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Críticas ao Tribunal Penal Internacional

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Júlio Da Silveira Moreira


Universidade Federal da Integração Latino-Americana
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Revista Crítica do Direito, vol. 29, 2012 | ISSN 2236-5141 1

Críticas ao Tribunal Penal


Internacional

Júlio da Silveira Moreira1

Durante o IV Congresso da Associação Internacional dos


Advogados do Povo (International Association of People’s Lawyers –
IAPL), na Holanda, em maio de 2010, tivemos a oportunidade de
visitar o Tribunal Penal Internacional, na cidade de Haia, receber
informações de representantes da Presidência e da Promotoria do
tribunal, e assistir a uma audiência do caso Germain Katanga e
Mathieu Ngudjolo Chui, do Congo.
O Tribunal Penal Internacional foi criado pelo Estatuto de
Roma, que entrou em vigor internacional em 01/07/2002. O Brasil
ratificou esse tratado em 20/06/2002, passando a ser parte e
assumindo as obrigações dele decorrentes.
A criação desse tribunal está dentro do problema da Justiça
Penal Internacional, a qual, segundo Jorge Miranda (apud
MAZZUOLI, 2010), tem evoluído segundo três fases.
A primeira fase foi de tribunais de vencedores contra vencidos,
cujos maiores exemplos foram os Tribunais de Nuremberg e de
Tóquio, ambos criados em 1946, para punir os vencidos na II Guerra
Mundial e servir à afirmação de uma nova correlação de forças no
sistema internacional.
A segunda fase correspondeu aos tribunais criados por
resolução do Conselho de Segurança da ONU: Tribunal Penal
Internacional para a Antiga Iugoslávia (1993) e Tribunal Penal
Internacional para a Ruanda (1994). Esses tribunais, voltados para
conflitos específicos, foram experiências fundamentais para a criação
de um tribunal penal internacional geral e permanente.
1
Professor na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
Doutor em Sociologia (UFG).
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Um dos grandes problemas da Justiça Penal Internacional é a


questão dos tribunais de exceção, tribunais criados para conflitos
específicos e que não respeitam os princípios universais da reserva
legal e da irretroatividade da lei penal, segundo os quais uma pessoa
não pode ser punida por um fato não previsto em lei na data da
prática do fato supostamente criminoso.
O Tribunal Penal Internacional procura resolver esse problema,
por ser um tribunal permanente e poder julgar apenas casos
ocorridos após sua criação, dependendo inclusive da ratificação do
seu tratado constitutivo pelos Estados. Mas traz consigo vários
outros problemas, a seguir analisados.

1. Competência material (crime de agressão)

O art. 5.1 do Estatuto de Roma diz que o Tribunal é


competente para julgar indivíduos por crimes de genocídio, crimes
contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. Os
arts. 6º, 7º e 8º definem, respectivamente, os três primeiros crimes.
Mas não existe no texto normativo a definição do crime de agressão.
O próprio art. 5.2 fala que a jurisdição do TPI sobre o crime de
agressão só poderá ser exercida quando o estatuto for emendado. A
explicação para essa indefinição tem sido a falta de consenso entre
os Estados. Mas isso revela algo mais profundo: o fato de que, aos
Estados que exercem pressão no sistema internacional, não interessa
definir tal crime. Em outras palavras, são os próprios agressores os
que discutem e determinam o rumo das discussões sobre o Estatuto.
Por quê criar meios para punir a si próprios?
Francisco Rezek (2008, p. 46) analisa a questão, mostrando
que “não se pode processar um estadista por esse crime
internacional enquanto não se resolver essa questão. Deixar para
depois a definição disso parece um típico sinal dos tempos.”
Entre 31 de maio e 11 de junho de 2010, foi realizada em
Kampala, Uganda, a Conferência de Revisão do Estatuto de Roma,
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organizada pela Assembleia dos Estados Partes do referido tratado.


O tema principal foi a definição do crime de agressão. Após extensas
discussões com análises de documentos e elaboração de relatórios, a
conferência concluiu pela redação de novos artigos, mas que, como
emenda a um tratado internacional, ainda precisa ser ratificada pelos
Estados partes, e ainda assim, que a jurisdição não poderá ser
exercida antes de 2017. Resta perguntar quantas guerras de
agressão ocorrerão até 2017 e se a conclusão da Conferência valeu
de alguma coisa.

2. Condições prévias ao exercício da jurisdição

De acordo com o art. 12.2 do Estatuto de Roma, o TPI só pode


julgar indivíduos que sejam nacionais de um Estado que seja parte
do tratado (ou que tenha reconhecido a competência do Tribunal), ou
então que o crime tenha sido cometido no território de um Estado
nessas condições.
Mais uma vez, o poder político no sistema internacional
evidencia a ineficácia do Direito Internacional. Afinal, vários dos
países mais envolvidos nos conflitos internacionais não são parte no
tratado: Estados Unidos, Israel, Rússia, China, Índia, Paquistão,
entre outros.
Como exemplo aplicado, pode-se tomar o ataque de Israel ao
navio Mavi Marmara e outras embarcações que compunham a Frota
da Liberdade, que levava mantimentos humanitários à Palestina,
causando a morte de pelo menos nove ativistas desarmados. Os
responsáveis pelo ataque não podem ser levados ao Tribunal.
Apenas uma hipótese poderia fugir à limitação referida no art.
12.2. Trata-se do art. 13(b), que autoriza o Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas (ONU) a denunciar ao
Procurador do Tribunal qualquer situação, inclusive quando o
referido Estado não seja parte do tratado. Foi o que aconteceu no
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caso do conflito em Darfur, Sudão, país que não é parte, mas do qual
vários nacionais, inclusive o atual presidente, Omar al-Bashir, estão
sendo processados.
Mas para essa questão não pode ser ignorado o problema dos
membros permanentes e com poder de veto no Conselho de
Segurança da ONU. Qualquer um desses 5 Estados (EUA, França,
Reino Unido, China e Rússia) pode vetar qualquer decisão no
Conselho de Segurança, inclusive a decisão de encaminhar uma
denúncia ao TPI. Conclusão: se o criminoso for agente estatal desses
países, ou de qualquer país a eles aliado, a questão será vetada.
Volta-se ao ataque de Israel à Frota da Liberdade: o Conselho de
Segurança jamais encaminharia uma denúncia ou sanção contra
Israel, especialmente por sua aliança estratégica com os EUA.
E os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU
não têm apenas o poder passivo de vetar uma denúncia a ser
encaminhada ao TPI, mas também o poder ativo de suspender
qualquer processo no tribunal pelo período de 12 meses, na forma do
art. 16 do Estatuto de Roma.
Outro ponto problemático é o princípio da jurisdição
complementar, em que só há processo se o país do conflito não tiver
instituições políticas e judiciais suficientemente estáveis e eficientes
para conduzir um julgamento dentro dos requisitos de
imparcialidade e devido processo legal. Muitos países podem
facilmente mostrar, invocando suas “democracias” eleitorais de
fachada, que possuem regimes estáveis capazes de julgar seus
criminosos.

3. O imperialismo revelado na prática do TPI

O imperialismo não é meramente uma postura militar de um


país específico, mas sim um estágio superior do capitalismo em que
este se encontra monopolista, parasitário e agonizante. Também foi
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chamada de imperialismo a colonização europeia nos países


africanos, no séc. XIX. Trata-se, portanto, de um processo de
desenvolvimento desigual entre países e de atividade colonialista.
Os conflitos na África, em geral, têm sua origem histórica na
própria estratégia imperialista de dividir para conquistar, que
provocou cisões e tensões entre grupos étnicos, enquanto as
potências se rivalizam manipulando cada qual um dos grupos étnicos
em conflito armado. Em vez de atacar as causas, o tribunal vai às
consequências e processa chefes de milícias em países
desestabilizados por conflitos centenários.
A própria condição dos atuais réus do tribunal evidencia essa
problemática. Desde sua criação, os réus têm sido basicamente
chefes de milícias envolvidos em conflitos étnicos no continente
africano. Os maiores agressores, genocidas e praticantes de crimes
contra a humanidade jamais foram e nem podem ser levados ao
tribunal.
O ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, desafiou
a efetividade do TPI, mostrando que a ação de países que se opõem
ao tribunal leva à impunidade em detrimento da justiça, e afirmando
que “um Tribunal Penal Internacional permanente deve ser também
universal” (2010, p. 8, tradução nossa). Colocou, assim, a perspectiva
de que mais países ratificarão o Estatuto de Roma e ele se tornará
universal. Mas a realidade é que, independentemente das
ratificações, a Justiça Internacional continuará sendo política e
imperialista.
Ademais, o modus operandi dos conflitos recentes mostram que
a execução sumária de inimigos estratégicos tem sido muito mais
praticada do que sua submissão a tribunais internacionais.

Referências

ANNAN, Kofi A. Justice vs. Impunity. International Herald Tribune,


31 mai. 2010, p. 8.
Revista Crítica do Direito, vol. 29, 2012 | ISSN 2236-5141 6

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional


Público. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

REZEK, Francisco. Apesar da crise, Direito tem salvação. Revista


Visão Jurídica n. 13, Ed. Escala. 2008.

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