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4ª Lição

Os Procedimentos Cautelares – A Tutela Cautelar

Bibliografia principal: Almeida, Francisco Manuel Ferreira


de, Direito processual civil, vol. I, 3ª ed., Coimbra, Editora Almedina,
2019; Geraldes, António Abrantes, Temas da reforma do processo civil
(procedimento cautelar comum), III vol., 3ª ed., Coimbra, Editora Alme-
dina, 2004; Temas da reforma do processo civil, IV vol., 2ª ed., (procedi-
mentos cautelares especificados), Coimbra, Editora Almedina, 2003;
Rego, Carlos Lopes do, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I,
2ª ed., Coimbra, Editora Almedina, 2004; Reis, José Alberto dos,
A figura do processo cautelar, Separata nº 3 do Boletim do Ministério
da Justiça, Lisboa, 1947; Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3ª ed.,
reimp., Coimbra, Coimbra Editora, 1982 (pp. 619-702); Código de Pro-
cesso Civil anotado, vol. II, 3ª ed., reimp., Coimbra, Coimbra Editora,
1981 (pp. 1-140); Varela, Antunes/Bezerra, Miguel/Nora, Sampaio
e, Manual de processo civil, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985.

Sumário: 1 ‒ O sentido da tutela cautelar; 2 ‒ Conceito de pro-


cedimento cautelar; 3 ‒ Espécies de procedimentos cautelares;
4 ‒ Requisitos gerais da tutela cautelar: a) Fumus boni iuris; b) Peri-
culum in mora; c) Proporcionalidade. 5 ‒ Análise dos procedimen-

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tos cautelares especiais ou especificados: 1º) Restituição provisória de


posse (artigos 393º a 395º); 2º) Suspensão de deliberações sociais ou
suspensão de deliberações de assembleias de condóminos (artigos 396º
a 398º); 3º) Alimentos provisórios (artigos 399º a 402º); 4º) Arbitra-
mento de reparação provisória (artigos 403º a 405º); 5º) Arresto (arti-
gos 406º a 411º); 6º) Arrolamento (artigos 421º a 427º); 7º) Embargo
de obra nova (artigos 412º a 420º); 5 ‒ Procedimento cautelar comum:
a) Ideias gerais sobre o procedimento cautelar comum; b) Medidas
cautelares comuns; c) Funcionamento do contraditório; d) O reforço
da tutela cautelar; e) O destino das providências cautelares; f) O novo
regime da inversão do contencioso (Reforma de 2013).

1. O sentido da tutela cautelar. A tutela declarativa ‒ que visa


a obtenção de uma sentença ‒ é naturalmente morosa, jamais per-
mitindo alcançar, num espaço curto de tempo, a desejada sentença.
O caminho até à sentença é lento e, frequentemente, torna-se mesmo
muito lento: a resolução de um litígio não se faz do dia para noite.
O autor de uma acção sabe que tem de esperar largos meses, por
vezes anos, por uma sentença, traduzindo-se essa espera numa con-
dição para uma decisão ponderada e justa. O grande problema é que,
por vezes, tal espera, mesmo aquela que podemos considerar razo-
ável, pode ser fatal para os direitos e, por conseguinte, a sentença
acaba por tornar-se inútil, não evitando uma grave injustiça.
Ora, os ordenamentos processuais viram-se, assim, obrigados a
consagrar meios que, de forma rápida e provisória, permitem tutelar
os direitos enquanto não se obtém a sentença definitiva. No fundo,
trata-se de travar o tempo ou evitar que este conduza à «morte» dos
nossos direitos. Mas que meios são esses? Os procedimentos cautelares
referidos, genericamente, no artigo 2º, nº 2, in fine: os «procedimentos
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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

necessários para acautelar o efeito útil da acção», cuja importância


crescente é indesmentível1.
«As denominadas providências cautelares ‒ acentuava Antunes
Varela ‒ visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção
declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que
a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia
ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora
(o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sen-
tença se não torne numa decisão puramente platónica»2.
O paralelo entre estes procedimentos e os primeiros socorros salta à
vista: frequentemente, a salvação de uma pessoa, atingida por um grave
problema de saúde, depende de uma intervenção médica urgente com
vista a evitar lesões profundas ou, nos casos mais dramáticos, a perda
da própria vida: assistir e estabilizar a vítima, eis as finalidades dessa
intervenção. Ora, tal como os «médicos socorristas», os juízes têm,
habitualmente, de tomar decisões rápidas, sob pena de os nossos direi-
tos, sem tal assistência e estabilização, entrarem em colapso.

2. Conceito de procedimento cautelar. O procedimento cau-


telar é um meio processual urgente, em princípio dependente e não
influente que visa alcançar, através de uma providência, em regra provi-
sória, a conservação de uma realidade ou a antecipação de um efeito.
Analisemos este conceito, realçando as suas principais notas dis-
tintivas:

1ª) Nota da urgência. Traduz-se numa característica típica acentu-


ada pelo legislador no artigo 363º A tutela cautelar é urgente, ou seja,

1
 Para Luiso, Istituzioni di diritto processuale civile, Torino, Giappichelli Editore,
2003, p. 11, só nos últimos anos se tomou consciência da importância da tutela cau-
telar.
2
 Manual de processo civil, p. 23.

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a decisão de um procedimento cautelar não pode esperar, não pode


ser adiada ou retardada, exigindo uma resposta célere, sem delongas.
Como é que, na prática, se consegue tamanha rapidez num sistema
processual por natureza lento?
Por um lado, o legislador transformou o procedimento cautelar
num meio prioritário, ou seja, num meio que goza de prioridade sobre
os demais processos, mesmo sobre aqueles que entraram há mais
tempo no tribunal. O juiz tem o dever de despachar os procedimen-
tos cautelares, antes de decidir os processos não urgentes (artigo
363º, nº 1).
Por outro lado, o legislador aponta um limite temporal para a deci-
são, pressionando os juízes a não ultrapassarem os prazos máximos
fixados no artigo 363º, nº 2 (dois meses para um procedimento com
contraditório prévio; quinze dias para um procedimento com contradi-
tório diferido).

2ª) Nota da dependência. Esta característica resulta do artigo 364º,


nºs 1, 2 e 3. O legislador exige que o procedimento cautelar seja ante-
cedido pela proposição de uma acção ou, então, que esta proposição
ocorra na pendência do procedimento, a não ser que, nos termos do
artigo 369º, venha a ocorrer a denominada inversão do contencioso (um
mecanismo que, como iremos ver, transforma uma providência pro-
visória em definitiva).
No fundo, qualquer procedimento cautelar é, em princípio, um
mero apêndice (ou «satélite») de um processo onde se vai averiguar,
com a máxima profundidade, a real consistência da pretensão do
requerente. Assim, consoante o momento da proposição do proce-
dimento cautelar, relativamente à proposição do processo, devemos
fazer a seguinte distinção: a) Procedimento cautelar anterior, prelimi-
nar ou antecedente: o procedimento é anexado ao processo que vier
depois a ser proposto (artigo 364º, nº 2). Após a notificação de que
a providência foi decretada, o beneficiário tem 30 dias para intentar

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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

a acção, sob pena de a providência caducar (artigo 373º, nº 1, al. a));


b) Procedimento cautelar posterior ou incidente: o procedimento decorre
paralelamente à acção, mas o tribunal deve dar prioridade ao procedi-
mento (artigo 364º, nº 3).

Acrescente-se, para acentuar a dependência do procedimento em


relação ao processo, que a providência caduca sempre que o requerente
venha a sucumbir no processo principal (artigo 373º, nº 1, al. c)).

3ª) Nota da não influência. A decisão obtida no procedimento cau-


telar não determina automaticamente o destino do processo princi-
pal. O êxito do procedimento cautelar não significa o êxito da acção
e o fracasso do procedimento cautelar não dita, automaticamente,
a improcedência da acção: isto mesmo encontra-se dito, com clareza,
no artigo 364º, nº 4.
Na prática, no entanto, na esmagadora maioria dos casos, a pessoa
que obtém uma providência cautelar acaba por ter sucesso na acção
principal. Mas, insiste-se, isto não é forçoso, até porque a rapidez da
tutela cautelar aumenta a margem de erro judiciário 3.
Aquele que obtém uma providência cautelar, mas que acaba,
depois, por perder a acção principal e vê a providência decair, terá
de pagar uma indemnização ao sujeito que suportou a sempre cons-
trangedora medida cautelar?
O requerente somente pode vir a ser responsabilizado se não agiu
com a prudência normal (artigo 374º).

3
 Ilustremos a nota da não influência através de um exemplo: A, célebre ence-
nador, instaurou um procedimento cautelar para impedir a R.T.P de utilizar
certo título num programa televisivo («Música no coração»). O tribunal deu razão
ao requerente da providência e proibiu a requerida de fazer uso desse nome. No
âmbito do processo principal, no entanto, o tribunal, após uma análise mais pro-
funda da questão, concluiu que o título não era original e que, assim sendo, podia
ser usado pela R.T.P., levantando a proibição judicial de uso.

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4ª) Nota relativa à finalidade da providência cautelar. Como vere-


mos, algumas providências cautelares destinam-se à conservação de
uma certa realidade que não deve ser alterada. Existem também pro-
vidências que acabam por antecipar o efeito que se quer alcançar atra-
vés do processo principal.

4. Espécies de procedimentos cautelares. O Código de Pro-


cesso Civil prevê sete procedimentos cautelares especificados, nominados ou
especiais, ou seja, sete procedimentos com um regime próprio:
a) Restituição provisória de posse (artigos 377º a 379º);
b) Suspensão de deliberações sociais (artigos 380º a 383º);
c) Alimentos provisórios (artigos 384º a 387º);
d) Arbitramento de reparação provisória (artigos 388º a 390º);
e) Arresto (artigos 391º a 396º);
f) Embargo de obra nova (artigos 397º a 402º);
g) Arrolamento (artigos 403º a 409º).

Para além destes procedimentos, existe o procedimento cautelar


comum, regulado nos artigos 362º a 376º e que, de forma genérica,
pode ser definido através das seguintes notas:
a) Trata-se de um meio residual, pois é aquele a que podemos
deitar mão sempre que, perante uma situação de manifesto
periculum in mora, não nos seja possível instaurar um procedi-
mento nominado ou especial (artigo 362º, nº 3);
b) É também um procedimento aberto, na medida em que o
requerente pode pedir qualquer providência que lhe pareça
apropriada para o caso (artigo 362º, nº 1). E, acrescente-
-se, num claro desvio ao princípio do pedido, o juiz, nos ter-
mos do artigo 376º, nº 3, «não está adstrito à providência
concretamente requerida (...)». Esta mitigação do princípio do
pedido em prol da efectividade da tutela cautelar valerá ape-
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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

nas no estrito âmbito do procedimento cautelar comum? É


no domínio deste procedimento que o desvio ganha mais sen-
tido4. O requerente requer a medida cautelar x e o tribunal,
dentro dos factos alegados e provados, considera mais ade-
quada a medida y, decretando oficiosamente, após ouvir o
requerente, esta última providência.
Se, na esfera dos procedimentos cautelares especificados,
o requerente se engana na escolha do meio ‒ por exemplo,
é instaurado o procedimento do arresto quando devia ter sido
proposto o procedimento do arrolamento ‒, o que temos é um
erro na forma do procedimento que deverá ser resolvido à luz da
solução ditada no artigo 193º, ou seja, o juiz tudo deverá fazer
para encaminhar o procedimento para a tramitação adequada.
Mas imaginemos, agora, que o requerente instaura o procedi-
mento da restituição provisória de posse e que o juiz fica conven-
cido quanto à existência da posse e do esbulho, mas não quanto
ao requisito da violência. Deverá julgar improcedente o pro-
cedimento especificado ou, pelo contrário, deverá decretar
uma providência cautelar inominada de restituição da coisa?
Achamos possível esta última solução, mas somente se, pelos
factos alegados e pelas provas apresentadas, tiver ficado bem
patente o periculum in mora (por exemplo, o requerido está a
degradar, aos poucos, a coisa).
c) Finalmente, o procedimento cautelar comum é um procedi-
mento integrador, e isto porque as normas que o regulam per-
mitem suprir ou integrar as lacunas existentes nos regimes
especiais dos procedimentos cautelares nominados (artigo
376º, nº 1).

4
 Neste sentido se pronuncia Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. I, p. 362 (artigo 392º).

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5. Requisitos gerais da tutela cautelar. Importa explicar, num


plano geral, o que fundamenta o decretamento de uma providência
cautelar. O requerente de uma providência cautelar tem de esfor-
çar-se por alegar e provar a existência de uma realidade muito parti-
cular:

A) Fumus boni iuris (artigos 365º, nº 1, 1ª parte; 368º, nº 1):


o requerente tem apenas de fazer a prova sumária da titularidade
do direito que pretende acautelar. Ao contrário do que ocorre nos
processos declarativos, não é necessário fazer a prova cabal desse
direito (note-se que esta assenta num juízo de alta probabilidade
sobre a existência do direito). O juiz, por conseguinte, ao levar a
cabo a sua sumaria cognitio, deverá perguntar apenas para si próprio:
o direito do requerente (v.g., direito de crédito; direito de proprie-
dade; direito de servidão) é verosímil, plausível ou provável? Não deve
ir para além disto, ou seja, não pode exigir o mesmo nível de prova
que é necessário numa acção. Neste ponto, tem de funcionar a capa-
cidade intuitiva do juiz (o seu «sexto sentido», diríamos), o poder
de vislumbrar o «fogo» (ou seja, o direito) por entre as «nuvens de
fumo», quer dizer, por entre meros indícios, vestígios ou puros começos
de prova5. Basta o «fumo do bom direito», pois, como a experiência dita,
«onde há fumo, há fogo».
Compreende-se perfeitamente que assim seja. Se a lei exigisse ao
juiz um conhecimento completo e profundo sobre a titularidade do
direito acautelando, o procedimento perderia a celeridade que é a sua
marca principal. Ora, ao perder a celeridade, a tutela cautelar ficaria
sem sentido: a lentidão é incompatível com esta espécie de tutela.

 Cfr. Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. V, p. 589. É frequente, na


5

jurisprudência, a referência a «factos indiciados» e não a «factos provados.» Cfr.


Ac. da Relação de Lisboa de 2/3/2010 (Maria José Simões), in www.dgsi.pt.

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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

Por tudo isto, quanto à verificação da existência do direito que se


pretende acautelar, o juiz tem, perante os dados que se encontram
«em cima da mesa», de levar a cabo um juízo «ex post», deslocando-
-se mentalmente para o futuro, como que vislumbrando, desde logo,
o que ainda não é inteiramente certo ou visível: a efectiva existência
do direito. Na mente do juiz, basta que se forme a seguinte ideia
que podemos exprimir por estas palavras: «Não tenho a certeza,
mas também não tenho muitas dúvidas de que o direito existe (...).»
Concluindo, o juiz apenas tem de verificar a aparência do direito, não
a sua efectiva existência.

B) Periculum in mora ou receio de lesão (artigos 365º, nº 1, in fine;


368º, nº 1, in fine). Em segundo lugar, o requerente tem de alegar e
provar o denominado periculum in mora, ou seja, o perigo da demora,
mais concretamente, tem de convencer o tribunal de que existe o
forte risco de a morosidade do processo principal vir a ser fatal para
o seu direito ou interesse6. O perigo da demora é, bem entendido,
a mola impulsionadora da tutela cautelar. Assim sendo, o juiz, antes de
decidir, deverá sempre formular para si mesmo a seguinte pergunta:
é provável que o requerente, por causa da morosidade do processo principal,
acabe por sofrer uma lesão irreparável ou dificilmente reparável, facto que tor-
nará a sentença inútil ou platónica?

C) Proporcionalidade ou mínima ingerência (artigo 368º, nº 2).


A providência cautelar tem de ser ajustada ou proporcionada, ou seja,
não deve causar um dano maior do que o prejuízo que visa evitar.
O ideal será que a providência, sempre nefasta para o requerido, con-
cretize a velha e conhecida máxima: «um pequeno mal por um grande
bem!» ou «um pequeno mal para evitar um mal maior!».

6
 Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 677.

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Imaginemos que A, afectado pela poluição de uma fábrica, pede,


através de um procedimento cautelar comum, o encerramento pro-
visório desta, mas a medida requerida acabaria por colocar em risco
o emprego de dezenas de trabalhadores. A providência seria despro-
porcionada.
A leitura do artigo 376º, nº 1 (1ª parte), permite concluir que
o requisito da proporcionalidade somente vale para o procedimento
cautelar comum. No entanto, certas normas disciplinadoras dos pro-
cedimentos cautelares especificados não deixam de apontar para a
exigência da proporcionalidade (ver artigos 408º, nº 3, 2004º, nº 2,
C.C.). É claro que o requisito não faz sentido no âmbito do procedi-
mento do arrolamento ou da restituição provisória de posse7.

6. Análise dos procedimentos cautelares especiais ou especi-


ficados. Passemos em revista, nas suas linhas essenciais ‒ finalidade,
pedido, causa de pedir e tramitação ‒ os sete procedimentos cautelares
regulados no Código de Processo Civil e que andam na órbita das
acções declarativas.

1º) Restituição provisória de posse (artigos 377º a 379º):

Exemplo: A intentou contra B uma acção de reivindicação de


um andar sito em Coimbra. Na pendência deste processo, antes do
início da audiência final, numa altura em que B não se encontrava
no referido imóvel, A tomou o andar de assalto, arrombando a
porta e deitando fora todos os principais pertences do réu. Poderá
B reaver, de forma rápida, o andar?

Exemplo: A, arrendatário de uma garagem na cidade de Coim-


bra, deparou-se com a ocupação do imóvel por parte de B, seu

 Cfr. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo


7

Civil anotado, vol. 2º (artigo 392º).

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senhorio. Este, para o efeito, arrombou a porta, esvaziou a garagem


e procedeu à mudança da fechadura. Poderá o inquilino reaver a
garagem num curto espaço de tempo?

a) Finalidade. O procedimento da restituição provisória de posse


destina-se à restituição rápida de uma coisa (imóvel ou móvel) que
foi retirada, de forma violenta, ao seu possuidor (artigo 1279º C.C.).
Note-se que o artigo 1282º C.C. determina que o esbulhado tem um
ano para instaurar o procedimento cautelar da restituição provisória
de posse.

b) Pedido. O requerente, na parte final do requerimento, pede


ao tribunal a imediata restituição da coisa, ou seja, uma medida judicial
executiva.

c) Causa de pedir. No requerimento inicial, antes de deduzir o


referido pedido, o requerente tem de alegar factos reveladores da
posse e do esbulho violento de que foi vítima.
Em que consiste a posse? E o esbulho? E a violência?

A posse, como resulta do artigo 1251º C.C., consiste numa situ-


α) 
ação de exercício de poderes de facto associada à titularidade de
certos direitos reais (um poder de facto exercido nos termos
de um direito real de propriedade, de usufruto, de servidão, por
exemplo). É fundamental reter que o requerente desta pro-
vidência não tem de alegar e de provar, por exemplo, que é
proprietário, usufrutuário ou efectivo titular de uma servidão
de passagem. Na verdade, ele apenas terá de alegar e de pro-
var, de modo sumário, os factos constitutivos e reveladores da
posse, sendo aliás suficiente a demonstração do denominado
corpus da posse, uma vez que o animus se presume (artigo
1252º, nº 2, C.C.).

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Importa acrescentar que os titulares dos denominados direi-


tos pessoais de gozo, enquanto meros detentores, também podem
recorrer aos meios de defesa da posse: é o que ocorre com
os arrendatários (artigos 1037º, nº 2, e 1279º C.C.) e com os
comodatários (artigo 1133º, nº 2, e 1279º C.C.). E esta faculdade
pode estender-se, por analogia, a outras situações, como, por
exemplo, a do promitente-comprador de uma coisa que esteja já
na sua detenção por força da denominada traditio.
O esbulho é sinónimo de espoliação, de privação ou subtracção de
β) 
coisa. O requerente tem, pois, de alegar que, de um momento
para o outro, se viu privado de uma coisa que possuía, numa
palavra, foi espoliado, desapossado. Quer dizer, não basta uma
mera turbação da posse, pois é exigível, como requisito indis-
pensável para se requerer a restituição, que tenha sido pra-
ticado um acto que efectivamente privou o requerente de
continuar a exercer a posse ou a detenção qualificada 8.
O legislador exige, para o recurso legítimo ao procedimento
γ) 
em análise, que o esbulho tenha sido praticado com violência,
ou seja, com coacção física ou moral. Discute-se se o esbulho
também é violento nos casos em que a força física recaiu uni-
camente sobre a coisa (v.g., através do arrombamento de uma
porta ou do telhado de uma casa) e não sobre a pessoa do
esbulhado. Para uma corrente minoritária, fundada no artigo
1261º C.C., somente a coação (física ou moral) exercida sobre
o possuidor torna o esbulho violento; para um sector doutri-
nal e jurisprudencial maioritário, o esbulho não deixa de ser

 A colocação de detritos e de ramos num caminho, não impedindo a pas-


8

sagem a pé, e apenas dificultando a passagem, traduz-se num acto de turbação,


mas não de esbulho. Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/11/2020 (Maria
Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt/.

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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

violento quando a coacção física incide exclusivamente sobre


a coisa9.
Nos casos de esbulho não violento, a pessoa desapossada poderá
instaurar um procedimento cautelar comum, nos termos do
artigo 379º. Eis um exemplo verídico: A «emprestou» uma casa
a uma família carenciada, mas esta, mais tarde, não restitui o
imóvel ou acaba por sair levando o recheio da casa.

d) Especialidades. Apontemos, para finalizar, três especialidades


do procedimento da restituição provisória de posse:
1ª: O requerente necessita de alegar factos reveladores da posse e
da ocorrência de um esbulho violento, mas não precisa de alegar
o periculum in mora. A coisa, nas mãos de um esbulhador, corre
naturais e previsíveis riscos e a situação, em si mesma, já é
perigosa e grave. O perigo da demora é, no fundo, presumido.
2ª: A fase executiva da restituição da coisa é enxertada no próprio
procedimento cautelar (artigo 378º). A execução é um efeito
automático do despacho que decreta a restituição da posse,
mas tem de ser emitido um mandado para se efectivar este
efeito (artigo 172º, nº 2). Reconhecimento, declaração e exe-
cução fazem parte do mesmo e único procedimento.
3ª: O contraditório, nos termos do artigo 378º, in fine, é retardado
ou diferido. Uma vez convicto de que ocorreu um esbulho vio-

9
 É correcta a tese – defendida no Acórdão da Relação de Guimarães de
25/2/2021 (Margarida Sousa), in www.dgsi.pt, segundo a qual «a colocação de um
portão, fechado à chave, que impede o exercício da posse deve ser considerada
como esbulho violento por via da subsunção de tal comportamento no conceito
de “coacção física”, no sentido de que um portão assim fechado, como um obstá-
culo que constrange, de forma reiterada a posse dos requerentes, impedindo-os
de a exercitar como anteriormente faziam, corresponde a uma força (uma barreira
física) que impossibilita, obstrui, o exercício da posse sobre a coisa».

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lento, o juiz decreta a restituição provisória da posse sem ouvir


o esbulhador. Este somente poderá opor-se após a execução do
despacho, de acordo com o disposto no artigo 372º. Porque
é que o legislador decidiu alterar o tempo do contraditório?
Não se trata, segundo a voz dominante, de apressar a deci-
são, como se a urgência fosse maior neste caso, mas, antes, de
«castigar» aquele que cometeu o esbulho: quem pratica um
esbulho não merece ser ouvido antes da decisão10. Pela nossa
parte, achamos que o contraditório diferido acaba por ser uma
forma de apressar a restituição da coisa ao seu «dono», pois é
sempre muito arriscado deixar essa coisa durante muito tempo
nas mãos de quem a usurpou (risco de dano, de delapidação,
de sonegação, etc.).

e) Tramitação. De forma esquemática, eis a tramitação do pro-


cedimento em análise: 1) Requerimento inicial; 2) Despacho liminar
(artigo 226º, nº 4, al. b)); 3) Exame das provas (artigo 365º, nº 3); 4)
Despacho decisório; 5) Execução do despacho (artigo 172º, nº 2); 6)
Notificação do despacho ao requerido (artigo 366º, nº 6); 7) Defesa
diferida (artigo 372º).

2º) Suspensão de deliberações sociais ou suspensão de delibe-


rações de assembleias de condóminos (artigos 380º a 383º):
Exemplo: A assembleia geral de certo Banco (sociedade anó-
nima) deliberou sobre uma matéria que não constava da ordem do
dia (v.g., abertura de uma agência num local pouco movimentado
de certa localidade) e um sócio entende que a execução da deli-
beração deve ser rapidamente travada, uma vez que, para além de

 Assim entende Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I,
10

p. 668.

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OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

ser inválida, vai trazer, em época de crise económica e financeira,


um prejuízo apreciável à sociedade.
Exemplo: Os condóminos de um prédio urbano, reunidos em
assembleia, deliberaram que uma clínica dentária instalada no R/C
podia proceder a alterações na fachada do edifício, substituindo
paredes por vãos de vidro. A, condómino, votou contra e, por achar
que a deliberação não respeita o disposto no artigo 1422º, nº 3,
do C.C., quer reagir judicialmente contra a referida deliberação,
evitando que ela seja executada.

a) Finalidade: É sabido que a vontade das associações, das socie-


dades, das assembleias de condóminos manifesta-se através de delibera-
ções tomadas pelos associados, sócios ou condóminos. A deliberação
consiste, assim, numa resolução ou decisão tomada por um grupo de pes-
soas (plenário), após discussão, e que reflecte a vontade da maioria reunida
na assembleia (princípio da maioria). Ora, o procedimento da suspen-
são de deliberações sociais visa precisamente bloquear ou travar, com
a máxima rapidez, a execução ou o cumprimento de uma deliberação
inválida e susceptível de causar um prejuízo11.
O sócio ou o condómino tem 10 dias, a partir do dia da tomada da
deliberação ou do seu conhecimento, para requerer a suspensão da
mesma (artigo 380º, nºs 1 e 3).

b) Pedido. O requerente, sócio ou condómino pede, através do


procedimento cautelar em análise, que a execução da deliberação seja
suspensa ou paralisada por ordem do juiz. Em termos técnicos, é reque-

11
 Tem-se entendido que o procedimento em causa vale não apenas para sus-
pender deliberações dos sócios tomadas em assembleia, mas também as delibera-
ções provenientes de órgãos com competência para deliberar (conselho fiscal ou
gerência, por exemplo). Cfr. Francisco Ferreira de Almeida, Direito processual
civil, vol. I, p. 283.

109
M IGU EL M ESQU I TA

rida a paralisação do vínculo de execução que, para os administrado-


res, resulta da deliberação. Logo, não é viável requerer-se que seja
suspensa uma deliberação já executada antes de o procedimento ter
sido proposto12.

c) Causa de pedir. Em primeiro lugar, para se alcançar a suspen-


são, é indispensável alegar factos reveladores de que foi tomada uma deli-
beração inválida ou anómala, ou seja, «contrária à lei, aos estatutos ou
ao contrato» (artigo 380º, nº 1).
Atentemos no 1º exemplo atrás exposto. Segundo o artigo 58º,
nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, «são anuláveis as deli-
berações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos
mínimos de informação.» Ora, o nº 4, explicita em que consistem estes
elementos mínimos de informação: a) As menções exigidas no artigo
377º, nº 8; b) A colocação de documentos para exame dos sócios no
local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.
O citado nº 8 do artigo 377º determina, inter alia, que «o aviso
convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a
deliberação será tomada.» Concluindo, a assembleia geral do Banco
tomou uma deliberação inválida.

Em segundo lugar, é indispensável provar o perigo de «dano apre-


ciável», ou seja, que a execução da deliberação vai ser altamente prejudicial
para a associação, para a sociedade ou para o condomínio. No fundo, há
que convencer o juiz de que a sentença da acção de anulação ou de
declaração de invalidade da deliberação não evitará esse dano apre-
ciável e que voltar atrás vai ser difícil. Neste sentido, pede-se que a
deliberação seja judicialmente bloqueada, e com a máxima rapidez.

 Vide, neste ponto, Francisco Ferreira de Almeida, ob. cit., pp. 280 ss.
12

É, no entanto, de aceitar a suspensão de uma deliberação «cuja execução se


revista de carácter duradouro».

110
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

d) Tramitação. No respeitante à tramitação, o tribunal vai citar


previamente a requerida (uma associação ou uma sociedade, por
exemplo), e isto porque, segundo o artigo 381º, nº 3, «a partir da
citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de sus-
pensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação
impugnada.»

O requisito da proporcionalidade resulta bem expresso no artigo


381º, nº 2. Se o prejuízo resultante da suspensão for superior ao dano
derivado da execução, o juiz não deve deferir a providência.

A tramitação normal do procedimento da suspensão de delibe-


rações sociais é, assim, o seguinte: 1) Requerimento inicial; 2) Des-
pacho liminar (artigo 226º, nº 4, al. b)); 3) Citação; 4) Contestação;
5) Instrução; 6) Despacho decisório: o juiz ordena a suspensão ou
indefere o requerimento inicial.

3º) Alimentos provisórios (artigos 384º a 387º):

Exemplo: A, empresário, casado com M, abandonou esta e os


filhos do casal. M, doméstica, não sabe como vai sobreviver junta-
mente com os filhos menores do casal.

Exemplo: C, viúvo, idoso e doente, tem-se deparado com gran-


des dificuldades económicas, apesar de os seus dois filhos, já maio-
res, viverem, com rendimentos próprios, de forma desafogada, mas
indiferentes ou insensíveis à situação do progenitor.

a) Finalidade. Este procedimento cautelar destina-se a alcançar


a rápida condenação do requerido no pagamento de uma pensão de alimentos
ao requerente. Por detrás do procedimento, encontramos situações em
que a morosidade da tutela declarativa é particularmente desumana
111
M IGU EL M ESQU I TA

e desesperante. Sem uma tutela rápida, teríamos situações de penú-


ria e de miséria13.
Como é sabido, o conceito de alimentos tem, para o Direito, um sen-
tido muito próprio, bem diferente do conceito corrente (alimento
como substância comestível ou digerível), e que se encontra plasmado
no artigo 2003º, nº 1, C.C.: «Por alimentos entende-se tudo o que é
indispensável ao sustento, habitação e vestuário.» E o nº 2 do preceito
alarga ainda mais o conceito: «Os alimentos compreendem também a
instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor.»

b) Pedido. Através deste procedimento cautelar, o requerente


pede a condenação do requerido no pagamento de uma quantia mensal
a título de alimentos, uma quantia, acrescente-se, estritamente necessá-
ria para a sua sobrevivência. Na acção principal, pede-se quase sem-
pre o pagamento de uma quantia de montante superior.
Estando em causa menores, o artigo 2007º, nº 1, C.C., num fla-
grante desvio ao princípio do pedido, dispõe que «enquanto se não
fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requeri-
mento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder
alimentos provisórios, que serão taxados segundo o seu prudente
arbítrio.»

c) Causa de pedir. A causa de pedir consiste nos factos que funda-


mentam o direito a alimentos, por um lado, e o periculum in mora, por
outro. O direito a alimentos deriva, normalmente, de uma relação jurí-
dica familiar. O requerente tem, assim, que alegar e provar a existên-
cia de uma relação matrimonial (artigo 2015º C.C.), de uma relação de
filiação (artigos 1878º e 1880º C.C.), de uma relação de adopção (artigo
1586º C.C.), de uma relação de união de facto (artigo 2020º C.C.).

 Cfr. Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. V, p. 587.


13

112
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

Note-se, no entanto, que o direito a alimentos pode não ter ori-


gem numa relação familiar. É o caso do donatário que, no âmbito da
chamada doação modal (artigo 963º, nº 1, C.C.), tem o dever de prestar
alimentos ao doador, sob pena de ocorrer a revogação da liberalidade
por ingratidão (artigos 974º e 2166º, nº 1, al. c), C.C.)14.
É importante referir que o direito a alimentos é irrenunciável, impe-
nhorável, não podendo o obrigado livrar-se da obrigação por meio de
compensação de créditos. Do mesmo modo, o direito em causa não pode
ser cedido (artigo 2008º).
Subjacente à relação matrimonial está sempre o direito a alimen-
tos. Ocorrendo o divórcio, um dos cônjuges pode ficar obrigado a
pagar uma pensão de alimentos ao ex-cônjuge (artigo 2016º, nº 2,
C.C.). Tem-se entendido, e bem, que o cônjuge credor não tem de
exigir a manutenção do padrão de vida de que usufruiu na constância
do matrimónio (artigo 2016º-A, nº 3, C.C.).
Os filhos nascidos fora do casamento e não reconhecidos têm igual
direito a partir da data da proposição da acção de investigação de
paternidade ou de maternidade (artigos 1873º e 1821º C.C.).

Mas, para além dos factos constitutivos do direito a alimentos, o


requerente tem ainda, como frisámos, de alegar factos reveladores do
perigo da demora, acentuando que, em virtude da falta de rendimentos
e da morosidade do processo principal, a sua vida, saúde ou bem-estar
ficarão em risco. No fundo, o requerente dirá: a minha sobrevivência
ficará em perigo se o tribunal não decretar os alimentos provisórios!
Os alimentos devem ser fixados tendo em conta a necessidade do
requerente e a disponibilidade financeira do devedor. Por conseguinte,
ocorrendo uma modificação destes factores, a quantia poderá vir a
ser alterada (artigo 2012º C.C.).

  Cfr. Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. V, p. 576.


14

113
M IGU EL M ESQU I TA

Note-se ainda que, na eventualidade de a acção principal vir a


improceder, o requerente não tem, em princípio, o dever de restituir
ao requerido, ou aos sucessores deste, as quantias antes recebidas.
Nesse sentido aponta, claramente, o artigo 2007º, nº 2, C.C., com
o objectivo de evitar que o receio da devolução acabe por travar o
pedido de alimentos.
O beneficiário dos alimentos provisórios somente poderá vir a ser
responsabilizado se tiver actuado de má fé, devendo a indemnização
ser fixada equitativamente (artigo 387º).

d) Tramitação. Quanto à tramitação do procedimento dos ali-


mentos provisórios, ela implica os seguintes passos: 1) Requeri-
mento inicial; 2) Despacho liminar (art. 226º, nº 4, al. b)); 3) Citação
do requerido; 4) Contestação na própria audiência de julgamento
(artigo 385º, nº 2), ou seja, o contraditório aqui não pode ser retar-
dado. Não havendo acordo, passa-se para a produção de prova; 5)
Instrução; 6) Sentença oral ditada para a acta da audiência (artigo
385º, nº 3); 7) Execução (eventual) da sentença que segue a forma
do processo executivo especial regulado no artigo 933º e ss.

4º) Arbitramento de reparação provisória (artigos 388º a 390º):


Exemplo: A e B, pais de C, estudante universitário, faleceram
em virtude de um acidente de viação causado por culpa exclusiva
do condutor de um veículo pesado. Não podendo mais contar com
o auxílio dos pais, o jovem estudante, a passar por dificuldades
económicas, quer obter, o mais rapidamente possível e aos poucos,
com fundamento no artigo 495º, nº 3, C.C., a indemnização a que
tem direito e que a seguradora do veículo causador do acidente
recusa pagar-lhe.
Exemplo: Num carrossel de um parque de diversões, uma das
cadeiras giratórias soltou-se devido a uma falha mecânica, ferindo,

114
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

com gravidade, A e B, um jovem casal que se encontrava sentado


nessa cadeira. Por causa das lesões sofridas, ambos deixaram de
trabalhar e, após uma larga série de complexas operações e de
dolorosos tratamentos, ficaram muito fragilizados e numa débil
situação económica. Uma vez que a seguradora do proprietário
do carrossel não procedeu ao pagamento voluntário das indem-
nizações, os lesados tiveram de agir judicialmente.

a) Finalidade. O procedimento em análise, criado pela Reforma


de 1995/1996, destina-se à rápida obtenção de uma quantia indemniza-
tória, sob a forma de «renda» mensal (o verbo arbitrar significa, pre-
cisamente, atribuir, conceder ou fixar). No fundo, em vez de obter,
no fim do processo principal, a indemnização na sua globalidade, o
requerente, em situação de carência, quer receber parcialmente, em
«fatias» mensais, a indemnização a que tem direito. O dano ou preju-
ízo vai sendo assim reparado, de forma escalonada e antecipada, em
prestações mensais: estas traduzem uma providência que antecipa a
indemnização.

b) Pedido. O requerente pede o pagamento de uma quantia mensal,


a título de indemnização provisória.

c) Causa de pedir. O requerente tem de alegar factos constitu-


tivos do direito indemnizatório. Note-se, no entanto, que o campo
de aplicação do procedimento está limitado aos casos taxativamente
previstos no artigo 388º, nºs 1 e 4. Que casos são esses? Quais os fac-
tos que permitem sustentar o pedido de arbitramento de reparação
provisória?
I) O facto causador da morte de uma pessoa. Nesta eventuali-
dade, os familiares com direito a uma indemnização por danos
morais (artigo 496º, nº 2, C.C.) ou as pessoas que obtinham
115
M IGU EL M ESQU I TA

alimentos do falecido (artigo 495º, nº 3, C.C.) podem recorrer


ao procedimento15.
II) O facto causador de uma lesão corporal. O lesado pode, nesta
eventualidade, recorrer ao procedimento cautelar de arbi-
tramento de reparação provisória. Por via da interpretação
extensiva, é aceitável defender que as lesões de saúde que não se
traduzam em lesões físicas propriamente ditas podem também
sustentar o recurso a este procedimento cautelar (por exem-
plo, um facto causador de um esgotamento nervoso).
III) O facto causador de um prejuízo na fonte do sustento ou na
própria habitação do requerido.

Exemplos: A vê o seu estabelecimento comercial (um café,


por exemplo) destruído por um incêndio iniciado no andar de um
vizinho ou por um automóvel que se despistou; B vê a sua casa de
habitação arrasada por uma explosão de gás ocorrida num contentor
vizinho, por um automóvel ou pelas obras do metropolitano efec-
tuadas em certa cidade.

O direito indemnizatório tem origem, na esmagadora maioria dos


casos, num facto ilícito, mas pode, em nosso entender, fundar-se num
facto lícito. Imaginemos que alguém destrói um campo semeado de
trigo para combater um incêndio que deflagrou numa casa próxima
(artigo 399º C.C.)16.

 Como ensinam Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I,


15

p. 500, «toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela
vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via suces-
sória, mas aos familiares por direito próprio.»
16
 O procedimento cautelar em análise parece estar pensado para casos de res-
ponsabilidade extracontratual. Defende-se, porém, o seu alargamento a situações de
responsabilidade contratual (casos de incumprimento, cumprimento defeituoso ou, até,

116
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

Note-se que, para além da factualidade constitutiva do direito


à indemnização, o requerente, se quer obter essa «renda» mensal,
a título de antecipação da indemnização final, tem ainda de conven-
cer o juiz de que se encontra numa «situação de necessidade em con-
sequência dos danos sofridos» (artigo 388º, nº 2). Esta necessidade
traduz-se, obviamente, na carência de meios económicos.

d) Especialidades. Ao contrário do que ocorre com o procedi-


mento dos alimentos provisórios (artigo 2007º, nº 2, C.C.; artigo 387º
CPC), o beneficiário das prestações terá de as devolver na íntegra se,
porventura, o processo principal indemnizatório vier a ser julgado
improcedente (artigo 390º).

e) Tramitação. Finalmente, quanto à tramitação, a lei, no artigo


389º, remete-nos para o regime do procedimento dos alimentos pro-
visórios.

5º) Arresto (artigos 391º a 396º):

Exemplo: A, que deve a B a quantia de € 20.000, recebeu, num


concurso televisivo, como prémio, um automóvel avaliado em
€ 25.000. Ao ser entrevistado, A manifestou a vontade de vender
rapidamente o automóvel, a fim de, com o dinheiro obtido, fazer
uma viagem ao estrangeiro. B quer, naturalmente, pagar-se à custa
do automóvel e pretende travar, com a máxima urgência, a venda
anunciada por A.

mora). Assim, na doutrina, Cura Mariano, A providência cautelar de arbitramento de


reparação provisória, Coimbra, Editora Almedina, 2003, p. 53.

117
M IGU EL M ESQU I TA

a) Finalidade. Nos termos do artigo 601º C.C., pelo cumpri-


mento de uma dívida respondem todos os bens do devedor suscep-
tíveis de penhora17. Ora, qual a finalidade do arresto?
O arresto tem precisamente por fim principal a rápida apreen-
são dos bens do devedor ou, por outras palavras, o congelamento (isto é,
a imobilização) do seu património ou de parte dele. Estamos, pois,
perante um procedimento tipicamente conservatório, uma vez que se
destina a preservar, salvaguardar ou manter, sob o manto protector
do tribunal, o património do devedor.

b) Pedido. O arrestante requer a apreensão dos bens do devedor, indi-


cando logo, se possível, no requerimento inicial, os bens que devem
ser apreendidos (artigo 392º, nº 1). Como, muitas vezes, isso não é
possível ‒ principalmente nos casos em que os bens se encontram
dentro de imóveis ‒, o requerente acaba por pedir a apreensão do
recheio da residência do devedor.
Actualmente, reveste grande importância o arresto de depósitos
bancários, a efectuar nos termos do artigo 780º.

c) Causa de pedir. A causa de pedir deste procedimento é cons-


tituída, por um lado, pelos factos reveladores da existência do direito de
crédito do requerente, seja qual for a sua origem (contratual ou extracon-
tratual) e, por outro, pelos factos que traduzam o «justificado receio» de
perda da garantia patrimonial (artigo 391º, nº 1).
O requerente terá, em princípio, de fazer prova destes dois ele-
mentos. Quanto ao direito de crédito, a tarefa não é difícil, pois basta
a probabilidade séria da existência deste direito (artigo 392º, nº 1);
quanto ao receio de perda, é preciso convencer o tribunal de que o

 A penhora é a apreensão de bens no domínio da acção executiva para paga-


17

mento de quantia certa, encontrando-se regulada nos artigos 735º e ss.

118
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

receio é objectivo, quer dizer, qualquer pessoa razoável ou justa, no


lugar do requerente, teria o receio de perder a garantia patrimonial.
Hoje, porém, o artigo 396º, nº 3, desonera o requerente da prova
desse receio sempre que, tendo ocorrido um negócio jurídico, esteja
em dívida, nas palavras da lei, «no todo ou em parte, o preço da res-
pectiva aquisição.»

Em síntese, o credor, em regra, tem de alegar não apenas factos


reveladores de que o devedor tenciona fugir ao pagamento, sone-
gando ou delapidando o respectivo património, mas também factos
demonstrativos de que essa pessoa se encontra numa débil situação
económica (com o desvio que acabámos de referir, resultante do nº 3
do artigo 396º).

d) Especialidades. Em primeiro lugar, a providência do arresto


tem de ser decretada sempre com respeito pelo princípio da proporcio-
nalidade, devendo ser apreendidos apenas os bens estritamente neces-
sários para garantir o pagamento do crédito (artigo 393º, nºs 2 e 3).
Em segundo lugar, o contraditório é adiado, retardado ou diferido,
única forma de surpreender o devedor, pouco escrupuloso, ainda na
posse dos seus bens (artigo 393º, nº 1)18.
Em terceiro lugar, cumpre chamar a atenção para os efeitos práticos
do arresto, efectivamente muito relevantes: 1º) O devedor, em prin-
cípio, perde a disponibilidade material dos bens arrestados (artigos 756º, nº
1; 764º, nº 1; 768º); 2º) O devedor perde também a disponibilidade jurídica
dos bens arrestados, significando isto que os actos de disposição ou de
oneração dos bens arrestados são ineficazes relativamente ao arrestante
(artigos 622º, nº 1, e 819º C.C.); 3º) O credor arrestante passa a ser
titular de um direito real de garantia sobre os bens apreendidos (artigos

18
 Sobre a oposição do requerido, ver o Acórdão da Relação de Évora de
13/10/10 (Bernardo Domingos), in CJ 2010, t. IV, pp. 235-238.

119
M IGU EL M ESQU I TA

622º, nº 2, e 822º, nº 1, C.C.). Mais tarde, se necessário for, a penhora vai


incidir sobre os bens previamente arrestados, convertendo-se o arresto em
penhora (artigos 762º e 772º) e o credor arrestante vai ser pago à custa
destes bens, com prioridade em relação aos demais credores.
Importa acrescentar que os bens arrestados são especialmente
protegidos pelo Direito Penal, nos termos do artigo 355º do respec-
tivo Código.

e) Tramitação. O procedimento do arresto tem, em síntese, a


seguinte tramitação: 1) Requerimento inicial; 2) Despacho liminar;
3) Instrução; 4) Despacho decisório; 5) Execução do despacho (exe-
cução inserida na tramitação do procedimento) 19; 6) Contraditório
retardado: notificação do requerido (artigo 388º).

6º) Arrolamento (artigos 403º a 409º):

Exemplo: Vítima de maus tratos por parte do marido, M aban-


donou o lar conjugal e está determinada a pedir o divórcio. Receia,
no entanto, que o marido (A) proceda à dissipação e à ocultação dos
bens móveis existentes na casa de morada de família (bens comuns
e bens próprios de M).

a) Finalidade. Vamos explicar, agora, o essencial sobre o pro-


cedimento do arrolamento. Não o deixamos para o fim, obedecendo
à arrumação legislativa dos procedimentos especificados, precisa-
mente porque entendemos que deve ser analisado ao lado do proce-
dimento do arresto, evitando qualquer confusão entre os dois meios.
Tratando-se de meios parecidos, torna-se essencial explicar a seme-
lhança e a diferença entre o arresto e o arrolamento.

 Como ensina Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º,
19

p. 322, o arresto traduz-se numa diligência que importa execução, é um acto de força
e de autoridade do órgão jurisdicional sobre bens pertencentes a um particular.

120
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

O arrolamento é um meio rápido destinado a evitar o extra-


vio, (desvio, furto), a ocultação ou a dissipação (venda, doação) de
bens (móveis, documentos e até imóveis) que se encontrem em
poder do requerido. Quanto à finalidade, a parecença com o arresto
é óbvia.
Arrolar significa fazer uma relação ou um inventário de bens, mas,
como veremos, o arrolamento não se restringe à feitura desta rela-
ção de bens. Trata-se, portanto, de uma providência tipicamente
conservatória.
Quanto ao direito invocado pelo requerente, este não se apresenta
como credor, ou seja, não se arroga titular do direito de se pagar à custa
dos bens identificados no requerimento, mas antes se diz titular do
direito à entrega ou à restituição desses bens. Logo, e importa realçar este
ponto, enquanto o arresto é um meio destinado a garantir o pagamento
de um crédito pecuniário (a conservação é a garantia do futuro paga-
mento), o arrolamento consiste, diferentemente, num meio que visa
assegurar a futura entrega ou restituição de determinado bem (a conservação
é a garantia da futura entrega ou restituição).
Só não é assim na hipótese da «arrecadação da herança», prevista no
artigo 404º, nº 2 («aos credores só é permitido requerer arrolamento
nos casos em que haja lugar à arrecadação da herança»). O legisla-
dor está a pensar no caso em que uma pessoa falece, não se sabendo
quem são os seus herdeiros. A herança diz-se jacente e os credores do
falecido podem, então, requerer o arrolamento com vista a evitarem
o desaparecimento dos bens (artigo 409º, nº 2) 20.

20
 A lei refere-se expressamente ao arrolamento de imóveis, algo à primeira vista
estranho, uma vez que os imóveis (as casas, os terrenos, por exemplo), pela sua pró-
pria natureza, não são susceptíveis de extravio ou de ocultação. Mas o arrolamento
faz sentido quando pensamos nos frutos pendentes e estes são considerados, à luz do
artigo 204º do C.C., imóveis.

121
M IGU EL M ESQU I TA

b) Pedido. O requerente pede o arrolamento de certo bem ou de


certos bens. Resulta do artigo 406º, nº 1, que a providência implica
uma descrição, uma avaliação e, por fim, o depósito dos bens. Por isso, o
arrolamento é mais do que um mero inventário dos bens em perigo
de extravio, ocultação ou dissipação.
Note-se, no entanto, que o depositário pode ser o próprio deten-
tor dos bens, solução por vezes conveniente, salvo se isso for muito
arriscado (artigo 408º, nº 1)21. O depositário, seja ele quem for, passa
a deter os bens em nome do tribunal, ficando sujeito aos deveres pre-
vistos no artigo 1187º C.C., cuja violação poderá mesmo implicar res-
ponsabilidade criminal, nos termos do artigo 355º do Código Penal.

c) Causa de pedir. Para conseguir o decretamento da providên-


cia, o requerente, em primeiro lugar, tem de alegar a titularidade de
um direito certo ou, então, de um direito eventual sobre os bens a arro-
lar (artigo 405º, nº 1, in fine): o direito eventual será todo aquele que,
segundo o requerente, não existe à partida, dependendo, antes, da
sorte de um processo principal já a correr ou a instaurar num futuro
próximo. Assim, por exemplo, no decurso de uma acção de anulação
de um contrato de compra e venda de uma colecção de jóias, o autor
receia fundadamente que as coisas (objecto do contrato), em poder
do réu, sejam por este extraviadas ou ocultadas. Nesta eventualidade,
poderá lançar mão do arrolamento.
Em segundo lugar, o requerente não pode deixar de alegar factos
indiciadores do justo ou fundado receio de extravio (isto é, perda ou
descaminho), ocultação ou dissipação (isto é, venda) dos bens que se
encontrem em poder de outrem. No fundo, tem de convencer o tri-

 Imaginemos que os bens arrolados se encontram em poder de um toxicode-


21

pendente, alguém, portanto, que, segundo as regras de experiência, não terá qual-
quer espécie de escrúpulos em dissipar os bens arrolados. O objectivo principal do
arrolamento não consiste, no entanto, numa apreensão efectiva dos bens. Cfr. Ac. da
Relação de Guimarães de 26/11/2020 (Maria dos Anjos Nogueira), in www.dgsi.pt.

122
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

bunal da ocorrência do periculum in mora. Nas palavras do artigo 405º,


nº 2, o requerente tem de convencer o juiz de que, sem o arrolamento,
corre o «risco sério» de ver os seus bens desaparecerem para sempre.
O requerente somente se encontra dispensado de alegar este
perigo no caso previsto no artigo 409º, nº 3: nas acções de divórcio, de
separação de pessoas e bens, de anulação do casamento, o justo receio de
extravio, de ocultação ou de dissipação dos bens presume-se22. As
regras de experiência apontam para esse forte risco e, assim sendo,
o legislador libertou o cônjuge requerente de alegar e provar o perigo
da demora, acto que só agravaria o estado de tensão do casal.
O arrolamento assegura a posterior partilha dos bens que se segue
à dissolução do casamento, determinando a lei, no artigo 408º, nº 2,
que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que
haja de proceder-se.»

d) Especialidades. Ao contrário do que se passa com o arresto,


o contraditório tanto pode anteceder a decisão, como pode suceder-lhe,
dependendo das particularidades do caso (artigo 366º, nº 1, por força
do artigo 376º, nº 1). Se o juiz se convencer de que a audição pré-
via do requerido vai acentuar o risco da dissipação dos bens, deverá
naturalmente decretar o arrolamento sem lhe dar a palavra; se achar
que tal risco é inexistente ou reduzido, deverá ouvir o requerido 23.

e) Tramitação. A tramitação do procedimento em análise varia


consoante o contraditório seja ou não retardado. Assim sendo, eis os
possíveis esquemas do arrolamento: 1) Requerimento inicial; 2) Des-
pacho liminar; 3) Contraditório antecipado; 4) Produção das provas;
5) Despacho (deferimento do pedido); 6) Execução do despacho:

 Presume-se que o fim do casamento propicia actuações ilícitas sobre o patri-


22

mónio dos cônjuges. Cfr. Ac. da Relação de Évora, de 20/10/2010, C.J., t. IV, p. 238.
23
 Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. II, p. 123.

123
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implica a deslocação de um funcionário judicial e de um avaliador ao


local onde os bens se encontram, a fim de se proceder à descrição,
avaliação e depósito dos bens.
Na eventualidade de o contraditório ser retardado, a tramitação
é bem diferente: 1) Requerimento inicial; 2) Despacho liminar;
3) Produção de provas; 4) Despacho; 5) Execução do arrolamento;
6) Notificação do despacho; 7) Exercício do contraditório.

7º) Embargo de obra nova (artigos 397º a 402º):

Exemplo: A, com a devida licença camarária, começou a cons-


trução de uma moradia e, logo numa fase inicial dos trabalhos,
derrubou um muro pertencente a B, sem estar autorizado para tal,
tudo levando a crer que a obra se vai estender para a propriedade
deste vizinho24.

a) Finalidade. Através deste procedimento nominado, o reque-


rente pretende suspender ou pôr termo a uma obra já iniciada, mas
obviamente não terminada. O direito de embargar uma obra nova
encontra-se sujeito a um prazo de caducidade, previsto no artigo 397º,
nº 1: o lesado, a partir do momento em que conhece a obra e o preju-
ízo (ou a ameaça do prejuízo), tem 30 dias para requerer o embargo.
Se não reage dentro deste prazo, perde o direito de embargar a obra.
Seria injusto que uma pessoa, tendo conhecimento de uma obra e do
prejuízo que esta lhe acarreta, pudesse protelar a reacção, pedindo
a suspensão a poucos meses ou dias de a obra ficar pronta.
Note-se que o facto de a obra se encontrar administrativamente
licenciada não constitui um obstáculo ao embargo. Na verdade, o
licenciamento apenas significa que a obra respeita os regulamentos
administrativos, mas isso não afasta a possibilidade de a obra ofender

24
 Ver Acórdão da Relação de Lisboa de 3/7/2009, in www.dgsi.pt.

124
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

ou vir a ofender direitos do foro privado. Deste modo, a pessoa ofen-


dida nos seus direitos privados não tem de impugnar previamente o
acto administrativo de licenciamento da obra 25.

b) O pedido. O pedido varia, consoante o embargo for judicial


(mais frequente, na prática) ou extrajudicial (menos frequente). Na
realidade, existem duas modalidades de embargo de obra nova.
I) No embargo judicial (artigo 397º, nº 1), o embargante apresenta
um requerimento no tribunal, relatando os factos e pedindo a
suspensão da obra. O juiz, após receber o requerimento, ouvirá
o requerido, a não ser que isso comprometa seriamente a efi-
cácia da providência (artigo 366º, nº 1).
Mas o mero despacho do juiz que decreta o embargo não pro-
duz, só por si, o efeito desejado. Na realidade, uma vez decre-
tado o embargo, o despacho judicial tem de ser executado de
acordo com o disposto no artigo 400º, ou seja, um funcionário
judicial (ou um agente de execução) tem de deslocar-se ao local
da obra, a fim de elaborar um relatório (auto) sobre o estado da
obra, devendo ainda notificar o dono da obra para a suspender.
No caso de desrespeito por esta ordem judicial, o embargante
pode requerer ao tribunal, ainda no âmbito do procedimento
cautelar, a destruição de tudo o que foi feito após o embargo
(artigo 402º). O juiz, após apreciar a prova, condenará o dono
da obra a destruir a parte inovada. Não obedecendo este à
ordem judicial, o tribunal, através de uma execução para pres-
tação de facto, que corre nos próprios autos do procedimento
cautelar, vai repor a obra no estádio anterior.
II) O embargo extrajudicial, regulado nos nºs 2 e 3 do artigo 397º,
é constituído por duas fases: α) Numa primeira fase, o lesado,

25
 Acórdão da Relação de Évora de 15/12/1994, B.M.J., nº 442, p. 281.

125
M IGU EL M ESQU I TA

acompanhado por duas testemunhas, faz uma intimação par-


ticular e verbal ao dono da obra, no sentido de este suspender
os trabalhos; β) Numa segunda fase, o embargante tem, dentro
de cinco dias após essa intimação, de pedir a ratificação judi-
cial do embargo feito por via particular. Uma vez ratificado o
embargo extrajudicial, na eventualidade de a obra continuar,
o embargante pode requerer a destruição da obra a partir do
dia em que procedeu à intimação extrajudicial (artigo 402º)26.
Compreende-se, pois, a importância da segunda modalidade
do embargo de obra nova.
Em síntese, o embargo extrajudicial de obra nova é constituído
por dois momentos: 1º) Aviso particular e verbal (artigo 397º, nº 2);
2º) Validação judicial (artigo 397º, nº 3).

c) Causa de pedir. O requerente, desde logo, tem de alegar fac-


tos reveladores do seu direito ofendido pela obra. Pode ser o direito de
propriedade ou outro direito real de gozo (um direito de usufruto ou um
direito de servidão, por exemplo). Mas o embargo pode igualmente ser
requerido pelo titular de um direito pessoal de gozo, como o arren-
datário, o comodatário, o promitente-comprador em caso de traditio
da coisa objecto do contrato prometido.
Depois, naturalmente, é essencial relatar a existência de uma obra
nova. Mas, o que é, afinal, uma obra nova?
Obra: tem de se entender num sentido amplo, aqui se incluindo
a) 
todo o tipo de construção (edificação, reedificação), as demo-
lições, os restauros, as escavações27; b) Nova: tem de ser uma

 Vide o Acórdão da Relação de Évora de 10/9/2009 (Tavares de Paiva), in


26

www.dgsi.pt/. No caso do aresto, o embargante reagiu contra a construção de um


muro que tapava as janelas da sua habitação, violando uma servidão de vistas cons-
tituída por usucapião.
27
 Ver Acórdão da Relação de Coimbra de 12/12/1989, C.J. 1989, t. V, p. 59.

126
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

obra já iniciada e jamais apenas projectada. E, acrescente-se,


tem de ser uma obra ainda não acabada. A obra que se apro-
xima do fim é, por natureza, uma obra velha, uma obra quase
a deixar de o ser e, logo, insusceptível de ser suspensa 28.
Por último, do requerimento têm de constar factos reveladores
de que a obra está a causar um prejuízo actual ou de que esta,
pela sua direcção ou modo de execução, ameaça causar um
prejuízo (prejuízo potencial ou iminente). O embargo diz-se
repressivo no primeiro caso e preventivo na segunda situação.

e) Tramitação (embargo judicial). O embargo judicial apresenta


a seguinte tramitação, consoante o contraditório seja retardado ou
diferido: 1) Requerimento inicial; 2) Despacho liminar; 3) Cita-
ção do requerido; 4) Exame das provas; 5) Despacho (suspensão);
6) Realização do embargo: elaboração de auto e intimação do dono
da obra para não a continuar (artigo 418º). Já na hipótese de contra-
ditório diferido, o esquema do embargo é diferente: 1) Requerimento
inicial; 2) Despacho liminar; 3) Produção de provas; 4) Despacho;
5) Realização do embargo; 6) Notificação do despacho; 7) Exercício
do contraditório.
Esquematizemos, agora, a tramitação do embargo de obra nova
extrajudicial: 1) Aviso particular e verbal; 2) Pedido de validação do
acto particular pelo tribunal, no prazo de cinco dias: auto e intima-
ção judicial.

6. Procedimento cautelar comum. Passados em revista os sete


procedimentos cautelares especificados, analisemos, agora, o proce-
dimento cautelar comum, campo fértil de exemplos.

28
 Como ensina Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º,
p. 139, a obra deve considerar-se concluída quando apenas lhe faltem alguns traba-
lhos secundários ou complementares.

127
M IGU EL M ESQU I TA

Exemplo: A, proprietário de um prédio rústico encravado (oli-


val) intentou contra B, em Setembro de 2020, uma acção com vista
à constituição de uma servidão de passagem. Na pendência da
acção, em Novembro deste mesmo ano, A quis proceder à colheita
da azeitona, mas B opôs-se à passagem. Poderia o proprietário do
prédio encravado obter, através de um procedimento cautelar,
autorização para passar na propriedade do vizinho B?
Exemplo: A é inquilina, em Lisboa, do 8º andar de um prédio
cujo elevador se encontra avariado há mais de dois anos. O senho-
rio recusa-se a reparar a avaria e A tem, com muito sacrifício,
suportado o esforço de subir as escadas a pé, quase sempre com
uma pequena filha ao colo29.

a) Finalidade. O procedimento cautelar comum é um meio residual, ou


seja, um instrumento que permite combater o «periculum in mora»
sempre que seja impossível recorrer, no caso, a algum dos procedimentos
cautelares especificados (artigo 362º, nº 3). Por outras palavras, é o ins-
trumento que nos resta para evitarmos sentenças platónicas.
O procedimento cautelar comum reveste, como dissemos, a natu-
reza de um meio aberto (artigo 362º, nº 1). Enquanto os procedimentos
cautelares especificados apenas permitem alcançar certas e determinadas
providências, o procedimento cautelar comum permite a obtenção de
qualquer medida conservatória ou antecipatória adequada ao caso.
Num claríssimo desvio ao princípio do pedido, o juiz, no domínio deste
procedimento, não se encontra adstrito à providência concretamente reque-
rida (artigo 376º, nº 3, 1ª parte), pois, partindo dos factos alegados e
provados, pode decretar uma medida não expressamente pedida pelo
requerente, mas que considere mais adequada ao caso. A tutela cau-
telar torna-se, assim, bem mais maleável do que a tutela declarativa.

 Acórdão da Relação de Lisboa de 19/5/1994 (Freitas de Carvalho), C.J. 1994,


29

t. III, pp. 94-95.

128
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

Exemplificando com um caso verídico: A requer ao tribunal a proi-


bição da venda de certa revista, alegando que esta, pelas fotografias
que contém, constitui uma manifesta ofensa à sua vida privada. O juiz
acaba por não ordenar a proibição da venda, mas apenas a alteração
da capa da revista, por lhe parecer que só esta afecta os direitos de
personalidade (maxime, o direito à imagem) do requerente.
Note-se que o facto de o juiz poder desviar-se do pedido formu-
lado não autoriza o requerente a abster-se de solicitar, no requeri-
mento inicial, uma concreta providência30.

b) Pedido. Vejamos, então, que espécies de providências são nor-


malmente requeridas ao abrigo do procedimento cautelar comum:

1º) É frequente pedir-se a intimação ou a condenação do requerido a


fazer ou a não fazer alguma coisa. A providência traduz-se numa
ordem judicial.
Exemplos (condenação num facere): o requerente pede que
o requerido proceda a uma reparação (colocação de telhas para
evitar a entrada da chuva); que restitua uma coisa que tem em seu
poder (em caso de esbulho não violento).
Exemplos (condenação num non facere): o requerente pede que
o requerido não faça ruídos durante a noite; que não publique

30
 Noutros ordenamentos, quem recorre à tutela cautelar comum não é obri-
gado a pedir uma providência concreta, bastando-lhe requerer genericamente,
para o caso, o decretamento da medida que o tribunal entenda ser mais adequada.
Este é o regime consagrado, por exemplo, no § 938 da ZPO («O tribunal deter-
mina, com discricionariedade, as medidas que entenda necessárias para se alcan-
çar o objectivo»).

129
M IGU EL M ESQU I TA

cartas confidenciais; que não se aproxime de certa pessoa; que não


faça, em público, declarações com certo teor 31.

2º) O procedimento cautelar serve, muitas vezes, para se pedir


a apreensão judicial de certa coisa que se encontra prestes a ser
distribuída ou vendida.
Exemplo: requer-se a apreensão de um livro, de um jornal ou
de uma revista; uma associação de defesa de consumidores requer
a apreensão de uma coisa defeituosa que represente um perigo
sério para a vida ou para a saúde das pessoas.

3º) Ao abrigo do procedimento cautelar comum, o requerente


pede, muitas vezes, a autorização judicial para a prática de certo
acto.
Exemplo: o proprietário de um prédio encravado requer, ale-
gando um fundado periculum in mora, autorização judicial para pas-
sar provisoriamente no prédio do vizinho, antes ou na pendência
de uma acção para constituição da servidão de passagem.

c) Funcionamento do contraditório. Vejamos, neste ponto,


como funciona o contraditório (a defesa do requerido) no domínio
do procedimento cautelar comum. Em regra, como resulta do artigo 266º,
nº 1, o contraditório ocorre no seu tempo normal, ou seja, antes de o
juiz tomar a decisão. Com efeito, o desejável é o juiz ouvir ambas as
partes antes de decidir, pois só assim perceberá melhor os contornos
do litígio.
No entanto, pode o juiz entender que essa audição prévia do
requerido é indesejável, uma vez que, pelos termos convincentes em

 Ver Acórdão da Relação de Lisboa de 14/10/2010 (Francisco Bruto da Costa),


31

C.J. 2010, t. IV, pp. 101-106.

130
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

que o requerente expôs a situação, não há tempo a perder ou, até,


torna-se fundamental apanhar o requerido de surpresa, não permi-
tindo que continue ou inicie a prática de actos antijurídicos e pre-
judiciais.
Pode, assim, o juiz julgar o procedimento cautelar sem ouvir pre-
viamente o requerido. Só depois de decidir é que vai abrir espaço
para o exercício do contraditório. Dizemos que, nestes casos, o con-
traditório é retardado, subsequente ou diferido.
E como pode o requerido, que vê contra si decretada uma pro-
vidência cautelar, defender-se? A resposta a esta pergunta assenta
em duas normas intimamente ligadas: os artigos 366º, nº 2, e 372º.
A 1ª possibilidade de defesa consiste na interposição de recurso
para o tribunal superior (mas, para que isto seja possível, terá de
verificar-se o disposto no artigo 629º, nº 1, desde logo, o procedi-
mento cautelar tem de apresentar um valor superior a € 5000).
Neste recurso, o requerido dirá, basicamente, que, em face dos
factos alegados e da prova sumariamente produzida, o juiz jamais
deveria ter decretado, em benefício do requerente, a providência
cautelar.
A 2ª possibilidade de defesa traduz-se, diferentemente, numa opo-
sição dirigida ao juiz que decretou a providência, devendo, para tanto,
o requerido, no seu requerimento de oposição, alegar contrafactos e
apresentar contraprovas, a fim de tentar obter a revogação da provi-
dência decretada e por ele considerada injusta.

d) Reforço da tutela cautelar. A tutela cautelar é, no nosso sis-


tema, uma tutela muito reforçada. O legislador, após regulá-la com
tanto cuidado, terá formulado para si mesmo a seguinte questão:
como precaver o risco de o requerido não respeitar a providência
cautelar especificada ou não especificada? Que fazer para o forçar a
cumprir? Através de dois meios de constrição: um, de natureza civil;
o outro, de índole penal.

131
M IGU EL M ESQU I TA

O primeiro meio, de natureza civil, encontra-se previsto no artigo


365º, nº 2, e consiste na denominada sanção pecuniária compulsória
(artigo 829º-A, C.C.). Em que consiste este meio? O requerente da
providência, sempre que esta implique a prática de um facto posi-
tivo ou negativo infungível por parte do requerido (facto que, acres-
cente-se, não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do
requerido), pode pedir que este seja condenado no pagamento de
uma quantia por cada infracção cometida ou por cada dia de atraso no
cumprimento de uma prestação positiva. Funciona em pleno, quanto a
este meio de constrição, o princípio do pedido, uma vez que o tri-
bunal não pode decretar oficiosamente a sanção pecuniária compul-
sória.

Estando em causa uma providência que implique o pagamento de


uma quantia pelo requerido, independentemente de um pedido ou
de uma decisão, em caso de incumprimento, será computada a sanção
prevista no artigo 829º-A, nº 4, C.C.

O segundo meio que constringe ao cumprimento da providência


consiste na denominada garantia penal, prevista no artigo 375º e ins-
tituída pela Reforma de 1995/1996. Em síntese, a infracção a uma
providência (obtida no âmbito de um procedimento cautelar espe-
cificado ou no âmbito do procedimento cautelar comum) constitui
um crime de desobediência qualificada que, nos termos do artigo 348º,
nº 2, do Código Penal, é punido com «pena de prisão até dois anos
ou de multa até 240 dias.»
Uma corrente doutrinal defende que, em face da lei vigente, cons-
titui crime a desobediência a toda e qualquer providência cautelar
(especificada ou não especificada)32. A lei, temos de o reconhecer,

 Nesta corrente se integram Abrantes Geraldes, Temas, vol. III, pp. 326 e
32

ss.; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 361.

132
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

não distingue e, como sabemos, «quando a lei não distingue, não


devemos nós distinguir» (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debe-
mus). Apesar disto, afigura-se-nos conveniente abrir espaço, neste
ponto, a uma breve reflexão crítica. O que terá levado o legislador,
tradicionalmente tão brando em matéria de crimes e de penas, a ter,
no domínio da tutela cautelar, uma «mão tão pesada»? Dir-se-á que
as providências cautelares salvam os nossos direitos de uma morte
prematura, antes da chegada da tutela definitiva. Sim, é verdade e,
por isso, não nos repugna a garantia penal da providência cautelar
ou, em geral, uma «mão pesada» para os criminosos. De qualquer
modo, quer-nos parecer que o legislador, neste domínio, foi longe
demais e que devia ter sido mais criterioso. Vejamos porquê. Em pri-
meiro lugar, o ordenamento jurídico é afectado por uma incongruência
intrínseca33. Repare-se que o desrespeito por uma sentença definitiva,
obtida com a máxima ponderação, não gera qualquer crime de deso-
bediência; ao invés, a violação de uma providência, decretada com
base em meros indícios de prova, é penalmente sancionada.
Em segundo lugar, a aplicação da sanção penal às providências
que impliquem o pagamento de uma quantia acabará por conduzir
à prisão por dívidas, o que representa um retrocesso civilizacional 34.
Um sector da doutrina defende, por isso, que a sanção em causa não
se aplica no domínio das obrigações pecuniárias, excepto naturalmente
no caso previsto no artigo 250º do Código Penal 35.
A nossa lei devia ter previsto o crime de desobediência apenas
para as situações em que houvesse um desrespeito por uma provi-

33
 A falta de harmonia do ordenamento é apontada por um sector da doutrina.
Cfr. Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 134º, p. 63;
Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil ano-
tado, vol. 2º, anotação ao artigo 391º [actual artigo 375º], p. 66.
34
 A célebre Lex Poetelia Papiria de Nexis (326 a.C.) pôs termo à prisão por
dívidas.
35
 Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., p. 67.

133
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dência cautelar que impusesse ao requerido uma obrigação negativa


ou, noutros termos, uma abstenção36. Assim, por exemplo, o requerido
que, intimado a não fazer ruídos, desobedecesse à ordem judicial ou
que, num segundo exemplo, intimado a suspender uma obra, a con-
tinuasse, cometeria um crime de desobediência. Nestas situações, a
atitude de afronta para com a Justiça não merece qualquer compla-
cência. Já o incumprimento de uma providência que contivesse uma
intimação para fazer não deveria originar um crime de desobediência.
Se, exemplificando, o requerido fosse intimado a praticar um acto ou
a pagar uma quantia (no âmbito do arbitramento de reparação provisó-
ria), a omissão não deveria ser sancionada penalmente.
Em todo o caso, não foi este o caminho seguido na lei que, na ver-
dade, não distingue entre providências cujo incumprimento merece
ser sancionado penalmente e providências cuja violação não é mere-
cedora de uma pena.

e) O destino normal das providências cautelares. Terminamos


a lição dedicada à tutela cautelar relembrando a ideia inicial de que
os procedimentos cautelares gravitam à volta de acções e que o des-
tino destas marcará, indefectivelmente, o destino daqueles (como
resulta dos artigos 364º e 373º, nº 1, al. a))37. Interessa, pois, partir da
hipótese em que a providência cautelar foi decretada. Ora, pergunta-
-se, que influência exercerá a sentença definitiva na medida cautelar
anteriormente decretada?

 Este entendimento foi defendido, em primeira mão, por Moitinho de


36

Almeida, Providências cautelares, p. 30.


37
 Como bem se afirma no Acórdão da Relação de Guimarães de 15/4/2021
(António Figueiredo de Almeida), in www.dgsi.pt, «o julgamento expresso na pro-
vidência cautelar não tem a natureza de um julgamento condicional, sendo, antes,
um julgamento a termo, pois nasce já com duração necessariamente limitada no
tempo: a providência cautelar dura unicamente enquanto não existe a decisão
final».

134
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

Neste ponto, temos de distinguir duas hipóteses 38.


1ª hipótese: O processo principal foi julgado procedente;
2ª hipótese: O processo principal foi julgado improcedente.

Quanto à hipótese primeiramente apresentada, diremos que


o resultado da acção acaba por confirmar o acerto da precedente
providência e o benefício provisório que o requerente obteve através
da providência transforma-se, por força da sentença, num benefício
definitivo: a restituição provisória da posse passa a uma restituição
definitiva; à suspensão da deliberação segue-se a declaração de nuli-
dade ou a anulação da deliberação; os alimentos provisórios passam a
definitivos; a indemnização provisória, no âmbito do arbitramento de
reparação provisória, passa a definitiva, com necessidade de se pro-
ceder a um acerto de contas; a suspensão provisória da obra passa a
proibição definitiva; o arresto subsiste, até se transformar em penhora
no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa (artigo
762º); o arrolamento subsiste até ao momento da entrega dos bens
arrolados ao respectivo titular.

Analisemos, agora, a hipótese em que a acção improcede e o efeito


que este fenómeno causa na providência cautelar anteriormente
decretada. Improcedendo a acção, a providência caduca, de acordo
com o disposto no artigo 373º, nº 1, al. c). O direito que o autor fez
também valer através de um procedimento cautelar correspondia,
afinal de contas, a uma espécie de «miragem»: o «fumus boni iuris»
não passou de uma ilusão enganadora, diremos a posteriori.
O juiz, exemplificando, decreta a suspensão de uma obra, convicto
de que ela viola o direito de propriedade do requerente da providên-
cia, mas, na acção, analisando as coisas com profundidade, conclui-

38
 Seguimos de perto Alberto dos Reis, A figura do processo cautelar, pp. 47 e ss.

135
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-se que este não é o proprietário do terreno onde a obra estava a ser
efectuada. Nesta eventualidade, o embargo de obra nova caduca.
A pessoa lesada por uma providência que caducou poderá pedir
uma indemnização àquele que, no passado, a conseguiu obter. Mas,
de acordo com o artigo 374º, o requerente somente responderá pelos
danos culposamente causados ao requerido quando não tenha agido
com a prudência normal, ou seja, quando tenha actuado negligente-
mente ou dolosamente.
Caducando a providência do arbitramento de reparação provisória,
o requerente deverá, nos termos da lei, restituir todas as prestações
recebidas (artigo 390º, nºs 1 e 2).
Já no concreto domínio dos alimentos provisórios, a improcedência
da acção não dita a devolução das prestações recebidas pelo reque-
rente, salvo se este tiver actuado de má fé (artigo 387º) 39.

f ) O novo regime da inversão do contencioso (Reforma de


2013). À luz do artigo 369º, a pedido do requerente, o juiz pode
dispensar a proposição da acção definitiva ou principal. Sabemos que, em
regra, não é assim: o requerente tem de propor a acção principal, sob
pena de a providência caducar (artigo 373º, nº 1, al. a)). O que tem
de se verificar para o juiz deferir aquele pedido?
Em 1º lugar, o juiz tem de estar convictamente seguro acerca da exis-
tência do direito que se pretende acautelar; em 2º lugar, a providência
tem de ser adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
Deferido o pedido, a pessoa contra quem foi decretada a providên-
cia é que tem o ónus de reagir (trata-se da denominada inversão do con-
tencioso), isto se quiser evitar que a providência se transforme numa
medida definitiva (artigo 371º): pode, assim, intentar uma acção, no
prazo de 30 dias após a trânsito em julgado da decisão que decretou
a providência e inverteu o contencioso, com a estrita finalidade de

39
 Quanto ao arresto, ver o artigo 621º C.C..

136
OS PROCEDIMENTOS CAUTELARES ‒ A TUTELA CAUTELAR

impugnar a existência do direito acautelando. E se não intentar esta


acção? Se o não fizer, a providência decretada consolida-se como
definitiva e o requerente pode ficar descansado.
O regime da inversão do contencioso é aplicável, de acordo com o
artigo 376º, nº 4, à restituição provisória de posse, à suspensão de delibera-
ções sociais, aos alimentos provisórios e, em geral, ao procedimento cautelar
comum. Mas é afastado no domínio do arresto e do arrolamento.

137

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