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do vário estilo em que eu discorro com Cuidei que, pera em tudo conhecer-te,
choro, esperanças vãs e esta vã dor, me não faltava experiência e arte;
onde haja quem provado tenha amor, agora vejo nalma acrecentar-te
perdão e piedade espero em dom. aquilo que era causa de perder-te.
Mas o falar de todo o povo escuto Estavas tão secreto no meu peito,
A que dei azo e repetidamente que eu mesmo, que te tinha, não sabia
De mim mesmo comigo me envergonho; que me senhoreavas desse jeito.
Conferir o artigo “O amor em dois sonetos: Petrarca e Camões”, de Marina Machado Rodrigues.
Renascimento x Maneirismo
“(...) a arte clássica do Renascimento era sobretudo regida pelas idéias de
segurança, de ordem, de clareza, de harmonia, de simetria, em suma, de perfeita
conciliação entre o homem e a natureza, entre o real e o ideal, com certo repúdio às
minúcias realistas ou naturalistas, já que se empenhava em conquistar a maior
clareza e a maior sobriedade possíveis para a expressão artística. Ao contrário
disso, o Maneirismo, com a instauração da dúvida no mundo de certezas
renascentistas, iria caracterizar-se por manifesta e sutil reação anticlassicizante, ou
seja, reação a qualquer certeza ou segurança, ou a qualquer idéia de normatividade
e de equilíbrio simétrico, bem assim de rigor e de sobriedade. A partir daí, nasceu o
apego ou gosto pelas construções que evidenciam certos contrastes, ou
hesitações e dúvidas diante da firmeza e da convicção do homem
renascentista. Na verdade, o Maneirismo, como já foi dito por Eduardo Portella, ao
mesmo tempo que preservava, ia distorcendo aos poucos as linhas de força
do Renascimento.”
Cf. o artigo “Renascimento, Maneirismo e Barroco”, de Leodegário A. de Azevedo Filho. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/abf/vol4/num1-06.htm
Ressurreição,
(Pontormo)
O enterro do Conde de Orgaz
1586
(El Greco)
Laocoonte
c.1610-14
(El Greco)
Soneto
Género lírico de origem italiana: soneto,
melodia do franco provençal sonet, diminutivo
de suono (som, melodia) vindo do latim sonus.
g
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo deste corpo descontente,
repousa tu nos ceos eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.
g
Busque Amor novas artes, novo engenho
pera matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirarão o que eu não tenho.
g
Eu cantarei do Amor tão docemente,
per uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.
g
Foi já num tempo doce cousa amar,
em quanto me enganava a esperança;
o coração com esta confiança
todo se desfazia em desejar.
g
Mostrando o tempo está variedades,
por onde o que se espera não se alcança;
todo mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
g
Oh! como se me alonga de ano em ano
a peregrinação cansada minha!
E como se encurta e ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!
g
Pede o desejo, Dama, que vos veja;
não entende o que pede, está enganado.
É este amor tão alto e tão delgado
que, quem o tem, não sabe o que deseja.
g
Que poderei do mundo já querer?
Que, naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão desgosto, e desamor,
e morte, em fim; que mais não pode ver?
g
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por soldada pretendia.
g
Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco, e nada aperto.
g
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mi tenho a parte desejada.
g
Jorge de Sena
Camões dirige-se aos seus contemporâneos
tido por meu, contado como meu,
Podereis roubar-me tudo:
até mesmo aquele pouco e miserável
as idéias, as palavras, as imagens,
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
e também as metáforas, os temas, os motivos,
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
os símbolos, e a primazia
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
nas dores sofridas de uma língua nova,
para passar por meu. E para outros ladrões,
no entendimento de outros, na coragem
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
Assis, 11/6/1961
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E, mesmo será meu,
g
g
Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
Herberto Helder que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
Tríptico (excerto) a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
I e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
Transforma-se o amador na coisa amada com seu do amador.
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias dá-lhe o grito dele.
e das ardentes pedras que tem dentro de si. E o amador e a coisa amada são um único grito
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado anterior de amor.
silêncio da sua última vida. E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
O amador transforma-se de instante para instante, de amador. E ela é batida, e bate-lhe
e sente-se o espírito imortal do amor com o seu espírito de amada.
criando a carne em extremas atmosferas, acima Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
de todas as coisas mortas. do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro. o imprevisto silêncio do mundo
E a coisa amada é uma baía estanque. e do amor.
É o espaço de um castiçal, In: A colher na boca, 1961
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.
g
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Adília Lopes
Com o fogo não se brinca
porque o fogo queima
com o fogo que arde sem se ver
ainda se deve brincar menos
do que com o fogo com fumo
porque o fogo que arde sem se ver
é um fogo que queima
muito
e como queima muito
custa mais
a apagar
do que o fogo com fumo
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Legião Urbana
Monte Castelo
Canção do álbum As quatro estações, 1989. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=53W3u-74Nz0
Bibliografia recomendada
AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Sonetos de Camões. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 2004.