tudo pelo simbolismo ético-jurídico com que procurou encerrar uma das
etapas mais negras da história da humanidade.
O tribunal pretendia ainda ser uma refutação da tese sustentada por Adolf Hitler, segundo a
qual um “tribunal mundial seria uma piada todo o mundo da Natureza é um poderoso combate
entre a força e a fraqueza – uma eterna vitória dos fortes sobre os fracos. Os Estados que violassem
esta lei elementar cairiam em decadência” com Hitler afirmou em Mein Kampf.
Igualmente relevante foi o Tribunal de Tóquio, de 1948, chamado Tribunal Militar
Internacional para o Extremo Oriente.
Estes tribunais contribuíram para a jurisdição penal internacional contemporânea assenta
no reconhecimento da validade universal dos princípios de responsabilidade internacional que lhes
estão subjacentes, por um lado, e, por outro lado, no reconhecimento das limitações estruturais e
processuais que condicionaram a sua atuação e que a doutrina não tem deixado de sublinhar.

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Limitações/Aspetos Negativos:
o Justiça dos vencedores, politicamente motivada, que, por conseguinte, suscitava reservas
relativamente às suas pretensões de objetividade e imparcialidade;
o Justiça Imperfeita - Ignoraram os crimes praticados pelos Aliados, em especial relevo para a
URSS
o Justiça retroativa -aplicação de leis penais retroativamente – para alguns puristas, e mesmo
tratando-se de atrocidades monstruosa, é decisivamente aniquilador *ler nota de rodapé da
página 450 e entender que este argumento é débil na medida em que parece em termos
radicalmente positivistas
o Justiça de 2ª Linha - sem Müller (Gestapo) e Eichmann e, ainda, sem Hitler, Mussolini, Himmler
(SS) e Goebbels.
o Carácter experimental e improvisador
o Natureza político-militar
o Base jurídica - internacional dúbia
Aspetos Positivos:
o Triunfo da justiça sobre a “execução sumária”
o Primazia do direito internacional
o Aplicabilidade direta do direito internacional
o Responsabilidade internacional individual e coletiva (PNSTA; SS; Gestapo)
o Responsabilização de líderes políticos, militares e industriais
o Pedagogia político-moral internacional
É de notar que o Tribunal de Nuremberga e os seus princípios substantivos (consagrados na
Resolução 95 de 1946, da AG da ONU – confirmação dos princípios de Nuremberga + Comissão do
Direito Internacional - 2ª sessão de 1950*) foram fundamentais para que se afirmasse que violação
das “leis da humanidade” , conceito introduzido após I Guerra Mundial, constitui uma violação do
direito internacional consuetudinário.
*PRINCÍPIOS DE NUREMBERGA:
Princípio I: qualquer pessoa que cometa um ato que constitua um crime sob o direito internacional
é responsável por ele e passível de punição;
Princípio II: o facto de o direito interno não impor uma pena por um ato que constitua crime sob o
direito internacional não exime a pessoa que cometeu o ato de responsabilidade sob o direito
internacional;
Princípio III: o facto de a pessoa que cometeu ato que constitui um crime sob o direito
internacional ter agido como Chefe do Estado ou como oficial responsável do Governo não o exime
de responsabilidade sob o direito internacional;
Princípio IV: o facto de a pessoa ter agido em prossecução de uma ordem do seu governo ou de um
superior não o exime de responsabilidade sob o direito internacional, desde que o mesmo tivesse
de facto a possibilidade de escolha moral;

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Princípio V: qualquer pessoa acusada de um crime sob o direito internacional tem o direito a um
julgamento justo em questões de facto e de direito;
Princípio VI: os crimes mencionados subsequentemente são puníveis sob o direito internacional (a)
crimes contra a paz (b) crimes de guerra (c) crimes contra a humanidade;
Princípio VII: a cumplicidade na comissão de um crime contra a paz, de um crime de guerra e de um
crime contra a humanidade, como estabelecido no Princípio VI, é um crime sob o direito
internacional.
A Comissão do Direito Internacional (CDI) considerou possível e desejável a existência de
uma instância jurisdicional internacional com competência para julgar crimes de genocídio. Assim
sendo, foi aprovada a Convenção da ONU sobre o Genocídio, de 1948. É de realçar que na mesma
Convenção no artigo 6º previa a existência de um Tribunal Criminal Internacional com
competências neste domínio. Contudo, a Guerra Fria não contribuiu para a sedimentação de uma
justiça penal internacional. Só no fim da Guerra Fria, com a progressiva generalização das
democracias liberais nos cinco continentes e o recrudescimento dos conflitos étnicos-religiosos, a
justiça penal internacional tornou-se num dos pontos principais nos debates jurídico-internacionais.
Igualmente importante foi o papel desempenhado pelo direito internacional dos direitos
humanos , pela proliferação das ONG’S de natureza humanitária, pela consolidação de uma opinião
pública mundial e pelo incremento da cooperação policial e judiciária entre os estados – aspetos
que contribuíram para subverter o paradigma jus internacional dominante de forma a afirmar o
individuo como unidade primária e sujeito por excelência do direito internacional. O individuo é
sujeito por excelência do direito internacional, tanto nos direitos como na responsabilidade.
OBJETIVOS DA JURISDIÇÃO PENAL:
❖ Pôr termo ao sentimento de impunidade; ❖ Promover a reconciliação e a restauração;
❖ Prevenir e punir as mais graves ❖ Promover a confiança no direito e nos
atrocidades; tribunais;
❖ Garantir primazia do direito (rule of law) ❖ Servir a causa da sustentabilidade da
sobre todos os Estados; democracia e do Estado de direito;
❖ Afirmar a relação entre paz e justiça; ❖ Servir o bem-estar das gerações futura

1.2. A EXPERIÊNCIA DOS TRIBUNAIS AD HOC A justiça penal internacional e a criação


A jurisdição penal internacional conheceu de tribunais específicos de certa forma
um importante ponto de viragem no tentam minimizar as insuficiências da
estabelecimento dos tribunais penais ad hoc e para justiça penal no julgamento de crimes
o ex-Jugoslávia (1993) e para o Ruanda (1994), com internacionais. Tais como: a inexistência
a competência para punir violações graves do de garantias de isenção e imparcialidade;
direito internacional. Trata-se de órgãos falta de capacidade institucional e vontade
subsidiários da ONU, criados ao abrigo do Capítulo política; desgaste político extremo para o
VII e do artigo 29º da Carta da ONU, com as Estado.

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características típicas de um órgão jurisdicional , na Gerações de Tribunais Internacionais:


medida em que são independentes quanto ao
funcionamento, embora dependentes quanto à sua Temporários: Nuremberga e Tóquio
subsistência. (1946) / Tribunais penais internacionais
da ex-Jugoslávia (1993), em Haia
Neste âmbito é importante salientar a (holanda) e do Ruanda (1994), em Arusha
existência dos tribunais mistos, com dimensões (Tanzânia) / Tribunal penal especial
nacionais e internacionais – tribunais nacionais (híbrido) da Serra Leoa (2002)
internacionalizados - através dos quais se pretende
uma maior proximidade normativa, institucional, Permanente: Tribunal Penal Internacional
funcional e pessoal com a realidade do território sub (2002)
judice, sem descurar a necessária
corresponsabilização da comunidade internacional.
Excurso – Tribunais Internacionalizados________________________________________________
Elementos híbridos: Direito Penal Substantivos / Direito Processual Penal / Juízes / Procuradores /
Local da Audiência
Vantagens:
o Legitima a prossecução internacional de crimes contra a humanidade;
o Fortalece o Estado de direito dos Estados onde os crimes foram cometidos;
o Incorpora o direito humanitário no direito interno;
o Justiça de proximidade (reprovação; prevenção geral);
o Justiça local: populações e instituições locais;
o Parâmetros internacionais de justiça;
o Custos mais baixos do que os dos tribunais ad hoc;
o Âmbito de jurisdição material, territorial e pessoalmente mais vasto do que o TPI;
o Não limitação pelo princípio da complementaridade do TPI.
Exemplo: Tribunal Internacionalizado do Camboja / Tribunal Penal Internacionalizado da Serra Leoa
/ Tribunal Internacionalizado de Timor-Leste
Jurisprudência Internacional De Tribunais Nacionais – Relevância:
o Evidência da prática dos Estados
o Interpretação das normas internacionais
o Clarificação de questões importantes:
▪ direito nacional e internacional;
▪ imunidades;
▪ responsabilidade dos Estados;
▪ reconhecimento de Estados e governos;
▪ extradição;
▪ estado de guerra;
▪ crimes de guerra.
_________________________________________________________________________________

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Os tribunais ad hoc tendem a basear a sua Tribunal Penal da Ex-Jugoslávia


atuação nos princípios do duplo grau de jurisdição, da
exclusão da pena de morte e da preclusão dos ▪ Criado pelo CS das NU – Capítulo
julgamentos à revelia (in absentia) quando a ausência VII da Carta (1993)
traduza o não reconhecimento da jurisdição obrigatória. ▪ Sede em Haia
▪ Função de restauração e
Na organização e no funcionamento destes manutenção da paz
tribunais, um lugar de destaque é ocupado pelo princípio ▪ Jurisdição: Genocídio / Crimes de
non bis in idem, conformando a subsidiariedade que Guerra / Crimes contra a
caracteriza a atividade da jurisdição internacional. Tendo Humanidade / Violações graves
havido julgamento nacional, os tribunais da ONU apenas das Convenções de Genebra
intervêm: ▪ Primazia sobre a jurisdição dos
o Se o crime foi caracterizado crime comum pela tribunais nacionais
jurisdição nacional; ▪ Julgou mais de 140 casos e
o Se a jurisdição nacional não foi imparcial nem condenou mais de 70 pessoas
independente; Tribunal Internacional Penal do
o Se o procedimento nacional pretendeu furtar o Ruanda
arguido à responsabilidade internacional;
o Se o crime não foi objeto de um procedimento ▪ Criado pelo CS das NU (1994) -
diligente. Cap. VII da Carta
▪ Sediado em Arusha, Tanzânia
Estabelecendo-se ainda um dever de cooperação (por razões de segurança)
dos Estados com estes órgãos jurisdicionais. ▪ Objetivos: Reconciliação,
Os tribunais penais ad hoc forma concebidos restauração e manutenção da
como instituições dotadas de poderes jurisdicionais paz
limitados, mas que nos fornecem importantes indicações ▪ Jurisdição: Crimes de guerra /
quanto ao estabelecimento de uma jurisdição penal Genocídio / Crimes contra a
internacional permanente. Um dos seus aspetos mais humanidade
positivos consiste no facto de os mesmos procurarem ▪ Primazia sobre a jurisdição
nacional
institucionalizar e processualizar a aplicação do princípio da responsabilidade criminal
▪ Julgou mais de 70 ocasos
internacional, dessa forma estreitando o fosso existente entre a teoria e a prática, direito
substantivo e o direito adjetivo, o direito nos livros e o direito em ação.
Apesar de tudo, o seu carácter ad hoc, a sua jurisdição limitada e a sua precariedade
institucional levaram à conclusão de que se impunha uma jurisdição penal permanente, capaz de
interpretar e aplicar o direito penal internacional de forma consistente e uniforme, de modo a
evitar a incerteza e a indeterminação neste domínio tão delicado.
É importante salientar a existência dos tribunais nacionais internacionalizados. Estes são
tribunais nacionais que aplicam o direito internacional penal e são constituídos por juízes nacionais,
mas, também, por juízes estrangeiros. Destacam-se os tribunais de Serra Leoa, do Camboja e de
Timor-Leste.

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1.3 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

1.3. O Processo de Criação


Por comparação com a jurisdição ad hoc, a criação de Vantagens do TPI:
uma jurisdição penal permanente tem importantes
vantagens, como sejam a economia de custos de instalação, o Redução dos custos
a estabilidade institucional e a legitimidade acrescida que logísticos;
decorre de uma maior garantia de imparcialidade, igualdade o Profissionalização e
e uniformidade na aplicação do direito. especialização;
o Desenvolvimento de uma
De facto, em 1998, em Roma, debate-se a criação do cultura institucional;
Tribunal Penal Internacional permanente (TPI) e, por o Consistência dogmática e
conseguinte, foi aprovado o Estatuto de Roma, cuja entrada jurisprudencial;
em vigo ficou dependente de 60 ratificações, admitindo o Desincentiva a criação e
adesões posteriores – artigo 125º e 126º. O Estatuto do TPI aplicação unilateral e
entrou em vigor a 1 de julho de 2002, tendo os primeiros 18 politicamente motivada de
juízes sido eleitos em fevereiro de 2003. leis de jurisdição universal.
A criação do TPI foi um momento de criação de
direito internacional de proporções históricas. O TPI representa uma das mais significativas
afirmações de valor e princípio que o direito internacional já conheceu.
O Tribunal Penal Internacional trata-se de uma instituição permanente, de origem
convencional, integrante do Sistema das Nações Unidas (artigo 2º supõe um acordo entre o TPI e as
Nações Unidas, que alguma doutrina interpreta como mecanismo de integração na família das NU),
com sede em Haia, dotada de personalidade jurídica internacional e de capacidade jurídica
internacional funcionalmente adequada. Embora tenha sido criado por tratado, a amplitude da sua
missão e do respetivo reconhecimento internacional, parecem indiciar a afirmação do TPI como
entidade dotada de efetividade jurídico-internacional erga omnes.
Importa sublinhar que o TPI coexiste com o TIJ e qua a responsabilidade internacional dos
indivíduos por crimes contra a humanidade, de tipo sancionatório, coexiste com a responsabilidade
internacional dos Estados pelos mesmos atos, de natureza compensatória.
1.3.2 Objetivos do TPI
Os objetivos do tribunal prendem-se com a preservação da paz e da segurança da
comunidade internacional, a proteção dos direitos humanos, a afirmação da justiça na ordem
internacional e o combate à cultura de impunidade dos crimes internacionais.
A existência do TPI pretende ser uma alternativa aos riscos, no plano da independência, da
imparcialidade, da certeza jurídica e do respeito pelas garantias processuais, associados à
generalização da jurisdição universal no domínio dos crimes internacionais.
A justificação do TPI passa, também, pelo exercício de uma pedagogia político-moral do
respeito pelos direitos fundamentais, pelo Estado de Direito e pelos valores democráticos.

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A jurisdição penal internacional tem, em última análise, o objetivo de favorecer a


reconciliação nacional e a paz entre os povos, tendo por base a reprovação coletiva dos crimes
cometidos. Para além destes objetivos gerais, uma doutrina influente considera que o TPI pode
constituir um instrumento importante na luta contra o terrorismo.
1.3.3. Complementaridade E Subsidiariedade Pretensão de Jurisdição
O TPI pretende pôr termo àquelas situações em que Universal:
os autores dos crimes contra a humanidade permanecem o Independente do território da
impunes por omissão do poder judicial dos Estados a que prática do crime
pertencem. Este ponto é fundamental para a compreensão o Independente da
dos princípios da complementaridade* e da subsidiariedade nacionalidade da vítima
que conformam a organização e o funcionamento do TPI. o Independente da
nacionalidade, residência ou
*Complementaridade Positiva________________________
localização do suspeito
o O TPI encoraja a realização dos julgamentos nos Estados o Baseada num crime contra a
envolvidos humanidade: normas ius
o O TPI deve dar tempo aos Estados com “vontade” para cogens / obrigações erga
desenvolverem a “capacidade” omnes
o O TPI deve envolver-se ativamente no desenvolvimento o Dever moral de investigar,
de capacidades: Acompanhamento / Apoio técnico prosseguir, acusar e condenar
especializado
Problemas da Jurisdição
______________________________________________ Universal:

Estes princípios pretendem afirmar o carácter o Ameaça à soberania dos


limitado e secundário da intervenção do TPI, reservando um Estados
lugar central para as ordens jurídicas internas e para os o Ameaça à estabilidade das
tribunais nacionais na aplicação do direito internacional relações internacionais
o Aplicação seletiva e
penal.
politicamente motivada
Contudo deve notar-se que um dos objetivos do o Aplicação unilateral pelos
direito internacional penal consiste em pressionar os fortes relativamente aos
Estados no sentido de estes promoverem a punição dos fracos
crimes internacionais. Deste modo, fica salvaguarda a o Instrumento de “lawfare” de
soberania dos Estados ao mesmo tempo que se cria um assédio de Estados e seus
incentivo para que estes criminalizem e punam as oficiais
condutas tipificadas como crimes internacionais. Só se não
o fizessem é que devem extraditar os indiciados para que o TPI o faça – aut dedere aut judicare.
Assim sendo, não existe uma reserva de jurisdição internacional em matéria de certos
crimes internacionais. A premissa principal fundamental da TPI é a de jurisdição universal em
matéria de crimes internacionais, premissa que se manifesta também no dever de os Estados
exercerem a respetiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais. Este
fenómeno decorre do costume internacional.

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A intervenção em primeira linha dos tribunais nacionais é considerada a via mais


adequada e desejável para a prossecução penal dos crimes internacionais. Contudo, a fim de
preencher um eventual vazio de jurisdição internacional, ao TPI é atribuída competência
relativamente aos crimes internacionais mais graves, intervindo de forma complementar em face
das jurisdições nacionais.
De facto, isto significa que o TPI não é visto como instância hierarquicamente superior aos
tribunais nacionais. Além disso, o TPI intervém a título subsidiário, de ultima ratio, nos casos em
que a jurisdição nacional não esteja em condições de assegurar uma investigação e um julgamento
que cumpram os devidos requisitos, tendo como referência os princípios de due process
internacionalmente reconhecidos.
Assim sucederá quando exista falta de vontade, incapacidade de agir ou colapso das
instituições, podendo, nestes casos, o tribunal impor oficiosamente a sua jurisdição aos Estados,
decidindo contra a posição, por eles, adotada - artigos 1º, 12º,13º, 15º e 17º a 20º (destacando os
18.º/2, 18.º/4, 17.º e 19.º) do TPI.
Em todo o caso, os Estados têm ao seu dispor um conjunto de mecanismos que lhes
permitem assegurar os seus direitos de jurisdição. É o caso:
o Da informação, dirigida ao TPI, de que se está a proceder, ou já se procedeu, a um inquérito
sobre nacionais seus ou outras pessoas sob a sua jurisdição - artigo 18.º/2;
o Do recurso, para o juízo de recursos, da decisão proferida por um juízo de instrução - artigo
18.º/4;
o Da impugnação da jurisdição do TPI e da admissibilidade de um caso - artigos 17º e 19º.
O problema é que a decisão cabe, em última análise, ao TPI que funciona como uma super-
instância de recurso. Ou seja, o TPI começa por confiar o processo à jurisdição nacional, mas
reserva-se o direito de intervir se, quando e como achar adequado.
Para corrigir este problema, sustenta-se que, ao menos, a apreciação da atuação estadual
levada a cabo pelo TPI tenha que basear-se na deteção de situações extremas de erro evidente e
clamoroso na apreciação dos factos e aplicação do direito ou de falhas graves e intoleráveis na
tramitação do processo nos tribunais estaduais, devendo deferir-se para a jurisdição nacional
sempre que esta conduza as investigações de boa-fé.

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1.3.4. O Objeto Da Jurisdição Do TPI

➢ A jurisdição do TPI, inicialmente, pode definir-se ratione materie, que circunscrita aos crimes
internacionais mais graves – artigo 5º -, sendo eles:
▪ O crime de Genocídio – artigo 6º do ETPI;
▪ Crimes contra a Humanidade – artigo 7º;
▪ Crimes de Guerra – artigo 8º;
▪ Crimes de Agressão – apesar de uma Resolução da AG da ONU de 1974, adotada sem
votação e destituída de relevo político e jurídico, a versão inicial do ETIP não continha uma
definição do crime de agressão, assim sendo, só em 2010, na Conferência de Kampala,
estabeleceu-se uma definição de crime de agressão. Esta só teve a sua jurisdição ativa a
partir de 2017 e esta circunscrita aos Estados que ratificaram o crime de agressão.
Estes crimes consideram-se qualitativamente Jurisdição Pessoal e Territorial do
diferenciados dos crimes de delito comum do direito TPI:
nacional, na medida em que manifesta um tipo de macro
ou maga -criminalidade feito de atrocidades inimagináveis. o Crimes cometidos pelos
Assim, se compreende a sua imprescritibilidade – artigo nacionais de Estados parte (ou
29º do ETIJ. que tenha aceitado a jurisdição
do TPI), mesmo em Estados que
➢ A jurisdição do TPI é delimitada ratione temporis, não reconheceram a jurisdição
aplicando-se o princípio da não retroatividade das suas o Crimes cometidos em
normas quer em geral, quer relativamente a cada territórios de Estados parte (ou
estado parte – artigo 11º do ETIJ. que tenha aceitado a jurisdição
do TPI), mesmo por nacionais
➢ A jurisdição é limitada ratione personae, estendendo- de Estados que não
se, em princípio, apenas aos Estados parte do Estatuto, reconheceram a jurisdição
quer se trate de Estados cujo território, embarcação ou o Crimes cuja prossecução seja
aeronave foram cometidos crimes e ou de Estados da devolvida ao TPI pelo CS das NU
nacionalidade do arguido – artigo 12º do ETIJ. É de
atentar que alguma doutrina nota, porém, que a Objeções de alguns países:
eventual aplicação da jurisdição do TPI a cidadãos de o O ETIP cria obrigações para
estados não partes no ETIP não viola, só por si, a Estados que não ratificaram -
soberania desses estados, na medida em que o mesmo art. 13º ETPI
não tem face ao direito internacional, o exclusivo da o O Procurador do TPI pode
jurisdição sobre os nacionais. iniciar investigações “proprio
moto” - art. 15ºETPI
➢ O TPI é competente para julgar apenas pessoas o O TPI decide as questões de
singulares maiores de 18 anos, independentemente da jurisdição e admissibilidade -
sua qualidade oficial – artigo 25º, 26º, 27º e 28º do art. 19º ETPI
ETIP. Estão, pois, excluídas da responsabilidade o Os Estados partes têm uma
criminal internacional as pessoas coletivas, como é o possibilidade de “opting-out”
caso das empresas transnacionais. No entanto, a durante 7 anos - art. 124º ETPI
responsabilidade criminal internacional abrange os
membros dos órgãos sociais dessas empresas que

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participem em crimes internacionais graves, bem como todos os representantes de quaisquer


crimes outras entidades privadas que possam surgir diretamente envolvidas na prática desses
crimes, como por exemplo, confissões religiosas, partidos políticos, ONG’s, etc.

➢ Neste âmbito também é importante realçar a componente da


means rea. Salvo disposição em contrário,
nenhuma pessoa poderá ser criminalmente
responsável e punida por um crime da
competência do Tribunal, a menos que atue
com vontade de o cometer
e conhecimento dos seus
elementos materiais -
artigo 30º. Atua
intencionalmente quem,
relativamente a uma conduta, se se propuser
adotá-la ou, relativamente a um efeito do crime,
se se propuser causá-lo ou estiver ciente de que
ele terá lugar numa ordem normal dos acontecimentos. O TPI aceita o dolo direto (artigo 1º e
2º) contudo não é claro quanto ao dolo necessário. Rejeita o dolo eventual - Prossecutor vs
Lubanga / Prossecutor vs Bemba.

1.3.5. Os fins das penas internacionais


O funcionamento do TPI aponta para uma transposição sui generis dos princípios de direito
penal para a ordem internacional – retribuição, reprovação, denúncia, prevenção geral, prevenção
especial de ressocialização e incapacitação. No entanto, a jurisdição internacional preocupa-se a
prossecução de ouras finalidades, assumindo um relevo central nas relações internacionais, tais
como: a justiça transicional e restaurativa de reconciliação nacional, a pedagogia moral e jurídica,
da preservação da verdade dos registos histográficos, extinguir/anular a consolidação das
narrativas dos mais fortes à margem das contra narrativas dos mais fracos, e da reafirmação e
restauração psicológica das vítimas e dos seus familiares. Desta forma, um papel de bastante relevo
são as Comissões de Verdade e Conciliação.
Não é fácil harmonizar todas as finalidades uma vez que o TPI dificilmente pode ser
considerado um tribunal análogo aos de direito interno o que justifica as especificidades
processuais diferentes das admitidas nos julgamentos de crimes de delito comum. É de realçar
também que a multiplicidade das funções políticas, jurídicas e morais que pretende servir pode
constituir uma fonte de mal entendidos e frustrações.

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1.4. ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO TPI


Funções do Procurador:
1.4.1. Composição e administração
o Receber queixas;
Segundo o ETIP, o Tribunal Internacional de Justiça é o Abrir inquérito;
composto pelos seguintes órgãos – artigo 34º: o Investigar rigorosamente os
factos;
▪ Presidência; o Qualificar os factos de acordo
▪ Secção De Recursos, Uma Seção De Julgamento Em 1ª com os tipos de crimes;
Instância E Uma Seção De Instrução; o Formular as acusações devidas;
▪ Gabinete Do Procurador; o Garantir o “controlo de qualidade
▪ Secretaria. das acusações”;
o Submeter a acusação ao Juízo de
O TPI é composto por 18 juízes – artigo 35º e 36º do Instrução;
ETIP - os quais exercem as suas funções de forma o Defender em juízo as acusações
independente - artigo 40º -, de acordo com uma regra de diante do Juiz no confronto com
exclusividade, admitindo-se, ou o aumento do número de a defesa dos arguidos.
juízes, ou a adoção de um regime de tempo parcial que não
integrem a presidência, em função do volume do trabalho (Artigo 35.º/3 e 36º/2).
Os juízes são propostos pelos Estados Partes - artigo 36º/3, sendo eleitos pela Assembleia
dos Estados partes por escrutínio secreto e maioria de 2/3 - artigo 36º/6. Não poderá haver dois
juízes da mesma nacionalidade, de modo a obter uma alargada representatividade geográfica,
jurídica e em função do género - artigo 36º/7/8. O presidente os Vice-Presidentes são eleitos, por
três anos, por maioria absoluta dos juízes - artigo 38º.
O Gabinete do procurador, presidido por este, tem como função exercer a ação penal junto
do TPI, de acordo com o princípio acusatório, devendo fazê-lo de forma autónoma relativamente
ao tribunal e com total independência relativamente a qualquer entidade externa. O procurador e
os procuradores adjuntos terão nacionalidades diferentes, desempenhando os seus cargos em
regime de dedicação exclusiva - artigo 42º.
A Secretaria é o órgão responsável pelos aspetos não judiciais da administração e do
funcionamento do TPI – artigo 43º do ETIP.
1.4.2. O processo perante o TPI Impulso Processual – artigo 13º ETPI
O impulso processual ocorre com a denúncia de ▪ Queixa de um Estado parte no ETPI
crimes ao procurador ou ao juízo de instrução*. Esta ▪ CS das NU ao abrigo do Cap. VII
pode ser apresentada por um Estado parte ou pelo ▪ Procurador “proprio motu”, com
Conselho de Segurança, devendo proceder à indicação de autorização prévia do Juízo de
todas as circunstâncias relevantes - artigos 13º e 14º. Instrução – ex.: caso Quénia (2009)

É igualmente possível a investigação moto


próprio** (vontade própria) do procurador, a partir de notícias que cheguem ao seu conhecimento
- artigo 15.º. Este pode solicitar mais informações junto dos Estados, da ONU ou de ONG’s, se
considerar apropriado - artigo 15.º/2.

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*Juízo de Instrução:
❖ Artigo 56º do ETPI; ❖ Atenção aos interesses da justiça;
❖ Garante a integridade e eficácia do ❖ Pedido de autorização ao Juízo de
processo; Instrução.
❖ Controla o Procurador para este não
Críticas ao sistema proprio motu:
violar os direitos dos Estados;
❖ Assegura as garantias dos arguidos. ❖ Dispersão de recursos escassos;
**Investigação proprio motu: ❖ Perda de tempo com crimes de delito
comum;
❖ Base razoável para acreditar: indícios de
um crime grave sob a sua jurisdição; ❖ Politização do processo penal;
❖ Exame das questões de
❖ Violação do primado do CS das NU.
complementaridade na relação com os
tribunais nacionais;

Segue-se a organização de um inquérito com depoimentos escritos e orais. A autorização


para abrir um inquérito e proceder às necessárias investigações deve ser solicitada ao juízo de
instrução. Este aspeto visa afastar os perigos de politização do impulso processual.
As vítimas podem dirigir representações ao juízo de instrução, cabendo a este decidir
liminarmente sobre a admissibilidade do caso.
No caso de recusa, o procurador sempre pode renovar o pedido, desde que traga novas
provas - artigo 15º. É igualmente possível o adiamento da investigação pelo CS, ao abrigo do
Capítulo VII da Carta da ONU. No entanto, só por si, nenhum membro permanente do CS pode
adiar ou suspender uma investigação fazendo uso do seu direito de veto - artigo 16.º.
A decisão de inadmissibilidade deverá ser proferida se o caso estiver a ser devidamente
investigado e prosseguido pelo Estado, se o Estado que investigou devidamente tiver decidido não
acusar, se o sujeito em causa já tiver sido julgado, por força do princípio ne bis in idem - artigo 20.º-
ou se o caso não for suficientemente grave. A expressão devidamente está relacionada à noção de
processo equitativo (due process), compreendo as garantias de objetividade, boa-fé, adequação
temporal, independência, imparcialidade, regularidade institucional e disponibilidade de meios
materiais e humanos – artigo 17º do ETPI ( questões relativas à admissibilidade).
É sempre dada aos Estados a possibilidade de preferirem no exercício dos seus poderes de
jurisdição e de impugnarem a jurisdição do TPI, embora, este acabe por proferir a decisão definitiva
- artigos 18.º e 19.º.
Vontade e Capacidade – Artigo 17º/1/a):
o O TPI tem competência exclusiva para julgar questões de admissibilidade proprio motu;
o O TPI deve perguntar se o Estado está a investigar um arguido em especial. Se não, o TPI tem
jurisdição. Se sim, o TPI deve investigar se o Estado tem vontade e capacidade de o investigar e
julgar;

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o O TPI tem jurisdição se o Estado não estiver a investigar o mesmo arguido pela mesma conduta;
o O TPI mantém a jurisdição se o Estado não tiver genuinamente vontade e capacidade de
investigar e julgar os suspeitos de crimes;
o O TPI deve avaliar globalmente o sistema nacional e a sua capacidade de aplicar o direito
substantivo e processual pertinente em todos os domínios relevantes do caso. A vontade e a
capacidade podem ser examinadas em conjunto quando dependam dos mesmos factos.

1.4.3. Princípios e garantias processuais


Todo o processo se encontra conformado pelos princípios gerais de direito criminal, como
os nullum crimen sine legem, nulla poena sine legem, nulla poena sine crimen e o da não
retroatividade ratione personae - artigos 22.º. 23.º e 24.º. Igualmente relevantes são os direitos
que o arguido pode invocar durante a apreciação da acusação - artigo 67.º. Prevê-se ainda a
proteção de informações ou documentos disponibilizados por terceiros, incluindo ONG’s – artigo
73º.
Particularmente digno de nota é a exclusão da jurisdição sobre menores de 18 anos e a
irrelevância do cargo ou posto oficial. No que toca este último ponto, sublinha-se a
responsabilidade dos comandantes e outros superiores, incluindo civis, juntamente com a dos
subordinados, a menos que, neste caso, exista um dever legal de obediência -artigo 33º. São
igualmente atendíveis as causas subjetivas e objetivas de exclusão da responsabilidade criminal
(ex.: insanidade, legítima defesa, estado de necessidade, força maior), bem como o erro de facto ou
de direito - artigos 30.º, 31.º e 32.º.
1.4.4. O inquérito e a instrução
O TPI leva a cabo:
O inquérito, compreendendo a investigação da
verdade dos factos tendo em vista a acusação, o o Análise preditiva de processo
julgamento e a condenação dos responsáveis por crimes equitativo;
internacionais , é um instrumento fundamental da justiça ▪ Ratificação de tratados de
penal internacional -artigo 53º do ETIP. A eficácia do direitos humanos - relação
inquérito depende da viabilidade e credibilidade da entre direito nacional e
mesma. O mesmo se diga, mutatis mutandis, da direito internacional;
instrução. O grau de convicção no inquérito é da ▪ Garantias de independência
existência de um fundamento razoável para crer. e imparcialidade;
▪ Direitos processuais do
Durante o processo de inquérito e investigação
arguido - advogado;
vigora: o princípio do segredo de justiça (mecanismo de condições de detenção;
efetivação, que inclui um sistema de notificações proibição de tortura;
confidenciais aos Estados e de restrições à informação
segurança
sobre os processos em curso), o qual tem como
o Direito probatório - proteção de
fundamentos a proteção de pessoas, a preservação dos testemunhas;
meios de proa e a salvaguarda da eficácia da investigação.
o Compatibilidade com o direito
Ao procurador é conferido o poder de citação, de processual internacional;
proceder à recolha e exame de provas, de solicitação da o Compatibilidade com princípios
cooperação dos Estados e de requerimento de mandados de justiça.

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de detenção, dotados de efeito direto, e notificações para comparência ao TPI - artigos 55.º, 57.º,
58.º e 59.º. Permite-se que o mesmo realize operações de investigação no território de Estado que
tenha solicitado auxílio, sem a presença das respetivas autoridades - artigo 99.º/4 -, cabendo ao
procurador poderes significativos no caso de Estados falhados ou desagregados - artigo 57.º/3/d).
Estabelece-se um dever (não coativamente) de cooperação dos Estados partes -artigo 54º e 93º do
ETIP. A cooperação é fundamental, podendo a sua falta repercutir-se na acusação ena defesa,
podendo afetar os direitos de igualdade de armas e julgamento justo, contudo o dever de
cooperação em matéria de entrega de um arguido ou de auxílio é limitado – artigo 98º ETIP.
Durante o inquérito é particularmente importante o conjunto de garantias de processo
equitativo (due process) colocadas à disponibilidade do arguido - artigo 55.º. Este dispõe do direito
de contestar o mandado de captura na instância internacional, de não ser obrigado a incriminar-se,
nem ser objeto de coerção, tortura ou tratamentos degradantes.
Depois do inquérito segue-se a abertura da instrução, podendo o arguido requerer para
aguardar o julgamento em liberdade - artigo 60.º. Nesta fase, a acusação deve ser apreciada e
confirmada pelo juízo de instrução, sendo reconhecido ao arguido um direito de audiência e de
contestação, de acordo com os princípios do contraditório, da igualdade de armas e da igualdade
de tratamentos das partes - artigos 60.º e 61.º. Valem, aqui, inteiramente, os princípios de
julgamento justo (fair trial) e processo equitativo (due process), com implicações no tempo e nas
condições materiais para a preparação e apresentação da defesa.
É de atentar que o grau de convicção durante a acusação é a convicção de que o arguido
cometeu o que lhe é imputado.
1.4.5. Julgamento
O julgamento obedece aos princípios de justiça e imparcialidade, da presencialidade, da boa
administração da justiça, da publicidade e da presunção da inocência – artigos 63º e 66º. De acordo
com este princípio, o ónus da prova cabe ao procurador. Este tem de produzir uma prova para além
de qualquer dúvida razoável - artigo 66º/3 do ETIP. Contudo, é uma questão controvérsia segundo
alguma doutrina. Deve sublinhar-se a proibição de reversão do ónus da prova, juntamente com os
princípios do respeito pelos direitos do arguido e da proteção das vítimas e das suas famílias
através da criação de um Trust Fund para o seu apoio – artigo 79º. O grau de convicção do
julgamento entende que existem provas suficientes de que o arguido cometeu os crimes que lhe
são imputados.
Igualmente consagrado está o princípio do duplo grau de jurisdição.
O direito aplicável no julgamento encontra-se contido no ETIP, Elementos dos Crimes e nas
Regras de Procedimento e Prova, embora também se possa recorrer aos princípios de direito
internacional geral e de direito dos conflitos armados – artigo 21º. Igualmente atendíveis são os
princípios gerais do direito interno do Estado em que os crimes foram cometidos, bem como os
precedentes judiciais.

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1.4.6. Decisão e o Recurso


A decisão tem como requisitos essenciais o dever de o tribunal proceder ao exame de todas
as provas e a partir destas garantir a congruência entre os facos e a decisão - artigo 74º. A
orientação do TPI ao decidir a pena tem como elementos a prova dos fatores agravantes – prova
para além de qualquer dúvida razoável - e a prova dos fatores atenuantes – ponderação das
probabilidades. O grau de convicção na condenação é de que existe uma convicção para além de
qualquer dúvida razoável. É de notar que para orientar as sentenças o TPI deve considerar a
legislação dos Estados envolvidos.
A decisão pode ser tirada por unanimidade dos juízes ou por maioria - artigo 74.º/4. Mesmo
tendo um caracter secreto das deliberações, a decisão deve ser fundamentada, sendo assim
admissível declarações de voto – artigo 74º/4/5. Neste contexto, é importante realçar o princípio
da publicidade e presencialidade da leitura da sentença.
Da decisão cabe recurso para o juízo de segunda instância. O Procurador pode recorrer com
base em vício processual, erro de facto ou de direito, ao passo que o condenado, para além destes
motivos, pode recorrer por qualquer outro motivo suscetível de afetar a equidade ou a
regularidade do processo ou da sentença. Fundamento de recurso é também a desproporção entre
a pena e o crime, por excesso ou por defeito, a interpor por ambos -artigo 81.º/1/2.
Na pendencia do recurso, e para efeitos da eventual colocação em liberdade, o tribunal
deve ponderar os direitos do arguido com os dados fácticos (ex.: risco de fuga) e os interesses
substantivos (ex.: gravidade do crime) e processuais (ex.: probabilidade de procedência do recurso)
em presença – artigo 75º ETPI. O recurso é ainda admissível de outras decisões processuais
relevantes, cabendo ao tribunal decidir sobre o seu efeito suspensivo ou meramente devolutivo –
artigo 82º. É de realçar que é possível a revisão da sentença condenatória ou da pena,
nomeadamente no caso de descoberta de novos elementos de prova, da falsidade dos elementos
de prova com base nos quais o arguido foi condenado ou de incumprimento reprovável dos
deveres profissionais dos juízes produziram a sentença – artigo 75º.
1.4.7. Penas
A decisão do TPI pretende ter os seguintes efeitos:
o Por um lado, a indeminização e reabilitação, das vítimas e a afirmação da dignidade dos seus
direitos violados – artigo 75º;
o Por outro lado, a condenação e punição, do infrator – artigo 75º.
As penas consistem , em primeira linha, na prisão até 30 anos (não existe mínimo), embora
esteja ainda prevista a possibilidade de prisão perpetua, tendo em conta as circunstâncias objetivas
e subjetivas do crime e do arguido – artigo 77º e 78º. Em todo o caso, a prisão perpetua será risível
ao fim de 25 anos (elevado grau de ilicitude do facto / condições individuais do condenado). Está
ainda prevista a aplicação de penas de multa – artigo 77º/2.
É de realçar que é admitido o recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória ou
da pena no caso de descoberta de novos elementos de prova de que não se dispunha aquando do
julgamento, por razões não imputáveis ao requerente, desde que suficientemente importantes

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para alterarem o veredicto do tribunal, bem como da falsidade de provas ou da existência de


conduta reprovável por parte dos juízes – artigo 84º.
1.5. AS LIMITAÇÕES DA JURISDIÇÃO PENAL INTERNACIONAL
Embora os objetivos subjacentes ao estabelecimento de Crises do TPI
uma jurisdição criminal internacional sejam altamente
meritórios e em plena sintonia com a matriz liberal dos direitos Saídas:
humanos, da democracia e do Estado de Direito, devem ser ▪ África do Sul (2016)
consideradas, de forma realista, as suas limitações. As
debilidades do TPI não põem de modo algum em causa o mérito ▪ Burundi (2016)
da noção de jurisdição penal internacional, embora é ▪ Gâmbia (2016)
importante ter consciência de algumas delas.
▪ Quénia (2017?)
1.5.1. Instrumentalização Política
▪ Namíbia (2017?)
A sua íntima dependência da política internacional torna o
TPI particularmente vulnerável a pressões políticas de toda a ▪ União Africana (2017?)
espécie, o que pode seriamente minar a sua credibilidade junto Fundamentos:
da opinião pública mundial.
▪ Incompatibilidade entre
1.5.2. Natureza transpessoal dos crimes obrigações para com o TPI
Quando se trata de violações massivas de direitos e garantia da imunidade
fundamentais, deve-se atentar que a responsabilidade diplomática
individual pode não ser suficiente para dar conta da dimensão ▪ O TPI é mais rigoroso com
moral e jurídica das atrocidades cometidas. Na verdade, a os líderes africanos
mesma deixa de fora a atuação coletiva em nome de uma
ideologia, a manipulação psicológica das massas, a cumplicidade ▪ “Tribunal Internacional
social com os crimes praticados, a aprovação tácita Caucasiano”
internacional que, eventualmente, se verifique, a existência de
estruturas sistémicas que encorajam a violência, a opressão e discriminação e a perversidade que
permeia as instituições, bem como os procedimentos políticos e jurídicos dentro dos Estados
envolvidos na prática desses crimes.
1.5.3. Exclusão das pessoas coletivas
Do mesmo modo, a responsabilidade individual deixou de fora a responsabilidade penal das
pessoas coletivas. Estas pessoas coletivas públicas e privadas, das quais cabe destacar as empresas
transnacionais, têm capacidade para causarem graves violações dos direitos humanos, por si só ou
em colaboração com os Estados. Daí que subsista ainda uma importante lacuna no direito da
responsabilidade internacional.
1.5.4. Desadequação ao combate ao terrorismo
Os principais problemas na adequação ao combate ao terrorismo prendem-se com as
dificuldades na determinação precisa dos crimes incluídos na jurisdição do TPI, a desadequação de
conceitos chave à nova realidade do terrorismo global, a falta de objetividade nos critérios de
seleção de juízes e procurador, as insuficientes garantias de imparcialidade, regularidade e

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igualdade, a íntima relação entre o direito probatório e o segredo de Estado e a segurança nacional,
etc. Igualmente relevante é o facto de muitos ataques terroristas serem levados a cabo por
suicidas, esvaziando de sentido os tradicionais fins das penas.
1.5.5. Difícil Acomodação de Meios Alternativos
Alguns autores alertam para a necessidade de explorar outras vias de prevenção e repressão
dos crimes internacionais. As considerações e ações feitas por parte das NU parecem desajustadas
num momento em que o TPI já se encontra em funcionamento. Para alguns trata-se, em muitos
casos, não de meios complementares, mas sim de verdadeiras alternativas ao TPI, dificilmente
compatíveis com a sua existência e atividade, já que, optar nuns casos pela jurisdição penal e
noutros por qualquer um dos instrumentos alternativos é, por si só, passível de gerar controvérsia e
instabilidade.
1.6. O LEGADO DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS E SUAS DECISÕES
A criação dos tribunais internacionais e, por conseguinte, o seu funcionamento e decisões
desenvolveram:
➢ o Direito uma vez que se assistiu a um desenvolvimento da jurisprudência em diversas áreas;
➢ a Memória, Educação e Investigação através da preservação e acessibilidade dos registos, à
pedagogia dirigida à sociedade, ao reforço das capacidades humanas e institucionais na
comunidade e no apoio na realização de ulteriores investigações.

2. DIREITO INTERNACIONAL ECONÓMICO


2.1. CARACTERIZAÇÃO E DEFINIÇÃO Contexto Histórico:

Um importante sector das RI e do DIP diz respeito às o Nacionalismo económico:


relações económicas internacionais e à sua disciplina jurídica. Colonialismo; Império
A regulação interna da economia, baseada nos princípios da Britânico; Rivalidade
soberania e da territorialidade é cada vez mais posta em causa económica.
devido às exigências da disciplina jurídica internacional da o I Guerra Mundial:
atividade económica mundial, caracterizada pela cooperação, Reparações; Hiperinflação;
integração e interdependência. Desta forma, é justificável a Alemanha Nazi.
autonomização de uma disciplina especifica do direito o Rivalidade entre potências
internacional geral – direito internacional económico. o Grande Depressão: Crash
De 1929 Oscilação Cambial;
O direito internacional económico define-se, em Discriminação Económica;
termos amplos, por referência ao conjunto de matéria em que Guerra Comercial.
estão presentes as dimensões jurídicas, internacional e o II Guerra Mundial
económica, ocupando-se da disciplina jurídica internacional o Capitalismo
das atividades financeira, industrial e comercial desenvolvidas Intervencionista: New Deal;
a nível internacional. Igualmente relevantes são os domínios Keynesianismo.
do investimento e do desenvolvimento económico e social. o Hegemonia americana:
Entre as matérias abrangidas por este ramo do direito Indústria e Capital; Poder
internacional, contam-se a arquitetura dos sistemas Económico e Financeiro.

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monetário e comercial internacionais e os princípios normativos que regem o desenvolvimento e o


investimento.
2.2. O SISTEMA DE BRETTON WOODS
No final da II Guerra Mundial, em julho de 1944, representantes de 44 Estados negociavam
os acordos de Bretton Woods, no Estado norte-americano do New Hampshire. Presente na
memória de todos estava, ainda, a grande depressão que, nos anos trinta, havia semeado o
desemprego e a inflação nos Estados Unidos e na Europa. Era, então, evidente a insuficiência do
mercado e dos governos nacionais para garantir o funcionamento da economia e a necessidade de
criar instâncias reguladoras à escala global. Estava aberto o processo de institucionalização das
relações económicas internacionais através da criação de organizações internacionais;

Na sequência dos acordos


de Bretton Woods foram
criados o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), mais conhecido por Banco Mundial (BM). Trata-se de instituições universais de natureza
especializada , cuja origem alguns associam à tradição dos mandatos que vigorou entre as duas
grandes mundiais. Considerou-se também a necessidade de criar um a terceira entidade dotada de
competência para regular o comércio mundial a qual não se chegou a concretizar. Este objetivo
viria a ser parcialmente realizado anos depois pelo GATT e, cinco décadas mais tarde, de forma
mais plena por via da Organização Mundial de Comércio. O economista Keynes contribuiu
decisivamente em Bretton Woods, e das suas propostas de intervenção governamental concertada
em ordem a estimular a procura agregada através das políticas monetárias e fiscal, fornecendo
liquidez ao mercado, pela via da criação de moeda, da diminuição das taxas de juro e do aumento
da despesa pública.

2.3. QUADRO INSTITUCIONAL


O FMI e o BM são nominalmente organismos especializados das Nações Unidas. No entanto,
os mesmo tem as suas respetivas constituições, não se encontrando submetidos ao princípio “uma
nação, um voto” da AG da ONU. Assim, tanto o FMI e o BM são controlados pelos Estados membros
na proporção da sua participação social.
O sistema de Bretton Woods assenta, desde o início, na complementaridade das funções do
FMI e do BM. A ambos cabe a gestão do sistema financeiro internacional, de acordo com uma
lógica claramente funcionalista, pretensamente especializada, técnica e não-política. .O FMI orienta
a sua atuação por preocupações financeiras conjunturais, ao passo que o BM se move por
preocupações económicas estruturais.
O FMI e o BM são qualificados, ao menos no plano teórico, como organizações
internacionais independentes, não se lhes exigindo sequer uma vinculação absoluta pelas decisões
do CS da ONU, apenas se espera que as tomem na devida consideração.

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2.3.1. Banco Mundial Banco Mundial:


2.3.1.1. Estatuto Jurídico, Organizações e Objetivos ▪ Bretton Woods, 1944;
A reconstrução da Europa devastada pela guerra e a ▪ OI com personalidade
promoção do progresso nas regiões subdesenvolvidas, muita jurídica internacional;
delas sob o domínio colonial, eram vistas em Bretton Woods ▪ Reconstrução da Europa;
como uma responsabilidade das potencias ocidentais. Desta ▪ Desenvolvimento das
forma, o BM, com sede em Washington D.C., veio desempenhar regiões subdesenvolvidas;
um importante papel no âmbito da ajuda e das políticas de ▪ Crédito bonificado para
desenvolvimento económico e estrutural, com especial atenção investimento em
para os países menos desenvolvidos. infraestruturas;
▪ Financiamento ao sector
Trata-se de uma organização internacional dotada de privado, mediante
personalidade jurídica internacional, com vocação para a garantias estaduais;
garantia e o fornecimento de crédito a taxa de juro reduzida ▪ Risco para os direitos
para projetos específicos de construção de infraestruturas nos humanos.
países em vias de desenvolvimento.
Do ponto de vista organizatório, o BM assenta numa Assembleia de representantes de
Estados Membros dotados de um direito de voto ponderado com base nas contribuições de cada
Estado para o banco. O funcionamento quotidiano do BM é assegurado por um Conselho de
Diretores Executivos. A nomeação do Presidente do BM tem pertencido, de facto, aos Estados
Unidos.
Gradualmente, o BM tem vindo a deslocar a sua atenção dos projetos específicos para os
pressupostos do desenvolvimento económico estrutural e a criação de políticas macroeconómicas e
financeiras consistentes. Este pode, ainda, financiar o setor privado, mediante garantias
governamentais.
Neste momento o BM é a mais autorizada instituição de apoio a projetos de
desenvolvimento. Uma das áreas em que o BM tem tido um papel importante, juntamente com o
FMI, diz respeito à elaboração de propostas de reforma fiscal para os países em vias de
desenvolvimento ou em transição. O banco procura também promover o investimento direto
estrangeiro, público e privado, com fins produtivos. Estados como a Argentina, o Brasil, a China, a
Índia, a Indonésia e o México são apenas alguns dos muitos que tem recorrido aos financiamentos
do BM. Este pode ainda financiar setor privado, mediante garantias governamentais.
2.3.1.2. Transparência e Responsabilidade
O BM tem sido alvo de duras críticas ao seu funcionamento. As mesmas prendem-se,
essencialmente, com a desconsideração do impacto das suas decisões de crédito a projetos
específicos na proteção do meio ambiente e na promoção dos direitos civis e políticos, dos direitos
económicos, sociais e culturais e dos direitos de autodeterminação de minorias étnicas, juntamente
com o modo como, inadvertidamente, esta OI tem contribuído para a legitimação de governos
autoritários e corruptos. Alguns programas de ajustamento estrutural recomendados pelo BM e
FMI têm sido responsáveis por agravamentos significativos da condição de vida das populações,
traduzindo-se na violação de direitos económicos, sociais e culturais.

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Tem-se apontando, do mesmo modo, a opacidade do seu funcionamento como


impedimento à reforma da governação global, ao fortalecimento da sociedade civil internacional e
à universalização dos Direitos Humanos. Estas e outras críticas, que conheceram o seu ponto
culminante com a crise financeira mundial de 2008 a 2011.
O BM não apenas se autocompreende como instrumento de promoção dos direitos sociais à
escala global, como reconhece os méritos de uma aproximação mais humilde e empática
relativamente ao contexto político, económico, social de cada Estado.
2.3.1.3. O BM e os Direitos Humanos
A relação entre o BM e os Direitos Humanos não tem sido isenta de dificuldades. Por um
lado, enquanto agência especializada da família da ONU, o BM encontra-se vinculado aos direitos
Humanos, na medida em que estes integram princípios gerais do direito internacional. Por outro
lado, como os direitos humanos não integram o seu escopo, definido em termos estritamente
económicos e não políticos, eles têm sido relegados a uma posição marginal. Na prática, uma
espécie de proibição política tem diminuído a relevância dos direitos humanos junto do BM.
Embora tenha havido alguma vontade de alterar este estado de coisas, em geral o BM não
mobiliza os meios materiais, humanos e técnicos de que dispõe para mitigar o impacto dos projetos
de desenvolvimento nos Direitos Humanos. Não existe, na cultura institucional do BM, uma
abordagem do desenvolvimento diretamente baseada nos direitos humanos, embora os Estados
sejam encorajados pelo BM a adotar essa abordagem.
2.3.1.4. O painel de inspeção do BM Painel de Inspeção:
Um dos principais mecanismos através dos quais ▪ 3 elementos designados pela
se procurou corrigir os defeitos organizatórios, estruturais administração;
e funcionais do BM, já apontados, consistiu na criação, ▪ Competência, integridade,
em 1993-94, de um painel de inspeção para supervisionar independência e conhecimento
a implementação dos programas do BM no terreno. dos países em desenvolvimento;
Trata-se de um órgão permanente, quase ▪ Mandato de 5 anos não
independente, que tem como função receber queixas das renovável;
populações locais, particularmente das mais pobres e ▪ Instância quase-jurisdicional;
vulneráveis, afetadas por projetos financiados pelo BM. ▪ Recetivo a cartas amicus curiae;
▪ Modelo procedimental e
Uma vez recebidas as queixas, as mesmas são institucional soft;
remetidas para apreciação e contestação, ao mais alto
nível do BM, em processo contraditório. O painel
funciona como instância quase jurisdicional a título subsidiário e tem competência para investigar e
apreciar, de forma independente, as ações e omissões do BM num determinado projeto, geradoras
de danos aos direitos humanos e ao ambiente.
É de realçar ainda que o BM pode estar aberto à apreciação de alegações amicus curiae.
Deste modo, o painel constitui um meio de participação dos indivíduos. Mais do que com base num
sistema jurisdicional “hard” de 1) decisão, 2) execução da decisão e 3) controlo da execução da
decisão, o funcionamento do painel assenta num sistema “soft” de formulação de recomendações

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in casu e colaboração com os diretores do BM. O prestígio dos membros do painel de inspeção
embora nem sempre tenha garantido o sucesso da sua intervenção, tem contribuído para a sua
credibilidade, além de não integrar juízes ou especialistas em direitos humanos este fica muito
aquém dos remédios adequados à sua tutela jurisdicional efetiva.

2.3.2 Fundo Monetário Internacional (FMI)


2.3.2.1. Natureza Jurídica e Estatuto Internacional
O acordo relativo ao FMI (AFMI) entrou em vigor em 27 de dezembro de 1945. Com
sucessivas emendas, ele regula a organização e o funcionamento do Fundo, permitindo-lhe o
desempenho, ainda hoje, de um papel central da dinâmica financeira internacional. Até então não
existia um quadro jurídico internacional regulador dos pagamentos internacionais.
Esta organização, sediada em Washington D.C. constitui, presentemente, uma agência
especializada da ONU. Tem personalidade jurídica internacional e goza de imunidades e privilégios
funcionalmente adequados, incluindo, nomeadamente, imunidade judicial, processual,
administrativa e fiscal, imunidades e privilégios de funcionários, inviolabilidade de arquivos e
privilégios em matéria de comunicações. Os membros obrigam-se a garantir o estatuto
internacional do FMI. O Fundo pode estabelecer acordos internacionais de cooperação com outras
OI’s.
2.3.2.2. Objetivos Fundamentais
O FMI foi criado com o fim de evitar a ocorrência de uma nova depressão global e o regresso
a uma situação de anarquia financeira como a dos anos trinta do século XX. Desta forma, os dois
mais importantes objetivos financeiros do FMI, no plano internacional, consistem na:
▪ Liberalização dos pagamentos e na Condições fundamentais para o investimento, o
estabilidade monetária; crescimento económico e aumento das trocas
▪ Estabilidade monetária; comerciais entre Estados. Num mundo económico
▪ Estabilidade dos câmbios; interdependente, estes ficam mais vulneráveis e a
▪ Equilíbrio da balança de pagamentos. instabilidade financeira num deles pode ter
consequências à escala regional e global.

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O FMI tem a incumbência de assegurar o funcionamento estável , mas ajustável, do sistema


de câmbios. O artigo I do AFMI consagra como seus principais objetivos fundamentais a:
❖ Promoção da Cooperação Económica;
❖ Facilitação da Expansão e do Crescimento Equilibrado do Comércio Internacional;
❖ Promoção da Estabilidade de Câmbios;
❖ (Acompanhados da) Instituição de um Sistema Multilateral de Pagamentos para as Transações
Correntes.
O artigo I ainda faz referência ao fomento e manutenção de elevados níveis de emprego e
de rendimento real e ao desenvolvimento dos recursos produtivos. Neste sentido, o FMI tem
alargado a sua atividade à recomendação de reformas estruturais nos planos económicos,
financeiro e fiscal.
2.3.2.3. Composição e Organização
Os membros originários do FMI são os países representados na Conferencia Monetária e
Financeira da ONU que tenham aceitado ser membros de 3 de dezembro de 1945 – artigo II/1 do
AFMI. Foi previsto também a possibilidade de admissão de outros membros segundo os princípios
compatíveis com os aplicados aos membros existentes – artigo II/2 do AFMI.
Atualmente o FMI tem 187 Estados membros, assumindo um alcance global. A estrutura
organizatória tem uma configuração hierarquizada, compreendendo:
o Assembleia de Governadores (AG);
o Diretório Executivo (DE), que responde perante a AG;
o Diretor Geral e Pessoal (DGP), que responde perante o DE;
o Ainda está previsto um Conselho, que veio dar lugar ao Comité Monetário e Financeiro
Internacional, através do qual se pretendeu reforçar a componente de decisão política do
Fundo.
A AG é composta por um
governador e um suplente por cada
Estado membro. O presidente da
Assembleia é eleito pelos
governadores. Além das reuniões
ordinárias anuais, a AG reúne por
convocatória de um nº determinado de
Estados ou do DE. O voto de cada
governador é ponderado em função da
quota dos Estado que o nomeou.
O DE é presidido pelo DGP,
independente perante qualquer
membro, a quem cabe exercer as
funções de chefe do pessoal executivo
do Fundo, administrador das respetivas
operações correntes e responsável pela

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organização dos serviços. O DE funciona em sessão contínua na sede do FMI sendo o responsável
pela gestão das operações gerais do fundo, fazendo a ponte entre os políticos e os burocratas. É
composto por 20 diretores executivos eleitos por 2 anos pela AG por uma maioria de 85% dos
votos, sendo 5 nomeados pelos 5 membros com quotas mais elevadas e 15 pelos outros membros
O DGP é assistido por três vice-diretores, podendo participar na AG sem direito a voto,
exceto em caso de empate.
Na estrutura organizatória do Fundo, tendo em vista a realização das suas operações e
transações, existem:

• Departamentos de Área;
• Departamentos Funcionais e de Serviços Especiais;
• Gabinete de Informação e Apoio.

2.3.2.4. Sistema de Quotas e Fundo


A operação do FMI assenta num
sistema de quotas fixadas para cada
membro, expressas em direitos de saque
especiais (DSE’s). Este sistema baseia-se no
chamado Plano White, nos termos do qual cada
membro daria uma contribuição em ouro (25%) e na sua moeda (75%) para um fundo comum. As
quotas são objeto de revisão e ajustamento periódicos, carecendo de qualquer alteração de uma
maioria de 85% dos votos e do consentimento dos titulares. A qualidade de membro do FMI
implica a perda de alguma soberania monetária, na medida em que a possibilidade de desvalorizar
ou revalorizar a moeda depende do consentimento desta organização. Do mesmo modo, a
necessária colaboração e atuação concertada entre os vários Estados Membros dos Fundo
contribui para harmonização das políticas monetárias e para a estabilização cambial.
A partir do fundo comum o FMI faz empréstimos a curto e médio prazo para ajudar os
Estados com dificuldades na sua balança de pagamentos. Ao FMI cabe garantir que os recursos
gerais do Fundo sejam empregues de forma compatível com os seus objetivos.
Desde a sua origem o FMI tem sido dominado pelos Estados Unidos enquanto detentores da
maior participação. O aumento do poder económico da Europa, do Japão e dos BRIC’s apenas
atenuou o domínio norte-americano. No entanto, espera-se um realinhamento das quotas em
função do peso económico real dos diferentes Estados.
2.3.2.5. Mecanismo de Intervenção
Os artigos do AFMI pretendem estabelecer o quadro normativo da atuação de correção das
distrações do funcionamento do sistema monetário internacional. A conceção de crédito envolve a
subscrição de uma Carta de Intenções por parte do Estado Devedor. Para além de políticas de
crédito, o FMI desenvolve uma prestação de assistência técnica especializada nos domínios
jurídicos, económico, orçamental, fiscal e financeiro. Ele recolhe e partilha informação detalhada
sobre a situação social, económica e financeira dos Estados que muito contribui para a gestão da

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economia global. Nos últimos anos do FMI, tem sublinhado a importância de adoção de princípios
de Estado de Direito, transparência orçamental e práticas de good governance a nível empresarial,
estadual e global.

➢ Tranche reserva
Um dos objetivos essenciais do FMI consiste na disponibilização de crédito temporário para
fazer face a défices conjunturais da balança de pagamentos. A principal vantagem consiste na
obtenção de liquidez para enfrentar problemas financeiros, sem que o Estado Membro tenha que
financiar-se internamente em termos que comprometam a sua estrutura económica.
Este mecanismo concede aos Estados membros a possibilidade de terem acesso à reserva
de tranches do FMI, sem que este possa levantar objeções, ou a uma quantia que não exceda 200%
da respetiva quota. Admite-se o afastamento destes limites em situações excecionais.
➢ Facilidades especiais de crédito
O AFMI autoriza o fundo a conceber políticas especiais para problemas específicos da
balança de pagamentos. O FMI auxilia os Estados em alterações abruptas dos termos de troca,
situações pós-conflito, combate à pobreza, restruturação da dívida soberana, situações de desastre
natural ou conflito armado. Assim, existem hoje diferentes mecanismos de concessão de crédito,
calibrados em função das necessidades.
O objetivo é desenvolver as facilidades de crédito, a custos comportáveis, adequadas às
necessidades da balança de pagamentos de Estados de alto, médio e baixo rendimento,
permitindo-lhes estabilizar as suas economias e retomar o crescimento sustentado.
➢ Acordos Stand-by
De entre os instrumentos de crédito do FMI merece um relevo especial a figura dos acordos
Stand-by. Esta figura tem como objetivo ajudar os Estados com dificuldades na sua balança de
pagamentos em situação de crise económica. Trata-se de uma linha de crédito não bonificado,
embora, geralmente, com taxas de juro inferiores àquelas que o Estado obteria no setor privado.

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Por via dos acordos Stand-by um Estado cujas necessidades de moeda estrangeira perdurem
mesmo depois de esgotadas as tranches de reserva do FMI, pode obter um acesso faseado a novas
tranches mediante a subscrição de uma Carta de Intenções, que pode ser alterada em função das
circunstâncias. Em princípio, trata-se de fazer face a necessidades de liquidez de curto prazo,
embora tenham vindo a ser operados ajustamentos tendo em conta a diversidade de situações
possíveis, nem todas de natureza conjuntural.
Através da Carta de Intenções o Estado dá o seu consentimento à observância de
determinados critérios macroeconómicos de execução, que condicionam o acesso ao crédito.
Estes critérios têm, geralmente, uma forte componente Condicionalidade do FMI:
anti-inflacionária e de retração económica, envolvendo,
normalmente, a redução drástica da despesa pública, a • Aumento de Impostos;
privatização de empresas públicas, a liberalização dos • Redução da despesa
despedimentos e dos preços de produtos específicos, o pública (salários,
aumento das taxas de juro, o agravamento dos impostos, a investimento, prestações
substituição das importações e a limitação do crédito interno e sociais);
externo. • Aumento das taxas de juro
e diminuição do crédito;
Embora as condições impostas não sejam juridicamente
• Privatização de empresas
vinculativas, os Estados tendem a observá-las para garantirem
públicas;
acesso ao crédito. Nisso se consubstancia a tão controversa
• Liberalização dos
condicionalidade do FMI. Esta foi originariamente concebida
despedimentos e de
como meio adequado e necessário para garantir a tomada de
preços;
medidas para a correção do défice da balança de pagamentos
• Substituição das
e para a adoção de políticas de crescimento económico
importações.
sustentado. A condicionalidade temporal visa, além do mais,
garantir de forma adequada o uso temporário dos recursos do Méritos da Condicionalidade:
fundo e assegurar a disponibilidade de liquidez pelo FMI e a
• Uso Adequado do Fundo
respetiva circulação.
• Reformas Estruturais
Principais críticas dirigidas à condicionalidade: • “Good Governace”
o Questionável mérito económico da imposição de condições
excessivamente reacionárias;
o Ausência de um padrão absoluto para as condições do FMI;
o Excessiva ênfase na correção abrupta da balança de pagamentos, descurando outras finalidades
fundamentais do FMI, como sejam o desenvolvimento dos recursos produtivos e o crescimento
económico;
o Insensibilidade relativamente a questões de oportunidade e sequência das medidas de reforma
económica;
o Presença de sinais de favoritismo geopolítico;
o Desconsideração das variáveis políticas e sociais;
o Excessiva dependência de prognósticos cada vez mais difíceis de fazer num contexto de
incerteza;

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o Completo desrespeito pelos Direitos económicos, sociais e culturais, resultando em


conflitualidade e instabilidade política, social e económica;
o Incapacidade de condicionar o modo como outros recursos fungíveis são aplicados;
o Carácter intrusivo, arbitrário e desproporcional de determinadas condições, cujo único efeito é
a perpetuação de um controlo de tipo neocolonial do FMI sobre os Estados devedores.
A condicionalidade teve, frequentemente, elevados custos políticos e sociais e benefícios
económicos muito reduzidos. Porém, a condicionalidade pode assumir importante relevo no
incentivo de reformas políticas, institucionais e estruturais e no combate à corrupção e à má
governação nos Estados que recorrem ao FMI.
➢ Direitos de Saque Especiais (DSE’s)
Os DSE’s são uma unidade de conta artificial, inicialmente indexada ao ouro e, mais tarde, a um
“cabaz” de 16 moedas. Através deste mecanismo, o FMI pode emitir a “sua” moeda, por decisão de
85% dos votos da sua administração, em ordem a fazer face a necessidades internacionais de
liquidez de longo prazo.
Uma vez emitidos, os DSE’s são afetados de forma incondicional aos Estados membros, na
proporção das respetivas quotas, que deles fazem uso, apenas, em caso de necessidade. Deste
modo, os Estados adquirem um meio de pagamento internacional, sem dependerem do recurso à
moeda de outro Estado.
2.3.2.6. Avaliação Crítica
Críticas:
▪ Deficiências organizatórias e procedimentais do FMI incompatíveis com os valores da
participação democrática, da transparência, da livre discussão interna, que devem reger as
instituições de governação global;
▪ Abandono do legado keynesiano;
▪ Adesão incondicional e acrítica a um fundamentalismo de mercado;
▪ Vinculação estrita do FMI a um modelo darwiniano de concorrência económica, que só as
empresas consideradas fortes e aptas podem sobreviver;
▪ Disfunção sistemática que decorre do facto de agências ligadas à família das Nações Unidas não
terem minimamente em consideração os direitos económicos, sociais e culturais consagrados
com convenções internacionais celebradas sob a sua égide.
Para corrigir estes defeitos tem sido feita algumas importantes propostas de natureza
organizatória e substantiva. Tais como:
▪ Uma transformação estadual do FMI e do BM que torne as instituições plenamente
representativas, democráticas, participadas, transparentes e abertas;
▪ Adoção de políticas económicas e monetárias que combinem de forma flexível e gradualista, o
equilíbrio orçamental, a estabilidade monetária, o crescimento económico e a criação de
emprego, dando atenção às condições políticas, sociais e culturais de cada Estado;
▪ Maior Flexibilidade.

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Uma reforma das instituições de Bretton Woods pode ter grandes implicações ao nível da
soberania económica dos Estados, atenuando a separação entre direito económico e financeiro
interno e internacional e entre estes e o direito internacional geral.
A necessidade de uma maior democracidade interna do BM e do FMI e de uma mais afinada
sensibilidade à realidade concreta do desenvolvimento económico e social e da proteção dos
direitos humanos, não deixará de ter como consequência uma maior preocupação, por parte das
instituições, com o modo como os Estados definem as suas prioridades e conduzem a sua política
económica e financeira.
2.4. COMÉRCIO INTERNACIONAL

2.4.1. Considerações Gerais


O direito do comércio internacional, uma parte integrante do direito internacional
económico dá conta. Por um lado, de uma dimensão muitas vezes negligenciada pelo direito
internacional público, que consiste no facto de que a comunidade internacional é caracterizada por
um incontornável nº de indivíduos e empresas que estabelecem entre si uma densa teia de
relações económicas e sociais, acentuando a interdependência dos Estados. Por outro lado, tem-se
presente o modo como os Estados fazem uso das prerrogativas normativas e do seu estatuto
jurídico internacional de independência e igualdade soberana para tutelar interesses económicos
privados dos seus cidadãos, particularmente daqueles que melhor se organizam para pressionar o
poder político.

▪ Tributações das importações, através de


Principais mecanismos através dos quais os
pautas aduaneiras;
Estados procuram favorecer os agentes
▪ Imposição de restrições quantitativas
económicos que desenvolvem a sua atividade
(quotas) ou qualitativas às mesmas, a par
no seu território.
da subvenção às exportações;
Embora os Estados tenham (prima facie) todo o direito de regular a entrada e saída de bens
e serviços, é um facto que daí decorrem importantes consequências no plano económico e social à
escala global, em virtude das enormes disparidades existentes entre os vários Estados, às quais o
Direito Internacional não pode permanecer alheio. O acesso aos mercados internacionais é, para os
Estados menos desenvolvidos , uma condição essencial de crescimento económico e quebra do
ciclo vicioso de pobreza e dependência. A promoção da liberdade de comércio não pode
desvincular-se de preocupação de equidade a nível global.
Fruto disto, compreende-se que a política comercial internacional tenha procurado obter,
de forma gradual, a consagração jurídica de uma open doo policy assente na diminuição das
restrições aduaneiras e não aduaneiras ao comércio.

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O comércio internacional é indispensável para a Tipos de Barreiras ao Comércio:


promoção da prosperidade económica e social e assume Tarifas aduaneiras / Restrições
um inegável relevo político e cultural interno e quantitativas / Licenças de
internacional, enquanto fator de emancipação e importação / Barreiras
aproximação dos povos. alfandegárias / Concursos públicos
A redução das barreiras comerciais permite a / “Standards” / Testes /
redução de outras barreiras políticas, sociais e culturais Etiquetagem / Certificação /
que separam os povos. É esta visão humanamente positiva Subsídios à exportação / Barreiras
e construtiva do comércio Internacional que nos leva a de serviços / Desproteção da
valorizar a problemática do Acordo Geral sobre Pautas propriedade intelectual /
Aduaneiras e Comércio (GATT) e a Organização Mundial Restrições ao investimento
Do Comércio (OMC). Isto, para não falar das organizações ➢ Departamento do Comércio
e tratados que, a nível regional, procuram promover o livre comércio, dos
como sejam a Comunidade
E.U.A.
da Europa, o Mercosul e a Área Norte Americana de Comércio Livre (NAFTA).
2.4.2. O GATT

2.4.2.1. Origem Histórica


Depois da II Guerra Mundial sentiu-se a necessidade de recolocar o comércio internacional
sobre novas bases que possibilitassem a liberalização do comércio e dos investimentos. Um
importante desenvolvimento neste domínio diz respeito ao surgimento do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT). Este foi negociado em 1947 e aplicado provisoriamente em 1948,
antecipando a criação da Organização Internacional de Comércio, estabelecida pela Carta de
Havana. O GATT foi sendo enriquecido através de sucessivas rondas negociais, tais como a de
Genebra (1955-56), a Kennedy (1963-67), a de Tóquio (1973-79) e sendo a mais importante a do
Uruguai (1986-94), que vem dar origem a um verdadeiro sistema multilateral de comércio.
Atualmente distingue-se entre o GATT de 1947, de alcance mais restrito, e os acordos da
Ronda de Uruguai, onde se incluem, principalmente, o GATT de 1994 e os acordos sobre prestação
de serviços e propriedade intelectual. No entanto, os acordos GATT formam um só bloco, com o
primeiro a integrar o segundo.
2.4.2.2. GATT de 1947

2.4.2.2.1. Objetivos Fundamentais


GATT, 1947
A intenção fundamental do GATT consiste na redução
de barreiras ao comércio entre Estados, no pressuposto de que • Tratamento da nação mais
isso resultará na redução de outras barreiras entre os povos e favorecida;
na elevação dos níveis de vida e desenvolvimento progressivo • Tratamento nacional;
das economias das partes contratantes. Desta forma, trata-se • Congelamento dos direitos
de normas que tem como principais destinatários os Estados, aduaneiros;
que não as empresas privadas, visando disciplinar o exercício • Eliminação das restrições
da função regulatória, mas que tem objetivos mais vastos, de quantitativas e qualitativas.
alcance internacional.

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2.4.2.2.2. Aceitação, Acessão, Revisão e Retirada


A base do sistema GATT/OMC continua a ser o chamado GATT de 1947, subsistindo como
padrão básico para a conduta comercial entre os Estados no âmbito da troca de mercadorias. Este
entrou em vigor em 1947, sendo um tratado aberto, prevê a aceitação por deposito do
correspondente instrumento junto do Diretor Geral e a acessão de novas partes mediante decisão
das partes contratantes, tomada por maioria de 2/3.
O GATT obedece aos pressupostos procedimentais de revisão particularmente rígidos,
lembrando os mecanismos de alteração das Constituições. Opting Out ou Opting In – ver página
521.
O GATT admite a retirada, ou recesso, das partes contratantes do acordo num prazo de 6
meses a contar da notificação da retirada do SG da ONU, com custos óbvios de isolamento
nacional.
2.4.2.2.3. Princípios Fundamentais
Os primeiros artigos do GATT consagram os princípios básicos que devem reger o comércio
internacional, alicerçados nos valores de igualdade, reciprocidade e mútua vantagem.
o O artigo I obriga as partes a concederem o tratamento da nação mais favorecida aos bens
provenientes de outros Estados, dessa forma proibindo a discriminação entre eles na imposição
de barreiras aduaneiras às importações;
o O artigo II consagra o princípio do congelamento dos direitos aduaneiros, uma vez encerrada a
respetiva negociação. A haver alterações, as mesmas só podem ser no sentido da redução;
o O artigo III consagra o princípio do tratamento nacional, nos termos do qual, uma vez pagas as
tarifas ao abrigo do artigo II, os produtos estrangeiros estão sujeitos ao regime dos produtos
nacionais, incluindo a matéria da regulamentação. Ou seja, as tarifas devem ser a única
restrição à importação, não devendo existir regulamentações especiais.
o Eliminação das restrições quantitativas (não aduaneiras nem fiscais) à importação e à
exportação, salvo em casos excecionais, relacionados com a prevenção ou remédio de situações
de escassez, o controlo de qualidade ou a gestão da agricultura e das pescas;
o Proibição da aplicação de restrições de forma discriminatória, salvo casos excecionais.

2.4.3. A Ronda de Uruguai


Os objetivos fundamentais desta ronda de negociações comerciais multilaterais foram
afirmados na Declaração de Punta del Este, de 20 de setembro de 1986. Estes consistiram,
fundamentalmente, em aprofundar o processo liberalizador do comércio mundial em ordem à sua
expansão, reforçar o papel do GATT tendo como pano de fundo o aperfeiçoamento do sistema
comercial multilateral e aumentar a capacidade de adaptação do GATT à evolução económica
internacional.
As negociações deveriam subordinar-se aos princípios da transparência, da consideração das
negociações como um todo, do equilíbrio das concessões e do tratamento diferenciado mais
favorável dos países de desenvolvimento, compatível com as respetivas necessidades de
desenvolvimento, finanças e comércio.

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Os temas colocados em cima da mesa das negociações foram os direitos aduaneiros, as


medidas não tarifárias, os produtos tropicais e provenientes de recursos naturais, os têxteis e o
vestuário, a agricultura, os artigos do acordo geral, as salvaguardas, a resolução de diferendos, os
direitos de propriedade intelectual e a contrafação de mercadorias e as medidas relativas aos
investimentos ligados ao comércio e, ainda o comércio dos serviços. As negociações ficaram
atribuídas a um Comité de Negociações Comerciais.
2.4.3.1. O GATT de 1994
O GATT de 1994 mantém em vigor o GATT de 1947, com algumas alterações e
esclarecimentos interpretativos. Assim, o GATT de 1947 é, hoje, um acordo integrante do GATT de
1994, juntamente com as disposições dos instrumentos jurídicos que entraram em vigor por força
do GATT de 1947 e com o protocolo de Marraquexe anexo ao GATT de 1994.
2.4.3.2. Acordo GATS
Um aspeto muito importante da ronda do Uruguai consistiu na generalização do princípio da
liberalização progressiva, para além das trocas de mercadorias, às prestações de serviços através
da celebração do Acordo Geral Sobre o Comércio de Serviços (GATS), que entrou em vigor em 1 de
janeiro de 1995.
▪ Abrange-se serviços prestados em todos os sectores, com exceção dos serviços prestados no
uso da autoridade do estado.
▪ O GATS contém obrigações genéricas (ex: tratamento da Nação mais favorecida, transparência,
reconhecimento), aplicáveis a todos os Estados, na sua qualidade de membros da OMC,
abrangendo o comércio de quaisquer serviços.
▪ Além disso, existem normas específicas (ex: Acesso ao mercado; tratamento nacional),
resultante de cláusulas facultativas, dirigidas apenas aos serviços que os Estados tenham
colocado sob a sua área de incidência, mediante a sujeição a um calendário de compromissos
específicos.
Este acordo reveste-se de um enorme significado, no atual contexto de aumento da
importância do comércio de serviços para o crescimento e desenvolvimento da economia
mundial.
2.4.3.3. Acordo TRIPS
Um terceiro aspeto essencial coberto pelas negociações do Uruguai diz respeito à proteção
da propriedade intelectual no contexto da globalização. A proteção da propriedade intelectual e
industrial é hoje um elemento fundamental do esforço cooperativo jurídico-económico da
comunidade internacional.
Tendo em vista a resolver os problemas inerentes a este tema, foi celebrado um Acordo
sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS).
O objetivo deste tratado consiste em estabelecer, no plano internacional, um standart
mínimo razoável de proteção da propriedade intelectual. O Acordo TRIPS veio estabelecer a
obrigação jurídica de os Estados membros da OMC protegerem as patentes concedidas em todos os
domínios tecnológicos, sem qualquer discriminação. No entanto, apesar dos Estados estarem

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obrigados a adotar medidas de execução do acordo, gozam, para o efeito, de uma razoável margem
de manobra.
O Acordo TRIPS estabelece a possibilidade de medidas restritivas à proteção da propriedade
intelectual, sempre que esteja em causa a salvaguarda de bens fundamentais da comunidade,
como sejam a saúde pública, a nutrição, a ordem pública ou o ambiente.
O acordo também prevê a possibilidade de atribuição de licenças compulsórias. A fim de
evitar abusos, a possibilidade de atribuição destas licenças surge fortemente condicionada por
princípios como:
❖ Mérito individual do destinatário da licença compulsória;
❖ Preferência pelo uso autorizado em condições comerciais razoáveis;
❖ Prioridade da proteção em situações de emergência nacional ou extrema urgência;
❖ Limitação temporária;
❖ Não exclusividade;
❖ Não transferibilidade;
❖ Satisfação prioritária das necessidades nacionais;
❖ Remuneração do titular;
❖ Justiciabilidade;
❖ Etc.
Procurando acentuar a dimensão social de proteção da saúde pública, a Declaração de Doha
veio recomendar a adoção de uma lógica de ponderação de bens e regimes flexíveis que, sem
comprometerem o objeto e as finalidades do Acordo TRIPS, consigam uma adequada harmonização
e concordância prática entre a proteção da propriedade intelectual, essencial ao desenvolvimento
de novos medicamentos, e a defesa da saúde pública, nomeadamente através da garantia do
acesso universal aos medicamentos.
2.4.4. A Organização Mundial de Comércio (OMC)

2.4.4.1. Estatuto e Organização


Na sequência das sucessivas rondas de negociações do GATT, com especial relevo para a
Ronda do Uruguai, foi criada, pelo acordo de Marraquexe de 15-04-1995, a Organização Mundial do
Comércio (OMC), com sede em Genebra, na Suíça, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 1995.
A OMC é um sujeito de direito internacional dotado de personalidade jurídica e privilégios e
imunidades funcionais. Os seus funcionários e os representantes dos membros gozam de privilégios
e imunidades funcionais. A OMC tem 159 membros.

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34

Entre os seus objetivos contam-se a melhoria dos Direitos Sociais e OMC:


padrões de vida, o desenvolvimento económico e o
aproveitamento eficiente dos recursos, dando-se particular Jagdish Bhagwati:
relevo ao emprego, ao aumento do rendimento real e da Importância do comércio
procura efetiva e à produtividade. internacional para o
desenvolvimento / Direito de
É também de realçar que o desenvolvimento sustentável acesso aos mercados /
e a assistência aos países em vias de desenvolvimento, os mais Prioridade do crescimento do
vulneráveis na economia global, que constituem o maior “bolo”
número dos membros da OMC. Desta forma, vem sendo
sublinhado o modo como os direitos humanos, em sentido Amartya Sem: O
amplo, devem ser associados, em medida crescente, aos vários desenvolvimento como
objetivos da OMC. liberdade / Os direitos como
capacidades / Direitos sociais
A mesma pretende fornecer o enquadramento e capital humano / Os
normativo-institucional para a negociação de acordos direitos sociais como fatores
multilaterais de comércio, garantir e administrar a sua aplicação, de crescimento
constituir um fórum de discussão do comércio internacional e
supervisionar as políticas comerciais nacionais.
O seu papel preponderante e central leva alguns a descrever-lha como supranacionalidade
funcional, salientando o âmbito alargado e o seu caracter integrador das suas normas. É de notar
que o direito da OMC é um importante ramo do direito internacional global, o mesmo deve ser
entendido na sua unidade funcional, realizando a um tempo objetivos políticos, jurídicos,
económicos, morais, sociais e ambientais.
2.4.4.2. Estrutura e Funcionamento
A estrutura da OMC assenta, em primeira linha, na Conferência Ministerial, no Conselho
Geral e no Secretariado.
A Conferência Ministerial, composta por representantes de todos os Membros, reúne, pelo
menos, uma vez de dois em dois anos, competindo-lhe exercer as funções da OMC. Este órgão
decide todas as questões abrangidas elos acordos comerciais multilaterais, se nesse sentido for
solicitado por um membro, nos termos dos instrumentos normativos pertinentes.
O Conselho Geral, composto por representantes de todos os Estados membros, reúne
conforme adequado. Este exerce as funções da Conferência Ministerial entre as respetivas
reuniões, bem como as que lhe incumbem por força do Acordo OMC. Ainda desempenha funções
de órgão de Resolução de litígios e de órgão de exame de políticas comerciais, assim como na
cooperação com OI’s e ONG’s que operem no domínio da atividade da OMC. Nestes órgãos, cada
membro dispõe de um voto. As decisões serão adotadas por maioria dos votos expressos, salvo
disposição em contrário.

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O Secretariado é dirigido por um


Diretor-Geral nomeado pela Conferência
Ministerial, a quem cabe definir as
competências, deveres, condições para o
exercício de funções e duração do
mandato. O Diretor-geral nomeia o
pessoal do Secretariado e determina os
seus deveres e condições para o exercício
de funções, de acordo com a conferência
Ministerial. O Diretor Geral e o pessoal do
Secretariado tem o estatuto de
funcionários internacionais e a sua
atividade assume um caracter
exclusivamente internacional,
independente de qualquer Governo ou
autoridade estranha à OMC.
Foram, ainda, instituídos conselhos
do Comércio de Mercadorias, do Comércio
de Serviços, dos Aspetos dos Direitos
Propriedade Intelectual Relacionados com
o Comércio, que funcionam sob a
orientação geral do Conselho Geral. A
estes cabe supervisionar, respetivamente,
os acordos multilaterais que figuram no
Anexo 1 A, o Acordo GATS e o Acordo TRIPS.
2.4.4.3. O Sistema de Resolução de Disputas

2.4.4.3.1. Breves Notas Históricas


O GATT/1947 tem uma longa tradição na resolução de disputas comerciais, primitivamente
inspirado na prática diplomática de resolução pacífica de conflitos. Este veio estabelecer um
sistema de consultas entre as partes contratantes para a apreciação de representações e resolução
negociada ou mediada de conflitos.
Na falta de uma solução num prazo razoável previa-se a realização de um inquérito, por um
painel constituído para o efeito, e a formulação de recomendações conciliatórias, admitindo-se a
consulta às partes contratantes, ao ECOSOC ou a qualquer OI competente. Podia, então, haver
lugar à imposição de sanções e à denúncia do Tratado perante a parte contratante prevaricadora.
Esta última poderia bloquear o processo em causa em qualquer das suas fases (ex: Recusando as
consultas e a constituição do painel), uma forma de frustrar a natureza, aparentemente,
compulsória do mesmo.

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Mecanismo de resolução de disputas do GATT___________________________________________

• Primazia da política e da diplomacia sobre o Direito;

• Não tinha prazos definidos;

• Os processos podiam prolongar-se indefinidamente;

• Não tinha fases bem definidas;

• Era fácil bloquear a constituição de painéis e as decisões tomadas;

• A decisão só podia ser tomada por consenso;

• Considerado presa fácil dos Estados mais poderosos.


_________________________________________________________________________________
2.4.4.3.2. O Mecanismo da OMC
Uma das mais importantes funções levadas a cabo Mecanismo de resolução de litígios
pela OMC consiste na resolução de litígios comerciais – da OMC:
mecanismo de resolução pacifica de litígios, na medida
em que as disputas comerciais são encaminhadas para o • Pilar central do sistema
sistema de resolução da OMC em moldes juridificados. multilateral de comércio;
Este facto é um dos mais significativos desenvolvimentos
• Contributo da OMC para a
do direito internacional. Contudo existe alguma estabilidade da economia
controvérsia em relação o papel que deve caber ao
mundial;
direito e à diplomacia.
• Enfatiza o princípio do Estado de
A OMC procura edificar uma abordagem jurídica,
direito (rule of law);
baseada na primazia do direito, assente na correta e
pronta interpretação e aplicação de acordos e • Torna o sistema previsível e
compromissos e na procura de soluções equilibradas, seguro;
satisfatórias e mutuamente aceitáveis e vantajosas, de
• Regras e prazos definidos;
forma a evitar que as disputas extravasem para os planos
político e militar. • Prioridade para a composição
amigável e consensual por
Não desprezíveis são os ganhos daqui decorrentes
consulta e mediação .
em sede de previsibilidade, calculabilidade, segurança
jurídica e proteção da confiança, valores especialmente
caros à atividade económica. Por outro lado, preclude-se o bloqueio do processo em qualquer das
suas fases por uma das partes. Definem-se, também, prazos precisos para a produção das decisões.
Igualmente importante é a criação de uma instância de recurso, com capacidade de decisão
vinculativa. O sistema de resolução de litígios da OMC é considerado um elemento fulcral da
segurança e previsibilidade do sistema multilateral do comércio.

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2.4.4.3.2.1. Objeto Litígio na OMC:


O sistema de resolução de litígios da OMC tem uma ▪ Quebra de compromissos
natureza compulsória e unificada, abrangendo os acordos comerciais por Estados
celebrados sob a égide da OMC.
▪ Violação de normas que
Admite-se a existência de normas e processos regulam o comércio
especiais e complementares sobre resolução de litígios. Do internacional
âmbito do mecanismo de resolução de conflitos está excluída
a impugnação de atos da OMC. ▪ Adoção de uma política
comercial ou de uma
A resolução de litígios apoia-se, essencialmente, na conduta que outro Estado
interpretação e aplicação das normas convencionais da OMC, considera violadora das
incluindo acordos celebrados entre esta e outras OI’s, bem normas da OMC
como normas emanadas pelos órgãos da OMC. Para o efeito,
as decisões proferidas sob o modelo do GATT de resolução de ▪ Terceiros Estados podem
conflitos podem ser fontes auxiliares. O mesmo sucede com as declarar-se interessados no
decisões anteriores do órgão de resolução de litígios e com a caso, gozando de alguns
doutrina especializada, com um uso cada vez mais frequente. direitos.

De um modo geral, deve entender-se que o direito da OMC não é um subsistema jurídico
internacional autónomo relativamente aos demais, mas parte de um todo normativo. O comércio
mundial é indissociável dos direitos humanos, da proteção do ambiente ou da delimitação de
fronteiras. Assim sendo, é comum o conflito entre normas convencionais na resolução de litígios da
OMC, de muito difícil solução na medida em que está perante grandezas incomensuráveis entre si.
2.4.4.3.2.2. O Órgão de Resolução de Litígios (ORL)
O ORL tem como função aplicar as normas do MERL (acordo que cria a OMC) e as
disposições de consulta e resolução de litígios previstas nos acordos abrangidos.
Pretende-se que a permanência e regularidade da sua atuação sejam geradoras das
necessárias previsibilidade, segurança e confiança no âmbito do comercio internacional, e
clarifiquem o quadro normativo relevante, de forma a evitar conflitos futuros.
A este órgão, entre outras coisas, compete-lhe criar painéis que o assistam na realização das
suas funções e adotar os respetivos relatórios, bem como fiscalizara execução das próprias decisões
e recomendações. Cabe-lhes ainda adotar os relatórios do Órgão de Recurso. As suas decisões são
tomadas por consenso. O ORL deve informar os conselhos e comités pertinentes da OMC sobre o
andamento dos litígios relevantes.

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2.4.4.3.2.3. Procedimento
O objetivo do procedimento de resolução de conflitos é obter uma solução positiva para o
litígio, privilegiando a negociação de boa-fé e o acordo mútuo. Igualmente importante é a
supressão das medidas cujo mérito é questionado.
O processo inicia-se com a apresentação de uma queixa. Têm legitimidade processual ativa
os Estados-Membros, embora a mesma possa ser reconhecida à Comunidade Europeia e a
territórios delimitados (Ex: Hong Kong). Por via de regra, quem alega uma infração deve alegar as
provas correspondentes, de acordo com o princípio geral de que quem faz uma qualquer afirmação
processual deve corroborá-la.
Sempre que se verifique uma violação das obrigações previstas nos acordos abrangidos, a
ação é considerada como um caso de anulação ou prejuízo, havendo lugar a reparação.
2.4.4.3.2.4. Consultas
As consultas são pedidas pelo Estado que se queixa de um prejuízo e visam possibilitar a
discussão do problema com o Estado alegadamente responsável pelo mesmo. Os pedidos são
notificados à ORL e aos conselhos e comités relevantes.
Todos os Estados partes devem estar recetivos a entrar Processo na OMC:
prontamente em consultas quando são solicitados para isso, Normalmente 1 ano entre a
devendo pautar-se pelo princípio da boa-fé, no sentido da ação e a primeira decisão e 15
obtenção de uma solução satisfatória da questão. meses se há recurso. Contudo,
As consultas são confidenciais, não prejudicando os os prazos podem ser
direitos das partes nas fases processuais subsequentes. As flexibilizados. Em situações de
mesmas têm a duração máxima de 60 dias. Existem casos urgência (bens perecíveis) os
urgentes, nomeadamente relacionados com bens perecíveis, prazos podem ser encurtados.
em que são encurtados os prazos pertinentes e acelerado o Existe uma impossibilidade de
processo. É admitida a participação no processo de Estados bloqueio da decisão pelo
terceiros que aleguem ter um interesse comercial no mesmo. O Estado vencido. A decisão é
objetivo destas consultas é resolver o litígio o mais depressa adotada, a menos que seja
possível, de preferência logo nesta fase. rejeitada unanimemente.

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2.4.4.3.2.5. Bons ofícios, conciliação e mediação


Os bons ofícios, a mediação e a conciliação são processos voluntários e consensuais de
resolução de litígios, que podem ser desencadeados e extintos a qualquer momento pelas partes.
Estas técnicas pretendem mitigar a natureza essencialmente jurídica e jurisdicional destes
mecanismos de resolução de disputas, dando alguma margem de manobra à diplomacia.
Com o acordo entre as partes, estes processos podem prosseguir paralelamente ao
funcionamento de um painel. O diretor geral da OMC encontra-se disponível para, a todo o tempo,
oferecer os seus bons ofícios, intervir como mediador ou facilitar a conciliação entre as partes na
disputa.
2.4.4.3.2.6. Painéis
Os painéis visam assistir o ORL no desempenho das suas atribuições, cabendo-lhes analisar
objetivamente as questões que lhes forem colocadas e, desse modo, preparar as recomendações e
decisões do ORL.
A constituição de um painel pode ser pedida pela parte queixosa se um Estado parte se
recusa a entrar em consultas, se as consultas não produzem efeitos no prazo de 60 dias desde a
receção do respetivo pedido, ou se os procedimentos voluntários de resolução de litígios chegaram
ao seu temo. O ORL deve diligenciar no sentido da rápida criação do painel, tendo em conta a
vontade da parte queixosa, podendo, no entanto, recusar a sua criação através de uma decisão por
unanimidade do ORL.
Os painéis são compostos por 3 ou 5 pessoas, qualificadas e independentes, selecionadas
pelo Secretariado e propostas às partes.
Estes painéis devem, em princípio, produzir uma deliberação no prazo de 6 meses. Estes
desempenham uma importante função de harmonização e concordância prática entre os interesses
nacionais e os objetivos de aplicação uniforme das normas GATT/OMC.
2.4.4.3.2.7. Decisão
As deliberações dos painéis, sob a forma relatório, são confidenciais, abertas às partes e
contraditórias. Os painéis procurarão encontrar uma solução mutuamente aceitável para as partes,
caso em que o relatório se limitará a descrever brevemente o caso e a relatar a solução que foi
adotada. Não tendo sido alcançada uma solução mutuamente satisfatória, o painel reporta por
escrito as suas conclusões sobre as questões de direito e de facto ao ORL e formula recomendações
formuladas.
A decisão final caberá ao ORL, traduzindo-se na adoção do relatório, ou na rejeição, que só
pode ser por consenso. Não havendo rejeição, ou intenção de interpor recurso, a decisão torna-se
definitiva ao fim de 60 dias.
Efeitos das decisões: Princípio da execução célere (prompt compliance) / Dever de adotar as
recomendações do ORL / Dever de notificação do ORL da intenção de adoção no prazo de 30 dias /
Possibilidade de concessão de um “prazo razoável” para a observância / Dever de negociar

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compensações com a outra parte no caso de não execução / O ORL pode autorizar sanções
económicas 30 dias depois do “prazo razoável”/ O ORL supervisiona todo o processo
2.4.4.3.2.8. Recurso
Ao Órgão de Recurso (OR), criado pelo ORL, compete apreciar os recursos interpostos da
decisão proposta pelo painel, limitado a questões de direito, cabendo-lhe fixar os trâmites do
restivo processo em consulta com o Presidente do ORL e o Diretor Geral.
O OR é composto por sete juízes, nomeados por quatro anos pelo ORL, ficando três
daqueles com a função de analisar cada caso.
A legitimidade processual ativa para recorrer de um relatório de um painel está circunscrita
às partes no litígio, com exclusão de terceiros, embora estes, se tiverem alegado um interesse
substancial, possam apresentar observações junto do OR. O recurso limita-se às questões de direito
referidas no relatório do painel e às interpretações jurídicas aí desenvolvidas.
O processo de recurso obedece a requisitos temporais, com uma duração entre 60 e 90 dias. As
decisões do recurso podem consistir na ratificação, alteração ou revogação das conclusões jurídicas
do painel, devendo, em regra, ser adotadas pelo ORL, no prazo de 30 dias, e aceites
incondicionalmente pelas partes em litígio. O ORL pode recusar a decisão do OR, mas apenas por
consenso.
As decisões do OR têm efeitos Inter partes, embora acabem por extravasar o caso concreto, na
medida em que constituem fonte auxiliar de direito internacional na resolução de casos
subsequentes.
2.4.4.3.2.9. Execução da decisão
Os relatórios dos painéis e do OR dependem da adoção formal pelo ORL, embora, na prática,
os mesmos assumam uma natureza materialmente jurisdicional. As decisões do ORL são
executórias, não estando dependentes de prévio assentimento da Conferência Ministerial,
retirando, assim, ao Estado prevaricador a possibilidade de vetar as sanções que contra si tenham
sido impostas. No caso de incumprimento, prevê-se a possibilidade de adoção, por parte do Estado
lesado, de medidas de compensação e de suspensão de concessões, como forma de sanção ou
retaliação.
2.4.4.4. A ronda de Doha
Em novembro de 2001, em Doha, no Qatar, teve lugar a IV Conferência Ministerial. Foi,
então, aprovada uma declaração em que, ao mesmo tempo que se reafirma o compromisso com os
princípios da OMC e a confiança nos efeitos sociais e económicos positivos do comércio
internacional, é recomendada a abertura de uma nova ronda de negociações abrangendo o
aprofundamento dos tratados já em vigor e o alargamento da liberalização comercial a novos
setores. Igualmente sublinhada é a necessidade de uma estreita cooperação entre a OMC e
instituições como o FMI, o BM ou o UNEP.

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A Agenda de Desenvolvimento de Doha Art. XX (b) GATT/OMC:


privilegiou principalmente a agricultura e os serviços
embora também tenha sido abordado questões como • Proteção da vida e da saúde humana,
animal e vegetal;
o investimento direto, concorrência, transparência
governativa, proteção do ambiente, comércio • Valores não comerciais v. valores
eletrónico e transferência de tecnologias. comerciais;

Entre as várias razões para o fracasso da Agenda de • “comercialismo” v. direitos humanos e


Doha, podemos destacar a dificuldade em conciliar os ambiente;
interesses associados ao desenvolvimento e à • Ponderação de bens e harmonização;
liberalização das trocas, os complexos desafios
económicos e comerciais colocados pelos BRIC’s, as • Pode justificar restrições à importação
resistências políticas internas e as tentações de de mercadorias desde que:
Proporcionais / Não discriminatórias.
protecionismo intensificadas pela crise económica e
financeira mundial iniciada em 2007.
Problemas da OMC_________________________________________________________________

• Pendência da Ronda de Doha (2001- …);

• Fuga para os tratados regionais de comércio livre e para o bilateralismo;

• Indefinição sobre o estatuto da China (economia estatizada v. economia de mercado);

• Iniciativa Belt and Road da China;

• Atraso no preenchimento de três vagas do Órgão de Recurso (2/2018).


_________________________________________________________________________________
2.4.4.5. Os direitos Humanos e o GATT/OMC
A relação entre os Direitos humanos e o comércio internacional é perturbada por um
complexo ciclo vicioso. Por um lado, a pobreza dos indivíduos e dos Estados impede o exercício e a
proteção dos direitos humanos. A proteção dos direitos fundamentais é indissociável da alocação e
redistribuição de recursos escassos em ordem à criação e gestão de serviços públicos
(administração, polícia, justiça, etc.) indispensáveis para esse efeito.
Por outro lado, o não exercício e a falta de proteção dos direitos humanos constitui um fator
de permanência da pobreza. Na tentativa de romper este ciclo vicioso, a promoção dos direitos
humanos constitui um dos maiores desafios que a OMC enfrenta. De facto, no contexto em que a
globalização da economia põe em evidencia as desigualdades que caracterizam as relações
económicas na atualidade, a credibilidade internacional da OMC depende largamente da sua
capacidade de, a par da racionalidade e eficiência económica, realizar valores não económicos,
como a legitimidade democrática, a justiça social, os direitos humanos e a proteção do ambiente.

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3. DIREITO INTERNACIONAL DO DESENVOLVIMENTO

3.1. DIMENSÕES DO PROBLEMA


O direito internacional económico tem vindo cada vez mais a assemelhar-se a uma espécie
de constituição económica mundial. Para além definição clara do quadro normativo que rege os
mercados financeiros e cambiais e as trocas comerciais à escala mundial, o subdesenvolvimento
económico e social dos Estados do Terceiro Mundo, com a resultante pobreza generalizada,
constitui um dos problemas mais graves com que se defronta a comunidade internacional.
A dificuldade deste problema prende-se com diversos fatores:
o Aumento exponencial da população
o Sobre-endividamento de muitos desses Estados, associado ao défice das respetivas balanças
pagamentos
o Alastramento imparável do vírus da SIDA na África Subsaariana, na Índia, na China e na Rússia
o Alargamento do fosso económico, educativo, científico e tecnológico entre os países
desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
Um outro problema prende-se com a falta d tradição democrática e de respeito pelos direitos
humanos em muitos países em vias de desenvolvimento.
3.2. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO
A teoria do desenvolvimento tem conhecido várias fases de evolução ao longo das últimas
décadas:
▪ Num primeiro momento, considerou-se que a construção de grandes infraestruturas era o
motor do desenvolvimento dos Estados;
▪ Num segundo momento, considerou-se decisiva a criação de um ambiente económico baseado
em políticas liberais favoráveis ao investimento privado e ao comércio livre;
▪ Num terceiro momento, a ênfase deslocou-se para o desenvolvimento de “capital humano”,
através de políticas sociais adequadas;
▪ Num quarto momento, a preocupação da teoria do desenvolvimento centrou-se em fatores
jurídicos e socioculturais (ex: situação da mulher; espírito empresarial; ausência de corrupção;
sistema judicial);
▪ Atualmente, dá-se grande importância às condições políticas, jurídicas e sociais, sublinhando-se
o papel da reforma do Estado, através da edificação de Estados de direito democráticos de
direitos fundamentais, no desenvolvimento económico e no aperfeiçoamento das políticas
sociais. Entende-se que as democracias têm melhores condições para assegurar o
desenvolvimento económico e social a longo prazo. Em bom rigor, talvez se deva entender que
o desenvolvimento económico assenta na convergência bem sucedida de um conjunto
significativo de entre os vários fatores referidos.

3.3. O PAPEL DAS NAÇÕES UNIDAS


As Nações Unidas, na sua qualidade de organização internacional universal dotada de
objetivos gerais, têm uma vocação primeiramente política. Desenvolve importantes atividades no

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âmbito do desenvolvimento económico e social. O artigo 55º da Carta das Nações, esta
Organização deverá promover a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de
progresso e desenvolvimento económico e social, tendo como pano de fundo a resolução dos
problemas económicos, sociais e culturais e a garantia dos direitos humanos.
3.4. ECOSOC
O ECOSOC é o órgão da ONU responsável pelas questões de política económica e social. Entre
os aspetos centrais da sua atividade contam-se o planeamento económico, a utilização da ciência e
da tecnologia e a apreciação da atividade das empresas transacionais nos países em vias de
desenvolvimento. Para o efeito, entre outras coisas, ele promove o debate das questões
económicas e sociais s realizar estudos, relatórios, pareceres, formula recomendações em matéria
de direitos humanos, prepara projetos de convenções e organiza conferencias internacionais.
3.5. UNCTAD
Da maior importância se revestiu a criação da Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD). A UNCTADI teve lugar em 1964, tendo aprovado uma
declaração contendo os princípios gerais e especiais recomendados para regular as relações e as
políticas comerciais internacionais. As sucessivas conferências UNCTAD procuraram aprofundar, em
diversos domínios, a equidade nas relações entre os Estados ricos e pobres.
Não se está aqui perante uma agência especializada da ONU, mas sim perante uma
organização subsidiária, criada por votação da AG da ONU, e não por tratado.
A UNCTAD tem carácter universal, tem como objetivo promover o comércio internacional
orientado para o desenvolvimento económico, dinamizando a celebração de acordos comerciais
bilaterais.
3.6. A NOVA ORDEM ECONÓMICA INTERNACIONAL (NOEI)
Em muitos casos, relacionados com a saída de processos de descolonização, as nações em
vias de desenvolvimento do Terceiro Mundo, muitas delas integrando o Movimento dos Não-
Alinhados, sustentaram , nas décadas de 60 e 70 do século XX, a necessidade de se criar uma Nova
Ordem Económica Internacional.
Pretendia-se a edificação de um quadro político e jurídico favorável ao desenvolvimento dos
países mais pobres. A ênfase era colocada, de forma ideologicamente carregada, no direito
unilateral dos Estados de procederem à nacionalização dos recursos naturais e à fixação da
compensação devida, e na consequente restrição da atividade das grandes companhias
transnacionais ocidentais;
O projeto da Nove Ordem Económica Internacional viria a sofrer um importante revés com o
colapso do comunismo e dos modelos coletivistas e o fim da Guerra Fria. Apesar da sua retórica
idealista, A NOEI punha em relevo as insuficiências do sistema de Bretton Woods e do GATT na luta
contra o ciclo vicioso de pobreza e subdesenvolvimento de uma boa parte da humanidade.

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4. UTILIZAÇÃO DOS ESPAÇOS INTERNACIONAIS

4.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS


Um dos aspetos de especial interesse para a comunidade internacional globalmente
considerada diz respeito aos desafios colocados pela gestão coletiva dos espaços subtraídos à
soberania estadual. Falamos de espaços como o alto mar e fundos marinhos, o espaço aéreo
internacional, o espaço extra-atmosférico e a Antártida. Uma das questões que imediatamente se
suscita, relativamente a estes espaços, prende-se com a necessidade de articulação dos mesmos
com outros espaços, reconduzíveis à soberania estadual, como o mar territorial e águas interiores,
a plataforma continental, a zona contigua, a zona económica exclusiva e o espaço aéreo.
A necessidade desta regulamentação fundamenta-se pela necessidade de resolver conflitos
de interesses entre a proteção do ambiente e atividade piscatória, entre esta e a navegação
internacional, entre utilizações civis e utilizações militares dos espaços e entre a exploração da
plataforma continental e colocação de condutas e cabos submarinos.
Neste domínio torna-se, cada vez mais frequente, a referência a algumas entidades jurídico-
internacionais com funções de regulação e supervisão, realidade que exprime aquilo que a doutrina
tem caracterizado como a emergência da governação global (global governance), também aqui
entrando em crise a conceção tradicional de soberania gerada do modelo de Vestefália.
Contextualização Histórica___________________________________________________________
➢ Rivalidades sécs. XV a XVIII
o Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França;

➢ Tratado das Alcáçovas (1479)


o Soberania portuguesa sobre Madeira, Açores e Cabo Verde;

➢ Tratado das Tordesilhas (1494)


o Divisão da Terra (terras descobertas e por descobrir) em
dois; Estatuto Jurídico do Mar – Hugo Grócio,
em Liberdades dos Mares (1609):
➢ Hugo Grócio: Mare Liberum (1609) o Res Nullis: terra de ninguém
o Captura do Santa Catarina em Singapura (1603) o Res Communis: propriedade comum
o Crítica ao tratado de Tordesilhas o Res Publica: propriedade pública
o Reivindicação do acesso universal aos mares;

➢ Serafim de Freitas:
o Defende o Mare Clausum em De Iusto Imperio Lusitanorum Asiático (1625);

➢ John Selden: Mare Clausum, Oceanus Britanicus (1635)


o Costume: Roma, Mar Mediterrâneo (Mare Nostrum) / Veneza e Génova, Mediterrâneo /
Legitimidade do controlo dos mares pelos britânicos;

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➢ Bynkershoek - De Domínio Maris (1702):


o Tiro de canhão = 3 milhas
o Para além disso, o mar pertencia a todos.

➢ UNCLOS I (1956)
o Convenções de 1958: Mar Territorial e da Zona Contígua / Alto Mar / Pesca e Conservação
dos Recursos Vivos em Alto Mar / Plataforma Continental / Protocolo Facultativo de
Resolução de Litígios - Convenção do Alto Mar, Genebra 1958 – art. 2º/1

➢ UNCLOS II (1960)
o Conferência de Genebra – 1960: Não conduz a nenhuma convenção internacional +
Polarização EUA e URSS, com os respetivos aliados, satélites ou dependentes

➢ Arvid Pardo e UNCLOS III


o Novembro 1967: o embaixador de Malta na ONU, Arvid Pardo, avisa sobre risco de disputa
dos oceanos pelas superpotências
o Defesa de um regime global dos oceanos e dos fundos marinhos
o Graças a Pardo é convocada a UNCLOS III de 1973 a 1982
o Constituição dos Mares – Convenção de Montego Bay 1982 UNCLOS (CNUDM), em vigor
desde 1994

➢ UNCLOS (1982)
o Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar
o Constituição do Alto Mar
o Quadro regulatório dos oceanos
o Incorpora preocupações de natureza: Ambiental / Desenvolvimento social / Humanitária
_________________________________________________________________________________
4.2. O REGIME DOS ESPAÇOS INTERNACIONAIS
Um importante aspeto para a comunidade internacional é relativo aos desafios sobre a gestão
coletiva dos espaços subtraídos à soberania estadual, como são o alto mar e fundos marinhos; o
espaço aéreo internacional; o continente da Antártica e o espaço extra-atmosférico.
O direito internacional sempre compreendeu este problema, contudo com os
desenvolvimentos mais recentes apontam para a emergência de regulamentação internacional
para a sua utilização, nomeadamente, no que toca aos domínios dos transportes e comunicações,
incluindo a navegação marítima, aérea e espacial e as comunicações (hertziana; cabo e satélite).
4.2.1. O Alto Mar
O mar define-se, geralmente, como o conjunto dos espaços de água salgada em
comunicação livre e natural. O alto mar, propriamente dito, é delimitado a partir da consideração
de todas as partes do mar não incluídas na zona económica exclusiva, n mar territorial, nas águas
interiores ou nas águas arquipelágicas- artigo 86º da CDM.

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No que diz respeito ao mar internacional propriamente dito, a orientação político-normativo


da ONU encontra-se baseada na premissa de que “ the oceans are the very foundation of human
life”. A disciplina jurídica do alto mar caracteriza-se, hoje, pelo princípio da utilização para fins
pacíficos, pela proibição de apropriação estadual e pela garantia de uma liberdade
internacionalmente regulada - artigos 88º e 89º da CDM.
4.2.2. Desenvolvimento Histórico do Regime Jurídico
O regime jurídico-internacional do alto mar durante a vigência do modelo de Vestfália
assentou, globalmente, na prevalência do princípio da liberdade dos mares defendida por Hugo
Grócio, em 1609, que compreende o alto mar como res communis omnium. Desta forma, prevalecia
a doutrinado mare liberum. Contudo é importante realçar que a doutrina foi mobilizada de forma a
favorecer as aspirações navais europeias. A doutrina consolidou-se como princípio de direito
consuetudinário, tendo sido concretizado através de Convenções. Neste âmbito é importante
realçar a Convenção de Genebra de 1958 e a Convenção de Montego Bay de 1982.
A emergência do direito convencional não eliminou a permanência do direito
consuetudinário neste domínio, verificando-se atualmente a coexistência dos dois tipos regimes.
Deste modo, a permanência dos princípios consuetudinários tem sido acompanhada do
desenvolvimento de novas regras. O regime atual do direito do mar assenta na distinção entre mar
territorial e alto mar, consolidada a partir do século XVIII, disciplinando tanto um, como outro. Em
ambos o caso se observa um propósito fundamental de proceder à harmonização de interesses
entre Estados costeiros e potências navais, designadamente na conservação e exploração os
recursos offshore, na garantia da segurança externa e na proteção do ambiente, e entre estes
Estados e a necessária preservação de bens fundamentais da comunidade internacional no seu
todo.
No atual regime do direito do mar, particularmente do alto mar, o princípio do mare liberum
surge, necessariamente, reconceptualizado de forma a possibilitar a democratização do direito do
mar.
As primeiras linhas de orientação do regime jurídico do mar movimentam-se no sentido de
uma repartição nacionalista dos oceanos, do reforço da posição dos Estados Costeiros, da
internacionalização do leito e do subsolo do alto mar e da afirmação dos espaços internacionais
como património da Humanidade. Igualmente digna de nota é a primazia concedida ao dever de
cooperação internacional entre os Estados.
4.2.3. As Liberdades Do Alto Mar
Os aspetos mais importantes do regime jurídico do alto mar consistem num elenco não
taxativo de liberdades fundamentais que lhe andam associadas, as mesmas encontram-se previstas
na CDM e inicialmente podemos realçar o artigo 86º + 87º. O seu fundamento baseia-se numa
noção redutora do mare liberum. O seu exercício deve subordinar-se aos princípios da igualdade
soberana dos Estados e do respeito pelos interesses destes.

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4.2.3.1. Liberdade De Navegação Alto Mar:


A liberdade de navegação reveste-se o Conceito residual
da maior importância num contexto de o Mar não incluído em: Águas Interiores / Mar
grande integração económica e comercial Territorial / Zona Contígua / Águas
mundial, apresentando um carácter universal, Arquipelágicas / ZEE
aplicando-se a todos os Estados, costeiros ou
sem litoral, e a todas as embarcações ou Liberdades de Alto Mar:
navios - artigo 90º da CDM. Estes o Navegação
compreendem qualquer engenho flutuante, o Sobrevoo
adequado ao transporte de pessoas e de bens, o Colocação de cabos e ductos
apto a navegar nos espaços marítimos. o Construção de ilhas artificiais
A liberdade de navegação implica uma o Pesca
tarefa global de planificação da o Investigação científica
radionavegação marítima, levada acabo sob Práticas Ilícitas em Alto Mar (Elenco CDM):
égide da União Internacional de
Telecomunicações (UIT). o Transporte de escravos - art. 99º;
o Pirataria – art. 100º a 103º
A liberdade de navegação traduz-se na o Tráfico de estupefacientes – artg. 108º ->
ausência de título que legitime a interceção art.17º CTIESP
por um Estado de um navio com o pavilhão de o Transmissões não autorizadas- art. 109º
outro Estado fora do mar territorial e da Zona
Económica exclusiva, salvo em caso de guerra Legítima Defesa e Direito de Visita em Alto
ou quase-guerra ou noutras situações Mar: Artigo 51º da Carta das Nações Unidas
excecionais.
Diferentemente, um navio sem Soberania do Estado da bandeira:
pavilhão pode ser abordado em alto mar. A
CDM estabelece um dever de cooperação na o Nacionalidade - 91º CDM
repressão da pirataria em alto mar, o Estatutos dos Navios – 92º CDM
permitindo o apresamento de navios, a o Deveres do Estado da Bandeira - 94º CDM:
detenção de pessoas e a apreensão de bens, Registo; Jurisdição; Segurança; Observância
desde que com motivo suficiente - artigos de normas internacionais
o Estatuto especial para os navios com
100º ss. da CDM. Um dever de cooperação
bandeira das Nações – artigo 93º CDM
existe, ainda, em matérias como o combate
o Princípio da Bandeira – artigo 95º e 96º
ao tráfico de drogas ou as transmissões ilegais CDM
em alto mar. Igualmente regulado é o
exercício do direito de perseguição em alto
mar - artigos 108º a 111º da CDM. Dever de Assistência:
Do regime internacional do direito do ❖ Dever de assistência dos capitães de navios
mar resultam, para os Estados, deveres em (98º CDM): Garantido pelo Estado da
matéria de registo, jurisdição, garantia de Bandeira; Sem perigo grave para navio,
segurança - artigo 94º da CDM - bem como o tripulação e passageiros.
dever de procederem à definição de regras de ❖ Deveres dos Estados costeiros.

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atribuição de uma bandeira, assentes num critério de conexão Imunidade dos Vasos de
efetiva ou vínculo substancial, da embarcação com o Estado da Guerra: Completa
nacionalidade - artigos 91º e 92 da CDM. imunidade de jurisdição
Deve sublinhar-se o princípio da subordinação dos navios à em alto mar em relação a
jurisdição exclusiva de um Estado, a quem cabe a aplicação das todos os Estados que não o
normas de direito interno e internacional relevantes, e a da bandeira - art. 95º CDM.
imunidade absoluta dos vasos de guerra e dos navios de Estado -
artigos 95º e 96º da CDM.
_________________________________________________________________________________
Dever de Prestação de Auxilio: Este dever deve ser prestado sem atender à nacionalidade – ou
falta dela – das pessoas, ao seu estatuto, meio de transporte ou número dos envolvidos. Este dever
estende-se a migrantes.
Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974 (SOLAS 74/78):
Desejando promover a salvaguarda da vida humana no mar pelo estabelecimento de acordos
comuns, princípios e regras uniformes conducentes a esse fim. - Decreto do Governo n.º 32/85 de
16 de agosto
SRR Portugal: A área de Busca e Salvamento sob responsabilidade de Portugal equivale a sessenta
e três vezes o território nacional o que corresponde a cerca de 5 792 740 Km2.
Convenção de Busca e Salvamento, SAR 1979(85) OMI
Emendas de 2004 às convenções SOLAS & SAR:
o Obrigação de assistência independentemente da nacionalidade, estatuto e circunstâncias
em que são encontradas as pessoas em perigo;
o Todas as pessoas embarcadas devem ser tratadas com humanidade
o O desembarque das pessoas deve ser providenciado tão cedo quanto possível.
Soft law: desembarque humanitário

• As pessoas salvas devem ser desembarcadas em lugar seguro”

• 2004 OMI Recomendações para o tratamento de pessoas salvas no mar:


o Local seguro
o Onde se consideram concluídas as operações de salvamento;
o Onde a vida dos sobreviventes não é ameaçada;
o Onde as suas necessidades básicas (alimento, abrigo, cuidados médicos)
podem ser satisfeitas;
o Onde pode ser providenciado transporte para o destino próximo ou final dos
sobreviventes;
o Deve ser evitado o desembarque de pessoas que pedem asilo em territórios
onde a sua vida e liberdade corre risco;

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o Isto aplica-se independentemente do local onde as pessoas são encontradas,


incluindo o alto mar.
Bacia do Mediterrâneo OMC Projeto Piloto 2010
Deveres dos Estados mediterrânicos :
▪ Estabelecer e fortalecer cooperação entre as partes;
▪ Estabelecer um sistema de comunicação entre Estados da região;
▪ Garantir a segurança das pessoas salvas no mar, durante a decisão sobre o local onde
serão desembarcadas;
▪ Entregar as pessoas salvas sem demora indevida a navios de salvamento que devem
poder seguir ao seu destino logo que a operação esteja concluída;
▪ Cooperar na entrega das pessoas salvas no mar a um porto de um local seguro.
_________________________________________________________________________________
4.2.3.2. Liberdade de Pesca - Artigos 87.º/1/e) e 116 da CDM
O relevo económico da liberdade da pesca é vital para os diferentes Estados é evidente.
Contudo, é de atentar que a mesma surge hoje significativamente limitada pela necessidade de
cooperação internacional na preservação das espécies e da obtenção do máximo rendimento
sustentado das populações piscícolas, de acordo com os princípios da precaução e da ordenação.
Para além da criação da ZEE – artigo 56º/1 e 61º da CDM - , a liberdade de pesca é subordinada ao
interesse objetivo de conservação e gestão dos recursos vivos do alto mar, com particular relevo
para os estoques migratórios, nos termos da CDM e das demais convenções internacionais,
nomeadamente o Acordo Internacional sobre o Cumprimento de Medidas de Conservação e Gestão
de Recursos no Alto Mar.
Daqui resulta, por um lado, o dever estadual de repressão de condutas predatórias pelos
seus nacionais, e, por outro, o dever de cooperação internacional na conservação dos recursos
vivos, com especial relevo para as espécies altamente migratórias - artigos 117º e 118º da CDM.
4.2.3.3. Liberdade De Instalação De Cabos E Ductos
Uma outra importante liberdade do alto mar consiste na liberdade de instalação de cabos e
condutas, incluindo a instalação de cabos de telecomunicações, devidamente acompanhada de um
sistema de garantia coletiva da instalação e manutenção. A par dos cabos, desenvolveu-se o
recurso a diferentes tipos de ductos, nomeadamente nos domínios do transporte de petróleo e gás
natural.
O direito de colocação de cabos e ductos submarinos encontra-se previsto nos artigos
87º/1/c) e 112 da CDM. Aos Estados incumbe a repressão de atos de vandalismo, ao mesmo tempo
que sobre eles impende o dever de punir estes atos através do direito interno. Compete-lhes,
ainda, preservar os cabos e ductos já existentes e não impedir a sua reparação - artigos 113º e
79º/5 da CDM.

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4.2.3.4. Liberdade de investigação científica


Entre as liberdades do alto mar conta-se, ainda, a liberdade de investigação científica -
artigo 87º/1/f) da CDM. Trata-se de uma liberdade que assiste a todos os Estados,
independentemente da sua situação geográfica, bem como às organizações internacionais com
competências neste domínio - artigos 238º ss. da CDM.
A CDM considera que a investigação científica deve ser promovida e facilitada pelos atores
internacionais relevantes. A mesma deve ser harmonizada com os direitos e os deveres dos Estados
consagrados na CDM, não podendo ser injustificadamente restringida pelos direitos do Estado
Costeiro sobre a plataforma continental - artigo 78º da CDM.
Nos termos da CDM, a investigação científica deve ser pacífica, cientificamente apropriada e
legítima, não intrusiva nas utilizações legítimas do alto mar e amiga da preservação do ambiente
marinho, não podendo constituir fundamento de qualquer reivindicação sobre qualquer parte do
meio marinho ou dos seus recursos - artigo 240º da CDM.
4.2.3.5. Liberdade de Sobrevoo
Uma outra liberdade do alto mar é a liberdade de sobrevoo – artigo 87º /1/ b) – a qual
reflete um princípio fundamental de regulação da navegação aérea. Trata-se de uma atividade que
não implica a utilização do alto mar, pelo que a mesma será objeto de consideração a propósito do
espaço aéreo internacional.
4.2.3.6. Restrições Às Liberdades De Alto Mar Direito De Visita Em Alto Mar:
As colisões que possam surgir entre as várias • Regime (110º CDM)
liberdades de alto mar devem ser resolvidas de acordo com
princípios de harmonização e concordância prática. Apesar • Titular do direito: Navio de
disso, elas estão sujeitas a várias restrições, cuja efetivação guerra com jurisdição
se encontra ligada ao reconhecimento de um conjunto de • Procedimento: Verificação de
competências estaduais extraterritoriais no alto mar, que documentos / Exame a bordo
se traduzem no direito de visita. As mesmas prendem-se do navio /Dever de
com a necessidade de combater a utilização deste espaço indemnização
para a realização de atos ilícitos, como a pirataria, o tráfico
de escravos, o tráfico de estupefacientes ou as • Suspeita razoável de: Pirataria
transmissões ilegais. – art. 100º e 110º / Tráfico de
escravos – art. 110º e 99º /
A CDM dedica uma atenção especial ao combate à Transmissões ilegais – art.
pirataria e ao apresamento de navios ou aeronaves piratas. 110º e 109º3) / Tráfico de
Neste domínio os Estados são chamados atuar como estupefacientes – art. 110º e
agentes ao serviço da comunidade internacional no seu 108º2)
todo, sendo-lhes garantidos vários direitos extraterritoriais
de intervenção. É o que sucede com os direitos de reconhecimento e de visita por vaso de guerra, e
de “perseguição a quente” - artigo 111º da CDM. Igualmente dignos de nota são os direitos de
repressão de crimes contra o ambiente e de emissões piratas de rádio e televisão, bem como de
organização de exercícios aeronavais em alto mar.

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Iniciativa de Proliferação e Segurança:

• Iniciativa norte-americana de 2003;


• Envolve mais de 80 Estados;
• Mais de 50 000 cargueiros a navegar;
• Mais de 15 milhões de contentores em trânsito diário;
• Controlo da proliferação de armas de destruição massiva;
• Mudança de paradigma no direito do mar.
Ship-boarding Agreements:
o Acordos bilaterais de abordagem e direito de visita
o Privilegiando Estados de bandeiras de conveniência
o Mais de 50% dos navios ao alcance da armada norte-americana
o Admite direito de visita com autorização tácita
Protocolo de 2005 à Convenção de Roma:
❖ Permite a abordagem dos navios
❖ Privilegia a autorização expressa do Estado da bandeira
❖ Inclui um sistema facultativo de autorização tácita
Organizações Regionais de Pesca (ORP):
▪ Águas Internacionais - NAFO - Organização de Pescas do Atlântico Noroeste
▪ Águas Internacionais - NEAFC - Comissão de Pescarias do Atlântico Nordeste
▪ Águas Internacionais - CGPM- Comissão Geral das Pescas para o Mediterrâneo

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Funções das ORP’s:


▪ Utilização ótima, a gestão racional e a conservação dos recursos haliêuticos da área da
Convenção
▪ Monitorização do cumprimento e seu reforço pela frota das Partes Contratantes e pela
análise da informação da atividades de Partes Não-Contratantes, incluindo pesca ilegal.
▪ Regulamentação fixação das quotas a adotar para a área da Convenção.
NAFO Conservation and Enforcement Measures Serial No. N6638 FC Doc. 17-01 (2017):
Comissão de pescas: gestão e conservação de recursos
Requisitos das embarcações: notificação, autorização, capacidade, relatório, etc.
Monitorização das embarcações: uso do VMS (vessel monitoring system); satélite: localização
geográfica; registo de capturas
Inspeção NAFO: poderes de visita e inspeção de embarcações em alto mar
Estado do porto: poderes de inspeção e controlo das embarcações
Princípio Humanitários (CDM):
➢ Prevenção e repressão do transporte de escravos
➢ Os navios como abrigo e liberdade para escravos
➢ Proibição de prisão ou formas de punição corporal para a violação de normas de pesca
➢ Dever de prestar assistência
TIDM e Princípios Humanitários:
▪ Interpretação ampla do conceito de “detenção”
▪ Atenção especial à situação do comandante e da tripulação :

❖ “a obrigação de pronta libertação das embarcações e tripulações inclui


considerações elementares de humanidade e processo equitativo” - TIDM, Juno
Trader
❖ “Considerações humanitárias aplicam-se no direito do mar como nas outras áreas de
direito internacional” - TIDM, M/V Saiga Case

4.2.3.7. A Organização Marítima Internacional


A utilização dos espaços internacionais é cada vez mais objeto de uma gestão
internacionalizada. Nesta linha, a regulação da utilização do mar internacional encontra-se
dependente da Organização Marítima Internacional (OMI).
Trata-se de uma agência das Nações Unidas, criada em 1948 e representa 170 Estados de
diferentes regiões do mundo. De facto, as suas competências apresenta-se universal e
representativa. As suas funções consistem em dar apoio técnico e cooperar no desenvolvimento de

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standards de navegação e segurança. Compete-lhe, igualmente, proceder à supervisão e


coordenação da navegação e do comércio marítimos, bem como à supervisão da implementação da
MARPOL.
A OMI compreende uma Assembleia Geral, um Secretariado, um Comité para a Segurança
Marítima, um Comité Jurídico e um Comité para a Proteção do Ambiente Marítimo.
4.2.4. A Área
4.2.4.1. Delimitação e Regime Jurídico Património Comum Da
Um outro espaço internacional de maior relevo diz respeito Humanidade:
à chamada Área, compreendendo o leito do mar, os fundos • Limitação à soberania
marinhos e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional - estadual
artigos 1º e 133º ss. da CDM. Ou seja, a sua delimitação considera • Limitação à liberdade
o fundo dos mares e dos oceanos, para além do limite da do alto mar
plataforma continental.
• Limitação à liberdade
Como premissa dessa disciplina jurídica encontra-se a de exploração
qualificação da Área e os seus recursos como património comum • Área como “parte
da Humanidade - artigo 136º da CDM. Deste pressuposto resultam comum” do
importantes corolários, como a subtração à soberania estadual, a condomínio global
proibição de apropriação territorial, a proteção da vida humana, a • Utilização no interesse
proteção do ambiente e a utilização em benefício da humanidade. de toda a humanidade
Essa utilização deve subordinar-se a critérios de interesse geral e • Paz, segurança,
de promoção e manutenção da paz, da justiça, da segurança, do cooperação e
desenvolvimento económico e social, da cooperação internacional compreensão mútua
e da compreensão mútua - artigos 137º, 140º e 150º da CDM. • Gestão pública
internacional dos
A CDM prevê, ainda, uma obrigação estadual de controlo
recursos
das atividades na Área desenvolvidas pelos seus nacionais,
• Partilha dos benefícios
extensivo, com as devidas adaptações, às organizações
da exploração
internacionais, cujo incumprimento resulta em responsabilidade
internacional por danos aí resultantes - artigo 139º da CDM.
Exploração da Área – artigo 153º CNUDM
Atividades da Área - artigo 50º/1 CNUDM
Regime jurídico da área e dos seus recursos - Art. 137º CNUDM
Benefício da humanidade - Art. 140º CNUDM
Estatuto da área:
o Divisibilidade: a área seria divisível pelos Estados costeiros;
o Res communis: a área seria acessível ao abrigo da liberdade de alto mar e explorável de
acordo com os interesses de cada um;
o Res nullis: a área seria passível de ocupação e domínio pelos Estados mineradores, de
acordo com o princípio “first come, first serve”.

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o Leito do mar, fundos marinhos e o subsolo além dos limites da jurisdição nacional; A sua
delimitação considera o fundo dos mares e dos oceanos, para além do limite da plataforma
continental -> Património comum da humanidade - Artigo 1º e 133º ss. e 136º da CNUDM.
Recursos da Área: “«Recursos» significa todos os recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos in
situ na área, no leito do mar ou no seu subsolo, incluindo os nódulos polimetálicos” - Art. 133º
CNUDM
4.2.4.1.1. A Autoridade
A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, criada pela CDM(→Art. 158º CNUDM), em
1994, é uma entidade composta pro todos os Estados partes e sediada na Jamaica, cuja organização
assenta numa assembleia, num conselho e num secretariado, numa empresa (pública e
internacional) e nos órgãos subsidiários considerados necessários - artigos 156º da CDM.
À autoridade cabe elaborar as normas, regulamentos e procedimentos de exploração dos
recursos e fiscalizar o seu cumprimento, bem como emitir as necessárias autorizações, atuando
para esse efeito em nome da humanidade - artigo 156º da CDM.
Deve sublinhar-se a importância dos valores da imparcialidade e não discriminação na
atuação da Autoridade, decorrente do princípio da igualdade soberana dos Estados em que a
mesma se baseia, bem como do património comum da humanidade ao serviço do qual ela se
encontra – artigo 152º da CDM.
Empresa: Braço comercial da Autoridade / Habilitada a conduzir a sua própria mineração,
inicialmente através de “joint-ventures” com outras entidades (Estados, empresas privadas)
4.3. TRIBUNAL INTERNACIONAL DO DIREITO DO MAR
O Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM), sediado em Hamburgo, na Alemanha, é
uma instancia jurisdicional internacional especializado, criado pela CDM, em 1982. Este
instrumento normativo dedica especial atenção à resolução de controvérsia – Anexo VI à CDM.
O TIDM tem jurisdição sobre OI’s, indivíduos e pessoas coletivas. É uma instancia
especializada em direito do mar, especialmente vocalizado para a interpretação e aplicação da
CDM. A arbitragem geral segue as disposições previstas no anexo VII. As arbitragens especiais
(pescas, ambiente, navegação) seguem as normas constantes no anexo VIII.
A secção 1 da parte XV da CDM aponta para uma tentativa de resolução de litígios por
negociação ou conciliação. A secção 2 é aplicável em controvérsias relativas à interpretação e
aplicação da CDM quando esteja em causa o exercício de direitos soberanos de jurisdição por um
Estado costeiro pondo em causa as suas liberdades – artigo 297º CDM. Em algumas matérias, como
os conflitos relativos ao exercício de jurisdição soberana da ZEE, não se aplica secção 2. Os
procedimentos da secção 2 da parte XV da CDM podem ser afastados dentro de certos
pressupostos ou colocadas sob a autoridade do CS da ONU.
O TIDM é constituído por 21 membros independentes, de diferentes Estados, eleitos por 9
anos de acordo com os critérios de idoneidade moral e profissional e representatividade jurídica e

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geográfica. O TIDM pode constituir camaras de 3 ou mais juízes, na medida em que considere
necessário para a resolução de determinadas categorias de controvérsias.
Junto do TIDM está previsto o funcionamento da Câmara de Controvérsias dos Fundos
Marinhos (CCFM) – artigo 288º da CDM - , dotada de competência especializada em controvérsias
respeitantes à Área, nos termos da parte XI da CDM, e de poderes de natureza consultiva – artigo
187º e 191º da CDM. A CCFM é composta por 11 dos juízes, escolhidos de entre eles de acordo com
critérios de representatividade, admitindo-se recomendações por parte da Autoridade – artigo
186º da CDM e artigo 35º do ETIDM.

Relativamente à jurisdição, todos os Estados partes e a entidades deles distintas tem acesso
ao TIDM, nos termos da parte XI da CDM (→artigo 188º, 287º, 288º/3, 290º e 292º/2 da CDM;
Anexo VI, artigos 20º e 31º). Admite-se ainda o acesso de Estados que não sejam partes na CDM,
desde que haja um acordo especial expresso. Nos casos em que um acordo atribua jurisdição ao
TIDM requer-se o assentimento de todas as partes do litigio.
A jurisdição do TIDM diz respeito às controvérsias e pedidos que lhe sejam submetidos em
conformidade com a CDM, ou acordo nesse sentido, devendo o TIDM aplicar a convenção e todo o
direito internacional que não seja incompatível com ela. Admite-se ainda a possibilidade de o
tribunal decidir ex aequo et bono - artigo 293º da CDM.
Matérias sob jurisdição:
▪ Nacionalidade das embarcações;
▪ Liberdade de navegação na zona económica exclusiva;
▪ Pronta libertação das embarcações e dos seus tripulantes – artigo 292º CDM;
▪ Prevenção da poluição marinha resultante da disposição de resíduos;
▪ Conservação e gestão dos recursos marinhos;
▪ Preservação dos fundos marinhos – artigo 187º CDM.
No âmbito do processo, o tribunal é que defini os tramites do mesmo. Este inicia-se com a
submissão por escrito de uma questão ao TIDM, mediante acordo ou pedido, apresentando o
objeto e os sujeitos do processo – artigo 24º do ETIDM. O TIDM pode indefinir liminarmente o
pedido se o considerar abusivo ou infundado – artigo 294º da CDM.

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Admite-se recurso a peritos para a clarificação de questões cientificas e técnicas que se


suscitem no processo, bem como a adoção de medidas provisoras vinculativas apropriadas à defesa
dos direitos das partes ou do ambiente.
No que diz respeito à tramitação do processo principal, a forma e os prazos para alegações
de parte são definidos pelo TIDM – artigo 27º do ETIDM. O processo compreende audiências
dirigidas pelo presidente do tribunal, que geralmente são públicas. Igualmente prevista é a
intervenção de Estados partes na CDM, estranhos ao processo, que aleguem ter um interesse
jurídico suscetível de ser afetado pela decisão de um processo em curso – artigo 31º do ETIDM.
A decisão do TIDM é tomada por maioria, devendo ser devidamente fundamentada e lida
em sessão publica – artigo 29º e 30º do ETIDM. A mesma definitiva e vinculativa para todas as
partes da controvérsia, produzindo efeitos limitados ao caso concreto (inter partes). Não existe
recurso para qualquer outro tribunal, mas está prevista a possibilidade de o tribunal interpretar a
sentença, a pedido das partes, de forma a esclarecer o seu conteúdo – artigo 33º do ETIDM.
Relativamente à decisão da CCFM prevê-se a sua executoriedade nos mesmos termos das
sentenças ou dos despachos do supremo tribunal do Estado em cujo território a execução foi
requerida – artigo 39º do ETIDM.

4.4. O ESPAÇO AÉREO INTERNACIONAL


Um outro espaço subtraído à soberania estadual é o espaço aéreo internacional. A sua
delimitação é feita por oposição ao espaço aéreo nacional, enquanto coluna de ar sobrejacente ao
território, às águas interiores e ao mar territorial. Ou seja, o espaço aéreo internacional sobrejaz ao
mar internacional. Ele encontra-se limitado superiormente pelo espaço exterior ou extra-
atmosférico. O princípio fundamental neste domínio (Convenção de Paris de 1919) é a liberdade de
navegação ou de sobrevoo do mar internacional, na medida em que se trata de um espaço
subtraído à jurisdição de qualquer Estado - artigo 87º da CDM.

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Importa sublinhar que a doutrina tende a afastar a existência de um direito de perseguição a


quente, em termos semelhantes ao que vale no alto mar, embora o mesmo possa ser considerado,
em situações extremas, desde que salvaguardada a segurança da navegação aérea. Por outro lado,
a realização de exercícios militares é admitida.
4.4.1. O espaço extra atmosférico
O espaço extra-atmosférico é hoje um importante domínio do direito internacional, estando
na base de um dos mais recentes ramos do direito internacional: o direito do espaço.
O desenvolvimento histórico do direito espaço remonta ao final da Segunda Guerra
Mundial, destacando três acontecimentos históricos relevantes para o seu desenvolvimento,
nomeadamente o lançamento , pela URSS do Satélite Artifical Sputnik, em 1957; o lançamento do
Satélite de Comunicações INTERSAT I, em 1964; e ainda o projeto Apolo 11, que em 1969 colocou
pela primeira vez o Homem na Lua.
Depois da corrida entre russos e americanos pela
conquista do espaço, na guerra fria, surge um novo espaço Espaço Extra-Atmosférico:
internacional carecido de regulamentação jurídica, abrangendo o A atmosfera é
espaço extra-atmosférico, incluindo a lua e outros corpos constituída por várias
celestes. O mesmo coloca, desde logo, problemas nos domínios camadas sobrepostas, a
da paz e segurança internacionais, das comunicações diferentes altitudes, tendo
internacionais, da exploração científica e da responsabilidade por cada uma delas
danos causados por (ou a) engenhos especiais. características próprias.
Delimitação Relevância: Navegação
A questão da delimitação exta do espaço exterior aérea; Exploração espacial;
continua em aberto. Há quem não considere necessária a Investigação científica;
existência de uma definição de espaço exterior uma vez que não Telecomunicações;
teria grande efeitos no sentido prático, uma vez que os satélites Informação meteorológica;
artificiais se encontram em altitudes que a maioria das Defesa e segurança;
aeronaves não conseguem alcançar. Segue-se também o facto de Ambiente; Lixo espacial.
não existirem queixas de violação do espaço aéreo pelo Delimitação controversa
lançamento de engenhos espaciais. Por outro lado, há também
quem sustente a necessidade de uma definição, dado aos Critérios científicos:
recentes desenvolvimentos das tecnologias aeroespaciais, que Troposfera, estratosfera,
permitirão em breve a utilização do espaço exterior para fins mesosfera, termosfera,
comerciais. Defende-se também, que essa definição é exosfera
fundamental para garantir a defesa da soberania e estabelecer o Critérios funcionais: Tráfego
alcance da jurisdição dos Estados. aéreo; Colocação de satélites
A existir uma definição é necessário estabelecer critérios. Res communis omnium:
Existe a possibilidade de adotar um critério cientifico, em que Utilização pacífica; Não
seria levado em conta conceito como a de atmosfera, a apropriação; Liberdade de
sustentação da vida humana, a substituição das forças exploração; Proibição de
aerodinâmicas pelas forças centrifugas, etc. Outra opção seria armazenamento de armas

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adoção de um critério funcional, concebendo os conceitos de altura máxima do trafego aéreo, a


altura mínima da orbita de um satélite, a capacidade de controlo estadual efetivo do espaço
exterior, etc. Contudo, ainda não existe consenso neste âmbito.
Aspetos Essenciais do Regime Jurídico
Os princípios que conformam este domínio do direito internacional consistem na afirmação
do espaço como res communis omnium, ou seja, a sua consideração como património comum da
humanidade.
Consequentemente, resultam os corolários da utilização em benefício de todos os Estados,
independentemente do seu grau desenvolvimento, da proibição de apropriação territorial, da
liberdade de exploração e utilização e da proibição de colocação de armas de destruição massiva –
artigos 1º e 3º do Tratado do Espaço Exterior.
O enquadramento normativo do espaço extra-atmosférico é favorecido por um conjunto de
cinco instrumentos convencionais aprovados sob a égide das Nações Unidas:
➢ Tratado do Espaço Exterior (Outer Space Treaty), de 1967, considerado por muitos como uma
espécie de “Magna Carta do Espaço”. Este tratado afirma o princípio da utilização do espaço em
benefício de todos os Estados, independentemente do seu grau de desenvolvimento. Neste
instrumento normativo, encontram-se identificados os princípios e as regras de direito
consuetudinário desta matéria, aplicáveis inclusive, a Estados não Parte e a Estados que deste
se tenham ausentado.

➢ “Acordo de Auxílio” (Rescue Agreement), que procura disciplinar juridicamente o dever de auxílio
a astronautas em situações de acidente ou de aterragem de emergência, com a posterior entrega
à autoridade de lançamento. Parte-se da consideração dos astronautas como “mensageiros da
Humanidade”.

➢ Convenção da Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais


(Liability Convention), que visa criar uma responsabilidade objetiva do Estado que procede ao
lançamento de objetos espaciais pelos danos causados no território de um ou mais Estados, ou
numa aeronave, bem como uma responsabilidade subjetiva, por culpa dos danos causados a
engenhos tradicionais.

➢ Convenção sobre o registo de Objetos lançados para o Espaço Exterior (Registraiton


Convention), através da qual se cria um sistema de registo centralizado na ONU para engenhos
espaciais.

➢ Convenção sobre a Atividade dos Estados na Lua e noutros Corpos Celestes (Moon
Agreement), aplicando aos corpos celeste os princípios gerais constantes do Tratado sobre o
Espaço Exterior.

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As Comunicações Via Satélite


Um dos aspetos mais relevantes do espaço extra-atmosférico prende-se com as
comunicações internacionais via satélite. De facto, este domínio é particularmente relevantes,
devido à proteção da soberania dos Estados, em face do aumento exponencial da capacidade, de
que os satélites dispõem, de recolha e comunicação de informação pormenorizada sobre múltiplos
Estados, de grande relevância geoestratégica até em termos de guerra de informação, quando os
Estados ou entidades privadas poderosas usam os satélites para a promoção de ideias, agendas
políticas, económicas, religiosas, etc., sem consideração de fronteiras (delimitadoras das soberanias
estaduais). Desta forma, revela se a garantia dos direitos individuais e coletivos de liberdade de
expressão, informação e comunicação no direito internacional e no direito interno.
A questão de saber quem comunica o quê a quem, ocupa aqui um lugar central. A isto
acresce a crescente tendência que aponta no sentido de afirmação de uma esfera pública mundial,
que tem sido reforçada pela vocação internacional dos meios de comunicação. Neste âmbito, os
princípios fundamentais são a garantia do livre fluxo de informações e a livre utilização do espaço e
do ciberespaço, ainda que sujeitos a uma ponderação proporcional, optimizadora e não abusiva de
direito humanos, a segurança nacional ou a moral pública. De facto, trata-se de princípios gerais do
direito internacional, que estruturam o jus communicationis global, procurando combater o
protecionismo informativo e comunicativo dos Estados .
As novas tecnologias de comunicação transfronteiriça colocam novos desafios à
territorialidade da soberania, pois retiram aos Estados a possibilidade de controlar a informação de
procedência externa disponível no seu território e a massa de informações sobre os seus assuntos
internos, junto da opinião pública mundial. Entenda-se que um Estado totalitário ou com
tendências duvidosas, terá mais dificuldades em controlar as informações disponíveis junto dos
seus cidadãos (nomeadamente via internet, com ideologia contrária ao sistema político), além de
estar mais exposto à opinião pública mundial, por estas mesmas tecnologias (ex. situações de
abuso de força por parte das autoridades de um país, são facilmente gravadas por um smartphone
e partilhadas ao mundo exterior). Facilmente se compreenderá que isto perturba os equilíbrios
políticos, económicos e socioculturais existentes, refletindo-se na identidade da comunidade e na
sua inserção internacional.
Suscitam-se, a propósito, importantes questões de equidade e justiça comunicativa, que se
prendem com a igualdade no acesso às frequências e posições orbitais e a utilização equitativa da
orbita geoestacionária.
Um outra questão prende-se com o acesso as redes internacionais de comunicação, no
quadro das modernas orientações no sentido da provisão de redes abertas de comunicações, de
forma a superar o abismo digital que separa Estados desenvolvidos e não desenvolvidos.
É de salientar que estas questões são coordenadas por organizações internacionais
associadas às Telecomunicações, nomeadamente pela União Internacional das Telecomunicações.
➢ Enquadramento Institucional
Do ponto de vista institucional e regulatório é de salientar algumas das principias
organizações internacionais envolvidas na disciplina jurídica do espaço extra-atmosférico.

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ONU: através dos seus principias órgãos tem contribuído para o desenvolvimento dos princípios
fundamentais que regem o direito espaço
CUPEEA (Comité para a Utilização Pacifica do Espaço Extra-atmosférico): membro da família das
Nações Unidas, tem como função, em ligação com outras organizações internacionais, acompanhar,
nos planos técnicos e jurídicos, os problemas relativos à exploração e utilização pacifica do espaço
extra-atmosférico.
UIT (União Internacional das Telecomunicações): Sendo Portugal um dos seus membros
fundadores, tem vindo a participar ativamente na organização. Fundada em 1932, esta organização
adquiriu , em 1947, o estatuto de organização especializada do sistema das Nações Unidas. A seu
cargo está a harmonização técnica das telecomunicações a nível mundial, incluindo as
telecomunicações de natureza espacial, juntamente com a coordenação e a promoção de esforços
internacionais neste sentido. Com a função de gestão justa e eficiente do espetro radioelétrico e
das posições orbitais, a UIT aprova orientações políticas e regulamentos nesta matéria dotados de
valor jurídico convencional; promulga standarts técnicos; emite pareceres e recomendações
operacionais e promove o conhecimento especializado, com especial atenção junto de Estados em
vias de desenvolvimento.
Em termos jurídicos, a UIT é responsável pela elaboração dos seus Atos Finais, que como
veremos, vigoram em Portugal:
o em 1984, deu-se a Conferencia Administrativa Regional para a Planificação do Serviço de
Radiofusão Sonora em Ondas Métricas, entrando em vigor os respetivos Atos Finais e um
Protocolo Final;
o em 1985, com a Conferencia Administrativa Regional para a Planificação do Serviço de
Radionavegação Marítima (Radiofaróis) na Zona Marítima Europeia, foram igualmente
aprovados um Ato Final com Protocolo Final;
o Os Atos Finais deste tipo de conferencias, valem na ordem jurídica portuguesa, nos termos do
artigo 8º/2, da Constituição de 1976: “As normas constantes de convenções internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna (...) enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português.
Podem revestir a forma de acordo ou tratado, consoante o respetivo conteúdo.
De facto, no âmbito das atribuições a UIT desempenha uma importante função de
prevenção, gestão e resolução de conflitos em matéria de telecomunicações.
UNESCO: A UNESCO tem tido um papel especial no desenvolvimento da disciplina jurídica do
espaço exterior, no domínio das comunicações internacionais, já que tem promovido estudos
relativos à utilização dos meios de comunicação via satélite para a promoção da educação e do
desenvolvimento científico e cultural.
Cimeira Mundial para a Sociedade da Informação (WSIS) (Nov. 2005)
Plano de Ação WSIS:
• Promoção da literacia informacional;
• Promoção das Sociedades do Conhecimento;

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• Proteção da propriedade intelectual;


• Cyberespaço, liberdade de expressão, diversidade cultural e multilinguismo;
• Reciclagem de computadores;
• Treinamento multimédia;
• Formação e segurança de jornalistas;
• Informação para todos;
• Desenvolvimento de infraestruturas de comunicação;
• Liberdade de expressão e pluralismo nos media;
• Promoção das comunicações locais e comunitárias.
DUDH (1948) - Artigo 19º : Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o
que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir,
sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
PIDCP (1966) - Artigo 19º: Ninguém pode ser discriminado por causa das suas opiniões. Toda a
pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar,
receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de fronteiras, seja
oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que
escolher. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 deste artigo implica deveres e
responsabilidades especiais. Por conseguinte, pode estar sujeito a certas restrições, expressamente
previstas na lei, e que sejam necessárias para: a) Assegurar o respeito pelos direitos e a reputação
de outrem; b) A protecção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas.
UNIÃO EUROPEIA: Na UE tem sido adotado o princípio da origem, de acordo com o qual cabe ao
Estado a partir do qual são feitas as emissões por satélite, proceder à sua regulação.
INTELSAT e congéneres: Finalmente, deve fazer-se uma referência às entidades que se têm
destacado na prestação de serviços de comunicações internacionais, como cooperativas
internacionais. A mais importante é, sem dúvida, a INTELSAT, organização intergovernamental,
fundada em 1964, titular de personalidade jurídica internacional, responsável pela gestão das
telecomunicações via satélite a nível global. A mesma assume uma posição fundamental no sistema
de comunicações globais, sendo a responsável pela prestação de cerca de dois terços dos serviços
públicos internacionais de telecomunicações. O seu objetivo consiste no “ fornecimento, sobre uma
base comercial e sem discriminação, a todas as regiões do mundo, do setor espacial necessário aos
serviços públicos de telecomunicações internacionais de alta qualidade e de grande fiabilidade”. Em
1999 a Assembleia das Partes decidiu proceder à privatização da INTELSAT, abandonando a sua
natureza intergovernamental, processo que culminou em 2001. Entre as organizações congéneres
destacam-se a ARABSAT (1976), a INMARTSAT (1979) e a EUTELSAT (1985).
4.5. ANTÁRTIDA
Um último espaço internacional é a Antártida. Trata-se de um território situado no Polo Sul,
geralmente referido como um continente coberto de gelo caracterizado pela grande distância das
vias de comunicação.
O seu regime jurídico, assenta, basicamente, no Tratado da Antártida, de 01/12/1959, e
num acervo de convenções internacionais sobre a proteção do ambiente, a exploração e gestão

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participada. Os seus princípios fundamentais consistem na proibição das pretensões territoriais


sobre a Antártida, na desmilitarização e desnuclearização do território, na proteção dos recursos
vivos e do ambiente e na consideração dos direitos e interesses dos Estados.
5. DIREITO INTERNACIONAL DO AMBIENTE
A consideração dos diferentes espaços internacionais remete imediatamente para uma das
mais importantes ameaças com que todos eles se confrontam: A sua preservação. Deste problema
ocupa-se o direito internacional do Ambiente. Trata-se de um novo ramo do direito que promove
uma íntima relação entre a proteção do ambiente e a justiça social e a defesa dos direitos
Humanos.
5.1. DAS RELAÇÕES DE VIZINHANÇA AO BEM AMBIENTE
Inicialmente os problemas do ambiente assumiam uma dimensão transfronteiriça, sendo
resolvidos através de princípios de relacionamento entre Estados, de igualdade soberana e respeito
pela integridade territorial.
A partir dos anos 60 do século XX torna-se claro que, se não forem tomadas medidas
adequadas, o rumo do desenvolvimento tecnológico e industrial acabará por afetar grave e
irremediavelmente a disponibilidade de recursos naturais e a qualidade do ambiente. Desde então,
diversos Estados, OI’s e ONG’s têm procurado colocar a proteção do ambiente na agenda jurídica
Internacional.
5.1.1. A conferência de Estocolmo de 1972
Um impulso decisivo no desenvolvimento do direito internacional do ambiente foi dado na
Conferência de Estocolmo de 1972, sob a égide da ONU. Esta foi a primeira conferência
intergovernamental sobre proteção do ambiente. Os 113 Estados aí representados aprovaram a
Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano. Este instrumento procurou equilibrar bens e
interesses divergentes como a conservação do ambiente, o desenvolvimento económico e a
soberania estadual sobre os recursos naturais, no quadro das tensões existentes entre Estados
Desenvolvidos, em vias de desenvolvimento e subdesenvolvidos. É a partir desta Declaração que o
ambiente se apresenta como bem jurídico internacionalmente protegido.
5.1.2. A cimeira da Terra em 1992
A Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992, designada por Conferência das
Nações Unidas para o Ambiente e o Desenvolvimento. Esta conferência internacional procurou
articular e aprofundar o princípio do desenvolvimento sustentado, nos domínios da biodiversidade,
da proteção da camada de ozono e da gestão das florestas. Este princípio visa harmonizar os
objetivos de proteção do ambiente e desenvolvimento económico.
Esta cimeira teve importantes repercussões a nível da governação global, tendo resultado
na reorientação de certas OI’s (como o BM ou o FMI) para uma maior atenção ao ambiente nas
suas políticas económicas.
Significativa foi a aprovação da Agenda 21, um extenso programa de desenvolvimento
sustentado e proteção do ambiente para o século XXI, apoiado nos princípios do crescimento

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sustentado, da justiça planetária, da habitabilidade, da utilização eficiente dos recursos, da


proteção dos recursos globais e regionais e da gestão dos resíduos químicos e nucleares.
5.1.3. A cimeira da Terra de 2002
Merece, ainda, referência à recente Cimeira da Terra de Joanesburgo, de agosto de 2002. Aí
se pretendeu avaliar a execução da Agenda 21 e pensar a proteção do ambiente à luz do processo
de globalização. Para além disso, esta cimeira deu uma atenção muito especial aos problemas da
pobreza e do desenvolvimento sustentado, com uma forte ênfase no estabelecimento de parcerias
entre Estados, ONG’s e empresas, ao serviço de uma “Economia verde”.
5.2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO
Podemos destacar quatro princípios normativos que conformam o direito internacional do
ambiente:
▪ Princípio do poluidor pagador: Desenvolvido nos anos setenta do Século XX, visa obrigar os
sujeitos, públicos e privados, a indemnizarem os danos ambientais por eles causados;
▪ Princípio da prevenção: Surge pela mesma altura e tem em vista a adoção das medidas
consideradas necessárias e adequadas a fazer face a riscos ambientais claramente
identificados e certos;
▪ Princípio da precaução: Consiste, essencialmente, em evitar um determinado curso de ação
ou o uso de uma substância que sejam potencialmente danosos para o ambiente, enquanto
os conhecimentos científicos não permitirem dissipar a suspeita de risco indeterminado mas
provável;
▪ Princípio da avaliação de impacto ambiental: Reflete a preocupação geral de equidade e
cuidado subjacente aos três princípios acima destacados. Ele tem subjacente uma obrigação
de permanente vigilância e antecipação, da qual se deduz o dever de proceder um
cuidadoso exame prévio ao início de um determinado projeto, envolvendo a formulação de
juízos de prognose sobre os riscos ambientais do mesmo e identificar possíveis medidas a
adotar para mitigar esses problemas.
Vejamos os principais problemas com que o Direito internacional do Ambiente se depara.
5.3. POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA
Do conjunto de convenções internacionais que têm vindo a ser aprovadas sobre poluição
transfronteiriça resultou que o direito internacional determinasse, como consequência jurídica da
violação da obrigação internacional primária de não causar dano, a existência de obrigações
secundárias de indemnização e cessação do dano.
Considera-se que há dano quando se excedeu a média de poluição que se espera que um
Estado (“bom”) vizinho deva, razoavelmente, tolerar.
5.4. ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E AQUECIMENTO GLOBAL
Um dos problemas mais delicados no direito internacional do ambiente prende-se com a
salvaguarda da camada de ozono e a prevenção do aquecimento global. Neste domínio, grande
relevo teve a adoção do Protocolo de Quioto em 11 de dezembro de 1997, em vigor desde 2007.

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Este impôs obrigações aos Estados desenvolvidos, de acordo com o princípio de responsabilidade
comum mas diferenciada, atendendo às condições particulares dos Estados industrializados. O
protocolo ainda introduziu o Clean Development Mechanism, um esquema de transação de direitos
de poluição, permitindo aos Estados mais céleres na redução de emissões poluentes transacionar
os seus direitos para Estados menos céleres, obtendo, dessa forma, um benefício económico.
5.5 RESÍDUOS PERIGOSOS E LIXO NUCLEAR
Desde que começou a ser utilizada, a energia nuclear foi objeto de convenções
internacionais tendo em vista regular a responsabilidade pelo risco aí resultante. É o caso da
Convenção de Paris sobre a Responsabilidade de Terceiros no Âmbito da Energia Nuclear, de 1960 e
a Convença de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, de 1963, baseada na
anterior.
Neste instrumento estabelece-se a jurisdição do Estado lesado e, em regra, a
responsabilidade objetiva do operador da instalação nuclear. Igualmente consagrado é o dever de o
Estado da nacionalidade do operador garantir a compensação dos danos.
5.6. PRESERVAÇÃO DO AMBIENTE MARINHO
Nos termos da CDM, os Estados têm a obrigação internacional de proteger e preservar o
ambiente marinho, tendo em atenção o aproveitamento dos seus recursos naturais e uma política
ambiental sustentável.
Os Estados devem tomar medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do ambiente
marinho, bem como o dever de não transferir danos ou riscos e de não transformar um tipo de
poluição em outro.
5.7. PRESERVAÇÃO DA VIDA SELVAGEM
A preservação da vida selvagem é outro importante domínio do direito internacional do
ambiente. O mesmo é objeto, tanto da Declaração de Estocolmo, como da Carta Mundial da
Natureza. Fundamentalmente, pretende-se compatibilizar o desenvolvimento económico e social
com a preservação da vida selvagem.
5.8. DESFLORESTAÇÃO E DESERTIFICAÇÃO
A desflorestação consiste na utilização não sustentada das florestas e dos respetivos
recursos genéticos, com consequências, não apenas na ocorrência de desastres ambientais graves e
alterações climáticas, mas também no subdesenvolvimento económico e social.
Tendo por objetivo combater este flagelo foram tomadas algumas iniciativas, como a
celebração do Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais, de 1984, que regula e restringe o
comércio internacional destas madeiras.
Também digno de nota é o mecanismo (privado e público) de “troca de dívidas por
natureza”, mediante o qual a dívida dos Estados mais pobres é comprada em troca de projetos
ambientais, com especial relevo para a florestação.

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Um outra prioridade do direito internacional do ambiente consiste no combate à


desertificação e degradação dos solos resultante da sua utilização imprópria. Este fenómeno ocupa,
atualmente, um lugar central, no domínio das alterações climáticas nas negociações sobre o pós-
Quioto 2012.
5.9. RECURSOS HÍDRICOS
O direito à água é considerado um direito humano fundamental, premissa que deve
condicionar o direito internacional dos recursos hídricos. A água potável é um bem escasso e
encontra-se distribuída de forma desigual. Por estes motivos, a conservação e gestão dos recursos
hídricos seja hoje um problema crucial do direito internacional do ambiente, indissociável do
direito internacional dos direitos humanos. A sua resolução só é possível mediante uma clara
relativização da soberania territorial do Estado.
5.10. ECONOMIA INTERNACIONAL E AMBIENTE
Objeto de um interesse crescente é a relação que se estabelece entre a economia
internacional e a proteção do ambiente. Em causa está a tentativa de criar uma economia verde,
substituindo a economia tradicional por uma economia ecológica, assente em princípios de
proteção do ambiente e sustentabilidade.
5.10.1. BM e proteção do ambiente
Deve destacar-se o papel desempenhado pelo BM, nomeadamente da instituição da Global
Environment Facility (GEF), em 1991. Esta instituição constitui um mecanismo de financiamento
destinado a apoiar medidas de proteção do ambiente, com especial incidência em países em vias de
desenvolvimento.
Mais recentemente, o BM voltou a assumir um importante papel no direito internacional do
ambiente, com a criação, em 1999, do Fundo Protótipo Carbono (FPC), dando sequência à
Convenção Quadro sobre Alterações Climáticas e ao seu Protocolo de Quioto.
5.10.2. OMC e ambiente
O comércio internacional é indissociável da questão ambiental, desde logo porque muitos
dos bens e serviços objeto de transações comerciais prejudicam o ambiente, sendo que, alguns
deles são especialmente perigosos (ex: produtos químico), ao passe que outros supõem danos
diretos ao ambiente (ex: madeiras tropicais; espécies ameaçadas). Além disso, o transporte de
mercadorias à escala planetária é, inevitavelmente, poluente, etc.
Apesar de a OMC se autodefinir como organização vocacionada para a promoção do
comércio livre à escala planetária e não para a proteção do ambiente, o certo é que esta finalidade
tem vindo a assumir um perfil cada vez mais elevado ao nível da OMC.
Uma maior sensibilidade da opinião pública mundial para a preservação do ambiente,
acompanhada da profissionalização do sistema de disputas da OMC, têm contribuído, na última
década, para uma abordagem mais consistente das relações entre comércio livre e ambiente.~

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5.11. Atividades militares e ambiente


As atividades militares, na sua generalidade, têm pesadas consequências no plano
ambiental. Fruto disto, a comunidade internacional tem procurado responsabilizar civil e
criminalmente aquele que causem danos no ambiente pelas suas atividades militares para além do
estritamente necessário à prossecução de fins legítimos do ponto de vista do direito internacional.
5.11. Quadro institucional
Ao longo dos anos tem vindo a aumentar o número de OI’s que desenvolvem a sua atividade
em torno do direito do ambiente.
5.11.1. Carta Mundial para a Natureza
Este instrumento de 24 artigos, elaborado pela União para a conservação da Terra em 1983,
pretende afirmar um conjunto de princípios fundamentais, de funções e de estratégias de
implementação, em que deve assentar o direito internacional do ambiente. Para além de um dever
geral de proteção da natureza, estabelecem-se deveres especiais relativos a zonas do globo
necessitadas de proteção específica.
Do mesmo modo recomenda-se a harmonização dos objetivos de desenvolvimento
económico e social com a conservação da natureza e a prevenção de desastres ambientais. Neste
sentido, sublinha-se a importância da cooperação internacional, do desenvolvimento de standards
ambientais internacionais e da implementação das normas internacionais relevantes.
Particularmente importante é a afirmação de proteção internacional do ambiente como uma
matéria de jurisdição universal.
5.11.2. UNEP
No âmbito da proteção do espaço marítimo internacional deve destacar-se o Programa
Ambiental das Nações Unidas, conhecido por UNEP, criado na sequência da conferência de
Estocolmo.
Esta entidade é um órgão subsidiário das Nações Unidas. Cabe-lhe recolher informações
sobre problemas ambientais, elaborar programas de ação e publicar relatórios sobre o estado do
Ambiente. O seu objetivo fundamental consiste na promoção do direito do ambiente a nível
nacional e internacional.
5.11.3. Comissão para o Desenvolvimento Sustentado
Esta comissão (CDS), criada a pedido da AG da ONU no seio da ECOSOC, constitui a aplicação
de uma recomendação do capítulo 38 da Agenda 21, tendo em vista a supervisão da
implementação dos respetivos princípios para um consenso global sobre a gestão, conservação e
desenvolvimento sustentado das florestas.
Uma outra missão constitui a promoção da criação e transferência de tecnologias amigas do
ambiente.

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5.11.4. União Europeia


A preocupação com a preservação do ambiente constitui um importante aspeto da
atividade da União Europeia. Digno de nota é o Livro Branco da Responsabilidade Ambiental.
A este propósito, a comunidade europeia é competente para celebrar e aplicar tratados
internacionais em domínios como a preservação, proteção e melhoramento do ambiente, proteção
da saúde humana, utilização prudente e racional dos recursos naturais e, ainda, a promoção, no
plano internacional, de medidas destinadas a fazer face a problemas, regionais ou planetários,
relacionados com o ambiente.
5.11.5. OI’s com preocupações ambientais
No quadro institucional de proteção internacional do ambiente contam-se OI’s, universais e
regionais, que não têm como principal (ou única) preocupação a proteção do ambiente, embora a
mesma esteja incluída na sua atividade. É o caso da Organização Marítima Internacional (OMI), da
Organização Mundial da Saúde, da Organização da Alimentação e agricultura (FAO) e do grupo do
BM.

6. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
No direito internacional e nas relações entre Estados, a responsabilidade internacional tem
um relevo inegável, consequentemente, tem um fundamento material bastante vasto.
Inicialmente, a responsabilidade internacional começa por ser um correlato da soberania
internacional e da capacidade jurídica internacional, uma vez que é um princípio fundamental da
teoria moral, da teoria politica e da teoria jurídica, que a responsabilidade aumenta na proporção
direta da autonomia e capacidade do sujeito.
Além disso, é uma garantia da legalidade internacional uma vez que se pretende afirmar que
a agressão não é uma opção nem um meio alternativo cuja utilização se possa legitimamente
equacionar em ordem à prossecução de fins pré-estabelecidos.
Do mesmo modo, é um corolário da igualdade soberana dos Estados. Os Estados fortes não
podem agredir os Estados fortes nem ter relativamente a eles uma atitude instrumental e
pragmática.
A responsabilidade internacional assenta, ainda, no principio da reciprocidade de direitos e
deveres entre os Estados, sendo que muitos consideram a reciprocidade um dos pilares
fundamentais de toda a normatividade. A responsabilidade é uma decorrência das relações
simétricas de reconhecimento e de cooperação racional que se devem estabelecer entre os
Estados.

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7. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS


7.1. OS CONTORNOS DOUTRINAIS DO PROBLEMA
É inegável o consenso relativamente à existência de um principio da responsabilidade
estadual por atos ilícios internacionais. Desde 1956, que a Comissão de Direito Internacional da
ONU tem baseado os seus trabalhos em matéria de responsabilidade estadual nessa premissa
fundamental. Em causa estava a responsabilidade internacional dos Estados face a cidadãos e
sociedades comerciais estrangeiras no quadro das nacionalidades e da afirmação da soberania dos
sobre os recursos naturais.
Teorias Clássicas:
Em 1963, alargou-se o debate da CDI em
torno da responsabilidade internacional do Estado, o Inexistência de responsabilidade: Lei
através da identificação de um acervo de normas do mais forte / Sobrevivência do mais
secundarias de responsabilidade que seriam apto
ativadas sempre que se verificasse a violação de
o Justiça natural: Igualdade e
normas primarias do direito internacional. A
reciprocidade / “olho por olho, dente
discussão tem deparando-se com algumas
por dente”
dificuldades significativas uma vez que não é
consensual se os Estados devem responder civil ou o Soberania absoluta: Irresponsabilidade
criminalmente, e até que ponto é que a natureza do imperador
da sua responsabilidade deve condicionar a
o Soberania limitada : Código ético
qualificação das infrações que lhe dão lugar.
universal / Responsabilidade de base
7.1.1. Tese da Responsabilidade Sui Generis teísta
Primeiramente podemos referir a tese dos
que se opõem à noção de crimes internacionais, aplicada aos Estados. De facto, consideram
suscetível de inviabilizar o regime de responsabilidade no seu todo. Para esta tese, a expressão
crime internacional anda tradicionalmente associada à responsabilidade individual , sendo pouco
adequada para a responsabilidade de entidades abstratas como os Estados. Mais grave do que isto,
as condenação de um Estado não democrático por condutas criminosas, para além da condenação
dos titulares dos seus órgãos individualmente considerados, corresponderia a uma punição
coletiva a todo um povo, acabando por impor um estigma a varias gerações de uma comunidade
politica inocente, porque não representada democraticamente pelas estruturas do Estado
criminoso.
Em todo o caso, de acordo com este entendimento, a melhor via consiste em explorar as
varias matrizes de responsabilidade internacional existentes, em face dos diferentes tipos de
normas violadas e da sua hierarquia, as quais são demasiadamente complexas para serem captadas
através da redutora dicotomia entre crimes e delitos.
Para alguns dos defensores deste entendimento, em vez de se pretender transpor para este
domínio as categorias de direito interno da responsabilidade civil e criminal, dever-se-ia configurar
a responsabilidade internacional dos Estados como responsabilidade sui generis.

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7.1.2. Tese Dos Ilícitos Excecionalmente Graves


De acordo com esta tese, verifica-se a existência de uma distinção qualitativa entre crimes e
delitos., a partir do caracter fundamental de determinados bens no contexto da comunidade
internacional, embora se considere que a mesma não tem necessariamente que ser expressa
através da palavra crimes, ainda que tomada sem uma conotação estritamente penal, podendo ser
utilizada um expressão equivalente, como por exemplo atos ilícitos excecionalmente graves. Esta
posição teria a vantagem de assinalar a gravidade da violação de algumas obrigações
internacionais, em cair no erro de confundir a responsabilidade individual com a responsabilidade
estadual.
Esta posição é consistente com o carácter sui generi da responsabilidade internacional dos
Estados, que pode aproximar-se mais ou menos da responsabilidade civil e/ou da responsabilidade
criminal , ou, se se quiser, de uma responsabilidade compensatória, ou reparatória, e/ou de uma
responsabilidade sancionatória, ou punitiva.
7.1.3. Tese dos Crimes do Estado
Um outro entendimento parte do princípio de que a categoria dos “atos ilícitos
excecionalmente graves” não passa de uma etiqueta nova para a categoria dos “crimes
internacionais”. Se assim é, então é mais transparente a utilização da categoria “crimes
internacionais”, podendo optar-se, alternativamente, por “crimes de Estado”.
A noção de “crime de Estado” seria entendida como conceito sui genereis, não tendo que
ter, necessariamente, um regime material e procedimental análogo ao que o direito penal nacional
reserva para os crimes de delito comum.
7.1.4. Tese dos Crimes e Delitos
Uma quarta tese apoia a utilização das categorias de “crime” e “delito”, considerando que a
apontada distinção qualitativa entre as diferentes violações de obrigações internacionais justifica
plenamente a utilização da primeira expressão – particularmente para condutas violentas que
suscitem a reprovação da opinião pública mundial e sendo certo que, muitas delas, transcendem,
largamente, a vontade dos indivíduos que os comete, temo por detrás uma orientação política
estadual, pelo que não seria lógico reduzi-los à expressão de meros crimes individuais, prescindindo
da responsabilização dos Estados.
De acordo com esta tese, a existirem, os “crimes do Estado”, devem atrair a si um
imponente dispositivo sancionatório, à semelhança do que sucede no direito penal dos Estados.
Quanto ao hipotético risco de infligir “punições coletivas” através da responsabilidade
criminal dos Estados, esta linha de pensamento entende que deve ser dada maior atenção à
população do Estado agredido do que à população do Estado agressor.

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_________________________________________________________________________________
Responsabilidade e Justiça Internacional:
▪ Decisões vinculativas;
▪ Direito universalizável;
▪ Decisões baseadas em princípios e não
▪ Independência institucional;
em relações de poder;
▪ Credibilidade dos juízes;
▪ Argumentação jurídica de elevada
▪ Poderes instrutórios independentes;
qualidade.
Apontamentos Históricos Relativos à Responsabilidade Internacional:

• 1929: Projeto de Convenção sobre Responsabilidade dos Estados por Danos Causados no
seu Território à Pessoa e à Propriedade de Estrangeiros
• Anos 30 do séc. XX: Conferências de Codificação da SDN
• 1953 UN pede à CDI um projeto de artigos sobre responsabilidade do Estado
• Roberto Ago e Comissão de Direito Internacional (1963) normas secundárias de
responsabilidade
• CDI: estudos desde 1969
• Relatório da CDI de 1997
• Projeto de Artigos de 2001 – Draft Articles
Projeto de Artigos sobre Responsabilidade Internacional dos Estados (PARIE) = Draft Articles
Art. 1º A responsabilidade do Estado por seus atos internacionalmente ilícitos - Todo ato
internacionalmente ilícito de um Estado acarreta sua responsabilidade internacional.

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7.2. REGIME DA RESPONSABILIDADE DOS ESTADOS


De facto, a sessão da CDI da ONU, em 2001, ficou assinalada pela aprovação do projeto de
artigos (Draft Articles) sobre responsabilidade do Estado por atos ilícitos internacionais, entendidos
como violações de uma obrigação jurídico-internacional imputável a um Estado, como tal
caracterizadas pelo direito internacional - artigos 2º e 3º dos Draft Articles.
O projeto não constitui, ainda, direito convencional, contudo, Funções da
na medida em que representa o resultado de um processo de intensas Responsabilidade do
discussões envolvendo os diversos Estados e o CDI, ele é, mesmo nesta Estado:
fase, um importante indicador do sentido atribuído aos princípios
gerais de direito internacional e da evolução do direito o Declaratória;
consuetudinário relevante neste domínio, aumentando a o Satisfatória;
previsibilidade e a segurança jurídica. o Inibitória;
o Ressarcitórias;
Cabe-lhe o mérito de clarificar, organizar e unificar o o Sancionatória;
pensamento jurídico nesta matéria e de adequar a responsabilidade o Normativa.
dos Estados ao atual estado de desenvolvimento do direito
internacional. É de salientar que estes Draft Articles não afastam Sentido da
aplicação de outras normas de direito internacional pertinentes, nem Responsabilidade:
prejudicam a responsabilidade por parte das OI’s ou de indivíduos – ▪ Correlato da
artigos 57º, 58º e 59º do DARS. soberania dos
7.2.1. Imputabilidade dos Estados Estados;
▪ Expressão da
Um dos problemas com que inicialmente se depara a doutrina igualdade soberana
diz respeito à atribuição ou imputação de uma conduta a um Estado. dos Estados;
Nos termos do projeto da CDI, a imputabilidade de um ato ▪ Reciprocidade;
ilícito internacional ao Estado verifica-se, desde logo, quando este foi ▪ Relações
praticado por um dos órgãos do Estado, dos poderes constituinte, simétricas.
legislativo, administrativo e jurisdicional, das forças armadas ou por
uma qualquer entidade a quem tenham sido legalmente atribuídas prerrogativas de direito público,
desde que no exercício das mesmas.
➢ A imputação do ato ilícito ao Estado verifica-se mesmo ultra vires, isto é, quando forem
excedidos os seus poderes de autoridade ou desrespeitadas as suas instruções pelos
funcionários e agentes estaduais, na medida em que se presume que subsiste a possibilidade
de controlo de facto por parte do Estado;

➢ É igualmente imputável a um Estado um ato praticado por órgão de outro Estado, mas por
este colocado ao seu serviço, isto vale, no caso de uma ação ou omissão, por exemplo, a falta
de medidas para prevenir ou suprimir o terrorismo é imputável a um Estado por efeitos de
responsabilidade, o mesmo sucede no caso de violação, por omissão, de um dever de
proteção contra violações do direito internacional;

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➢ Suscetíveis de imputação a um Estado para efeitos de responsabilidade são, ainda, as


condutas de indivíduos ou pessoas coletivas privadas que atuem como agentes de facto
desse Estado, ou grupos por ele treinados, equipados, armados, financiados ou de algum
modo apoiados para a realização de atividades militares e paramilitares contra outro Estado.
Neste âmbito é importante realçar os artigos 5º, 6º, 7º e 8º do DARS;

➢ A imputação também se verifica nas ações realizadas no exercício delegado de podere


públicos, ou em substituição ou na falta do Estado - artigo 4º a 9º do DARS. São igualmente
imputáveis a um Estado, para além dos casos previstos, as condutas que ele venha a
reconhecer como suas - artigo 10º e 11º do DARS;

➢ A conduta de um movimento insurreto que dá origem a um novo governo de um Estado ou a


um novo Estado é-lhe imputável, regra que se justifica pela necessidade de assegurar a
continuidade e a regularidade da interação Estadual.

É de notar que na eventualidade de um Estado coagir outro a cometer um ato ilícito


internacional com a consciência das respetivas circunstâncias, caso em que ambos são
responsabilizados - artigos 16º a 18º da DARS.
Imputação da Conduta ao Estado (4º-11º do Projeto de Convenção): Cumplicidade:

• Ajuda ou assistência na
violação de uma
obrigação internacional;
• Conhecimento das
circunstâncias;
• Ilicitude do ato se
cometido pelo Estado.
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O nexo de imputação é dado pela culpa do agente, abrangendo situações de dolo direto,
dolo necessário, e dolo eventual, bem como negligência simples (mera culpa) e negligência
grosseira. Quando não seja clara a determinação dos elementos subjetivos relevantes, a imputação
poderá depender da existência de um ato intencional imputável a um determinado órgão estadual
ou de uma falha no serviço. No direito internacional torna-se particularmente difícil fazer a prova
dos elementos subjetivos e funcionais da neglicência, pelo que o acento tónico reside na imputação
a um Estado de uma conduta intencional ou perigosa, violadora de uma obrigação internacional. –
Responsabilidade Subjetiva.
Existem, também, as situações em que a violação de uma obrigação internacional é
objetivamente imputável ao Estado, independentemente de se verificar qualquer culpa ou falha de
serviço. Esta responsabilidade está associada à realização de atividades perigosas, geradoras de
risco – Responsabilidade Objetiva.
Vínculo de Imputação:

Tipos de Atos Geradores de Responsabilidade: Ato Pontual / Ato de Execução Continuada / Ato
Composto / Complexo de Atos.

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→Art. 14 Extensão no tempo de uma violação de uma obrigação internacional


1. A violação de uma obrigação por um ato de um Estado que não tenha caráter contínuo ocorre no
momento em que o ato é realizado, mesmo que seus efeitos perdurem.
2. A violação de uma obrigação internacional por um ato de um Estado que tenha caráter contínuo
se estende por todo o período durante o qual o ato continua e permanece em desacordo com a
obrigação internacional.
3. A violação de uma obrigação internacional que exija do Estado a prevenção de um certo
acontecimento produzir-se-á no momento em que começa esse acontecimento e se estende por
todo o período em que o evento continua e permanece em desacordo com aquela obrigação.
→Art. 15 Violação proveniente de um ato composto
1. A violação de uma obrigação internacional por um Estado por meio de uma série de ações ou
omissões definidas em conjunto como ilícitas, ocorre quando a ação ou omissão que, tomada com
as outras ações ou omissões, é suficiente para constituir o ato ilícito.
2. Em tal caso, a violação se estende por todo o período começando com a primeira das ações ou
omissões da série e se prolongando, enquanto as ações ou omissões forem repetidas e
permanecerem em desacordo com a obrigação internacional.
7.2.2 Violação de uma Obrigação Internacional
Resolvida a questão de imputação de uma conduta a um Estado há que analisá-la do ponto
de vista da sua conformidade com as obrigações internacionalmente estabelecidas para com um ou
mais Estados, ou para com a comunidade internacional no seu todo.
No primeiro caso, está-se perante obrigações normalmente assentes em relações baseadas
em princípios de reciprocidade ou interdependência. As mesmas podem ser obrigações Inter
partes, quando resultantes de um tratado bilateral ou multilateral restrito, e erga omnes partes,
quando dizem respeito à proteção de um interesse coletivo definido por Estados partes num
tratado multilateral aberto.
No segundo caso, trata-se de obrigações integrais erga omnes, que denotam o
reconhecimento de que já não se está apenas perante uma comunidade assente nas relações entre
Estados, mas sim perante um interesse público comunitário internacional, abrangendo muitos
outros sujeitos e atores para além dos Estados. Trata-se aqui de um conceito muito próximo dos de
ius cogens e crime internacional, embora não totalmente coincidente.

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Importa sublinhar a parametricidade do direito internacional neste domínio, sendo


inadmissível a invocação de disposições de direito interno para afastar a responsabilidade
internacional - artigos 32º e 33º do DARS. As obrigações internacionais, quer sejam bilaterais quer
multilaterais, podem emergir de qualquer fonte de direito internacional, que não apenas de um
tratado.
É considerado violação de uma obrigação internacional, um ato ilícito de um Estado,
independentemente da existência de um dano – artigo 12º. No entanto, a condenação no
pagamento de uma compensação pressupõe a existência de um dano, material ou moral, e de um
nexo de causalidade adequado entre a violação da obrigação internacional e o dano. A não
verificação de qualquer destes pressupostos é suficiente para excluir qualquer responsabilidade de
natureza reparatória.

Interesses Tutelados pelas Responsabilidade:


Obrigações Internacionais:

7.2.2.1. Violação Simples


O fator decisivo na ativação deste instituto jurídico-internacional é a violação de uma
obrigação de direito internacional em termos que provoquem danos a bens dos Estados e da
comunidade internacional protegidos pelo direito internacional.
Existem violações mais ou menos graves de obrigações jurídicas internacionais. As menos
graves são, por uns, qualificadas por “delitos internacionais”. No entanto, os Draft Articles falam,
apenas, da violação de obrigações internacionais, que, por comodidade, podemos chamar de
violações simples.

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7.2.2.2. Violação Grave


A CFI recusou a terminologia de
“crimes internacionais” ou “crimes de Estado”
no domínio da responsabilidade internacional
dos Estados. Mesmo a expressão “ilícito
excecionalmente grave” foi afastado,
passando-se a falar em violações graves de
obrigações internacionais.
A gravidade da violação depende da
fundamentalidade da norma violada e da
gravidade da conduta do Estado infrator.
Assim, são consideradas violações graves as violações de normas imperativas de direito
internacional (jus cogens) de forma grosseira e sistemática - artigo 40º do DARS.
Alguns juristas defendem a recondução a esta categoria a violação de certos deveres de
proteção de direitos humanos diante de agressões de terceiros, especificados por critérios
subjetivos, territoriais, funcionais, de danosidade e de exigibilidade.
Quando existem este tipo de violações do direito internacional, existem deveres específicos
dos Estados no sentido de cooperarem na sua cessação e de não reconhecerem qualquer efeito
jurídico a uma situação dessa forma criada, nem prestarem qualquer auxílio ou assistência na
manutenção dessa situação - artigo 41º do DARS.
7.2.3. Tipologia dos Atos Ilícitos Internacionais
Um ato de um Estado constitui uma violação de uma obrigação internacional quando, no
momento em que é praticado, não está em conformidade com o que deste é exigido por essa
obrigação, independentemente da sua origem e carácter - artigos 12º e 13º. Para saber se um ato
violou uma obrigação internacional pré-existente é necessário precisar o momento exato em que
foi praticado.
Se o ato é instantâneo, mesmo que os seus efeitos se prolonguem no tempo, considera-se
relevante o momento da sua prática.
Se o ato é contínuo, considera-se ilícito se, e enquanto, o mesmo, em qualquer momento da
sua prática, entrou em contradição com uma obrigação internacional.
7.2.4. Causas de Exclusão da Ilicitude
O regime de responsabilidade internacional admite um conjunto de cláusulas de exclusão da
ilicitude.
A legitimidade e a efetividade das obrigações internacionais depende, em boa medida, de os
Estados não se poderem desvincular das mesmas por razoes meramente triviais, nem sempre
obrigados ao seu cumprimento a qualquer preço. Admite-se que existam razoes ponderosas que
possam justificar o afastamento das obrigações internacionais.

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Do mesmo modo, a conduta do lesado deve ser objeto de analise em questões de


responsabilidade. Assim, a ilicitude internacional de um ato pode ser excluída de varias maneiras. A
invocação destas causas não afasta o dever de observância das obrigações internacionais se, e na
medida em que essas causas deixem de se verificar, nem prejudica o dever estadual de reparação
de danos - artigo 27º do DARS. No entanto, a mesma proíbe comportamentos retaliatórios por
parte do Estado lesado.

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7.2.4.1. Consentimento ou negligência do lesado


Constitui causa de exclusão da ilicitude o consentimento do lesado, expresso ou tácito,
desde que o ato em causa se mantenha dentro dos limites desse consentimento.
O consentimento deve ser validamente expresso (livre e esclarecido) e que não pode cobrir
a violação de normas imperativas de direito internacional.
A par do consentimento, previsto pela CDI, a doutrina tende a averiguar em que medida é
que a atuação negligente do lesado contribuiu para o dano, ou em que medida é que o lesado não
mitigou os danos quando podia tê-lo feito, dessa forma procurando incentivar a devida diligência
por parte de todos os membros da comunidade internacional - artigo 39º do DARS.
7.2.4.2. Legítima Defesa
Do mesmo relevo se reveste a legítima defesa, desde que exercida nos termos da Carta da
ONU. A inclusão desta cláusula é inevitável numa ordem jurídica que não dispõe de mecanismos
obrigatórios e executórios para a resolução de conflitos entre Estados de forma imparcial e
expressa - artigo 21º do DARS.
7.2.4.3. Contramedidas
A ilicitude de um ato desconforme com as obrigações de um Estado para com outro é
igualmente excluída nos casos em que se trata de contramedidas, ou represálias pacíficas, adotadas
contra um ato ilícito de outro Estado, desde que nos termos da disciplina jurídica da
responsabilidade dos Estados - artigos 20º a 22º do DARS. Isto inclui a possibilidade da tomada de
contramedidas por outros Estados que não o lesado - artigo 54º do DARS.
Esta solução justifica-se em virtude da inexistência de um monopólio internacional da
coerção legítima, constituindo as contramedidas um meio necessário para obrigar um Estado à
cessação de uma conduta ilícita - artigo 49º/1 do DARS.
Trata-se de um meio imperfeito já que depende de uma apreciação parcial e a quente dos
factos e da força política, económica e militar relativa do lesado e do infrator, tendo também o
perigo de desencadear a escalada do conflito.
As contramedidas podem traduzir-se no não cumprimento de uma ou mais obrigações que
ligam o Estado lesão ao Estado infrator, tendo como objetivo essencial pressionar o Estado infrator
a cumprir as suas obrigações, nunca podendo pôr em causa a retoma do pretendido cumprimento,
de acordo com o princípio da reversibilidade - artigo 49º/2/3 do DARS.
O recurso a contramedidas encontra-se sujeito a determinados limites. Desde logo, existem
dever prévios de notificação do Estado infrator para o cumprimento das suas obrigações, de
notificação da intenção de recorrer a contramedidas e de solicitação de uma negociação prévia, nos
termos das normas da Carta da ONU em matéria de resolução pacífica de conflitos internacionais.
Não haverá lugar a contramedidas se o dano cessou ou se o litígio se encontra pendente
num órgão jurisdicional com competência para proferir decisões juridicamente vinculativas - artigos
52º e 53º do DARS. Para além disso, as contramedidas encontram-se sujeitas ao princípio da

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proporcionalidade ao respeito dos direitos de terceiros Estados e ao princípio da resolução pacífica


dos litígios - artigos 50º e 51º do DARS.
Existem algumas medidas cujo recurso está totalmente vedado. É o que sucede com a
ameaça do uso da força, a coerção política e económica excessiva, a violação das imunidades
estaduais, diplomáticas e consulares e a violação dos direitos fundamentais básicos, de normas de
natureza humanitária e de normas imperativas de direito internacional - artigo 50º do DARS.
7.2.4.4. Força maior
É ainda considerada causa de exclusão da ilicitude de um ato desconforme com o direito
internacional o facto de a sua prática ter sido imposta por força maior, em termos imprevistos e
incontroláveis, inimputável ao Estado ou decorrente de um risco por este assumido. Nestes casos,
a impossibilidade de controlo de facto por parte do Estado lesante, é considerada decisiva - artigo
23º do DARS.
7.2.4.5. Perigo
Uma situação de perigo, passível de gerar um estado de angústia ou perturbação, exclui,
igualmente, ilicitude de um ato, quando não se vislumbre qualquer meio razoável para salvar a vida
do seu autor ou de pessoas sob o seu cudado, desde que a perturbação não resulte da conduta
estadual nem crie um perigo comparável ou maior - artigo 24º do DARS.
7.2.4.6. Estado de necessidade
Também a existência de estado de necessidade pode ser invocada como causa de exclusão
de ilicitude de um ato, desde que a sua prática:
1. Tenha sido o único meio para a salvaguarda de um interesse estadual essencial contra
um perigo grave e iminente ou uma lesão enorme;
2. Não ponha em causa interesses essenciais dos Estados destinatários da obrigação ou
da comunidade internacional;
3. Não se tenha precludido, por via convencional, a invocação do estado de necessidade;
4. Não tenha contribuído para o estado de necessidade a conduta do Estado que o invoca
-artigo 25º DARS.
Quem invoca o estado de necessidade tem o ónus de provar os respetivos pressupostos.
Trata-se aqui do reconhecimento de costume internacional existente.
7.2.5. A Invocação da Responsabilidade Internacional
7.2.5.1. Estado Lesado e Legitimidade Universal
Esta questão é da maior importância para saber quem tem legitimidade processual ativa
para desencadear uma ação de responsabilidade internacional. O Estado lesado é o titular dos
direitos de reparação, indeminização e satisfação, correspetivos dos deveres do estado que incorre
em responsabilidade internacional. Desta forma, o estado lesado é o destinatário direto da
obrigação violada por um ato ilícito de outro Estado - artigo 42/a) do DARS.

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Pode tratar-se de um Estado parte no tratado bilateral de onde emerge o direito, ou de um


Estado titular de um direito resultante de decisão judicial ou arbitral sobre uma disputa em que é
parte.
Do mesmo modo, pode ser um estado titular ou beneficiário de um direito resultante de um
tratado entre vários Estados, desde que o mesmo seja especialmente afetado pela conduta do
Estado infrator ou desde que a conduta do infrator altere profundamente a posição em que os
vários Estados destinatários da obrigação se encontram relativamente ao seu cumprimento – artigo
42º b) do DARS (→art.60ºCVT).
Para além do Estado lesado, no sentido estrito que se encontra nos Draft Articles,
encontramos a possibilidade de alargamento da legitimidade processual para acionar a
responsabilidade internacional a Estados não lesados, no sentido estrito do termo.
Por um lado, sustenta-se
que goza dessa legitimidade o
Estado parte de um tratado
multilateral, desde que a obrigação
violada tenha sido expressamente
estabelecida para proteger
interesses coletivos (erga omnes
partes), nos termos do Art. 48º/1,
a) do DARS, como por exemplo na
violação de tratados regionais de
segurança, de proteção.
O mesmo sucede quando a
obrigação internacional violada
tenha em vista proteção dos
interesses da comunidade internacional no seu todo (erga omnes) – artigo 48º/1/b) do DARS.
Consagra-se aqui um equivalente internacional da ação popular de direito interno,
universalizando a legitimidade processual ativa, aspeto que pode abrir as portas a um ulterior
alargamento desta legitimidade a OI’s e a ONG’s.
Assim, a legitimidade ativa só será plenamente reconhecida (direito à cessação, não
repetição, reparação, contramedidas)se o Estado demonstrar que foi especialmente lesado pela
violação. Caso contrario, a legitimidade será admitida em termos mais limitados (direito à cessação
e à não repetição), eventualmente com a possibilidade de exigir uma reparação a favor de um
Estado lesado.
Em alguns casos, a distinção entre Estado Lesado e Estado não lesado, por vezes, não é tão
nítida. Por exemplo, no caso de genocídio, um Estado terceiro pode-se afirmar lesado, na medida
em que tendo sido violada uma obrigação erga omnes que o mesmo subscreveu, a não ativação da
responsabilidade internacional compromete a o direito internacional e o seu status jurídico-
internacional.

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Foro da Invocação:

7.2.6. O Conteúdo da Responsabilidade Internacional


Conteúdo da Responsabilidade:
O direito internacional pretende estruturar-se de forma a
o Cessação da violação;
tonar claro que, independentemente das considerações
substantivas pertinentes, por vezes desprezadas pelos Estados, o Garantias de não repetição -
a violação de obrigações internacionais não constitui o curso de artigo 30º;
ação mais racional do ponto de vista dos interesses dos Estados.
o Indemnização - artigo 36º;
O objetivo ultimo do direito internacional é que todos os
o Reparação – artigo 31º;
sujeitos de direito internacional cumpram as suas obrigações
primárias, sem que nenhum deles tenha de ser chamado à o Restituição – artigo 35º
responsabilidade.
o Satisfação – artigo 37º.

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➢ Dever de Cumprimento da Obrigação Internacional


O facto de um Estado incorrer em responsabilidade internacional por violação de uma
obrigação internacional não prejudica a permanência do dever de cumprir essa mesma obrigação -
artigo 29º do DARS. Por outras palavras, o Estado deve, ao mesmo tempo que assume a
responsabilidade pelos danos causados pela sua violação de uma obrigação internacional, adotar
um comportamento conforme a essa obrigação.
As obrigações decorrentes das normas internacionais constituem obrigações primárias, ao
passo que as obrigações decorrentes da responsabilidade pela sua violação configuram obrigações
secundárias. Assim, se um Estado se encontra a violar uma obrigação primária, ele deve cessar
imediatamente esse comportamento e cumprir as suas obrigações secundárias. Do mesmo modo,
ele deve fornecer garantias do que o ato ilícito não se repetirá - artigo 30º do DARS.
➢ Dever de Reparação
A responsabilidade internacional dos Estados tem preponderantemente um objetivo
reparatório ou compensatório. Assim, o Estado que incorre em responsabilidade tem o dever de
reparar completamente os danos materiais ou morais, causados pelo seu ato ilícito, sem prejuízo da
consideração do contributo que o Estado lesado tenha dado para o dano verificado - artigo 39º do
DARS.
A reparação deve ser levada a cabo através da restituição, da indemnização ou
compensação e da satisfação - artigos 31º e 34º do DARS.
➢ Restituição Natural
A restituição de que se fala neste domínio é a chamada Restitutio in integrum, consistindo
na restituição em espécie. Trata-se da obrigação de proceder à restauração da situação atual
hipotética, ou seja, da situação que, atualmente, existiria na hipótese de não se ter produzido o ato
ilícito.
O DARS sugerem uma formulação ligeiramente mais limitada, na medida em que se referem
à restauração da situação que existia antes do ato ilícito - artigo 35º do DARS. A restituição só é
exigível dentro dos limites das possibilidades materiais do Estado lesante e do princípio da
proporcionalidade. A doutrina sublinha, ainda, a necessidade de salvaguardar a independência e a
estabilidade do Estado infrator.
➢ Indeminização por Equivalente
Se não for possível reparar os danos causados pelo ato ilícito através da restituição natural,
haverá lugar ao pagamento de uma indemnização pecuniária por equivalente. A doutrina divide-se,
discutindo se a indemnização deve ser:
o Equivalente aos danos causados: A indemnização deverá cobrir todos os danos
financeiramente quantificáveis, incluindo, tanto os danos emergentes, como os lucros
cessantes - artigo 99º do DARS -na medida em que estes tenham sido devidamente
determinados - Art. 36º do DARS. A compensação financeira poderá, ainda, cobrir os danos
morais, apesar dos mesmos não serem financeiramente mensuráveis. Poderá ainda ser

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exigível o pagamento de juros compensatórios e de mora. A taxa e o modo de cálculo serão


definidos caso a caso. Regra geral, o juro deve visar a reparação total do dano, devendo ser
calculado a partir do dia em que a soma principal deveria ter sido paga, de uma forma
adequada ao efeito reparatório pretendido;

o Equivalente aos benefícios obtidos pelo Estado lesante: Em alguns casos a equidade poderá
recomendar a consideração, na determinação do montante da indemnização, não, apenas,
o propósito de anular o dano causado, mas também o de sancionar a conduta e a anular o
benefício material que o infrator possa ter retirado da sua conduta ilícita. Isto, de acordo
com o princípio geral do direito nos termos do qual ninguém pode retirar quaisquer
benefícios da sua própria torpeza;

o Superior aos benefícios obtidos pelo Estado lesante: Esta posição sustenta a necessidade de
o direito da responsabilidade impor ao Estado lesante custos superiores aos benefícios que
ele retira da violação de obrigações internacionais, de forma a desincentivar essa violação.
Neste caso, a indemnização teria uma finalidade sancionatória, para além da intenção
compensatória. A doutrina entende que o dever de indemnização, embora visando a plena
compensação dos danos causados e, eventualmente, a anulação dos benefícios auferidos,
deve ser ponderado de forma razoável e proporcional com o propósito de salvaguardar os
meios de subsistência dos habitantes do Estado infrator e o crescimento económico.
O dever de indemnização deve ser ponderado de forma razoável e proporcional, com o
propósito de salvaguardar os meios de subsistência dos habitantes do Estado infrator e o
crescimento económico.
➢ Satisfação Moral
Para além do dever de reparação material, os Estados que incorrem em responsabilidade
internacional encontram-se obrigados a dar uma satisfação pelos danos causados, na medida em
que os mesmos não possam ser devidamente reparados através da restituição e da indemnização -
artigo 37º/1 do DARS.
A satisfação tem como finalidade essencial anular o benefício moral que o Estado infrator
possa ter retirado da sua conduta ilícita e restaurar a dignidade soberana e o sentimento de
respeito próprio do Estado lesado.
A satisfação pode consistir no reconhecimento da violação da obrigação internacional, num
pedido de desculpas formal ou numa outra modalidade apropriada - artigo 37º/2 do DARS.

• Esta deve ser adequada à gravidade do dano, bem como à atitude de dolo ou negligência do
agente - artigo 37º/3 do DARS.
• Os termos empregados não devem ser ambíguos. A expressão utilizada deve permitir ao
destinatário perceber com clareza se o Estado infrator está, apenas, a lamentar o sucedido, se o
mesmo dá mostras de arrependimento sincero pelo sucedido e se pede desculpa ao Estado
lesado pelo sucedido, reconhecendo a sua dignidade.
• A satisfação deve salvaguardar, também, a dignidade do Estado infrator (Artigo 37º/3 do DARS);

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• A satisfação moral também pretende ser uma satisfação jurídica, devendo reconhecer que o
dano causado foi o resultado, não apenas da violação de uma obrigação moral, mas sim da
violação de uma obrigação jurídica.
7.2.7. A Efetivação da Responsabilidade Internacional
A intenção de acionar a responsabilidade internacional de ser comunicado pelo Estado
lesado ao Estado infrator, defendo especificar a conduta que considera necessária à cessação da
violação da obrigação internacional, bem como a forma de reparação que se lhe afigura adequada -
artigo 43º do DARS.
A ativação da responsabilidade internacional deverá obedecer às regras relativas à
nacionalidade da pretensão, bem como ao princípio da exaustão dos meios de direito interno, se e
na medida em que forem pertinentes - artigo 44º do DARS.
A instância normal para a efetivação da responsabilidade internacional é o TIJ, embora
possam ser especialmente competentes outras instâncias jurisdicionais internacionais.
No caso de existirem vários Estados lesados pelo mesmo ato, os mesmos podem acionar a
responsabilidade internacional separadamente - artigo 46º do DARS.
No caso de existirem vários Estados infratores, a responsabilidade internacional pode ser
invocada contra cada um deles ou todos, sem que o Estado lesado tenha direito a uma reparação
maior do que o dano efetivamente sofrido - artigo 47º do DARS.
A invocação da responsabilidade internacional pode ser acompanhada do pedido de
cessação da conduta ilícita e de garantias de não repetição, consistindo no pedido de uma
reparação, nos termos expostos, a favor do Estado lesado ou dos beneficiários da obrigação
violada, podendo aqui incluir os indivíduos que beneficiam de tratados de proteção de direitos
humanos – Art. 48º/2 do DARS.

Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens,
aberta à assinatura em Nova Yorque em 17 de janeiro de 2005:

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Imunidade Relativa:

8. RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS INTERNACIONAIS

8.1. RESOLUÇÃO PACÍFICA DOS LITÍGIOS


O princípio da resolução pacífica dos litígios constitui um dos pilares do direito internacional
contemporâneo – artigo 2º, 4º e 33º da Carta das Nações Unidas e artigo 279º da CDM. Assim é por
valer, atualmente, o pressuposto de que a paz é mais barata, mais eficaz e mais desejável do que
guerra.
Este princípio decorre da proibição do recurso à força como prerrogativa da soberania dos
Estados e como meio normal de resolução de conflitos
Tem uma natureza jurídica imperativa, tendo como corolários a proibição de recurso à
agressão, o dever de procura de uma solução rápida, pacífica e de boa-fé e o respeito pela
autonomia estadual na escolha de meios de resolução pacífica.
8.2. MEIOS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DE LITÍGIOS

8.2.1. Litígios Internacionais


Entende-se que os litígios internacionais consistem em divergências ou polarizações de
interesses, pretensões ou perspetivas de direito, de facto ou de orientação política, suscetíveis de
ameaçar a cooperação, a paz e a segurança internacionais.

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A doutrina distingue entre litígios justiciáveis e litígios não Aumento da Litigâncias:


justiciáveis. A primeira categoria consideram-se as disputas passíveis
de uma solução jurídico-normativa. Assim sucede quando se está ▪ Maturação e
perante disputas sobre questões de direito, em que se trata de profissionalização;
determinar a existência de uma norma de direito internacional, de ▪ Escopo e frequência;
decidir da aplicabilidade de uma norma ou de esclarecer ▪ Natureza
interpretativamente o sentido de uma norma. A segunda categoria policêntrica;
compreende os conflitos de natureza político-diplomática. ▪ Intensidade factual;
▪ Urgência.
Os litígios internacionais podem ser bilaterais e multilaterais e
pode ter como partes outros sujeitos de Direito Internacional para além dos Estados.

Litígios de Direito Internacional:

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Litígios Internacionais: Litígios Transnacionais:

8.2.2. Meios Não Jurisdicionais

8.2.3. Negociação
No âmbito da resolução pacífica de litígios, a negociação caracteriza-se por envolver apenas
as partes diretamente envolvidas na controvérsia.
Esta tem, normalmente, uma natureza diplomática, devendo salientar-se, como dimensões
essenciais, a sua flexibilidade e adaptabilidade aos vários tipos de litígios, a subordinação ao
princípio da consensualidade e a abertura a considerações de equidade e oportunidade, não
estritamente jurídicas.
Sublinha-se, ainda, a importância do princípio da Negociação:
boa-fé em todas as fases da negociação, devendo o mesmo
o Envolve as partes no litígio;
manifestar-se na lealdade e na proteção da confiança, na
adequação temporal da negociação, na correção o Método político-diplomático;
procedimental e substantiva, no respeito pelo
o Flexibilidade;
consentimento e pela liberdade de aceitação da solução
alcançada. o Boa-fé: Lealdade / Adequação
Temporal / Correção
A negociação é particularmente útil na fase pré-
procedimental / Justiça
contenciosa de um diferendo, como meio de prevenir a
substantiva.
entrada numa fase contenciosa, sendo imperativo antes da
adoção de contramedidas, sem prejuízo da adoção de
medidas provisórias, de natureza cautelar.
8.2.4. Bons Ofícios e Mediação
Os bons ofícios consistem na intervenção de um terceiro. Podem ser desempenhados por
um Estado, uma OI, uma ONG, uma personalidade de mérito internacionalmente reconhecido ou
mesmo uma confissão ou comunidade religiosas. O objetivo primordial dos bons ofícios é o
estabelecimento ou restabelecimento de contactos recíprocos entre as partes no litígio. Pretende-
se, portanto, resolver os problemas de comunicação que impedem a negociação.

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A mediação apresenta um maior grau de formalização. Também se verifica a intervenção de


um terceiro, embora se espere do mediador a introdução de racionalidade e clareza na negociação.
Em muitos casos o mediador procede à apresentação de
uma proposta de solução às partes, cabendo-lhe tentar Mediação:
lograr um acordo com base nas respostas obtidas pela sua
proposta. A mediação é especialmente relevante no caso ▪ Intervenção de terceiros;
de impasse negocial. ▪ Negociação assistida;
O sucesso da mediação depende da observância dos ▪ Maior racionalidade e clareza;
princípios da boa-fé, da lealdade, da justiça e da
imparcialidade. A iniciativa da mediação tanto pode partir ▪ Apresentação de propostas de
das partes ou de um terceiro. solução às partes.

Do ponto de vista da utilização que tem sido a estes Ex.: Quarteto EUA, UE, Rússia e
dois meios de resolução pacífica de litígios, sublinha-se a NU para a o conflito Israel-
frequente combinação de ambos os procedimentos num Palestina
só.
8.2.5. Inquérito
Alguns litígios internacionais têm um forte componente fáctico, isto é, desenvolvem-se a
partir e em torno de questões de facto. Daí a importância do inquérito de resolução de litígios, cuja
finalidade consiste, precisamente, na determinação de factos controversos, na esperança de que
isso torna mais fácil aplicar o direito.
A utilização do inquérito internacional é particularmente adequada à fiscalização do
cumprimento de obrigações internacionais, à verificação da ocorrência dos pressupostos de facto
de uma norma de direito internacional e ao esclarecimento preciso das circunstâncias que deram
origem a um determinado litígio internacional.
À semelhança do que sucede com a negociação, também o inquérito nem sempre surge no
contexto de uma disputa. O inquérito pode ser levado a cabo por um relator especial, por uma
comissão de inquérito ou por um vasto conjunto de inspetores devidamente credenciados para o
efeito.
Os princípios que devem conformar a sua realização consistem na objetividade e na
imparcialidade.
▪ A objetividade traduz-se na procura e na descrição exata da verdade material dos factos.
▪ A imparcialidade implica a procura dos factos relevantes do ponto de vista de todas as partes do
litígio e não de algumas delas.

8.2.6. Conciliação
A conciliação encontra-se a meio caminho entre a mediação e a arbitragem. A mesma
consiste na submissão das posições em confronto a uma comissão especialmente qualificada,
tendo em vista o esclarecimento da questão a partir dos vários pontos de vista.

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A comissão de conciliação procede à elaboração de um relatório com propostas de solução


não vinculativas, podendo igualmente formular recomendações, em face das posições das partes
perante essas propostas.
As partes são livres para conformarem autonomamente a conciliação, definindo os termos
da sua intervenção e escolhendo os conciliadores, devendo, em todo o caso, respeitar
determinados princípios básicos de due process.
A conciliação não obedece a um regime jurídico unitário; no entanto, tendo em vista tornar
mais expedito o recurso a este meio de resolução de litígios, a ONU tem procurado estruturar um
procedimento genérico de conciliação:
o Uma comissão de conciliação deverá ser integrada por Conciliação:
dois conciliadores escolhidos por cada Estado Parte,
sendo que um pode ser nacional do Estado e o outro tem ➢ Maior formalização;
que ser estrangeiro, constando, obrigatoriamente, da ➢ Investigação e análise;
lista de conciliadores da ONU. Será eleito por estes
conciliadores um último, que presidirá à comissão; ➢ Comissão de conciliação;
o A iniciativa de conciliação cabe às partes envolvidas no ➢ Elaboração de relatório
conflito, podendo o recurso à mesma decorrer da com propostas de
existência de uma cláusula contratual de conciliação. solução;
A conciliação deve obedecer aos princípios da boa-fé, da ➢ Boa-fé;
justiça procedimental e substantiva e da celeridade
procedimental, devendo a duração do procedimento ser ➢ Justiça procedimental;
adequada e proporcional à complexidade do conflito. ➢ Justiça substantiva.
A conciliação deverá ser levada a cabo sempre que as
negociações se mostrem inconclusivas.
8.3. Meios Jurisdicionais
O direito internacional tem desenvolvido diversos meios de resolução de litígios de natureza
quase jurisdicionais e jurisdicionais, assistindo-se, assim, ao crescimento exponencial das instancias
arbitrais e jurisdicionais, subsumíveis à categoria de meios jurisdicionais de resolução de conflitos.
A proliferação de tribunais tem andado em paralelo com o aumento significativo de litígios
internacionais. Ainda assim, porém, o recurso aos meios jurisdicionais é relativamente raro, sendo a
larga maioria disputas internacionais resolvidas através dos meios não jurisdicionais.
O TIJ tem funcionado como uma espécie de tribunal comum mundial para os litígios entre
Estados. A par dele tem vindo a surgir outras instancias jurisdicionais, de caracter regional ou
universal, com competência especializada em determinadas matérias e admitindo um leque mais
vasto de sujeitos processuais.
De facto, este fenómeno justifica a autonomização de uma disciplina de direito internacional
judiciário, abrangendo a arbitragem internacional e a jurisdição internacional stricto sensu. Um dos
traços essenciais da jurisdição internacional em sentido amplo consiste na subordinação ao
principio da subsidiariedade, por forma a exaustão dos remédios locais.

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Outra característica fundamental da jurisdição internacional reside no facto de as suas decisões


não serem, exceto algumas exceções, objeto de controlo por parte de qualquer entidade externa,
nacional ou internacional, nomeadamente através de um recurso de revisão.
Na jurisdição internacional coexistem pacificamente a arbitragem e a jurisdição propriamente
dita, estabelecendo entre si relações de cooperação jurisprudencial e da influencia reciproca.
8.3.1. Arbitragem
Diferentemente do que se passa com os referidos meios de resolução pacífica de conflitos, a
arbitragem conduz à definição de uma controvérsia. Esta deve ser adotada quando a conciliação
falhar, embora não exista nenhuma norma de direito internacional nesse sentido. A arbitragem
internacional ocorre entre Estados ou entre Estados e Investidores.
O recurso a este meio de resolução de conflitos depende do acordo bilateral das partes em
conflito, que pode ser ex ante ou ex post, consoante seja anterior ou posterior à emergência do
litígio.
❖ EX ANTE (anterior à emergência do litigio): exprime-se geralmente através de uma cláusula
constante de um tratado, da previsão num tratado de um mecanismo específico de
arbitragem ou por via de um tratado bilateral ou multilateral sobre arbitragem;
❖ EX POST (posterior à emergência do litigio): trata-se da celebração de um acordo arbitral
posterior ao surgimento de um conflito, seguido de um compromisso arbitral. Neste ultimo,
as partes do conflito definem os termos da arbitragem, as respetivas regras de organização
e processo, o objeto de conjugação e os efeitos da decisão.

8.3.1.1. Caracterização da arbitragem


A arbitragem constitui um importante mecanismo de jurisdição internacional. A mesma
constitui um instrumento de acesso à jurisdição internacional por parte daqueles sujeitos de direito
internacional, desprovidos de legitimidade processual ativa para interporem ações diante de
tribunais internacionais.
Como principais vantagens da arbitragem, a doutrina aponta a sua eficácia conclusiva, o
maior controlo do processo que confere às partes, a menor formalização e litigiosidade e a
confidencialidade.
Como desvantagens apontam-se a lentidão, a falta de autoridade típica de um tribunal e os
custos para as partes, já que sobre elas impende o dever de suportar todos os custos
administrativos e de remunerar os árbitros.
8.3.2. Alguns mecanismo de Arbitragem
A arbitragem surge como meio de resolução pacífica de controvérsia, previsto na Carta da
ONU. Além da resolução de conflitos e, consequentemente, da intenção de prevenir ameaças à paz
e à segurança internacional, arbitragem apela às competências racionais e moral-praticas do ser
humano, apresentando-se como um meio expedito eficiente de normalização e estabilização da
interação humana.

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Arbitragem do TPA:
▪ Arbitragem nos Contratos de Investimento (BIT’s)
Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos
entre Estados e Nacionais de Outros Estados (ICSID) Decreto do Governo
n.º 15/84
Artigo 25.º1 - A competência do Centro abrangerá os diferendos de
natureza jurídica diretamente decorrentes de um investimento entre um Estado Contratante (ou
qualquer pessoa coletiva de direito público ou organismo dele dependente designado pelo mesmo
ao Centro) e um nacional de outro Estado Contratante, diferendo esse cuja submissão ao Centro foi
consentida por escrito por ambas as partes. Uma vez dado o consentimento por ambas as partes,
nenhuma delas poderá retirá-lo unilateralmente.

▪ Arbitragem no Direito do Mar artigo 287º/3, 188º/2/a) da CDM;


▪ Arbitragem sobre Recursos Marinhos e Ambiente;
▪ Arbitragem do Comércio Internacional;
▪ Arbitragem sobre Recursos Naturais e Ambiente;
Proposta da CDI da ONU

8.3.3. Funcionamento da Arbitragem


A arbitragem tende a obedecer a um figurino padrão, embora se admitam desvios nos
processos de arbitragem especificamente previstos e regulados pelo direito internacional especial.

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A análise dos diferentes instrumentos internacionais permite identificar um núcleo duro


organizatório e procedimental da arbitragem.
8.3.3.1. Princípios Fundamentais
A arbitragem deve conformar-se por diversos princípios fundamentais. Assim, a mesma
encontra-se subordinada aos princípios da subordinação ao direito internacional, da boa-fé e da
justiça procedimental e substantiva. Aqui encontram-se compreendidos os subprincípios do
contraditório, do inquisitório e dispositivo.
Vale, também, o princípio da cooperação, que se traduz no dever de fornecimento de todos
os documentos, meios, informações e peritos, vem como de autorização da citação de testemunhas
e peritos e de realização de vistas aos locais relacionados com a controvérsia. O funcionamento da
arbitragem obedece, ainda, ao princípio da autonomia procedimental, cabendo ao tribunal arbitral
a aprovação das regras processuais.
8.3.3.1.1. Decisão
A decisão é tomada por maioria e, por via de regra, a sentença tem força de caso julgado e,
havendo consentimento nesse sentido, vinculatividade inter partes.
O TIJ pode ser chamado a confirmar as decisões arbitrais, por iniciativa de qualquer das
partes.
As sentenças arbitrais devem ser executadas de boa-fé, havendo de sublinhar a
responsabilidade internacional dos Estados nos casos de inexecução. Existe a possibilidade de os
Estados recusarem a execução de laudos arbitrais, nos casos em que:
1) o tribunal arbitral tenha excedido a sua competência
2) a execução do laudo seja contrario à orientação politica do Estado foro
3) o Laudo incida sobre uma questão que a lei nacional subtraia à arbitragem
4) o Estado prove a limitação dos seus direitos de intervenção no processo
5) que o laudo mostre um manifesto desrespeito pela lei
O domínio da execução de laudos arbitrais panteia a tendência geral no sentido da
relativização da imunidade dos Estados.
8.3.4. Jurisdição Internacional
Estatuto Jurídico dos Tribunais
O TPIJ foi a primeira instância jurisdicional universal.
Internacionais:
Seguiu-se-lhe o TIJ, com a criação das Nações Unidas que
tem vindo ampliar o seu alcance de jurisdição internacional, o Organização internacional;
a nível universal e regional. o Personalidade jurídica
internacional
A doutrina fala hoje de uma proliferação de tribunais
(funcionalmente adequada);
internacionais e da emergência de uma comunidade global
o Privilégios e imunidades;
de tribunais, incluindo não apenas as múltiplas instancias
o Acordo de sede com Estado
internacionais, arbitrais e jurisdicionais, mas também os
anfitrião;
tribunais nacionais, todos tendo em comum o facto de serem
o Acordos com outras OI’s.
aplicadores autoconscientes do direito internacional.

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8.3.4.1. Tribunal Internacional de Justiça Tribunais


O TIJ é o principal órgão jurisdicional da ONU. É composto por Internacionais e Direito
15 juízes, independentes, competentes e possuidores de elevado Internacional Clássico:
caráter moral – artigo 2º e 3º do ETIJ (→artigo 25º e 29º). A sua ▪ Soberania estadual;
eleição é levada a cabo pela AG e pelo CS. O seu mandato é de 9 anos, ▪ Estados como
suscetível de renovação, caracterizando-se pela exclusividade e sujeitos originários
independência, garantidos por um sistema de incompatibilidades e de direito
impedimentos. internacional;
▪ Princípio da não
ingerência em
assuntos internos.

Funções do TIJ:
▪ Medidas provisórias
de tutela cautelar
▪ Contenciosa
▪ Consultiva

Ao TIJ cabe a elaboração de regras de processo e escolha de assessores. A competência do


TIj diz respeito à resolução de conflitos de direito internacional, entre Estados, que podem ser
subscritores do Estatuto do TIJ, ou outros, mediante regras a fixar pelo CS, com regime especial de
custas judiciais. De fora ficam os litígios envolvendo as OI’s e as ONG’s, embora alguma doutrina
recomende a alteração dos Estatutos do TIJ neste domínio.
A jurisdição do TIJ encontra-se limitada pelo Estatuto e pelo consentimento dos Estados.
Uma petição inicial formulada por uma entidade não estadual seria indeferida liminarmente, nos
termos dos artigos 34º e 35º do ETIJ: “(...) Artigo 34º: 1 – Só os Estados poderão ser partes em
causas perante o Tribunal (…).”

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Este não pode decidir uma disputa entre Estados sem o seu consentimento à sua jurisdição,
mesmo que esteja em causa a violação de jus cogens ou de obrigações erga omnes. O TIJ fala a este
propósito, da existência de um “well-established principle of internacional law emboidied in the
Court’s Statue, namely, that the Court com only exercise jurisdiction over a State with its consent”.
Em sede de jurisdição o TIJ continua sintonizado com o paradigma clássico do direito internacional,
edificado em torno da soberania estadual.
Processo:
As línguas de trabalho do TIJ é o inglês e o francês , podendo autorizar a utilização de outra.
O TIJ desenvolve a sua atividade subordinada ao principio inquisitório, traduzido no poder de
ordenar inquéritos e investigações e de solicitar pareceres. O Tribunal também tem a faculdade de
indicar que achar necessário exigir medidas provisórias – artigo 41º do ETIJ. A representação das
partes concretiza-se através de agentes com poderes para o efeito e do patrocínio de advogados
dotados de privilégios e imunidades necessários para o exercício das suas funções.
O processo tem várias fases. (→artigo 43º ETIJ)
A primeira designa-se por fase escrita e Parâmetros Normativos – artigo 38º do
consiste na apresentação de memórias e contra ETIJ: Tratados / Costume / Princípios /
memórias, respostas e documentos de apoio. Doutrina e Jurisprudência / Equidade
Segue-se a fase oral do processo, a qual
compreende a audição de testemunhas, peritos, agentes, conselheiros, etc. Esta fase é regulada
pelo principio da publicidade da audiência, sendo obrigatória a elaboração de uma minuta de todas
as intervenções orais. Nesta fase uma das preocupações é a garantia absoluta igualdade de armas.
O principio de boa-fé manifesta-se neta fase no sentido em que se exige as partes que se
abstenham de comportamentos que agravem o conflito.
Posto isto toma-se a decisão. A tomada de decisão constitui a função primaria e o objetivo
ultimo de qualquer processo jurisdicional contencioso. A decisão traduz-se na deliberação pelo TIJ à
porta fechada, embora com a publicação dos fundamentos da decisão. Esta é tomada por maioria
dos juízes, com voto de qualidade do presidente. A decisão produz efeitos inter partes e é
irrecorrível, executiva (define obrigações concretas para a respetiva execução) e não executória,
isto é, não é dotada de meios coercivos para se fazer executar.

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A execução é deixada às partes, as quais assumem o compromisso de executar a decisão,


nos termos do artigo 93º e 94º da carta da ONU (→35º e 36º CNU). A não execução das decisões do
TIJ pode ser contestada junto do CS da ONU, a quem cabe adotar uma posição sobre a questão,
seja formulando recomendações, seja aprovando uma resolução sobre as medidas a serem
tomadas para o cumprimento da sentença.
Res Judicata: Personae / Petitum / Causa Petendi > 1) Acordo de Desistência 2) Transação
3)Retirada da Queixa 4) Decisão Final
Alteração da Sentença: Recurso / Revisão (→artigo 61º ETIJ) / Fraude e corrupção / Retificação /
Interpretação / Anulação
9. O USO DA FORÇA NO DIREITO INTERNACIONAL

9.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS


9.1.1. Nota Histórica
O recurso à força, tradicionalmente, era visto como um mero facto no direito internacional.
De facto, este entendia-se como jus ad bellum e constituía uma prerrogativa natural da soberania
dos Estados pelo que na prática a mesma operava em beneficio exclusivo dos poderoso,
verificando-se uma total ausência de garantias para os mais fracos.
Contudo, ao longo do tempo foram aparecendo doutrinas que em certo modo começaram a
introduzir algumas novas ideias essenciais. A influência do jusnaturalismo que mesmo admitindo a
guerra justa via na guerra o produto da natureza decaída e pecaminosa das sociedades humanas.
A ideia de que os conflitos armados deveriam se subordinar aos princípios de justiça e
humanidade remonta à antiguidade pré-cristã. Contudo, a defesa da utilização incondicional da
força armada sempre coexistiu com a tentativa de proceder à sua limitação.
Na Idade Média, Tomás de Aquino sustentou que para ser justa a guerra devia ser
combatida sob a autoridade do soberano. Por outro, Grócio, partindo da premissa de que o direito
deve vincular a comunidade internacional, tanto na guerra como na paz, desenvolve o direito de
guerra – ius bellum – integrando o direito a declarar a guerra – ius ad bellum – e o direito na guerra
– jus in bello – de acordo com o principio fundamental de que a guerra só é legitima quando é justa
– justum bellum. No entanto, o problema e saber se a guerra é ou não justa e quem tem
competência pra o decidir revelou-se impossível de determinar.
No século XVIII, Vattel sustenta que o soberano pode recorrer à guerra defensiva e ofensiva
para combater e punir a injustiça e obter a realização de justiça, em virtude de não existirem
mecanismos alternativos para esse efeito. Do mesmo modo, sustenta o direito coletivo de uso de
força contra as nações que abertamente desprezam a justiça.
Em termos radicalmente diferente, a teoria de Darwin considera a guerra legitima sendo
esta como um instrumento neutral e biologicamente justo para o triunfo das raças mais favorecidas
na luta pela vida. Este entendimento este bastante subjacente às duas grandes guerras do século
XX.

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Com os esforços já feitos no século XIX, o aumento de quantidade e qualidade de armas, a


criação da ONU e a provação da DUDH, reconheceu-se a necessidade de tematizar o recurso à força
a partir dos direitos humanos e removê-lo do leque de opções dos Estados no plano internacional.
Neste âmbito é necessário salientar a importância das Convenções de Genebra de 1864, a
Declaração de S. Petersburgo de 1869, as Convenções de Haia de 1899 e 1907, o Pacto da
Sociedade das Nações, o Pacto Briand-Kellog e o Pacto Saavedra-Lamas, etc.
9.1.2. Os Conflitos Armados na Atualidade
Os conflitos armados infligem dor e sofrimento de uma forma indiscriminada. Mais de 180
conflitos nacionais e regionais ocorreram desde a II Guerra Mundial, com mais de 20 milhões de
mortos, sendo que mais de 90 por cento das vitimas foram civis. Na base de muitos conflitos
encontram-se gravíssimos problemas económicos, sociais, políticos, económicos, etc., que
subsistem por resolver. Muitos também tem causas de natureza moral e espiritual intrinsecamente
relacionados com a ambição desmedida, a avareza, a sede de poder e riqueza e a corrupção. De
facto, uma das principais causas de conflito armados tem sido a intolerância religiosa. Por vezes,
esta é fundamentada deliberadamente tendo em vista finalidades de natureza politica e
económica.
Após o 11 de setembro, a situação agravou-se, obrigando uma reavaliação da problemática
do recurso à força. A proliferação de armas de destruição em massiva que desde a Guerra Fria
ameaça de destruição a civilização e o ecossistema, atualiza-se hoje na ameaça terrorista latente.
9.2. O USO DA FORÇA E A CARTA DA ONU

9.2.1. O monopólio da coação legitima da ONU


As Nações Unidas encontram-se edificadas sobre os princípios da proibição de recurso à
força por parte dos Estados e da obrigação de resolução pacífica dos conflitos. A paz e a segurança
são hoje direitos essenciais à autodeterminação dos indivíduos e dos povos.
Se o recurso aos meios de resolução pacífica de conflitos falhar, as partes devem remeter
qualquer disputa que constitua uma ameaça à paz e à segurança internacionais ao CS. Nalguns
casos, o recurso à força, sendo sempre dramático e indesejável, é infelizmente inevitável e mesmo
necessário e justificado.
Ainda assim, existem princípios e regras de direito internacional que devem ser observados
em caso de conflito armado. O sistema da ONU tem como premissa fundamental a detenção por
esta do monopólio da coação legítima no plano internacional.
Os principais objetivos estabelecidos pela Carta da ONU consistem na manutenção da paz e
segurança, na prevenção e remoção de ameaças à paz e na supressão de atos de agressão e de
rotura da paz. Daí a centralidade dos meios de resolução pacífica de conflitos - art. 1º/1 da Carta da
ONU. Aos Estados membros da ONU cabe o dever de se absterem da ameaça ao uso da força nas
relações internacionais - art. 2º/4 da Carta da ONU.
Não obstante, a comunidade internacional ainda não conseguiu chegar a uma definição
consensual de agressão e de rotura da paz internacional.

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É necessário entender a proibição do recurso à força imposto pela Carta da ONU: esta
aponta inequivocamente para a proibição de recurso à força militar contra a integridade territorial
e a independência de um Estado e, em termos mais gerais, contra os fins da Carta.
9.2.2. O Capítulo VII da Carta da ONU
O sistema de manutenção da paz e da estabilidade internacionais das Nações Unidas
assenta na responsabilidade primordial do CS - artigo 24º/1 da Carta. A este órgão compete a
determinação da existência de uma ameaça à paz ou de uma rotura da paz e a recomendação ou
decisão do recurso à força, nos termos dos artigos 41º e 42º da Carta, operando com autonomia
relativamente à AG da ONU - artigo 39º da Carta. Só as suas decisões revestem caráter obrigatório
para os Estados.
9.3. EXCEÇÕES À PROIBIÇÃO DO RECURSO À FORÇA
Existem algumas exceções à proibição do recurso à força:
➢ Decisão do Conselho de Segurança
Embora o recurso à força esteja vedado aos Estados, isso, de modo algum, preclude o CS de exercer
o seu monopólio da coação legítima. Pelo contrário, quanto maior for a eficácia do sistema de
segurança coletiva das Nações Unidas, tanto maior será o respeito pela proibição de recurso à força
por parte dos Estados. Se o recurso à força pode ser necessário, em derradeira instância, para
garantir a efetividade do direito internacional, importa que essa decisão seja tomada, não pelo
Estado lesado ou ameaçado, mas, sempre que possível, por uma instância tão imparcial quanto
possível, que garanta a observância de todas as normas materiais e procedimentais relevantes.
➢ Legítima defesa
Em face da Carta, mais concretamente do seu Art. 51º, são evidentes algumas
características essenciais da legítima defesa, das quais depende, precisamente, a legitimidade da
defesa. Desde logo, a mesma tem de fundar-se numa ameaça atual e iminente, nomeadamente
uma ameaça que não deixe qualquer escolha quanto aos meios, nem permita um tempo adequado
para deliberação. É o que sucede com a provisoriedade da defesa, até que o CS tome as medidas
necessárias, e com a sua subsidiariedade, já que a defesa só é legítima se não existir uma
alternativa viável sob a égide da ONU.
Igualmente importante é o dever de notificação das medidas tomadas ao CS da ONU. Para
além disso, a legítima defesa está sujeita ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo,
desde sempre associado à ideia de guerra justa. Deve ainda indagar-se da legitimidade do fim
prosseguido, aspeto essencial na delimitação da legítima defesa.
➢ Organizações Regionais de Segurança
Alguma doutrina vê na possibilidade de existência de instituições regionais de defesa
coletiva uma terceira exceção ao princípio da proibição do recurso à força.
Estas instituições regionais têm como função assegurar a resolução pacífica dos conflitos
numa determinada região. Nalguns casos, o CS começa por remeter para as mesmas a tarefa de

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resolução pacífica de conflitos, intervindo apenas se as mesmas falharem. Estas deverão atuar em
conjunto com a CS em matéria de recurso à força.
➢ Ações contra os antigos inimigos

9.4. O DIREITO DOS CONFLITOS ARMADOS


As normas morais e sociais que regem os conflitos armados já existem a centenas de anos.
Muitas noções tem com base a obra de Hugo Grócio, com a problemática do ius in bello.
Atualmente, o direito internacional pretende afirmar um conjunto significativo de normas
consuetudinárias e convencional sobre conflitos armados, as quais, embora aflorem em domínios
como jurisdição penal internacional ou a responsabilidade dos Estados dão corpo a um ramo do
direito conhecido por direito humanitário. No âmbito do direito consuetudinário ficou a dever se
aos contributos doutrinais de Grócio e Vattel. No direito convencional, particularmente importante
são as Convenções de Genebra sobre:
o A condição de feridos e doentes em forças armadas de campanha;
o A condição de feridos e doentes em forças armadas no mar ou em navios com dificuldades;
o Tratamento de prisioneiros de guerra;
o Proteção de civis em tempo de guerra.
De facto, um dos princípios fundamentais do direito da guerra consiste na proteção da
população civil. A generalidade do direito de guerra está consagrado no Estatuto de Roma do TPI,
no capítulo II – artigo 5º do ETPI, quando se definem os crimes cujo julgamento é da sua
competência, como é o caso do crime de genocídio (artigo 6º do ETIJ), dos crimes contra a
Humanidade (artigo 7º do ETPI), dos crimes de guerra (artigo 8º do ETPI) e do crime de agressão (
artigo 5º/1/d) do ETPI).
O direito humanitário aplica-se sempre que se esteja perante um conflito armado, legal ou
ilegal à face do direito internacional, abrangendo conflitos entre Estados, entre autoridades
estaduais e grupos armados e hostilidades.
9.5. OPERAÇÕES HUMANITÁRIAS
9.5.1. Enquadramento Jurídico
Um desenvolvimento no direito dos conflitos armados foi o surgimento das forças de
manutenção de paz sob égide das Nações Unidas. Igualmente relevante é a emergência das
operações armadas dotas de objetivos humanitários.
9.5.2. As Operações de Manutenção de Paz
A história deste tipo de operações começa em 1956, sob a Resolução da AG da ONU “Unidos
para a Paz”, que esteve na base do envio de uma força de emergência para supervisionar o cessar-
fogo depois do ataque ao Egito por Israel, pela França e pelo Reino Unido. Em 1960, uma outra
força foi enviada para o Congo depois da intervenção belga devido à Guerra Civil.
O fim da Guerra Fria, tendo desbloqueado o processo de decisão da ONU, criou condições
para uma nova abordagem dos processos de manutenção da paz. De facto, a Agenda para a Paz

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veio preconizar uma diplomacia preventiva em que a manutenção da paz assumia um papel de
relvo. Nas últimas décadas o numero de operações e o pessoal da ONU nele envolvidos aumentos
exponencialmente.
Este tipo de operações é pautado pelos princípios do consentimento das partes, da
imparcialidade e da proibição do uso da força, exceto em legítima defesa. A ONU, constituído por
militares, operava praticamente desarmado, observando as movimentações militares no terreno,
na medida das suas possibilidades de controlo efetivo. Contudo, nas ultimas décadas esta
orientação tem mudado substancialmente.
9.5.3. Intervenções Armadas Humanitárias
A uma nova conceção emergente dentro das operações armadas em sentido próprio
compreendem intervenções armadas humanitárias. Contudo, outros juristas preferem enquadras
as operações armadas na noção de responsabilidade de proteger. De facto, as intervenções
humanitárias tem um fundamento de natureza humanitária, suscetível de legitimar moralmente
uma intervenção armada, nomeadamente, contra um Estado que cometa crimes contra a
humanidade e genocídio dirigidos aos próprios cidadãos, sem com isso ameaçar diretamente a
integridade territorial de outros Estados. Em causa está a prevenção e repressão de situações de
dano generalizado e intolerável a vidas humanas inocentes. Desta forma, estas intervenções
representam uma substancial restrição à soberania dos Estados baseada na premissa controversa
de que quando os mesmos violam sistemática e muito gravemente os direitos humanos a
intervenção torna-se inevitável.
No entanto, surgem importantes e delicadas questões substantivas e procedimentais
relativas à aplicação normativa deste entendimento, tais como: quais são os direitos fundamentais,
cuja violação se considera legitimar uma intervenção humanitária e qual a intensidade da violação
necessária para esse efeito ou quais os pressupostos institucionais e formais de legitimação das
intervenções humanitárias, entre outras.
Não estando expressamente previstas no Capítulo VII da Carta da ONU, alguma doutrina
tem procurado o fundamento para este tipo de intervenção no direito internacional
consuetudinário emergente. Neste âmbito é relevante salientar a importância que se atribui ao
Conselho de Segurança das Nações Unidas demonstrando fidelidade à titularidade do monopólio da
coação legitima internacional por parte do CS, considerando preferíveis as intervenções
sancionadas pela ONU, na sua qualidade de civitas maxima.
Também é de realçar a insistência da doutrina na tese da existência de um costume em
formação que faz impender sobre a comunidade internacional a responsabilidade de proteger os
cidadãos de um Estado, incluindo a responsabilidade de prevenir, reagir e reconstruir. De facto,
esta tese apoia-se na noção de que a soberania dos Estados implica a sua responsabilidade em
proteger os seus próprios cidadãos, justificando-se a intervenção de terceiros se essa
responsabilidade não for assumida pelo Estado. Neste caso, a intervenção protetiva deve adequar-
se ao espirito da Carta da ONU e respeitar o principio da proporcionalidade em sentido amplo. A
doutrina da guerra justa é bastante importante neste âmbito. Igualmente relevante é a
centralidade dos valores da democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Humanos, condições
para o restabelecimento de uma paz mias sólida e duradoura.

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9.5.4. Intervenções para Mudança de Regime


As intervenções norte-americanas em Granada e no Panamá serviram de inspiração a uma
corrente doutrinal que defende o uso unilateral da força, à margem do CS da ONU, para a remoção
de governos totalitários e a promoção e restauração da democracia. Além dos valores
transnacionais da democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Humanos, subjacente a este
entendimento está a soberania, para ser digna de reconhecimento e proteção pelo direito
internacional, deve ser democrático. Também nesta noção manifesta-se a responsabilidade de
proteger.
10. O COMBATE AO TERRORISMO NO SEIO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
O terrorismo sempre existiu, variando apenas nos seus objetivos, métodos e armas. Num
tempo de proliferação de armas de destruição massiva ele representa hoje uma das principais
ameaças à paz e à segurança internacionais. A globalização do terrorismo, caracterizado pela
redução das barreiras espácio- temporais e pela democratização do acesso à informação, às
tecnologias e aos meios de comunicação. Com estas características, o terrorismo constitui uma das
mais sérias ameaças à edificação de uma ordem internacional de direito, pautada pelos valores da
liberdade, do autogoverno democrático e do respeito pelos direitos humanos.
10.1. O DIREITO INTERNACIONAL DO COMBATE AO TERRORISMO
A principal dificuldade, embora não insuperável, consiste em conseguir uma definição
incontroversa do que seja terrorismo. Em termos gerais entende-se que o terrorismo é uma
estratégia de violência utilizada para instalar o terror no seio de um segmento da sociedade, de
forma a atingir um objetivo de poder, divulgar um causa ou levar a cabo uma vingança política.
Direito Consuetudinário: as normas consuetudinárias são consideradas desadequadas para o
combate ao terrorismo
Tratados Internacionais Gerais: as convenções internacionais gerais nos domínios do genocídio e da
tortura e o tratado de Roma que institui a jurisdição criminal internacional permanente
Tratados Internacionais Específicos: no sentido de tornar efetivo o combate ao terrorismo têm
vindo a ser aprovados importantes tratados internacionais, de alcance regional e universal.
10.2. DEPOIS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001
O atentado de Nova Iorque teve um enorme impacto no domínio do combate ao terrorismo.
Do mesmo modo, ela resultou numa nova reavaliação do risco internacional, entendido como
probabilidade de dano vezes magnitude do dano, aumentado a procura da ação estadual, incluindo
a ação militar.
O combate ao terrorismo constitui um incentivo acrescido ao envolvimento construtivo e
multilateral da comunidade internacional, na tentativa de resolução não apenas dos efeitos mas
também das causas desta forma de violência.

DIP II Joana Marta 2020/2021

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