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–Tem um pequeno silencio que se costura à beira do mar, entre cada manga que ele arregaça.

Alguém disse: o mar arregaça as mangas e volta a solta-las. E neste interim de cobrir e despir a
areia que veste, tem um pequeno, diminutíssimo momento, no qual quem esteve por tanto
tempo a navegar compreende que, toda tempestade, e risco tomado entre as ondas, valeu a
pena. O mar, por mais cruel que consiga ser, continua valendo a pena.

Menor que o silêncio, contudo, é o tamanho de quem nunca navegou. Esta trégua, de fato,
não há como ser compreendida por quem, primeiramente, não sofreu o mar. Deste modo
falaremos, para que alguém possa dizer “já ouvi falar dele”, de um menino à beira mar bem
menor que o silêncio entre o vai e vem das ondas. Alguém que de nada sabe, que o mar vale
sua pena, pois ainda há de sofrer suas correntezas.

Uma das coisas mais preocupantes dum menino no litoral é que após sua travessia não tem
volta. Mas é exatamente onde este menino está se dirigindo, para atravessar o limiar, para não
voltar. Afinal, quando por um experiente navegador a calmaria da beira é vista como um lugar
para repousar, por quem nunca descobriu a inferioridade do seu tamanho a beira mais é vista
como um convite. O mar convida a todos, e todos hão de atravessa-lo, todos hão de não
voltar.

O dia que não tiver mais perto de ti,

não falarei mais nada –

Mas enquanto eu tiver

Viajante

E possivelmente, de mim, o que seria, Maria?


E o que da margem, da várzea, ou só de nós, restaria
Quem nesta balsa – dos viajores – aplaudir, se atreveria
Deixei lenço, deixei sonho, mar é longe, arriscaria?
Perco o tempo, olho perto, aqui é deserto – voltaria...
Indiferença: é diário ganho, e sol apanho, mas lutaria
Pega o arco, larga o remo, esquece o barco, atiraria?
Já atirei, mirei as estrelas – caiu na testa! Oh, minha Maria...
Lamento o sonho, verso enfadonho, só do voltar me alegraria
Dá tempo ainda, a volta finda, mas de mim, se orgulharia?
Sem tramontana, na vida insana, do mar de casa eu lembraria
Ostia me sara, farol que aclara, caminho pros braços da minha Maria
Minha juventude, brisa que acode, a quanto eu tempo eu não te via!
Sonhei co’a volta, navio que escolta, matar enfim, minha nostalgia
Mas quando ô mar, cheguei em teu olhar, senti o gelar das aguas frias
Minha linda amada, inda molhada, sem dó de mim, perguntaria
“perdão se peço, talvez esqueço, mas diga homem,
tu quem seria?”
Tem murchado, apassito, qualquer impulso de rejuvenescer
Aprendi, de súbito, que vida é sumario do dessentido
E preferido escutar palavras contraditórias, das que envelhecem
Assim, entorpecido em taças de vinho, enamorado a gana de estar sozinho
Repassado frases de motivação aos que insatisfeitos encontram
Mais motivos para se desmotivar; deleito-me em suas tristezas
Não sei mais se é verso ou prosa, não sei mais se é riqueza ou virgindade
Não tenho ideia das ideias que tanto complicam, ou das que simplificam
A urgência já se apaziguou, num gozo apressado de algum sabato-sera
Os amigos já buscam a si mesmos, quem é si mesmo já nem busca mais
Os altruístas, os que invocam em gritos, já se perderam em suas causas
Não há mais coisas reais, não há mais coisas fictícias, há só coisas
Meu mundo é um reservado de quintais onde cabeças se penduram
Ou tristezas, ou sonhos, ou melancolias, ou almejos, ou nada disto
É – já não cabe mais nesta década. Talvez – lhe é mais apropriado
E já não vivo de saudades, já não vivo de mortes, já não vivo na sorte
Agora, nada mais completa minha letra. Agora, nada mais abrange minha libido
Agora, já não é mais, e depois... talvez.

São, dum número incontável são. Duma igualdade inexplicável são, e como se diversificam.
Uma é ruiva, a outra não. Uma é silêncio, a outra é em canção. Uma é taça de vinho, a outra é
aversão. Uma é toda palavras, a outra só olhares tímidos de coração. Nenhuma, porém, e há
de “porém”, nenhuma delas é em vão. Penso, reflito, analiso, se sou delas, e se sou, quão.
Uma me ensinou a dizer sim, a outra odiou que eu conjecturasse um não.

Pensei num poema


Não este, naquele
Aquele no entrementes dos pés à beira
Do desejo à revelia
Em versos borrados, palavras trementes, sorrisos desfeitos
Numa noite de pressas
E na noite, não esta
Aquela
A ouvir um poema apressado
Puxado da estante
Passado da ânsia e embriaguez
Pra fazer (E se fez)
Outro poema entre a gente
Que bobeira esta, bobeira aquela
De se fazer bem, numa noite qualquer
De se fazer poema, dum beijo qualquer
E imortalizar
Fortificar
Desleixar
Um nó de poesia
De nós, restar
Neste ou naquele
Nalgum poema de outros dias

Tu é menina solitária de coração calejado


Tu é breja, seco, boca de cereja, sexo apressado
Tu é folha primaveril desabrochando no inverno
Tu é riso pueril se acabando de ironia
Do mundo, das funções, de tudo o que rima com razão
E que padrões menina, provem de ti
Que ilusões, menina se desviam de mim, salvo
Voz meiga, de partição, voz de tarde de domingo
A espera do retorno, momento de silêncios

A tarde toda fora um preanuncio de chuva, mas não lhe caiu gota alguma. Trazia tudo o que a
chuva sempre trazia: o vento forte a sacudir os mangueiros, as nuvens plúmbeas a embaçar a
luz, o cheiro de terra que se regava de expectativa, mas não havia gota alguma. A chuva trazia
tudo menos a si mesma. Aqui é seco, então a chuva é bem-vinda.

Quem é o diabo desta valsa?


Certamente não sou eu
Tu e tua ideia fugaz
Eu, a reger meu coração na alça
Mira a tua volúpia atentamente
Acorrenta-me à tua caricia mordaz
Danço ao som do teu amor dissidente
E pego-lhe firme nas mãos
Entrelaça-me ainda teus dedos
Mas não valso com fivela no ventre
Quem dirá, com quem finge paixão
Assim, me abrasa as pernas
Assim, me dói o braço
Constrinja-me, pois, ao teu vil laço
E jura-me que nossa dança é eterna
Em sussurros que são demasio finos
Se revela a malicia ao meu tino
Quem é o diabo desta valsa?
Usando o par como capacho?
Certamente não sou eu
Conquanto tenha experiência na dança
Para valsar feito um diacho.

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