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E quando a noite chega enfim, em mim, inevitavelmente sinto como

se haja a necessidade de ser luz mais um pouco mesmo que os


olhos procurem o incessante cessar-se das pálpebras. Mesmo que o
silêncio noturno em volta já esteja tão violento, que se torna
imprescindível, inescapável, ser preso ao delírio do sono. Uma
leve chama bruxuleia do meu lado, enquanto o meu coração chameja
sua vontade de delirar; tenha sido essa a ausência da expressão
diurna, seja essa uma expressão diurna do pouco que se
manifestou durante, tenha sido essa invasão noturna da lua que
barafusta tão intensamente na minha vontade de ser noite, e
quando enfim vem o delírio, quando finalmente as palavras se
embaralham com o sentido que não é mais entendível, quando a
descompreensão é a única coisa que permanece, para de certo modo
ser compreendido, quando a única coisa que resta são as palavras
que saem da boca sem nenhuma conexão, fossem um arranjo da
loucura, e quando essa loucura, essa tão boa, suave, e doce
insânia, por não estar presa a nada, a nenhuma daquelas
conjecturas sobre os sistemas e a nossa postura, que quando essa
loucura enfim chega, é que congraço com a vida. E o que seria
dessa coisa que chamamos vida se não fosse pelo delírio das
palavras, se não fosse pelo enlouquecimento dos nossos
pensamentos, se não fosse pela paz encontrada onde não há
limiares, o vasto, vácuo, infinito, das aventuras que
perpassamos, alquímicos, nas nossas entranhas, e o justo som das
palavras, que o coração cospe, para ingeri-la através do seu
ouvido. Seria um poeta farto? Serei um entre os barrigudos?
Serei esquecido? Serei poeta? E a letra continuará sendo minha
maior libido? Procuro a forma desformada que existe em mim, que
sente tal necessidade de se formar para que não desforme mais,
até que a resiliência se volte para minha imperscrutável
natureza, e não fique eu relutando com todas as conjecturas e
construções desse mundo, de mim, dos outros, mas que possa me
abranger no verdadeiro sentido da minha... no verdadeiro sentido
da minha... no verdadeiro sentido da minha... não, não há
palavra para que se descreva. É feminina no obstante, não posso
defini-la em masculino, sinto que lhe seria injusto, essa minha
coisa, desforme, impenetrável, incognoscível, mas que é minha. A
verdade em mim que não pode ser conhecida. Mas que sendo minha,
certamente há de ser vivida. Meu delírio, com o qual me
perscruto, e com o qual antes de fechar os olhos, antes de
dormir, antes de cessar, antes de me perder de novo num novo
dia, antes, faço sentido.

Degringolar, Salpicar, Ponderar, Amainar


Aludi a perdição. A lenha afogava, a bujarrona amainava-se. A
certeza era degringolar a esperança até a loucura. Quando o
homem pondera a própria morte, tanger a cordura e compostura
para fora do barco é justificável. Diga-se: O delírio, até o
indefensável, torna-se compreensível. Emaciado, exangue, e
céreo, me voltei pra minha própria carne. Para meu aspecto
anêmico e nefasto. Nosso corpo é a pior droga; a inanição é tudo
o que lhe basta para devorar-se e entorpecer-se no seu efeito-
miragem. Quando se atinge o paroxismo da desesperança as
lagrimas perdem seu valor terapêutico. O que sobra é a sede da
loucura. O insano, torna-se carrasco, mártir e cangaceiro. É a
metempsicose com a personificação do inferno. O marulho, não do
mar que me abandonava, mas do transfigurado que se apossava de
mim, aclarava no seu tom cachinado. Eu ria de mim. Poucas almas
cumpriram tal escarnio. É o pior de todos. Fui pior de todos.
Suicídio é o primor dos covardes, na terra-ferma. Em terra-mar é
galardão inalcançável. Tentei me afogar. Tentei abandonar o
barco. Tentei me enforcar com a vela. O que me impediu, foi o
prazer pelo delírio. O amor ao meu desprezo. A contemplação do
meu ser frívolo, bruxuleando até a inexistência. Admirei cada
fase, cada camada sombria no interior que homem algum jamais
adentrou para voltar a falar delas com sensatez. Morria mais a
cada fenecimento de tudo que se pudesse chamar eu. E tal morte,
tão lenta e adorável volúpia, me transfigurava, me distorcia, me
avivava de outrem. Outrem, que em lugar algum podia ser
encontrado, a não ser na minha mais gloriosa e imprescindível
loucura. O outro eu, fera, formidável, que só pude penetrar
quando me reduzi a esperma.

Que você acha? A gente poderia até se gostar. Tipo, entrelaçar


mais das nossas conversas e uma honestidade oriunda ao tinir do
coração, que se acalenta e nos abrange quando de nós, pensamos
em nós, e falamos entre nós, sobre tudo o que este “nós” poderia
ser. Sim, realmente, falo com todo coração, que toda a vez que a
ouço passo a pensar o dia sobre ti, e depois esqueço no outro,
porque preocupo-me em pensar demais, quando não há nenhum mais,
ao qual a gente se propos. Que você acha? A gente poderia até se
propor ser um pouco mais destas coisas que sempre desejamos, no
dia a dia, e que não temos por ter feito de quem devia ser
menos, muito mais do que esperávamos. Pois, que lastima, sermos
dois, eu e você mártires de propostas que nunca deveriam ter
sido aceitas, sabores de gostos que só perpassam o amargo, e
cicatrizes no rosto, ferindo os olhos, a boca, os ouvidos, e
tudo o que a gente poderia ter sido, se tivéssemos tido um ao
outro, antes de outrem: o madurecer nefasto. Eu acho, realmente
acho, que gente feito eu e você foi feita para ser desfeita de
outros, pois feitos poetas, feitos sonhadores, feitos amores,
somos tudo o que dos outros sobra, e temos muitas pra ser mais,
mas nos apegamos a poética daqueles que do amor não se recobram.
Se eu lhe der estes três adjetivos: inóspito, caleidoscópico,
senciente gostaria que você refletisse bem sobre sua natureza, e
sobre minha interpretação destes.
Começando pelo que é hospitaleiro, característica muito prezada,
concordaria que o contrário, não é seu antagônico ou
indesejável. Acontece que há muitos lugares, na sua boa maioria,
que se recusam a ser receptivos, por quaisquer razões, sejam
intimas ou obvias, e o que visto de algum prisma poderia parecer
rude, acaba sendo justificável e de certo modo comum, um tanto
conveniente, nos lugarejos dos homens. Inóspito não é sinônimo
deste, pois nele há sim, deveras, o antagônico, o oposto, e a
antítese que refuta o seu passeio, mas por motivos diferentes. O
que é inóspito, pela definição, não é o lugar onde você sequer
gostaria de adentrar, e não habitaria, pela própria índole do
que é inabitável – um lugar que se recusa a ser-lhe receptivo;
mas não por motivos quaisquer, mas por uma ominosa presencia, ou
talvez, por você detestar o fato que em lugar algum por onde
você tenha perpassado, ou habitado, se incrustou tanta mofa e
humidade, calor ou aridez, trevas ou luz. O que é inóspito, não
se distingue na sua essência pela sua pouca receptividade, mas
pela pouca receptividade que alguém tem desenvolvido, ao redor
dos seus confortos, para se adaptar as coisas que, no curso da
sua vida, lhe pareceram adaptáveis, fugindo do que opinava
inadequável. Concluo, portanto, que o fator intolerável de
certos lugares, está imbuído no juízo dos seus moradores e nunca
no lugar em si. Visto que há provas do contrário – entre as
paredes mofadas, tenebrosas e imperscrutáveis – constatável nos
habitantes do esconderijo que tais moradas proporcionam, pois, o
inóspito mora no hospede, e nunca no lugar.

Caleidoscópico num sentido extenso, abrangeria a faculdade


intrínseca a algum objeto de refletir imagens fantasmagóricas e
ilusionarias através da sua rotação, feito um lustre bem
amanhado de cristais e suas luzes cavalgadas. Porém, o que
sempre me fascinou nos caleidoscópios, nunca foram os efeitos
psicodélicos gerados pela dança de suas imagens, ou pelas cores
esbanjadas nos seus vários formatos, mas pelas fases que mesmo
infinitesimais, estavam prestes a se repetir, mudando de forma,
nos meus juvenis olhos, como se fossem as várias facetas
cristalizadas duma única idiossincrasia. Perdi-me, vez ou outra,
na ilusão gerada pela rotação, pela dança e pelas cores que tais
objetos regalavam durante até as mais escuras das noites, mas
amei, ainda mais a ideia de que alguém tivesse entalhado –
consciente ou aletoriamente – rabiscos inofensivos ou detalhadas
quimeras nos vidros; assim que minha ingenuidade, e presunção do
impenetrável, divagasse sobre as mais variadas intenções por
trás de tais belíssimas imagens, fazendo de sua dança, uma minha
dança, e de sua curiosidade, as minhas curiosidades, e da sua
rotação, a minha rotação. Até que na contemplação de variados
vultos incompreensíveis e imaginativos, jogados pelas paredes
anoitecidas do meu quarto, encontrasse um sentido inerente a
mim, que fosse tão impassível, quanto caleidoscópico.

Por último, senciente, é o que se torna mais difícil de lhe


explicar, porque vários já se deram ao inexorável estudo de dar
consciência as plantas, manifestando como lhe é possível sentir,
apesar de ser cegas, surdas e anosmicas. Ainda assim, por mais
incrível que pareça, as plantas, mais antigas que qualquer vida
senciente, provou sua senciência, e até mesmo memoria, entre as
suas caules, flores e raízes, adaptando-se ao equinócio do mundo
com louvável maestria, e teceram tanto espinhos para os
desajeitados como cores para os embriagados; fazendo de sua
quintessência sempre-verde o mais lúdico espetáculo aos olhos,
do seu cheiro multifacetado o primor do bom odor, e da
delicadeza de suas pétalas a perfeição tangível para os
sonhadores. Elas, sobre as quais se conjectura até o dia
presente da sua capacidade de perceber, fizeram das nossas
carnais percepções o mais belo presente, dando não somente
paixão, como mais sentido a nossa breve passagem. Mas sem me
perder nos devaneios das plantas, quando digo senciente me
refiro a algo que não sei descrever propriamente sem me referir
a elas: a capacidade de fazer sentir, sem que se sinta
propriamente, e de sentir sem que haja, aparentemente, a
capacidade de abranger o sentido. De certo modo o imperceptível
por natureza, a ser percebido. O tato abstrato, do que não há de
ser tocado. Uma compreensão profunda do que é incognoscível,
manifestando-se não como epifania, mas como sensação oriunda
mais à música e as plantas, do que ao intuito e o instinto. A
sinestesia encontrada na eufonia dum sorriso e a catarse
revelada no silêncio dum ruído. O que só a planta, por ter as
ferramentas impossíveis, percebe. Peço perdão, pela confusão nas
palavras, com efeito, este se torna entre todos os adjetivos que
possuo, o mais indefinido, mas se porventura ao tocar uma planta
ouvirá o que se escuta ao tocar um teclado, saberá ao que me
refiro.

Finalmente, se na minha explanação destas palavras tiver


cumprido um bom trabalho; quiçá, no momento que lhe for
oportuno, ou achar interessante adentrar este meu coração que
assim adjetivo – inóspito, caleidoscópico e senciente – não se
assuste, mas antes, me considere. Considere a enorme bagunça,
deixada por ter ouvido coisas inexpressáveis num teclado de
letras, pois mais unanimes a um de cordas. Considere que o que
aparenta ser irritável e defeituoso, foi primeiro encontrado num
estado ingênuo, sendo assim por outros embaralhado. Que a
humidade lhe seria conveniente num dia seco, mas que a mofa
seria sua consequência; que a aridez se arrastaria vez ou outro
pela cama, mas apaziguaria, nela, o maior dos gemidos, e que a
luz melhor brilharia, após compassos de espessas trevas. Estas,
que tão frequentemente iluminadas pela mais jocosa das luas e
ritmadas por um risível lunatismo, acompanhariam o inexplicável
espetáculo que lhe reside, pois aqui dentro, se veneram as
fases, e elas se ostentam aos montes nas paredes, no teto, no
humor, num formato de caleidoscópio, e por suas fantasmagóricas
imagens que capturam todo tipo de devaneio que se preocupa em
espantar, animar, divertir e explicar. Considere antes, tais
riscos, desenhos, formas, vezes anêmicas outras cheias de brio,
que seriam causa da maldição ou benção de sentir demais, nesta
morada-plantio, tudo o que deveria ter sido evitado, e tudo o
que deveria ter sido sofrido, mas, e peço que não haja
preocupação, considere que adentro deste lugar, aprendeu-se a
rir do mau agouro, das desventuras e das feridas, e fazer delas
lustres, na mais sombria das noites, a serem admirados.
Considere, finalmente, que o mais notável deste lugar que chamo
de coração, não seria o seu jeito aparentemente inóspito ou a
índole afetada pelas passadas vicissitudes, mas sua habilidade
nesse seu modo infantil e ingênuo, de sentir o seu, de
compreende-lo em todas suas arestas e de se adequar à pulsação
do seu hospede. Sendo riso na hora do riso, grito na hora do
grito e choro na hora do choro. De trovar, mesmo que feita de
concreto, e veias e sangue, a mais compreensível das poesias
indizíveis. Porquanto, na própria incompreensão, terá
compreendido. Esta morada que, quiçá, haverás de perscrutar,
pois já por muitos foi visitada, mas que nunca cedeu da vontade
de hospedar, que de muitos foi bagunçada, mas que sempre
encontrou uma forma de se reordenar, que por muitos foi odiada,
mas que nunca prescindiu da vontade de amar. Este meu inóspito,
caleidoscópico e senciente coração, que quiçá, numa visita sua,
numa dessas visitas fulmineas, descomprometidas e violentas,
numa dessas que não se quer nada e se passa embriagado
barafustando porta adentro, numa dessas que ao adentrar se foge
horrorizado por não saber como se hospedar, numa dessas que se
para admirando as imagens, os sonhos e as ilusões dançando pelas
paredes, numa dessas que o sol se põe e amanhece, numa dessas
que se sente o que outra hora não poderia se sentir, que se
cheira o que não poderia se cheirar, e que se toca o que não
poderia se tocar – não fosse após variadas visitas, numa dessas
que se pensa e se reflete sobre mais uma despedida, numa dessas
que já se tornou casa. E já não é mais o que se visita, visto
que se veio para ficar. Considere pois. Considere tudo isso.
Considere se, porventura, quiser adentrar.

Era só o interesse continuo e ambíguo, que tal boca-prostibulo


procurava apaziguar em mais bocas mesmo que em demasiadas já
tivesse encontrado encaixe, mas nunca tivesse sido o incrustar,
propriamente seu interesse, mas a continuidade de ter alguém com
quem se entrelaçar.
Se eu morrer amanhã.
Se eu morresse amanhã, provavelmente o que me tomaria agora
seria um enorme pânico. Uma funesta ansiedade que me mataria até
mesmo antes da lua nascer. Se eu realmente morresse amanhã não
estaria escrevendo esse texto, talvez estaria ligando aos
prantos para todas as pessoas que amo, talvez estaria escrevendo
algum tipo de recado, talvez estaria procurando minha última
transa, talvez mas só talvez eu gastaria todas minhas poucas
economias pra correr em qualquer mar, e sulcar num veleiro para
planger meu último ocaso.
Se eu morresse amanhã, entendo com enorme espanto, que me
encontraria na mais bela das epifanias, contemplando finalmente
a vida que sempre em volta de mim se espraiou, o sol que
milhares de vezes se pôs, a lua que tremendamente brilhou entre
as estrelas, o chão impassível que com tamanha morte pisei, o
coração, que por tais décadas bateu, sem parar uma vez sequer, e
pararia amanhã. Pois se amanhã eu morresse, se o inevitável se
apressasse, se a luz nos meus olhos já não brilhasse, se a morte
ao próximo nascer do sol me alcançasse, sem me deixar tempo
sequer de me desculpar, encontraria justificação em tudo que não
tive, para acalmar meu perpetuo pesar. Sim, se amanhã eu
morresse, já não existiria preocupação com o passado, pois meu
passado haveria de descansar.
Se eu morresse amanhã, estaria mais vivo agora do que nunca.
Pois a vida, que agora vivo, reside na expectativa que gero da
futura vida, da futura alegria, da satisfação antes da minha
inevitável morte, que até agora está tão distante de mim. Se eu
morresse amanhã, não raciocinaria feito os ricos para
experimentar quaisquer prazeres, nem enlouqueceria feito os
psicopatas, para encontrar a satisfação no hediondo. Se eu
morresse amanhã já estaria apaziguado de toda e qualquer
necessidade de me satisfazer, já que não haveria nada a ser
feito, salvo morrer.
Se eu morresse amanhã, penso, se eu realmente morresse amanhã,
todas as preocupações com as conjecturas deste mundo, com as
filosofias dos vagabundos, com as crenças absurdas sobre o
oriundo, as verdades ou as mentiras imaginadas dos abismos mais
profundos, não me torturariam mais, pois entre todos os
devaneios dos homens teria encontrado a única certeza, da morte
e do abandono de tudo o que passei e poderia passar. Se eu
morresse amanhã. Se eu realmente morresse amanhã, tudo o que me
condena agora, tudo o que torna minha vida miserável, tudo que
me frustra no inalcançável, cessaria de me tormentar, e se eu
morresse amanhã, se de fato, teria a mais assustadora
consciência de que não haveria amanhã, que em exatamente a meia
noite, ou a hora que a morte achasse oportuna, minha alma
transpassaria do seu limiar, afirmo, com quase toda minha
certeza, que fora o lamento, os prantos, as risadas histéricas e
tudo o que a morte certa haveria de me regalar, alguma hora,
algum momento, talvez só poucos segundos, antes de minha
conclusão, eu saberia, teria todas as respostas e absolutas
certezas do que significa ficar, e enfim morreria com o
melancólico sorriso, de que todos nos vivemos na urgência da
morte, mas nenhum de nós sabe como realmente viver, pois estamos
todos tão preocupados com o fim, que esquecemos que é só no
presente, que reside a vida e o poder de nos eternizar.

Espirito indigente que vaga dentro de mim. Espirito que faz de


si o seu abismo, espirito que entalha sua tristeza esculpindo no
ventre a solidão, rabiscando nas têmporas a frustração, dormindo
banhado nas estranhas e marulhando na afobação. Espirito... oh,
espirito de tempos corridos! Oh, espirito dos absconsos gemidos!
Oh, espirito desforme que navega entre as minhas veias, que se
recobre de epiderme, que se espraia nas extremidades deste meu
débil corpo e se arrasta feito um verme. Oh espirito, o que será
de ti e da tua morte? O que será de nós e da nossa sorte? O que
será de mim se maior ficar teu porte? O espirito se é de mim que
tu te obténs, e é do pouco espaço que me torno incapaz, se é de
tanto crescer que morro, da sua morte, assaz. Espirito, oh
espirito que me desfaz. Me livra, se livra, o que é que você
precisa...? onde é que tu queres habitar? Por que és andarilho
nas entranhas, por que é das minhas solidões que você se banha,
por que é em mim que você se acanha. Oh espirito voraz, por que
devora meu corpo que não te satisfaz? Porque bate o teu martelo
nas minhas têmporas cinzelando a ruina que você me traz? De
todos, indigente, me encontrei a odiar-te, pois fizeste de mim
este recôndito repente! E sempre, de todas as torturas, por que
hás de torturar a gente?

O perdido pirata
Confesso-lhes, que durante este admirável marejo que se espraia
aqui, encontrei-me diante
E que se há uma forma que possa definir o marulho que estou a
ouvir, é imensidão
Julgo, que no entrementes de toda a viagem não me trovei além
dum parecer pequeno
E que tais versos, não definiram a vastidão donde os escrevia,
mas do ínfimo interno
Quando imagino, pois, onde navego, me decorre amiúde o espanto
de ser assaz miúdo
Porém ao encontrar na minha posse tanto vela quanto remo,
compacto com a maior das loucuras
Enlouqueço, deveras, ao desbravar pelas ondas, me pintando de
pirata, quem dirá argonauta
Se há uma direção, é ao dessaber inata, e meu sulcar, se faz tão
maravilhoso quanto vão

Quando me perguntam o que há de tão atraente no mar, a meu ver,


eu não sei bem o que responder. Salvo, o mar.

Vou preparar um dicionário desde já, já larguei

O sábio: eu sei lá.

Entre esse tanto de coisas que amo e odeio fazer, há uma que se
destaca por ter uma dose extremamente bem balançada das duas.
Contar. É que desde que sou diminuto, tanto em tamanho como em
pensamento – não que agora me considere maior no segundo – tive
esta pueril megalomania de abordar tanto o eu quanto o outro,
por historias. Agora, já que este se parece como algum tipo de
introdução a algo que provavelmente nem vou concluir, pois nisto
se distinguem a maioria das índoles dos contadores de historia –
não terminar a porra da historia – vou confessar que, caso isto
passe da metade, e me torne assim, um destes contadores que
coloca no conto, a paciência astronômica de chegar a algum
lugar, que muito provavelmente, tal historia não chegará a lugar
nenhum. Como já mencionei, esta é minha maior característica:
amo contar, odeio TER QUE terminar a historia. Contudo, antes
que você me abandone por imaginar que esta lendo os relatos
destes tipos de loucos que adoram prender a multidão nos seus
circunlóquios e sofismas, por não saber como dialogar, e se
enfunam de uma astuta fala que tem como maior primor, não dizer
nada; eu gostaria de lhe pontuar duas coisas: Primeiro – posso
fazer parte destes homens, mas isto não os tornam menos dignos
de serem escutados, pois de narrativas que não levam a lugar
algum, temos a vida como maior contadora, e que isto não torna
suas historias “ruins”; mas só, propriamente, viajadas. E
segundo – o único motivo que pelo qual, sequer me interessei de
lhe contar esta historia, é que, além de ser viajada, termina na
metade. Isto mesmo. Se o deixei confuso, confere de novo, pois
foi o que falei. Agora, alguém questionaria, provavelmente os
que de tantos estudos sabem da impossibilidade de tal feitio,
que não existem historias que terminam na metade. Elas ou
terminam no final, ou não terminam. Ao que minha resposta é:
beleza. Agora, se ao invés de descartar a óbvia colisão ilógica
que essa minha historia lhe propõe, se deixa dominar pelo primor
que constitui o ser humano, a curiosidade, irei lhe contar uma
historia, mas já vou avisando, para aqueles que leem
apressadamente, ou escutam ao avesso, que tal historia não é a
convencional. Tal, minha, historia termina na metade.

A preocupação do magico é se amarrar em alguns balões e voar no


céu. Qual a preocupação do sensato?

Criança! Oh pueril criança


Encurtas o poema para encontrar nele substancia

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