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ELA CANTA POBRE CEIFEIRA

Ela canta, pobre ceifeira

Julgando-se feliz talvez;

Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia

De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave

No ar limpo como um limiar,

E há curvas no enredo suave do som

que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece, na

sua voz à o campo e a lida,

E canta como se tivesse

Mais razões p'ra cantar que a vida.

Ah! canta, canta sem razão!

O que em mim sente 'stá pensando.

Derrama no meu coração

A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua

alegre inconsciência, E a consciência

disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A Ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve! Entrai

por mim dentro! Tornai

Minha alma a vossa sombra leve!

Depois, levando-me, passai!

Gato que brincas na rua


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais


Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,


Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Pobre Velha Música!


Pobre velha música!

Não sei porque agrado,

Enche-se de lágrimas

Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.

Não sei se te ouvi

Nessa minha infância


Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva


Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

Não sei se é sonho, se é realidade

Não sei se é sonho, se realidade,

Se uma mistura de sonho e vida,

Aquela terra de suavidade

Que na ilha extrema do sul se olvida.

É a que ansiamos. Ali, ali

A vida é jovem e o amor sorri.

Talvez palmares inexistentes,

Áleas longínquas sem poder ser,

Sombra ou sossego dêem aos crentes

De que essa terra se pode ter

Felizes, nós? Ali, talvez, talvez,

Naquela terra, daquela vez,

Mas já sonhada se desvirtua,

Só de pensá-la cansou pensar;

Sob os palmares, à luz da lua,


Sente-se o frio de haver luar

Ah, nesta terra também, também

O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,


Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.

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