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Indivíduo como sujeito de direito internacional:

Consolidação da personalidade jurídica internacional e capacidade dos indivíduos como


sujeitos de direito internacional constitui o legado mais precioso do pensamento jurídico
internacional da segunda metade do século XX. Evoluções da comunidade internacional
e reconhecimento da legitimação do indivíduo no direito internacional ocorreu como
resposta às exigências da comunidade internacional. O mesmo ocorreu com o
reconhecimento da sua condição de portador de deveres que emanam do direito
internacional. Indivíduos como verdadeiros sujeitos do direito internacional.

Influência do direito natural. Salvaguarda do direito dos mais fraco contra o direito do
mais forte. Afastamento da concepção positivista, meramente formalista segundo a qual
o ordenamento jurídico seria indiferente a valores éticos. Alguns direitos são superiores
ao direito positivo, posto pelo Estado.
Questões de direitos humanos consideradas como de âmbito interno até a metade do
século XX. Horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial, internacionalização dos
direitos humanos. Ênfase na moralidade e dignidade do indivíduo. Indivíduo como fim
em si mesmo, jamais como meio.

Relativização da soberania: são permitidas intervenções nos ordenamentos internos em


prol da proteção dos direitos humanos e cristalização da ideia de que o indivíduo deve
ter direitos protegidos na esfera internacional, apesar dos mesmos direitos receberem
proteção em nível interno. O modo pelo qual os indivíduos são tratados por parte de um
Estado não é uma preocupação exclusiva deste. Revisão do conceito de soberania
absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que
são admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos
e cristalização da ideia que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera
internacional, na condição de sujeito de direitos. Fim da era em que a forma pela qual os
Estados tratavam seus nacionais era concebido como um problema de jurisdição interna,
decorrente da soberania do próprio Estado. Exceções antes a segunda guerra mundial:
tráfico de escravos, pirataria, tratamento mínimo dos estrangeiros, tratamento de
soldados, prisioneiros de guerra, feridos e criação da OIT (Parte XIII do Tratado de
Versailles), com a Liga das Nações prevendo normas que tutelavam as condições dos
trabalhadores. Ênfase na personalidade estatal e na soberania tinha conduzido à
concepção de um direito internacional aplicável estritamente às relações entre Estados.
Positivismo jurídico tinha personificado o Estado, dotando-o de uma vontade própria e
reduzindo os direitos dos seres humanos àqueles que o Estado concedia aos mesmos.
Hegel: Estado como expressão máxima do direito onde o indivíduo encontrar-se-ia
submetido. Estado como fim em si mesmo, não como meio de realização das aspirações
e necessidades dos indivíduos. Crítica e repúdio da concepção positivista de um
ordenamento jurídico indiferente a valores éticos confinado à ótica meramente formal –
tendo em vista que as ditaturas de extrema direita – nazifascismo – ascenderam ao poder
dentro do quadro da legalidade e promoveram a barbárie em nome da lei. Ideal
Kantiano pelo qual cada espécie racional deve existir como um fim e si mesmo e jamais
como meio. Seres humanos como sujeitos, portanto únicos e insubstituíveis. Convite de
Kant a tratar a humanidade, na pessoa de cada ser, sempre como um fim em si mesmo.
Vários juristas, como os da Escola francesa, como Nicolas Politis, afirmavam que o
Estado fosse uma ficção, e que os verdadeiros sujeitos de direito internacional seriam os
indivíduos, verdadeiros destinatários finais das normas de direito internacional.
Positivismo apareceu como subserviente à ordem jurídica estabelecida e endossou os
abusos praticados em nome desse último. Doutrina positivista: apenas os Estados seriam
sujeitos de direito internacional. Visão oposta: indivíduo como sujeito último do direito
internacional. Ideia inicial de soberania absoluta do Estado começou a ser questionada:
responsabilidade do Estado pelos seus atos e pelas suas omissões. O indivíduo é sujeito
tanto pelo direito nacional quanto pelo internacional e as tentativas de negar aos
indivíduos a condição de sujeitos de direito internacional, por não reconhecer a eles
algumas capacidades que os Estados possuem (como aquela de concluir tratados) não se
sustenta. Nem no nível nacional, todos os indivíduos participam do procedimento de
elaboração das leis e não por isso se deixa de considerá-los sujeitos. Os indivíduos
seriam destinatários diretos de normas internacionais, sem intermediários. Além disso,
os indivíduos participam com as ONGs da elaboração e aplicação de normas
internacionais. Exemplo: participação de indivíduos na elaboração do Estatuto de Roma
de 1998 que institui o TPI ou na Convenção de 1984 contra a Tortura.

Reconhecimento de direitos e deveres ao indivíduo que fazem com que ele seja
considerado sujeito de direito internacional, seria ainda mais efetivo se correspondesse
uma plena capacidade processual de reclamar os direitos no plano internacional.
Visto que o direito internacional contemporâneo reconhece direitos e deveres aos
indivíduos, não é possível negar aos mesmos a personalidade internacional, sem a qual
aquele reconhecimento não poderia ocorrer. Ao reconhecer direitos inerentes ao ser
humano, o direito internacional derruba o dogma positivista que pretendia reduzir
aqueles direitos apenas aos concedidos pelo Estado.
Uma vez, existia o instituto da proteção diplomática que o Estado exercitava em prol do
indivíduo de forma discricionária caso esse último tivesse sido lesado por ato de outros
Estados. Outros autores como Scelle e Lauterpacht que afirmam o indivíduo como
sujeito supremo do ordenamento internacional. Emancipação do indivíduo da tutela do
seu próprio Estado.

Questionamento da ordem internacional baseada em uma dimensão apenas interestatal.


Os estados devem responder pela maneira em que tratam os indivíduos postos sob sua
jurisdição. Exemplo paradigmático: opinião consultiva da Corte interamericana de 1999
sobre o direito à informação sobre assistência consular no contexto das garantias do
devido processo legal.
Assim como o direito internacional atribui direitos ao indivíduo, também prevê
obrigações que o mesmo deve respeitar, e as violações graves dessas obrigações
incorrem em responsabilidade penal do indivíduo de natureza internacional. Portanto, o
indivíduo se apresenta como sujeito ativo no caso de reclamar por direitos e como
sujeito passivo no caso de ser responsabilizado por crimes internacionais.
Sem o direito à petição individual e o consequente acesso à justiça no plano
internacional, os direitos humanos previstos nos tratados nada seriam senão letra morta.
Tribunais dos sistemas de proteção interamericano e europeu reconhecem o direito de
acesso direito do indivíduo à justiça internacional. Como símbolo de emancipação do
ser humano perante o Estado.
Tiveram algumas propostas para permitir o acesso dos indivíduos à predecessora da
Corte internacional de justiça, a corte permanente de justiça internacional, mas não
lograram êxito. Uma crítica que o Cançado Trindade faz ao fato dessas propostas não
terem sido acolhidas é que a presença dos indivíduos poderia enriquecer os
procedimentos e facilitado o trabalho da corte. Na era ONU, se tem certa evolução ao
permitir que os indivíduos dirijam petições individuais sob a égide de alguns tratados
sobre direitos humanos de caráter universal. Mas os maiores sucessos foram obtidos nos
sistemas de nível regional. Nacionalidade desaparece como vínculo jurídico para o
exercício da tutela, sendo suficiente que o indivíduo que recorre esteja – mesmo que
temporariamente – sob a jurisdição de um dos Estados partes ao tratado em questão. De
todos os mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos, sem dúvidas o
direito de petição individual é o mais dinâmico por garantir a iniciativa de ação ao
próprio indivíduo, diversamente de outros sistemas onde são órgãos de supervisão
internacional que acionam os mecanismos de tutela ex officio (por exemplo, comissões
de inquérito, relatórios).
É com a Carta da ONU de 1945 que o tema dos direitos humanos adquire uma
importância crucial, seja como uns dos bens fundamentais da comunidade internacional
seja como meio para preservação da paz e da segurança internacional. O artigo 1 da
Carta inclui entre os propósitos a promoção do respeito aos direitos humanos e
liberdades fundamentais para todos sem distinção. Artigo 13 prevê que a Assembleia
geral realize estudos e recomendações para realização dos direitos humanos para todos.

Existem em nível internacional instrumentos de proteção dos direitos humanos em nível


universal e regional, assim como instrumentos internacionais que tutelam vários direitos
e instrumentos que tutelam apenas um direito ou uma liberdade. Em geral os
instrumentos universais não possuem muito sucesso dada a heterogeneidade cultural e
política dos Estados. Mas no plano regional, eles obtiveram maior sucesso.
Em geral, alguns direitos previstos nesses tratados não podem ser derrogados nem em
tempos de guerra ou outras situações emergências pelas quais um Estado possa estar
passando: exemplo é proibição de tortura, não retroatividade da lei penal. Alguns
direitos humanos previstos em tratados entraram a fazer parte do direito costumeiro
internacional à luz das práticas estatais. Proibição de tortura, escravidão, genocídio.

Primeiro instrumento: Declaração Universal dos direitos humanos de 1948 elaborada


pela então Comissão dos direitos do homem, órgão criado em 1946 (agora substituída
pelo Conselho em 2006) e adotada pela Assembleia Geral da ONU. Inspiração liberal e
filosofia do direito natural e princípios democráticos. Tutela de direitos civis e políticos
sobretudo, inspiração individualista que inscreve-se na tradição francesa e anglo-
saxônica. Declaração não é tratado, é norma de soft law. Modelo de catálogo de direitos
para os outros tratados internacionais. Composta por 30 artigos, entendida como um
padrão comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações. Os direitos
tutelados são sobretudo os civis e políticos, mas são tutelados também direitos sociais
como direito à seguridade social, à educação, a um salário équo. Interpendência,
universalidade e indivisibilidade dos direitos.
Ela possui força política e moral, mais como um caráter de recomendação aos Estados.
Exemplo importante para redação de outros documentos internacionais em matéria de
direitos humanos, inaugura o processo de universalização dos direitos humanos e
permite a formação de um sistema internacional de proteção desses direitos.

Foi criado o órgão do Alto comissariado da ONU com a resolução 48/41 da AGNU,
entendido para ser o órgão com a principal responsabilidade pelas atividades da ONU
ligadas a direitos humanos. Responsável por promover e proteger o gozo efetivo por
todos dos direitos, fornecendo serviços de assessoria e assistência aos governos e
diálogos com os mesmos. Faz recomendações a corpos da ONU para promover e
proteger os direitos humanos.

Elaboração dos dois Pactos de 1966, um sobre direitos civis, políticos e outro sobre
direitos econômicos, sociais e culturais. O pacto sobre direitos civis e políticos foi
aprovado pela AGNU em 1966, e aberto à adesão dos Estados mais o protocolo
facultativo referente ao pacto internacional sobre direitos civis e políticos. Os dois
pactos são os primeiros instrumentos a caráter universal contendo obrigações jurídicas
vinculantes em matéria de direitos humanos a serem respeitadas pelos Estados partes. O
protocolo facultativo permite aos indivíduos de apresentarem comunicações a um órgão
de controle específico: o comitê dos direitos humanos.
Diferença entre os direitos previstos entre os Pactos e declaração universal de 1948: o
Pacto sobre direitos civis e políticos tutela direitos coletivos também, não apenas
individuais. Exemplo: direito à autodeterminação, direitos das minorias.
Mecanismos de tutela dos direitos afirmados no Pacto: artigo 40: Estados se
comprometem em submeter relatórios periódicos ao Comitê dos direitos humanos,
órgão criado em virtude do artigo 28, composto por 18 membros que se reúnem 3 vezes
por ano em sessões de 3 semanas cada. Ele remete à AGNU um relatório anual sobre as
atividades desenvolvidas. As principais funções que possui o comitê são: análise de
relatórios apresentados pelos Estados e de comunicações apresentadas pelos Estados e
pelos indivíduos. Nesses relatórios, os Estados descrevem as medidas que tomaram para
tornar efetivas as disposições do tratado. Os relatórios são analisados e discutidos pelo
comitê juntamente com os representantes do Estado em causa, e emite observações,
ressaltando os pontos positivos e problemas detectados. O comitê não possui meios
coercitivos para obrigar os Estados a apresentarem esses relatórios, o que conta é a boa-
fé dos Estados. Esse é o único mecanismo de controle obrigatório para os Estados
partes, sendo que existem outros dois mecanismos, pelos quais é necessário que o
Estado tenha dado sua aprovação. O artigo 41 do Pacto prevê a possibilidade que um
Estado proponha recurso contra outro Estado junto ao comitê. Nesse caso, ambos os
Estados devem ter aceito a competência do comitê para esse fim. Esse sistema de
qualquer forma é pouco usado. Existe certa reticencia por parte dos Estados de queixar-
se de violações cometidas por outros Estados. Existe uma tentativa de solução amigável
da controvérsia através dos meios como bons ofícios. Se não se chega a uma solução
satisfatória, o comitê nomeia uma comissão de conciliação ad hoc, que tenta chegar a
uma solução.
Enfim, existem os recursos individuais, estabelecidos pelo protocolo facultativo. Os
estados, porém, devem ter ratificado esse documento para poder aparecer como réus.
Uma vez declarada a comunicação admissível, o comitê requer ao Estado uma
clarificação e explicação do problema e lhe pede se foi já tomada alguma medida para
resolver. É dada a oportunidade ao autor de comentar a resposta do Estado. Após isso, o
comitê envia sua resposta ao indivíduo e ao Estado supostamente infrator. Possibilidade
de adotar medidas cautelares. Não existe garantia de cumprimento: boa fé dos Estados
em observar as constatações do comitê.

O pacto sobre direitos sociais, econômicos e culturais também prevê um órgão ad hoc
criado em 1987 que supervisiona o cumprimento das obrigações previstas. Os direitos
tutelados são por exemplo o direito ao trabalho (artigo 6), direito dos trabalhadores
(remuneração justa, segurança e higiene no trabalho etc), direitos sociais
(previdenciários, assistência familiar, direito à tutela da saúde física e mental), direitos
culturais como direito à educação, sendo instrução primária obrigatória e gratuita para
todos. A natureza desses direitos é programática no sentido que o Estado se compromete
em adotar medidas para assegurar progressivamente a atuação completa desses direitos.
Diferentemente do pacto sobre direitos civis, políticos que admite derrogação de alguns
direitos em caso de emergência, esse pacto não contém essa claúsula. Nos termos 16 e
17 do Pacto, os Estados se comprometem em a apresentar relatórios descrevendo as
várias medidas que tomaram para assegurar o gozo dos direitos consagrados no Pacto.
Os estados partes também devem apresentar dados relativos a ao grau em que os direitos
são implementados e as áreas em que encontram dificuldades a este respeito. Antes da
análise por parte do comitê na sua integralidade, é um grupo de trabalho que analisa os
relatórios, desenvolvendo uma lista de perguntas escritas que são relativas as
informações constantes do relatório que posteriormente são apresentadas ao Estado
parte envolvido. O Estado deve responder às perguntas antes da discussão do relatório
perante o comitê. Após um colóquio entre comitê e Estados, o comitê formula
observações finais onde coloca os pontos positivos, os pontos problemáticos, algumas
sugestões ou recomendações. Existe também um protocolo facultativo entrado em vigor
em 2013 onde é prevista a possibilidade de comunicação individual ao comitê. O Brasil
ainda não ratificou o documento. Previstos recursos interestaduais e individuais.

Conforme o artigo 68 da carta da ONU, o comitê econômico e social da ONU tinha


criado a comissão como órgão subsidiário. Esse órgão redigiu vários tratados e
documentos internacionais. Órgão importante que substituiu a Comissão de direitos
humanos (que durou de 1946 a 2006) é o Conselho de direitos humanos, criado pela
Assembleia Geral da ONU. É um órgão intergovernamental, composto por 47 Estados
eleitos pela assembleia geral. Nas suas sessões participam além dos Estados membros,
Estados observadores, ONGs. Reúne-se em 3 sessões ordinárias ao ano, e sessões
extraordinárias. A sua sede é em Genebra. Por sua iniciativa são elaborados os novos
instrumentos internacionais nessa área. Para o auxiliar no seu trabalho, criou diversos
mecanismos subsidiários: os procedimentos especiais, o Comité Consultivo, o
mecanismo de Revisão Periódica Universal, um procedimento de queixa e diversos
outros grupos de trabalho.

Mandatos exercidos por especialistas em direitos humanos, independentes, que


acompanham questões ou situações de direitos humanos e reportam sobre elas ao
Conselho (e por vezes também à Assembleia Geral). Podem ser temáticos
(acompanham certo tema de direitos humanos no mundo inteiro) ou por países
(acompanham a situação geral de direitos humanos em determinado país). Podem
ainda ser individuais (exercidos por sujeito singular, designado por Relator Especial,
Perito Independente ou Representante Especial do Secretário-Geral) ou grupos de
trabalho (compostos por 5 membros, um por cada grupo regional).

Os procedimentos especiais têm jurisdição sobre todos os Estados membros da ONU,


independentemente do país em causa ser ou não Parte em qualquer tratado de direitos
humanos em concreto. Apesar de os seus mandatos serem diferentes – definidos pelas
resoluções que os instituíram – em regra efetuam visitas ao terreno (a convite do
Estado visado), recebem e analisam informação proveniente de qualquer fonte
fidedigna e apresentam ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia Geral
relatórios com recomendações. Muitos deles recebem também queixas e pedidos de
ação urgente, que transmite aos governos.

O mecanismo de revisão periódica universal: Trata-se de um novo mecanismo


criado pelo Conselho de Direitos Humanos (não existia até 2006, ao tempo da
Comissão de Direitos Humanos), com a função de analisar, periodicamente, a situação
de direitos humanos em todos os países do mundo. (os 193 membros da ONU). Esta
análise é efetuada por um Grupo de Trabalho criado pelo Conselho, que discute a
situação de todos os países em ciclos de 4 anos. No âmbito do debate ocorrido no seio
deste Grupo de Trabalho, são formuladas recomendações ao Estado visado, que
escolhe as que deseja aceitar.

Comitê consultivo é órgão de apoio do conselho. O procedimento de queixa é um


procedimento confidencial que permite a apresentação, contra qualquer Estado, de
queixas por padrões de violações flagrantes de direitos humanos.

Enfim, tem o alto comissariado da ONU para os direitos humanos . Trata-se de


uma unidade do Secretariado das Nações Unidas, criada em 1993 (pela resolução
48/141 da Assembleia Geral) na sequência da Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos, realizada em Viena. É dirigido pelo Alto Comissário das Nações Unidas
para os Direitos Humanos (Sub-Secretário Geral), principal funcionário da
organização responsável por questões de direitos humanos. O Alto Comissariado
procura integrar os direitos humanos no sistema da ONU, desenvolve parcerias e
programas de cooperação técnica com governos, agentes da sociedade civil e outras
entidades nacionais e internacionais, oferece bolsas de estudo e desenvolve um
extenso programa de publicações e formação em matéria de direitos humanos.
Compete-lhe prestar apoio especializado e secretariar os organismos de direitos
humanos da ONU (como o Conselho de Direitos Humanos e seus mecanismos
subsidiários e os comités dos tratados). Ele supervisiona o conselho de direitos
humanos.
Portanto na esfera global, são adotados tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos no ambito da ONU, monitorados por comitês instituídos pelos próprios
tratados, com órgãos políticos ou quase judiciais. Esses têm a competência para apreciar
os relatórios formulados pelos Estados a respeito das medidas tomadas no âmbito
interno para a implementação do tratado; a realização de investigações in loco e
apreciação de comunicações interestatais e petições individuais. Mas não existem
sanções jurídicas, apenas políticas e morais. Existem alguns autores que defendem a
criação de um tribunal internacional de DH.

Coexistência do sistema de proteção global da ONU com os sistemas de proteção


regional de direitos humanos. Nesses sistemas, existe uma justicialização dos direitos
humanos bastante eficaz. Não existe um tribunal internacional de direitos humanos,
assim como existe por exemplo um tribunal penal internacional. Desafio central dos
direitos humanos no direito internacional é sua justicialização (que faz com que o
direito internacional dos direitos humanos possa adquirir garras e dentes). Há
atualmente três sistemas regionais: europeu, americano e africano e um incipiente
sistema árabe e uma proposta de criação de um sistema asiático. Cada sistema possui
um aparado jurídico próprio, tendo mais ou menos eficácia na efetivação da proteção
dos direitos humanos garantidos pelos respectivos tratados institutivos. Carta árabe de
direitos humanos elaboradas em seio à Liga árabe. Não existe uma Corte e não existe
um direito individual de petição. Relatórios periódicos que os Estados submetem a um
comitê.

Sistema europeu de proteção dos direitos humanos

Dos três sistemas regionais existentes, o sistema europeu é o mais consolidado e


amadurecido, exercendo forte influência sobre os demais. Nasceu como resposta aos
horrores perpetrados ao longo da II Guerra mundial, com a perspectiva de estabelecer
parâmetros protetivos mínimos atinentes à dignidade humana. Evitar e prevenir a
ocorrência de violações a direitos humanos, sob o marco do processo de integração
europeia e da afirmação dos valores da democracia, do Estado do direito e dos direitos
humanos. Certa coesão e homogeneidade nos países europeus, diversamente dos países
latino-americanos ou africanos. Mas a inserção de países da Europa centro-oriental
agrega mais diversidade e heterogeneidade, sendo que em alguns desses países ainda
ocorrem graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, sendo regimes
democráticos bastante jovens.

Conselho da Europa (1949) Elaboração da CEDH (ass. em 1950 e entr. em vig. 1953).
14 protocolos adicionais adotados. Direitos civis e políticos. Direitos sociais,
econômicos e culturais: Carta social europeia. Mecanismo de tutela: anterior ao
protocolo 11 e posterior ao protocolo 11. 47 Estados partes, Turquia incluída.

Corte Européia dos Direitos Humanos [única corte que julga violações de indivíduos e
Estados]: instituída no âmbito da CEDH (1950). A CEDH fundamenta-se sobre o
assim denominado princípio da dupla proteção : as previsões do tratado em pauta
integram a tutela já proporcionada nos ordenamentos internos, os quais permanecem
livres em tutelar direitos adicionais ou fornecer uma proteção mais intensa no que diz
respeito aos direitos contemplados pelo próprio tratado. Cabe observar que as pessoas
protegidas são quaisquer pessoas que estejam sujeitas à jurisdição do Estado-parte em
causa, independentemente de sua nacionalidade. A CEDH é composta por três títulos,
onde o primeiro elenca os direitos e liberdades fundamentais, o segundo regulamenta a
estrutura e o funcionamento da Corte Europeia (cedh) e o terceiro lida com aspectos da
mais variada natureza, como denúncias, reservas da CEDH. Os juízes da Corte europeia
são eleitos pela Assembleia parlamentar do Conselho d’Europa, a maioria dos votos
expressos, da uma lista de três candidatos apresentada pelo Estado em questão e
permanecem em função por 6 anos. A Corte é assistida no desempenho das duas
funções por uma chancelaria e nomina o seu próprio Presidente e dois vice-presidentes e
adota o seu próprio Regulamento interno.
- Sistema anterior ao protocolo 11 (1998): comissão, comitê de ministros e
(eventualmente) Corte. Recursos individuais e estatais para Comissão. Corte era
acessada pela Comissão ou Estados. Relatório formulado pela Comissão enviado ao
comitê de ministros.
- Jurisdição da Corte apenas com aceitação por parte de um Estado da cláusula
facultativa de jurisdição obrigatória. Acesso para os indivíduos com Protocolo n. 9.
- Protocolo 11: Corte única que faz função de filtro, admissibilidade e mérito. Art 33.
Recursos estatais; art. 34: recursos individuais. Indivíduo tem direito de acesso direito e
jus standi durante todas as fases do processo.
- Presença de uma situação de prejuízo do indivíduo, condição de vítima.
- Competência consultiva e contenciosa: consultiva solicitada pelo comitê dos ministros
(nunca aproveitada).
- Funcionamento Corte: comitês (3 membros), câmaras (7 membros) e Tribunal Pleno
(17 membros).
- Condições de admissibilidade (art. 35): prévio esgotamento recursos internos; etc.
- A sentença no mérito pode ser evitada no caso em que as partes escolham de resolver
o litígio por meio de uma composição amigável, por meio de conciliação
substancialmente. Caso em que as partes não optem pela solução amigável, a Corte
procede, decidindo conforme as alegações das Partes, mas ela possui poderes
autônomos instrutorios e de inquérito. O exame do mérito conclui-se com a sentença da
Corte na qual se afirma se houve ou não violação da CEDH ou de um Protocolo. Se as
partes não requerem um reenvio ao Tribunal Pleno ou se os cincos juízes do Pleno
rejeitam a petição, a sentença torna-se definitiva a menos que possa ser revisionada
quando por exemplo se tenha descoberto um novo fato de importância decisiva. A
CEDH não faz nenhuma referência explicita à possibilidade da Corte de poder adotar
medidas provisórias, mesmo que o regulamento da Corte preveja no artigo 39 a
possibilidade de adoção de tais medidas.
- Sentença juridicamente vinculante e declaratória. Cessação do ilícito por parte do
Estado, restitutio in integrum onde possível, justa reparação em caso a restitutio
não seja possível ou apenas parcialmente; medidas ulteriores como modificações
legislativas ou reformas administrativas.
- protocolo 14: modificações durada mandato juízes (9 anos, não mais 6, juiz único,
três juízes por casos repetitivos). Protocolo 15 e 16 abertos à firma e ratificação em
2013.
- supervisão da execução da sentença pelo comitê dos ministros (artigo 46).

Enfim, entrou em vigor em 2010 o protocolo 14 o qual prevê que apenas um juiz pode
analisar um recurso sozinho quando ele é manifestamente inadmissível ou apenas três
juízes e não mais 7 podem analisar os recursos manifestamente fundados (recursos
repetitivos) ou enfim um recurso individual pode ser rejeitado quando o recorrente não
tenha sofrido um prejuízo significativo. Para concluir minha exposição, ressalto que
dois protocolos (15 e 16) foram abertos para firma e ratificação em 2013: o protocolo 15
que reduz o prazo de 6 meses a 4 desde o momento da pronúncia da sentença definitiva
em âmbito interno para recorrer à Corte e o Protocolo 16 que prevê que as Cortes de
última instância dos Estados partes possam requerer opiniões consultivas (isso antes era
competência do Comitê) acerca da interpretação ou aplicação de direitos e liberdades
enunciados na convenção europeia e em seus protocolos.

Sistema americano: instrumento Pacto de São José assinada em 1969, entrado em


vigor 1978. Existem 2 sistemas (OEA que utiliza a Carta da OEA e declaração
americana) e convenção americana. Não todos os Estados da OEA assinaram o Pacto.

Sistema da convenção americana: presença de um Comissão Inter-Americana dos


Direitos Humanos (7 juizes 4 anos), corte interamericana (7 juizes mandado de 7 anos).
Comissão possui competência em relação aos Estados que adotaram a Convenção para
os Estados da OEA em relação a Carta da OEA e declaração americana. Protocolo de
São Salvador tutela direitos sociais, econômicos e culturais.

Comissão desempenha funções de consultoria e recebe as denúncias dos indivíduos,


promove assistência aos Estados. Recursos estatais em presença de dupla aceitação da
competência da comissão e individuais, aceitação automática e obrigatória da
competência da comissão.
Análise da admissibilidade (artigo 46), pedido de informações a serem apresentadas
pelo Estado acusado.
Fase conciliatória. Não se alcança solução amigável: relatório da comissão prazo de 3
meses sem cumprimento=corte; adoção de recomendações para cessação de violações.
Recebidas as informações ou decorrido o prazo fixado sem que tenham sido enviadas
pelo Estado violador, a Comissão verificará se existem ou subsistem os motivos que
levaram a interposição da petição. A Comissão se acreditar subsistir uma violação,
começa um inquérito e solicita informações adicionais. No caso de um Estado
apresentar as informações solicitadas, a Comissão pode declarar a inadmissibilidade ou
improcedência da petição ou ainda recusar as explicações do Estado e prosseguir com o
procedimento de responsabilização do Estado. Em seguida, a Comissão convida as
partes a instaurar uma fase conciliatória. Nos termos do artigo 48, essa fase é tida como
obrigatória. Caso tenha sido obtida a solução amigável, a Comissão elabora seu
relatório, contendo os fatos e o acordo alcançado sendo o mesmo remetido ao
peticionário e aos Estados-membros da OAE, com cópia ao Secretario- Geral da OEA.
Na hipótese de não se alcançar solução amigável, A Comissão adota um relatório
descrevendo a existência da violação e fazer recomendações ao Estado requerido para
sanar os danos e cessar a violação. Relatório encaminhado ao Estado-parte. Antes de
2001, mesmo que o Estado não cumprisse o relatório da comissão, a última tinha
discricionariedade quanto ao envio do caso à Corte. Depois dessa data, o envio em caso
de não cumprimento é automático.
Corte Inter-Americana dos Direitos Humanos : não obrigatoriedade da sua jurisdição. Só
se aceita pelos Estados. Obrigatoriedade das decisões. Acesso a ela só se o Estado não
cumpriu o relatório da comissão e só se o Estado aceitou a jurisdição da Corte. Não
existe comitê de ministros para garantir execução. Relatório anual à assembleia da Oea.
Só Estados ou comissão podem interpor recursos junto à Corte, não indivíduos (artigo
61).

Função consultiva e contenciosa: interpreta a convenção americana e todos os tratados


internacionais adotados pelos Estados americanos referentes a direitos humanos.
Estados ou órgãos da OEA podem solicitar emissão de pareceres.

A pedido de um Estado, a Corte pode ainda emitir um parecer sobre a compatibilidade


de um preceito da legislação domestica em face dos instrumentos internacionais. A
comissão também pode solicitar à Corte a emissão de um parecer.

Contudo, apesar dos indivíduos ou ONGs não terem acesso direto à Corte, se a
Comissão submeter o caso a esta, as vítimas, os parentes ou representantes podem
submeter de forma autônoma seus argumentos, provas perante a Corte.

Se reconhecer que efetivamente ocorreu a violação, a Corte determina a adoção de


medidas que se façam necessárias à restauração do direito violado. A Corte pode ainda
condenar o Estado a pagar uma justa compensação à vítima.

A decisão da Corte, uma vez proferida, tem força jurídica vinculante e obrigatória,
cabendo ao Estado seu imediato cumprimento.

O Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte interamericana por meio de


decreto legislativo n. 89, de 1998.

Importante papel da Corte no entendimento de que as leis de anistia são incompatíveis


com a Convenção americana por afrontarem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo
Direito internacional, obstando o acesso à justiça, direito à verdade.
Caso brasileiro famoso: caso Gomes Lund, desaparecimento de integrantes da guerrilha
do Araguaia durante as operações militares ocorridas na década de 1970. Nesse caso a
Comissão levou o caso à Corte que julgou as disposições da Lei brasileira de anistia de
1979 incompatíveis com a Convenção americana. Leis de anistia como essa que
impedem a investigação de graves violações de direitos humanos assim como a
identificação dos responsáveis são incompatíveis com o direito internacional.

A Corte interamericana não só ordena reparação sob forma de pagamento de


indenização, mas também pode condenar Estados a adotar leis ou emendar ou revogar
legislação domestica incompatível com a Convenção americana. Pode condenar um
Estado a anular ou executar uma decisão proferida por uma Corte doméstica.

Não existe, diferentemente do sistema europeu, um mecanismo de supervisão de


cumprimento das sentenças pelos Estados. É a própria Corte que exercita a supervisão
da execução das sentenças mas a supervisão da fiel execução das sentenças e decisões
da Corte é uma tarefa que recai sobre o conjunto dos Estados membros. A assembleia
geral da OEA possui um mandato genérico no sentido de que a Corte submete a ela em
cada período ordinário de sessões um relatório sobre suas atividades no ano anterior,
especificando se for o caso as hipóteses em que um Estado não tenha dado cumprimento
a suas sentenças.

Monitoramento do cumprimento das sentenças: fracasso dos órgãos políticos em dar


suporte formal à Corte nesse sentido. Não é suficiente o relatório anual que a Corte
envia à Assembleia Geral da OEA. Aprimorar o sistema de supervisão de cumprimento
das decisões é necessário.

Proposta para maior democratização do sistema prevendo o acesso direito do indivíduo


à Corte. Segundo Cançado Trindade: ao reconhecimento de direitos deve corresponder a
capacidade processual de reivindicá-los.

Sistema africano: Carta de Banjul (entrada em vigor em 1986), adotada no seio da


União africana, estabelecida uma comissão africana, órgão quase judicial. Criação da
Corte só com protocolo de Addis Abeba de 2004.
A Carta africana, diferentemente da CEDH e do Pacto de São José, adota uma
impostação coletivista, que empresta ênfase aos direitos dos povos. Direitos civis,
políticos, mas também econômicos, sociais e culturais são tutelados. Além de direitos, a
Carta prevê também deveres: deveres de cada indivíduo para com a família e a
sociedade, Estado, outras coletividades e a comunidade internacional.

Comissão Africana (artigo 30) existe desde 1987 e é um órgão político e quase judicial,
11 membros. Eleitos para um mandato renovável de 6 anos, por escrutínio secreto pela
conferência dos chefes de estado de governo. Promove direitos humanos e dos povos,
elabora estudos e pesquisas, formula princípios e regras, assegura a proteção dos
direitos humanos e dos povos, recorre ao método de investigação, cria relatorias
temáticas específicas, adota resoluções no campo dos direitos humanos e interpreta
disposições da Carta. Seja Estados quanto indivíduos podem interpor recurso. A
comissão aprecia relatórios que os Estados partes a cada 2 anos devem enviar contendo
as medidas legislativas e outras adotadas para efetivar os direitos e liberdades da Carta.
Falta de recursos suficientes assim como de independência dos Estados por parte da
comissão ameaça sua efetividade. ONGs possuem muita importância no sistema
africano.

A Carta de Banjul não estabeleceu originariamente uma Corte africana. Adoção de um


protocolo em Addis Abeba, entrado em vigor em 2004. A assembleia dos Estados da
UA elegeu os juízes da Corte pela primeira vez em 2006, 11 juízes, com sede em
Arusha. Mandato de 6 anos, renovável 1 vez. Competência consultiva e contenciosa.
Consultiva a respeito da interpretação de dispositivos da Carta africana ou de qualquer
outro instrumento de direitos humanos por solicitação dos Estados da UA, da própria
UA de seus órgãos assim como qualquer organização africana reconhecida pela UA.

Competência contenciosa: apreçamento de casos submetidos pela comissão, por um


Estado ou por uma Organização internacional africana. Indivíduo e ONGs podem
submeter diretamente casos à Corte, se houver declaração formulada pelo Estado para
esse fim. Conselho de Ministros competência para supervisionar o cumprimento das
determinações da Corte. Ela envia um relatório anula à Assembleia Geral da União
africana apontando os Estados que não cumpriram suas decisões. Primeiro caso em
2009. Importante é que os Estados ratifiquem o Protocolo que cria a Corte, assim como
cumpram de forma devida as decisões. O nível de incumprimento das decisões da Corte
é altíssimo.
Direito penal internacional:

O direito penal internacional tem como objeto os crimes internacionais,


tradicionalmente individuados no genocídio, nos crimes contra humanidade, nos crimes
de guerra e nos crimes contra a paz ou agressão. Trata-se de crimes de peculiar
gravidade, caracterizados pelo caráter massivo e pluralidade de vítimas e agentes,
lesando bens jurídicos da comunidade internacional.

Um crime internacional é criado quando o direito internacional diretamente criminaliza


alguma conduta.

O direito penal internacional é aquele ramo do direito internacional público que lida
com a responsabilidade direta penal dos indivíduos. Geralmente o direito internacional
se ocupa de direitos e responsabilidade dos Estados, enquanto o direito penal
propriamente dito lida com violações sujeitas a sanções cometidas pelos indivíduos. Na
velha comunidade internacional normalmente os indivíduos não eram diretamente
destinatários de normas internacionais. Se eles porventura se comportassem de forma
contrária ao direito internacional, enquanto particulares ou revestindo uma função
pública, podiam ser processados e condenados pelas autoridades competentes de um
Estado estrangeiro, no interior do sistema desse Estado, dada a presenças dessas
condições: a) que as normas internacionais fossem implementadas na ordem nacional do
Estado; b) tribunais possuíssem jurisdição e que tivesse um critério de conexão entre a
ofensa e o Estado (ofensa cometida no território, contra um nacional ou por um
nacional). Poucas exceções existiam: pirataria, qualquer Estado podia processar o pirata
independentemente de sua nacionalidade, nacionalidade das vítimas, território. Piratas
considerados hostes humani generis.

O desenvolvimento do direito penal internacional é bastante recente. Segundo uma


famosa definição do Tribunal de Nuremberg: “Indivíduos possuem deveres
internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência impostas por
cada Estado... crimes contra direito internacional cometidos por homens, não apenas por
entidades abstratas, e somente punindo esses indivíduos que cometem tais crimes é que
as disposições do direito internacional são efetivadas. É a própria ordem legal
internacional que prevê esses crimes, independentemente do fato desses crimes serem
previstos nos ordenamentos internos.
O que diferencia um crime internacional de um crime previsto por um ordenamento
interno: multidão de condutas que compartilham um elemento comum de contexto. Ex:
crimes contra a humanidade: existência de um ataque amplo e sistemático contra uma
população civil; crimes de guerra: existência de um conflito armado. O elemento de
contexto serve para distinguir várias tipologias de condutas que são ligadas a diversos
crimes internacionais. Por exemplo, o estupro pode ser punido como crime de guerra ou
como crime contra a humanidade, dependendo do contexto. A gravidade dessas
condutas tem influência no regime jurídico das mesmas. Derroga de alguns princípios
gerais do direito penal nacional: imprescritibilidade, critério de jurisdição universal ou
irrelevância de qualquer imunidade.

A gravidade dos crimes cometidos durante o segundo conflito mundial marca um


momento fundamental para o direito penal internacional. Instituição de dois
tribunais militares internacionais por parte das potências vencedoras do conflito e várias
normas pactícias adotadas em nível internacional (convenções de Genebra de 1949,
convenção contra o genocídio de 1948, convenção contra a tortura de 1984) e normas
consuetudinárias que permanecem normas fundamentais no que diz respeito ao direito
penal internacional.

O acordo de Londres de 1945 cria o Tribunal de Nuremberg por consentimento dos


aliados (4 países: França, Rússia, EUA e Inglaterra). O acordo para julgamento e
punição dos criminosos de guerra nazistas estabeleceu a Carta do TPMI aprovada em 8
de agosto de 1945. Em outubro de 1945, começou o julgamento em que foram
realizadas acusações a 24 líderes nazistas, o julgamento durou quase 1 ano e concluiu-se
com a condenação de 19, aplicando penas de morte e prisão perpétua. O Tribunal de
Nuremberg foi instituído para processar nazistas de alto escalão (líderes de partido e
oficiais militares). Segundo o artigo 6 da Carta que institui o Tribunal, o Tribunal tinha
jurisdição sobre crimes contra a paz, humanidade e guerra. Não foi utilizado o conceito
de genocídio para acusar os nazistas pelas atrocidades cometidas contra o povo judeu da
Europa, mas crimes contra a humanidade. Começavam justamente naquele período as
tentativas para conceituar o crime de genocídio, sob impulso da assembleia geral da
ONU e em 1946 foi aprovada uma resolução que apontava o genocídio como crime, e
dois anos depois foi adotado um verdadeiro texto convencional, A convenção de
prevenção e punição do genocídio. A definição de genocídio prevista no artigo II de tal
convenção foi adotada no Estatuto do TPI no seu artigo 6.
O Tribunal para o extremo Oriente ou de Tóquio foi instituído por decisão unilateral do
general Macarthur que proclamou a Carta de do Tribunal Militar Internacional para o
extremo Oriente em janeiro de 1946. foram punidos outros integrantes do eixo de 28
líderes militares e civis japoneses. Funcionou durante dois anos. Punição também pelo
massacre de Nanquim, enquadrado como crime contra a humanidade (episódio em que
as tropas japonesas cometeram assassinato e estupro em massa contra a cidade de
Nanquim no contexto da guerra sino-japonesa).

Inovação: Pela primeira vez Estados viram decair seu monopólio de jurisdição nacional
sobre crimes internacionais.
Normas importantes sucessivas: adoção de várias convenções internacionais: genocídio,
as 4 convenções de Genebra de 1949 e os dois protocolos de 1977. As convenções
preveem para os Estados que as adotarem a obrigação de punir as graves infrações das
convenções.
Tribunais ad Hoc: anos ’90 devido aos conflitos na Ex-Iugoslávia e Ruanda. CSNU
utilizando-se dos poderes que possui conforme capítulo VII da Carta da ONU cria dois
tribunais.
Resolução 827 de 1993 cria Tribunal para ex Iugoslávia e resolução 955 de 1994 cria o
da Ruanda.
Tribunal para ex-Iugoslávia: jurisdição sobre graves violações das Convenções de
Genebra, violações das leis e costumes de guerra, genocídio, crimes contra a
humanidade supostamente cometidos nos territórios da Ex-Iugoslávia desde 1 de janeiro
de 1991 não sendo previsto um prazo final. Primazia do tribunal para ex-Iugoslávia
sobre tribunais nacionais. Maioria dos condenados são servos ou servos da Bósnia, mas
houve também casos de condenações de outras etnias, como croatas, bósnios
muçulmanos, albaneses do Kosovo por crimes cometidos contra Sérvios e outros.
Desde 2003, esse Tribunal tem trabalhado em estrita colaboração com judiciários locais.
Entre os acusados, temos chefes de Estado, primeiros ministros, ministros do interior,
chefes do estado maior do exército, líderes políticos e militares dos mais variados
partidos. Esse tribunal persegue crimes cometidos por indivíduos de alto escalão e
hierarquia, confiando a persecução criminal de indivíduos de baixo ou médio nível à
persecução das cortes nacionais dos países da Ex-Iugoslávia.
Sede: Haia. Composição: câmaras, registro, escritório do promotor. 3 câmaras
processuais e 1 de apelação. Cada câmara: 3 juízes permanentes e juízes ad hoc eleitos
pelo CSNU. Câmaras de apelação: 7 juízes os mesmos do tribunal para Ruanda para
garantir uniformidade de jurisprudência, eleitos pela AGNU por 4 anos. 161 pessoas
indiciadas: famosos Milosevic que morreu no curso do processo, Mladic acusado do
genocídio de Srebenica, foragido e capturado na Sérvia em 2011.
Tribunal para Ruanda: crimes cometidos na guerra civil ruandês. Sede: Arusha
(Tanzânia). Primazia sobre jurisdições nacionais. Competência rationae materiae:
genocídio, crimes contra a humanidade, violações do artigo 3 comum às convenções de
Genebra e do segundo protocolo adicional supostamente cometidas em Ruanda (ou em
territórios de Estados próximos cometidas por cidadãos ruandeses); rationae temporis:
crimes cometidos entre 1 e 31 de Janeiro de 1994; rationae personae e loci: crimes
cometidos por ruandeses dentro do território do Ruanda e territórios vizinhos, bem
como cidadãos não ruandeses dentro do território ruandês. As pessoas acusadas que se
encontram em custódia do Tribunal foram presas e transferidas para diversos países.
Muitos países africanos têm cooperado com o Tribunal no desempenho de suas funções.
Mali primeiro país a ter assinado um acordo com o tribunal para providenciar os meios
para executar as decisões do tribunal. 75 processos.
Jurisprudência importante desenvolvida pelos tribunais ad hoc. Primeira vez que se
condenou alguém por genocídio: caso Akayesu. Interpretar normas antes nunca
aplicadas e preencher lacunas da parte geral do direito penal internacional.
Experiência dos tribunais híbridos ou mistos: No final da década de 90, inaugurou-se
uma experiência inédita, o dos tribunais mistos (Tribunal Especial para Camboja,
Tribunal Especial da Serra Leoa e Tribunal Especial para o Timor Leste). São tribunais
mistos no sentido de serem compostos por pessoal local e internacional e por serem
instituídos, também por acordos bilaterais com a ONU, por leis nacionais. Ideia de base
é que ao incluir nas jurisdições cidadãos e instituições do país que sofreu os crimes e ao
garantir assim uma maior proximidade e responsabilização das instituições locais, os
tribunais mistos revelar-se-iam mais eficazes em termos de pacificação e transição de
contextos de opressão ou guerra civil. Crítica: pouca imparcialidade em relação aos
tribunais ad hoc, vantagem: maior participação e informação das vítimas. Essas cortes
especiais possuem composição e regras processuais bastante diferentes. Instituído
Tribunal para Líbano, mas competente para julgar crimes comuns, não internacionais.

Tribunal Penal Internacional


Estatuto aprovado em 17 de julho de 1998 em Roma (chamado também Estatuto de
Roma) em seguida a uma conferência ocorrida entre 15 de junho e 17 de julho, da qual
participaram 120 Estados.
Debates para criar um tribunal penal a nível internacional são antigos. Desde a década
de 40, a Assembleia Geral confiou à Comissão de Direito internacional a tarefa de
examinar a possibilidade de instituir uma corte penal internacional permanente.
Primeiros projetos apresentados em 1951 e 1953 não tiveram sucesso pois não se
chegava a uma definição da agressão. Clima político internacional delicado. Em 1992 a
AGNU pediu à Comissão de DI para preparar um rascunho de Estatuto a ser
apresentado até julho de 1994. A AGNU não ficou satisfeita com o desenvolvido pela
CDI. Sucessivamente, institui um Comissão preparatória para preparar o texto unificado
de uma convenção para tribunal penal internacional. Em 1996, deliberada uma
conferência diplomática de plenipotenciários a ser marcada em 1998, com o objetivo de
adotar uma convenção para instituir uma corte penal internacional. Em 1998, o comitê
acabou os trabalhos e enviou à conferência seu relatório sobre as atividades
desenvolvidas, anexando o projeto de estatuto e o projeto do ato conclusivo da
conferência. Estatuto adotado em 1998, entrado em vigor 1 de julho de 2002, após o
depósito do sexagésimo instrumento de ratificação junto ao Secretariado da ONU.
Tribunal permanente, criado por tratado multilateral, jurisdição ordinária, independente
e complementar às cortes nacionais. 124 estados por enquanto são partes. Sede tribunal:
Haia.
Crimes julgados pelo TPI ofendem valores universais, cuja tutela pertence a todos os
Estados da Comunidade internacional. Brasil decreto legislativo 112 de 2002.
Não é órgão da ONU, apesar do CSNU poder deferir algumas situações à atenção do
TPI.
Diferença com tribunais ad hoc: esses tinham primazia sobre cortes nacionais, o TPI
possui complementariedade, isto quer dizer que intervém apenas quando um Estado não
possui vontade ou capacidade para perseguir os crimes para os quais ela é competente
(artigo 17, inciso II do Estatuto). Os Estados têm o dever de exercer sua jurisdição penal
contra os responsáveis por crimes internacionais, tendo a comunidade internacional a
responsabilidade subsidiária. Busca para garantia do direito à justiça, fim da impunidade
e respeito da soberania do Estado, à luz do princípio da complementariedade e do
princípio da cooperação.
O estatuto possui uma parte geral diferentemente dos estatutos dos tribunais ad hoc.
Composição: 18 juizes, com mandato de 9 anos não renovável, nomeados pela
assembleia dos estados partes do estatuto. Órgãos: presidência (administração do
tribunal); câmaras (de questões preliminares, primeira instância e apelação); promotor
(que recebe as denúncias, investigando-as e pode propor ação penal junto ao tribunal);
secretaria (encarrega de aspectos não judiciários da administração).
O TPI exerce sua jurisdição ratione materiae sobre os seguintes crimes (artigo 5 do
TPI): genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. Os
artigos 6-7-8 definem respectivamente os crimes mencionados. No texto originário,
ainda o crime de agressão não aparecia definido (conforme artigo 5, parágrafo II). Em
2010, emendas foram adotadas na Conferência de Kampala, Uganda, definindo o crime
de agressão nos termos da resolução 3314 da AGNU . O TPI terá jurisdição em relação a
esse crime após a entrada em vigor dessa emenda em 30 estados e se depois do 1 de
janeiro de 2017, a assembleia de estados-partes vota no sentido de permitir o exercício
da jurisdição do TPI em relação a esse crime. Ratione temporis: O TPI exerce sua
jurisdição em relação a crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto. Em caso
de Estados que ratificam o Estatuto após sua entrada em vigor, a jurisdição do TPI será
exercida somente em relação a crimes cometidos após que o Estatuto entrar em vigor
para esse Estado.
Há uma exceção prevista no artigo 12, par. 3, segundo a qual um Estado que não é parte
do Estatuto pode, mediante uma declaração ad hoc, aceitar a jurisdição do TPI em
relação a alguns crimes específicos. Rationae loci: competência para crimes cometidos
nos territórios de um Estado-parte, independentemente da nacionalidade do autor, e
conforme artigo 12, 2(b), possui jurisdição sobre nacionais de um Estado parte,
acusados de crimes.
Nos termos dos artigos 13 e 14 do Estatuto, o exercício da jurisdição do TPI pode ser
acionado mediante denúncia de um Estado-parte ou do CSNU à promotoria, a fim
de que esta investigue o crime ou os crimes, propondo a ação penal cabível. O
próprio promotor pode agir de ofício conforme o artigo 15. O CSNU também pode
acionar o exercício da jurisdição do TPI se referindo a situações que aconteçam em
qualquer lugar do mundo.
Admissibilidade (artigo 17): o TPI considera admissível um caso e portanto possível
objeto de julgamento perante si mesmo se o mesmo não é ou não foi objeto de inquérito
ou processo por um Estado parte. Se a pessoa interessada já foi julgada pela conduta
objeto de denúncia não pode ser julgado pelo TPI segundo artigo 20, par. 3 (duas
exceções: a jurisdição que julgou visava subtrair a pessoa interessada da
responsabilidade penal por crimes de competência da Corte e se o procedimento não foi
conduzido de forma imparcial e independente, no respeito das garantias previstas pelo
direito internacional).
Os Estados partes do Estatuto de Roma aceitaram por um lado o direito penal
internacional assim como codificado no próprio Estatuto, e por outro lado, a jurisdição
do TPI na hipótese de incapacidade ou falta de vontade de perseguir esses crimes,
conforme artigo 17. Adaptação nas legislações nacionais do Estatuto do TPI que faz
com que se produza uma harmonização dos sistemas penais nacionais. Os Estados são
os primeiros encarregados a reprimir os crimes internacionais através uma adequada
punição, sendo que o TPI entra eventualmente.
Ex: O Estado não começa as investigações (inaction scenario), o Estado começou as
investigações, mas não possui vontade ou capacidade para julgar (indisposição do
Estado ou sua incapacidade devida a colapso total ou substancial do sistema nacional de
justiça). Outra condição prevista no Estatuto para exercício da jurisdição: suficiente
gravidade do fato (conduta deve ter caráter sistemático e larga escala, levando em
consideração o alarme social que ela possa ter despertado e o imputado deve revestir
uma posição relevante no aparato estatal, organizativo ou militar.)
O artigo 18 do estatuto coordena a ação do Procurador com os Estados que diz respeito
à complementariedade. No caso em que a denúncia recebida advém do Estado parte ou
ex próprio motu, o Procurador envia uma notifica ao Estado competente, a todos os
Estados partes e aquele Estado, que mesmo não sendo parte, poderia ter jurisdição no
caso, para comunicar sua intenção de abrir um inquérito. Os Estados possuem um mês
de tempo para enviar observações e declarar sua própria vontade de encaminhar uma
investigação ou para informar que uma investigação já está sendo realizada. Nesse caso,
o procurador remeterá o caso à jurisdição nacional, a menos que a câmara preliminar,
não tenha dado a autorização.
Importante: O Estatuto não prevê uma obrigação para os Estados no sentido de
adaptarem seus próprios direitos penais nacionais às normas do Estatuto, prevendo
apenas um ônus. Não é prevista uma sanção nesse sentido. Se o Estado não adequar seu
direito nacional, não podendo julgar o caso, a consequência será que o TPI subtrairá a
jurisdição do Estado, na hipótese em que ela analise a existência dos requisitos. Não
existe obrigação de adaptar legislação interna, mas existe obrigação no caso de
cooperação com o TPI (nos inquéritos e nas ações penais) no caso em que ao mesmo
caiba a jurisdição já que não possui os poderes, instrumentos em matéria por exemplo
de coleta de provas.
artigo 77: penas previstas: pena privativa da liberdade até o máximo de 30 anos,
admitindo excepcionalmente prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade
do crime e pelas circunstâncias pessoais do condenado. Além dessas penas, o TPI pode
dispor pagamento de multa e confiscação de bens, propriedades

A execução da sanção (Parte X do Estatuto): as penas serão executadas nos Estados que
manifestaram – através de um acordo com o TPI – a disponibilidade em aceitar as
pessoas condenadas por esse tribunal.
Artigo 27 é importante: o Estatuto se aplica igualmente a todas as pessoas, sem
distinções baseadas em cargo oficial. Um chefe de estado ou de governo, qualquer cargo
oficial não será uma desculpa para eximir de responsabilidade penal a pessoa que
comete o crime nem importará em redução de pena.
Financiamento: pagamento das despesas é realizado por contribuições dos Estados
partes e recursos providenciados pela ONU, sujeitos a aprovação da assembleia geral,
em relação especialmente às despesas originadas em virtude das denúncias do Conselho
de Segurança e enfim, contribuições voluntárias de Governos, OIs, empresas, indivíduos
e outras entidades.
Promotor do TPI investigou várias situações na África com base em denúncia oferecida
pelos próprios Estados: Uganda, Congo. República centro-africana (denúncia do próprio
Estado). O Conselho de Segurança aprovou resolução sobre situação do Darfur,
Expedido mandado de prisão contra Omar al-Bashir (presidente em exercício);
Promotoria de próprio motu apresentou denúncia em relação à situação no Quênia. Em
2011, o CSNU decidiu submeter por unanimidade a situação da Líbia à promotoria do
TPI. No mesmo ano, a Promotoria próprio motu concluiu que havia uma base sólida
para abrir o processo relativo à ocorrência de graves crimes internacionais na Costa do
Marfim.
10 casos investigados atualmente (Geórgia, Uganda, Congo, Quênia, Líbia, Costa do
Marfim, República Centro-africana, Darfur, Mali).
Brasil ratificou o tratado em julho de 2000. Emenda constitucional n. 45 em 2004 que
incluiu o 4º inciso ao 5º artigo da CF, reconhecendo a submissão do Brasil à jurisdição
do TPI.

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