Você está na página 1de 5

TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA

Exame final (época ordinária) / 2.ª frequência | 13 de junho de 2018

Advertências:
As perguntas devem ser lidas cuidadosamente e as respostas devem ser concisas, objetivas e devida-
mente justificadas, sempre que possível com recurso à lei. A ordem de resposta às perguntas pode ser
alterada, desde que as respostas identifiquem claramente a questão a que se referem. É permitida a
consulta de quaisquer diplomas legais.
O tempo disponível é de 2h30m (exame) / 1h15m (2.ª frequência).
Os alunos que realizem a 2.ª frequência deverão responder unicamente aos grupos II e III.
Cotação das perguntas: I – 8 v., II – 6v., III – 6 v. (exame) / II – 10v., III – 10 v. (2.ª frequência).
I.
Alberto dirige ao seu grupo de amigos, via Whatsapp, a seguinte mensagem: «Olá a todos. Como sabem,
vou viajar pelo mundo durante um ano. Preciso de me desfazer da minha carrinha VW e da minha guitarra (vai
dentro da carrinha – é um pacote completo!) pelo melhor preço…só vendo a quem prometer tomar bem conta delas!».
a) Alberto recebeu várias ofertas, incluindo uma do seu amigo Bernardo, o qual, mesmo não tendo
oferecido o preço mais elevado, entende ter direito aos bens por ter sido o primeiro dos amigos de
Alberto a responder. Terá razão? (3v.)
b) Carlos dirigiu a Alberto a seguinte mensagem: «Ofereço-te € 10.000 pela carrinha e pela guitarra», a que
Alberto respondeu «Por esse preço, só levas a carrinha… ou então dás-me € 12.000 por tudo». Carlos de
imediato transferiu para a conta bancária de Alberto a quantia de € 12.000 e, logo de seguida, enviou
uma mensagem a Alberto dizendo «Já transferi os € 12.000!». Na semana seguinte, ainda antes de
Carlos ter tido oportunidade de recolher os bens, uma inundação em casa de Alberto provocou a
destruição completa da guitarra. Quid iuris? (3v.)
c) Suponha agora que Daniel, sabendo que Alberto irá passar uma temporada em Odeceixe, decide
arrendar uma moradia em nome do seu amigo. Estará Alberto obrigado a pagar a renda? A sua
resposta muda se souber que Alberto enviou a Daniel uma carta dando-lhe poderes para arrendar,
em seu nome, um apartamento tipo T1? (2v.)
Tópicos:

a) A mensagem de Alberto configura um convite a contratar [1v.], na medida em que manifesta a disponibilidade de
Alberto para entrar em negociações e receber propostas, e não uma proposta contratual (embora se possa entender, no
limite, que revela uma vontade firme, no sentido de inequívoca, de contratar, não é certamente completa e precisa – um
simples “sim” não é suficiente para que o contrato fique concluído) [1v.]. Assim sendo, a resposta de Bernardo não
pode ser tida como a aceitação de uma hipotética proposta de Alberto, mas apenas como uma proposta contratual

FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DO PORTO | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto - Portugal | T: (+351) 226 196 200
www.direito.porto.ucp.pt
formulada pelo próprio Bernardo [0,5v.], que Alberto pode ou não aceitar. Não tendo havido uma proposta válida e
eficaz, e uma aceitação válida, eficaz e tempestiva, não ficou concluído nenhum contrato de compra e venda entre
Alberto e Bernardo e, consequentemente, Alberto não estava obrigado a entregar os bens nos termos do artigo 879.º do
Código Civil [0,5v.].
b) A mensagem de Carlos configura uma proposta contratual [0,5v.], na medida em que revela uma vontade firme (no
sentido de inequívoca) e precisa (no sentido de clara e completa – um simples “sim” basta para que o contrato fique
concluído) de vinculação jurídica [0,5v.]. A resposta de Alberto é uma aceitação com modificações [0,5v.], que, in
casu, por ser suficientemente precisa, equivale a uma contraproposta – art. 233.º [0,25v.]. Ao transferir a quantia de
€ 12.000 (i.e., ao pagar o preço), Carlos aceita tacitamente a contraproposta de Alberto – 217.º [0,5v.]. A aceitação
de Carlos tornou-se eficaz no momento em que foi conhecida (ou recebida em condições de poder ser conhecida) por
Alberto, o que, neste caso, correspondeu ao momento em que Alberto recebeu a mensagem de Carlos a informá-lo da
transferência [0,25v.]. Nesse momento, ficou concluído o contrato, transferindo-se a propriedade dos bens para Carlos
(879.º) e, simultaneamente, o risco pela sua perda – 796.º [0,5v.]. Alberto apenas terá de entregar a Carlos a
carrinha VW.
c) Estamos perante uma representação sem poderes, na medida em que Alberto não atribuiu quaisquer poderes
representativos a Daniel. O contrato de arrendamento é ineficaz [0,5v.] perante Alberto, podendo este, todavia,
ratificá-lo – 268.º [0,5v.]. Na segunda hipótese, a carta enviada por Alberto consiste numa procuração – 262.º
[0,5v.]; não obstante, continuamos a estar perante uma representação sem poderes, desta feita por excesso de
representação (Daniel tinha poderes para arrendar um apartamento, arrendou uma moradia) [0,5v.].

II.
Maria, viúva, tem três filhas, Beatriz, Joana e Margarida. Maria vive no Porto, em casa própria, e é
ainda a única proprietária de uma outra casa em Caminha, onde costumava passar férias com o seu
marido, Albano. Porém, desde que Albano faleceu, Maria não mais usou a casa de Caminha, a qual
passou a ser utilizada apenas ocasionalmente pelas suas filhas.
Entretanto, em junho de 2017, Maria proibiu as filhas de usar a referida casa, na sequência de uma
discussão que as mesmas protagonizaram, na presença da mãe, por quererem todas usar a casa no
mês de agosto desse ano.
Intimamente, Maria sempre teve preferência por Margarida, por achar que era a única que se
preocupava com a mãe; por isso, e também para impedir Beatriz e Joana de usar a casa, Maria
resolveu celebrar com Margarida um contrato de arrendamento relativo à casa de Caminha, tendo
ambas combinado, porém, que Margarida não teria de pagar a renda de 800 euros mensais
estabelecida no contrato e usaria a casa a título de empréstimo. Desta forma, Maria beneficiava
Margarida e impedia Beatriz e Joana de usar a casa, ficando a salvo das recriminações destas.
Sabendo que o empréstimo gratuito de bens imóveis não está sujeito a forma legal, responda às
seguintes questões:
a) Maria arrependeu-se do que fez e decidiu contar tudo a Beatriz e Joana. Maria pode exigir a
Margarida o pagamento da renda? (3v.)
FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DO PORTO | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto - Portugal | T: (+351) 226 196 200
www.direito.porto.ucp.pt
2/5
b) Beatriz e Joana, furiosas, recorrem a um advogado para saber se podem reagir contra esta
situação. Qual será a resposta do advogado? (3v.)
Tópicos:
a)
O contrato de arrendamento entre Maria e Margarida é simulado, pois Maria e Margarida acordaram fingir a
celebração desse contrato, emitindo declarações divergentes da sua vontade real (pretendiam, na verdade, celebrar um
contrato de comodato) com o fim de enganar (e eventualmente prejudicar) Beatriz e Joana – art. 240.º, n.º 1, CC; (1,0
v.)
Trata-se de uma simulação relativa (pois a simulação esconde um outro negócio realmente pretendido), objetiva (porque
se simula o objeto do negócio), quanto à natureza do negócio (há simulação de um arrendamento para esconder um
comodato); (1,0 v.)
O negócio simulado (arrendamento) é nulo, por força do art. 240.º, n.º 2, e, por isso, não produz efeitos; (1,0 v.)
Portanto, Maria não pode exigir o pagamento da renda a Margarida (1,0 v.)
b)
Na medida em que Maria e Margarida, pretenderam criar uma situação em que Beatriz e Joana não pudessem
reclamar o uso da casa de férias (ainda que não tivessem qualquer direito de o fazer) admite-se que que a simulação
também foi feita com o intuito de prejudicar as mesmas Beatriz e Joana, pelo que estas têm legitimidade para arguir a
simulação – art. 242.º, n,º 2, CC; (1,0 v.)
[Também se admitiam respostas em sentido contrário, sempre dependendo da
fundamentação]
O problema não contém dados que possam levar a concluir pela invalidade do contrato de comodato (negócio
dissimulado) pelo que este deve ser considerado válido (art. 241.º, n.º 1); (0,5 v.)
Consequentemente, as irmãs de Margarida não podem impedi-la de continuar a usar a casa. (0,5 v.)

III.
António nasceu no dia 1 de janeiro de 2001. Apesar de não descurar os seus estudos, trabalha em
regime de part-time numa confeitaria, auferindo cerca de 400€ mensais.
Suponha que, no dia 2 de dezembro de 2017, António celebrou os seguintes negócios: i) usando
dinheiro que amealhou com os rendimentos do seu trabalho na confeitaria, comprou a Bento um
aparelho de musculação no valor de 1700€; ii) como não era grande apreciador de arte nem via
nenhum préstimo no objeto em causa, decidiu vender a Carlos uma valiosa escultura que lhe havia
sido doada por uma tia-avó. António e Carlos combinaram que a escultura seria entregue apenas daí
a um mês.
Os pais de António tomaram conhecimento dos dois negócios logo no dia 3 de dezembro de 2017 e,
consternados, pretendem impugná-los.
FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DO PORTO | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto - Portugal | T: (+351) 226 196 200
www.direito.porto.ucp.pt
3/5
a) Diga, para cada um dos referidos negócios, se os pais de António terão êxito nas suas pretensões
e, em caso afirmativo, até quando poderão intentar a ação respetiva. (4v.)
b) Suponha agora, à margem da alínea anterior, que Carlos era um fervoroso colecionador de
esculturas. Danilo é proprietário de uma escultura rara e Carlos está determinado a adquiri-la. Face às
constantes recusas de Danilo, Carlos pede a Enzo, pugilista seu amigo, para “pressionar” Danilo.
Enzo diz a Danilo que, caso este não venda a escultura a Carlos, “lhe mostrará os seus dotes de
pugilista”. Face ao descrito, Danilo acaba por vender a escultura a Carlos. Sucede que, um mês
depois, Enzo sofre um acidente e fica definitivamente acamado. Pode Danilo recuperar a escultura?
Com que fundamento e até quando? (2v.)
Tópicos
a)
António é menor porque ainda não completou 18 anos de idade (122.º). A menoridade só cessará ás 24h do dia 01 de
janeiro de 2019 (129.º). 0,50
Assim, carece de capacidade de exercício de direitos (123º). 0,50
Os atos praticados pelos menores sem o devido suprimento (124.º) são, em princípio, anuláveis (125.º), com ressalva
das exceções elencadas no art. 127.º. 0,50
Quanto ao primeiro negócio: é excecionalmente válido, por integrar a previsão da alínea a) do n.º1 do artigo 127.º -
António dispõe dos frutos do seu trabalho. Sendo válido, os pais não podem, naturalmente, impugná-lo. 0,75
Quanto ao segundo negócio: não se verifica nenhuma das exceções do 127.º; negócio anulável. 0,50
Legitimidade dos pais, enquanto representantes legais – 125.º, n,º1, al. a). 0,25
Quanto ao prazo: nos termos da mesma alínea, 1 ano a contar do conhecimento, mas nunca depois de António ter
atingido a maioridade (problema que, in casu, não se coloca). 0,50 Todavia, há que ter em conta que, enquanto o
negócio não estiver cumprido, a anulabilidade pode ser invocada sem dependência de prazo, tanto por via de ação como
por via de exceção – ressalva inicial do n.º1 do 125.º e n.º2 do art. 287.º. 0,50

b)
Negócio celebrado sob coação moral (“receio de um mal ilicitamente ameaçado”) – 255.º. 0,50
Vício da vontade: explicar em que consiste. 0,25
É anulável – 256.º - mesmo provindo de terceiro (Enzo), desde que seja grave o mal ameaçado e justificado o receio da
consumação (parecem estar os dois requisitos preenchidos). 0,50
Anulável no prazo de um ano a contar da cessação do vício – i. e., do acidente de Enzo – 287.º. 0,50
Procedendo a ação de anulação, Danilo pode recuperar a escultura – efeitos 289.º. 0,25
FIM
FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DO PORTO | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto - Portugal | T: (+351) 226 196 200
www.direito.porto.ucp.pt
4/5
FACULDADE DE DIREITO – ESCOLA DO PORTO | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto - Portugal | T: (+351) 226 196 200
www.direito.porto.ucp.pt
5/5

Você também pode gostar