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SILVA, Vera Maria Tietzmann.

Ler imagens, um aprendizado – A ilustração de livros


ilustrados. Goiânia: Cânone Editorial, 2020.

Sobre este livro


p. 13
Salisbury e Styles (2013, p. 77) – Nesse mundo cada vez mais visual, é essencial que as
crianças aprendam as habilidades de olhar, apreciar e interpretar o material visual,
incluindo seu design. Isso é algo que a maioria das crianças faz naturalmente em idade
precoce. [...] Aprender a olhar e enxergar por meio do desenho promove e estimula
habilidades vitais de linguagem visual. [...] “os livros ilustrados são verdadeiras aulas de
observação e avaliação dos textos visuais”.

p. 15
Ana Maria Machado: Continua fazendo falta entre nós uma reflexão aprofundada sobre
a ilustração brasileira. E como nos faltam críticos nessa área, capazes de conjugar um
conhecimento amplo do livro para crianças com um domínio teórico de retórica da
imagem (Ler texto de Roland Barthes sobre o assunto) em geral e a capacidade
crítica de lidar com a imagem visual, creio que talvez aos próprios artistas é que caiba a
tarefa de fazê-la. E o que dizer da audiodescrição do livro ilustrado?

Leitura de textos e de imagens


p. 19
A leitura de imagens está ligada aos processos de leitura de mundo e também da leitura
dos signos. Vivemos num mundo cada vez mais imagético, mas a grande questão é até
que ponto sabemos lê-lo. Mais ainda, me pergunto que elementos temos para apreciá-la
e ter sobre essas imagens e sobre as paisagens do nosso cotidiano um olhar crítico. A
alfabetização visual se faz cada vez mais necessária, assim como [...] a alfabetização
estética. (Marina Toledo)

p. 22
Como ver um quadro e o que observar nele
Alguns elementos devem ser olhados com atenção num quadro para se descobrir a
origem do atrativo que exercem sobre quem o contempla – a representação, a
composição, os planos e as cores.
Representação (ou figuração)
O quadro é figurativo ou abstrato? Se figurativo, o que ele representa: imagens vivas
(paisagens, pessoas, animais, plantas) ou coisas inanimadas (objetos)? Ou, ainda,
combina uma soma dessas duas possibilidades no que é chamado de “natureza morta”?
Ao pensar na audiodescrição desse material, é importante refletir sobre isso, pois a
imagem pode trazer elementos que colaborem para a compreensão do texto e,
consequentemente, enriquecem o vocabulário infanto-juvenil.
Se o quadro representar pessoas, trata-se de retratos ou autorretratos? São
representações individuais ou em grupos? Esses indivíduos retratados estão em repouso
ou em movimento? Parecem tomados por alguma emoção? Que tipo de emoção? Que
detalhe da técnica ou da composição sugere isso?

p. 23
Essas imagens, além de descritivas, costumam também trazer implícita uma narrativa.
Que história elas contam? Que emoção carregam? Parecem ser histórias pessoais ou de
grupos de indivíduos? Seria uma cena histórica? O que teria levado o artista a pintá-la?
No quadro em análise, suas cores se harmonizam ou entram em conflito? Prevalecem as
cores quentes ou frias? A composição sugere apaziguamento ou agressividade? Que tipi
de material foi utilizado e o que essa escolha sugere, em termos de impressão, de
sensibilidade?
Composição
Nas figuras retratadas, ou na disposição de cores e volumes (se a pintura não for
figurativa), tem-se a impressão de haver uma estrutura geométrica, clara ou oculta?

p. 24
Planos ou enquadramento
Se a imagem é uma narrativa, ela deve ter um narrador. O narrador, num texto literário,
é a voz que conta a historia, que pode estar dentro ou fora dela. Numa ilustração ou
numa pintura, quem narra é o olhar do artista, que vê aquilo que retrata de mais perto ou
de mais longe. A perspectiva utilizada no desenho é que dará esta impressão de
distanciamento, de profundidade.

p. 26
[...] enquadramento – como as figuras se dispõem sobre a tela (ou sobre as páginas de
um livro). Um afastamento que permite abarcar toda uma paisagem, como se o narrador
estivesse longe, é o plano geral. Se houver alguma aproximação, ele passa a ser
chamado plano aberto, quando já se vislumbram ações.
Havendo uma aproximação ainda maior, e se o personagem for representado dos joelhos
para cima, temos o plano americano, mas se o narrador se aproximar um pouco mais,
focalizando o personagem da cintura para cima, temos o plano médio. Se o rosto for
enquadrado, em geral com o propósito de flagrar uma emoção do personagem, isso será
o primeiro plano, que pode aproximar-se ainda mais como primeiríssimo plano (só os
olhos, p. ex.), ou como plano detalhe (um brinco, um anel, p. ex.).
As cores e outros aspectos a observar
Mais do que simples impressões, elas (as cores) sensações térmicas, dividindo-se em
quentes ou frias.Todo decorador de interiores planeja os espaços da casa a partir dessa
premissa. Nessa divisão, o olhar que as percebe interpreta-as como reações sensoriais.
As cores quentes são o vermelho, o amarelo e o alaranjado – as cores do sol e do fogo.
Em suas variações e nuances transmite, por analogia, impressões de calor , de
aconchego.
p. 44
O papel da imagem na literatura para crianças
É, pois, pela imagem que a literatura infantil seduz o leitor. E como seduzir o público
com deficiência visual?

p. 45
Representar e comunicar continuam sendo as principais funções das imagens. Uma
imagem, qualquer que seja, descreve e narra. A descrição está presente no objeto
retratado, nas linhas, formas e cores que apresenta – ela está, pois, explícita, ao alcance
de todo espectador. A imagem de um quadro ou de uma ilustração assemelha-se a um
fotograma de cinema: apresenta uma cena congelada, que o leitor, com sua imaginação,
desdobra, preenchendo as lacunas do que teria vindo antes, do que irá acontecer depois.
[...] os livros têm páginas que precisam ser movimentadas com a mão, quase sempre
num movimento horizontal, da direita para a esquerda, para que a leitura do texto de
cada página possa fazer-se, como a escrita, da esquerda para a direita. Esse movimento
de passar as folhas também pode ser vertical, de baixo para cima, quando as pranchas
são duplas, e as imagens pedem para ser lidas no sentido retrato.

p. 46
Sophie Van der Linden (p. 53) – Quando as composições são realizadas na página dupla
[...], o formato inicial da capa é duplicado. Um formato quadrado, integralmente
utilizado no espaço da página dupla, resulta assim em imagens bastante largas. Essa
duplicação do espaço modifica as relações do formato inicial. Um formato vertical não
raro se torna um quadrado, ou mesmo horizontal, depois de aberto. Ao passo que o
formato horizontal acentua de modo considerável sua tendência “panorâmica”. Aqui, a
autora apresenta o exemplo de “Chico Moleque: um sonho de liberdade”, escrito
por Maria Luiza Bretas e ilustrado por Santiago Régis. Esta obra tem seu projeto
gráfico com abertura vertical.

p. 47
Analisando o conjunto, é preciso ainda descobrir a resposta emocional que esse quadro
ou essa ilustração repercutem na sensibilidade do leitor. Não basta aprender a olhar uma
obra artística, é preciso também aprender a senti-la.
Não basta ter uma imagem audiodescrita. É importante que a AD proporcione ao
seu público múltiplas possibilidades de compreender a imagem e, assim, construir
sua significação para o texto.

Uma gramática da ilustração


p. 53
Livros com ilustração e livros de imagem
“Picture books”, “Illustrated books” e “books with pictures” são algumas das
denominações que circulam em inglês para livros infantis ilustrados, não ficando,
porém, muito definidas as relações de quantidade ou de dependência entre texto e
ilustração. Em português, circulam, sem muito critério, as denominações “livro
ilustrado”, “livro de imagem” ou “livro infantil contemporâneo”.
[...] “livro de imagem” para designar aqueles que só tem ilustração e também para
aqueles que têm um mínimo de texto, que não pode ser dissociado da ilustração.

p. 54
Linden discute se ele (livro ilustrado) constituiria um “gênero”, preferindo a posição de
que ele não constitui um gênero em si, mas que engloba variados gêneros literários,
como contos de fadas, histórias policiais, fábulas e poesia.

p. 55
Odilon Moraes1 – [...] o objeto chamado livro tem um corpo, isto é, forma, tamanho,
cor, tato, cheiro (por que não?) etc., que é como ele se apresenta para nós, aos nossos
sentidos. Mas ele também vai ser lido. Seu conteúdo, o qual chamei de alma, vai ser
revelado à medida que percorremos seu texto, vemos suas imagens, passamos suas
páginas, adentramos seu interior, sua atmosfera, os caminhos que ele nos propõe
imaginar.

1
MORAES, Odilon. O projeto gráfico do livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é
qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008,
p. 49 – 59.
Além do formato e da capa, o projeto gráfico compreende todos os demais elementos
que formam o “corpo do livro”: a ilustração, a diagramação, que é a disposição das
imagens e dos textos nas páginas em branco, além da escolha da tipografia, do tipo de
papel e da cor da tinta de impressão. Uma convenção aceita é de que a ilustração deve
situar-se nas páginas ímpares, que têm mais visibilidade para o leitor, pois é onde sua
atenção se foca quando abre o livro. Por isso, é chamada de página nobre.

p. 56
[...] a técnica, assim como as cores das ilustrações devem harmonizar-se com o teor da
narrativa, e o projeto deve pôr em realce essa relação de complementaridade (ou
simbiose, se preferirmos).
Uma primeira questão a considerar é o tamanho, forma e formato do volume:
retangular,? Quadrado? Em outro formato menos comum? Qual o seu tamanho? Vai ser
lido como retrato ou paisagem? Sempre é recomendável que o tamanho permita ao livro
ser guardado numa estante. Como proceder quando a ilustração da capa “sangrar”
para as orelhas da capa e da contracapa?

Imagens coloridas
p. 69
A grande maioria dos livros infantis são coloridos. A cor é um atrativo muito grande
para as crianças, sendo o elemento que mais se destaca na ilustração. Em relação ao
texto escrito, a ilustração pode ser meramente repetitiva, dizendo o mesmo que ele –
neste caso é pleonástica e nada acrescenta à história. Mas ela também pode ser diferente
do texto de diversas maneiras, dizendo menos ou mais do que ele. Ou dizendo diferente.
São opções à disposição do ilustrador que testam a sua capacidade criativa.

p. 70
Quando a ilustração diz menos do que o texto, isso também serve de estímulo ao leitor,
que procura preencher pela imaginação os hiatos deixados em aberto pelo ilustrador.

Tempo, movimento, profundidade


p. 72
Sendo o tempo uma noção abstrata, (e até de difícil compreensão para crianças muito
pequenas), representá-lo em imagens é um desafio para todo ilustrador. [...] Existem
alternativas originais e que demandam um olhar atento do leitor. São imagens como o
sol, a lua e as águas correntes, convertidas em símbolos, que os povos da Antiguidade
utilizaram para indicar tanto o tempo presente, como o passado e o futuro.
Nikolajeva e Scott, ao discorrerem sobre temporalidade e movimento na imagem,
lembram que “ao contrário do cinema, o suporte livro ilustrado é descontínuo, e não há
nenhuma maneira direta de retratar o fluxo de movimento. [Ele} é narrativo e
sequencial e pretende transmitir uma sensação de movimento e de duração” (p. 195). A
ilustração do livro infantil, então, busca criar uma ilusão para o leitor, simulando pelo
traço tanto o movimento quanto a passagem do tempo, e existem vários artifícios para
chegar a esse resultado: “Códigos gráficos diferentes, muito emprestados dos
quadrinhos e da fotografia, [...] borrões, linhas de movimento e a distorção da
perspectiva. Também se sugere movimento pela [...] ação em desenvolvimento, aquela
ainda não concluída, como personagens com um pé levantado, ou equilibrados no meio
do ar no ponto alto de um salto” (p. 196). No caso de Lúcia, que tem seus movimentos
representados pela posição de suas tranças.

p. 76
Tempo e movimento andam juntos na ilustração. A alternância dos diversos planos,
mais próximos e mais distantes, mais fechados ou mais abertos, dão a impressão de
movimento. São impasses para os quais o ilustrador precisa encontrar alternativas.
Outra técnica para o ilustrador criar a impressão de movimento é retratar seu
personagem ultrapassando seus limites, saindo de dentro da moldura que delimita a
ilustração.
Assim como a representação do movimento, do tempo e de sua duração, criar a ilusão
de profundidade é um desafio para o ilustrador de livros infantis. Afinal, a folha de
papel sobre a qual ele trabalha é plana. Para o ilustrador obter esse efeito, existem
algumas alternativas basicamente relacionadas às linhas de perspectiva e ao
enquadramento das cenas.

p. 77
Em livros infantis é comum o ilustrador imitar o desenho feito por crianças e rebater a
perspectiva, em vez de fazê-la de acordo com a geometria, o que dá originalidade ao
desenho.
[...] essa ilusão também pode ser criada de outras maneiras, como, por exemplo, pelo
tamanho como são representados os personagens: quanto maiores, mais próximos ao
leitor; quanto menores, mais distantes.

p. 78
Outro artifício é dado pelo desenho de um livro aberto numa página com ilustração,
convidando o leitor a entrar duplamente na história, no livro real e no representado [...]
Quando a cor não é essencial
A cor ausente
p. 83
Quando se pensa em literatura infantil, costuma-se ter em mente livros coloridos, cheios
de desenhos atraentes. Fogem a esse padrão os livros de figuras em traço só de
contorno, sem muitos detalhes – uma espécie de caderno de desenho pensado para as
crianças completarem adicionando, elas mesmas, as cores de sua preferência.

A ilustração na literatura infantil: leituras críticas

Texto e imagem, uma sintonia nem sempre perfeita


p. 103
[...] sendo a ilustração geralmente subsidiária ao texto, composta depois dele e por
alguém que não o autor, podem ocorrer ruídos, dissonâncias entre texto e ilustração,
entre palavras e imagens que podem ocasionar até uma “desleitura” por parte do
ilustrador. Isso pode confundir o leitor desavisado, que ainda não tem um olhar crítico
apurado para tirar conclusões e formar um juízo de valor a partir do confronto entre
palavra e imagem.

p. 104
Existem também artistas que abrem mão dessa sua identidade padrão e se mantêm
disponíveis para “ouvirem” o texto que vão ilustrar. A partir dessa leitura atenta, eles
buscam as cores, formas, materiais, técnicas e estilos que melhor expressem as
intenções e subentendidos do texto.

p. 126
O livro dirigido a um público adulto distingue-se do livro infantil em múltiplos
aspectos, mas o mais viável é a ausência da ilustração. Será? A criança precisa ser
cativada para a leitura, e isso se faz pelos sentidos – pelos olhos, pelo tato e até mesmo
pelo olfato (ah, o fascinante cheiro que emana de um livro novo, impresso em papel de
qualidade!). Daí o cuidado que as editoras vêm dispensando ao projeto gráfico, à
ilustração, à escolha do formato, à arte final dos livros destinados à criança. Nesse
processo, o papel do ilustrador é fundamental, e iluminador.
p. 127
Ainda que pareça plana e estática, a imagem é dinâmica, porque instiga a imaginação a
ir além, a preencher os espaços vazios do “antes” e do “depois” de seu momento de
representação. Ou seja, a imagem encerra em si um núcleo narrativo latente (assim
como uma semente, que já contém dentro de si toda uma linhagem de árvores futuras),
que a mente do leitor pode pôr em ação a qualquer momento, estabelecendo um jogo de
parceria entre imagem e imaginação.

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