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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS


GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

MANUELA STELLET QUINTILIANE VILELA

ANÁLISE EMPRESARIAL:
“MONSANTO: ESTUDO DE CASO - AS CORPORAÇÕES COMO NOVO AGENTE
NO SISTEMA DE ACCOUNTABILITY JURÍDICO INTERNACIONAL”

NITERÓI - RJ
2021
MONSANTO: ESTUDO DE CASO - AS CORPORAÇÕES COMO NOVO AGENTE
NO SISTEMA DE ACCOUNTABILITY JURÍDICO INTERNACIONAL.
Manuela Stellet Quintiliane Vilela

RESUMO
O presente trabalho visa questionar o atual sistema jurídico internacional, de forma a salientar
sua estrutura obsoleta, uma vez que não leva em consideração o atual cenário do Sistema
Internacional, no qual vigoram novos atores cujo poder de agência muitas vezes supera o dos
próprios Estados. O sujeito inédito aqui tratado passa a ser a corporações, cujas ações tanto
nacionais quanto transnacionais infringem gravemente os principais tratados que discorrem
sobre os Direitos Humanos. Pretendendo não discursar de forma generalista, o trabalho
também se vale de uma análise de casos de violações dos direitos humanos por parte da
companhia Monsanto para reafirmar a necessidade de reestruturação do sistema jurídico
internacional.
Palavras-Chave: Direitos Humanos. Corporações. Sistema Jurídico Internacional.

INTRODUÇÃO
Diante das graves violações dos direitos humanos vislumbradas pelo mundo com os
desdobramentos da Segunda Guerra Mundial, a Sociedade Internacional, em seu sopro liberal
por cooperação e garantia da manutenção da paz, passou a se preocupar com a criação de um
sistema jurídico internacional eficaz. Nesse contexto, surgiu em concomitância com as
Nações Unidas, em 1945, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), a segunda tentativa de
estabelecer um tribunal internacional permanente, com a competência para julgar os mais
vastos temas em disputas entre Estados, substituindo a Corte Permanente de Justiça
Internacional (CPJI|), criado pela Liga das Nações.
Com o decorrer dos anos o Sistema Internacional não se viu capaz de sanar as
atrocidades acometidas pelos Estados e ainda viu ascender para sua esfera um novo jogador,
os indivíduos. Sendo um produto das lacunas não preenchidas pelos tribunais ad hoc criados
para julgarem casos específicos, como o genocídio ruandes e os crimes cometidos durante a
fragmentação da antiga Iugoslávia, a comunidade jurídica global percebeu a necessidade de
ampliação do seu sistema de accountability, culminando com a criação do o Tribunal Penal
Internacionais constituido a partir do Estatuto de Roma, em 1998, e que passou a agir
efetivamente em 2002. Assimilando aspectos da Carta de Nuremberg como a
“responsabilidade penal internacional dos indivíduos” (CARDOSO, 2012, p.22) o TPI surgiu
da crença na necessidade de criação de uma instituição sólida e permanente para o
julgamento de indivíduos no âmbito internacional, restringindo-se porém a julgar crimes de
guerra, agressão, genocídio e crimes contra a humanidade.
Percebe-se, então, uma evolução da esfera jurídica, a qual diante das novas
realidades do Sistema precisou adequar-se para assegurar o direito fundamental e inalienável
de acesso à justiça. Todavia, no que concerne a asseguração dos direitos humanos por parte
de mecanismos que permitam a ação dos indivíduos [em proteção aos seus direitos] sobre
temáticas que extrapolam o contexto da guerra ainda não foi vislumbrada por esse meio.
Cortes regionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, foram criadas para
salvaguardar a Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, mas não se
pretendeu estabelecer um mecanismo universal para tratar da questão. Direitos considerados
inalienáveis ficam à mercê de convenções não vinculantes e sob a égide dos Estados - mesmo
quando eles próprios são os causadores das infrações, ou quando não fazem nada para
impedi-las.

UM NOVO AGENTE INTERNACIONAL


Ainda não se estabeleceu como consenso no meio jurídico internacional a ascensão
de um novo jogador: as corporações. Tal elemento inédito teve seu retrato devidamente
aprofundado na obra cinematográfica de Mark Achbar e Jennifer Abbott, intitulada de “The
Corporation” e lançada em 2013. Inicialmente tida como um sujeito não tão relevante para a
sociedade civil, as corporações surgiram na Era Industrial, por volta do século XVIII, como
um grupo de pessoas as quais foram licenciadas pelo Estado para prestarem um serviço
visando o bem público.
Com o passar dos anos, advogados corporativistas trataram de distorcer a figura
ficcional desse corpo organizado e se valeram da décima quarta emenda constitucional para
angariar cada vez mais poder e proteção à elas, argumentando que se tratava de um grupo de
indivíduos, ou seja, uma pessoa jurídica. A partir daí, os Estado passaram a verificar a
formação de um novo hegemon que vem tentando - e conseguindo - se estabelecer como uma
dos maiores jogadores internacionais.
Dois fatores tornaram-se determinantes para permitir essa livre atuação das
corporações, mesmo quando estas apresentam claras características psicológicas de
comportamentos psicopatas: a permissividade dos Estado nacionais e a abertura dada pelos
mecanismos jurídicos internacionais. Assim, a nível doméstico, uma prática comum na esfera
corporativista é a formação de acordos bilaterais os quais discorrem sobre disputas jurídicas
sendo travadas no âmbito particular, ou seja, uma empresa particular passa a ser a mediadora
e árbitra da questão, ficando o aparato estatal no escuro. Percebe-se, assim, uma perda de
parte da soberania nacional uma vez que os Estados passam a não poder interferir em favor
dos interesses da sua própria população. Porém, não deve ser ignorado o fato de que em
muitos casos os Estados foram os promotores de benefícios para essas corporações através da
flexibilização de leis e da não não fiscalização.
Já a nível internacional, a estipulação de tratados e convenções não vinculantes
sobre o que concerne a garantia de direitos considerados inalienáveis permite que tais
empresas cometam das mais diversas atrocidades. Em 2011, a Organização das Nações
Unidas (ONU) chegou a publicar um guia acerca de Princípios Orientadores sobre Empresas
e Direitos Humanos, mas já em suas primeiras páginas tratou de deixar claro que não se
tratava de uma nova lei internacional ou de qualquer forma de regulamentação:
“Nada nestes Princípios Orientadores deve ser interpretado como
criação de novas obrigações de direito internacional, ou como
limitação ou enfraquecimento de quaisquer obrigações legais que um
Estado possa ter assumido ou estar sujeito ao direito internacional
com relação aos direitos humanos” (ONU, 2011).

Tal abstenção para com o comprometimento jurídico inviabiliza a formação de


novos tribunais internacionais especializados no julgamento de corporações, proposta esta já
elaborada desde a década de 1970 com apoiadores como Salvador Allende, ex-presidente
chileno. Por desestímulo dos Estados, do próprio órgão e das empresas, a ideia nunca
caminho, permitindo que atrocidades, como as acometidas pela Monsanto e que serão abaixo
retratadas sigam impunes ou afligindo prejuízos ínfimos a quem atinge permanentemente a
vida de milhares.

ESTUDO DE CASO: MONSANTO


Uma das empresas retratadas no documentário de Achbar e Abbott, a Companhia
Monsanto, tornou-se uma das principais aproveitadoras da maleabilidade das regras
internacionais e nacionais. Recentemente comprada pela Bayer, a gigante de agricultura e
biotecnologia carrega em seu nome inúmeros processos jurídicos e indenizações, mas isso
não foi suficiente para fazê-la sumir do mapa ou reduzir seus ganhos. No filme, assistimos o
caso de seu Hormônio de Crescimento Bovino o qual não apenas causava dores e doenças em
vacas leiteiras, como também poderia acarretar em câncer de mama, cólon e próstata nos
humanos que ingerissem o leite dessas vacas.
Apesar do escândalo, uma grande medida de contenção foi elaborada por advogados
corporativistas, os quais conseguiram dobrar até mesmo uma das maiores emissoras de
televisão estadunidense, a FOX News. Era de se esperar que após a história vir a público
(mesmo que abrandada), a empresa fosse responsabilizada por seus atos e tivesse sua imagem
manchada. O que se viu em seguida foi o exato oposto, seguindo uma linha histórica de vista
grossa por parte dos Estados. Assim como no episódio do Agente Laranja, onde um herbicida
desflorestador da marca foi utilizado pelas Forças Armadas americanas durante a Guerra no
Vietnã, causando efeitos colaterais irreparáveis em sua população, a Monsanto seguiu nas
prateleiras das lojas graças a acordos e lobbies.
A condescendência estatal atingiu níveis tão altos a ponto de uma lei aprovada
durante o governo Obama ter sido apelidada de “Lei de Proteção à Monsanto”, a qual permite
que mesmo em casos onde o tribunal federal proíba o cultivo de uma planta transgênica, o
Departamento de Agricultura possui poder de emitir uma autorização temporária para o
cultivo a mesma. A força da influência da empresa se torna claro, ao entendermos que tal
mecanismo foi editado pelo senador republicano Roy Blunt, político que mais recebeu
financiamento da empresa nos últimos anos.

CONCLUSÃO
A existência de estatutos limitantes no que concerne a possibilidade de atuação de
tribunais internacionais; a inexistência de um tribunal internacional especializado encumbido
do poder de julgar empresas; colocando junto a elas os próprios Estados no banco dos réus
por infrações aos Direitos Humanos; a ação restrita do sistema judiciário doméstico e a
corruptibilidade de agentes políticos permitem que as atrocidades cometidas por empresas
como a Monsanto sigam ocorrendo impunes. Enquanto o mundo se mantém seguindo o
caminho de não criar mecanismos efetivos de accountability que não possam ser corrompidos
pela força do capital corporativo, os Direitos Humanos seguiram sendo deturpados.
Cabe a ONU reconhecer a formação de um novo sujeito internacional e tomar
impulsionar um movimento que já vem tomando formava sob a liderança de outros Estados,
como a criação de um grupo intergovernamental composto pelo Equador e a África do Sul
para a estipulação de um tratado internacional com poder de força vinculante e que discorra
sobre a questão da violação dos Direitos Humanos no meio corporativista. Dar esse passo é
compreender que a arena internacional não é a mesma que a de décadas atrás, e da mesma
forma que o Sistema precisou reconhecer a agência política de indivíduos, em um dado
momento ele deverá reconhecer o das empresas, e o quanto antes, melhor.
REFERÊNCIAS
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POLITIZE. Corte Internacional de Justiça: o que é e como funciona? | Politize! Politize!


Disponível em: <https://www.politize.com.br/corte-internacional-de-justica/>. Acesso em: 10
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